A Aplicação Da Teoria Dos Punitive Damages Nas Relações De

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    CNEC/FACECA

    Faculdade Cenecista de Varginha

    Simone Moreira da Costa

    A APLICAO DA TEORIA DOSPUNITIVE DAMAGESNAS RELAES DE

    TRABALHO

    Varginha2011

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    Simone Moreira da Costa

    A APLICAO DA TEORIA DOSPUNITIVE DAMAGESNAS RELAES DE

    TRABALHO

    Varginha2011

    Monografia apresentada ao curso de Direitoda Faculdade Cenecista de Varginha, comorequisito parcial para obteno do grauBacharel em Direito.rea de concentrao: Direito do Trabalho.Orientador: Professor Joaquim DonizetiCrepaldi.

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    Simone Moreira da Costa

    Monografia intitulada A Aplicao da Teoria dos Punitive Damages nas Relaes DeTrabalho, aprovada como requisito parcial para obteno do grau em Bacharel em Direitono Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha.

    Banca Examinadora

    Prof: Ms. Joaquim Donizeti Crepaldi - Orientador

    Prof: Hugo Jos de Oliveira Filho - FACECA

    Prof:Makvel Reis do Nascimento - FACECA

    Prof: Ms. Joaquim Donizeti CrepaldiCoordenador do Curso de Direito

    Varginha, 29 de outubro de 2011.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus, que em todos os momentos difceis de minha vida,

    tem sido o meu verdadeiro escudo, sempre me amparando, e dando-me a certeza de que, aps

    uma noite sombria vir uma manh clara e radiante.

    minha ex-orientadora de estgio na Justia Federal e hoje minha amiga Priscila

    Ximenes, agradeo por suas palavras de apoio, pelo emprstimo de obras utilizadas na

    confeco deste e por seus conhecimentos jurdicos dispensados.

    Em especial, agradeo ao meu companheiro Robson por me ajudar a encontrar o tema,

    pela pacincia em ouvir os meus desafogos e inseguranas, e ainda, pelas crticas e preciosassugestes na confeco deste trabalho.

    E por fim, agradeo ao meu orientador Joaquim Donizeti Crepaldi e a todos os

    professores pela pacincia e ensinamentos proporcionados durante o curso.

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    Um homem se humilha/ Secastram seu sonho/ Seu sonho sua vida/ E a vida trabalho/ E

    sem o seu trabalho/ Um homemno tem honra/ E sem honra/ Semorre, se mata. (Gonzaquinha)

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    RESUMO

    Passados mais de sessenta anos de vigncia da Consolidao das Leis do Trabalho e mais de

    vinte anos da promulgao da atual Constituio Federal, tendo como um dos pilares

    fundamentais a dignidade da pessoa humana e ainda, o direito ao trabalho como instrumento

    para sua concretizao, o cotidiano laboral se revela contrrio a essas disposies normativas,

    pois, com o fito de aumentar a produtividade e obteno de lucro a todo custo, tem se notado

    reiteradas condutas de violao das diversas normas protetivas e direitos por parte dos

    empregadores. Nesse contexto, com a inteno de examinar mecanismos aptos a dar maior

    efetividade s decises que permeiam o ambiente laboral, o presente trabalho monogrficotem por escopo examinar o instituto dos punitive damages, de origem anglo-sax. Com esse

    intuito foi realizada pesquisa em acervos bibliogrficos (livros, artigos, peridicos etc.), na

    rede mundial de computadores e examinada a jurisprudncia dos Tribunais do Trabalho. A

    questo foi ento analisada sob a tica de sua conformidade com o ordenamento jurdico

    nacional e particularmente com o direito do trabalho, confrontando as divergncias

    doutrinrias e jurisprudenciais, bem como delimitando o campo de sua aplicao.

    Considerando a necessidade de dotar as relaes laborais de meio eficaz capaz de garantir aefetividade dos direitos trabalhistas e preservar a dignidade da pessoa humana, concluiu-se

    pela aplicabilidade do instituto.

    Palavras-chave: Punitive damages. Dignidade da pessoa humana. Meio ambiente laboral.

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    ABSTRACT

    More than sixty years after the Consolidated Labor Laws legal effect and more than twenty

    years after the current Federal Constitution, based in human beings dignity, among others

    fundamental pillars and also the right to work as an instrument to its concretization, daily

    labor environment reveals contrary to these normative provisions. In order to increase

    productivity and profits acquiring by any cost, repeated violation acts against protective laws

    conducted by employers have been perceived. In this context, with the intension of examining

    the adequate mechanisms to enforce labor environment jurisdictional decisions, the present

    work has the objective to exam the Anglo-Saxon originated punitive damage institute. Withthis intension, a bibliographic research has been made (books, articles, magazines etc.),

    including on World Wide Web and through Labors Courts jurisdictions. The matter has been

    analyzed according to the national Legal System and particularly to Labor Law. Doctrinarian

    and jurisprudential controversies have been compared, as well as its applications field has

    been delimitated. Considering the need of giving an effective tool, capable of guaranteeing

    labor rights effectiveness and human beings dignity, it came to the conclusion of the

    institutes applicability.

    Key words: Punitive damages, human beings dignity, labor environment.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ...................................................................................................................... 09

    2 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL .................................................................. 11

    2.1 Teoria Geral da Responsabilidade Civil. Aspectos Gerais. Pressupostos ............................. 11

    2.2 O Dano Moral ........................................................................................................................ 13

    2.2.1 O dano moral coletivo ou social ......................................................................................... 14

    2.2.2 O enquadramento do assdio .............................................................................................. 16

    2.3 Arbitramento da Indenizao por Dano Moral. Funo Compensatria versusSancionatria ............................................................................................................................... 17

    3 A TEORIA DOSPUNITIVE DAMAGES............................................................................. 20

    3.1 Histrico e Evoluo nos Pases da Common Law ................................................................20

    3.2 Conceito e Finalidade. Punio e Dissuaso (preveno) ...................................................... 21

    3.3 Diretrizes e Condies para Aplicao .................................................................................. 23

    4 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ................................................................................. 25

    4.1 Incurses Propeduticas. Moldura Ftica .............................................................................. 25

    4.2 A Catica Realidade Quanto Violao Contumaz e Sistemtica de Direitos e Obrigaes

    Contratuais Trabalhistas .............................................................................................................. 26

    4.3 O Aspecto da Segurana no Trabalho. Acidentes Laborais e Doenas Ocupacionais .......... 29

    4.4 A Questo do Assdio no Ambiente de Trabalho ................................................................. 32

    5 FUNDAMENTOS PARA APLICAO (OU NO) DO INSTITUTO NA SEARA

    JUSLABORAL .......................................................................................................................... 34

    5.1 Tratamento Legal (ou no) da Matria no Direito Ptrio ...................................................... 34

    5.2 Hermenutica Jurdica Contempornea. O Ordenamento Infraconstitucional e sua

    Interpretao a Luz dos Preceitos Constitucionais. O Dilogo das Fontes Normativas .............. 36

    5.3 Ensaio Sobre a (In) Possibilidade da Adoo do Instituto no Direito Ptrio ........................ 38

    5.4 Aplicao do Instituto nas Relaes Laborais ....................................................................... 46

    6 CONCLUSO .......................................................................................................................... 52

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    REFERNCIAS ........................................................................................................................ 55

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    1 INTRODUO

    As relaes trabalhistas brasileiras so marcadas pelo intervencionismo estatal ao

    estabelecer normas imperativas, de fora cogente, irrenunciveis pelas partes, visando garantir

    condies mnimas de trabalho em observncia ao princpio da dignidade humana.

    Esse intervencionismo se faz necessrio devido sua importncia social em proteger o

    empregado, parte hipossuficiente nas relaes trabalhistas, com o propsito de atenuar as

    desigualdades existentes no contrato celebrado entre empregador e empregado.

    No obstante as normas de proteo e a ingerncia estatal, verifica-se a prtica de

    condutas ilcitas por parte dos empregadores que, alm de serem recorrentes, na maioria dasvezes, so graves e reiteradas.

    nesse cenrio que surge a necessidade de se perquirir em outros ordenamentos

    jurdicos por mecanismos que auxiliem o ordenamento ptrio em coibir a reincidncia dessas

    condutas. Nesse nterim, nos deteremos em verificar a aplicao do instituto dos punitive

    damages como medida de eficcia social em relao ao expressivo nmero de violao

    legislao trabalhista e aos direitos da dignidade da pessoa humana nsitos ao trabalhador.

    A seu turno, os aplicadores do direito juslaboral debruam-se em intensos embatesquanto possibilidade, ou no, de sua aplicao na seara trabalhista.

    Para a realizao deste trabalho foi utilizado o mtodo indutivo, no qual a partir da

    colheita de proposies especficas buscou-se a confirmao da hiptese e quanto ao mtodo

    de procedimento, foi adotado o monogrfico.

    Assim, este estudo parte inicialmente de uma sucinta anlise da responsabilidade civil

    no Brasil, para depois perscrutar, ainda que de forma breve, sobre os aspectos histricos,

    origem e evoluo do instituto, bem como delinear os elementos necessrios para a suacompreenso e critrios de utilizao. Antes de aprofundar no cerne da questo, aborda de

    forma singela o meio ambiente do trabalho, palco central, onde efetivamente ocorrem as

    prticas abusivas e ilcitas pelo empregador.

    Chegando ao ncleo da discusso, sero abordados os fundamentos para aplicao (ou

    no) do instituto no cenrio jurdico nacional; passando por sua legalidade, pelas discusses

    doutrinrias e jurisprudenciais, bem como pelo crivo dos preceitos constitucionais,

    culminando pela anlise do emprego dospunitive damages nas relaes laborais.

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    Nesse contexto, longe da ambio de arrematar o assunto, espera-se apresentar

    algumas contribuies atinentes s indagaes acerca da adoo desse instituto na seara

    trabalhista.

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    2 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL

    2.1 Teoria Geral da Responsabilidade Civil. Aspectos Gerais. Pressupostos

    Antes de adentrarmos no mago do presente estudo, calha pincelar, ainda que em

    superficiais e trpegas linhas, as vigas bsicas que estruturam o instituto da responsabilidade

    civil.

    Comumente, a expresso responsabilidade denota a idia de assegurar, obrigao,

    encargo. Na seara jurdica, onde se tem como princpio geral de direito de que a ningum permitido prejudicar outrem, o vocbulo supra passa a indicar um dever jurdico imposto a

    uma pessoa em reparar o prejuzo causado a outrem.

    O fundamento essencial da responsabilidade civil encontra-se, pois, na parmia do

    neminem laedere, segundo o qual a ningum dado lesar o patrimnio alheio o que, via de

    consequncia, traduz-se no imperativo de que toda ofensa deve acarretar a respectiva

    compensao ou ressarcimento. Em suma, a violao ao patrimnio alheio traz consigo

    inserta a obrigao indenizatria.Por conseguinte, a responsabilidade civil surge com a conduta humana que ofendendo

    o direito jurdico de algum, lhe cause algum tipo de prejuzo material ou moral.

    Para Amaral1 (2006, p. 545 apud BARROS; AGUIRRE, 2008, p. 153) a

    responsabilidade civil pode ser compreendida sob diferentes pontos de vista:

    Em sentido amplo, tanto significa a situao jurdica em que algum se encontra deter de indenizar outrem quanto a prpria obrigao decorrente dessa situao, ou

    ainda, o instituto jurdico formado pelo conjunto de normas e princpios quedisciplinam o nascimento, contedo e cumprimento de tal obrigao. Em sentidoestrito, designa o especfico dever de indenizar nascido de fato lesivo imputvel adeterminada pessoa.

    O art. 5, do Pergaminho Constitucional, em seus incisos V e X, baliza os fundamentos

    da responsabilidade civil, alando-a categoria de direito e garantia fundamental, estatuindo

    que:

    Art. 5 - Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    1AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introduo. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 545.

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    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termosseguintes:[...]V assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm daindenizao por dano material, moral ou imagem; grifo nosso

    [...]X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de suaviolao (BRASIL, CF/88, 2010, p. 7-8).

    No ambiente infraconstitucional, o Cdigo Civil disciplina a matria, notadamente, em

    seu Ttulo IX, dos quais, transcreve-se, por ora pertinentes, os seguintes artigos:

    Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187)2, causar dano a outrem, ficaobrigado a repar-lo.

    Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa,nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvidapelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.[...]Art. 944. A indenizao mede-se pela extenso do dano.Pargrafo nico. Se houver excessiva desproporo entre a gravidade da culpa e odano, poder o juiz reduzir, equitativamente, a indenizao.Art. 945. Se a vtima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a suaindenizao ser fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confrontocom a do autor do dano.[...]Art. 949. No caso de leso ou outra ofensa sade, o ofensor indenizar o ofendidodas despesas do tratamento e dos lucros cessantes at ao fim da convalescena, almde algum outro prejuzo que o ofendido prove haver sofrido.Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido no possa exercer o seuofcio ou profisso, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenizao, almdas despesas do tratamento e lucros cessantes at ao fim da convalescena, incluirpenso correspondente importncia do trabalho para que se inabilitou, ou dadepreciao que ele sofreu (BRASIL, CC/2002, 2010, p. 212-213).

    Dos matizes desse arcabouo legal possvel inferir os aspectos gerais da

    responsabilidade civil, do qual destaca-se a existncia da responsabilidade contratual (ou

    negocial), atrelada violao de uma regra estabelecida em contrato, bem como da

    responsabilidade extracontratual (ou aquiliana), ancorada no descumprimento de um preceito

    normativo, seja pela prtica de um ato ilcito (art. 186 do Cdigo Civil) ou pelo abuso no

    exerccio de um direito (art. 187 da Lei Substantiva).

    Essa ltima vertente (abuso do direito), alis, constitui relevante inovao legislativa

    inserta na Codificao Civil de 2002, em harmonia com o que se convencionou denominar de

    2Art. 186 Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a

    outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito (BRASIL, CC/2002, 2010, p. 161).Art. 187 Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites

    impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes (BRASIL, CC/2002, 2010,p. 161).

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    direito civil constitucional3, restando normatizado que os atos, ainda que lcitos, no podem

    ser praticados de forma divorciada da sua finalidade econmica e, sobretudo, social.

    Por outro vis, sem embargos da existncia de correntes doutrinrias divergentes,

    podemos assinalar que a reparao do dano pressupe o atendimento dos seguintes elementos

    ou pressupostos do dever de indenizar:

    a) conduta humana positiva (ao) ou negativa (omisso), normalmente

    qualificada como ilcita, em que pese o fato do comportamento lcito tambm respaldar o

    direito indenizao, nos casos abrangidos pela teoria da responsabilidade fundada no risco;

    b) ato culposo, geralmente relacionado imprudncia, negligncia ou impercia, ou

    doloso, consistente na transgresso intencional de um dever jurdico;

    c) nexo de causalidade, constitudo pela relao de causa e efeito entre o danoverificado e a conduta injurdica;

    d) o dano material ou extrapatrimonialsuportado pela vtima.

    Por escapar ao escopo do presente estudo, ainda que academicamente tentadora,

    deixamos de esmiuar e revolver as profundas entranhas tericas de cada um desses

    elementos.

    Em sntese, o dever de reparao reclama a existncia de um dano indenizvel, da

    conduta injurdica, do liame causal e da culpabilidade. Ressalte-se, apenas, que, no caso deresponsabilidade objetiva, sua incidncia dispensa a presena do elemento culposo (ou

    doloso).

    2.2 O Dano Moral

    O dano moral, tambm nominado de extrapatrimonial ou imaterial, encontra-se

    presente quando a conduta indevida invade a esfera imaterial da personalidade do ofendido,

    causando abalos em seu patrimnio ideal, entendido como sendo aquele que envolve atributos

    inerentes personalidade humana, honra, intimidade, vida privada e imagem da pessoa.

    3Nessa senda, prelecionam Farias e Rosenvald: No significa que o Direito Civil tende a deixar o campo dodireito privado. Muito pelo contrrio, reafirma sua posio tpica na seara do privatista, porm

    redesenhado e revisitado, a partir das prescries constitucionais, que lhe emprestam um novo contedo e

    dinmica, proclamando a afirmao dos valores fundamentais. (2008, p. 14; grifo do autor).

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    Filho (2003, p. 623) conceitua-o como sendo "o sofrimento provocado por ato ilcito

    de terceiro que molesta bens imateriais ou magoa valores ntimos da pessoa, os quais

    constituem o sustentculo sobre o qual sua postura nas relaes em sociedade erigida".

    Impende realar que o dano moral in re ipsa, ou seja, evidencia-se pela simples

    verificao da ofensa ao bem jurdico, independente da necessidade de prova de que a vtima

    tenha sofrido algum abalo passvel de indenizao. Em harmonia com essa concepo, o

    elucidativo magistrio de Cavalieri Filho, para quem

    Seria uma demasia, algo at impossvel, exigir que a vtima comprove a dor, atristeza ou a humilhao atravs de depoimentos, documentos ou percia; no teriaela como demonstrar o descrdito, o repdio ou o desprestgio atravs dos meiosprobatrios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno fase dairreparabilidade do dano moral em razo de fatores instrumentais.Neste ponto a razo se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral est

    nsito na prpria ofensa, decorre da gravidade do ilcito em si. Se a ofensa grave ede repercusso, por si s justifica a concesso de uma satisfao de ordempecuniria ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; derivainexoravelmente do prprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipsofacto est demonstrado o dano moral guisa de uma presuno natural, umapresuno hominis ou facti, que decorre das regras da experincia comum. Assim,por exemplo, provada a perda de um filho, do cnjuge, ou de outro ente querido, noh que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do prprio fato deacordo com as regras de experincia comum; provado que a vtima teve o seu nomeaviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-Ihe- exigido provar, por isso

    que o dano moral est in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do prpriofato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado est o dano moral (2010, p. 90).

    De outro turno, advirta-se que no qualquer aborrecimento, enfado, dissabor,

    melindre ou simples descontentamentos, atvicos ao mero convvio social, mas amplificados

    pela sensibilidade exacerbada do suposto ofendido, que ter o condo de atrair a

    caracterizao do dano moral, sob pena de banalizao e desmoralizao desse importante

    instituto4.

    2.2.1 O dano moral coletivo ou social

    A indenizao pelo dano moral coletivo encontra amparo no ordenamento jurdico

    ptrio na Lei 7.347/85 que, em seu art. 1, incisos I e IV, estatui:

    4Nesse sentido, a ttulo ilustrativo, calha trazer lume o Enunciado 159, aprovado na III Jornada de DireitoCivil, promovida pelo Conselho da Justia Federal: O dano moral, assim compreendido todo oextrapatrimonial, no se caracteriza quando h mero aborrecimento inerente a prejuzo material.

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    Art. 1. Regem-se pelas disposies desta Lei, sem prejuzo da ao popular, asaes de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:I - ao meio ambiente;[...]IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (BRASIL, Lei 7.347/85, 2010, p.

    1158).

    Dessa forma, o dano moral, em sua relevante dimenso coletiva, consubstancia-se

    quando a conduta injurdica praticada repercute na coletividade, violando interesses que

    ultrapassam o limite do individual, para atingir valores fundamentais da sociedade.

    propsito do tema, Medeiros Neto, pondera que:

    A compreenso do dano moral coletivo no se conjuga diretamente com a ideia de

    demonstrao de elementos como perturbao, aflio ou transtorno coletivo. Firma-se, sim, objetivamente, dizendo respeito ao fato que reflete uma violao intolervelde direitos coletivos e difusos, cuja essncia tipicamente extrapatrimonial (2007, p.130).

    Com efeito, em uma sociedade de massa, multifacetria, onde a ordem econmica

    reveste-se de atributos de imprio5, salutar que os mecanismos jurisdicionais e processuais de

    soluo de conflitos, notadamente daqueles que atingem massificamente a dignidade da pessoa

    humana, tambm ganhem dimenso coletiva ou metaindividual.

    Em sede de direito do trabalho, como se expor ao longo deste arrazoado, so inmerasas situaes de reiterado desrespeito aos direitos da personalidade, com leso integridade moral

    da sociedade e afronta dignidade humana e ao valor social do trabalho, de modo a configurar o

    dano moral transidividual, reclamando, portanto, tutela coletiva diferenciada.

    Nessa linha de raciocnio, temos a lio de Teixeira, que vislumbra o dano moral coletivo

    no mbito das relaes de emprego como sendo

    a injusta leso a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade(maior ou menor), e assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral dedeterminado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou at mesmo de toda asociedade, causando-lhes sentimento de repdio, desagrado, insatisfao, vergonha,angstia ou outro sentimento psico-fsico (2000, p. 129).

    Por tal espargir, a leso ocasionada aos interesses imateriais, mediante conduta(s)

    transgressoras da ordem jurdica, assimiladas em uma perspectiva global ou coletiva, com

    repercusses em massa, provoca inegvel abalo da imagem e do sentimento coletivo de direito e

    justia.

    5Vide as inmeras crises econmicas e financeiras globais vivenciadas nos tempos coevos.

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    2.2.2 O enquadramento do assdio

    O termo assdio tem sua definio no Dicionrio Aurlio6 (p. 125 apud

    DALLEGRAVE NETO, 2007, p. 283) como qualquer insistncia impertinente junto de

    algum com perguntas e pretenses, sendo empregado usualmente o termo bullying ou

    mobbing paracaracterizar a prtica do assdio moral, constituindo-se numa faceta da violao

    moral.

    O assdio moral pode ser compreendido como a prtica de uma conduta negativa,

    ostensiva, reiterada, persistente, insidiosa, que se prolonga no tempo, expondo uma pessoa a

    situaes humilhantes e constrangedoras, capazes de lhe ocasionar toda forma de danopsquico-emocional. No se coaduna, portanto, com condutas episdicas, pontuais,

    circunstanciais ou isoladas, que no se prolongam no curso da relao.

    Transcendendo o aspecto puramente individual, calha destacar o assdio moral

    organizacional, onde se tem a presena, ainda que mascarada, do abuso de poder, da

    manipulao nefasta e da adoo de polticas empresariais dirigidas ao conjunto de

    empregados, hbeis a causarem uma drstica ruptura na harmonia do ambiente laboral,

    tornando-o completamente insuportvel para aqueles que tanto necessitam desse para o seusustento, sempre com intuito de propiciar o atingimento das metas e resultados esperados pelo

    empreendimento.

    Harmonicamente ao narrado, Arajo7(p. 107 apudDALLEGRAVE NETO, 2007, p.

    286) d contornos formao do assdio moral organizacional:

    conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemticadurante certo tempo, em decorrncia de uma relao de trabalho, e que resulte no

    vexame, humilhao ou constrangimento de uma ou mais vtimas com a finalidadede se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo s polticas e metas daadministrao, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar emdanos morais, fsicos e psquicos.Baseado na ideia de que 'os fins justificam os meios', muitas empresas criam sistemasabsolutamente impessoais e perversos com o objetivo de atingir metas extremamenteagressivas, e, portanto, na persecuo destes, seus dirigentes acreditam ser legtimastodas e quaisquer estratgias de trabalho em nome do lucro e da eficincia.

    6FERREIRA, Aurlio Buarque de Hollanda. Pequeno Dicionrio Brasileiro da Lngua Portuguesa. 9 ed. Riode Janeiro: Civilizao Brasileira. p. 125.

    7 ARAJO, Adriane Reis de. O Assdio Moral Organizacional. 2006. p. 107. Dissertao (Mestrado emDireitos da Relaes Sociais) PUC So Paulo, So Paulo, 2006.

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    2.3 Arbitramento da Indenizao por Dano Moral. Funo Compensatria versus

    Sancionatria

    Questo das mais tormentosas alcana a seara do arbitramento da indenizao do dano

    moral. Doutrina e jurisprudncia navegam em guas turvas quando o assunto definir

    parmetros seguros para fixao do quantum indenizatrio da leso imaterial.

    A legislao omissa, ou pelo menos lacnica (qui intencionalmente), quanto ao

    estabelecimento de critrios para mensurao dessa indenizao.

    O Cdigo Civil, em seu art. 944, prescreve apenas que a indenizao mede-se pela

    extenso do dano (BRASIL, CC/2002, 2010, p. 213).Outros diplomas normativos j ambicionaram estabelecer parmetros indenizatrios,

    inclusive, gozando outrora de simpatia jurisprudencial, especialmente antes da Constituio

    Federal de 1988.

    A Lei 4.117/62 (Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes) estabelecia limites mnimo e

    mximo, variando entre cinco e cem salrios mnimos, a serem aplicados conforme a posio

    social ou poltica do ofendido, a situao econmica do ofensor, a intensidade do nimo de

    ofender, a gravidade e repercusso da ofensa. J a Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa)contemplava escala de valores entre dois e vinte salrios mnimos.

    Impende destacar que tramitam no Congresso Nacional projetos legislativos buscando

    estabelecer limitaes quantitativas das indenizaes em comento, podendo ser citado, entre

    muitos e a guisa de exemplo, o Projeto de Lei do Senado n. 334 de 2008, de autoria do

    parlamentar Valter Pereira8.

    Todavia, sem embargos de respeitveis entendimentos doutrinrios em sentido oposto,

    entendemos que a tarifao da indenizao do dano moral no constitui a melhor soluo paraacomodar as inquietaes que surgem em razo das discrepncias em torno dos valores

    fixados pelo Poder Judicirio.

    8 O art. 6 desse projeto apresenta a seguinte redao: O valor da indenizao por dano moral ser fixado deacordo com os seguintes parmetros, nos casos de: I morte: de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil reais) a R$249.000,00 (duzentos e quarenta e nove mil); II leso corporal: de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento ecinqenta reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais); III ofensa liberdade: deR$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais); IV ofensa honra: a) por abalo de crdito: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 83.000,00 (oitenta e

    trs mil reais); b) de outras espcies: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 124.500,00 (cento evinte e quatro mil e quinhentos reais); V descumprimento de contrato: de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento ecinqenta reais) a R$ 83.000,00 (oitenta e trs mil reais).

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    Tal entendimento amordaaria a funo jurisdicional, atribuindo suposta padronizao

    a um universo que envolve um nmero incalculvel de variveis, muitas delas inerentes ao

    ntimo do indivduo, retirando do magistrado o poder de, em conformidade com as nuances do

    caso concreto, mensurar com prudncia e razoabilidade o valor adequado hiptese sub

    examine.

    Comungando com tal inteleco, Diniz pontifica que:

    Tarifar no seria a soluo ideal para encontrar o justo equilbrio na indenizao dodano moral; dever-se-ia, ensina Zavala de Gonzalez, considerar a teoria daregulao normativa do quantum indenizatrio, que indicasse critrios objetivosou bases que levem a uma reparao eqitativa, uma vez que no se fixam pisosmximos ou mnimos, deixando-se uma margem de avaliao judicial, que

    possibilite transpor os reguladores indicativos em lei.Parece-nos que dever haver uma moderao na quantificao do montanteindenizatrio do dano moral, sem falar na necessidade de previso legal contendocritrios objetivos a serem seguidos pelo rgo judicante no arbitramento. Naliquidao judicial, o magistrado tem, ante a fluidez e a subjetividade do sofrimento,o dever de apurar, com seu prudente arbtrio, os critrios a serem seguidos e oquantum debeatur, tendo por standardo homem mdio na sociedade ao examinar agravidade do fato e a dimenso do dano moral ocorrido e ao ponderar os elementosprobatrios (2003, p.95, grifo da autora).

    Frise-se, ainda, haver fundados questionamentos sobre a constitucionalidade dessas

    tentativas de tarifao da quantificao da indenizao do dano moral, por ofensa ao princpioda isonomia insculpido no art. 5 da Carta Magna.

    Isso no quer dizer, contudo, que no possam ser estabelecidos critrios ou

    balizamentos para moldar e conduzir a atuao do magistrado. Nessa ordem de idias, a

    prpria jurisprudncia j vem adotando parmetros de arbitramento, tais como a gravidade do

    dano, a intensidade da culpa, a extenso da leso, a relevncia do bem jurdico tutelado, a

    situao econmica e social dos envolvidos, que devem ser aferidos caso a caso, de forma

    equitativa, prudente e razovel.

    Estabelecidas tais premissas, ainda que de forma cerebrina, calha examinar as funes

    envolvidas na reparao do dano extrapatrimonial.

    Nesse aspecto, ressalvadas algumas divergncias didticas e doutrinrias, podemos

    assinalar que a quantificao da indenizao deve observar dupla finalidade: a funo

    compensatria (ou satisfativa) e a funo sancionadora.

    A faceta satisfativa tem por escopo a compensao vtima pela ofensa sofrida, em

    conformidade com a extenso do dano.

    J a funo sancionadora busca, atravs da punio ao ofensor, desencorajar a adoo

    de futura conduta semelhante. bem verdade que alguns estudiosos, diante desse objetivo,

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    preferem identificar uma nova funo apartada, nominada de scio-preventiva (dissuatria,

    pedaggica ou educativa), consubstanciada na finalidade de se desmotivar a repetio da

    infrao.

    Nessa moldura jurdica, vivel, pois, sintetizar a diviso das funes da

    responsabilidade civil em compensatria e punitiva (em sentido amplo) ou, ainda para aqueles

    com simpatia pela exatido terica, em compensatria, punitiva (em sentido estrito) e

    preventiva (ou dissuatria).

    Em consonncia com essa ltima vertente, colhe-se do elucidativo magistrio de

    Gagliano e Pamplona Filho:

    Na primeira funo, encontra-se o objetivo bsico e finalidade da reparao civil:retornar as coisas ao status quo ante. Repe-se o bem perdido diretamente ou,quando no mais possvel tal circunstncia, impe-se o pagamento de um quantumindenizatrio, em importncia equivalente ao valor do bem material oucompensatrio do direito no redutvel pecuniariamente.Como uma funo secundria em relao reposio das coisas ao estado em que seencontravam, mas igualmente relevante, est a idia de punio do ofensor. Emboraesta no seja a finalidade bsica (admitindo-se, inclusive, a sua no-incidnciaquando possvel a restituio integral situao jurdica anterior), a prestaoimposta ao ofensor tambm gera um efeito punitivo pela ausncia de cautela naprtica de seus atos, persuadindo-o a no mais lesionar (2006, p. 21).

    No que toca essencialmente ao objeto do presente estudo, subsiste acirrada cizniasobre o alcance e extenso da funo punitiva/exemplificativa da indenizao por dano moral,

    o que ser examinado em pormenores no curso deste trabalho.

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    3 A TEORIA DOSPUNITIVE DAMAGES

    3.1 Histrico e Evoluo nos Pases da Common Low

    A teoria dos punitive damages tem sua gnese nos pases da comunidade anglo-sax,

    onde vigora o sistema jurdico da common law, caracterizado pela possibilidade da criao de

    um ordenamento jurdico derivado de precedentes e decises judiciais, normalmente,

    envolvendo matrias no reguladas de forma expressa pelo legislador. Dito de modo outro, o

    direito criado atravs da soluo judicial de casos concretos9.Com supedneo no abalizado e profcuo estudo elaborado por Martins Costa e

    Pargendler (2005), pode-se afirmar que a primeva adoo do instituto dospunitive damagesdeu-

    se em territrio ingls, em 1278, atravs do Statute of Councester, sendo aplicado a partir do

    sculo XIII nas hipteses de danos extrapatrimoniais.

    Mencionadas juristas acentuam que seu desenvolvimento ocorreu, notadamente, a partir

    do sculo XVIII, onde, j nos idos de 1763, era utilizado pelos tribunais ingleses nos moldes

    hodiernos, com a concesso de indenizaes significativamente elevadas em casos de relevanteclamor social. Asseveram que a indenizao punitiva veio a ser desenvolvida no sculo XVIII,

    quando se criou a doutrina dos exemplary damagescomo um meio para justificar a atribuio de

    indenizao quando no havia prejuzo tangvel, ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais

    (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 18).

    Nos tempos coevos, a teoria encontrou solo frtil nos Estados Unidos, onde aflorou

    vicejante e desenvolveu-se de forma caudalosa, com notria aplicao em sede de

    responsabilidade aquiliana

    10

    .Moraes assevera que:

    Em terreno norte-americano, a utilizao do instituto ganhou amplitude e relevo,sobretudo entre as dcadas de 70 e 90, em aes consumeristas, sendo que, a partir demeados dos anos 90, sua adoo sofreu alguma conteno, passando a visar

    9Em contraposio, temos o sistema da civil law, de origem romana, vigente na maior parte dos pases ocidentais,como no Brasil, onde preponderam, essencialmente, os ordenamentos e as codificaes emanadas das CasasLegislativas.

    10Afirmam Martins-Costa e Pargendler que: Em outras palavras, ospunitive damagess podem ser concedidos narelao extracontratual quando provadas circunstncias subjetivas que se assemelham categoria continental dodolo, quais seja: malice, wantonness, willfulness, opresion, fraud, entre outras (2005, p. 19).

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    especialmente aquelas condutas notoriamente temerrias, abusivas ou fraudulentas(2007, p. 56-57).

    Por esse vis, ao longo dos anos, alguns Estados americanos, atravs de suas legislaes

    prprias e, ainda, os prprios tribunais, incluindo a Suprema Corte, tem procurado estabelecer

    pressupostos para a aplicao do instituto, com intuito de prevenir o desvirtuamento e abuso na

    sua utilizao (SCHREIBER, 2007).

    Nesse timo, diversos Estados tm optado pela edio de atos normativos estipulando

    tetos de indenizaes a serem concedidas a ttulo de punitive damages, bem como

    regulamentando a destinao (parcial ou total) dos pagamentos para fundos pblicos.

    Como se v dessa breve remisso histrica, se na Inglaterra foram tocadas as primeiras

    notas e entoados os acordes iniciais do instituto, nos Estados Unidos que a sinfonia ecoou em

    seus tons mais elevados, tendo como maestros os juzes dos tribunais do jri. bem verdade que

    tais orquestras algumas vezes desafinam, o que exige intervenes e novos ensaios, mas nem

    por isso h ameaa da exterminao desse tradicional estilo musical.

    3.2 Conceito e Finalidade. Punio e Dissuaso (preveno)

    O instituto dos punitive damages, tambm nominado de exemplary damages,

    vindictive damages, punitory damages, added damages, aggravated damages, speculative

    damages, imaginary damages ou smart Money, em linhas superficiais, consiste no

    procedimento de agregar-se ao quantum indenizatrio um reforo de valor, com intuito de,

    mediante esse aditamento sancionatrio, inibir a repetio de outras condutas danosas como

    aquelas praticadas.Essa a concepo introdutria didtica que se colhe do esclio de Martins-Costa e

    Pargendler:

    Tal qual delineada na tradio anglo-sax, a figura dos punitive demages pode serapreendida, numa forma introdutria e muito geral, pela idia de indenizaopunitiva (e no dano punitivo como s vezes se l). Tambm chamados deexemplary demages, vindictive demages ou smart money, consistem na soma emdinheiro conferida ao autor de uma ao indenizatria em valor expressivamentesuperior ao necessrio compensao do dano, tendo em, vista a dupla finalidade de

    punio (punishment) e preveno pela exemplaridade da punio (deterrence)opondo-se neste aspecto funcional aos compensatory dem ages, que consiste nomontante da indenizao compatvel ou equivalente ao dano causado, atribudo como objetivo de ressarcir o prejuzo (2005, p. 16).

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    Porto, dissertando sobre os exemplary damages, preleciona que:

    Trata-se, como o seu prprio nome indica, de uma indenizao to elevada que

    possa servir de exemplo aos outros membros da sociedade, no sentido de que ocomportamento do autor do dano de tal ponto condenvel que ele merece umasano complementar (1994, p. 126).

    Coelho pontua que:

    A indenizao punitiva criao do direito anglo-saxo. O objetivo originrio doinstituto impor ao sujeito passivo a majorao do valor da indenizao, com osentido de sancionar condutas especialmente reprovveis. Como o prprio nosindica, uma pena civil, que reverte em favor da vtima dos danos (2005, p. 432).

    Por essa vereda, a indenizao, estabelecida em montante significativamente superior,

    dissocia-se da mera idia de compensao do dano (compensatory damages), cedendo espao

    para a punio da conduta injurdica, com escopo da preveno decorrente desse

    sancionamento exemplar.

    Eis a os dois grandes pilares teleolgicos do instituto, a sua funo punitiva

    (punishment)e a sua finalidade preventiva ou dissuatria (deterrence).

    A latere dessas finalidades primordiais, caminham as funes de educao social e

    robustecimento do respeito ao ordenamento jurdico.

    Nesse nterim, a punio, ganha feio de verdadeiro exemplo social, visando ao

    desestmulo de condutas semelhantes, pois, o que se quer atingir no o dano, mas sim a

    conduta ofensiva do agente.

    Dito de modo outro, o carter primordial dessa indenizao adicional encontra-se mais

    atrelado punio do agente agressor, do que efetiva compensao do dano sofrido pela

    prpria vtima11, sempre visando o desestmulo repetio da conduta reprovada. O foco ,

    ento, desviado da vtima e as luzes do espetculo recaem sobre o ofensor.

    Essa a razo pela qual muitos defendem que o instituto em comento tem seu cordo

    embrionrio vinculado seara do Direito Penal, sendo que o rompimento dessa ligao

    umbilical acarretou o seu acolhimento e crescimento no seio do Direito Civil, notadamente,

    na esfera da Teoria da Responsabilidade.

    Repdio ( conduta reprovada) e inibio (da sua repetio) constituem, portanto, as

    duas faces que cunham a moeda da indenizao exemplar. Embora faces distintas, so

    indubitavelmente convergentes.11Nas palavras de Martins-Costa e Pargendler (2005, p. 19), o foco passou a incidir no sobre a espcie do

    dano, mas sobre a conduta do causador.

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    Seria a transposio da clssica alegoria o crime no compensa para a seara do

    direito civil, passando a vigorar sobre a premissa de que a ilicitude (ou a ofensa) no

    compensa.

    3.3 Diretrizes e Condies para Aplicao

    Contudo, tal como na hiptese do arbitramento da indenizao por dano moral no

    direito ptrio, a aplicao da indenizao punitiva no prescinde de parmetros e balizamentos

    bsicos, como mecanismos de controle, sob pena, do contrrio, seu uso arbitrrio e abusivocomprometer a prpria sobrevivncia do instituto.

    Martins-Costa e Pargendler, em seu multicitado estudo, colacionam os pressupostos

    para aplicao da teoria em sede de direito norte-americano:

    I. O grau de reprovabilidade da conduta do ru (the degree os reprehensibility of thedefendant`s misconduct). Para aferir quo repreensvel a conduta, importante,segundo a Corte, atentar-se aos seguintes fatores: (1) se o prejuzo causado foi fsicoou meramente econmico; (2) se o ato ilcito foi praticado com indiferena ou total

    desconsiderao com a sade ou a segurana dos outros (the tortious conductevinced na indifference to or a reckless disregard os the health or safety of others);(3) se o alvo da conduta uma pessoa com vulnerabilidade financeira; (4) se aconduta envolveu ao repetidas ou foi um incidente isolado; (5) se o prejuzo foi oresultado de uma ao intencional ou fraudulenta, ou foi um mero acidente;

    II. A disparidade entre o dano efetivo ou potencial sofrido pelo autor e os punitivedamages;

    III. A diferena entre os punitive damages concedidos pelo jri e as multas civisautorizadas ou impostas em casos semelhantes (2005, p. 19).

    de se notar, portanto, que alm da indenizao compensatria vtima, a idia de

    punio conduta do agente ofensor, representaria uma efetiva busca de inibir a continuidade

    dessa conduta, passvel de ser utilizada, notadamente, depois que as medidas de preveno e

    coero se mostrarem ineficazes.

    Importa ressaltar, ainda, que, por imperativo lgico, no razovel se falar em

    aplicao desse plus indenizatrio em sede de responsabilidade objetiva, uma vez que nessa o

    exame da culpabilidade dispensvel, sendo incoerente a majorao da indenizao que visa

    justamente reprimir a ao dolosa ou culposa (no apurada nesse caso). Seria um

    contrassenso, pois, a aplicao de um acrscimo indenizatrio pelo mero exerccio de umaatividade de risco.

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    Abordar-se-o as demais condies para aplicao do instituto ao longo deste estudo.

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    4 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

    4.1 Incurses Propeduticas. Moldura Ftica

    por meio de seu trabalho que o homem assegura sua subsistncia e o

    desenvolvimento do pas, sendo certo que a Constituio de 1988 procurou proteger os

    valores mais importantes para a cidadania, dentre eles, tem-se a integridade fsica do

    trabalhador como direito e garantia fundamental.

    Nessa concepo, Canotilho e Moreira12(1993, p. 285 apudMORAES, 2008, p. 193)salientam:

    a individualizao de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, aolado de carter pessoal e poltico, reveste um particular significado constitucional,do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepo tradicional dos direitos,liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidado genricos eabstractos, fazendo intervir tambm o trabalhador (exactamente: o trabalhadorsubordinado) como titular de direitos de igual dignidade (grifo do autor).

    A Carta Magna, em seu art. 713, traz um rol exemplificativo, dos direitosfundamentais dos trabalhadores, dentre eles, erigindo como tal, o meio ambiente do trabalho,

    ao prover, em seu inciso XXII, a reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de

    normas de sade, higiene e segurana (BRASIL, CF/88, 2010, p. 12).

    O texto Constitucional tambm estabelece a proteo ao meio ambiente em geral no

    caput do art. 22514e ainda, dispe no art. 200, VIII, que caber ao Sistema nico de Sade,

    dentre outras atribuies, colaborar com a proteo do meio ambiente, nele compreendido o

    do trabalho (BRASIL, CF/88, 2010, p. 70).Para uma melhor compreenso, a expresso meio ambiente tem sua definio no art.

    3, I, da Lei 6.938/81 - Lei de Poltica Nacional de Meio Ambiente, como sendo o conjunto

    de condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permite,

    abriga e rege a vida em todas as suas formas (BRASIL, Lei 6.938/81, 2010, p. 1139).

    12CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituio da Repblica Portuguesa anotada. 3 ed.Coimbra: Coimbra, 1993. p. 285.

    13Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio

    social (BRASIL, CF/88, 2010, p. 11).14Art. 225 Todos tm direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadiaqualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para aspresentes e futuras geraes(BRASIL, CF/88, 2010, p. 71).

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    Dessa forma, pode-se conceituar o meio ambiente do trabalho como o conjunto de

    condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permitam a

    proteo sade e segurana, bem como uma melhor qualidade de vida do trabalhador em seu

    ambiente laboral.

    Na vereda de tais concepes, Fiorillo15(2004, p. 23 apudBRANDO16, 2010, p. 24),

    estabelece o meio ambiente do trabalho como

    o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais remuneradas esustenta que o equilbrio est baseado na salubridade do meio e na ausncia deagentes que comprometam a incolumidade fsico-psquica dos trabalhadores,independente da condio que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menoresde idade).

    Noutro turno, Barros, adverte que:

    Em geral, as condies em que se realiza o trabalho no esto adaptadas capacidade fsica e mental do empregado. Alm de acidente do trabalho eenfermidade profissionais, as deficincias nas condies em que ele executa asatividades geram tenso, fadiga e a insatisfao, fatores prejudiciais sade. Se nobastasse, elas provocam, ainda, o absentesmo, instabilidade no emprego e que da naprodutividade (2008, p. 1052).

    4.2 A Catica Realidade Quanto Violao Contumaz e Sistemtica de Direitos e

    Obrigaes Contratuais Trabalhistas

    O contrato de trabalho tipificado pela doutrina como pacto de adeso, pois o

    empregado a ele adere sem questionar as clusulas contratuais em si, uma vez que foram

    prefixadas, em parte, por lei ou norma, conveno coletiva e, em parte, pela vontade patronal(normas internas, regulamento da empresa etc.).

    Recorrendo novamente ao magistrio de Barros, assinala a autora sobre a definio de

    sua funo:

    Sua principal funo criar uma relao jurdica obrigacional entre as partes,porm, com o carter complementar, em face do extenso rol de normasimperativas previstas em lei ou instrumento coletivos, que fogem do domnio da

    15FIORILLO, Celso Antnio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4 ed. So Paulo: Saraiva, 2003.p. 23.

    16Cludio Mascarenhas Brando Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 5 Regio - Bahia.

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    autonomia da vontade e compreendem aspectos relevantes do vnculoempregatcio(2008, 240-241); grifo nosso.

    Como bem apontado pela ilustre doutrinadora, as relaes criadas atravs dos

    contratos trabalhistas possuem um carter complementar, que fogem do domnio das partes,

    subsistindo uma gama de leis e de princpios protetivos que as envolve, uma vez que nessas

    persistem uma clara situao de hipossuficincia referente ao empregado perante o

    empregador.

    Por conseguinte, em relao ao empregado nasce a obrigao de prestar o trabalho

    (obrigao de fazer) e, em contrapartida, nasce para o empregador no s a obrigao de

    pagar o salrio (obrigao de dar), mas tambm, segundo Belmonte, outras obrigaes do

    empregador, como:

    [...] limitar a exigncia dos afazeres obreiros aos exatos limites da funo e daqualificao profissional do empregado; no pode, sem o consentimento dotrabalhador, alterar as clusulas contratuais essenciais; deve respeitar os direitospersonalssimos do empregado (honra, imagem, intimidade, vida privada,integridade fsica, sade, etc.); deve cumprir as normas legais e coletivas demelhoria das condies de trabalho, inclusive as de garantia da higiene e seguranado trabalho; deve remuner-lo, integralmente, no tempo, modo forma e lugar dopagamento (2004, p. 420).

    No obstante os deveres assinalados, o empregador usando inadequadamente as

    prerrogativas asseguradas pelo poder empregatcio/regulamentar e consciente de que o

    trabalhador possui como nica fonte de sobrevivncia sua fora de trabalho, muitas das vezes

    simplesmente no cumpre o acordado.

    Na esteira do ponderado, faz-se salutar trazer a advertncia de Pl Rodrigues, para

    quem

    [...] As faculdades patronais no so concedidas para a arbitrariedade nem para quese cometam injustias ou discriminaes pessoais. O poder diretivo da empresa selegitima, na medida em que cada empresa deve ser conduzida e orientada, com umsentido de unidade, para a obteno de seu fim econmico, que o que justificousua existncia. Mas no pode servir para a obteno de seu fim econmico, que oque justificou sua existncia. Mas no pode servir para vinganas nem perseguiespessoais, nem para a atuao caprichosa ou irracional (2000, p. 404).

    Cumpre assinalar tambm que certas empresas/empregadores calculam o custo

    benefcio de sua reiterada conduta lesiva, uma vez que, em eventuais aes impetradas por

    seus empregados, o valor dessas so inferiores ao lucro obtido em relao ao descumprimentodas normas protetivas no desempenho de suas atividades.

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    Como exemplo de violao de obrigaes trabalhistas contratuais, muitas vezes

    adotadas com intento de reduo de custos, poder-se-ia citar: a submisso dos trabalhadores a

    longas jornadas de trabalho, porm, sem o correto pagamento das horas extraordinrias; a

    supresso do descanso semanal, sem a sua devida compensao ou pagamento; a sujeio dos

    obreiros condies laborais insalubres, sem o fornecimento de EPI e/ou pagamento do

    adicional respectivo.

    Outro exemplo, que vem ganhando notoriedade na regio do sul de Minas, o

    transporte irregular de trabalhadores rurais, onde na maioria das vezes realizado em

    carrocerias de caminhes, como se esses fossem uma mera mercadoria, ausente qualquer

    preocupao patronal com a segurana desses empregados, mensurando-se apenas a relao

    custo versusrisco de flagrante fiscalizatrio. O resultado dessa negligncia tambm pblicoe notrio: acidentes com vtimas fatais17.

    No se pode olvidar, ainda, do trabalho escravo, sendo essa, indubitavelmente, a pior e

    mais devasta forma de trabalho desumano.

    E sobre a prtica dessas condutas reprovveis, extrai-se do magistrio de Delgado18

    (2003, p. 39 apudMIRAGLIA19, 2010, p. 588):

    inconstitucional, para a Carta Mxima, a anttese o lucro ou as pessoas; a livreiniciativa e o lucro constitucionalmente reconhecidos e, nessa medida, protegidos so aqueles que agreguem valor aos seres humanos, convivncia e aos valores dasociedade, higidez do meio ambiente geral, inclusive o do trabalho.

    A respeito das ponderaes supra, salutar se faz tambm os dizeres de Dallegrave

    Neto:

    Com efeito, encontram-se vivos e profcuos os valores e princpios constitucionaisda atual Constituio Dirigente. Nunca o Brasil precisou tanto que sua Carta Poltica

    sasse do papel e fosse efetivamente cumprida. Os princpios constitucionais deproteo ao trabalhador e do primado ao trabalho, bem como a clusula geral dafuno social do contrato, devem ser abundantemente utilizados pelo operador

    jurdico.Diante desse quadro, ganha relevncia o enunciado geral que condiciona o exerccioda liberdade contratual ao limite de sua funo social, a exemplo da declarao de

    17 Para mais informaes sobre o assunto, confira-se reportagens jornalsticas sobre recentssimos infortniosocorridos na regio, disponveis em:. Acesso em: 01 set. 2011;. Acesso em: 01 set. 2011.18DELGADO, Mauricio Godinho. Princpios de direito individual e coletivo. 2 ed. So Paulo: LTr, 2004. p.39.

    19Lvia Mendes Moreira Miraglia mestre em Direito do trabalho pela PUC MG.

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    nulidade de eventual clusula em que o empregado aceita concorrer com os riscos daatividade econmica (2007, p. 346).

    Como j apontado, as relaes contratuais trabalhistas possuem aspectos peculiares e

    so regidas por normas de ordem pblica que transcendem os interesses puramente

    econmicos, no podendo o contrato de trabalho ser utilizado para fins escusos ou que

    desvirtuem a sua finalidade.

    4.3 O Aspecto da Segurana no Trabalho. Acidentes Laborais e Doenas Ocupacionais

    Indubitavelmente, uma das mais nefastas formas de violao dos direitos trabalhistas

    aquela que atinge a integridade fsica do empregado, culminando no acometimento de

    doenas ocupacionais ou acidentes laborais.

    Apesar dos avanos conquistados ao longo da histria, possvel perceber a

    precariedade das condies de trabalho nos ambientes laborais quando se verifica os altos

    ndices de acidentes trabalhistas e de doenas ocupacionais.

    No obstante, a Norma Consolidada fixa nos artigos 15720

    , 16221

    e 16622

    aobrigatoriedade de adoo, por parte das empresas, de medidas que tendem a prevenir a

    ocorrncia desses infortnios.

    Da mesma forma, a Lei 8.213/91, em seu 1, art. 19, estabelece: A empresa

    responsvel pela adoo e uso das medidas coletivas e individuais de proteo e segurana da

    sade do trabalhador (BRASIL, Lei 8.213/91, 2010, p. 1237).

    Assim, Brando emoldura o triste cenrio que envolve o tema, pontuando que:

    Dados da Previdncia Social apontam para aumento de 137% na concesso deauxlio-doena decorrente de acidente do trabalho e de doenas ocupacionais de125.246 para 293.912 entre abril de 2007 e fevereiro de 2008, em relao aoperodo de maio de 2006 a maro de 2007.

    20Art. 157 Cabe s empresas:I cumprir e fazer cumprir as normas de segurana e medicina do trabalho;II instruir os empregados, atravs de ordens de servio, quanto s precaues a tomar no sentido de evitar

    acidentes do trabalho ou doenas ocupacionais.21Art. 162 As empresas, de acordo com as normas a serem expedidas pelo Ministrio do Trabalho, estaro

    obrigadas a manter servios especializados em segurana e em medicina do trabalho.22Art. 166 A empresa obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteo individual

    adequado ao risco e em perfeito estado de conservao e funcionamento, sempre que as medidas de ordemgeral no ofeream completa proteo contra os riscos de acidentes e danos sade dos empregados(BRASIL, CLT, 2010, p. 805-806).

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    Na mesma linha, o registro de doenas infecciosas e parasitrias cresceu 3.701% emrelao ao perodo de maio de 2006 a maro de 2007 (saltou de 58 para 2.205casos). Os registros de neoplasias (tumores) aumentaram 2.102%, e os detranstornos mentais e comportamentais, 1.588%.Em nmeros absolutos, as leses, envenenamentos e outras conseqncias de causas

    externas so o principal motivo de concesso de auxlio-doena acidentrio: 149.244benefcios dos 239.912 concedidos no perodo.Em segundo lugar encontram-se as doenas do sistema osteomuscular e do tecido

    conjuntivo (LER/DORT), com 107.764 casos, o significa um crescimento emrelao ao perodo anterior. Os transtornos mentais, com 8.930 casos, ocupam oterceiro lugar, seguidos das doenas do sistema nervoso, com 8.396 ocorrncias.[...][...] estudo divulgado pela Organizao Internacional do Trabalho OIT no ltimo dia28 de abril revela que cerca de 2 milhes de pessoas morrem por ano em decorrnciade acidentes ou doenas relacionadas ao trabalho[...] (2010, p. 553).

    Acrescente-se a esses dados, a ttulo ilustrativo que, conforme relatrio elaborado por

    Cndida Costa, da Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, foi assentado que,

    entre 2004 e 2005, pelo menos 10 trabalhadores morreram de causas relacionadas ao excesso

    de trabalho (Karoshi)23, na regio canavieira de Ribeiro Preto, interior de So Paulo.

    De acordo com esse estudo, restou constatado que os bias-frias eram submetidos

    pssimas condies de trabalho, o que, somado ao pagamento por produtividade do corte de

    cana (por metro de cana colhido), favorecia a ocorrncia de mutilaes e tambm estavam

    vinculados a episdios de paradas cardacas e acidentes cerebrais hemorrgicos

    (CARREIRO24, 2007).

    Por acaso no que o Tribunal Superior do Trabalho, em comemorao aos setenta

    anos da Justia do Trabalho, promoveu a campanha nominada Programa Nacional de

    Preveno de Acidentes de Trabalho25, estampando em sua pgina eletrnica oficial dados

    alarmantes, a seguir transcrito:

    Segundo dados do Anurio Estatstico da Previdncia Social, em 2001 ocorreram nopas cerca de 340 mil acidentes de trabalho. Em 2007, o nmero elevou-se para 653

    mil e, em 2009, chegou a preocupantes 723 mil ocorrncias, dentre as quais foramregistrados 2.496 bitos. Ou seja, so quase sete mortes por dia em virtude deacidente de trabalho. Alm da perda de vidas humanas e dos dolorosos efeitosdecorrentes, os acidentes e doenas do trabalho causam relevante impactooramentrio: a Previdncia Social despende anualmente aproximadamente R$ 10,7bilhes com o pagamento de auxlio-doena, auxlio-acidente e aposentadorias26.

    23O termo Karoshi utilizado no Japo para definir morte por excesso de trabalho.24Libia Martins Carneiro analista judicirio do Tribunal Regional da 3 Regio Belo Horizonte/MG.25Disponvel em: . Acesso em: 01 set. 2011.26Disponvel em: . Acesso em: 01 set. 2011.

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    assusta e at intimida, muitos esto procurando cumprir a lei, adotando polticaspreventivas, nem sempre por convico, mas at mesmo por conveninciaestratgica. Gostando ou no do assunto, concordando ou discordando da amplitudeda proteo, o certo que o empresrio contemporneo, com vistas sobrevivnciaeconmica no sculo XXI, ter de levar em conta as normas a respeito da sade no

    ambiente de trabalho e a proteo integridade fsica e mental dos seus empregados(2005, p. 202).

    Diante desse panorama, conclui-se que o direito ao trabalho seguro, como garantia

    constitucional e legal, est longe de ser alcanado, pois, fica evidenciado que as normas de

    higiene e segurana do trabalho, bem como a preveno, so muitas vezes desprezadas pelos

    empregadores, ora pela falta de conscincia, ora motivado pela ganncia empresarial.

    4.4 A Questo do Assdio no Ambiente do Trabalho

    Uma das mais crescentes preocupaes do direito do trabalho atual o crescimento

    dos casos de assdio, sobretudo no seu aspecto organizacional, sendo certo que o empregador,

    abusando das prerrogativas inerentes a ele, atravs de reiteradas prticas abusivas, sujeita o

    trabalhador s polticas e metas da empresa, instituindo-se verdadeiro afrontamento aos

    direitos basilares garantidos constitucionalmente.

    Com a busca incessante do aumento da produtividade, so estabelecidas metas e

    mtodos de trabalho, que configuram em dissimulada transgresso a esses direitos, capazes de

    acarretar danos personalidade, integridade fsica ou psquica do trabalhador, ocasionando,

    assim, a degradao do meio ambiente do trabalho.

    Nesse sentido, pontual a observao realizada pelo jurista Bessa, do TRT da 12

    Regio:

    Nem sempre um ambiente de trabalho fisicamente perfeito pode significar sejasaudvel para o trabalhador ali inserido. Questes de ordem moral e psicolgicapodem influenciar, e muito, no resultado da anlise. A chamada sociedade de risco,fruto da globalizao, traz, com ela, novos riscos at pouco tempo desconhecidos:cobranas excessivas, estresse, queda na qualidade de vida, etc., todos eles presentesno ambiente do trabalho (2010, p. 560).

    E nessa busca desenfreada em alcanar metas e obter lucros, com a falsa iluso de

    garantia de seus empregos, os obreiros so submetidos ao trabalho at chegarem exausto,

    gerando assim, um verdadeiro terror psicolgico sobre esses, o chamado straining.

    Nesse contexto, oportuno a elucidao de Zangrando:

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    Ante a absoluta inexistncia de um sistema que proteja o trabalhador em face dodespedimento arbitrrio, a despeito da previso constitucional nesse sentido (CF, art.7, I), o fato que diversas empresas tm se utilizado de uma estratgia covarde, aqual se consubstancia num sistema de terror psicolgico.[...]

    Straining (do ingls strain, tensionar, puxar, esticar), a tenso decorrente doestresse forado pelo excesso de trabalho. Diferentemente do assdio moral, cujavtima individualizada, isolada do convvio dos demais colegas, e forada inatividade moralmente demolidora, no straining a vtima um grupo detrabalhadores de um determinado setor ou repartio, que obrigado a trabalharexaustivamente, produzir e obter resultados, sob grave presso psicolgica e ameaade sofrer castigos humilhantes, e ser despedido do emprego (2008, p. 1076).

    A adoo de tal prtica, straining,no ambiente laboral, pode [...] acarretar quadros de

    pnico e depresso, ou at mesmo levar morte ou ao suicdio (VILLELA28, 2010, p. 81).

    Tem-se, ento, que no apenas o ambiente fsico capaz de provocar mal aos

    trabalhadores, mas tambm constantes humilhaes, superviso excessiva, crticas

    infundadas, exigncia de realizao de tarefas em prazos exguos, dentre outros, so exemplos

    de atos que extrapolam as prerrogativas de comando do empregador.

    Note-se que o espao do trabalho saudvel deve ser visto como um direito do

    trabalhador a um ambiente em condies que propiciem a sua valorao social, enquanto ser

    humano, constituindo essas condutas perversivas em verdadeiras ofensas dignidade da

    pessoa humana.

    28Fbio Goulart Villela Procurador do Trabalho da 1 Regio.

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    5 FUNDAMENTOS PARA APLICAO (OU NO) DO INSTITUTO NA SEARA

    JUSLABORAL

    5.1 Tratamento Legal (ou No) da Matria no Direito Ptrio

    Em sede de direito conterrneo, dissentem os estudiosos sobre a existncia de respaldo

    legal para a aplicao dos exemplary damagesem nosso pas, em consonncia com o sempre

    apregoado respeito ao princpio da legalidade.

    Por influxo desse princpio, a corrente que perfilha entendimento contrrio adoodo instituto advoga que, em razo do seu carter sancionatrio, inexiste respaldo para

    aplicao de pena (ainda que de carter civil) sem lei anterior que a contemple.

    Por outro vis, os defensores da adoo da teoria rechaam a sua vinculao ao

    postulado que rege s sanes penais, considerando que se tratam de institutos de natureza

    diversa, com pressupostos e finalidades igualmente distintas.

    Significativa corrente doutrinria contrria adoo do instituto advoga a clareza que

    se extrai dos termos do alhures mencionando art. 944 do Cdigo Civil, ao estatuir que o valorda indenizao deve ser mensurado apenas pela extenso do dano, quedando-se silente sobre

    a conduta do ofensor. Acrescentam que to-somente permitido ao magistrado a reduo do

    montante indenizatrio nos casos de excessiva desproporo entre o dano e a culpa ( nico

    do art. 944 do CC), portanto, no sendo lhe sendo autorizada a elevao da indenizao por

    esse mesmo critrio.

    Por outro vis, alguns doutrinadores relacionam a previso contida no art. 42, nico,

    da Lei 8.078/90

    29

    (Cdigo de Defesa do Consumidor) com ensaio legal aplicao doinstituto. Esse o entendimento de Almeida, para quem

    a sano em tela tem funo pedaggica e inibidora de condutas lesivas aoconsumidor, tendo em vista em maior grau o interesse social no controle dasimperfeies do mercado do que propriamente o interesse particular do consumidorindividualmente considerado. Permite-se, assim, vislumbrar no dispositivo legal emcomento hiptese de aplicao dos chamados 'punitive damages' (indenizaes comfinalidade punitiva) do Brasil (2005, p. 167).

    29Art. 42. Na cobrana de dbitos, o consumidor inadimplente no ser exposto a ridculo, nem ser submetido a

    qualquer tipo de constrangimento ou ameaa.Pargrafo nico. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito repetio do indbito, por valorigual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correo monetria e juros legais, salvo hiptese deengano justificvel (BRASIL, Lei 8.078/90, 2010, p. 725).

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    De igual modo, h quem enxergue no nico do art. 404 do Cdigo Civil luz

    suficiente para a irradiao da figura em estudo no direito brasileiro.

    No se pode olvidar que o prprio projeto de lei que deu origem ao Cdigo de Defesa

    do Consumidor trazia em seu bojo a possibilidade da majorao da indenizao em razo da

    conduta do agente ofensor, como se infere da redao atribuda ao seu art. 16:

    Art. 16 - Se comprovada a alta periculosidade do produto ou do servio queprovocou o dano, ou grave imprudncia, negligncia ou impercia do fornecedor,ser devida multa civil de at um milho de vezes o Bnus do Tesouro Nacional -BTN, ou ndice equivalente que venha substitu-lo, na ao proposta por qualquerdos legitimados defesa do consumidor em juzo, a critrio do juiz, de acordo com agravidade e proporo do dano, bem como a situao econmica do responsvel. 30

    Contudo, tal dispositivo foi vetado, ao singelo argumento que o art. 12 e outras

    normas j dispem de modo cabal sobre a reparao do dano sofrido pelo consumidor. Os

    dispositivos ora vetados criam a figura da multa civil, sempre de valor expressivo, sem que

    sejam definidas a sua destinao e finalidade31.

    Impende sublinhar que tramita no Congresso Nacional o Projeto 6.960/200232, de

    autoria do Deputado Ricardo Fiza33, o qual prev a alterao do art. 944 do Cdigo Civil,

    para acrescer o pargrafo segundo a essa dispositivo, com a seguinte redao: 2 A

    reparao do dano moral deve constituir-se em compensao ao lesado e adequado

    desestmulo ao lesante.

    Tal modificao legislativa importaria, extremede dvidas, em insero da teoria dos

    punitive damages no ordenamento legislativo ptrio.

    Nada obstante o vcuo legislativo que permeia a vexata quaestio, h que se proceder

    ao seu exame de forma sistemtica e teleolgica, como a seguir se tentar demonstrar.

    30Disponvel em: . Acesso em: 25 ago. 2011.

    31Ibid.32Disponvel em: . Acesso

    em: 25 ago. 2011.33Sublinhe-se que o projeto encontra-se atualmente arquivado, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da

    Cmara, que prescreve o arquivamento, ao fim da legislatura, de todas as proposies que no seu decursotenham sido submetidas deliberao da Casa e ainda se encontrem em tramitao. Mencione-se, ainda, porlealdade ao leitor, que a Comisso de Constituio e Justia exarou parecer contrrio (ainda que sucinto esimplrio) aprovao do dispositivo em comento.

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    5.2 Hermenutica Jurdica Contempornea. O Ordenamento Infraconstitucional e sua

    Interpretao a Luz dos Preceitos Constitucionais. O Dilogo das Fontes Normativas.

    inegvel que a aplicao de qualquer instituto jurdico alheio aos lindes do direito

    ptrio passa pelo exame da sua conformidade com o ordenamento jurdico vigente no pas.

    Nessa ordem de idias, urge, pois, a necessidade de verificarmos se o instituto encontra

    campo de atuao na realidade jurdica nacional.

    Nos tempos hodiernos, a hermenutica jurdica tradicional, a par de sua inegvel

    importncia, cede espao aproximao da moderna interpretao jurdica, assim apreendida

    na precisa lio de Bonna:

    [...] a hermenutica jurdica contempornea, que gravita em torno da dignidade dapessoa humana, marcada pela incessante reconstruo e efetividade dos direitohumanos (histricos, universais e indivisveis), que pressupem uma interpretaocada vez mais progressiva e expansiva (2008, p. 65).

    Em outras palavras, no basta socorrer aos mtodos tradicionais de interpretao,

    cabendo o exame das questes postas sob a tica da inafastvel prevalncia dos direitos

    fundamentais.Reforando o sentido dessa premissa, Pimenta e Prata, magistradas, respectivamente

    do TRT da 3 e 2 Regio, lecionam que:

    Pois bem: aps (ou alm de) socorrer-se de todos esses mtodos, em conjunto ouseparadamente, o intrprete e aplicador da Norma Constitucional deve buscar asoluo que possibilite norma-regra interpretada realizar-se como um todo, damelhor forma possvel, e sem contrariar tambm os princpios constitucionais (2009,p. 231).

    Tepedino (2004), dissertando sobre a contempornea estruturao da tbua axiolgica

    que alicera a ordem jurdica vigente, menciona trs pilares bsicos. O primeiro, albergado na

    proteo da dignidade da pessoa humana(art. 1, III, da Carta Magna), reconhecido como

    o superprincpio ou princpio dos princpios. O segundo, estampado na solidariedade

    social (art. 3, I, c/c art. 170, da Constituio Federal), alado categoria de objetivo

    fundamental da Repblica. E o terceiro, insculpido no art. 5, caput, da Carta Poltica,

    consubstanciado no postulado da isonomia.

    Em sntese, a trilogia dignidade, solidariedade e isonomia que dar os tons que

    pincelam o quadro normativo das relaes sociais.

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    Nessa ordem de idias, facilmente observado que a aplicao do ordenamento

    jurdico exige seu imprescindvel exame sob a tica constitucional, sobretudo, em relao aos

    enunciados estruturais, lapidarmente emoldurados pelo professor Gustavo Tepedino, nos

    moldes acima aduzidos.

    Como argutamente percebido pela magistrada do Tribunal Regional da 15 Regio,

    Lima (2006, p. 118): a jurisdio compatvel com os objetivos do Estado democrtico de

    Direito aquela que procura dar efetividade aos princpios e regras (valores) consagrados na

    Constituio, concebendo ambos como normas jurdicas.

    Ainda que em outra linha de raciocnio, parece-nos adequado colacionar ao estudo o

    princpio constitucional da inafastabilidade da jurisdio, insculpido no art. 5, XXXV, da

    Carta Magna, modernamente encampada no apenas como o simples direito de acesso aojudicirio, mas como garantia de acesso ordem jurdica justa, consubstanciada em uma

    prestao jurisdicional clere, adequada e eficaz (DIDIER JR., 2007, p. 38). Importa, pois,

    concluir da que dever do Estado propiciar ao cidado e sociedade meios eficazes de

    acesso e realizao da justia.

    De outra vertente, calha destacar a relevncia do dilogo das fontes normativas, com o

    propsito da busca do aperfeioamento da tutela jurdica.

    O dilogo das fontes traduz a idia de que nenhum sistema jurdico est isolado dosdemais.

    Tartuce (2011) identificando os vrios tipos possveis de dilogo de fontes, destaca o

    dilogo da complementaridade ou da subsidiariedade, na qual pode haver a aplicao

    coordenada de duas normas, uma completando a outra, alm do dilogo de influncias

    recprocas sistemticas, quando os conceitos estruturais de uma determinada norma sofrem

    influncias de outra.

    Importa-nos aqui tratar, especificamente, do dilogo encetado entre o direito ptrio e ocomparado, quanto importao do instituto dos punitive damages e a sua aplicao no

    cenrio jurdico nacional.

    Essa interao reconhecida por ctedras de escol, a exemplo de Moraes (2004, p.

    46), ao asseverar que a teoria dos exemplary damages encontra-se assimilada pela

    jurisprudncia e pela doutrina brasileira, querendo ganhar consistncia legislativa.

    A mesma percepo pode ser inferida da obra de Bittar, ao pontuar que:

    [...] vem-se cristalizando orientao na jurisprudncia nacional que, j de longotempo, domina o cenrio indenizatrio nos direitos norte-americano e ingls. a dafixao de valor que serve como desestmulo a novas agresses, coerente com o

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    esprito dos referidos punitive damages ou exemplary damages da jurisprudnciadaqueles pases (1994, p. 219).

    Pela mesma razo, Venosa pontifica:

    inafastvel, tambm, como enfatizado, que a indenizao pelo dano moral possuicunho compensatrio somado a relevante aspecto punitivo que no pode sermarginalizado [...].H funo de pena privada na indenizao por dano moral, como reconhece o direitocomparado tradicional. No se trata, portanto, de mero ressarcimento de danos,como ocorre na esfera dos danos materiais. Este aspecto punitivo da verbaindenizatria acentuado em muitas normas de ndole civil e administrativa. Alis,tal funo de reprimenda acentuada nos pases da common law. Acrescente-se,ainda, o cunho educativo que essas indenizaes apresentam para a sociedade.Quem, por exemplo, foi condenado por vultosa quantia porque indevidamenteremeteu ttulo a protesto; ou porque ofendeu a honra ou imagem de outrem,

    pensar muito em faz-lo novamente(2006, p.284-285); grifo nosso.

    Desse modo, essa interao jurdica e a construo jurisprudencial dela advinda podem

    ter, como normalmente tem, o inexorvel condo de conduzir evoluo dos mecanismos de

    aplicao do direito, como costuma ocorrer nas vrias esferas de atuao.

    Investigar-se-, ento, a contribuio, a ttulo complementar ou de influncia

    sistemtica, que o regime dos punitive damages pode trazer ao sistema ptrio de

    responsabilidade civil.

    5.3 Ensaio Sobre a (In) Possibilidade da Adoo do Instituto no Direito Ptrio

    O tema pertinente viabilidade, ou no, da importao do instituto em exame e sua

    aplicabilidade nas relaes jurdicas internas comporta vasta ciznia doutrinria e

    jurisprudencial.

    Em abono da tese favorvel aplicao do instituto, subsistem doutrinadores da

    envergadura de Medeiros Neto, procurador do TRT da 21 Regio:

    Tratando-se de reparao em dinheiro, dever o valor ser arbitrado pelo juiz, luz daeqidade e do bom senso, observando-se em sua fixao o princpio pedaggico, aoagregar-se valor hbil a dissuadir outras condutas danosas, nos moldes do punitiveou exemplary damages praticados nos pases do common law. Dessa maneira,objetiva-se estabelecer a nota da exemplaridade da imposio pecuniria em relao sociedade, sancionando o lesante e desestimulando outros comportamentosassemelhados (2007, 162).

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    E ainda, de Bittar vislumbra-se o seguinte excerto:

    Adotada a reparao pecuniria - que, alis, a regra na prtica, diante dos

    antecedentes expostos - vem se cristalizando orientao na jurisprudncia nacionalque, j de longo tempo, domina o cenrio indenizatrio nos direitos norte-americanoe ingls. a da fixao de valor que serve como desestmulo a novas agresses,coerente com o esprito dos referidos punitive ou exemplary damages da

    jurisprudncia daqueles pases.Em consonncia com essa diretriz, a indenizao por danos morais deve traduzir-seem montante que represente advertncia ao lesante e sociedade de que se no seaceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se,portanto, em importncia compatvel com o vulto dos interesses em conflito,refletindo-se, de modo expressivo, no patrimnio do lesante, a fim de que sinta,efetivamente, a resposta da ordem jurdica aos efeitos do resultado lesivo produzido.Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razo das potencialidadesdo patrimnio do lesante [...].

    Ora, em momento em que crises de valores e de perspectivas assolam a humanidade,fazendo recrudescer as diferentes formas de violncia, esse posicionamento constituislida barreira jurdica a atitudes ou a condutas incondizentes com os padres ticosmdios da sociedade.De fato, a exacerbao da sano pecuniria frmula que atende s gravesconseqncias que de atentados moralidade individual ou social podem advir.Mister se faz que imperem o respeito humano e a considerao social, comoelementos necessrios para a vida em comunidade. Com essa tcnica que a

    jurisprudncia dos pases da common law tem contribudo, decisivamente, para aimplementao efetiva de um sistema de vida fundado no pleno respeito aos direitosda personalidade humana, com sacrifcios pesados aos desvios que se tmverificado, tanto para pessoas fsicas, como para pessoas jurdicas infratoras. (1994,p. 219-221).

    Noutro giro, juristas de igual prestgio, posicionam-se categoricamente contrrios ao

    acolhimento do preceito forneo34, citando-se, guisa de ilustrao, o magistrio de

    Gonalves:

    sabido que o quantum indenizatrio no pode ir alm da extenso do dano. Esse critrioaplica-se tambm ao arbitramento do dano moral. Se este moderado, a indenizao nopode ser elevada apenas para punir o lesante. A crtica que se tem feito aplicao, entrens, das punitive damages do direito norte-americano que elas podem conduzir aoarbitramento de indenizaes milionrias, alm de no encontrar amparo no sistema

    jurdico-constitucional da legalidade das penas, j mencionado. Ademais, pode fazer com

    que a reparao do dano moral tenha valor superior ao do prprio dano. Sendo assim,revertendo a indenizao em proveito do lesado, este acabar experimentando umenriquecimento ilcito, com o qual no se compadece o nosso ordenamento. Se a vtima jest compensada com determinado valor, o que receber a mais, para que o ofensor sejapunido, representar, sem dvida, um enriquecimento ilcito (2003 p.575).

    No mesmo sentido, Pamplona Filho:

    34Igual entendimento compartilha Zangrando: Por outro lado, talvez pela dificuldade que se encontre na realconstatao do dano moral, v-se atualmente a distoro completa do instituto pela adoo da chamada teoriado valor do desestmulo, consoante os padres norte-americanos que adotam os punitive damages, masdissonante dos preceitos constitucionais e legais que, no Brasil, disciplinam a matria (2008, p. 1043).

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    A natureza sancionatria no pode justificar, a ttulo de supostamente aplicar-se uma"punio exemplar", que o acionante veja a indenizao como um "prmio de loteria", "bada felicidade" ou "poupana compulsria" obtida s custas do lesante.A inobservncia dessas recomendaes de cautela somente far desprestigiar o PoderJudicirio Trabalhista, bem como gerar a criao de uma "indstria de litigiosidade sobre a

    honra alheia", algo condenvel jurdica, tica e moralmente (2002, p. 198-199).

    A jurisprudncia ptria tambm navega em guas turvas, como se infere dos arestos a

    seguir colacionados, exarados em sentidos diametralmente opostos, o primeiro, do Tribunal

    Regional do Trabalho da 5 Regio, BA, contrrio adoo do instituto, tem-se:

    EMENTA: DANO MORAL. INDENIZAO PUNITIVA. INDENIZAOREPARATRIA. O ordenamento jurdico ptrio no admite a indenizao punitiva,inclusive por ter natureza de sano (punitive damages). Somente admite a indenizao

    reparatria quando diante de danos morais. (TRT 5 Regio. Processo 0046500-38.2009.5.05.0037. Relator Desembargador Edilton Meireles. Terceira Turma.01/06/2010).

    E do Tribunal Regional do Trabalho da 23 Regio, MT, favorvel sua adoo,

    extrai-se:

    EMENTA: INDENIZAO POR DANO MORAL. ESTABELECIMENTO BANCRIO.EMPREGADO NO EXERCCIO DA FUNO DE CAIXA. TRANSPORTE DEDOCUMENTOS COM EXPRESSO MONETRIA. APLICAO DA TEORIAPUNITIVE DAMAGES OU EXEMPLARY DAMAGE. INOBSERVNCIA DASDISPOSIES DA LEI 7.102/83. INTELIGNCIA DO ART. 5, V e X, DACONSTITUIO FEDERAL, DOS ART. 159 DO CDIGO CIVIL DE 1916 E DO ART.186 DO CDIGO CIVIL DE 2002. O transporte de valores e documentos com expressoeconmica exige a observncia de critrios objetivos traados pela legislaoinfraconstitucional, de forma que o exerccio de tais atividades por empregado nohabilitado revela a ocorrncia da figura jurdica conhecida por mobbing, expondo-o a riscopotencial e constante, devendo a fixao do quantum observar, alm do dano em siconsiderado e a capacidade econmica da instituio financeira, a teoria do punitivedamagesou exemplary damage, de forma a servir a sua imposio em exemplo para a noreincidncia pelo causador do dano e tambm para prevenir a ocorrncia de futuros casosde leso. (TRT 23 Regio. RO n. 01478.2006.066.23.00-7. Primeira Turma. Relator JuizConvocado Paulo Brescovici, 24.08.2007).

    Estabelecidas tais consideraes prefaciais, ilustrativas da realidade ftica, cumpre-nos

    investigar as nuances e particularidades que permeiam cada entendimento.

    Em palavras outras, examinemos, ainda que de forma perfunctria, por ateno aos

    limites que margeiam o presente estudo, os argumentos favorveis e contrrios ao abrigo do

    instituto.

    O primeiro argumento contrrio adoo da teoria reside na violao ao princpio da

    legalidade, sobretudo, em razo do axioma de que no pode haver penalidade dissociada deprvia cominao legal.

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    Contudo, como j aduzido em transatas linhas, o princpio da legalidade no pode ser

    analisado de forma solitria, cabendo seu exame de forma harmnica e sistmica, com nfase

    na nova tbua axiolgica inaugurada a partir da Constituio Federal de 1988.

    Nesse palmilhar, salutar mencionar que outros princpios, com igual status

    constitucional, tambm merecem ser resguardados, em especial, aqueles erigidos categoria

    de postulados fundamentais da Repblica, a exemplo, da proteo da dignidade da pessoa

    humana e da valorao do trabalho, bem como daqueles objetivos fundamentais traados pelo

    Estado brasileiro, como a construo de uma sociedade livre, justa e solidria.

    Por tal espargir, o princpio da legalidade no pode ser utilizado como escudo para

    obstaculizar a adoo de instrumentos de inibio da prtica de transgresses relevantes da

    ordem jurdica.Ainda nesta seara, mas por outra vertente, h aqueles que advogam a impossibilidade

    quanto aplicao de pena pecuniria.

    No h que se confundir, pois, os rgidos critrios de estabelecimento da pena do

    Direito Penal com parmetros para mensurao da indenizao na responsabilidade civil.

    Embora o ordenamento seja sistmico, no se pode ignorar as peculiaridades que acercam

    cada instituto35.

    Sublinhe-se que o Brasil adota o sistema aberto de arbitramento do quantitativo daindenizao por dano.

    Martins-Costa e Pargendler, deparando-se sobre o tema, enunciam que:

    No sistema brasileiro amplssima a possibilidade de satisfazer, indenizar oucompensar os danos extrapatrimoniais (ditos danos morais), pois o tema regulado por meio de uma curiosa combinao de clusulas gerais, j verificada soba vigncia do Cdigo de 1916 mas, agora, bastante ampliada no apenas em razo danova regulao civil mas, por igual, pela conexo intersistemtica entre essa e aConstituio Federal que contempla, expressamente, a irrestrita indenizabilidade do

    dano moral. Vigora, pois, tambm nessa matria, o princpio da atipicidade doilcito.[...]Em suma: para alm de a reparao do dano moral no estar sujeita a pressupostosdiversos dos que so gerais responsabilidade civil (ato ilcito, fator de atribuio enexo de causalidade entre a conduta humana e o dano), e para alm da ampla eaberta regulao no Direito positivo, ainda h, no sistema, regras pontuais que,expressamente, permitem certa correlao entre a censurabilidade da conduta doagente e a elevao do montante indenizatrio (2005, p. 22).

    35Stolze e Pamplona Filho assinalam que h grande confuso na utilizao dos termos sano e pena, que

    constamentemente so tratados como sinnimos, quando, em verdade, trata-se de dois institutos que esto emuma relao de gnero e espcie. A sano conseqncia lgico-jurdica de um ato ilcito, pelo que, emfuno de tudo quanto foi exposto, a natureza jurdica da responsabilidade , seja civil, seja criminal, somentepode ser sancionadora (2006, p. 19).

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    Nunca demais rememorar que a Consolidao das Leis do Trabalho, em seu art. 836,

    elenca o direito comparado como fonte de aplicao subsidiria, mormente, como instrumento

    de prestgio ao interesse coletivo.

    Cabe obtemperar, ainda, a importncia da construo doutrinria e jurisprudencial no

    processo de criao e aperfeioamento do ordenamento legal, sendo que, sem tal contribuio,

    a legislao permaneceria atrfica e ao largo da evoluo social.

    No incomum tambm encontrar, ainda, quem advogue a tese da incomunicabilidade

    de institutos oriundos de sistemas jurdicos diversos.

    Por mais cientfica que seja tal linha de argumentao, essa no se traduz em bice

    intransponvel, uma vez que ne