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Rev. hist. comp., Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 262-283, 2016. 262
A BIOGRAFIA EM UMA NOVA HISTÓRIA POLÍTICA Isabella Nogueira1
Universidade Federal de Goiás
Maria Cristina Nunes Ferreira Neto2 Universidade Estadual de Campinas
Resumo: O gênero biográfico é pensado, atualmente, tanto pelo regime narrativo literário quanto pelo histórico, mas não foi sempre assim. Na segunda metade do século XIX, a produção biográfica se aproximou mais intensamente das produções da História Política e, quando esta última foi questionada, já no século XX, a biografia também o foi. Se antes a biografia, para os historiadores, era vista como um gênero literário, posteriormente se tornou muito política e, em ambos os casos, não era uma fonte segura para a escrita da História, pois era ora ficcional, ora excludente. Contudo, será que a escrita biográfica não foi sempre uma produção política? O político, o literário, o social, o cultural e o econômico podem ser pensados como domínios tão distintos? Com a Nova História, se repensaram conceitos que levaram a reavaliar a utilização das fontes e quais seriam elas, bem como os conceitos que auxiliavam na produção do pensamento e na escrita da História. Por meio da argumentação de alguns autores queremos, então, pensar a biografia em uma Nova História Política, apresentando a pluralidade dos argumentos que permeiam essa temática. Palavras-chaves: História; Biografia; Nova História Política.
THE BIOGRAPHY IN A NEW POLITICAL HISTORY Abstract: The biographical genre is currently thought both for the literary narrative regime and by History, but it was not always like this. By the second half of the nineteenth century, the biographical production got closer to the Political History production and when this last one was questioned in the twentieth century, the biography also went along. If before biography, for the historians, was seen as a literary genre, after it became political and in both cases it was not a secure source to write History, one time it is too fictional, in another too exclusionary. But the biographical writing was not always a political production? The politician, the literary, the social, cultural and economic could be thought as areas so diverse? With the New History, concepts were rethought and it led to re-evaluate the use of sources and what these were, and concepts that assisted in the production of thought and History's writing. Through the argumentation of some authors we want to think the biography in a New Political History bringing the plurality of the subject that permeate this thematic. Keywords: History; Biography; New Political History.
1 E-mail: [email protected]. 2 E-mail: [email protected].
Revista de História Comparada - Programa de Pós-Graduação em História Comparada-UFRJ www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/revistahc.htm - ISSN: 1981-383X
Recebido: 31/03/2016
Aprovado: 12/05/2016
Rev. hist. comp., Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 262-283, 2016. 263
A proposta deste artigo é discutir e compreender um pouco mais sobre o
desenvolvimento do estudo das biografias, particularmente à luz das discussões da
Nova História Política. Na atualidade, os historiadores repensam a rejeição3
imposta ao gênero biográfico, apresentando as modificações ocorridas ao longo do
tempo na produção do pensamento histórico e na prática da escrita da história.
Essa rejeição envolveu também o domínio da História Política4 que,
hodiernamente, tem ganhado um espaço significativo na produção historiográfica,
que convencionou chamá-la de Nova História Política, agora incorporando, em suas
análises, as práticas sociais e culturais. A nossa preocupação, portanto, está em
apresentar as análises de alguns autores que se debruçaram sobre essa temática,
mostrando a multiplicidade de abordagens que ora se complementam, ora se
distanciam.
Uma primeira crítica, por parte de alguns historiadores, vem da
modernidade e envolveu principalmente a biografia. Podemos perceber isso nas
palavras de Loriga5, que diz:
Desde o fim do século XVIII, os historiadores se desviaram das ações e dos sofrimentos dos indivíduos para se dedicarem a descobrir o processo invisível da história universal. Múltiplas razões os conduziram a abandonar os seres humanos para passar de uma história plural (die
Geschicten) a uma história única (die Geschichte). É possível que duas revelações dolorosas da modernidade tenham contribuído para isso: por um lado, a descoberta de que mesmo a natureza é mortal e, por outro, a perda progressiva da confiança na capacidade de nossos sentidos de apreender a verdade. [...] Em primeiro lugar, a vontade de trazer às ciências humanas bases cientificas estáveis e objetivas.
3 Essa rejeição da biografia pode ser pensada em dois momentos. No primeiro, tínhamos uma narrativa que não satisfazia o cientificismo crescente durante o século XIX, por ser uma narrativa isenta de documentos escritos que provassem os fatos e por não considerar a vida interior um objeto de estudo da História. Em um segundo, temos o caminho inverso, a biografia se tornou rígida, factual e cronológica, para a produção da segunda metade do século XX. Essa forma narrativa não satisfazia a apreensão da realidade, porque, em nome de uma veracidade, deixava escapar muitos particulares mais íntimos e excluía a subjetividade de um indivíduo (DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009). 4 A História Política tradicional do século XIX foi rejeitada durante o século XX, por ser considerada uma história que representava os dominantes e que excluía o social. Dessa forma, construía a história de poucos e dos vencedores. Esse domínio político se utilizou da biografia para falar dos grandes, o que ajudou a aumentar o descrédito do gênero biográfico (FELIX, Loiva Otero. A História Política hoje: novas abordagens. Revista Catarinense de História, n. 5, p. 49-66, 1998). 5 LORIGA, Sabina. O pequeno x: da biografia a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 11.
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Já Hall6, fazendo referência a Raymond Williams, afirma que havia uma
emergência de noções de individualidade na época moderna mesmo antes do
século XVIII, que poderia “estar relacionada à quebra das ordens social, econômica
e religiosa medieval”. Foi “somente no final do XVII e no XVIII [que] um novo modo
de análise, na lógica e na matemática, postulou o indivíduo como entidade
substantiva (cf. “mônadas” de Leibniz), a partir da qual eram derivadas outras
categorias, especialmente categorias coletivas”.7
Pensando em um tempo adiante, Gay8 argumenta sobre a preocupação com
o indivíduo durante o século XIX, fato que pode ser constatado pela proliferação de
biografias e autobiografias. O autor explica que o campo historiográfico e seus
historiadores estavam divididos entre a negação e a aceitação dessas produções
como fontes de estudo. Gay nos fala de uma produção vasta que, ao mesmo tempo,
contrapunha-se ao cientificismo histórico crescente na época, isso porque o gênero
biográfico era visto como uma escrita que se distanciava da verdade por não
possuir, segundo a teoria cientificista, provas daquilo que é narrado. Essas provas
se constituiriam apenas de documentos escritos. Para os historiadores
cientificistas não existia nada que provesse a vida interior e os acontecimentos
cotidianos em seus mínimos detalhes. Portanto, para a produção desse século, o
estudo dos gêneros biográficos e autobiográficos, apesar de presente, não era
considerado devido ao fato de serem estes narrativas concebidas mais como
ficcionais do que históricas.
Loriga, em seus estudos sobre o gênero biográfico, afirma que o termo
biografia somente aparece ao longo do século XVII, “para designar uma obra
verídica, fundada numa descrição realista, por oposição a outras formas antigas de
escritura de si que idealizavam o personagem e as circunstâncias de sua vida (tais
como o panegírico, o elogio, a oração fúnebre e a hagiografia)”.9
Dosse, assim como Loriga, procura evidenciar os primeiros vestígios do
gênero biográfico e constata que este é muito mais antigo do que Loriga propõe.
6 HALL, Stuart. A questão da identidade cultural. Textos Didáticos, n. 18. 2. ed. São Paulo: UNICAMP, 1998. 7 WILLIAMS, 1976, p. 135-136 apud HALL, Stuart. A questão da identidade cultural. Textos Didáticos, n. 18. 2. ed. São Paulo: UNICAMP, 1998. p. 23. 8 GAY, Peter. O coração desvelado. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 9 LORIGA, S. Op. Cit., p. 17.
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Para ele, o gênero se disseminou pela noção de bioi (bios). A biografia, no momento
apontado pelo autor, não se ocupava apenas de retratar uma vida, mas também de
evidenciar uma “maneira de viver” exemplar. Dosse acrescenta que
Durante muito tempo, da Antiguidade à época moderna, o gênero biográfico teve por função essencial identificar. Prestou-se ao discurso das virtudes e serviu de modelo moral edificante para educar, transmitir os valores dominantes às gerações futuras. O gênero biográfico participa, pois, de um regime de historicidade no qual o futuro é reprodução dos modelos existentes, que devem perpetuar-se. Inscreve-se, durante esse longo período, no respeito absoluto a uma tradição que se organiza na Antiguidade em torno dos valores heroicos; em seguida, com a cristianização, os valores religiosos é que se difundem tomando por modelo as vidas exemplares.10
No período medieval tornaram-se presentes as hagiografias, que
estabeleceram uma provável “tranquilidade” ao gênero biográfico, que desde a
Antiguidade fora separado da história. Essa separação se deu por sua aproximação
ao gênero literário, que tem um regime de verdade distinto daquele de um
historiador. O período Medieval foi o único momento em que esse gênero teve
mais relevância do que as críticas recebidas. Como nos lembra Dosse:
A biografia aparece juntamente com o gênero histórico no século V a.C. como observa Arnaldo Momigliano, isso não se deu ao acaso, ainda que “a biografia nunca haja sido considerada, no mundo clássico, como história”. Será necessário, no entanto, esperar a época helenística para que a noção de biografia se estabilize em torno do conceito de bios. [...] Aprofundando-se a separação, sobretudo a partir de Tucídides, entre o discurso do historiador nascente, que se quer discurso de verdade, e os mitos, lendas e outras epopeias, a biografia da época helenística alimenta uma ambição que se abebera tanto no real autenticado quanto na ficção. A biografia não corta o cordão umbilical que a liga ao imaginário, contrariamente ao gênero histórico.11
Como vimos, no período medieval, a biografia não é considerada como
História e isso se dá, também, pela proximidade desse gênero com as crenças
religiosas. O sujeito narrado nessa época era o santo, ou aquele homem
considerado iluminado por Deus, cujos feitos milagrosos e conversas com Deus,
dentre outras coisas, eram contados. O cientificismo estava cada vez mais tomando
10 DOSSE, F. Op. Cit., p. 123. 11 Ibidem. p. 124-125.
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o espaço da crença religiosa como regedora do mundo e os historiadores
começaram a repensar a noção de sujeito e do uso da biografia como fonte.
Hoje, a biografia é uma narrativa incorporada ao campo político, que
também se preocupa com a noção de indivíduo. Isso ocorreu por se repensar o
sujeito como parte da escrita da história, agora não mais excluído em sua
singularidade e, ao mesmo tempo, na sua multiplicidade de comportamentos, no
estudo de uma época. Foi por esse repensar que o sujeito se renovou diante da
história. O auge do político na historiografia ocorreu a partir dos anos oitenta do
século XX, momento em que o gênero biográfico foi mais aceito como fonte
histórica.
Ferreira Neto12 ressalta que, com o esgotamento da concepção racionalista
cartesiana e cientificista e com o surgimento de uma nova atitude diante do sujeito
e da história, abriu-se espaço para outras dimensões do homem que não possuem
uma lógica formal, mas que têm um papel também importante, como a emoção e a
sensibilidade, que se constituem em forças mobilizadoras do social. Ao referir-se
aos estudos do político de Pierre Ansart, a historiadora sublinha que “é preciso dar
atenção para a importância das paixões políticas”, porque essas geram
consequências sociais e criam ou estão correlacionadas com as práticas culturais.
As paixões políticas envolvem e movem as conjunturas e,
consequentemente, as relações sociais, manifestando-se nos vários indivíduos que
ali se encontram. Cada um externaliza, à sua maneira, essas paixões, que muitas
vezes são compartilhadas pelo coletivo. A partir dessas novas aceitações diante do
sujeito e da História, a biografia ganha uma nova importância diante da História.
Para alguns estudiosos, uma pessoa “comum”, diga-se, também pode
interferir no que está a sua volta. Da mesma forma, o político não é uno, ao
contrário, interfere no social, no político e no cultural. Como bem lembra-nos
Remond em uma conferência:
O indivíduo engajado na política, na escolha de um voto, certamente está preocupado em salvaguardar seus interesses e os do grupo ao qual pertence. Mas há muito mais que isso. Ele tem convicções, ideias e até
12 FERREIRA NETO, M. C. N. Sensibilidades, Sociabilidades e representações fazem parte do campo do político? Fragmentos de Cultura (Goiânia), Goiânia, v. 14, n. 9, p. 1565-1573, 2004. p. 7.
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paixões como a inveja, o ódio, o medo, o imaginário, o sonho, a utopia, a generosidade, e tudo isso se expressa na política. Penso até que um povo se expressa na política quanto na sua literatura, no seu cinema ou na sua culinária.13
Portanto, com o desenvolvimento das novas perspectivas para se
compreender os estudos do político, em especial com a incorporação das
sensibilidades, foi possível a criação de um “espaço para a redefinição de questões
culturais na história e nas ciências humanas. Repensa-se a memória,
redimensiona-se a questão do político e da cultura política, descobre-se o
imaginário na história”.14
É no caos da perda de certezas epistemológicas e de euforias existenciais
que, segundo Félix, o cidadão e o historiador se voltam para a política como práxis,
para o político como nível, instância ou dimensão do fazer social e para a história
política como produção intelectual do saber. Os cidadãos repensam suas vidas, a
comunidade, a cidade na política, o jogo político de partidos como dimensão que
afeta seu cotidiano.
Assim, Félix complementa que é essa nova compreensão do sujeito e de seu
caminho histórico que possibilitaram uma nova inserção da história política em
reação ao descrédito que a acompanhava durante parte do século XX, ampliando,
assim, seu campo de ação. Fala-se de uma Nova História Política.
Em que consistia o descrédito? Como ele se manifestou? Rémond nos
responde:
Sem percorrer de novo a história de suas variações e vicissitudes, diria sumariamente que, se outrora, no século XIX ou no início do século XX, a chamada história política desfrutou de um prestígio inigualado, exercendo um imperium e uma hegemonia sobre o resto da disciplina, a profunda renovação que atingiu a história na França se fez, de modo geral, em reação e contra ela. De certa forma, a história política passou a ser denunciada como um contraexemplo. Ela reunia todos os defeitos contra os quais as novas gerações de historiadores desejavam definir-se, reagindo a uma negligência demasiado prolongada dos historiadores
13 RÉMOND, René. Por que a História Política? Estudos Históricos, FGV, v. 7, n. 13, p. 7-19, 1994. p. 19. 14 FELIX, Loiva Otero. A História Política hoje: novas abordagens. Revista Catarinense de História, n. 5, p. 52, 1998.
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mais velhos frente a outras realidades não menos importantes, entre elas o trabalho, as relações sociais, a economia.15
É interessante apontar que as primeiras críticas à História Política
tradicional partiram da França, além de ter sido lá que se iniciou a revalorização do
político. As críticas mais contundentes vieram do grupo da primeira geração dos
Annales, que a considerou, em poucas palavras, uma narrativa factual, que não
possuía ou formulava um problema. Foi com esse mesmo olhar que o Marxismo e o
Estruturalismo contribuíram inicialmente para o seu descrédito, pois, ao
questionarem a esfera política, propunham, cada um a seu modo, uma nova
análise.16
Barros,17 ao explicar as posições argumentativas tomadas pela Nova
História quanto ao político, diz que “não era contra a instância política que a Nova
História se voltava, mas sim contra uma maneira mais específica de trabalhar esta
instância política”18, ou seja, no domínio da História Política não havia um
problema, não existia a história problema de que falavam os analistas.
Segundo Félix, Jacques Julliard, em 1974, foi o primeiro historiador a favor
da valorização do político ao fazer a seguinte afirmação: “Estamos fartos de uma
história política que tinha resposta para tudo porque nunca interrogava nada nem
ninguém. Marxista ou não, o historiador não pode desinteressar-se do problema da
natureza social do poder político”.19
15 RÉMOND, René. Por que a História Política? Estudos Históricos, v. 7, n. 13, p. 7-19, 1994. p. 13. 16 Segundo Félix, somente a partir de Gramsci foi incorporada a análise do político e do cultural no Marxismo para estabelecer relações entre fatos, desvendando diferentes dimensões do social. No Estruturalismo, transformou-se o político de jurídico-político de superestrutura para um nível de estrutura regional, ao lado da economia e da produção do pensamento. Junto à contribuição do Marxismo, trouxe a percepção das relações sociais na medida em que problematizou temas vinculados à natureza do poder e ao papel do Estado, sempre tendo como principal estudo as estruturas. Já na terceira geração dos Annales, na década de 1970, a História Política teve grande influência da Nova História e do Marxismo. 17 BARROS, José D'Assunção. História Política: da expansão conceitual às novas conexões interdisciplinares. Opsis, Goiânia, v. 12, p. 29-55, 2012. p. 30. 18 “[...] Marc Bloch chega a afirmar que “o milagre real [a crença no poder de cura dos reis através do toque] [ou taumaturgia] foi acima de tudo a expressão de uma concepção particular do poder político supremo” (BLOCH, 1991: p. 21). Conforme podemos ver nesta pequena fala de Marc Bloch a respeito da temática de sua obra, uma nova concepção de “história política” poderia perfeitamente surgir para substituir a anterior – aquela velha história política acontecimental, na qual eram examinadas as nações nos seus confrontos bélicos e diplomáticos, ou através da figura de grandes homens que pretensamente conduziriam a História” (BARROS, J. D. A. Op. Cit., p. 30). 19 JULLIARD, 1989. p. 271 apud FELIX, L. O. Op. Cit., p. 56.
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Somente na década de 1980 a situação de descrédito começou a mudar a
favor de uma maior compreensão do político. O foco de atenção deslocou-se, por
exemplo, do movimento operário, dos partidos políticos e dos sindicatos para os
operários, vistos, então, como sujeitos: da fábrica para a casa, rua e família
operária para as atividades recreativas e para a cultura. Esse deslocamento de
tema, objeto e problema evidenciou novos caminhos do papel do sujeito na
história. Segundo Borges, foi nessa mesma época que a biografia tomou um novo
rumo, um novo olhar, teve o seu boom.20
Um primeiro grande tema que se pode destacar nas mudanças no campo
histórico que atinge o estudo do político, especialmente na questão da cultura
política, são as reflexões sobre Memória e História.
Para Felix, História e Memória não são a mesma coisa. De Decca, para
complementar, afirma que são categorias que “inclusive se opõem
constantemente”.21 Enquanto a história é o tempo das mudanças e transformações,
da busca das diferenças; a memória, ao contrário, é o tempo das permanências e da
busca da identidade.22
Nesse sentindo, pensando um pouco mais a noção de
mudança/permanência na história − e discordando de Felix e De Decca −, Pollak
assegura que a memória sofre mudanças sim, mas essas mudanças se modelam
para fazer com que se estabeleça uma permanência do acontecimento, do
personagem ou do lugar, criando, assim, sentido para o homem.
É como se, numa história de vida – mas isso acontece igualmente em memórias construídas coletivamente houvesse elementos irredutíveis, em que o trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Em certo sentido, determinado número de elementos tornam-se realidade, passam a fazer parte da essência da própria pessoa, muito embora outros tantos acontecimentos e fatos possam se modificar em função dos interlocutores, ou em função do movimento da fala.23
20 BORGES, Vavy P. O “eu” e o “outro” na relação biográfica: algumas reflexões. In: NAXARA, Márcia; MARSON, Izabel; BREPOHL, Marion (Org.). Figurações do outro. Belo Horizonte: EDUFU, 2012. p. 226. 21 DE DECCA, 1992. apud FELIX, L. O. Op. Cit. 22 FÉLIX, L. O. Op. Cit., p. 59. 23 POLLAK, Michael. Memória e Identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992. p. 201.
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Nora,24 na contramão das afirmações de Felix e De Decca, afirma que “tudo o
que é chamado hoje de memória não é, portanto, memória, mas já história. Tudo o
que é chamado de clarão de memória é a finalização de seu desaparecimento no
fogo da história. A necessidade da memória é uma necessidade da história”.
Portanto, a memória em si não se desvincula da história. Na perspectiva
historiográfica atual, dizemos que ela é guiada pela re(a)presentação “presente das
coisas ausentes do passado”.25
O fato de a memória ser passível de manipulação − isto é, de ter relação com
o poder −, e de a compreensão da história ser uma representação do real nos
interessam particularmente. A manipulação e a representação nos conduzem a
uma abordagem importante da História Política da atualidade: os estudos do
imaginário político.
Um grande cuidado que se deve tomar quando se trabalha biografias é
justamente perceber a relação da memória com o poder. Isso se deve ao fato de ser
o poder um definidor da memória, ao mesmo tempo em que essa construção se dá
de acordo com interesses registrados, por exemplo, em livros ou entrevistas;
tornando-se discursos26 que passam a ser fonte do historiador27.
Nessa perspectiva, vale a pena analisar um pouco mais a palavra ‘poder’,
que sofreu modificações ao longo do tempo e, consequentemente, interferiu na
passagem da Velha História Política para a Nova História Política. Para
entendermos mais sobre a manipulação e a representação, presentes na memória e
também na História, é preciso compreender, minimamente, os conceitos de poder
e de imaginário. Partimos da palavra ‘poder’ e de sua compreensão e utilização na
Nova História Política para, depois, pensar o imaginário.
24 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a Problemática dos lugares. Revista Projeto de Historia, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993. p. 14. 25 RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. 26 “De alguma maneira, para complicar a questão, poderíamos dizer que a História também é a História dos Discursos dos Historiadores. A revolução de Michel Foucault no âmbito da História do Discurso vai mais além, pois o filósofo chama atenção para a necessidade de uma ampliação da noção de discurso. Para além da Ciência, da Literatura e dos objetos culturais produzidos pelos sistemas de pensamento em suas formas mais explícitas, o corpo, a sexualidade, a loucura, a economia ou Estado são eles mesmos discursos. Discurso será visto ainda como ‘a ordenação dos objetos [...] e não apenas como grupo de signos, mas como relações de poder’ (FOUCAULT, 1972, p. 48-49).” (BARROS, J. A. Op. Cit., p. 40). 27 BARROS, J. A. Op. Cit., p. 31.
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Segundo Barros28 a palavra “poder” rege o caminho interno da História
Política.29 Esta palavra que sofreu mutações e disputas no complexo
desenvolvimento histórico e da compreensão pela comunidade científica, na
atualidade tem um sentido mais amplo:
“Poder” não seria apenas aquela que, na ótica dos historiadores e pensadores políticos do século XIX, emanava sempre do Estado ou das grandes Instituições – ou que a estes podia se confrontar através de revoluções capazes de destronar um rei e impor uma nova ordem igualmente centralizada – e nem seria apenas aquele poder que de resto mostrava-se exercido fundamentalmente pelos personagens que ocupavam lugar de destaque nos quadros governamentais, institucionais e militares das várias nações-estados. [...] “Poder” – de acordo com uma nova ótica que foi se impondo gradualmente – é aquilo que exercemos também na nossa vida cotidiana, um sobre os outros, como membros de uma família, de uma vizinhança ou de uma comunidade falante. “Poder” é o que exercemos através das palavras ou das imagens, através dos modos de comportamento, dos preconceitos. [...] Essa compreensão mais abrangente da noção de “poder” redefine, obviamente, os sentidos para o que se deve entender por História Política.30
A redefinição da palavra ‘poder’ possibilitou redefinir e conceder um novo
lugar ao político. Desse modo, fazer política não se relaciona mais apenas ao
sistema ou ao corpo administrativo. “Pensando bem, praticamente não existe outra
atividade que atinja um número maior de homens e mulheres, pelo menos nos
países democráticos”.31 Para Rémond, o político engloba a totalidade, que não se
resume só a isso, mas que vai além da individualidade:
Daí os acontecimentos políticos serem fundadores das mentalidades: o acontecimento solda uma geração, e sua lembrança continuará sendo até o último suspiro uma referência carregada de afetividade, positiva ou negativa, até que, com o desaparecimento desta, ele mergulha na
28 BARROS, J. D. Op. Cit. 29 Rémond afirma que, mesmo que não exista uma “definição abstrata”, pode-se falar de uma para o político, que é: “A mais constante é pela referência ao poder: assim, a política é a atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prática do poder, assim os partidos são políticos porque têm como finalidade, e seus membros como motivação, chegar ao poder. Mas não é qualquer poder!” (RÉMOND, René. Do político. In: ___. (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. p. 444). 30 BARROS, J. D. Op. Cit., p. 31. 31 RÉMOND, R. Por que a História Política? Estudos Históricos, v.7, n. 13, p.9-19, 1994. p. 18.
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inconsciência da memória coletiva, onde continuará no entanto a exercer alguma influência insuspeitada.32
Essa inconsciência da memória coletiva é caracterizada pelo que chamamos
de imaginário, que possibilita a criação de uma representação do real da história.
Nessa perspectiva, “cumpre notar que o historiador do Imaginário começa a fazer
uma história problematizada”33, pois o imaginário político, não se vale só do
político:
Dito de outra forma, o político – e mais especificamente ainda o imaginário político – é aqui ressaltado como caminho para a percepção do social, e que nos coloca diretamente dentro do tema deste conjunto de reflexões que procura examinar “a História Social e o retorno34 do Político”, [...] isto é, quando trabalha os elementos do Imaginário não como um fim em si mesmo, mas como elemento para a compreensão da vida social, econômica, política, cultural e religiosa.35
Percebemos, então, que o imaginário ajuda e interfere no estudo do político
e que, portanto, existe um imaginário político que serve como base para mais de
um indivíduo, proporcionando-nos uma totalidade.36 O imaginário faz parte do
real, mas não define a veracidade deste, ao contrário, precisamos pensar o
imaginário como Borges aponta:
É preciso pensar o imaginário não como mistificado, isolado do real, não como quimérico ou ilusório, mas com sua parte de razão e de não-razão, seus mitos e preconceitos, seus sentimentos positivos e negativos Não há no imaginário um sistema rígido, os elementos são fluidos, se desdobram, não se pode vê-los cartesianamente; é preciso pensá-lo em uma longa duração. [...] Nesse imaginário, os mitos tem função
32 RÉMOND, René. Do Político. In: _____. (Org.) Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. p. 441-453. p. 449. 33 BARROS, J. D. Op. Cit., p. 43. 34 “Falou-se em ‘retorno do político’. Não gosto nem um pouco desta expressão, porque ela faz pensar que se trata de uma volta atrás ou de uma restauração, quando, na verdade, trata-se de algo completamente diferente, de uma outra história, que se beneficiou do enriquecimento de todas as gerações anteriores e trouxe, não resta dúvida, o político para frente do palco.” (RÉMOND, R. Por que a História... Op. Cit., p. 13). 35 BARROS, J. D. Op. Cit., p. 43. 36 “Só é política a relação com o poder na sociedade global: aquela que constitui a totalidade dos indivíduos que habitam em espaço delimitado por fronteiras que chamamos precisamente de políticas. Na experiência histórica ocidental, ela se confunde com a nação e tem como instrumento e símbolo o Estado. [...] Entretanto, se o político é aquilo que tem uma relação direta com o Estado e a sociedade global, ela não se reduz a isso: ele se estende também às coletividades territoriais e a outros setores por esse movimento que ora dilata e ora encolhe o campo político.” (RÉMOND, René. Do Político... Op. Cit., p. 444).
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explicadora, fornecendo um certo número de chaves para a compreensão do presente; têm também um papel mobilizador.37
O imaginário abre, então, um novo olhar, o qual pode nos fazer ver além dos
fatos narrados, mais especificamente através do imaginário, duas faces de uma
mesma moeda.
O político e a biografia, com a inserção do conceito de imaginário político,
perdem sua factualidade, sua rigidez cronológica e sua concisão, pois o imaginário
faz pensar na correlação entre o real e o não real. Muitas vezes o que nos parece
não real pode ajudar, ao contrário, a perceber algo que ocorreu em um momento
anterior ou posterior ao vivido, valorizando também ideias que pertenceram ou
pertencem ao sujeito e à sociedade. Nessa narrativa menos rígida é também
possível perceber uma relação de poder entre dominado e dominador, ou seja, os
fatos se envolvem de uma narrativa mais literária, mais filosófica, campos que
fazem com que se perceba melhor a relação de poder por afirmações menos
factuais.
No ponto de vista de Félix38, as percepções da história política em seus
vínculos com a memória, a representação e o imaginário são conceitos que se
tocam e se completam e estão vinculados à uma reativação da história em direção
à interdisciplinaridade. Dessa forma, a história política se vê associada a tantos
outros campos, como a antropologia, a psicologia, a geografia, a literatura, entre
outros.39
Esses estudos, guiados pelo campo maior da História Cultural, nos
possibilitam compreender e analisar os acontecimentos além de seu caráter
econômico e de partidos. Mesmo existindo uma imprecisão no conceito de História
Cultural, entrevemos um deslocamento da ênfase do econômico para o social40,
abastado com as relações e representações que o compõem.
37 BORGES, Vavy P. História Política: totalidade e Imaginário. Estudos Históricos, v. 9, n. 17, p.151-160, jul. 1996. p. 158. 38 FÉLIX, L. O. Op. Cit. 39 “Nada seria mais contrário à compreensão do político e de sua natureza que representá-lo como um domínio isolado: ele não tem margens e comunica-se com a maioria dos outros domínios.” (RÉMOND, René. Do Político... Op. Cit., p. 444). 40 Uma explicação que determina as relações do social foi apresentada por Foucault em seus estudos sobre anatomia do poder, redes que tecem o corpo social, os micropoderes e os comportamentos.
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Há, segundo Ferreira Neto, citando Pierre Ansart, “o apelo emocional [que]
sempre acaba revelando relações de poder”.41 Então, a emoção sempre se vincula
ao poder, se utilizando do simbólico e do imaginário. “Ele [o historiador] deve
admitir que os homens são movidos por outras circunstâncias que não as racionais
ou utilitárias.”42
Esse olhar sobre a Nova História Política nos dá a possibilidade de falar
melhor sobre o que a historiografia recente diz sobre biografia. Lembra-nos ainda
Rémond que o político pode englobar uma trajetória de vida porque, em primeiro
lugar, não há fronteiras e, em segundo lugar, “[se] é uma construção abstrata como
o econômico ou o social, é também a coisa mais concreta com que todos se
deparam na vida, algo que interfere na sua atividade profissional ou se imiscui na
sua vida privada”.43 Desse modo, relacionar-se faz parte do político. A nossa vida se
desenvolve pelo político e, como sublinha Rémond, esse poder não é qualquer
poder, não se trata só do Estado, mas da coletividade dos territórios.
Quanto às paixões políticas, elas estão sempre presentes nas biografias e
autobiografias, por isso devemos tomar cuidado quando nos apropriamos de
certas informações. Para Ferreira Neto,
[...] é preciso considerar o caráter político de cada situação, pois cada cultura traz suas especialidades e cada conjuntura histórica, suas peculiaridades. Também não se pode esquecer que estas paixões políticas são coletivas, mas ao mesmo tempo, individuais e ressentidas pelo sujeito.44
Por isso é importante que se tome o cuidado necessário no manuseio de
cada escrito, de forma coerente e não extremista, para perceber os “elementos
contraditórios que constituem a identidade de um indivíduo e das diferentes
representações que dele se possa ter conforme os pontos de vista e as épocas”.45
Isso para que não ocorra o que Dosse alerta: “O biógrafo acaba possuído pelo
biografado”.46 Além disso, “nossa tarefa [biógrafo] não consiste simplesmente em
41 FERREIRA NETO, M. C. N. Op. Cit., p. 1572. 42 RÉMOND, René. Do Político... Op. Cit., p. 444. 43 Ibidem. p. 442. 44 FERREIRA NETO, M. C. N. Op. Cit., p. 9. 45 LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de M. (Org.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 171. 46 DOSSE, F. Op. Cit., p. 14.
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contar histórias, mas em obter, a longo prazo, categorias e conhecimento científico
– oposto ao conhecimento cotidiano”.47
Desse modo, será possível conhecer mais o objeto, possibilitando um olhar
mais amplo sobre a escrita biográfica.
Em todos os domínios que dependem da transversalidade, a escrita biográfica dá um passo à frente, pois se estriba num entrelaçamento de disciplinas que abre caminho para hipóteses não reducionistas. Entre história e ficção, jornalismo e história, o fato de captar os mil e um desvios da existência humana é a seara do biógrafo, que extrai o mel de todos os traços à sua disposição a fim de responder ao enigma colocado pelo sentido da vida.48
Loriga49 nos diz que “a redescoberta da biografia remete principalmente a
experiências no campo da história atentas ao ‘cotidiano’, a ‘subjetividades outras’”.
Assim, a biografia tem nos levado a um campo que vem interessando os
historiadores desde 1970, que é a ideia do indivíduo e de sua subjetividade,50
campo considerado pela História e sua escrita na atualidade. Tem sido “[...]
evidente, sobretudo para nós, que nenhum ser humano deixou jamais de ter a
percepção não apenas de seu corpo, mas também de sua identidade espiritual e
corporal ao mesmo tempo”.51
Não existe, para nós, a ideia de um homem cronológico, linear, unitário ou
com um destino determinado por alguma coisa na infância que o acompanhará por
toda a vida, assim como Sartre via um indivíduo.52 Bourdieu afirma que devemos
abandonar a ideia de linearidade, que nos leva a ver a vida dotada de um [único]
sentido, pois isso é uma “ilusão biográfica”:
47 RESENTHAL, Gabriele. A estrutura e a Gestalt das autobiografias e as suas consequências metodológicas. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de M. (Org.). Usos & abusos da história oral. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005. p. 194. 48 DOSSE, F. Op. Cit., p. 122. 49 SABINA, Loriga. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 225. 50 “Roland Barthes revisitou o sujeito por intermédio daquilo que passou a chamar, a partir de 1971, em Sade, Fourier, Loyola, de biografemas. Esses pequenos detalhes, que por si só podem dizer tudo a respeito de um indivíduo, lembram Marcel Schwob e suas Vies immaginaires. O sujeito que está de volta para Barthes no início dos anos 1970 é um sujeito, esboroado, aos pedaços, disperso, mais ou menos como as cinzas jogadas ao vento após a morte.” (DOSSE, F. Op. Cit., p. 306). 51 MAUSS, 1983, p. 335 apud LEVI, G. Op. Cit., p. 170. 52 DOSSE, F. Op. Cit., p. 229.
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Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar.53
Conforme Bourdieu, um relato autobiográfico, que muitas vezes se torna
base de um discurso biográfico, é perigoso para a escrita da história. Argumenta o
autor:
O relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência e uma constância, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito a causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim construídos em etapas de um desenvolvimento necessário.54
Concordamos com Bourdieu quando nos alerta sobre a inexistência de uma
coerência em um discurso autobiográfico, porém, temos de tomar cuidado com a
abordagem radical de sentido “artificial da vida”. Levi supera a consideração de
uma biografia como artificialismo e se utiliza do argumento da “existência de uma
outra pessoa em nós mesmos, sob forma do inconsciente”.55 Ainda sobre o
questionamento da coerência nas narrativas autobiográficas, Pollak adverte que,
[...] ao contarmos nossa vida, em geral tentamos estabelecer uma certa coerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos-chaves (que aparecem então de uma forma cada vez mais solidificada e estereotipada), e de uma continuidade, resultante da ordenação cronológica. Através desse trabalho de si mesmo o indivíduo tende a definir o seu lugar social e suas relações com os outros.56
Nesse sentido, a escolha de estudar a história de um indivíduo, como nos
lembra Revel, não pode ser
considerada contraditória com a do social: torna possível uma abordagem diferente deste último. Sobretudo, permite destacar, ao longo de um destino específico – o destino de um homem, de uma
53 BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de M. (Org.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 185. 54 Ibidem. p. 184. 55 LEVI, G. Op. Cit., p. 173. 56 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 200-212, 1989. p. 13.
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comunidade, de uma obra –, a complexa rede de relações, a multiplicidade dos espaços e dos tempos nos quais se inscreve.57
A biografia não nos fala apenas de uma vida, mas de algo a mais, afinal, tudo
aquilo que circunda o indivíduo faz parte de sua narrativa. Levi58 afirma que
Bourdieu estava correto quando “falou de ilusão biográfica59 considerando que era
indispensável reconstruir o contexto, a superfície social60 em que age o indivíduo,
numa pluralidade de campos, a cada instante.” Dar importância ao cenário
significa, para Levi, levar em consideração as várias situações. Antes de qualquer
coisa, trata-se de não reduzir-se as condutas a comportamentos-tipos e, em
segundo lugar, perceber que “as trajetórias individuais estão arraigadas em um
contexto, mas não agem sobre ele, não o modificam”.61
Isso significa que a trajetória de um indivíduo não nega a história social de
um grupo. Existe uma “relação permanente e recíproca entre biografia e contexto:
a mudança é precisamente a soma infinita dessas inter-relações.”62
Loriga63 também aponta esse aspecto e diz que:
O indivíduo, esse ser sensível, é também fundamentalmente social e sociável: não é a existência singular e isolada que é compreendida no conceito de ego, não é uma substância impermeável, mas trata-se de “um conjunto que encerra em si, a cada vez, os sentimentos vitais dos outros indivíduos, da sociedade e, mesmo, a natureza”.
Então qual é a importância da biografia? Podemos responder com Levi:
57 REVEL, Jacques. Prefácio: a história ao Rés-do-Chão. In: LEVI, Giovanni (Org.). A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 17. 58 LEVI, G. Op. Cit., p. 169. 59 “É exatamente o que diz o senso comum, isto é, a linguagem simples, que descreve a vida como um caminho, uma estrada, uma carreira, com suas encruzilhadas (Hércules entre o vício e a virtude), seus ardis, até mesmo suas emboscadas (Jules Romains fala das ‘sucessivas emboscadas dos concursos e dos exames’), ou como um encaminhamento, isto é, um caminho que percorremos e que deve ser percorrido, um trajeto, uma corrida, um cursus, uma passagem, uma viagem, um percurso orientado, um deslocamento linear, unidirecional (a ‘mobilidade’), que tem um começo (‘uma estreia na vida’), etapas e um fim, no duplo sentido, de término e de finalidade (‘ele fará seu caminho’ significa ele terá êxito, fará uma bela carreira), um fim da história.” (BOURDIEU, P. Op. Cit., p. 183). 60 “Descrição rigorosa da personalidade designada pelo nome próprio, isto é, o conjunto das posições simultaneamente ocupadas num dado momento por uma individualidade biológica socialmente instituída e que age como suporte de um conjunto de atributos, e atribuições que lhe permitem intervir como agente eficiente em diferentes campos.” (Ibidem. p. 190). 61 LEVI, G. Op. Cit., p. 175. 62 LEVI, G. Op. Cit., p. 180. 63 LORIGA, S. O pequeno x... Op. Cit., p. 127.
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A importância da biografia é permitir uma descrição das normas e de seu funcionamento efetivo, sendo este considerado não mais o resultado exclusivo de um desacordo entre regras e práticas, mas também de incoerências estruturais e inevitáveis entre as próprias normas, incoerências que autorizam a multiplicação e a diversificação de práticas. Parece-me que assim evitamos abordar a realidade histórica a partir de um esquema único de ações e reações, mostrando, ao contrário, que a repartição desigual do poder, por maior e mais coercitiva que seja, sempre deixa alguma margem de manobra para os dominados; estes podem impor aos dominantes mudanças nada desprezíveis.64
Quanto à relação de poder entre dominante e dominado, que compõe a
escrita da História, para conseguirmos superar a narrativa imposta pelo dominante
se faz necessário trabalhar com a ideia de historia-problema, de forma que
possamos acompanhar os desenvolvimentos da escrita da História sem nos
atermos a uma cronologia e linearidade, retirando dela as preocupações
explicativas e analíticas.65
Esse tipo de história também é apontado por René Rémond, que, referindo-
se ao político, afirma:
A política não segue um desenvolvimento linear: é feita de rupturas que parecem acidentes para a inteligência organizadora do real. O acontecimento introduz nele, inopinadamente, o imprevisível: é a irrupção do inesperado, portanto do inexplicável, a despeito do esforço que os historiadores possam fazer para reabsorvê-lo e integrá-lo numa sucessão lógica. Há em política mais coisas nos efeitos do que nas causas, ou, para sermos mais exatos, não se encontra nos antecedentes tudo aquilo que resultará deles; é o papel da contingência.66
A história-problema nos possibilita pensar uma biografia plural, que envolve
suas várias nuances. Dosse,67 ao citar Sabina Loriga e sua biografia coral68,
argumenta que, além de uma pluralidade na composição de uma instituição, há
64 LEVI, G. Op. Cit., p. 180. 65 SCHMIDT. Benito Bisso. Biografia e regimes de historicidade. Métis: História e Cultura, n. 3, v. 2, p. 57-72, jan/jun., 2003. p. 65. 66 RÉMOND, R. Do político... Op. Cit., p. 449. 67 DOSSE, F. Op. Cit., p. 258. 68 “A biografia coral concebe o singular do percurso como um elemento de tensão. O indivíduo não se vê aí encarregado de uma missão que deve encarnar, de uma função que deve representar ou, ainda, de uma virtude que deve exemplificar em nome da presumida essência da humanidade. [...] O indivíduo, na abordagem coral, ‘deve permanecer particular e fragmentado’.” (DOSSE, F. Op. Cit., p. 258-259).
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também a pluralidade do próprio indivíduo. Loriga argumenta que o discurso
histórico geralmente tende a excluir o singular e a perceber o sujeito apenas como
representante de uma categoria social ou cultural.
Gabriele Rosenthal, com o conceito de Gestalt,69 explica que:
O significado do conjunto e o de suas partes se constituem mutuamente em gestalten; há uma contínua modificação mutua de componentes. Cada parte individual tem uma significação funcional para a Gestalt, e esse significado se relaciona com as outras partes.70
Isso significa que o conjunto não é a soma das partes e que, conhecendo
uma das partes, pode-se também conhecer o conjunto. A partir disso, pode-se dizer
que “a ordem que se pode descobrir numa história de vida [...] é a ordem da inter-
relação primordial do ‘mundo’ [outro] e do ‘eu’.”71 Portanto, buscar estudar um
indivíduo não é somente buscar suas práticas cotidianas − como se alimentar ou
vestir, que podem sim ser características importantes, mas que também por sua
relação com o mundo, podem nos fazer conhecer além de sua maneira de ser.
Podemos, assim, conhecer o contexto do biografado. Então, para Rosenthal, há uma
relação contínua entre mundo e homem, o que não significa que um explica o
outro.
A biografia pode ser um elemento privilegiado na reconstrução de uma
época com seus sonhos e angústias, e, por isso, fonte para a escrita da História.
Mesmo que, com seu caráter híbrido72, ficcional73, literário74 ou até mesmo
69 “Essa ordem tem qualidade de Gestalt no sentido da teoria da Gestalt (Ehrenfels, 1890) e sua interpretação fenomenológica por Aron Gurwitsch.” (ROSENTHAL, G. Op. Cit., p. 196). 70 Ibidem. p. 196. 71 Ibidem. p. 196. 72 “O caráter híbrido do gênero biográfico, a dificuldade de classificá-la numa disciplina organizada, a pulverização entre tentações contraditórias – como a vocação romanesca, a ânsia de erudição, a insistência num discurso moral exemplar – fizeram dele um subgênero há muito sujeito ao opróbrio e a um déficit de reflexão.” (DOSSE, F. Op. Cit., p. 13). 73 “Discurso moral de aprendizado das virtudes, biografia se tornou, com o passar do tempo, um discurso de autenticidade, remetendo à intenção de verdade por parte do biógrafo. Entretanto permaneceu a tensão entre essa ânsia de verdade e uma narração que deve passar pela ficção e que situa a biografia num ponto médio entre ficção e realidade histórica.” (Ibidem. p. 12). 74 “O gênero biográfico encerra o interesse fundamental de promover a absolutização da diferença entre um gênero propriamente literário e uma dimensão puramente científica – pois, como nenhuma outra forma de expressão, suscita a mescla, o caráter híbrido, e manifesta assim as tensões e as conivências existentes entre a literatura e as ciências humanas.” (Ibidem. p. 18).
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ilusório75, a biografia se torne uma narrativa questionável, não podemos deixar de
dizer que esses caracteres deixam tal narrativa mais rica em detalhes.
Afirma Lorenzetti que François Dosse discorda de Bourdieu quando diz que
não considera a biografia um trabalho para o historiador, porque não há
preocupação com a verdade. Lorenzetti afirma que Dosse, ao contrário, acredita
que tanto o “biográfico como o fazer histórico, são levados a cabo pelo próprio
escritor, e dependem, até certo ponto, dos ‘elementos ficcionais’. O que as une é o
respeito que devem possuir em relação à realidade sem, contudo, ter em vista a
compreensão total dessa realidade.”76
Escrever a vida de alguém, portanto, não é tarefa fácil, pois relatar fatos não
é o suficiente. Lorenzetti, utilizando-se das palavras de Dosse, assegura que, na
atualidade, o historiador/biográfico aposta em uma biografia que tenta dar conta
da realidade a partir do indivíduo, como um gênero híbrido, um misto de ficção e
realidade, repleto também de desafios e enigmas.77
O homem é vulnerável, ele tanto é influenciado tanto pelo “eu” como pelo
“outro” e está em constante transformação, visto que, ao longo da vida, tudo se
modifica, não só o corpo físico, mas também as atitudes. A tendência do homem é
criar novas perspectivas, imaginar e planejar.
Dosse afirma que a psicanálise mudou a nossa forma de ver a biografia, nos
ensinou que o “indivíduo é opaco a si mesmo, que não há transparência do sujeito”.
Faz ainda referência ao estilo anglo-saxão, no qual as biografias transbordam de
fatos e não possuem uma narrativa.78
A distância da biografia com a literatura, segundo Dosse, desqualificou o
entusiasmo com esse gênero. Dosse ainda fala do respeito à veracidade, mas
explica que, apesar disso, o gênero ainda vive ancorado na Antiguidade pela
necessidade da imaginação e pela importância e relevância da escrita. É por isso
75 “Evidentemente, essa aventura oferece riscos: entre a perda da própria identidade e a não determinação da singularidade do sujeito biografado, o biógrafo deve saber manter o justo meio-termo, procedimento difícil porque os arroubos passionais e as tomadas de distância objetivantes são tão necessários à sua pesquisa quanto o cuidado de preservar-se tal qual é.” (Ibidem. p. 14-15). 76 LORENZETTI, Fernanda L. François Dosse - O desafio biográfico. Revista História em Reflexão, v. 4, n. 7, p. 4, p. 1-4, jan./jun. 2010. 77 Ibidem. p. 4. 78 Entrevista dada ao programa "Entrelinhas" de Ouro Preto publicada no dia 17 de novembro de 2009 no site youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=xZJYMxrNgTs>.
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que, ao lermos várias biografias, percebemos a necessidade de nos sentirmos mais
próximos do seu objeto, seja pela simpatia ou pela antipatia.
A partir do exposto é possível então dizer que há um avanço quanto aos
estudos da biografia e do político. A aproximação dessa narrativa e desse campo
com outros tantos campos do conhecimento fez com que essa escrita se tornasse
cada vez mais interessante para os estudos históricos. A Nova História Política
possibilitou uma mudança de concepção quanto aos fatos históricos, tornando-os
mais interessantes e atrativos para a pesquisa. A aproximação com o literário, o
filosófico, o psicológico, o sociólogo, entre outros, fez com que fossem percebidos
outros detalhes da escrita, muitas vezes totalmente despercebidos. Podemos dizer
que essa aproximação criou condições favoráveis para que informações
importantes fossem captadas pelos historiadores. Essa esfera mais cultural e social
na qual o político está envolvido faz com que uma pesquisa mais concisa seja
possível.
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