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REV. BRAS. GERIATRIA E GERONTOLOGIA; 2006; 8(1); 9-20 507 507 507 507 507 A A A RTIGOS RTIGOS RTIGOS RTIGOS RTIGOS DE DE DE DE DE R R R R R EFLEXÃO EFLEXÃO EFLEXÃO EFLEXÃO EFLEXÃO / / / / / R R R EFLEXION EFLEXION EFLEXION EFLEXION EFLEXION A A A A A RTICLES RTICLES RTICLES RTICLES RTICLES Palavras-chave: Idoso. Família. Cuidado. Enfermagem. Gerontologia. A complexidade do cuidado na prática cotidiana da enfermagem gerontogeriátrica The complexity of care on gerontogeriatric nursing in the daily practice Lúcia Hisako Takase Goncalves 1 1 Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduacão em Enfermagem, Pesquisadora produtividade do CNPq. Uma das lideres do GESPI-Grupo de Estudos sobre Cuidados de Saúde de Pessoas Idosas. Este artigo foi elaborado a partir de Conferência proferida na VIII Jornada Brasileira de Enfermagem Geriátrica e Gerontológica, realizada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em abril de 2010. Rio de Janeiro, 14 à 16/4/2010. Correspondência / Correspondence Lúcia Hisako Takase Goncalves UFSC/CCS/Enfermagem Campus Trindade. CP 476 88040-960 - Florianópolis, SC, Brasil E-mail: [email protected] Resumo Conferência proferida na VIII Jornada Brasileira de Enfermagem Geriátrica e Gerontológica, realizada em outubro de 2010 no Rio de Janeiro e organizada pela ABEn/RJ. A complexidade do cuidado na prática cotidiana da enfermagem gerontogeriátrica foi desenvolvida em tópicos: a complexidade da gerontologia em face do fenômeno do envelhecimento populacional, cujo campo de conhecimento interdisciplinar emergente enfrenta desafios de respostas necessárias às rápidas transformações da sociedade pelo aumento da população idosa e da longevidade das pessoas. As políticas públicas e o envelhecimento da população aqui demonstram os entraves e desafios político-econômicos na operacionalização no sistema de saúde local do programa do idoso já instituído pela Portaria que trata da política de saúde de pessoas idosas. Por último, os desafios da prática cotidiana da enfermagem aos idosos, onde se destacam a necessidade da implementação do programa do idoso no âmbito de UBS/ESF com devida capacitação da equipe de saúde, da articulação da enfermagem gerontogeriátrica com a equipe de enfermagem das UBSs/ESF para o avanço da prática da atenção básica ao idoso e sua família, e de empreendedorismo social para desenhos inovadores alternativos ou complementares de serviços gerontogeriáricos. Abstract Lecture performed at the VIII Brazilian Conference on Gerontologic and Geriatric Nursing, in April 2010. It was held in Rio de Janeiro and organized by the ABEn/RJ. The complexity of care on gerontogeriatric nursing in the daily practice has been developed in topics: the complexity of Gerontology related to the phenomenon of

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    5 0 75 0 75 0 75 0 75 0 7Complexidade do cuidado na enfermagem gerontogeritrica

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    Palavras-chave: Idoso.Famlia. Cuidado.Enfermagem.Gerontologia.

    A complexidade do cuidado na prtica cotidiana da enfermagemgerontogeritrica

    The complexity of care on gerontogeriatric nursing in the daily practice

    Lcia Hisako Takase Goncalves1

    1 Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Ps-Graduaco em Enfermagem, Pesquisadoraprodutividade do CNPq. Uma das lideres do GESPI-Grupo de Estudos sobre Cuidados de Sadede Pessoas Idosas.

    Este artigo foi elaborado a partir de Conferncia proferida na VIII Jornada Brasileira de EnfermagemGeritrica e Gerontolgica, realizada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em abril de 2010.Rio de Janeiro, 14 16/4/2010.

    Correspondncia / CorrespondenceLcia Hisako Takase GoncalvesUFSC/CCS/EnfermagemCampus Trindade. CP 47688040-960 - Florianpolis, SC, BrasilE-mail: [email protected]

    ResumoConferncia proferida na VIII Jornada Brasileira de Enfermagem Geritrica eGerontolgica, realizada em outubro de 2010 no Rio de Janeiro e organizada pelaABEn/RJ. A complexidade do cuidado na prtica cotidiana da enfermagemgerontogeritrica foi desenvolvida em tpicos: a complexidade da gerontologia emface do fenmeno do envelhecimento populacional, cujo campo de conhecimentointerdisciplinar emergente enfrenta desafios de respostas necessrias s rpidastransformaes da sociedade pelo aumento da populao idosa e da longevidade daspessoas. As polticas pblicas e o envelhecimento da populao aqui demonstramos entraves e desafios poltico-econmicos na operacionalizao no sistema de sadelocal do programa do idoso j institudo pela Portaria que trata da poltica de sadede pessoas idosas. Por ltimo, os desafios da prtica cotidiana da enfermagem aosidosos, onde se destacam a necessidade da implementao do programa do idoso nombito de UBS/ESF com devida capacitao da equipe de sade, da articulao daenfermagem gerontogeritrica com a equipe de enfermagem das UBSs/ESF para oavano da prtica da ateno bsica ao idoso e sua famlia, e de empreendedorismosocial para desenhos inovadores alternativos ou complementares de serviosgerontogeriricos.

    AbstractLecture performed at the VIII Brazilian Conference on Gerontologic and GeriatricNursing, in April 2010. It was held in Rio de Janeiro and organized by the ABEn/RJ.The complexity of care on gerontogeriatric nursing in the daily practice has beendeveloped in topics: the complexity of Gerontology related to the phenomenon of

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    INTRODUO

    Ao agradecer a Comisso Organizadora daVIII Jornada Brasileira de Enfermagem Geritricae Gerontolgica pelo honroso convite paraproferir esta conferncia acerca da prticacotidiana da enfermagem gerontogeritrica nopas, especialidade emergente que, graas aosesforos de um grupo minoritrio de colegassimpatizantes da enfermagem para pessoas idosas,conseguiu imprimir o estatuto de especialidadeda Enfermagem Gerontolgica junto aoDepartamento Cientfico da Associaco Brasileirade Enfermagem - ABEn e cuja comunicaooficial foi feita aqui neste evento, cumprimentoefusivamente esse grupo de enfermeiras* que sejuntaram Comisso Organizadora da presenteJornada para tal empreendimento.

    Falar de complexidade dos cuidados deenfermagem e, por extenso, dos cuidados deenfermagem gerontogeritrica na atualidade, emtempos ps-modernos, impe-nos revisar nossasprprias concepes da natureza humana e tudoque a cerca, neste mundo em constantetransformao1,2. Antes mesmo de abordar ocuidado de enfermagem, convm lembrar acomplexidade da Gerontologia, que nasceu daconjuno de disciplinas que compem umcampo de conhecimento interdisciplinar, ouainda, transdisciplinar. Este campo de estudobusca reconhecer e compreender o fenmeno doenvelhecimento humano em meio a complexas e

    population aging, whose emerging and interdisciplinary field of knowledge is facingchallenges and imperative responses to the rapid changes in society, due to the increaseof the elderly population and of peoples longevity. Thus, the public policies andaging population present political-economic obstacles and challenges in the operationof the local health system, in the program for the elderly that has already beenestablished by the ordinance of the health policy for the elderly. Finally, the challengesof nursing in daily practices to the elderly, which highlight the need to implementthe elderlys program at the UBS / ESF, along with the health staff proper training,the connection between gerontogeriatric nursing and nursing staff at the UBS/ESF, inorder to improve the primary care for the elderly, their families and socialentrepreneurship for alternative or complementary designs from gerontogeraitricservices.

    Key words: Elder. Family.Care. Nursing.Gerontology.

    dinmicas mundanas que se operam no panoramado envelhecimento populacional global, impondo sociedade definies e redefinies constantesde polticas pblicas, sociais e sobretudo desade, as quais no esto livres de entraves edesafios.

    A complexidade da Gerontologia em face doenvelhecimento populacional

    Descrita pela primeira vez em 1903 porMetchnikoff, a Gerontologia estuda o Homemem seu processo de envelhecimento envolvendoas mais variadas e mltiplas dimenses,transcendendo o campo das disciplinas da sade2.Aos parcos conhecimentos do processo deenvelhecimento humano acumulados at ento,acrescem-se as influncias histricas, temporais eespaciais nesse processo que devem serreconhecidas, tornando complexo e multifacetadoo enfoque tanto individual quanto coletivo.

    Entre as mudanas observadas nas sociedades,o envelhecimento da populao se mostra comofenmeno de amplitude mundial. A OrganizaoMundial de Sade (OMS) estima que em 2025haver 1,2 bilho de pessoas com mais de 60 anos,dos quais os muito idosos com 80 ou mais anos constituem o estrato etrio de maiorcrescimento. No Brasil, estima-se que haver cercade 34 milhes de idosos em 2025, elevando-o sexta posio entre os pases com maior nmerode pessoas idosas3,4. Dessa forma, o crescimento

    * Enfermeira(s) no gnero feminino ser adotado ao longo do texto porque a categoria ainda majoritariamente exercida por mulher,contudo o colega do gnero masculino tem aqui igual consideraco.

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    da populao idosa no pas deve merecer, cadavez mais, o interesse dos rgos pblicos e dasociedade em geral, levando-se em consideraoprincipalmente as questes demogrficas,econmicas, sociais e de sade do pas. medidaque a idade avana, cresce a probabilidade deprogressiva perda de recursos fsicos epsicossociais, podendo deixar indivduosimpotentes, indefesos, fragilizados para tomarsuas prprias decises no enfrentamentocotidiano, levando-os a possveis situaes dedesamparo. Muitos podero no ter o apoionecessrio em famlia nem renda suficiente,obrigando-os a morar em asilo ou albergue, comoj observado nos dados de pobreza do IBGE/PNAD3-5. significativo o efeito da idadeavanada somado a certas condies causadorasde dependncia muito frequentes, comodemncia, fratura de quadril, acidente vascularcerebral, doenas reumticas e deficincia visual6,entre outras. Tais situaes reduzem a capacidadedo indivduo de superar os desafios ambientaisem meio a condies de pouca agilidade einsuficincia de atendimento pelo sistema de sade.

    Dados brasileiros comparados com os doCanad, por exemplo, revelam que o Brasil jconseguiu atingir uma cifra semelhante dospases desenvolvidos em termos de expectativa devida aos 60 anos de idade em mais 19,33 anos devida para os homens e mais 22,40 anos para asmulheres. Contudo, o nmero de anos de vidasem sade para homens foi de 7,7 anos (40%) e8,7 anos (39%) para mulheres, em contraposioao Canad, onde esse tempo de vida sem sadefoi de 3,7anos (19%) para homens e 4,6 (19%) paramulheres6-8. Eis a um desafio para as polticas desade do pas, considerando a proposico da OMSe das Naces Unidas, de adicionar vida comqualidade aos anos acrescidos6. A longevidadeobtida com investimento em aumento daexpectativa de vida deve ser acompanhada deoutros ingredientes, alm da ampliao dosservios especficos de sade, como amploprograma de promoo e controle da sade aolongo de todo o ciclo vital, aliado ao programade integrao social, com perspectivas de oferecermelhor qualidade de vida s populaes.

    As polticas pblicas sociais e de sade noenvelhecimento entraves e desafios

    No Brasil, embora a meritria Poltica Nacionalde Sade da Pessoa idosa9 contemple o cumprimentodo propsito basilar de promoo doenvelhecimento saudvel, manuteno e melhoriaao mximo da capacidade funcional dos idosos,preveno de doenas, recuperao da sade dosque adoecem e a reabilitao daqueles que venhama ter a sua capacidade funcional restringida, demodo a garantir-lhes permanncia no meio emque vivem, exercendo de forma independente suasfunes na sociedade, essa poltica s considerao deslocamento do idoso para um servio de longapermanncia, seja ele hospital, asilo, casa derepouso ou similares quando falharem todos osesforos anteriores. Tal ideologia de falha podedemonstrar a negao da condio humana, cujatrajetria de vida na velhice acabaincondicionalmente na terminalidade, na morte,antecedida muitas vezes de condies dedependncia de outrem para cuidados condignosde conforto e proteo at os ltimos dias finais.Convm relembrar aqui as evidentes situaes decronicidade prolongada por anos comdependncia e o estresse da famlia cuidadora,como o caso de idosos com doena deAlzheimer.

    O desafio imposto pelo crescente aumentoda longevidade nos tempos atuais, com maiorpossibilidade de instalao da cronicidade, novasdemandas de ateno vida e sade nosdiferentes nveis se avizinham para o chamadoestrato da quarta idade ou de idosos em idadeavanada (octogenrios, nonagenrios e atcentenrios), mais vulnerveis a se tornaremfragilizados. Portanto, a conquista de polticade direito aos cuidados continuados vaidepender da luta poltica e cidad de todos:comunidades, incluindo as famlias,profissionais, gestores, rgos governamentaise no-governamentais, e da vontade poltica dosprprios governantes. E tambm a poltica deproteo social do seguro de cuidadosprolongados ou de longo termo h de serinstituda em futuro prximo7,9,10.

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    A complexidade do cuidado no cotidiano da prticada enfermagem gerontogeritrica: seus desafios

    A assistncia primria de sade

    Entre os principais locus de cuidados daenfermagem gerontogeritrica est a atenoprimria de sade, cuja concepo de cuidadosest na integrao das multidimenses do viverenvelhecendo das pessoas, com vistas manuteno de uma vida com mais qualidadepossvel, valorizando-as em suas capacidades epotencialidades presentes, para juntamente coma famlia e membros da comunidade circundante,buscar e utilizar recursos disponveis em seuentorno e incitar servios pblicos: sociais e desade na soluo de problemas mais prementes,fazendo valer o poder cidado.

    Em meio complexidade do mundo atual, aprtica do cuidado dispensado pela enfermeirah de considerar um referencial cujo foco apessoa idosa e respectiva famlia, como cidados,protagonistas de seu prprio viver e partcipes deuma comunidade, cultura e sociedade. Deve-secompreender que cada ser idoso, usurio de seusservios, um ser nico que possui sua trajetriahistrica, enriquecida de vivncias, somando vida presente as perspectivas de vida futura, e quebusca incessantemente ser feliz e dar sentido aoseu viver2,9-11. Nesse contexto, entretanto, imperativo destacar a possibilidade do envelhecercom qualidade, quando privilegiada a ticahumanista na poltica pblica de aesgovernamentais com desdobramentos empromoo do envelhecimento bem-sucedido, ativoou saudvel, com qualidade de vida e bem-estar;em provimento e gerenciamento de tratamento ecuidados especficos de longo termo aos idososdependentes e fragilizados no domiclio comsuporte aos familiares cuidadores, para um vivercondigno da famlia como uma unidade, enquantodiretrizes de desenvolvimento social de umasociedade.

    Cuidar de idosos para uma vida ativa, saudvel,independente e autnoma at a proximidade deseu fim terreno um ideal nem sempre alcanvel.Imponderveis da vida soem acontecer mesmo

    com todos os imaginados cuidados, por issototal considerao de equidade de ateno comcuidados condignos prprios da tica humanistaa idosos em situao de cronicidade avanada atos seus ltimos dias um imperativo quando sedeseja uma sociedade sensvel, solidria e amorosa.

    Estudos populacionais e epidemiolgicosrealizados no pas tm demonstrado que mais de85% dos idosos apresentam pelo menos umadoena crnica, e cerca de 10% apresentam pelomenos cinco dessas enfermidades. A presena deuma ou mais enfermidades crnicas, contudo, nosignifica perder a autonomia e a independnciano viver dirio. Entretanto, os mesmos estudosrevelaram que cerca de 40% dos indivduos com65 anos ou mais de idade precisam de algum tipode auxlio para realizar pelo menos uma atividadeinstrumental da vida diria, como fazer compras,cuidar das finanas, preparar refeies ou limpara casa, e 10% requerem ajuda para realizar tarefasbsicas, como banhar-se, vestir-se, ir ao sanitrio,alimentar-se e at sentar-se e/ou levantar-se edeslocar-se da cama para a cadeira e de volta paraa cama4,5,7,8.

    Como dito, a assistncia primria de sade ,por excelncia, o foco de ateno da pessoa idosaem famlia e na comunidade, e nesse sentido oPrograma de Sade da Famlia (PSF), em expansoem todo o territrio nacional, privilegia oatendimento da famlia em seu contextodomstico, constituindo-se hoje a Estratgia deSade da Famlia (ESF), porta de entrada dousurio ao Sistema nico de Sade (SUS),institudo pelo Ministrio da Sade (MS).Legislaes vrias j existem para suaoperacionalizao, inclusive orientaes especficasno atendimento do idoso encontram-se inscritasno Caderno de Ateno Bsica Pessoa Idosa,enfatizando que a equipe de sade precisa estarsempre atenta pessoa idosa, na constante atenoao seu bem-estar, sua rotina funcional e suainsero familiar e social, jamais a deixando margem de seu contexto, mantendo-a o maisindependente possvel no desempenho de suasatividades rotineiras10,11. E sugere-se que as equipesde ESF e da Unidade Bsica de Sade (UBS)assumam atribuies comuns, como: a) conhecer

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    a realidade das famlias, com nfase nas suascaractersticas sociais, econmicas culturais,demogrficas e epidemiolgicas; b) identificar osproblemas de sade e situaes de risco maiscomuns aos quais os idosos esto expostos, eelaborar um plano local para seu enfrentamento;c) executar procedimentos de vigilncia sadede pessoas idosas; d) valorizar as relaes com oidoso/famlia, com vistas criao de vnculo deconfiana, afeto e respeito; e) priorizar a visitadomiciliria ante as necessidades da famlia doidoso; f) prestar assistncia integral s pessoasidosas segundo suas reais necessidades, de formacontnua e racional; g) buscar acesso ao tratamentodentro de um sistema de referncia econtrarreferncia para aqueles com problemasmais complexos; h) coordenar/participar e/ouorganizar grupos para educao em sade; i)promover aes intersetoriais e de parceria comorganizaes formais e informais existentes nacomunidade, para o enfrentamento conjunto deproblemas identificados na populao idosa; j)estimular a participao popular na discusso deconceitos de direitos humanos sobre a cidadaniae suas bases legais.

    Contudo, na prtica diria desses servios,observando-se as enfermeiras que costumamcoordenar a gesto dos cuidados prestados, poucose observam aes especficas dirigidas pessoado idoso como usuria e sua respectiva famlia.Tal fato se deve falta de mobilizao dos gestorescentrais e de capacitao especfica emgerontogeriatria das equipes da ESF e da UBS,alm da no opo de muitos governantesmunicipais de eleger a ateno ao idoso entre osprogramas prioritrios nas unidades de suajurisdio12,13. Mesmo assim, observam-se algumasiniciativas locais louvveis, da enfermeira que sevale de sua governabilidade possvel e investe suacriatividade em aes cuidativas voltadas para osidosos e seus familiares, geralmenteacompanhantes ou cuidadores13-15.

    O atendimento do idoso no seio de sua famliapressupe um cuidado ideal, e normas orientadorasno faltam para realiz-lo. Na ESF, a VisitacoDomiciliar inicialmente a cargo do agentecomunitrio de sade (ACS), objetiva colher

    informaes das demandas do idoso e de seusfamiliares, do ambiente fsico e social e dofuncionamento familiar. Uma vez identificadacomo prioridade de Assistncia domiciliar, a famliarecebe a visita da equipe profissional incluindonecessariamente a enfermeira e o mdico, com oobjetivo de diagnosticar seus problemas epotencialidades, e prescrever o tratamento ecuidados do idoso e de seus membros familiares.Ou seja, um conjunto de atividades integradas entresi, de natureza assistencial e preventiva, executadaspela equipe em conjunto com os familiarescuidadores. A periodicidade da visita depende dacomplexidade da situao. H ainda a possibilidadede Internao domiciliar, que exige a instalao de ummini-hospital domicilirio e compreende a execuode cuidados continuados do paciente, comaplicao de tecnologias cuidativas especficas e maiscomplexas, com visitas frequentes da equipe eacompanhamento com monitoramento a distancia,via comunicao com os cuidadores. Recentementeo Ministrio da Sade publicou os requisitos paraque a Unidade Bsica de Sade (UBS) proceda internao domiciliar. Tal modalidade se encontraem processo de instalao, a critrio de cadaadministrao municipal. Independentemente desua instalao ou no, espera-se que a enfermeirada equipe de UBS/ESF, ao atuar na famlia, tragaem sua concepo a compreenso e o respeito particularidade e intimidade de cada famlia,agindo com sensibilidade e cuidado, sempreobservando os princpios ticos e legais quenorteiam a profisso11. Assim, o atendimento dafamlia com foco no idoso objetiva basicamente: a)recuperar, proteger e promover a sade medianteaes profilticas; b) avaliar a dinmica familiar eambiente domstico, estabelecendo um adequadoplano assistencial privilegiando o autocuidado emfamlia; c) acompanhar a evoluo do estado desade do idoso/familiar e respectivodesenvolvimento de cuidados; d) fornecerinformao, orientaes e apoio sempre que asituao requerer, capacitar e avaliar constantementefamiliares cuidadores como tambm cuidadorescontratados se houver, para a execuo dos cuidadosdirios ao paciente; e) fazer os encaminhamentosdevidos a cada um dos membros da famlia sempreque a situao requerer, com ateno especial

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    evoluo do estado de sade do idoso, quandohouver episdios que exijam assistncia de maiorcomplexidade, acionar o sistema de referncia econtrarreferncia, buscando atendimento topronto possvel.

    Infelizmente, na realidade atual, esse sistema quase sempre precrio, deixando os usuriosidosos em fila de longa espera para o atendimento.Esses idosos muitas vezes no resistem espera eacabam recorrendo a uma emergncia/pronto-socorro. Aqui cabe enfermeira um empenhopessoal, diligente e comprometido para buscaratendimento mais rpido, exercendo a cidadaniade relao, pois sabemos que o idoso no consegueesperar: sem atendimento, seu estado de sadedeteriora-se rapidamente.

    As atribuies exigidas da equipe profissionalem ateno primria na abordagem do usurioidoso referem-se s competncias e habilidadesprprias segundo as especificidades de cuidadoque requer. necessrio que a equipe dirija umolhar especial populao idosa segundo osprincpios bsicos norteadores como deidentificao das mudanas fsicas consideradasnormais e deteco precoce de alteraespatolgicas com as devidas intervenes; de alertada comunidade sobre fatores de risco a que pessoasidosas esto expostas, dentro ou fora dodomiclio, e meios para elimin-los ou minimiz-los, sempre em parceria com o prprio grupoidoso e famlias. Na ateno bsica, importantemanter o usurio idoso na rotina da vida familiare da vida em comunidade, o que fundamentalna preservao do seu equilbrio fsico, mental esocial. Defender a vida da pessoa idosa emsolidariedade com os membros da comunidadecircundante de forma alegre, participativa e afetivafar o idoso sentir-se feliz, com sade e bem-estar,conferindo ateno bsica de sade o carter deintegralidade, aliando objetiva competnciatcnico-cientfica a subjetividade da naturezahumana, e capacidade de melhor resolubilidadede suas aes com o usurio idoso enquantocliente nico com necessidades particulares e aomesmo tempo um todo composto de famlia ecomunidade beneficiria.

    Tal competncia especializada gerontoge-ritrica, todavia, est a carecer no s deprogramao de educao continuada decapacitao de recursos humanos para a mudanapostural paradigmtica de atendimento comenfoque na pessoa do usurio to apregoado peloSUS, e aqui especificamente no idoso e seuentorno sociocultural, mas tambm a vontadepoltica dos gestores e governantes locais eregionais na priorizao e instalao de programado idoso no sistema de sade e provimento derecursos necessrios ao seu pleno funcionamento.Mas fora da vontade poltica h de vir na medidadas demandas criadas pelos prpriosprotagonistas: a comunidade e seus cidadosidosos, e as enfermeiras so, entre outrosprofissionais da sade, as que mais conhecem arealidade da vida e da sade dos usurios e suasfamlias, razo pela qual devem atuar comodefensoras da causa dos idosos13,14,15.

    A prtica da enfermagem gerontogeritricaem servios de sade

    Os cuidados de enfermagem aos idosos sopraticados em quaisquer servios de assistncia sade para adultos: pblicos ou privados, dediferentes nveis de complexidade, em regime deemprego ou atuao autnoma e atempreendimentos de servios e programas usuaisou inovadores, aqueles requeridos pela sociedadeem constante mudana.

    Em meio complexidade do cuidadocotidiano do ser que envelhece, a enfermagemtem por concepo visualizar o processo decuidar2,10,12 em sua particularidade, vinculado aoente dos cuidados: o idoso envolto em todo seucontexto de vida como cliente da enfermagem.Ademais, o cuidar um processo dinmico quedepende da interao e das aes planejadas apartir da compreenso e do respeito realidadedo cliente, de sua famlia e de seu meiosociocultural. Tal concepo da enfermagemgerontogeritrica pressupe a integralizao dasmultidimenses do viver da pessoa idosa asconhecidas e as que esto para ser desveladas para a promoo do viver mais saudvel possvel

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    e exaltao da vida enquanto se vivencia oenvelhecer, lanando mo de recursos disponveise capacidades presentes, adotando compor-tamentos e prticas saudveis sempre negociadashorizontalmente entre o idoso, famlia eenfermeira, almejando o contnuo desenvolvi-mento pessoal de todos os envolvidos. Faz partedo cuidado preservar a relao dinmica entre oprofissional e o cliente, com vistas a resolverproblemas imediatos nos momentos em que asituao exige. Assim, sugere-se encarar a prticado cuidado de enfermagem gerontogeritricacomo uma especificidade, tanto no interior daprtica da enfermagem em si, quanto da prticagerontolgica exercida pela equipemultiprofissional.

    Essa especificidade pode ser demonstrada emdiferentes nveis de atuao da enfermagem, nocuidado da vida e sade de uma pessoa idosa emparticular e da populao idosa em geral,enquanto cuidado que visa a promover a sadecoletiva da dita populao.

    Imbuda de viso holstica do ser humano, aenfermeira desenvolve suas atividades profissionaiscom o cliente idoso de modo pontual em aspectosespecficos de sua competncia. Entretanto, atuasempre cooperativamente, em posturainterdisciplinar, com os demais membros daequipe multiprofissional gerontogeritrica, comvistas ao fim comum: o atendimento (cuidado)eficaz e eficiente que resulte em bem-estar e maiorqualidade de vida do cliente.

    O processo de cuidar se d em aesconsecutivas, de modo interativo, dialogal, entrequem prov o cuidado e quem o recebe.Geralmente, o primeiro tem papel mais ativo,porque desenvolve aes de cuidar, enquanto osegundo, quando em situao de alta dependncia,tem papel mais passivo, embora sempre participe,na devida medida, de seus cuidados e deaprendizagem de prticas de autocuidado e doenvelhecer com qualidade, enquanto se recupera.Devido a essa relao de dependncia que seestabelece, mesmo temporal/circunstancial, aocuidar, a enfermeira se vigia para no prevalecerseu poder que oprime/anula, mas que prevalea

    o que acrescenta e imprime crescimento a ambasas partes, enfermeira e ao idoso e seus familiares,estes ltimos os partcipes mais importantes doprocesso de cuidar. Por isso, mais do quedependncia, o conceito de interdependncia deveser a tnica da enfermagem gerontogeritrica, paraa qual o processo do cuidar permeado porresponsabilidade tica desenvolvida porcomportamentos de compromisso, solidariedade,disponibilidade, respeito e confiana, consideraoe compaixo. A interdependncia se d em vriasinstncias, alm da j aludida: entre o idoso e afamlia cuidadora, entre os vrios familiarescuidadores quando se envolvem na tarefa docuidar em regime de rodzio, e tambm entre osmembros profissionais da equipe gerontoge-ritrica, tomando carter de entreajuda e decrescimento mtuo tanto profissional quantopessoal2,12,13.

    No cuidado cotidiano de enfermagem compessoas idosas, convenciona-se resumir assim suasmetas principais: promoo de um viver saudvel;compensao de limitaes e incapacidades;proviso de apoio e controle no curso doenvelhecimento; tratamento e cuidados especficose facilitao do processo de cuidar. Atingir essasmetas o que visam s prticas de cuidados pelaenfermagem 2.

    No mbito da promoo de um viversaudvel durante o processo do envelhecimento,a prtica do cuidado de enfermagem centra-seprincipalmente na educao para o cuidado davida e da sade. De posse dos conhecimentos edas experincias acumuladas no campo dagerontogeriatria, enfatiza-se a considerao dosseguintes cuidados: adoo ou reviso de estilosde vida saudveis; que concerne ao autocuidado,enquanto exercendo as atividades de vida diria;de controle apropriado das eventuais condiesde cronicidade; de preveno atenta aos fatoresde risco especficos na velhice. Tais atividadesdevem ser desenvolvidas em sala de aula deuniversidade aberta da terceira idade, quando aenfermeira participa de aulas de educao para asade, cuja abordagem deve partir das questesque emergem do prprio grupo, quando seoportunizam discusses sobre os possveis

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    comportamentos saudveis de cuidados pessoaispara a vida enquanto se envelhece. Tais abordagens,essencialmente de promoo, devero fazer partetambm dos programas educativos emambulatrios, unidades sanitrias e em quaisqueroutros servios sociais e de sade.

    Quanto meta da compensao de limitaese incapacidades, o foco principal da enfermagemconsiste no cuidado relativo busca precoce darecuperao e da reabilitao no melhor nvelpossvel, segundo a condio pessoal particulardo idoso, privilegiando sempre suas capacidadese habilidades de autocuidado e permitindo-opermanecer socialmente integrado.

    Convm ilustrar aqui o papel de coordenaoe articulao da enfermeira ao tomar providncias,valendo-se dos multiprofissionais dos servios eprogramas disponveis, em conjunto com a famliado idoso. Por exemplo: aquele que sofreu acidentevascular cerebral e com recente alta hospitalar quenecessita de continuidade de cuidados para suarecuperao e reabilitao. Os cuidados daenfermeira se organizam aqui para encontrar umaconduta integrada no gerenciamento decontinuidade do cuidado no lar, apoiando,orientando, encaminhando e facilitando o acessoa servios de reabilitao; e acompanhandoperiodicamente a famlia cuidadora, seja por meiode assistncia domiciliria, seja em consultasambulatoriais e, ainda, agilizando o atendimentoem episdios emergenciais, valendo-se de todosos meios mais rpidos. Em servios pblicos, essameta deixa a desejar. Idosos muitas vezes noconseguem frequentar assiduamente os programasde reabilitao, ora por falta de servio em suarea de moradia, ora por falta de meios detransporte. O desafio aqui est em ativarmovimentos reivindicatrios da comunidadeafetada para sensibilizar autoridade de sade comrelao ao grave problema de lacunas no sistemade referncia e contrarreferncia. Nesse aspecto,a participao da enfermeira e de toda a equipe imprescindvel.

    Para atingir a meta da proviso de apoio econtrole no curso do envelhecimento, aenfermagem participa com seus cuidados que

    facilitam obter suporte e acompanhamento emdiversas circunstncias do continuum sade-doena,impedindo a instalao de disfuncionalidades efavorecendo a manuteno ou melhoria da sadeao longo do curso da vida. Considerando afrequncia com que o processo de envelhecimentotranscorre acompanhado de condies crnicas,o tratamento, os cuidados e o controle de doenasao longo da vida so essenciais. Impedir ouatenuar a instalao de deficincias e incapacidadespor causas patolgicas pode minimizar o estadocrescente de fragilizao.

    Os cuidados de acompanhamento ao longo davida devem pautar-se, tanto quanto possvel, pelamanuteno do bem-estar e pelo estmulo a umavida condigna. Geralmente esses cuidadoscotidianos se do no contexto domiciliar, emfamlia. Assim sendo, tambm o perodo deaproximao da morte a se d. A tendncia atualde promover assistncia do idoso no domicliofaz com que o cuidado ao idoso em condioterminal e aos familiares enlutados se torne parteimportante da assistncia domiciliria, quando imprescndvel a presena da enfermagemgerontogeritrica com cuidados paliativos.Contudo, necessrio estar alerta e usar desensibilidade para no impor cargas insuportveis famlia em situaes de grande sofrimento pelaiminncia da morte esperada, encaminhando oidoso para internao em hospital ou unidadepaliativa, se houver.

    Na meta do tratamento e cuidadoespecficos, a enfermagem presta cuidados aocliente idoso to adequadamente quanto possvel,na medida de sua competncia, com fundamentonos conhecimentos sempre atualizados do campoda Gerontogeriatria e na habilidade para aplicartecnologias cuidativas e de teraputicas geritricasespecficas. Ilustremos com alguns exemplos. Oscuidados de enfermagem encontramespecificidade no estado de imobilidade, quandouma ateno especial prestada ao idoso napreveno de lceras por presso que podem vira manifestar-se com gravidade e de difcildebelao. Tambm a condio de incontinnciaurinria, sobretudo em idosas, exige umatecnologia cuidativa especial, devido s

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    repercusses psicossociais que deterioram aqualidade de vida das pessoas. A instabilidadepostural e o risco de quedas em idosos outracondio comum, de graves consequncias paramanter sua autonomia e independncia noprocesso de envelhecimento, demandandodiligente e sistemtico cuidado. O cuidado dosps do idoso em geral, e do idoso diabtico emparticular, merecem tambm uma ateno especial,de vez que lhes possibilita continuarlocomovendo-se e mantendo suas relaes sociais,alm de ajud-lo na preveno de instabilidadesda marcha e consequentes quedas.

    A facilitao do processo de cuidar dependeamplamente da diligncia da enfermeira em proverseus cuidados, favorecendo um processo deatendimento que v ao encontro das reaisnecessidades do idoso sob cuidados e de seusfamiliares cuidadores. Considerando que ainstalao dos servios gerontogeritricos ainda incipiente em nosso meio, suas atividades carecemde sistematizao e de tecnologias apropriadas decuidado. Muito ainda est por ser criado ourecriado, a fim de que os referidos servios,programas e instituies se tornem, efetivamente,funcionantes como sistema de referncia econtrar-referncia, permitindo que o atendimentode um cliente idoso em um dado servio venha adesencadear um fluxo gil de ateno integral econtinuada.

    Entretanto, enquanto todo um sistema no secompe, o dia a dia da assistncia de sade daclientela idosa merece considerao em quaisquercircunstncias e condies de atendimento,observando-se com frequncia o atendimentorealizado com improvisaes e adaptaes snecessidades particulares em mbito de serviosgerais, no especializados. Tambm se observaminvenes bastante criativas para suprirnecessidades de adaptao, principalmente emmbito domiciliar, onde quase um imperativoo cuidado continuado de idoso doente e/oufragilizado executado pela famlia10,12,13,15.

    Para a enfermagem, que desempenha papelcentral na assistncia domiciliria13, urge resgatarsua funo no servio pblico, hoje o locus ideal

    na equipe de ESF e da UBS, para dedicar-se aoscuidados especializados a cada situao particulardo usurio idoso, principalmente daquele emestado de vulnerabilidade, portador demultipatologia com declnio da funcionalidade,em alta dependncia para as atividades da vidadiria, em progressiva condio demencial, ou emsituao de terminalidade. Ademais, a questo docuidado do idoso dependente no est previstapelo SUS de forma especfica e efetiva, incluindopreviso de financiamento das aes eestabelecendo uma rede de suporte institucionale comunitria11. Os cuidadores leigos, geralmentefamiliares que funcionam como cuidadorprincipal e secundrio, deveriam ser vistos comoparceiros no cuidado dos idosos2,14,15, tambmconsiderados usurios do servio de sade ecliente da enfermagem e alvo de ateno de sade,pois cada qual, enquanto uma famlia, estabeleceuma dinmica de interaes no provimento decuidados, muitas vezes estressantes, afetandoindividualmente a sade de cada um e ao mesmotempo a sade do grupo familiar em seu todo.

    Essas proposies de cuidados de enfermagemao idoso, outras a serem pensadas e outras aindaque sero exigidas em resposta a novas questesque ho de emergir no fluxo histrico-temporaldos acontecimentos futuros, so os desafios quese apresentam enfermagem gerontogeritrica eclamam por esforos concentrados no encontrode estratgias assistivas viveis e condizentes queatendam s necessidades bsicas de sade econfiram a melhor qualidade de vida e bem-estarpossvel do idoso e sua famlia.

    CONSIDERAES FINAIS

    Em nosso meio, a enfermagem gerontoge-ritrica desponta recentemente como especialidadeno conjunto da enfermagem geral. E como tal,h que se firmar em futuro prximo,desenvolvendo padres mnimos de sua atuaoem campo prprio que norteiam o exerccioprofissional.

    O processo do cuidar enquanto cuidadoprofissional, fenmeno observvel, deriva do

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    516 516 516 516 516 REV. BRAS. GERIATR. GERONTOL., RIO DE JANEIRO, 2010; 13(3):507-518

    cuidado humano que, no dizer de Boff16,representa o ethos do ser humano, a condiopossibilitadora da existncia humana.

    Embora tenha no cuidado profissional suaessncia e seu objeto definido de atuao, aenfermagem no deve permanecer esttica. H ummovimento contnuo e crescente de definio eredefinies, em busca da preciso e deatualizao. assim que se impe a especialidadeem questo.

    A cincia e a arte do cuidado humano seincorporam viso csmica, integradora eholstica da natureza humana. Se os requisitosmultidimensionais complexos, muitos delesincertos e inatingveis, forem considerados pelosprofissionais do cuidado, certamente os seres quedeles necessitam iro auferir benefciosimensurveis. Assim, a competncia tcnico-cientfica, aliada aos valores humansticos desolidariedade, respeito, afeto e compaixo, partedo cuidado profissional, s pode ocorrer numadinmica teraputica afetiva peculiar, sensvel e emcuja construo relacional do profissional com oidoso e sua famlia/comunidade, todos osenvolvidos possam desenvolver-se plenamentecomo pessoas no mundo. Lembremos que somosgente que cuida de gente, como afirmou a saudosaenfermeira brasileira Wanda Horta, cuja vidapessoal e profissional foi marcada por imensasensibilidade humana.

    Contudo, sem se afastar do ideal dos valoresdo cuidado humanstico, desafios urgentes deordem prtica se impem, sobretudo aosprofissionais da equipe gerontogeritrica,incluindo aqui necessariamente as enfermeiras,como propulsoras de solues criativas eimaginativas para a organizao e funcionamentointerno de servios que possibilitem oatendimento do idoso/famlia/comunidade emtempo devido e contnuo de assistncia requerida.H luzes, embora ainda tnues, que nosconduzem a tal empreendimento. J existe espaopromissor no setor privado para o atendimentode necessidades do viver dirio das pessoas idosasmas, no setor pblico, novas possibilidadesparecem surgir diante de uma nova concepo de

    organizao social que sobrevive por serempreendedora, num sentido mais ampliado17,18.O conceito de empreendedorismo no se aplicasomente ao profissional de empresa privada quesabe vender produto de alta qualidade, que vai aoencontro das necessidades do cliente e ainda porpreo compatvel. Empreender necessrio na reada sade, principalmente na rea emergente dagerontogeriatria, no s para a busca de novosespaos de trabalho, mas para incrementar opesde atendimento de idosos que vislumbreminovaes estratgicas conciliadoras de qualidadede cuidados e recursos disponveis combinandorecursos e talentos 17,18.

    Assim, prope-se que as enfermeiras atuantesna rea gerontogeritrica se articulem com asenfermeiras das equipes da Estratgia de Sadeda Famlia e atentem para as possveis proposiesque vislumbrem caminhos de reconstruo deprticas como:

    a) Reorganizao dos servios de sade comounidades empreendedoras sociais promovendo oviver mais saudvel trabalhando em parcerias,compartilhando multiusos, integrandocompetncias de outros setores sociais, somandoesforos e recursos de responsabilidade do Estadoe envolvendo a participao e compromisso decada cidado e da comunidade em geral.

    b) Inovao e adaptao de instalaes eequipamentos para cuidados no domiclio,principalmente na internao domiciliria, querequer necessariamente adaptaes que facilitema equipe de enfermagem e os familiares cuidadoresno cuidado do idoso doente em suas mais variadascondies de disfuncionalidade e necessidades.

    c) Desenvolvimento de modelos de oficinaseducativas de ativao da memria e outrasestratgias inovadoras de tecnologias cuidativas eeducativas que envolvam a comunidade, com vistasa promover e manter a integrao social e prevenira excluso social das pessoas idosas.

    d) Organizao de redes de apoio comunitrioreunindo capacidades e potencialidadesvocacionadas de determinada comunidade, para

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    5 1 75 1 75 1 75 1 75 1 7Complexidade do cuidado na enfermagem gerontogeritrica

    as mltiplas situaes de necessidade de apoio aoidoso que vive em seu lar cuidado pela famlia,nem sempre encontrando ajuda disponvel.

    e) Incorporao ao sistema de referncia econtrarreferncia de protocolos geis deencaminhamento de idosos atendidos em serviosde ateno de mdia e alta complexidade, comvistas a manter um fluxo de comunicao entreas equipes que atendem os idosos e permitir amanuteno do cuidado continuado.

    f) Criao, inovao e/ou adaptao deambientes institucionais, domiciliares ecomunitrios propiciadores de um viver comsegurana, qualidade e bem-estar, sobretudo de

    idosos vulnerveis, funcionalmente maisdependentes ou mais fragilizados. A to propaladaorientao da OMS19,20 pela necessidade deexistncia de cidade amiga dos idosos tem tudoainda para acontecer, pois cada contextosociocultural e histrico tem suas peculiaridadese espera ser contemplado para que, numacomunidade ou num bairro, seus moradoresidosos se sintam acolhidos verdadeiramente comoamigos. Tal empreendimento se vincula a umaampla perspectiva de promoo da sade coletiva,e sua conquista depende do esforo conjugadodos protagonistas seus habitantes e dos demaisinteressados pela causa, incluindo os profissionaisde sade e os gestores dos servios de sade aliadosaos de outros setores mais implicados.

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    Recebido: 26/7/2010Aprovado: 05/8/2010