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A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA E O PROCESSO MIGRATÓRIO. Professor PDE-2008: Pedro Luiz Schnorr. Orientador: Prof. Dr. Paulo José Koling. O autor desta é Márcio Baraldi, chargista, colaborador de vários jornais e revistas, dentre os quais Globo Ciência e Jornal do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra; neste último foi publicado esta charge. Raízes Históricas da Estrutura Fundiária no Brasil O domínio privado sobre o território nacional foi fundado no monopólio monárquico colonial do reino português nas concessões de uso das capitanias hereditárias e das sesmarias. Ainda sobre o poder monárquico do Império Brasileiro, a Lei de Terras de 1850, reconhece a base da estrutura de uso anterior da terra como direito de propriedade e institui os futuros acessos pela compra e venda no mercado das terras (legalmente proibido). Tem fazenda e fazenda que é grande perfeitamente Sobe serra e desce serra Solta muita água corrente Sem lavoura e sem ninguém O dono mora ausente Lá só tem um caçambeiro Tira onda de valente Isso é uma grande barreira Que está em nossa frente Tem muita gente sem terra E tem muita terra sem gente. (“Espelho da realidade”, Contos dos lavradores de Goiás, CRD, Goiânia, 1979. p. 15)

A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA E O … · período, ocorrendo grande perda da população rural, que se deslocam para os grandes centros urbanos do Estado, outras regiões

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A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA E O PROCESSO MIGRATÓRIO.

Professor PDE-2008: Pedro Luiz Schnorr.Orientador: Prof. Dr. Paulo José Koling.

O autor desta é Márcio Baraldi, chargista, colaborador de vários jornais e revistas, dentre os quais Globo Ciência e Jornal do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra; neste último foi publicado esta charge.

Raízes Históricas da Estrutura Fundiária no BrasilO domínio privado sobre o território nacional foi fundado no monopólio

monárquico colonial do reino português nas concessões de uso das capitanias

hereditárias e das sesmarias.

Ainda sobre o poder monárquico do Império Brasileiro, a Lei de Terras

de 1850, reconhece a base da estrutura de uso anterior da terra como direito

de propriedade e institui os futuros acessos pela compra e venda no mercado

das terras (legalmente proibido).

Tem fazenda e fazenda que é grande perfeitamenteSobe serra e desce serraSolta muita água correnteSem lavoura e sem ninguémO dono mora ausenteLá só tem um caçambeiroTira onda de valenteIsso é uma grande barreiraQue está em nossa frenteTem muita gente sem terraE tem muita terra sem gente.(“Espelho da realidade”,

Contos dos lavradores de Goiás, CRD, Goiânia, 1979.

p. 15)

102A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

Neste contexto, nacional e internacional, o tráfico negreiro é extinto em

1850 e a própria escravidão em 1888. A sujeição do trabalho livre passa a

requerer o controle efetivo sobre a terra, elemento básico para evitar a

dispersão da força de trabalho dos núcleos de acumulação.

Sob este aspecto, não há divergências ou oposições de interesses entre

as oligarquias brasileiras do período. A queda do instituto das sesmarias e do

morgadio, na primeira metade do século XIX, e sua substituição pela Lei de

Terras, em 1850, são partes componentes destes interesses. É, também, neste

contexto que se experimentam políticas imigracionistas para atrair a população

migrante européia.

Vários autores vão apontar que a Lei de Terras, ao reconhecer as

sesmarias existentes como propriedade privada e ao instituir a compra como

única forma de acesso às terras devolutas do Estado, marca o momento

originário do mercado de terras no Brasil.

As oligarquias, além de proprietárias de escravos, passam, com essa

Lei, a garantir a propriedade da terra como domínio particular e privado. Aos

não-proprietários, o acesso à terra (privada ou devoluta) seria possível desde

que tivessem condições de comprar. Este requisito passa a ser um dos

elementos básicos do processo de sujeição do trabalho agrícola às atividades

produtivas da grande propriedade.

Na impossibilidade de realização desta acumulação prévia, o escravo

liberto, o imigrante europeu e o próprio trabalhador livre – que se constitui

ainda na ordem escravista* – vão se tornar as figuras sociais originárias do

mercado de trabalho rural livre. Constituem a força de trabalho disponível à

organização econômica da grande plantação, no período republicano.

Nos processos de urbanização e de industrialização do pós-1930 e no

surto de democratização do pós-1946 essa forma de acesso à terra é

tensionada pelo movimento camponês. Essa distribuição desigual de terras

acabou gerando conflitos cada vez mais violentos entre proprietários e não

proprietários. As décadas de 1950 e 1960 marcaram o surgimento de

organizações que lutavam pelos direitos dos trabalhadores rurais. Entre elas,

destacaram-se as Ligas Camponesas e a Confederação Nacional dos

Trabalhadores da Agricultura (Contag). O Estatuto da Terra, de 1964, instituído

pelo poder do Golpe Militar do mesmo ano, não foi capaz de estabelecer

Pedro Luiz Schnorr

* MARTINS. J. S. Camponeses e política no Brasil. Pretópolis, RJ: Vozes, 1993.

* MARTINS, J. S. Camponeses e política no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.

103A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

parâmetros para uma significativa reforma do domínio privado sobre o território.

O domínio do território não é democratizado.

Para tentar controlar os trabalhadores rurais e acalmar os proprietários

de terras, em 1964, o governo militar editou o Estatuto da Terra para consolidar

a regulamentação do uso e ocupação da terra, dando enfoque na letra da lei, à

função social da propriedade e instituindo mecanismos de políticas agrícolas. O

Estatuto da Terra define uma tributação progressiva, desapropriação das terras

improdutivas, eliminação dos latifúndios improdutivos e do minifúndio

antieconômico, promoção do homem rural através das reformas e ajustes nas

estruturas produtivas. Em relação à função social da terra, destaca que esta

deve fornecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela

labutam, assim como de suas famílias; apresentar níveis satisfatórios de

produtividade; assegurar a conservação dos recursos naturais e observar as

justas relações de trabalho entre os que a possuem e aqueles que a cultivam.

Em meados da década de 1980 foi promulgado o I Plano de Reforma Agrária

(PNRA) que se propôs a desapropriar imóveis indiscriminadamente, produtivos

ou não, para promover a redistribuição das terras. Na Constituição de 1988, o

plano foi modificado em favor dos proprietários: só poderiam ser

desapropriados os imóveis que não cumprissem sua função social, servindo

apenas como reserva de valor (MOREIRA, Igor, 1998. p.324).

No presente, os elevados índices de concentração da propriedade da

terra demonstram que a grande propriedade agrária ainda exerce um domínio

quase absoluto sobre o território nacional. Na medida em que o Estado

nacional tem fundamento no domínio de um dado território e no direito burguês

da propriedade privada, o estado brasileiro ainda tem fortes raízes agrárias.

As raízes agrárias autoritárias do estado brasileiro e do domínio

concentrado de território pouco têm sido ressaltado nas análises da fragilidade

e insuficiência de nossa democracia e dos elevados índices de desigualdades

sociais contemporâneos. Nessa perspectiva, poderíamos falar das raízes

agrárias do estado brasileiro e postular a existência de uma ruralidade

autoritária no Estado e na cultura brasileira, que os processos de

industrialização não foram capazes de apagar, ainda atuante em nosso

sincretismo cultural.

Pedro Luiz Schnorr

104A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

Se se quer estudar a questão agrária segundo o método de Marx não se deve pôr apenas a questão do saber se a pequena exploração tem um futuro na agricultura; deve-se pelo contrário, investigar todas as transformações que a agricultura experimenta ao longo do regime de produção capitalista. Deve-se investigar se e como o capital se apodera da agricultura, a revoluciona, se e como arruína as antigas formas de produção e de propriedade e cria a necessidade de novas formas (KAUTSKY, 1972, p. 21)

A migração dos lugares de origem constitui o ponto de partida de todo

o processo migratório. A fim de compreender melhor este ponto é mister

estudar os motivos que deram início à migração.

Não obstante a presença de algumas variáveis intervenientes, os

motivos indicados pelos migrantes refletem, em grande parte, a estrutura social

no município, na região, no estado e no país, assim como os processos de

mudanças que atuam tanto no pólo de expulsão quanto no pólo de atração.

As migrações internas se intensificam a curto ou longo prazo, como

uma decorrência do avanço da migração na agricultura e da expansão do setor

industrial.

No estudo aprofundado do processo migratório brasileiro percebe-se

que as migrações internas são resultantes do avanço das relações de

produção capitalista nas diversas regiões do país.

Alguns aspectos da evolução da força humana na agricultura são uma

advertência para a situação explosiva da política de desenvolvimento rural do

tipo capital intensivo que se insiste executar. Nossa realidade econômica

mostra que, por mais expressivo que tivesse sido, o desenvolvimento urbano-

industrial, não foi capaz de absorver, nas últimas décadas, a superpopulação

relativa expulsa do campo para as cidades.

Alberto Passos Guimarães (1979, p. 22) em seu livro “A Crise Agrária”

afirma:

A política concentracionalista da propriedade e da renda, aplicada a economia agrária, é responsável não só pela pauperização crescente da grande maioria da população rural, mas também responde pela queda progressiva da produtividade do trabalho do campo, tradicionalmente vítima da desnutrição, da desassistência sanitária, do descumprimento de todas as leis, das arcaicas relações coercitivas de emprego e do agravamento secular de sua qualidade de vida. Em conseqüência desse feixe de desgraças, o rendimento de seu trabalho fica reduzido a quase nada, e o declínio de sua capacidade produtiva nem mesmo chega a ser compensado pelo uso dos insumos modernos ou pelos acréscimos do capital aplicado na intensificação da produtividade técnica. (GUIMARÃES.1979, p. 22)

Pedro Luiz Schnorr

105A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

Em razão do seu “atraso”, a agricultura se tomou cada vez mais

dependente das cidades para onde se transfere parte crescente dos resultados

na produção, ou seja, do superproduto. Isso se dá através de suas relações

com o Estado (impostos), com o sistema bancário (juros), O comercial (lucros

de intermediários) e a indústria de gêneros alimentícios, de insumos agrícolas

equipamentos e máquinas. Para os mercados de trabalho urbanos, a medida

que se intensificam, de um lado, o progresso técnico, e de outro, a miséria

rural, também se transfere os recursos humanos “ociosos” que migram do

campo. Diferentemente da indústria, onde se verifica unicamente uma

dimensão relativa da demanda de mão-de-obra, em conseqüência do

progresso técnico, o que ocorre na agricultura é, a redução desta demanda.

Neste aspecto, por diferentes causas condicionantes, o processo de

industrialização da agricultura, especificamente nos países capitalistas,

produziu alterações importantes, de ordem quantitativa no quadro estrutural da

mão-de-obra agrícola. A tendência geral foi, e está sendo, a redução dos

efetivos agrícolas, e sua transferência para outras atividades de natureza não-

agrícola.

O desemprego e o subemprego dos trabalhadores ocupados na

agricultura, resultante da concentração agrária produtiva ou não-produtiva, do

processo progressivo de substituição de mão-de-obra por tecnologias insumos

modernos ou de processo regressivo de substituição por “práticas

conservadoras” como a pecuária extensiva, não tem tido, como contrapartida,

nenhuma providência eficaz que tivesse o propósito de compensar o

movimento de desocupação. Não tendo havido suficiente absorção induzida de

mão-de-obra tanto nas atividades rurais, quanto nas atividades urbanas, os

excedentes de desocupados e subocupados estão se elevando a níveis já

insuportáveis para a economia e a sociedade brasileira.

Essa situação está combinada com um rápido processo de

concentração da propriedade da terra, do crescente domínio direto e indireto da

produção agrícola pelo capital e de intensiva expulsão de trabalhadores da

terra. Entre 1950 e 1970 houve uma diminuição de 1,5 milhões de empregos no

campo. O capital, de distintas formas, nas diferentes regiões e nos diferentes

ramos da produção agropecuária, pressiona com intensidade crescente para

extrair o seu trabalho excedente (IPARDES, 1998, p. 53).

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106A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

Até a década de 1960, o Paraná vinha sendo um Estado

tradicionalmente absorvedor de mão-de-obra e, conseqüentemente, de

população. Contudo, está situação se inverte consideravelmente a partir desse

período, ocorrendo grande perda da população rural, que se deslocam para os

grandes centros urbanos do Estado, outras regiões do país e para o Paraguai

(IPARDES, 1983, p. 54).

Não há outro local do país onde a penetração das máquinas no campo

foi tão grande como neste Estado. Somente na última década, mais de 100 mil

estabelecimentos rurais desapareceram no norte do Estado. Entre 1970 e

1980, 1.262.565 trabalhadores deixaram o campo em todo o Paraná

(IPARDES, 1983, p. 54).

Segundo dados mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) soube-se que 342 pessoas

dispunham de 47,5 milhões de hectares de terras, enquanto dois milhões e

quinhentos mil pequenos proprietários eram donos de 42 milhões de hectares

(IPARDES, 1983, p. 55).

O processo migratório que está ocorrendo no Paraná tem suas raízes

nas transformações que se operam na estrutura produtiva da economia

paranaense nas últimas décadas. Dentro desta mudança é significativo

apontarmos como elementos do processo de esvaziamento populacional, a

redução do número de empregos na agricultura, decorrente da mecanização

das culturas; e, por outro lado, com a introdução de novas relações de trabalho

assalariado, implicando no desaparecimento de grande número de parceiros e

arrendatários. Estas foram as categorias sociais que mais migraram da zona

rural. Este processo implicou em prejuízos para a população do campo e as

cidades assumem o papel hegemônico na distribuição demográfica. A

modernização da agricultura exigiu novas formas de comercialização. Surge a

figura dos intermediários, como as empresas cerealistas, os comerciantes, as

cooperativas de produção. Neste aspecto, podemos notar que houve uma

progressiva centralização urbana em alguns pontos do Estado, devido a essas

transformações econômicas.

O processo de modernização da agricultura paranaense gerou

decréscimo dos empregos agrícolas inviabilizando a permanência de

arrendamento e de parceria, o que explica, o grande êxodo rural da população

Pedro Luiz Schnorr

107A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

do campo. Estas pessoas, sem oportunidades de emprego na agricultura,

dirigem-se, em sua grande maioria, para os grandes centros urbanos.

Devido a grande crise que ocorre na economia brasileira, e as

mudanças na política agrícola, o que reduziu os subsídios ao crédito, recaindo

as conseqüências deste fato sobre os pequenos, médios e grandes produtores.

Diante disso, esses agricultores para minimizar custos (demitem trabalhadores

rurais assalariados), cortam insumos, resultando na queda da produtividade,

substituindo, por culturas que propiciem menores investimentos, ou

substituindo-as por culturas temporárias ou permanentes como, por exemplo,

as pastagens. Esta alternativa implica na liberação da mão-de-obra.

Estas mudanças são opções de uso do capital e do relacionamento

social, seja em torno de melhores negócios, mais segurança na rentabilidade e

consciência de que o gado é mais seguro do que a parceria, o arrendamento e

o assalariado. O gado não requer direitos, seguridade, obrigações tributárias e,

fundamentalmente, pressão política e “negociação social”. Lidar com o gado é

diferente/distinto do que é “lidar” com as pessoas.

Estas mudanças que se estruturam no espaço agrário paranaense,

incidem sobre pequenos produtores, e os trabalhadores rurais, principalmente,

os que não são proprietários. A sensível redução na área explorada com

lavouras de grãos e da queda na produtividade reduziu o preço da terra,

gerando pressão dos grandes proprietários sobre os pequenos.

Em resumo podemos dizer:

A dinâmica populacional no campo está sujeita à continuidade da substituição, no conjunto da população ocupada, da força de trabalho familiar por um número de trabalhadores assalariados relativamente menores: persiste no campo a diminuição da população ocupada. Esse processo parece estar caracterizando o campo cada vez mais como um lugar de trabalho e não de moradia, deste modo, o campo não apresenta a perspectiva de absorver o crescimento vegetativo (IPARDES, 1983, p. 1-12).

Até 1970, mais de 60% da população paranaense ainda permanecia

residente no meio rural e dele retirava o seu sustento.

Na década de 1970, o Paraná viveu uma intensa fase de urbanização,

saltando de 49% para 59%. Neste contexto o esvaziamento da população no

campo, está relacionado e faz parte da modernização conservadora na

agricultura. Esta tendência da urbanização não é exclusiva do Paraná, mas de

todo o país (IPARDES, 1990, p. 67).

Pedro Luiz Schnorr

108A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

Dentro deste aspecto, em paralelo ao processo de intensa urbanização

do Paraná, desde os anos 1970, vem consolidando uma rede de cidades

espalhadas pelo espaço territorial.

Nos anos 80, a tendência, de concentração da população nas cidades se acentua. É bem na verdade que a taxa de crescimento urbano no Paraná, entre 1980 - 1991, diminuiu (3,0 % a.a). De qualquer forma, 80% do acréscimo do volume da população urbana no Paraná, entre 1980 - 1991, constitui ganho dos centros de 50 mil e mais habitantes. Esses cresceram a uma taxa de 4,3% a.a no período, sendo que o grupo dos centros urbanos com menos de 50 mil habitantes apresentou uma taxa de crescimento de apenas 1,4% a.a. (IPARDES, 1990, p. 68).

Com relação ao grupo de cidades que abrigam entre 20 mil e 50 mil

habitantes, foi irrisório seu acréscimo populacional no período de 1980 – 1991

(IPARDES, 1990, p. 69).

A concentração da propriedade e da terra pode ser mostrada, a

exemplo do estudo José Souza Martins (1981, p. 45).

O censo agropecuário de 1975 revelou que 52% dos estabelecimentos rurais tinham menos de 10 ha. e abrangiam apenas 2,8% da área total. Ao mesmo tempo, 0,8% tinha mais de 1000 ha. e compreendia 43% da área total. O mesmo censo revelou que entre 1970 - 1975 aumentou muito mais a área controlada pelos grandes proprietários do que a área controlada pelos pequenos, esta última praticamente estacionada em tempos relativos. Além de revelar maior concentração de propriedade, o mesmo censo mostrou que o regime de propriedade se fortaleceu em detrimento dos lavradores sem terra. Enquanto houve um ligeiro decréscimo no número de estabelecimentos dirigidos pelos próprios proprietários a sua área cresceu mais de 10%. Mas o número de estabelecimentos organizados em terras arrendadas mediante várias formas de pagamento de aluguel caiu em 10%. Por sua vez, a área arrendada diminuiu em 19%. Em termos práticos isso significa a expulsão de lavradores das terras em que trabalhavam. Acrescenta-se que transformações ocorridas na organização interna das grandes fazendas lançaram um grande número de trabalhadores para fora da terra. Lavradores e trabalhadores expulsos dirigiam-se em parte para as cidades, à procura de emprego, para constituir o chamado exército industrial de reserva - a massa de trabalhadores disponíveis no mercado de trabalho, à procura de emprego, cuja função, pelo excesso de oferta em relação a procura, é a de rebaixar os salários. (MARTINS - 1981, p. 45).

Estamos diante de um amplo processo de expropriação dos pequenos

proprietários rurais levados a efeito pelas grandes empresas capitalistas, tendo

presente o modelo de desenvolvimento agrícola. Apoiados particularmente nos

incentivos: fiscais, começam a vislumbrar grandes negócios na propriedade da

terra. A expulsão atinge não só posseiros como também arrendatários e

parceiros, através da substituição da lavoura pela pecuária extensiva de corte.

Uma parte significativa desses lavradores tem se dirigido para as

cidades, a procura de oportunidade de emprego, indo engrossar a massa

marginalizada que vive em condições desumanas nas favelas, invasões e

Pedro Luiz Schnorr

109A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

alagados. Outra parte entra sertão adentro à procura de terras em “novas

fronteiras agrícolas”.

Onde a expropriação não ocorre diretamente, nem por isso o grande capital deixa de se fazer presente, estrangulando economicamente os pequenos lavradores. Dados do Ministério do Interior, recolhidos no posto de controle de migração de Vilhena, em Rondônia, mostram que os milhares de migrantes chegados aquele território procedem de áreas de pequena lavoura de Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina, principalmente. Milhares de pequenos agricultores têm se deslocado do Rio Grande do Sul em direção ao Mato Grosso. Em virtude do preço exorbitante da terra nos seus lugares de origem, esses agricultores não tem condições de ampliar suas próprias oportunidades de trabalho e de garantir a seus filhos, que crescem e constituem família, a possibilidade de continuarem na lavoura. Só lhes resta migrar (MARTINS, 1981, p. 47).

Em grande parte, a falta de recursos para cobrir o preço da terra nas

regiões de origem desses migrantes vem do fato de que os rendimentos do seu

próprio trabalho agrícola são amplamente absorvidos pelas grandes empresas

capitalistas que estão criando mecanismos quase compulsórios de

comercialização das safras. Nesses casos, embora as grandes empresas

capitalistas não expropriem diretamente o agricultor, elas subjugam o produto

do seu trabalho.

Os agricultores que não conseguem resistir às diferentes pressões e

agressões, como colonos, parceiros, arrendatários, transformam-se em

proletários rurais, em trabalhadores à procura de trabalho não só no campo,

mas também na cidade. É conhecida a situação dos “bóias-frias”, por exemplo,

onde as oportunidades de emprego são sazonais, o que os impede de

trabalhar todo o ano, tornam-se migrantes quase todos os anos.

Assim, podemos dizer que um dos grandes fatores ligados à migração

de grande parte da população está relacionado à influência da pressão

demográfica sobre os recursos. Às vezes uma pequena parcela de terra não dá

para sustentar o crescimento da família; outras vezes, a morte dos pais leva a

divisão do sítio entre filhos, o que acaba gerando escassez devido a

insuficiência das partes da terra que couberam a cada um, na medida em que

cada herdeiro irá constituir sua própria família. Nesses casos, pelo menos

partes dessas pessoas têm de sair do campo em busca de uma situação

melhor.

Outro motivo é a ilusão de uma vida melhor ou mais “moderna” na

grande cidade, divulgada especialmente pela televisão pode constituir-se em

mais um motivo para à migração.

Pedro Luiz Schnorr

110A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

Assim sendo, existem inúmeros motivos que levaram e estão levando a

população a migrarem e transferirem-se para os centros urbanos ou novas

frentes agrícolas. Em alguns casos predominou a expansão das grandes

propriedades com a expropriação (isto é, a perda do imóvel) dos pequenos

proprietários. Em outros casos, predominou o elevado crescimento

demográfico das famílias rurais e a insuficiência de terras para todos.

Quem migrou normalmente ou é o pequeno proprietário rural ou o

trabalhador sem terra. No primeiro caso, ele vende ou é obrigado a vender seu

sítio para o grande fazendeiro.

E o trabalhador sem terra (“bóias-frias” ou arrendatários) vem migrando

bastante devido a incorporação das pequenas propriedades rurais aos grandes

latifundiários pecuaristas, reduzindo a oferta de trabalho no campo.

Percebemos que existe uma tendência entre os grandes proprietários

de terra a tirar os seus moradores da terra e a trabalhar apenas com mão-de-

obra contratada por tarefas específicas e a curto prazo, se possível sem

nenhum vínculo direto mas com a intermediação de um empreiteiro (também

conhecido como “gato” ou agenciador de trabalhadores). Além do mais seja

através da mecanização, da escolha de produtos a serem cultivados ou da

mudança para a criação de gado, há uma tendência a evitar o uso de uma

força de trabalho grande.

As migrações também são um processo social, deve-se supor que ela

tenha causas estruturais que impelem determinados grupos a se pôr em

movimento.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES

Atividade 01Leia o texto abaixo e responda as questões propostas:

A violência no campo já deixou centenas de vítimas no país nos últimos

anos - e as mortes se acumulam de ambos os lados, tanto entre fazendeiros e

seus capatazes, mas fundamentalmente, entre os sem-terra. Entre 1986 e

1996, segundo a Comissão Pastoral da Terra, o Incra (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária) e o MST foram 1 230 assassinatos. De 1996

Pedro Luiz Schnorr

111A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

até meados de 2003, o saldo foi menor, mas ainda assustador: mais de 200

pessoas morreram no campo. O maior massacre de sem-terra na história do

país ocorreu no Pará, Estado campeão em confrontos, em Eldorado dos

Carajás, em 1996, com 19 mortes e 51 feridos. Mas os conflitos não pararam

por aí.

A Constituição Federal de 1988 permite à União desapropriar por

interesse social o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social,

mediante prévia indenização ao proprietário. Além dos imóveis improdutivos

também as terras devolutas (terras do governo que já foram entregues a um

fazendeiro e depois devolvidas) podem ser utilizadas para a redistribuição

fundiária. Portanto, quando estas terras são ocupadas por trabalhadores rurais

sem-terra, estes estão apenas reivindicando o cumprimento do que a lei

determina. Já os minifúndios, as médias propriedades rurais e as propriedades

produtivas são insuscetíveis de desapropriação. Nesse caso, ao querer tomar

posse dessas terras, o MST está cometendo uma invasão, um ato ilegal.

As diferenças conceituais fundamentais dos termos invasão e ocupação

estão no fato de o direito à propriedade rural diferir do direito de propriedade

sobre os outros bens, por ela ser a fonte de produção alimentar de um país.

Segundo alguns juristas, invadir significa um ato de força para tomar alguma

coisa de alguém e ocupar diz respeito, simplesmente, a preencher um vazio, no

caso, terras que não cumprem a sua função social, pré-requisito para a

garantia da propriedade fundiária. O MST defende essa posição, pois acredita

em que o direito à propriedade não pode se sobrepor ao direito à vida. Assim,

famílias que buscam uma terra que não esteja cumprindo sua função social,

para fins de sobrevivência, estariam ocupando, e não invadindo. (Adaptado de

Recco, www.ciari.org/opiniao/gravidadequestaofundiaria_brasil.htm).

1 – Diante dessas informações, qual é sua compreensão sobre a

violência no campo?

2 – Na sua opinião o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)

está ocupando ou invadindo terras. Justifique.

Atividade 02O problema agrário é, atualmente, abordado de diversas formas. Uma

delas é através do poema. Leia os poemas abaixo e reflita sobre eles:

Pedro Luiz Schnorr

112A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

a) O que os autores dos poemas quiseram expressar quanto à luta pela

terra?

b) Em seu município quais são os aspectos positivos e negativos a

respeito da situação da terra?

c) A melhor distribuição da propriedade da terra, resolveria o problema

da fome. Justifique sua resposta.

Poema 01Tem fazenda e fazenda que é grande perfeitamenteSobe serra e desce serraSolta muita água correnteSem lavoura e sem ninguémO dono mora ausenteLá só tem um caçambeiroTira onda de valenteIsso é uma grande barreiraQue está em nossa frenteTem muita gente sem terraE tem muita terra sem gente.

(“Espelho da realidade”, Contos dos lavradores de Goiás, CRD, Goiânia, 1979. p. 15)

Poema 02Esta terra é desmedidaE devia sê comum,Devia sê repartidaUm taco pra cada um,Mode morá sossegado.Eu já tenho maginadoQue a baxa, o sertão e a serra,Devia sê coisa nossa;Que não trabalha na roça,Que diabo é que qué com terra?

(Patativa do Assaré, Cante lá que eu canto cá)

Atividade 03Você já deve ter escutado a música Funeral de um lavrador, composição

de Chico Buarque sobre o poema de João Cabral de Mello Neto. É uma

reflexão da questão fundiária na poesia brasileira. Procure ouvir a canção, faça

uma leitura refletindo e discutindo com seus colegas a letra e a situação

descrita pela mesma. FUNERAL DE UM LAVRADOR (Chico Buarque, sobre

poema de João Cabral de Mello Neto).

Esta cova em que estás com palmos medida É a conta menor que tiraste em vida É de bom tamanho nem largo nem fundo É a parte que te cabe deste latifúndio Não é cova grande, é cova medida É a terra que querias ver dividida É uma cova grande pra teu pouco defunto Mas estás mais ancho que estavas no mundo

Pedro Luiz Schnorr

113A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

É uma cova grande pra teu defunto parco Porém mais que no mundo te sentirás largo É uma cova grande pra tua carne pouca Mas a terra dada, 1110 se abre a boca É a conta menor que tiraste em vida É a parte que te cabe deste latifúndio É a terra que querias ver dividida Estarás mais ancho que estavas no mundo

REFERÊNCIAS

CARNIEL, S. M. O Oeste Paranaense e a Singularidade de São José das Palmeiras (1969-1985). Pós-graduação UFF/UNIOESTE, 2003.

CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

GUIMARÃES, A. P. A Crise Agrária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

HELLER, A. O Cotidiano e a História. 3º ed. São Paulo: Paz e Terra, 1989.

IPARDES. Fundação Édison Vieira. As Migrações e as Transformações da Estrutura Produtiva e Fundiária no Paraná. Curitiba, 1993.

KAUTSKY, K. A Questão Agrária. V. I e II. Porto: Portucalense, 1972.

MARTINS, J. de S. A Chegada do Estranho. São Paulo: Hucitec, 1993.

MARTINS, J. de S. Camponeses e a Política no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.

MOREIRA, I. O Espaço Geográfico. São Paulo: Ática, 1998.

_________________. Expropriação e Violência: a questão política no campo. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1981.

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ORLANDO, A. L. Pequena Propriedade e Agroindústria. Cascavel: Unioeste, 1994.

PALUDO, G. B.; BARROS, D. Síntese da Historia do Paraná. Cascavel: Assoeste, 1989.

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Pedro Luiz Schnorr

114A Concentração da Propriedade da Terra e o Processo Migratório

SOUZA, I. de. Migrações internas no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1980.

SUGESTÕES DE SITESwww.ciari.org/opinião/gravidade_questaofundiaria_Brasil.htm www.cotegionobel.com.brI2003geografia1oAno/solos.ppt www.contag.org.brwww.cptnac.com.br www.mslorg.brwww.30anosdehistoria.hpg.ig.com.brlligascamponesas.htm www.embrapa.com.br www.icarozim.bliz.ig.com.br www.jus.com.br/doutrinaltexto.asp?id=1672 www.mst.org.br/multimidialgfotoswww.probrasil.com.brlb-colonia.php3 http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/refonna_agrárialindex.html

SUGESTÕES DE LEITURA

FERNANDES, B. M. MST: Formação e Territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996.LAZIER, H. Paraná: Terra de Todas as Gentes e de Muita História.MACEDO, J. R. e OLIVEIRA. M. Brasil uma História em Construção.MOREIRA, I. O Espaço Geográfico. São Paulo: Ática, 1998.

SUGESTÕES DE FILMES

CANUDOS. Direção: Ipajuca Pontes, 1978.Guerra dos Pelados. Direção: Silvio Back, 1978.O Cangaceiro. Direção: Lima Barreto, 1953. Distr. Globo Vídeo.Terra para Rose. Direção: Tetê Morais, 1989.Cabra Macho para Morrer. Direção: Eduardo Coutinho, 1984. Distr. Globo Vídeo.

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