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A CONGREGAÇÃO MARISTA EM PASSO FUNDO E SUA ATUAÇÃO PARA O
FORTALECIMENTO DO CATOLICISMO (1929-1950)
Natália Carla Vanelli
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo
(PPGH/UPF), na linha de pesquisa: Cultura e Patrimônio.
E-mail: [email protected]
Resumo: O presente trabalho analisará o papel que a Congregação dos Irmãos Maristas e do
Colégio Nossa Senhora da Conceição na difusão e fortalecimento do catolicismo na região de
Passo Fundo, durante entre os anos de 1929 a 1950. Neste contexto, no Brasil implanta-se um
novo modelo de catolicismo, inspirado no Conselho Trinitino, marcado pelo esforço das
autoridades eclesiásticas na fundação e/ou consolidação de um catolicismo mais sólido e
profundo no País. Nesta perspectiva, o campo educacional foi percebido como um espaço
estratégico para os novos objetivos da Igreja Católica no país. A presença dos religiosos
estrangeiros nas paróquias do Rio Grande do Sul aumentou sensivelmente a força numérica do
clero católico no estado, o que foi um dos fatores que contribuiu para a vitalização do
catolicismo regional.
Palavras-chave: Catolicismo, educação, laicização, Marista.
Analisa-se nesse artigo, como a religião teve importância para a fundamentação e
modulação de costumes de sociedades, suas mentalidades e como a mesma era guia, lei, ou
então salvação para esses agrupamentos sociais, uma vez que em tempos e sociedades a Lei e
Religião andavam juntas, caso que ocorria no Brasil até o fim do século XIX, com o advento
da Proclamação da República.
Com isso destaca-se analisa-se a narrativa acerca da laicização do Estado brasileiro e da
fragilidade do catolicismo no país, bem como a política de incentivo a vinda novas
congregações religiosas para o Brasil – destacando a Congregação Marista - e sua doutrina
através da disseminação de valores e da propagação cristã, discurso esse que será explorado
dentro de seu contexto histórico. A relação das congregações religiosas com o campo
educacional foi importante para a propagação e legitimação do catolicismo no período inicial
da Republica brasileira. Nele percebemos a relação entre a criação de concepções e imaginários,
legitimação dos mesmos e sua relação com as elites locais.
Compreender o papel que a Igreja Católica - e as religiões em geral - exerceram na vida,
tanto privada como pública, da sociedade brasileira é buscar entender o seu processo formador,
uma vez que a instituição, mesmo depois de o Estado declarar-se laico no final do século XIX,
desempenhou ações fundamentais para a formação e consolidação do ethos1 do que hoje
compreende-se por corpo social brasileiro.
Na França, em plena Era Napoleônica (1799-1815) - no auge da laicização estatal e
perseguição religiosa (PIERRARD, 1982, p. 221) –, foi fundado o Instituto dos Irmãos
Maristas2 (1817) por Marcellin Joseph Benoît Champagnat3. A atuação de Champagnat iniciou-
se no cume de fenômeno político-social de mudança radical na história francesa e mundial.
Segundo o Irmão marista André Lanfrey (2015, V1, p.32), essas mudanças ocorreram nas
estruturas sociais e políticas francesas num contexto em que houveram confrontos das classes
que detinham o poder do Estado e das classes que se acham excluídas desse poder. Havia um
descompasso entre as instituições “arcaicas” do antigo regime e as novas forças sociais
ascendentes. Eric Hobsbawm (1997) defende a tese de que a Revolução Francesa não foi um
1 Ethos é uma palavra usada para descrever o conjunto de hábitos ou crenças que definem uma comunidade ou
nação. O ethos são os costumes e os traços comportamentais que distinguem um povo, os traços sociais e afetivos
que definem o comportamento de uma determinada pessoa ou cultura. 2 Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas (Fratres Maristae a Scholis - F.M.S) é o nome de uma ordem religiosa
fundada em 2 de janeiro de 1817, no pequeno vilarejo de La Valla, França, por Marcelino Champagnat. A ordem
religiosa apesar de seguir e propagar a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana não era reconhecida como
congregação religiosa, nem pela Igreja nem governo francês, fato esse que somente se modificou para a primeiro
nos anos de 1936 e para o segundo em 1851. 3 Nasceu em 20 de maio de 1789, em Marlhes, aldeia de montanha no centro Leste da França, perto de Lyon, na
França. Filho de João Batista e Maria Chirat, estudava em casa, pois tinha medo da escola e dos métodos e castigos
educacionais utilizados pelos professores. Com 14 anos, entra para o seminário onde anos depois junta-se a um
grupo de seminaristas que projeta fundar uma Congregação que abrange padres, religiosas e leigos, levando o
nome de Maria- a "Sociedade de Maria"- para cristianizar a sociedade. Em 1817, aos seus 27 anos, reúne seus dois
primeiros discípulos formando os irmãos Maristas. Em 1836, a igreja reconhece a Sociedade de Maria e lhe confia
a missão da Oceania. Morre aos 51 anos de idade em 6 de junho de 1840. O papa João Paulo II canonizou Marcelino
Champagnat no dia 18 de abril de 1999, na praça São Pedro no Vaticano, reconhecendo-o como santo da Igreja
Católica.
evento que abalou as estruturas do antigo regime, mas um fato de consequências fundamentais
para a contemporaneidade, mais do que qualquer outro, sendo uma revolução social em massa.
Para o autor,
A Revolução Inglesa mudou a economia do mundo no século XIX, mas foi a França
por sua vez, a nação que se deu as transformações econômicas sociais no período da
linguagem política, como liberalismo e democracia. O próprio conceito de
nacionalismo é resultado da Revolução Francesa. (HOBSBAWM, 1997, p.20.)
Naquele contexto, como dito, fundou-se um novo grupo religioso. Apesar de ativo e
propagador da fé católica, o Instituto Marista ainda não era reconhecido pela Igreja Católica
como Congregação religiosa, cenário esse que veio a modificar-se somente no ano de 1936.
Durante o século XIX, em função de problemas na Europa e também em busca de novos fiéis,
a Igreja Católica promoveu uma onda de missões catequizadoras para a Ásia, África e Oceania.
O Instituto Marista torna-se integrante e participante dessas missões (LANFREY, 2015, V1,
p.23). Foi a partir desse momento que o Instituto Marista é reconhecido pela Igreja Católica e
adquiri o título de Congregação religiosa, recebendo a missão de catequisar nas terras da
Oceania. Foi desse modo que as ideias de Marcelino Champagnat se difundiram para várias
partes do mundo, inclusive para a América e o Brasil, ainda antes do começo no século XX.
O catolicismo que se mostrava enfraquecido e as estruturas eclesiais permaneceram
quase esquecidas no período imperial. Após a vinda dos missionários jesuítas não houveram
mais ações missionarias, seminários, colégios ou instituições clericais organizadas para o Brasil
(MONTEIRO, 2011, p. 141). Com o advento da Proclamação da República (1889) inaugurou-
se um novo período da história política brasileira. Entre as mudanças instauradas pelo novo
regime, a separação entre Estado e Igreja Católica repercutiu/impactou de diversas formas ante
a sociedade brasileira. Naquele contexto inicial de instabilidade no País, dada a mudança brusca
de regime, evidenciou-se de fato que a tradição catolicismo, até aquele momento, era
extremamente frágil (MONTEIRO, 2011, p. 122-136.).
No período de transição do Império brasileiro para a República, o Brasil possuía um
número muito baixo de dioceses, cada uma delas com escassos sacerdotes. Sacerdotes esses em
constante crise devido à nova ordem civil de laicidade estatal. Outro acontecimento que
agravava fortemente o quadro de decadência do catolicismo brasileiro durante o fim do século
XIX foi a má reputação do sacerdócio. A menção a padre não representava exatamente um
religioso como exemplo de vida, pois muitos não seguiam os dogmas religiosos nem o
juramento religioso que faziam na ordenação. Alguns viviam na farra, envolvidos com o
alcoolismo constante e/ou até possuíam família. Outros sacerdotes serviam famílias poderosas
envolvidos com o crime e com a vida irregular (MEDEIROS, 2007, p. 38).
Os registros sobre a situação e atuação dos religiosos no raiar da república demonstra a
degradação do prelado brasileiro. O mesmo sem estrutura física adequada para desempenhar a
contento suas funções religiosas (com poucas paróquias - as que existiam velhas e necessitando
de reformas), sem estruturação financeira (pois anteriormente a laicização estatal o dizimo era
de propriedade do Estado) e sem legitimação popular (uma vez que suas autoridades brasileiras
não eram vistos como respeitosos e dignos, sendo desleais e corruptos com seus propósitos e
pregações) acarretaram no desleixo e depreciação dos religiosos católicos.
Frente à laicização do Estado, a Igreja Católica e suas lideranças perceberam que teriam
que conquistar um novo espaço no cenário da república brasileira, e que deveriam de fato
conquistá-lo. Inicialmente as lideranças religiosas visavam expandir e solidificar a fé católica
em terreno brasileiro através das massas, doutrinando a população, para assim poderem
solidificar-se através da legitimação e confirmação ideológica de seus ideais (GIOLO, 2013, p.
137). Essa pregação iniciou-se pelas dioceses, paróquias, capelas, e escolas, apostando no
âmbito devocional como o grande campo de propagação ideológica.
O campo educacional foi percebido como um espaço estratégico para os novos objetivos
da Igreja Católica no país. Nesse campo poderiam controlar o jogo de ideia e a mentalidade dos
alunos, que por consequência chegaria a suas casas e seus descendentes, legitimando a
instituição católica através do imaginário (AZZI, 2008. p. 21).
Decide-se então na Assembleia Episcopal realizada em São Paulo em agosto de 1890,
presidida pelo Bispo Dom Marcelo Costa, que a Igreja Católica como instituição iria aumentar
seu horizonte religioso, reconquistar seu prestígio como instituição e seus fiéis e,
principalmente, contrapor-se-ia a expansão dos colégios protestantes (AZZI, 2008, p.19), ainda
em pequeno número no início do século XIX. Facilitariam assim a vinda das congregações
religiosas europeias para o Brasil, a fim de recristianizar a população e reafirmarem-se como a
religião com maior poder de influência no país.
Ainda neste contexto implanta-se um novo modelo de catolicismo, o Ultramontanismo,
ou seja, uma política centralizadora e hierárquica da Igreja católica na figura do Papa e de
Roma, formato esse que visava uma complementação e auxílio para o clero (MANOEL, 2008.
p. 47). Após o impacto inicial dos prejuízos de deixar de ser a religião e Igreja oficial (mantida
e controlada pelo Estado brasileiro), as autoridades eclesiásticas se empenharam na difusão e
consolidação de um catolicismo mais sólido e profundo no País.
No caso do Rio Grande do Sul, foi durante o bispado de Dom Cláudio José Gonçalves
Ponce de Leão (terceiro bispo do Rio Grande do Sul), iniciando no ano de 1890, que as
autoridades católicas alteraram significativamente seus posicionamentos e ações visando
recuperar espaços na sociedade. (COLUSSI, 1998. p.332.)
Em 1910, ocorre uma mudança que terá expressivas consequências. Foi nomeado Dom
Cláudio José Gonsalves Ponce de Leão4 o primeiro arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre
e, em 1912, esse entregou o governo ao seu sucessor, Dom João Becker. A aproximação destes
dois bispos permitiu a afirmação do catolicismo na vida sul-rio-grandense, fenômeno que foi
concomitante a própria consolidação do Partido Republicano Rio-grandense (aliados)
(COLUSSI, 1998. p.332), uma vez que -diferentemente do restante do país, as lideranças do
campo religioso e do governamental aproximaram e estreitaram suas relações a fim de
fortalecimento e apoio mútuo para propagação de ideários e autoridade, visando legitimidade a
seus mandatos.
Entre as diversas iniciativas e ações para conquistar mais fiéis foi estimulada a vinda de
sacerdotes estrangeiros para suprir tanto a escassez de padres quanto a fragilidade de sua
formação doutrinária e teológica. Entende-se então, a chegada ao Rio Grande do Sul, naquele
contexto, de número expressivo de ordens e congregações religiosas, tanto masculinas como
femininas, originárias da Europa. Entre as ordens e congregações podemos citar as masculinas:
4 O Papa Leão XIII nomeou-o bispo da diocese de São Pedro do Rio Grande do Sul em 1890 e no mesmo ano
tomou posse. Denunciou as atrocidades da Revolução Federalista e remodelou o Seminário Episcopal. Em 15 de
agosto de 1910 a diocese foi elevada a Arquidiocese de Porto Alegre, criando-se mais três dioceses no Estado
(Santa Maria, Pelotas e Uruguaiana), tornando Dom Claudio o primeiro arcebispo metropolitano. Por motivos de
saúde retirou-se da Arquidiocese.
os Capuchinhos (1896); os Carlistas (1896); os Irmãos Maristas (1897); os Salesianos (1901);
os Oblatos de São Francisco de Salles (1906); os Claretinos e os La Sallistas (1907); os
Franciscanos (1917) e os Redentoristas (1920). Entre as femininas: as Irmãs de Santa Catarina
(1899); as Filhas de Nossa Senhora do Horto (1908); a Companhia de Santa Tereza de Jesus
(1910); as Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeu (1915) e as Irmã da Divina Providência
(1918) (COLUSSI, 1998, p.333).
Os governantes das cidades e povoados da região sul do país, no final do século XIX e
início do século XX, promoveram políticas de incentivo à vinda de congregações católicas para
suas cidades. Em troca de sua fixação no território sul rio-grandense e seus serviços religiosos,
os dirigentes propunham moradias, baixos custos de vida, isenção ou baixos impostos e outras
propostas para facilitar a vinda desses religiosos e religiosas (GIOLO, 2013, p. 247).
Outro fator muito importante que fez com que as lideranças políticas sul rio-grandenses
investissem na vinda das congregações religiosas europeias era o cenário cultural e religioso do
Rio Grande do Sul, era que se via surgir uma esfera da vida humana religiosa bipartidária. De
um lado católicos e do outro e não católicos responsáveis pelo controle de áreas importantes da
sociedade, uma vez que nessas lideranças estavam as bases das regras da moral e bons costumes
que deviam fazer parte do comportamento e do ideário social (MEDEIROS, 2007. p. 111).
Os imigrantes que se encontravam no Brasil clamavam por assistência religiosa e as
congregações europeias foram o elo desses para com sua cultura, que aos poucos era
transformada frente ao novo país e às relações que aqui se estabeleciam; às adaptações culturais
e aos novos desafios enfrentados no Brasil (AZZI, 2008, p.19). A Igreja Católica, que antes
estava perdendo força e séquito fiel, graças às novas ordens religiosas europeias, obtivera
reorganização e adaptação, assim como maior aceitação para com os colonos, recuperando-se
ganhando adeptos no Rio Grande do Sul.
Os Irmãos Maristas chegaram no Rio Grande do Sul, por iniciativa do Padre Rudgero
Separa Stenmanns, vigário da cidade de Bom Princípio. Ele pretendia criar uma escola na
cidade e dirigiu-se, em 1897, ao Superior Geral dos Irmãos Maristas, na França. O Bispo do
Rio Grande do Sul, Dom Cláudio também solicitou a vinda dos Maristas, em fevereiro de 1900.
No mesmo ano foi enviado ao Rio Grande do Sul o Irmão Weibert e dois auxiliares para
implantar uma escola paroquial para a cidade de Bom Princípio (COLUSSI, 1998, p. 334). Esta
foi uma ação de outras tantas iniciativas que Igreja Católica promoveu no estado para fortalecer
e expandir a fé católica no estado, inclusive a da cidade de Passo Fundo.
A presença dos religiosos estrangeiros nas paróquias difusas pelo Rio Grande do Sul
aumentou expressivamente a força numérica do clero católico no estado, o que foi um dos
fatores que contribuíram para a vitalização do catolicismo regional (ISAIA, 1998, p.68).
Em Passo Fundo, a Igreja Católica assumiu os espaços deixados pelo Estado, fixando-
se firmemente na estrutura sócio-política que o contexto lhe apresentava. Através dos colégios
confessionais, já que o estado não dava conta da parte educacional, expandiu sua atuação junto
à sociedade, inserindo-se no seio da população, não somente por missas e sermões eucarísticos
(MEDEIROS, 2007. p. 48). Segundo Colussi,
A chegada ao Rio Grande do Sul, naquele momento, em número muito expressivo, de
ordens e congregações religiosas, tanto masculinas como femininas e originarias da
Europa, foi incentivada por dom Cláudio. A presença desses religiosos estrangeiros
nas paroquias espalhadas pelo Rio Grande do Sul aumentou sensivelmente a força
numérica do clero católico no estado, sendo um dos fatores que contribuíram para a
valorização do catolicismo regional. Com o trabalho desses padres e freiras foram
criados inúmeros seminários, conventos e noviciados, colégios e escolas,
estabelecimentos hospitalares, orfanatos, casas de descaso e pensionatos. (COLUSSI
1998, p.332.)
O sentimento de nacionalismo aliou-se com catolicismo, o Bispo queria, além de
consolidar a influência da religião, manter o brasileiro anunciando seu próprio sentimento de
independência e nacionalidade, tornando-se mais difícil aos estadunidenses, que pregavam a
religião protestante promover sua cultura. Aliando-se ao sentimento de nacionalismo, a Igreja
Católica encontrou um facilitador para legitimar-se no meio social através do campo
educacional, pois através desse sentimento exacerbado, consolidaria seu projeto de preferência
comparado aos demais estabelecimentos de ensino (AZZI, 2008. p. 25). Assim aquele que
enviaria seu filho para um colégio protestante era considerado um traidor da sua própria pátria,
uma vez que esse era o discurso pregado contra a outra grande vertente Cristã, concorrente ao
catolicismo na época, que eram as vertentes religiosas de vida dos Estados Unidos, os
protestantismos.
Como lembra Medeiros, os metodistas conseguem adeptos facilmente em Passo Fundo,
pois faziam algo que os católicos, devido sua política e normas religiosas não faziam: pregavam
em praça pública para o número de pessoas que ali estivessem. Enquanto o padre ficava na
igreja esperando que os fiéis fossem até ele e pregavam os sacramentos, os metodistas iam até
o povo e os acompanhavam em seus dilemas existenciais, oferecendo segurança, conforto e
comodidade emocional (MEDEIROS, 2007, p.50). Outro fator de grande importância reflete-
se na educação, não católicos utilizam os colégios metodistas como alternativa aos colégios
católicos existentes.
A congregação dos Irmãos Maristas chega a Passo Fundo no ano de 1906 e, no mesmo
ano funda o Colégio São Pedro. Em 1908, o proprietário da casa onde funcionava o Colégio
São Pedro, o senhor Aníbal de Primio, vendeu o referido imóvel. Em razão disso, os irmãos
Maristas procuraram uma nova sede, alugando uma edificação de Lucas Annes na Avenida
Brasil. Eleito o novo Intendente Municipal, o senhor Gervásio Annes, irmão de Lucas, resolveu
suprimir a contribuição financeira concedida ao Colégio São Pedro. (COLUSSI, 1998, p. 336).
Inicialmente os irmãos Maristas tentaram permanecer na cidade e seguir sua obra
cobrando a mensalidade dos alunos como ajuda de custo, mas os mesmos, “carentes e em
situação de pobreza não conseguiram manter-se e abandoaram a instituição”. Um grande
número de alunos abandonou a instituição, ocasionando grandes despesas para sua manutenção
já que os poucos alunos que restaram não eram suficientes para custear todas as despesas
requeridas para o funcionamento da escola. Numa avaliação negativa desse processo, o diretor
do colégio à época, Irmão Tomás de Vilanova, relatou que “o povo atendido pela Instituição
não ligava para a instrução, então em pouco tempo não havia alunos suficiente para manter os
três Mestres”, acarretando no fechamento da Instituição e na saída da congregação da cidade
no ano de 1910 (COLÉGIO MARISTA CONCEIÇÃO, 1910, p.18)
Em 1928 surgiu a oportunidade desejada pelos religiosos para retornarem à Passo
Fundo. Os padres Palotinos5 retiraram-se da paróquia da cidade e seu imóvel foi colocado à
5 Os Padres Palotinos (S.A.C.) são uma sociedade de vida apostólica da Igreja Católica Apostólica Romana
fundada em 1835 com o nome de Sociedade do Apostolado Católico (societas apostolatus catholici) pelo Padre
Vicente Pallotti, declarado santo, durante o Concílio Vaticano II, pelo Papa João XXIII em 20 de janeiro de 1963.
venda. Após examinar o imóvel, o mesmo foi comprado pela Congregação Marista para
transformá-lo no Ginásio Nossa Senhora da Conceição. As primeiras preocupações decorrentes
e ações realizadas pela direção da Congregação que assumiu o Colégio Conceição no ano de
1928 foram adaptar a edificação e construir os prédios necessários para efetuação do “tão
clamado e desejado do Curso Ginasial6” (escola secundária vocacionada para a preparação dos
alunos para acederem a uma universidade) e Internato; oficializar o ensino mediante consecução
e Inspeção Federal e instalar o Juvenato7 ( estudos e formação de jovens para a vida eclesiástica
e exercício do magistério religioso) para candidatos à vocação Marista. Em 1º de março de
1929 realizou-se a abertura do novo Ginásio do Colégio Marista Conceição, tendo início nesse
dia a trajetória do colégio na cidade, com 78 alunos matriculados. (COLÉGIO MARISTA
CONCEIÇÃO,1928, p.53.).
O Colégio Marista Nossa Senhora da Conceição era um colégio confessional, ou seja,
vinculado a igrejas ou confissões religiosas. A escola confessional baseia os seus princípios,
objetivos e forma de atuação numa religião, diferenciando-se, portanto, das escolas laicas. Para
essas escolas o desenvolvimento dos sentimentos religiosos e moral nos alunos é o objetivo
primeiro do trabalho educacional, procurando ter um embasamento filosófico-teológico. Todos
os colégios da Congregação Marista funcionavam em sistema de internato e externato, porém
admitiam membros somente do sexo masculino. Com os professores a forma não foi
diferenciada pois inicialmente somente os Irmãos Maristas ministravam aulas, até que
gradativamente o número de estudantes ultrapassou a capacidade de ensino e foram admitidos
outros professores (MARISTA SANT´ANA, 2012.).
Em Passo Fundo, no ano de 1905 assumiram a direção da Paróquia de Passo Fundo e permaneceram até o ano de
1928. 6 Nos países germânicos, tradicionalmente, o ginásio constitui uma escola secundária vocacionada para a
preparação dos alunos para acederem a uma universidade, com caraterísticas muito semelhantes às dos tradicionais
liceus da Europa latina. Os ginásios têm origem na Reforma Protestante ocorrida no século XVI. O primeiro
sistema de escolas a ministrar um ensino ginasial surgiu na Saxónia em 1528. Segundo o sistema educativo do tipo
germânico, os ginásios destinam-se aos alunos com maior vocação académica. Estes alunos, são filtrados à saída
do ensino primário, por volta dos 10 a 13 anos, só aos melhores sendo permitido aceder ao ginásio.
Tradicionalmente, o ginásio foca-se nas humanidades e nos estudos clássicos, com o seu currículo a incluir
normalmente o ensino do latim e do grego antigo. Outras modalidades do ensino ginasial incluem as línguas
modernas, as ciências, a economia e as tecnologias. 7 Estágio de estudos e formação, em certas ordens ou congregações católicas, de jovens para a vida eclesiástica e
exercício do magistério religioso. Estabelecimento de ensino e preparação de jovens para a carreira religiosa.
Na data de 19 de outubro de 1930 foi inaugurado o novo prédio de três andares da
Instituição, localizava-se em frente, ao Hospital São Vicente na rua Teixeira Soares. A
Congregação Marista tornou-se muito conhecida e procurada na cidade fazendo com que os
Irmãos provinciais aprovassem a construção de um novo prédio para crescimento da
congregação e para a evangelização de jovens e crianças. Com o tempo, a congregação religiosa
ganhava mais adeptos na cidade, dessa forma, nos anos posteriores, em decorrência da grande
procura de alunos para o internato masculino, o prédio tornou-se novamente inadequado para
dar conta da demanda. Havia inclusive lista de espera para ingressar na instituição. Com isso,
os Irmãos provinciais aprovaram a construção de um novo prédio para crescimento da
congregação na cidade e para a evangelização de jovens e crianças, prédio esse endereçado na
Rua Paissandu, 746 e que ocupa uma quadra inteira na área central da cidade. Endereço que
permanece o mesmo na atualidade. (COLÉGIO MARISTA CONCEIÇÃO, 1930, p. 46).
Os projetos educacionais das escolas católicas eram mais voltados à área de Ciências
Humanas e serviam para ilustrar cada vez mais a “fina flor” da Sociedade Gaúcha colocando a
par das últimas ideias em voga do período. Segundo Rosso e Siqueira, o cenário educacional
passo-fundense, no início do século XX, tinha um perfil próximo ao de outras cidades. Para os
autores,
As escolas religiosas de Passo Fundo não se diferenciavam das outras estabelecidas
no território rio-grandense eram destinados aos filhos da Elite local e de agricultores
europeus. Os nativos e caboclos frequentavam as escolas municipais, e isso quando
tinham a possibilidade de frequentar aulas, na verdade a grande maioria da população
marginalizada era analfabeta. (ROSSO; SIQUEIRA; apud DIEHL, 1998, p. 97.)
Portanto, para Igreja, ao controlar o sistema de ensino, através das Ordens religiosas
europeias, se poderia, ao menos, controlar a difusão das ideias, uma vez que, segundo Manoel
(2008. p. 51.) “o controle educacional lhe dava a oportunidade de, ao menos, depurar a matéria
de ensino, evitando, o quanto possível, a divulgação de ideias contrárias às suas teses e
dogmas,” como o ideário metodista que estava em voga e ganhava cada vez mais espaço no
cotidiano passo-fundense, intimidando as autoridades católicas e políticas.
Este processo de clericalização da igreja ou reprodução social do clero no Brasil teve
como um de seus efeitos a restauração do espaço social da Igreja após a sua separação do
Estado. Além disso o processo de europeização da Igreja, através das constantes vindas de
ordens religiosas do velho mundo, tornou o catolicismo brasileiro, segundo Azzi (1998, p.31)
“mais erudito e, portanto, mais atrativo para os intelectuais e os setores médios urbanos.”
Com esse intuito, pode-se afirmar que, tanto as congregações religiosas católicas como as
protestantes, tiveram fundamental importância na formação e desenvolvimento da população
de Passo Fundo e de sua mentalidade, através de suas pregações, o que acarretou na propagação
do seu ideário entre os habitantes da cidade.
Nesse contexto de laicização do Estado brasileiro no final do século XIX, onde o clero
brasileiro implanta um novo modelo de catolicismo a fim de solidifica-se no país, o campo
educacional foi um dos espaços percebidos para desenvolvimento desse projeto. A
Congregação dos Irmãos Maristas e seus colégios ganham destaque na difusão e fortalecimento
do catolicismo no estado do Rio Grande e na cidade de Passo Fundo, através de seus colégios
em modelo de internato e externato, educando a elite sul-rio-grandense. A presença desses
religiosos estrangeiros nas paróquias do Rio Grande do Sul aumentou sensivelmente a força
numérica do clero católico no estado, o que foi um dos fatores que contribuiu para a vitalizarão
do catolicismo em âmbito local e regional.
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