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 5 INTRODUÇÃO A medida de segurança é aprovidência que o Estado adota para com o inimputável e o semi-imputável, este de forma excepcional, que comete um crime ou uma contravenção penal. Diante de uma conduta tida como criminosa pela legislação penal pátria, constatando-se a ausência das plenas faculdades mentais do agente criminoso no ato do ilícito, ou seu acometimento posterior, mesmo que durante o cumprimento de pena, o agente será submetido à medida de segurança. Duas são as modalidades de medida de segurança: Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico; e sujeição a tratamento ambulatorial. Na primeira modalidade, o agente permanece internado até que cesse ou reduza significativamente seu grau de periculosidade, podendo, neste último caso, converter-se o tratamento de internação em tratamento ambulatorial. Em ambas as modalidades de medida de segurança, o tratamento persistirá pelo tempo em que os especialistas médicos entenderem ser necessário ao paciente, sempre com o escopo de proteger a sociedade e o próprio agente, pois o ³louco infrator´, enquanto elevado seu grau de periculosidade, representa sempre um risco eminente para si e para os outros. Após a internação, o prazo para primeira avaliação médica é de um a três anos, sendo realizadas as sequentes, uma vez a cada ano. Constatada a melhora do interno, verificando-se a possibilidade de inseri-lo novamente na sociedade, sem que isso implique com o risco, o Magistrado da VEP 1 ordenará a sua reinserção às ruas. Entretanto, não havendo qualquer melhora no que tange a redução do grau de  periculosidade apresentada pelo paciente, este permanecerá detido em tratamento por tempo indeterminado, podendo até mesmo passar o resto de sua vida nestas condições, caso nunca apresente a necessária redução ou extinção de sua periculosidade. Em razão desta peculiaridade da internação na medida de segurança, parte da doutrina jurídica criminal tece severas críticas àquela, arguindo a sua possível 1 Vara de Execuções Penais 

A constitucionalidade da internação da medida de segurança

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INTRODUÇÃO

A medida de segurança é aprovidência que o Estado adota para com o

inimputável e o semi-imputável, este de forma excepcional, que comete um crime ou

uma contravenção penal.

Diante de uma conduta tida como criminosa pela legislação penal pátria,

constatando-se a ausência das plenas faculdades mentais do agente criminoso no ato do

ilícito, ou seu acometimento posterior, mesmo que durante o cumprimento de pena, o

agente será submetido à medida de segurança.

Duas são as modalidades de medida de segurança: Internação em hospital decustódia e tratamento psiquiátrico; e sujeição a tratamento ambulatorial. Na primeira

modalidade, o agente permanece internado até que cesse ou reduza significativamente

seu grau de periculosidade, podendo, neste último caso, converter-se o tratamento de

internação em tratamento ambulatorial. Em ambas as modalidades de medida de

segurança, o tratamento persistirá pelo tempo em que os especialistas médicos

entenderem ser necessário ao paciente, sempre com o escopo de proteger a sociedade e

o próprio agente, pois o ³louco infrator´, enquanto elevado seu grau de periculosidade,

representa sempre um risco eminente para si e para os outros.

Após a internação, o prazo para primeira avaliação médica é de um a três anos,

sendo realizadas as sequentes, uma vez a cada ano. Constatada a melhora do interno,

verificando-se a possibilidade de inseri-lo novamente na sociedade, sem que isso

implique com o risco, o Magistrado da VEP 1 ordenará a sua reinserção às ruas.

Entretanto, não havendo qualquer melhora no que tange a redução do grau de

  periculosidade apresentada pelo paciente, este permanecerá detido em tratamento por 

tempo indeterminado, podendo até mesmo passar o resto de sua vida nestas condições,

caso nunca apresente a necessária redução ou extinção de sua periculosidade.

Em razão desta peculiaridade da internação na medida de segurança, parte da

doutrina jurídica criminal tece severas críticas àquela, arguindo a sua possível

1Vara de Execuções Penais 

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inconstitucionalidade, haja vista a referida pena, em tese, revestir-se de características

análogas à pena de caráter perpétuo, pena esta explicitamente vedada pela Carta Magna

de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea µb¶.

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1. ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

O Estado da República Federativa do Brasil constituiu-se por sua Carta Magna

de 1988, organizando-se de acordo com a mesma e com suas Leis infraconstitucionais.

De acordo com a Pirâmide de Kelsen, no que concerne a hierarquia das normas

nacionais, a Epístola Maior encontra-se no topo da estrutura. Desta forma, as demaisLeis devem estar sempre em sintonia e harmonia com o alicerce constitucional.

O instituto da medida de segurança, há muito tempo, faz divergir as opiniões

sobre a sua legalidade, eis que, ao que pese, o mesmo, em tese, estaria em dissonância

com a Constituição de 1988, pois olvidaria alguns de seus princípios norteadores

 basilares, tais quais como o Princípio da Humanidade, o Princípio da Proporcionalidade,

o Princípio da Vedação às Penas de Caráter Perpétuo, o Princípio da Legalidade e o

Princípio da Igualdade.

O Princípio da Humanidade se presta ao fim de garantir que a condição de ser 

humano deva ser respeitada antes de tudo, velando pelos direitos humanos básicos

inerentes às pessoas, independentemente de a mesma figurar como autor ou como a

vítima de um crime.

Já a Proporcionalidade possui o desígnio de fazer com que o tratamento penal

que será aplicado ao agente criminoso seja sempre proporcional ao dano causado às

vítimas e àsociedade. O caráter pedagógico da pena, que também é observado para a

aplicação da referida, deve ser igualmente proporcional à conduta repudiada, nunca se

  permitindo qualquer excesso por parte do Estado. Na aplicação das medidas de

segurança, a proporcionalidade terá como referencial não o dano causado pelo agente,

em virtude de o mesmo não possuir o discernimento sobre o que é certo e o que é errado

e de determinar-se acordo com este entendimento, mas antes, terá como base a

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  periculosidade que ele apresenta, pois o intuito não é punir e sim tratar o agente.O

caráter do tratamento é meramente preventivo.

A Vedação às Penas de Caráter Perpétuo surge como uma forma de

materialização dos dois Princípios supra. No que tange ao tratamento prisional, a

observância da humanidade e da proporcionalidade, em um Estado Democrático de

Direito, não poderia resultar em outra coisa senão na criação do tratado Princípio.

  Neste enredo, o Princípio da Legalidade tem o propósito de impedir que

qualquer ato do Estado inobserve as formas legais, obrigando-o deste modo ao

estabelecer a punição aos marginais, que atue sempre em obediência à humanidade, à

 proporcionalidade e à vedação às penas de caráter perpétuo. De igual forma, afiança que

as Leis infraconstitucionais jamais poderão estar sem a devida égide constitucional,assim, neste sentido, qualquer norma que estabeleça a perpetuidade de uma pena está

eivada de vício material, frente à inconstitucionalidade do tema, de acordo com o

 princípio da Vedação às Penas de Caráter Perpétuo.

O Princípio da Igualdade confere tratamento isonômico a todos os cidadãos,

assegurando que as normas serão aplicadas igualitariamente a todos. Isto significa dizer 

que não haverá aplicação de uma pena específica apenas a determinados grupos de

 pessoas.A pena imposta a um, é passível de ser imposta a todos.

Ora, a vigência legal de uma norma que viola o Princípio da Vedação às Penas

de Caráter Perpétuo, resulta na consequente violação a todos os demais Princípios acima

mencionados. A questão é: A internação da medida de segurança é pena revestida de

caráter perpétuo?

O fato de não haver um prazo limite para o cumprimento da medida de

segurança, especialmente à internação em casas de custódia e tratamento psiquiátrico,

traz-nos à reflexão a referida questão.

Ao que indica o diploma penal, o tratamento deve perdurar enquanto existir, em

alto nível, a periculosidade do paciente. Porém, caso a periculosidade jamais cesse, à

letra da lei, deverá ser mantido o tratamento. Não estaríamos assim frente a uma pena

 perpétua?

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Por outro lado, a medida de segurança é de fato um tipo de pena, ou será mero

tratamento?

Segundo César Roberto Bitencourt(Bitencourt, 2006) a medida de segurança não

é pena e sim uma sanção penal, devendo ser encarada comouma imposição de um

tratamento psiquiátrico, por parte do Estado, em resposta à uma conduta criminosa

  praticada por um agente incapaz de discernir o certo do errado, devido sua condição

especial, para que assim tal conduta não venha a ser novamente incidida, cuidando-se

 para tal, da saúde mental do paciente.

De acordo com a Suprema Corte2, embora a medida de segurança seja uma

sanção penal, deve ser aplicada analogamente às penas, eis que a mesma será imposta

apenas à um transgressor penal e não a qualquer inimputável ou semi-imputável quenecessite e que apresente algum nível de periculosidade, embora que não possua um

escopo punitivo mas tão somente de tratamento.

Porém, passando-se os trinta anos referidos no art. 75 do Código Penal3, tempo

limite de uma prisão, e sendo o infrator liberado da medida de segurança, mesmo

  persistindo sua periculosidade, e sendo a finalidade da internação o tratamento e a

redução ou a extinção da periculosidade, talvez tenha sido inócua sua aplicação, bem

como o cárcere até então sobreposto.

Aparentemente, o receio de se aplicar uma pena vedada pela Constituição, pode

estar comprometendo a própria finalidade da sanção penal. Para solucionar tal

  problemática, necessário se torna um estudo aprofundado a cerca da natureza da

2Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 84.219/ SP). ³A impetração é contra decisão do STJ

que indeferira a medida de segurança, sob o fundamento de que a lei penal não prevê limite temporal

máximo para o cumprimento da mesma, somente condicionada à cessação da periculosidade do agente.O

Min. Marco Aurélio, no que foi acompanhado pelos Ministros Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau,

deferiu o writ para que se implemente a remoção da paciente para hospital psiquiátrico da rede pública.Considerou que a proibição de prisão perpétua se aplica à custódia implementada sob o ângulo da

medida de segurança e que o art. 75 do Código Penal há de merecer o empréstimo da maior eficácia

  possível, ao preceituar que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser 

superior a trinta anos´.3 Código Penal, art. 75 ±³O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser 

superior a 30 (trinta) anos´.

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internação da medida de segurança. Esclarecido isto, poder-se-á afirmar, com

 propriedade, quanto à sua constitucionalidade ou não.

2.2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS PENAS 

Desde a idade primitiva, o ser humano agride seu semelhante e se condiciona para

se proteger das agressões, o que de outro modo, passa a ser outra forma de

agressão.Permitia-se ao que foi agredido vingar-se e fazer, portanto, justiça com

 punições muito mais drásticas que a própria injúria ou dolo causado. Onde havia uma

lesão, a compensação desmedida fazia nascer para o outro um novo direito decompensação face ao primeiro, que por sua vez, seria igualmente desproporcional,

gerando um circulo de sangue eterno, que se estendia por décadas.

Para vingar-se a morte do chefe de uma tribo, exterminava-se, sumariamente, toda

a tribo adversária.As culturas mais simples aceitavam ainda que as punições se

estendessem às gerações sucessivas do agressor, atingindo até a décima ou mais, para

compensar males causados.

É no quarto século, antes da era cristã, que Moisés procura uma nova verdade, eestabelece um corajoso conceito para a época: a tese de que qualquer punição aplicada

deveria ser proporcional à injúria provocada. Olho por olho, dente por dente.

A Lei de Talião refletia o máximo equilíbrio de justiça, que passaria a vigorar 

entre os homens no plano jurídico do direito.

Surge desta forma, para o mundo jurídico, o ideal de proporcionalidade e a noção

de humanidade, que em seguida consagrou-se no Código de Hamurabi da Babilônia, no

Êxodo dos hebreus e na Lei das Doze Tábulas dos romanos.

Até então, vigorou-se a fase histórica da vingança privada.

Contudo, junto com o paradigma de proporcionalidade, surgiu também a ideia de

 penalidade.

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Este conceito, utilizado de forma perigosa, deu à Igreja Católicae ao Monarca o

 poder soberano sobre os demais grupos, uma vez que ela representava a Vontade Divina

e o Monarca era o próprio escolhido de Deus para reinar na terra, detendo assim o poder 

de punir todos aqueles que se opunham às suas concepções.

O período das fasesda vingança divina e da vingança públicafoi um dos mais

sangrentos da história. Com penas cruéis de desumanas, muitas pessoas foram caçadas e

mortas sem nenhum julgamento ou chance de defesa, e tudo em nome de Deus.

Posteriormente, durante o Iluminismo, brado racionalista de liberdade à opressão

religiosa e monarca, grandes nomes como Voltaire, Montesquieu e Rousseau

defenderam o conceito de humanidade e de proporcionalidade, que se mantivera latente

durante as fases da vingança divina e da vingança pública, arraigando-osdefinitivamente na senda jurídica. Osaludidos se revestiam, a cada dia mais, de elevada

expressão hierárquica, galgando a própria dimensão jusnatural e aspiração de

universalidade, perpetuando-se como direito supranacional e atemporal. ³Os direitos

humanos cabem ao homem enquanto homem´4, independente de onde e em que tempo

viva.

A finalidade precípua destes preceitos é limitar e regular o poder de punir, não

  permitindo que o poder coercitivo, aplicador de penas, lesionem a integridade física,

moral e psíquica do marginal.

 Não se pode permitir que, ao repelir uma conduta ³agressiva´ do agente, se utilize

uma agressividade ainda maior ou de mesma proporção. O sentido primário das penas,

neste momento,passa a ser a reeducação e a reabilitação. Não se educa e ou se

reabilita,adotando o mesmo comportamento que ora visa se punir.

O princípio da proporcionalidade possui o mesmo berço do princípio da

humanidade. Igualmente prima pela defesa aos direitos humanos básicos e da dignidade

física e moral do ser humano, complementando sua efetivação. A pesar de haver sido

esquecido e ignorado ao longo das fases de vinganças divina e pública.

4BOBBIO, Norberto.  A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p. 17. 

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O princípio ora em destaque se incumbe de garantir que haverá equivalência

 proporcional entre a gravidade do resultado do ato e a pena que será culminada.

Graças ao instituto da proporcionalidade, muitas atrocidades foram impedidas e

muitas guerras deixaram de acontecer, pois traz consigo o próprio conceito de

humanidade, não somente sob o aspecto individual do ser humano, mas com uma

abrangência ainda maior, com o escopo evolutivo da sociedade, fazendo surgir deste

modo, a concepção de civilidade.

Fruto da fase humanitária, na Europa, durante o Iluminismo, com a explosão da

revolução francesa, foi a bandeira maçônica que evidenciou o ideal de Liberdade,

Igualdade e Fraternidade, primeira, segunda e terceira gerações dos direitos humanos,

 bradado por Antoine-François Mamoro.

JeanJacques Rousseau, grandefilósofo iluminista e membro da Ordem Maçônica

Regular e Simbólica, trata sobre o conceito de Igualdade quando busca as causas das

desigualdades humanas5 em sua obra ³O Discurso´ 6, sugerindo que as causas das

desigualdades morais e políticas existentes entre os homens, somente se extinguiriam

com o seu regresso ao estado natural, pois as referidas disparidades humanas possuem

fundamento na imposição por uma parte e na aceitação pela outra, característica

inerente à sociedade ³civilizada´.

5³Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física,

 porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo

e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política,

  porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo

consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo

dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se

obedecer por eles.´

6³Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens(Discourssurl'origineetlesfondements de l'inégalitéparmileshommes), também popularmente conhecido

como "Segundo discurso", é uma obra do filósofo Jean-Jacques Rousseau. O texto foi escrito em 1754 em

reação a uma competição por um prémio da Academia de Dijon respondendo o seguinte: O que é a

origem da desigualdade entre os homens, e é ela autorizada pelo direito natural? Apesar de ele não ter 

obtido reconhecimento do comitê julgador do prémio por essa obra (ao contrário do que aconteceu com o

Discurso sobre as ciências e as artes) ele entretanto publicou o texto em 1755´.

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Wolfgang Mozart foi um dos que possuiu vultoso papel na promulgação desta

nova máxima de racionalidade, o juízo de igualdade, imortalizando-o em sua flauta,

com expressão de tão sublime inocência, exercendo importante papel apologético junto

à sociedade.

Resultante destemovimento revolucionário iluminista, que fazia perceber em voz

alta as necessidadesbásicas humanas, dentre elas a igualdade e a liberdade,abrolhou-se a

famosa Declaração Internacional dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em

1789.Surgia assim um novo paradigma em prol da Humanidade e dos direitos

fundamentais do homem, o juízo de Igualdade.

O Princípio da Igualdade determina que todos são iguais perante a Lei,

independentemente de raça, crença, sexo ou idade.Contudo, a mesma Lei não consegueabraçar, ao mesmo tempo, todas as pessoas e cidadãos, em virtude das desigualdades

naturais inerentes aos mesmos. Desta sorte, mesmo e principalmente na busca de uma

real e eficaz Igualdade, não podemos olvidar tais diferenciações naturais, sob pena de

violarmos o próprio preceito que ora tratamos.

Assim, chegou-se ao entendimento de que o Princípio da Igualdade não consiste

em tratar a todos de forma igualitária, mas sim de tratar os iguais como iguais e os

desiguais como desiguais, nas devidas proporções de suas desigualdades.

Este evoluído pensamento nos permite compreender que se faz necessário,

  primeiro a aceitação da existência das diferenças humanas, independente de suas

naturezas, para que posteriormente então, possamos adotar as devidas medidas,

singulares, que façam cessar as desigualdades. Estabelecer um padrão de tratamento

uniforme em busca da igualdade significa incorrer em um inocente erro, que teria como

consequência nada menos que seu antônimo.

 Neste sentido, diante de dois infratores que cometeram o mesmo delito, contudo

 por razões distintas, de nada adiantaria aplicar-lhes a mesma pena. Se um deles goza de

suas plenas faculdades mentais e o outro não, ao primeiro deve conferir-se a pena

culminada na lei, enquanto que ao segundo, deve ser imposta sanção penal de

tratamento psiquiátrico.

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O Princípio da Igualdade, nesta senda, surge com o intuito de diversificar as

medidas de ressocialização a serem aplicadas aos agentes criminosos, levando em

consideração todos os aspectos do crime, buscando assim a real eficácia daquelas. Este

Princípio dá à luz a uma nova ciência jurídica: a Criminologia.

A Criminologia é o próprio período científico, que se estende até os dias de hoje.

Com o intuito de galgar a reabilitação do infrator, esta nova ciência jurídica estuda os

fatores, objetivos e subjetivos, do crime e do criminoso, em busca dos elementos que o

tornam desigual aos demais. Após, sob posse de tais dados, poder-se-á desenvolver um

estudo sobre a melhor forma de diminuir ou mesmo até de dirimir as referidas

desigualdades, evitando assim, em tese, que o agente venha a praticar novamente a

conduta delituosa oriunda da desigualdade ora combatida.

2.3. DA APLICABILIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA

O crime sempre acompanhou a humanidade.Desde a criação das normas, sempre

existiram infratores para as mesmas. A evolução do direito penal nos revela as formas

mais eficazes de tratamento,realizado pelo Estado ao agente criminoso, com o escopo de

reeduca-lo e reabilitá-lo. Contudo, quando se trata de um infrator inimputável ou semi-

imputável, a marcha evolutiva do referido tratamento penal se faz de modo

significativamente lento, pois além de representar uma minoria pouco expressiva,

doenças como a loucura, o vício e a dependência nunca tiveram dispensada a devida

atenção, pois fazem parte de uma das faces da natureza humana que a maioria, quiçá por 

comodidade ou vergonha de sua própria essência, prefere ignorar.

Talvez, caso tais doenças não fossem ignoradas e sim tratadas com a

imprescindível atenção e comprometimento, não se faria necessário a adoção demedidas penais direcionadas à ressocialização de seus portadores, eis que

  preventivamente combatidas, possivelmente não ensejariam a conduta delituosa.

Entretanto a realidade que nos cerca é una: existem ³loucos´, viciados e dependentes,

em suma, pessoas com o discernimento mental reduzido, que comentem infrações

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  penais e praticam crimes.A essas pessoas, qual o tratamento deve ser aplicado pelo

Estado?

Inicialmente não havia distinção no tratamento conferido ao inimputável e ao

semi-inimputável, sendo-lhes imposta a mesma pena que era comum a todos. Todavia

após o advento das concepções e ideais iluministas, galgando a pena à atribuição de

reabilitar e ressocializar o indivíduo, notou-se que para aqueles ³excepcionais´, a

finalidade da pena não alcançava os seus efeitos. Assim verificou-se a necessidade de

um tratamento diferenciado, para não apenas punir o infrator pela conduta, mas para

tratar a sua doença mental.

Oriundo disto, o ³criminoso excepcional´passou a receber tratamento psiquiátrico,

 para reabilitá-lo e ressocializá-lo, mais a pena, para puni-lo. Este sistema de tratamento penal chama-se duplo binário.

Atualmente, de acordo com a teoria do crime, para haver a aplicação e o

cumprimento da pena, é necessário que o fato seja típico, punível e culpável. Nos casos

de ausência de um destes requisitos, não há que se falar em aplicação de pena.

O artigo 26 do Código Penal isenta de pena o agente que tenha cometido o crime

 por seu discernimento reduzido ou por sua total ausência, face à doença mental que o

tenha acometido. Ora, trata-se o caso de excludente de culpabilidade. O fato é típico, é punível, mas não é culpável.

Sob a luz deste entendimento, hoje, no sistema vicariante, não se aplica mais a

medida de segurança conjuntamente com a pena.

A medida de segurança é meramente uma sanção penal que irá obrigar ao

tratamento psiquiátrico necessário para a extinção da periculosidade do paciente, não

 podendo se confundir jamais com uma pena.

Enquanto a pena possui o caráter pedagógico e punitivo, a medida de segurança

visa tão somente tratar a psicopatia do paciente, não de maneira a curar, mas pelo menos

de cessar sua periculosidade, tornando novamente possível seu convívio social.

Conforme já visto, a medida de segurança consiste em tratamento ambulatorial e

internação em casa de custódia e tratamento psiquiátrico.

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O que irá determinar qual o tipo de tratamento da medida de segurança que será

imposta ao paciente, inicialmente não será, diretamente, a avaliação subjetiva da

 periculosidade do agente, mas aplicar-se-á a seguinte regra: se a conduta criminosa seria

 punida com pena de reclusão, o paciente será necessariamente internado; se por outro

lado a pena for de detenção, ficará à critério do julgador impor a internação ou o

tratamento ambulatorial.

Este método, no que tange à primeira forma, não avalia subjetivamente a

  periculosidade do infrator, porém, quando diante de um crime que seria punido com a

 pena de detenção, ou seja, um crime mais grave, em tese, o infrator possui um grau de

 periculosidade mais elevado. Este raciocínio não avalia a periculosidade diretamente, e

talvez, inclusive, fira o princípio de individualização da pena, contudo, de certo modo,

não deixa de atribuir o tipo de medida de segurança com base na periculosidade.

Depois de aplicadas as medidas de segurança, há a possibilidade de conversão

homogênea, ou seja, a internação pode converter-se em tratamento ambulatorial bem

como o oposto também pode ocorrer. A periculosidade sempre será o fator 

determinante, tanto para a referida conversão, quanto para a extinção da sanção penal de

tratamento.

O diploma penal prevê ainda a possibilidade de conversão da pena em medida de

segurança, que ocorrerá sempre que um apenado vier a ser acometido por doença

mental, o que comprometeria a finalidade da pena, a qual se perderia frente a esta nova

situação, tornando-a inócua.

Entretanto, não se pode confundir a referida conversão da pena (artigo 183 da Lei

de Execuções Penais), com a simples transferência do apenado à um estabelecimento de

tratamento, face a uma doença ou perturbação da saúde mental temporária, a que trata o

artigo 41 do Código Penal, pois nestes casos, a pena será reposta assim que curada a

doença transitória.

2.4. DA LEGALIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA

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A preocupação existente sobre a suposta ilegalidade da internação da medida de

segurança paira sob o fato não haver um prazo legal limítrofe para o cumprimento da

referida sanção penal.

Os direitos e princípios humanitários historicamente conquistados, positivados na

atual Constituição Federal, como já tratado, primam pela defesa absoluta da condição de

ser humano e dos direitos subjetivos à ele inerente.

Como disposto anteriormente, a medida de segurança é uma sanção penal que

consiste na imposição, por parte do Estado, a um tratamento psiquiátrico, seja ele

ambulatorial ou de internação, não podendo se confundir com a pena.

O principal motivo da distinção entre a medida de segurança e a pena é o seu

escopo, ou seja, sua finalidade. A pena reeduca e pune, enquanto que a medida de

segurança trata a psicopatia do infrator. O Estado não exerce seu poder de punir neste

caso, apenas trata o paciente.

Qualquer pessoa se submete a tratamento médico, quando verifica que não está

saudável e o mantém enquanto necessário for. Interrompe-lo sem a melhora em seu

quadro de saúde, implica com a inviabilidade de sua cura, podendo em razão disto, até

agravar a doença ou mesmo desencadear uma enfermidade crônica, incurável.

Em razão disto as enfermidades metais, bem como as outras mais, devem ser 

tratadas até que vencida a doença.

Contudo não se diz que a internação em casa de custódia e tratamento psiquiátrico

deva permanecer até a cura da insanidade ou doença mental, mas até que seja possível,

de forma segura, que o paciente possa reaver o convívio tranquilo, harmônico e

 pacífico, social.

A ponderação entre os direitos que é feita neste caso deverá ter como resultado a

 predominância dos direitos à saúdes, consequentemente à vida, e à segurança, à paz e à

ordem pública, frenteao da direito da liberdade.

É razoável a imposição de internação enquanto se mantiver elevado o grau de

  periculosidade do paciente, eis que deve prevalecer o direito à vida e à segurança

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  pública face ao direito de liberdade, que será apenas, à princípio, momentaneamente

mitigado, em razão de um interesse e bem maior.

Além disto, não configura pena perpétua uma sanção penal de tratamento

  psiquiátrico, que aqualquer tempo pode ser suspensa dada a condição de melhora do

interno.

É inconstitucional punir alguém por toda a vida, mas não o é zelar pela sua saúde

e segurança, ainda mais quando se esbarra na questão da segurança coletiva também.

Há inconstitucionalidade na decisão prolatada pela 1ª turma do Supremo Tribunal

Federal (HC 84.219/ SP), ao querestou evidenciado a preocupação com o direito à

liberdade, contudo olvidou-se o direito à saúde e à segurança, pois para resguardar a

saúde do próprio paciente, deve-se primar pela sua segurança, protegendo-o dos atos

agressivos oriundos de sua própria insanidade, na medida em que o mesmo apresenta

ainda elevado grau de periculosidade, igualmente tornando-se um risco paraas pessoas à

ele expostas.

Sob este prisma, merece destaque a lição de Alexandre de Moraes ao lecionar que:

³... o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é

exigência tradicional do próprio conceito de Justiça...´ 7.

A posição adotada pelo STF no referido julgado, viola o princípio constitucional

da igualdade eis que confere tratamento isonômico à pessoas naturalmente desiguais.

Ignorar a desigualdade natural existente, e pôr-se desta forma face ao tema, significa

atentar contra os valores constitucionais, especialmente a igualdade.

2.5. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A melhor maneira e mais eficaz de se combater qualquer prática criminosa, seja o

agente capaz ou incapaz, é sempre a prevenção.

7MORAES. Alexandre de.  Direito Constitucional . Décima primeira edição. São Paulo: Ed. Atlas S.A.,

2002, p. 64. 

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Com relação aos agentes criminosos comuns, a prevenção deveria ser exercida

através de boas condições de existência ao invés das atuais condições ineficientes e

desumanas de subsistência.

 Não há educação de qualidade aos economicamente excluídos, bem como não há

saúde nos hospitais públicos, empregos com salários condizentes com a dignidade da

 pessoa humana.

Programas sociais que ofertam esmola aos pobres e miseráveis são tidos como

motivo de orgulho para o Governo.

A maior parcela da população brasileira sobrevive com um salário mínimo em

um país que vive em ondas crescentes de inflação, enquanto que seus representantes

gozam de benefícios em razão dos cargos e de salários muito a cima da média brasileira.

Está realmente havendo uma representação? Essa realidade não representa a vivida pela

massa, pelo povão.

Diante disto tudo, alguns para simplesmente sobreviver e outros apenas para

enriquecer e sustentar os gatos de seus Egos, pouco a pouco a população vai se

marginalizando. E o que fazer? Jogar todos na cadeia?

A prevenção é a melhor forma de combate, não a opressão.

Contudo a prevenção deve ser realizada de forma que modifique toda esta

estrutura capitalista e desigualitária, mãe da corrupção e de um sistema falho e falido

que se mantém vivo apenas por interesse dos mais poderosos.

Quanto ao infrator penal inimputável e o semi-imputável, a prevenção seria

exercida através de uma política séria de saúde pública, onde pudesse ser combatidas e

devidamente tratadas as psicopatias, previamente, evitando deste modo qualquer 

 possível consequência criminosa fruto da falta de tratamento adequado.

Entretanto, como tudo isso ainda encontra-se na esfera inalcançável e inatingível

da utopia platônica, cabe-nos discutir sobre a legalidade da sanção penal de internação

em casa de custódia e tratamento psiquiátrico.

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Restado evidente o entendimento de que tal sanção penal difere-se da pena assim

como os fundamentos da aplicação das mesmas, bem como o fato de tal medida de

tratamento não violar qualquer instituto constitucional, ao que pese melhor 

entendimento, deve prevalecer o pensamento de que a internação em casa de custódia e

tratamento psiquiátrico, nos moldes atuais, é constitucional, trafegando perfeitamente

sob as vias da legalidade.

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