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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ANDRESSA DIETRICHKEIT ZUCCHI
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DIMINUIÇÃO DA PENA DO MÍNIMO LEGAL
NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA
Florianópolis
2021
ANDRESSA DIETRICHKEIT ZUCCHI
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DIMINUIÇÃO DA PENA DO MÍNIMO LEGAL
NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Rodrigo Indalêncio Vilela Veiga, Esp.
Florianópolis
2021
ANDRESSA DIETRICHKEIT ZUCCHI
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DIMINUIÇÃO DA PENA DO MÍNIMO LEGAL
NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Florianópolis, 14 de junho de 2021.
______________________________________________________
Professor e orientador Nome do Professor, titulação Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DIMINUIÇÃO DA PENA DO MÍNIMO
LEGAL NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca
Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em
caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
Florianópolis, 14 de junho de 2021.
____________________________________ ANDRESSA DIETRICHKEIT ZUCCHI
Dedico a presente monografia para a
minha família, em especial, meus pais,
Odir e Simone.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Odir e Simone, por terem me ensinado que posso
alcançar meus objetivos através do esforço e dedicação. Obrigada por sempre
acreditarem no meu potencial e por me apoiarem nas minhas escolhas.
Agradeço ao meu irmão Matheus, pelas palavras motivadoras durante o
progresso desse trabalho. A sua inteligência, empatia e determinação, são
motivadoras para que eu continue firme no que me proponho a fazer.
Agradeço ao meu namorado e aos amigos, por compreenderem a minha
ausência, por me animarem quando os dias pareciam difíceis assim como me
auxiliaram quando necessitei de ajuda. O caminho ficou menos árduo com vocês.
Agradeço ao meu orientador, prof. Rodrigo Veiga, por ter aceitado a orientação,
compartilhando seu conhecimento comigo, respeitando o meu tempo de produção e
sempre disposto a ajudar.
Agradeço a prof. Andreia Cosme, por ser tão solicita com os alunos, sempre
nos esperando nos encontros com muita simpatia, tirando as dúvidas e acalmando as
preocupações dos acadêmicos no tocante ao trabalho de conclusão de curso.
Agradeço, por fim, aos meus cachorros – Theodora, Boris e Maria Cristina –
pela lealdade, estiveram ao meu lado enquanto escrevia, independente do horário,
sempre pude contar com a companhia deles.
“Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós
mesmos”. (Friedrich Nietzsche).
RESUMO
O presente trabalho monográfico busca analisar a constitucionalidade a respeito da
diminuição da pena do mínimo legal na segunda fase dosimétrica. O método de
abordagem usado é o dedutivo, identificando fontes de direito para chegar à conclusão
se é constitucional ou não a diminuição da pena do mínimo legal na segunda fase
dosimétrica. O método de pesquisa será o exploratório. A natureza é qualitativa e o
método de procedimento monográfico. A técnica de pesquisa é bibliográfica, baseada
em doutrinas, jurisprudências, súmulas e legislação. A pena é o mal que o juiz penal
inflige ao delinquente, em razão do delito, para expressar a reprovação social com
respeito ao ato e ao autor. É realizada pelo sistema trifásico, que calcula em três fases
distintas, o quantum da reprimenda, sendo enfoque do trabalho as atenuantes
presentes na segunda fase do cálculo da pena. Esse procedimento é revestido por
princípios, como o da individualização da pena, legalidade, proporcionalidade,
culpabilidade e dignidade da pessoa humana. Em que pese tenha sido considerada
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, alguns autores ainda acreditam que
vedação da possibilidade da diminuição da pena do mínimo legal na segunda fase
dosimétrica frente as circunstâncias atenuantes, é inviável em decorrência dos
princípios basilares da Constituição, assim como do Direito Penal. Dessa forma,
quando o réu faz jus à atenuante e não pode se beneficiar deste direito, a pena torna-
se desproporcional e ofende as garantias individuais e constitucionais da pessoa
humana.
Palavras-chave: Direito Penal. Dosimetria da Pena. Atenuantes.
Inconstitucionalidade.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 9
2 PENA: CONCEITO E FUNDAMENTOS .................................................. 12
2.1 TEORIAS DA PENA ................................................................................. 14
2.1.1 A Pena e a Constituição Federal ........................................................... 17
2.1.1.1 As espécies de penas existentes no código penal ................................... 19
3 DA APLICAÇÃO DA PENA ..................................................................... 24
3.1 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E SUA APLICAÇÃO ........................... 24
3.1.1 Sistema Trifásico .................................................................................... 26
3.1.1.1 Elementares e Circunstâncias .................................................................. 29
3.1.1.2 Primeira fase: fixação da pena-base ........................................................ 30
3.1.1.3 Segunda fase: fixação da pena provisória ................................................ 33
3.1.1.3.1 Das Circunstâncias Atenuantes ................................................................ 35
3.1.1.4 Terceira fase: fixação da pena definitiva .................................................. 39
4 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA PENA
ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL PELO RECONHECIMENTO DAS
CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES ........................................................ 42
4.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS À APLICAÇÃO DA PENA AQUÉM
DO MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA..................... 42
4.2 POSCIONAMENTOS FAVORAVEIS À APLICAÇÃO DA PENA AQUÉM
DO MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA..................... 45
5 CONCLUSÃO .......................................................................................... 52
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 55
9
1 INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro a pena tem, primariamente, as funções
retributiva e educativa, tendo como objetivo tanto reparar o dano causado quanto
prevenir o cometimento de novos crimes.
Por não ter caráter de vingança privada, e sim por se tratar de uma reparação
à sociedade como um todo, todos os crimes previstos no Código Penal já possuem a
previsão legal da quantificação da pena mínima e máxima prevista para o ilícito
praticado, conforme prega o princípio da legalidade da Constituição Federal.
Porém, apesar das penas mínimas e máximas servirem como baliza para a
aplicação da reprimenda, o Juiz conta com certa discricionariedade ao definir o
quantum de pena aplicado. Para definição do total de pena temos três fases, onde
são observadas: as circunstâncias judiciais, as agravantes e atenuantes e, as causas
de aumento ou diminuição de pena, formando o que chamamos de sistema trifásico.
Este sistema de quantificação existe para atender outro princípio
Constitucional, o da individualização da pena, que tem como objetivos não deixar a
reprimenda passar da pessoa do acusado e observar a situação na qual o crime foi
cometido para que então seja aplicada a sanção que lhe seja justa e proporcional.
Nessa senda, no tocante a aplicação da pena justa e correspondente ao nível
de desvalorização da ação praticada, deve ser observado os princípios da
proporcionalidade e da culpabilidade, para que haja um equilíbrio entre a punição do
delito praticado e a sanção penal imposta, para que, evite-se a pena ser superior à
culpa do agente.
No entanto, apesar de a pena mínima já vir devidamente limitada, e existir
inclusive uma súmula do Superior Tribunal de Justiça vedando a diminuição da
reprimenda do mínimo legal, existe uma corrente cada vez maior de juristas que
acredita que a pena pode sim ser fixada abaixo do mínimo legal, por não existir
vedação expressa no ordenamento jurídico, e pela Súmula 231 do STJ não ter poder
vinculante.
Considerando que o Código Penal regente entrou em vigor em 1940, e a
Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça foi publicada em 1999, temos um código
com mais de 80 anos, e uma súmula, frisa-se que sem efeito vinculante, de mais de
20 anos, além do julgamento do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo
10
repercussão geral sobre o tema em 2009, existe um grande espaço para o diálogo
acadêmico acerca de novas interpretações.
Mas afinal, por que baixar ou não a pena do mínimo legal? Quais as previsões
legais que permitem esse mecanismo? E os que proíbem? Considerando a lacuna de
quase 50 anos entre a Constituição Federal e o Código Penal, sob a ótica dos
princípios constitucionais e do direito penal seria possível essa redução?
Para responder os questionamentos, a presente monografia será dividida em
cinco capítulos, sendo que o primeiro capítulo é a presente introdução.
O segundo capítulo irá tratar sobre a pena em si, discorrendo sobre suas
teorias, em especial a absolutista, preventiva e a mista. Além disso, irá tratar sobre as
espécies de pena no Brasil e quais os tipos de penalidade são abolidos pela
Constituição Federal.
O terceiro capítulo irá falar especificamente sobre a aplicação da sanção penal,
e o sistema trifásico, dando ênfase nas circunstâncias atenuantes da segunda fase,
para então analisar no quarto capítulo os debates sobre os entendimentos acerca da
constitucionalidade ou não acerca da diminuição da pena abaixo do mínimo legal. Por
fim, na conclusão a acadêmica posiciona-se acerca da problemática.
A motivação do presente trabalho se deu pelo fato de que esta estudante
trabalhou quatro anos no fórum dessa Comarca, a maior parte dele em área criminal,
tendo contato direto com diferentes Juízes de diversas ideologias, que foi onde teve o
primeiro contato com este posicionamento.
Não é o objetivo deste trabalho esgotar a discussão sobre a constitucionalidade
ou não acerca da diminuição da pena do mínimo legal, até por ser um assunto
bastante controverso não sendo possível analisá-lo em um número limitado de
páginas. Tendo como base principalmente Guilherme de Souza Nucci, Paulo Queiroz,
Cesar Roberto Bitencourt, Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini. Pretende-se
apenas apresentar o pensamento existente sobre o tema chegando à conclusão sobre
sua constitucionalidade na visão destes.
Para isso, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo, indo do tema geral
(pena) para o específico (aplicação da pena) para então chegar-se nas respostas das
perguntas feitas acima. A natureza da pesquisa é qualitativa e o método de
procedimento empregado foi o monográfico. Foram utilizadas as técnicas de pesquisa
bibliográfica e documental, sendo utilizados tanto dados primários (leis e
jurisprudências) como dados secundários (doutrinas).
11
A temática abordada nessa monografia é importante para a reflexão do poder
punitivo estatal e como isso é aplicado na sanção penal. Com os números de
encarceramento vem aumento a cada ano, é nítido que o atual sistema penal não evita
a violência e a criminalidade, assim como também não reprime seu cometimento,
tampouco, há sucesso na ressocialização do apenado. Por tais razões, cabe então
qualquer ponderação que vise reestruturar a forma como é tratado o direito penal, em
especial, no que tange a pena, as suas funções e fundamentos, a sua aplicação aos
casos concretos e a sua ligação direta com os princípios do direito e as garantias
individuais.
12
2 PENA: CONCEITO E FUNDAMENTOS
Considera-se sanção penal o gênero do qual pena e medida de segurança são
as espécies existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Ambos pressupõem a
prática de uma conduta típica e antijurídica, variando, contudo, a incidência de uma
ou outra, conforme constatada ou ausente a culpabilidade do agente. A imposição de
pena, enquanto consequência jurídica do fato, legitima-se diante da culpabilidade.
Sem culpabilidade ou com a responsabilidade penal diminuída, a pena cede ou pode
vir a ceder para a medida de segurança (SOUZA; JAPIASSÚ, 2020). Frisa-se que este
trabalho abordará somente o instituto da pena estatal.
Dito isto, compreende-se como pena “a reação que uma comunidade
politicamente organizada põe a um fato que viola uma das normas fundamentais da
sua estrutura, deste modo, é definido na lei como crime” (MASSON, 2020, p. 459).
Dessa forma, “é a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao
criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes” (NUCCI,
2017, p. 629) e consiste na restrição ou privação de um bem jurídico, com o intuito de
aplicar a retribuição punitiva ao delinquente a fim de promover a sua readaptação
social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (CAPEZ,
2018). Em suma, “a pena é o mal que o juiz penal inflige ao delinquente, por conta do
delito, para expressar a reprovação social com respeito ao ato e ao autor” (LISTZ,
1999, p. 197 apud BUENO, 2012, p. 81).
Outrossim, há primordialmente seis fundamentos para a existência da pena,
quais sejam, a retribuição, reparação, denúncia, incapacitação, reabilitação e
dissuasão (MASSON, 2020).
A retribuição quando aplica-se uma punição proporcional ao delito cometido
para o condenado (NUCCI, 2017), porquanto o mal que a pena transmite ao
condenado deve ser equivalente ao mal produzido por ele à coletividade, o crime deve
ter a punição que merece, por isso o desvalor do criminoso deve ser semelhante ao
desvalor social da conduta (MASSON, 2020), isto é, o tipo e a quantidade da
penalidade a ser aplicada ficam diretamente relacionados à culpabilidade do agente,
ou seja, à reprovabilidade da conduta por ele praticada (PASCHOAL, 2015).
A reparação, por sua vez, consiste em conferir alguma recompensa à vítima do
delito, relaciona-se com a vitimologia, é a reparação do dano como forma de recompor
o mal sociado causado pela infração penal. No tocante à denúncia, trata-se da
13
reprovação social à prática do crime ou da contravenção penal, justifica-se a
necessidade de aplicação da sanção penal para exercer a prevenção geral através da
intimidação coletiva, e não para desfazer o desequilíbrio causado pelo crime
(MASSON, 2020).
A incapacitação, por seu turno, priva-se a liberdade do condenado, retirando-o
de circulação, consequentemente, protege-se a sociedade do criminoso (NUCCI,
2017). Por este lado, a sanção penal é um mal necessário à reparação do dano
provocado pela conduta criminosa e, embora na aparência o fim da pena seja a
vingança social ou o desejo de fazer sofrer ao culpado um mal análogo ao que ele
produziu, na realidade o que se deseja em primeiro lugar é excluir do meio coletivo os
delinquentes inassimiláveis e, depois, constranger o autor de um mal a repará-lo, tanto
quanto possível (GAROFALO, 1893 apud MASSON, 2020).
A reabilitação, no que lhe concerne, busca-se reeducar o ofensor da lei penal,
eis que a pena precisa restaurar o criminoso, tornando-o útil à sociedade, funciona
como meio educativo, de reinserção social, e não punitivo. (MASSON, 2020).
Ademais, sob o prisma do caráter reeducativo, corrobora a Lei de Execução Penal ao
dispor no art. 10 que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”, como
também fundamenta no art. 22 da mesma Lei que “a assistência social tem por
finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade”
(BRASIL, 1984). De igual modo, no art. 5º, nº 6, a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos preceitua “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade
essencial a reforma e a readaptação social dos condenados” (BRASIL, 1992).
Por fim, a dissuasão fundamenta-se na busca de convencer as pessoas de
modo geral, bem como o próprio criminoso, de que a prática delitiva é uma conduta
desvantajosa e inadequada em razão de que a pena se insere como atividade
destinada a impedir o culpado de tornar-se nocivo à sociedade, assim como
instrumento para afastar os demais indivíduos de práticas ilícitas perante o Direito
Penal (MASSON, 2020).
Com efeito, após a breve introdução sobre a temática, o presente capítulo
pretende apresentar as suas teorias, bem como os tipos de penas existentes no
ordenamento brasileiro.
14
2.1 TEORIAS DA PENA
O Direito Penal tem por desígnio a tutela dos bens mais importantes e
essenciais ao ser humano e a vida em sociedade. Conceitua-se o Direito Penal como
o “setor ou parcela do ordenamento jurídico público que estabelece as ações ou
omissões delitivas, cominando-lhes determinadas consequências jurídicas — penas
ou medidas de segurança — conceito formal” (PRADO, 2019a, p. 65).
Este âmbito do Direito, também busca compreender o comportamento dos
agentes e de suas condutas reprováveis ou danosas em face do ordenamento jurídico
que são, dependendo do contexto fático, penalizados pelo Estado, este detentor do
jus puniendi (BITENCOURT, 2020).
Destaca-se ainda, no tocante à classificação da pena:
Pena é espécie de sanção penal, isto é, resposta estatal ao infrator da norma incriminadora (crime ou contravenção), consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do agente. Sua imposição depende do devido processo legal, através do qual se constata a autoria e materialidade de um comportamento típico, antijurídico e culpável não atingido por causa extintiva de punibilidade (CUNHA, 2016, p. 395).
Com o passar do tempo, o Direito Penal passou por significativas evoluções,
em especial quanto ao objetivo das penalidades aplicadas aos infratores, sendo
essencial a análise das posições desenvolvidas pelas doutrinas penais e filosóficas-
jurídicas, em relação à finalidade das penas que originaram diversas visões teóricas,
das quais três teorias clássicas merecem destaque.
A primeira teoria também chamada de Absolutista ou Teoria Retributiva da
Pena, se caracteriza pelo entendimento de que a imposição da pena é uma forma de
retribuição ao ato ilícito praticado.
Nesse seguimento, tira-se a lição de que:
a teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e expia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o fim da pena é independente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos como uma certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense (ROXIN, 1997, p. 81-82 apud GRECO, 2017, p. 75).
Assim, na Teoria da Retribuição, ao compensar a culpa do autor do delito com
a aplicação de uma sanção, verifica-se que o ponto principal é somente a aplicação
15
da pena, sem que haja qualquer prevenção, deixando também de atentar-se aos
pressupostos de punibilidade exigidos pelo direito penal (ZAFFARONI, 2011).
Dessa forma, tal teoria é totalmente inadmissível em nosso ordenamento
jurídico.
Já a Teoria Relativa ou Teoria Preventiva, se caracteriza por ser oposta à
primeira teoria, pois busca além da penalização, a prevenção social, isto é, a
ressocialização do agente criminoso (CUNHA, 2016). Esta teoria se subdivide em
teoria da prevenção geral e da prevenção especial, que se subdividem em positivo e
negativo.
À vista disso, é elucidado sobre as teorias:
As teorias relativas desenvolveram-se em oposições às teorias absolutas, concebendo a pena como um meio para obtenção de ulteriores objetivos. Essas teorias são as que se subdividem em teorias relativas da prevenção geral e da prevenção especial, cujos conceitos já examinamos: na prevenção geral a pena surte efeito sobre os membros da comunidade jurídica que não delinquiram, enquanto na prevenção especial age sobre o apenado. (ZAFFARONI, 2011, p. 112).
A preventiva geral negativa defende a perspectiva que o Estado pune o autor
de um crime para dar exemplo aos demais indivíduos, que teoricamente, por temerem
ser igualmente punidos, não praticarão delitos (PASCHOAL, 2015). Ou seja, o poder
intimidativo Estatal que representada a toda sociedade, como forma de prevenir
futuros crimes.
A preventiva geral positiva, por sua vez, compreende-se que a pena não é
aplicada para retribuir um mal praticado ou para afastar de potenciais criminosos a
ideia de cometer delitos, mas, sim, seria aplicada para demonstrar aos cidadãos em
geral que compensa cumprir as normas e respeitar os valores eleitos como caros por
uma sociedade (PASCHOAL, 2015). Tem como traço principal o aproveitamento da
função comunicativa da sanção penal, ou seja, a imposição de penalidade é um
instrumento de comunicação do Estado com os cidadãos, que demonstra e reafirma
a existência e eficiência do direito penal (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020).
A preventiva especial negativo, a seu turno, o objetivo é, primeiro, inocuizar o
criminoso e, em segundo plano, intimidá-lo, a fim de que não torne a agir do mesmo
modo, ao passo que a preventiva especial positiva, o objetivo é inserir, ressocializar o
sujeito ao convívio em sociedade, quando finalizada a pena ou quando, por benefícios,
a liberdade seja antecipada (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020).
16
Em síntese, a finalidade desta teoria era “prevenir” a ocorrência de futuros
delitos, pois conforme extraído das doutrinas mencionadas, a aplicação da pena
serviria como exemplo para sociedade, assim como, a prevenção faria com que o
apenado não voltasse a praticar novos delitos.
Por fim, conceitua-se a Teoria Mista ou Unificadora:
quase sempre partem das teorias absolutas, e tratam de cobrir suas falhas acudindo a teorias relativas. São as mais usualmente difundidas na atualidade e, por um lado, pensam que a retribuição é impraticável em todas as suas consequências e, de outro, não se animam em aderir à prevenção especial. Uma de suas manifestações é o lema seguido pela jurisprudência alemã: “prevenção geral mediante retribuição justa’’ (ZAFFARONI, 2011, p. 112).
A corrente majoritária, aponta que a teoria unificadora foi adotada pelo
ordenamento jurídico brasileiro, com previsão no art. 59, caput, do Código Penal:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (BRASIL, 1940).
Ademais, assevera que:
[...] a parte final do caput do art. 59 do Código Penal conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime, fazendo, assim, com que se unifiquem as teorias absoluta e relativa, que se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção. (GRECO, 2017, p. 622).
Pelo exposto, constata-se que a mencionada teoria aborda tanto o aspecto
preventivo, quanto punitivo do crime, unificando assim, a teoria absoluta e relativa,
bem como, sua aplicabilidade no caso concreto, consiste na análise de todo contexto
fático do crime e da conduta reprovável do autor, para imposição da penalidade dentro
do limite mínimo e máximo legalmente permitido.
Há, entretanto, uma segunda corrente que entende que o Código Penal, não
se pronunciou sobre qual teoria adotada.
Ainda sobre o tema, observa-se:
O Código Penal não se pronunciou sobre qual teoria adotou, mas modernamente entende-se que a pena tem tríplice finalidade (polifuncional): (A) retributiva; (B) Preventiva; (C) reeducativa, cada uma dessas identificada em um momento próprio e específico (CUNHA, 2016, p. 397-398).
Tal corrente, entende que existe o momento da pena em abstrato, que é quando
17
o legislador cria o crime, impondo-lhe uma sanção penal, estabelecendo os
parâmetros mínimo e máximo da pena, posteriormente vem a aplicação da pena,
quando é praticado o crime e, por fim, a etapa da execução penal, ou seja, presente
tríplice finalidade da pena (CUNHA, 2016).
Verifica-se, portanto, que, apesar da divergência apresentada, a pena deve ser
condicente com os ditames constitucionais, dado que, para aplicação das sanções
estabelecidas pelo Código Penal, deve-se primeiramente ser condizentes com os
direitos resguardados pela Constituição Federal.
2.1.1 A Pena e a Constituição Federal
Necessário contextualizar no artigo em apreço que as penalidades aplicadas
ao agente criminoso elencadas em cada tipo penal, o texto constitucional regulamenta
sobre as penas que são proibidas no Brasil.
A Constituição Federal, visando a impedir qualquer tentativa de retrocesso
quanto à cominação das sanções penais levadas a efeito pelo legislador, estabeleceu
no rol taxativo do art. 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal, quais as penas que
não podem ser empregadas no território nacional, quais sejam: “a) de morte, salvo em
caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de
trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” (BRASIL, 1988; GRECO, 2017).
Como se percebe, “a proibição de tais penas atende a um dos fundamentos de
nosso Estado Democrático de Direito, previsto no inciso III do art. 1º da Constituição
Federal, que é a dignidade da pessoa humana” (GRECO, 2017, p. 163).
Sob a égide desse princípio, o homem deixa de ser considerado apenas como
cidadão e passa a valer como pessoa, independentemente de qualquer ligação
política ou jurídica. O reconhecimento do valor do homem enquanto homem implica o
surgimento de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar
de reconhecer, verdadeira esfera de ação dos indivíduos que delimita o poder estatal
(PRADO, 2019b).
Corrobora o pensamento supracitado:
acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas [...] um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer
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legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes (FERRAJOLI, 2002, p. 318 apud GRECO, 2017, p. 164-165).
Constata-se, assim, “um deslocamento do Direito do plano do Estado para o
plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade”
(REALE, 1981 apud PRADO, 2019b, p. 97).
Sobre a pena de morte, esta deve ser reputada como algo que conflita com os
princípios gerais de direito, dentre eles o da humanidade, ou seja, a vedação quanto
ao tratamento degradante, desumano. Se a reprimenda tem a finalidade terapêutica,
reeducadora, socializante, não pode haver a penalidade de morte ou perpétua, que
não atendam à função (GRECO, 2017).
Com isso, tem-se que a norma constitucional veda a pena de morte com
exceção ao caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, da Constituição
Federal, prevê que declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo
Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões
legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização
nacional, sendo, neste caso, executada por fuzilamento, conforme determina o art. 56
do Código Penal Militar (BRASIL, 1988; GRECO, 2017).
De igual modo, as punições de caráter perpétuo são vedadas pela Constituição,
sendo de 40 (quarenta) anos o tempo máximo de cumprimento da reprimenda,
conforme redação dada pelo art. 75 do Código Penal, alterado pela Lei n. 13.964/2019
estabelece que “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode
ser superior a 40 (quarenta) anos” (BRASIL, 1940).
Proibidas também são as sanções equivalentes a trabalhos forçados, que se
remetem à situação análoga a de escravo, tanto é que “no Brasil nenhum preso pode
ser obrigado a cumprir pena mediante trabalhos forçados. Essa pena proibida não se
confunde, de modo algum, com o trabalho estabelecido na Lei de Execução Penal (Lei
nº 7.210/84).” (CUNHA, 2016, p. 407).
No tocante a pena de banimento, é entendida como retirada forçada de um
determinado território. Acerca dessa proibição, há restrição absoluta à extradição de
brasileiro nato e a limitação à extradição do naturalizado, ressalvada a prática de crime
comum antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, como previsto no art. 5º, LI, da Constituição Federal.
(JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020).
19
Por fim, a Constituição proíbe a pena cruel, compreendida como aquela que
impõe intenso e ilegal sofrimento, sendo a definição inspirada na convenção contra a
tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes
(JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020). Prevê, ainda, no art. 5º, XLIX, “é assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral” (BRASIL, 1988). No mesmo sentido, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos no art. 5º, nº 1 e 2, dispõe que toda
pessoa tem o direito de que se respeito sua integridade física, psíquica e moral, bem
como, ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com
o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano (BRASIL, 1992).
Ainda, à luz da Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XLVI, estabelece as
penas que podem ser adotadas no território brasileiro:
[...] a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; (BRASIL, 1988).
Nota-se, portanto, que diferente do adotado pela legislação brasileira, em
determinados países localizados no Oriente Médio, Ásia Oriental, América no Norte,
e afins, são permitidas penas de morte por injeção letal, cadeira elétrica,
enforcamento, prisão perpétua, entre outros tipos de sanções do mesmo gênero,
autorizadas e aplicadas mundo afora.
2.1.1.1 As espécies de penas existentes no código penal
Apresentadas as penas proibidas e as previstas na Constituição Federal, o
enfoque deste tópico será as quais estão previstas no Código Penal, que em seu art.
32, dispõe acerca das espécies de penas adotadas (BRASIL, 1940): “I - privativa de
liberdade; II – restritivas de direitos; III – de multa.” Nesse diapasão, verifica-se:
[...] o Código atual reconhece três categorias de penas: a) privativas de liberdade, com graus diferenciados, que vão desde a institucionalização total do indivíduo até seu controle ou limitação fora da instituição total ou prisão; b) restritiva de outros direitos; c) de conteúdo patrimonial. (ZAFFARONI, 2011, p. 669).
O Código Penal tratou de conceituar as espécies em seu rol taxativo. A penas
20
privativas de liberdade encontram-se especificadas na redação apresentada pelo art.
53, do referido diploma legal com a narrativa “as penas privativas de liberdade têm
seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime.”
(BRASIL, 1940).
À vista disso, entende-se que a pena privativa de liberdade, se caracteriza por
ser “forma mais drástica de punição [...], podendo ser de reclusão, detenção ou prisão
simples, variando, principalmente, o grau de institucionalização do indivíduo.”
(CUNHA, 2016, p. 408).
Nesse viés, a legislação penal também estabelece as distinções quanto aos
regimes penais das penas privativas de liberdade. Nesse sentido, observa-se:
A diferenciação entre reclusão e detenção hoje se restringe quase que exclusivamente ao regime de cumprimento da pena, que na primeira hipótese deve ser feito em regime fechado, semiaberto ou aberto, enquanto na segunda alternativa – detenção – admite-se a execução somente em regime semiaberto ou aberto, segundo dispõe o art. 33, caput, do Código Penal. Contudo, é possível a transferência do condenado a pena de detenção para regime fechado, demonstrada a necessidade da medida. (PRADO, 2019a, p. 556).
Já as penas restritivas de direito, estão previstas nos artigos 54 a 57 do Código
Penal, e se caracterizam por se tratar de penas mais amenas, como interdição
temporária de direitos, prestação de serviços comunitários, limitação de fins de
semana, prestação pecuniária - à vítima -, perda de bens e valores (CUNHA, 2016).
Outrossim, insta destacar o conceito aplicado pela doutrina acerca das penas
restritivas de direito:
As penas restritivas de direitos são também chamadas de “penas alternativas”, pois têm o propósito de evitar a desnecessária imposição da pena privativa de liberdade nas situações expressamente indicadas em lei, relativas a indivíduos dotados de condições pessoais favoráveis e envolvidos na prática de infrações penais de reduzida gravidade. (MASSON, 2017, p. 794).
Observa-se que a segunda espécie de sanção, trata-se de um meio de “fuga”
das penas privativas de liberdade, que devem ser aplicadas como última ratio, dessa
forma as penas restritivas de direito, coíbem do condenado um ou mais direitos
(MASSON, 2017).
Cabe ainda destacar duas características marcantes das penas alternativas
previstas nos artigos 44 e 54 do Código Penal (BRASIL, 1940), quais sejam,
substitutividade e autonomia.
21
Enquanto a substitutividade se relaciona ao fato delas resultarem do
procedimento judicial posterior a aplicação de uma pena privativa de liberdade que,
se preenchido os requisitos legais (art. 44, I a III, Código Penal), será substituída por
uma ou mais penas restritivas de direitos, a autonomia se caracteriza por ser aplicada
de maneira isolada, ou seja, fica vedada a cumulação com as penas privativas de
liberdade (MASSON, 2017).
Outra importante espécie de pena, também estabelecida no art. 32 do Código
Penal é a pena de multa, prevista no art. 58 do mencionado diploma legal, a qual
resulta em diminuição do patrimônio do indivíduo delinquente (PRADO, 2019a). Em
outras palavras “É a espécie de sanção penal, de cunho patrimonial, consistente no
pagamento de determinado valor em dinheiro em favor do Fundo Penitenciário
Nacional” (MASSON, 2017, p. 858). Assim, estabelece:
A pena de multa constitui uma modalidade de pena pecuniária, imposta pelo Estado às pessoas condenadas pela prática de infrações penais. Trata-se de uma retribuição não correspondente ao valor do dano causado, considerada como sanção de natureza patrimonial, por representar pagamento em dinheiro por determinação judicial, em virtude de sentença condenatória. (BRAGA, 1997 apud GRECO, 2017, p. 700).
No Brasil, adota-se o critério de dias-multa, onde o preceito secundário dos
tipos penais se limita a cominar a pena de multa, sem indicação do respectivo valor,
devendo ser calculado com base nos critérios do art. 49 do Código Penal. Ademais, o
número mínimo da multa será de 10 e, o máximo, de 360 dias-multas (MASSON,
2017).
Destaca-se que há exceções a esse critério estabelecidas em leis penais
especiais e também no Código Penal. Como exemplo deste último tem-se o art. 244
(abandono material), que fixa a pena em salário mínimo (“Pena – detenção de 1 (um)
a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no
País”). No tocante às leis especiais, podem-se mencionar as disposições da Lei
8.245/91 (Lei de Locação de Imóveis Urbanos), que prevê multa equivalente ao valor
do último aluguel atualizado, ou a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), que trata da multa
como percentual da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo
agente da licitação fraudulenta (NUCCI, 2017).
Outro exemplo que foge à regra constante no art. 49 do Código Penal, é a Lei
de Drogas n. 11.343/2006:
22
nas infrações penais tipificadas nos arts. 33 a 39, consignou, em seu preceito secundário, um número de dias-multa muito superior àquele fixado pelo Código Penal. A título de exemplo, o art. 33 da Lei de Entorpecentes comina uma pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. O valor de cada dia-multa, nos termos preconizados pelo art. 43 do mencionado diploma legal, será determinado de acordo com as condições econômicas do acusado, não podendo ser inferior a um trinta avos e nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo. No entanto, na hipótese de concurso de crimes, determina o parágrafo único do referido art. 43 que as multas serão impostas sempre cumulativamente, podendo ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação econômica do acusado, o juiz as considerar ineficazes, ainda que aplicadas no máximo (GRECO, 2017, p. 702).
Insta ressaltar, que após a aplicação da multa estabelecido na dosimetria da
pena, o pagamento deverá proceder de maneira voluntária no prazo mínimo de 10
dias-multas, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, inclusive sendo
possibilitado seu parcelamento, havendo omissão do condenado, o pagamento será
exigido de maneira forçada ou coercitiva, através da execução da pena pecuniária,
sendo vedada a conversão da multa em pena privativa de liberdade (MASSON, 2017).
Portanto, comprovando-se a prática do delito, será feita a cominação das
penas, assim sendo, a pena cominada é aquela que a lei prevê como sanção para
determinado comportamento (DELMANTO et al., 2011).
Dessa forma, a respeito da cominação é digno de destaque que:
A cominação penal pode ser isolada, como no caso em que a lei comina somente uma dessas penas (por exemplo, o art. 121 comina somente pena privativa de liberdade); pode ser conjugada, quando a lei dispõe a imposição de duas penas, conjuntamente, o que acontece frequentemente na parte especial do Código (por exemplo nos arts. 155 e 157, em que estão previstas penas privativas de liberdade e multa); também há previsão de penas alternativas, concedendo ao juiz a possibilidade de fazer a opção por uma das penas cominadas (por exemplo, nos arts. 163 e 168, estão cominadas penas privativas de liberdade ou multa). (ZAFFARONI, 2011, p. 332).
Saliente-se que em situações que a cominação legal for conjugada, aplica-se a
Súmula 171 do Superior Tribunal de Justiça “Cominadas cumulativamente, em lei
especial, penas privativa de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão
por multa” (BRASIL, 1996).
Em suma, observa-se que conforme apontado pelas teorias das penas,
discorrido alhures, a pena sempre vai ser uma forma de “punição” a conduta delituosa,
sendo a contraprestação do apenado a imposição das penas privativas de liberdade,
restritivas de direito ou multa.
23
Finalizada a parte da explicação da pena, o capítulo a seguir abordará sobre a
aplicação da pena, a importância da sua individualização, o sistema trifásico e
explanará as três fases componentes do cálculo da reprimenda.
24
3 DA APLICAÇÃO DA PENA
Após enumerar e descrever as características das modalidades de penas
previstas em lei, o Código Penal passa a tratar do processo de sua aplicação em si,
ocasião em que o Juiz tem discricionaridade para definir o quantum de pena a ser
aplicada.
Assim, ao final de um processo penal, o magistrado deverá decidir acerca da
culpabilidade do acusado, e decidindo pela condenação, deverá fixar a pena à qual o
condenado será submetido (FABRETTI; SMANIO, 2019).
Para a fixação da penalidade deverá ser observado tanto a sanção prevista na
infração cometida, quanto o teor dos artigos 59 ao 76 do Código Penal, que são os
dispositivos legais que tratam sobre a dosimetria da pena.
A aplicação da pena consiste em um processo judicial discricionário
juridicamente vinculada visando o equilíbrio para prevenção e reprovação da infração
penal. O juiz, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador (mínimo e máximo,
abstratamente fixados para a pena), deve eleger o quantum ideal, valendo-se do seu
livre convencimento, isto é, a discricionariedade, embora com fundamentada
exposição de seu raciocínio, juridicamente vinculada (NUCCI, 2017).
Para a chegar à sanção definitiva, o juiz deverá realizar quatro escolhas
sucessivamente: a espécie de penalidade aplicável (privativa de liberdade, restritiva
de direitos ou multa); a quantidade de pena aplicável dentro dos limites legais; o
regime inicial de cumprimento desta reprimenda (caso seja privativa de liberdade); e
a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
(FABRETTI; SMANIO, 2019).
Destarte, por questão de delimitação do tema, o presente capítulo abordará
somente a aplicação da pena e sua individualização, conforme o sistema trifásico que
será pormenorizado a seguir.
3.1 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E SUA APLICAÇÃO
A individualização da pena trata-se de verdadeiro consectário da isonomia, pois
infrações penais e infratores diferentes devem ser tratados na medida diferente. É
ainda conclusão necessária do respeito à dignidade da pessoa humana, que tem
como consequência o reconhecimento da individualidade e adequação do tratamento
25
por parte do Estado, influenciado pela peculiar condição do indivíduo (JUNQUEIRA;
VANZOLINI, 2020).
Seguindo a determinação constitucional, art. 5°, XLVI, a aplicação da pena
deve ser feita de forma individualizada. Além disso, este princípio preconiza que a
punição não poderá passar da pessoa do condenado, à luz do art. 5º, XLV, da
Constituição Federal (BRASIL, 1988; CARVALHO, 2020).
Assim, repousa nesse princípio de justiça segundo o qual se deve distribuir a
cada indivíduo o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu
comportamento, levando em conta os aspectos subjetivos e objetivos do crime
(MASSON, 2020).
Outrossim, o processo de individualização da sanção penal há de pressupor
três fases distintas:
(1) fase legislativa: escolha das espécies de penas que irão cominar determinado comportamento penal; (2) fase judiciária: consistente na operação jurídica de fixação da pena que será imposta ao autor do fato típico, ilícito e culpável, levando-se em consideração, entre outros dispositivos, os arts. 59 e 68, do CP; e (3) fase administrativa: consistente no cumprimento da pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nos termos regulados na Lei de Execução Penal (SOUZA; JAPIASSÚ, 2020, p. 53).
Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus (HC)
97256:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material [...] (BRASIL, 2010a, grifo nosso).
Com efeito, a noção de individualização da reprimenda deve sempre servir de
norte ao processo de aplicação da pena, como corolário das perspectivas retributiva
e ressocializadora desta (BUENO, 2012). Nesse passo, observa-se:
26
A individualização da pena tem de ser equacionada de maneira integral, de forma a compreender em seu âmbito o aspecto objetivo do crime, como fato violador de um bem jurídico penalmente tutelado, e a pessoa do delinquente. Com isso as sanções penais atingem seu duplo objetivo de medida retributiva e de providência destinada a recuperar o delinquente (MARQUES, 1997, p. 296 apud BUENO, 2012, p. 97).
Sob esta ótica, cuidou o legislador de estabelecer um vasto sistema de
aplicação da penalidade, em que devem ser consideradas diversas variáveis e
circunstâncias relativas tanto ao delito, como fato objetivo, quanto ao criminoso nos
seus aspectos pessoais (BUENO, 2012).
Outro aspecto e que o legislador individualiza a punição em abstrato para cada
caso concreto. Decide qual o tipo de sanção penal, se será privativa de liberdade ou
pecuniária, determina a quantidade a ser cumprida nos casos de pena privativa de
liberdade, e os valores a serem pagos em nas penas de multa. Pode, ainda, o
legislador estabelecer requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos (ROSSETTO, 2014).
Em vista disso, colhe-se a lição em acórdão do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do HC 98729:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. SISTEMA TRIFÁSICO. PENA APLICADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. EXAME, PELO JULGADOR, DO CONJUNTO EMPÍRICO DA CAUSA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS AO CONDENADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A dosimetria da pena exige do julgador uma cuidadosa ponderação dos efeitos ético-sociais da sanção e das garantias constitucionais, especialmente a garantia da individualização do castigo. 2. Em matéria penal, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes [...] (BRASIL, 2010b, grifo nosso).
O processo de aplicação da pena, sempre sedimentado no princípio da
individualização visa garantir que a reprimenda aplicada seja proporcional ao crime
que foi cometido. Conforme o artigo 68 do Código Penal, serão observadas três fases
para que seja feito o cálculo da pena, o que caracteriza o sistema trifásico.
3.1.1 Sistema Trifásico
Consoante mencionado no tópico acima, o nosso Código Penal indica a
sequência de apreciação das circunstâncias legais e das judiciais para a fixação da
pena. Fala-se em método trifásico apenas para distinguir o objeto das considerações
27
a serem feitas na ordem sequencial prevista na legislação (PACELLI; CALLEGARI,
2020).
O sistema trifásico foi adotado para que houvesse maior transparência no
momento da aplicação da pena, atendendo o princípio da motivação das decisões
judiciais (GRECO, 2017). A exigência da motivação possui respaldo constitucional,
conforme preceitua o art. 93, IX da Constituição Federal (BRASIL, 1988):
todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (grifo nosso).
A necessidade de motivação das decisões interfere diretamente na aplicação
da sanção penal, considerando que:
O princípio guarda correspondência com o sistema do livre convencimento do juiz. Este, adotado no art. 155, caput, do Código de Processo Penal, faculta ao magistrado, salvo exceções legalmente previstas, valorar com liberdade a prova coligida, sempre buscando aproximar-se da verdade como os fatos realmente se passaram. Ora, na medida em que há essa liberdade valorativa, a exigência de motivação surge como corolário necessário do Estado de Direito, impedindo ou ao menos dificultando a prolação de decisões arbitrárias ou à margem da lei, pois os juízes e tribunais, ao exará-las, estarão cientes de que tanto a deficiência de motivação quanto a fundamentação errônea (error in judicando) ou arbitrária (error in procedendo) poderão, em grau de recurso, conduzir à reforma ou até mesmo à nulificação do julgado pelas instâncias superiores (AVENA, 2018, p. 32).
No mesmo sentido é o parágrafo segundo do art. 315 do Código de Processo
Penal, com a redação incluída pela Lei n. 13.964 de 2019, denominada de Pacote
Anticrime, a fim de fazer constar que:
Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento (BRASIL, 1941).
Portanto, é primordial que em cada estágio da aplicação da pena – primeira,
segunda e terceira fase – tenham fundamentação. Trata-se de direito de o apenado
28
acompanhar todas as etapas da individualização da sua penalidade. A falta de
motivação pode acarretar a nulidade da sentença ou, pelo menos, a redução da
reprimenda ao mínimo possível (NUCCI, 2017). Nesse sentido, assim é o
entendimento do Supremo Tributal Federal, no HC 95706, julgado:
HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. ACÓRDÃO. CONDENAÇÃO. NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. I - O acórdão recorrido, ao reformar a sentença absolutória, deixou de explicitar em quais elementos de prova fundou-se a condenação, o que viola a exigência constitucional de motivação das decisões. II - Ofensa ao art. 93, IX, da CF. III - Ordem concedida (BRASIL, 2009a).
No tocante a aplicação da pena, antes de iniciá-la, a primeira verificação a ser
feita pelo magistrado é analisar o tipo penal e conferir se está presente alguma
qualificadora, pois estas situações qualificadoras definem novos patamares de penas
mínima e máxima. As qualificadoras são previstas junto ao próprio tipo penal e
modificam os montantes mínimo e máximo em abstrato do delito. Por isso, o seu
reconhecimento não constitui fase de aplicação (FABRETTI; SMANIO, 2019).
A título de exemplo, se o homicídio for simples, a pena será fixada entre um
mínimo de 6 (seis) e um máximo de 20 (vinte) anos, mas, se estiver presente alguma
qualificadora, a dosagem dar-se-á entre 12 (dose) e 30 (trinta) anos. Assim, antes de
dar início à primeira fase, o juiz deve verificar se o crime é simples ou qualificado
(CAPEZ, 2018).
Em primeiro lugar, deverão ser observadas as circunstâncias judiciais do art.
59 do Código Penal, que compõem a chamada pena base; depois as circunstâncias
atenuantes e agravantes, que estabelecerão a pena provisória, e, por fim, serão
aplicadas as causas de aumento e de diminuição, a fim de se tornar definitiva a sanção
penal aplicável, conforme dispõe o art. 68 do Código Penal (BRASIL, 1940).
O critério a ser utilizado é o sucessivo, de modo que a pena provisória (segunda
fase) será obtida somente após a fixação da pena base (primeira fase), levando em
consideração e incidindo sobre aqueles resultados. A pena definitiva (terceira fase),
na sequência, será obtida pela incidência das causas de aumento e de diminuição,
nessa ordem, diretamente no montante de pena resultante da segunda, isso é, sobre
a reprimenda provisória (PACELLI; CALLEGARI, 2020).
29
Com isso, temos que o sistema trifásico foi adotado buscando garantir os
princípios constitucionais da motivação, tendo como objetivo a aplicação da pena mais
justa ao caso concreto.
3.1.1.1 Elementares e Circunstâncias
Antes de destrinchar as três fases do cálculo dosimétrico, para melhor
assimilação do tema, faz-se necessário o compreendimento das circunstâncias e
elementares.
A elementar é compreendida como todo componente essencial da figura típica,
sem o qual está desaparece (atipicidade absoluta) ou se transforma (atipicidade
relativa). Encontra-se sempre no chamado tipo fundamental ou tipo básico, que é o
caput do tipo incriminador (CAPEZ, 2018). Em outras palavras, “elementares são
componentes do tipo penal básico, integrando o modelo primário da conduta proibida,
o caput”. (NUCCI, 2017, p. 782).
De outro lado, conceitua-se as circunstâncias como “dados acessórios da figura
típica, que orbitam as elementares do tipo e tem a função de influir na dosagem da
pena” (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020, p. 602).
O termo circunstância deriva do latim circum + stare, significando estar ao
redor, circundar, portanto, são as condições e os elementos que cercam um fato
(ANDREUCCI, 2020). As que se incorporam ao tipo penal — para aumentar ou
diminuir a punição — são consideradas integrantes do tipo derivado (qualificadoras
ou privilégios). As que não fazem parte do tipo, por sua vez, podem ser legais -
previstas expressamente em lei e sua aplicação é obrigatória por parte do julgador —
ou judiciais — arroladas genericamente no art. 59 do Código Penal (NUCCI, 2017).
Quanto à natureza das circunstâncias, podem ser objetivas ou reais e
subjetivas ou pessoais. As objetivas/reais se dizem respeito aos aspectos objetivos
do fato típico, a título de exemplo, o lugar e tempo do crime, objeto material,
qualidades da vítima, meios e medos de execução e outras relacionadas ao delito. As
subjetivas/pessoais, por seu turno, relacionam-se ao agente, e não ao fato concreto,
como por exemplo, os antecedentes, personalidade, conduta social, reincidência e
motivos do crime (CAPEZ, 2018).
É importante saber identificar essa indiferença para evitar a dupla punição pelo
mesmo fato (bis in idem). O princípio ne bis in idem ou non bis in idem constitui
30
infranqueável limite ao poder punitivo do Estado. Por meio dele procura-se impedir
mais de uma sanção individual – compreendendo tanto a pena como a agravante –
pelo mesmo fato (a dupla punição pelo mesmo fato). É postulado essencialmente de
natureza material ou substancial – conteúdo material relativo à imposição de
penalidade –, ainda que se manifeste também no campo processual ou formal,
quando diz respeito à impossibilidade das persecuções múltiplas (PRADO, 2019b).
Portanto, como é natural a preocupação com a dupla valoração afasta as
circunstâncias que constituem ou qualificam o crime. Desse modo, na análise das
agravantes e atenuantes – circunstâncias legais da segunda fase do cálculo da pena
– deve-se observar sempre se não constituem elementares, qualificadoras, ou causas
de aumento ou de diminuição da reprimenda (BITENCOURT, 2020).
Assim, o Juiz ao fazer o cálculo da pena, deverá expor qual o tipo penal
aplicado, suas motivações e a valoração de todas as elementares e circunstâncias.
3.1.1.2 Primeira fase: fixação da pena-base
Para a fixação da pena-base deverá fazer uma avaliação do grau de censura
que representa o conjunto de elementos a serem observados nas circunstâncias
judiciais, previstas no art. 59 do Código Penal (BRASIL, 1940):
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime [...].
Outrossim, sobre a primeira fase, o Recurso Ordinário em Habeas Corpus
90.531-5, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o Relator Ricardo Lewandowski
ponderou:
Com efeito, pena-base, como se sabe, não é sinônimo de pena mínima, mesmo porque o art. 59 do Código Penal abriga oito circunstâncias judiciais que devem ser sopesadas na fixação daquela, sem que se exija do magistrado uma análise exaustiva de cada uma delas [...] (BRASIL, 2007, p. 29).
Essas circunstâncias são também conhecidas como inominadas, porque a lei
não lhes fornece nomenclatura específica, ao contrário do que fez com as
circunstâncias legais. Têm caráter residual ou subsidiário, pois apenas podem ser
utilizadas quando não configurarem elementos do tipo penal, qualificadoras ou
privilégios, agravantes ou atenuantes genéricas, ou ainda causas de aumento ou de
31
diminuição da pena, todas elas preferenciais pelo fato de terem sido expressamente
definidas em lei (MASSON, 2020).
Nessa senda, tem-se que:
Partindo da pena mínima, o magistrado deverá analisar as circunstâncias do art. 59 do CP para fixar a pena-base. Neste momento, o juiz atua com certa discricionariedade, pois não há definição legal de como deverá considerar as circunstâncias para aumentar a pena-base acima do mínimo legal. Normalmente, faz-se da seguinte forma: a) se as circunstâncias do art. 59 são integralmente favoráveis ao condenado, o magistrado fixa a pena-base no mínimo legal; b) se as circunstâncias são integralmente desfavoráveis ao condenado, o magistrado deverá fixar a pena-base próximo ao termo médio entre a pena mínima e máxima; c) se houver concurso de circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, o magistrado deverá fazer um juízo de ponderação e fixar a pena-base de maneira razoável e proporcional. É possível, assim, concluir que a técnica para calcular a pena-base é a do “acúmulo de circunstâncias negativas”, pois o magistrado, sempre partindo da pena mínima em direção ao termo médio, verificará a quantidade de circunstâncias desfavoráveis: quanto maior o número de circunstâncias negativas, maior será a pena-base (FABRETTI; SMANIO, 2019, p. 420).
Posto isto, destaca-se que quantidade de pena aplicável, tem que ser dentro
dos limites previstos, conforme preconiza o art. 59, II, do Código Penal (BRASIL,1940).
De forma geral, ao analisar estes elementos que compõem a culpabilidade
está-se a analisar o grau de reprovabilidade ou de censurabilidade da conduta do
condenado. Ao condicionar a fixação da pena-base à análise da culpabilidade do
condenado, o legislador assegurou que o magistrado observará a proporcionalidade
entre o mal causado ao bem jurídico protegido e a reprimenda. (PASCHOAL, 2015).
Os antecedentes aqui, são as condenações com trânsito em julgado que não
mais geram reincidência (NUCCI, 2017). Nesse sentido, a Súmula 241, Superior
Tribunal de Justiça edita que “a reincidência penal não pode ser considerada como
circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial” (BRASIL,
2000, p. 30). Quanto à sua comprovação, tem-se a Súmula 636 do Superior Tribunal
de Justiça “a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os
maus antecedentes e a reincidência” (BRASIL, 2019, p. 30).
Por conduta social entende-se qual é o papel que o réu representa na
sociedade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança,
dentre outros, razão pela qual além de simplesmente considerar o fator conduta social
prefere-se incluir a expressão inserção social. Não somente a conduta antecedente
do agente em seus vários setores de relacionamento, mas sobretudo o ambiente no
32
qual está inserido são capazes de determinar a justa medida da reprovação que seu
ato criminoso possa merecer (NUCCI, 2017).
A personalidade, por sua vez, é o conjunto de caracteres relacionados com os
elementos subjetivos de natureza comportamental do réu e que opera, evidentemente,
como supedâneo de caráter que se exterioriza na conduta social (BUENO, 2012).
Insta salientar, ao analisar a conduta social e a personalidade do agente, deve
o magistrado ficar atento para não cair na tentação de punir o autor e não o fato por
ele praticado. Como é consabido, o direito penal baseia-se no fato e não no autor,
devendo-se fundamentar nas lesões causadas ao bem jurídico (PASCHOAL, 2015).
Dessa forma, assevera-se que essas circunstâncias devem ser analisadas somente
no âmbito em que tenham relação com o fato que está sob julgamento.
Os motivos do crime são os precedentes que levam à ação delituosa,
constituem a fonte propulsora da vontade criminosa. Não há crime gratuito ou sem
motivo (BITENCOURT, 2020). Nessa perspectiva, tem-se que:
O legislador, ao elaborar o art. 59, fazendo referência a motivos do crime, foi feliz, pois o juiz deve buscar as razões de ser da conduta, bem como os objetivos a serem alcançados pelo agente em qualquer delito. Encontrando-os, valorando-os, para bem ou para mal, terá um quadro concreto a respeito de um dos fatores a compor a maior ou menor reprovação ao agente. (NUCCI, 2017, p. 768).
As circunstâncias do crime, a seu turno, “são os elementos que não
participantes do tipo, embora envolvendo o delito” (NUCCI, 2017, p. 769). Em outras
palavras:
Cuida-se de dados, fatos ou elementos externos à pessoa do agente, isto é, relacionados com o tempo, lugar, modus operandi, instrumentos utilizados na realização do delito, qualidades ou condições da vítima, entre outros, reputados relevantes para a dosimetria da pena. Não há que confundir circunstâncias, em sentido lato, antítese de elementares, com circunstâncias do crime, ora consideradas. Com efeito, a relação é entre gênero e espécie. Dessa maneira – e porque são também adjetivadas de circunstâncias inominadas – as circunstâncias do crime abrangem os fatos residuais que não se encontram especificados como circunstâncias agravantes ou atenuantes, ou como causas de aumento ou de diminuição de pena. Em suma, as circunstâncias do crime auxiliam a mensurar o grau de reprovabilidade da conduta do condenado (SOUZA; JAPIASSÚ, 2020, p. 344).
As consequências do crime, que leva em conta os efeitos lesivos que vão além
dos previstos pelo crime, o que deve ser avaliado é a maior ou menor consequência
do fato criminoso, seja em relação à vítima, seja em relação a terceiros (PACELLI;
33
CALLEGARI, 2020). Ilustrando, tem-se o julgado do Agravo Regimental no Agravo em
Recurso Especial 648151, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...] HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. FUNDAMENTO IDÔNEO. SÚMULA N. 83/SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. – A morte da vítima que deixa órfãos quatro filhos menores constitui fundamento idôneo para a avaliação negativa das consequências do crime. Precedentes [...]. (BRASIL, 2015a, grifo nosso).
Por fim, o comportamento da vítima, consoante a realidade da vida, nem
sempre essa possui postura neutra ou involuntária na dinâmica do delito. Por isso, a
moderna vitimologia estuda os fatores de predisposição vitimal, ou seja, a
probabilidade, às vezes próxima da certeza, de que determinada pessoa sofrerá uma
ação criminosa – também chamado de risco de vitimização. (SOUZA; JAPIASSÚ,
2020). Isto é, “o modo de agir da vítima que pode levar ao crime”. (NUCCI, 2017, p.
771).
Com isso, após avaliar os elementos do tipo penal, o juiz deverá avaliar todas
estas circunstâncias no momento da sentença, justificando sua majoração ou não,
inclusive definir e fundamentar a pensa base que será utilizada para os demais
cálculos.
3.1.1.3 Segunda fase: fixação da pena provisória
Na segunda fase de aplicação da pena, serão observadas as circunstâncias
legais, objetivas ou subjetivas, que aderem ao delito sem modificar a sua estrutura
típica, influindo apenas quantificação da pena – para mais (agravantes) ou para
menos (atenuantes) – em razão da particular culpabilidade do agente. (NUCCI, 2017).
Essas circunstâncias elencadas entre os artigos 61 a 66 do Código Penal ou
em leis penais extravagantes (GRECO, 2017).
Insta salientar, as agravantes não fazem parte da figura típica incriminadora,
razão pela qual nem mesmo precisam constar da denúncia, porquanto o réu não se
defende contra elas, pois servem de critério ao juiz. O mesmo critério é usado para a
atenuante (NUCCI, 2017).
Posto isto, primeiro são trazidas as agravantes, previstas no artigo 61 do
Código Penal (BRASIL, 1940), veja-se:
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Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência; II - ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada. (grifo nosso)
Além destas agravantes, a pena pode ser agravada também em razão do
concurso de agentes, conforme preconiza o artigo 62 do mesmo diploma legal:
A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa (BRASIL, 1940).
Logo após as agravantes, o código traz em seu artigo 65, as circunstâncias que
sempre atenuam a pena, quais sejam:
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; II - o desconhecimento da lei; III - ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou. (BRASIL, 1940, grifo nosso).
E na sequência, o art. 66 do Código Penal completa: “A pena poderá ser ainda
atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora
não prevista expressamente em lei” (BRASIL, 1940).
Vale frisar-se neste momento, que em ambos os artigos notamos o uso da
palavra sempre, o que muitos interpretam como não sendo coincidência, mas que será
debatido no próximo capítulo.
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Após elencar as agravantes e atenuantes, o legislador no art. 67 do Código
Penal, determina como deverão ser resolvidos os conflitos do concurso de
circunstâncias, determinando que:
Art 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (BRASIL, 1940).
Em razão da discussão desse trabalho ser sobre a possibilidade da diminuição
da pena do mínimo legal na segunda fase do cálculo trifásico, o que se resulta das
aplicações das atenuantes, por questão de limitação de páginas, a seguir será
abordado detalhadamente somente as circunstâncias atenuantes.
3.1.1.3.1 Das Circunstâncias Atenuantes
Conforme visto acima, o legislador trata das circunstâncias atenuantes nos arts.
65 e 66 do Código Penal. Além disso, não temos nenhuma vedação expressa nestes
artigos de que tais atenuantes não podem minorar a pena do mínimo legal.
Dito isto, faz-se necessário a exposição das atenuantes e um breve comentário
acerca de cada uma.
a) Da idade do autor
A primeira atenuante é a circunstância encontra no art. art. 65, I, do Código
Penal “ser o agente menor de vinte e um, na data do fato, ou maior de setenta anos,
na data da sentença” (BRASIL, 1940).
Por entender, o legislador, no primeiro caso, em que em razão da imaturidade
de menor é o grau de reprovabilidade da conduta, não importando a capacidade civil
(QUEIROZ, 2008). Para tanto, a Súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça dispõe:
“Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por
documento hábil” (BRASIL, 1993, p. 33). Já no segundo, por julgar, as alterações
físicas e psicológicas que atingem pessoas em idade avançada, aptas a influírem no
ânimo criminoso, e também na menor capacidade que têm para suportar
integralmente a pena, que por isso deve ser amenizada (MASSON, 2020).
b) Desconhecimento da lei
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Apesar do art. 21 do Código Penal preceituar que “o desconhecimento da lei é
inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável,
poderá diminui-la [...]” E em seu parágrafo único completa “Considera-se evitável o
erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe
era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.” (BRASIL, 1940).
Ou seja, se o agente não sabia que era ilícito, nem tinha condições de saber,
há o erro de proibição escusável (absolvição); se o agente não sabia que era ilícito,
mas tinha condições de saber, aplica-se a atenuante prevista no art. 65, II do Código
Penal (NUCCI, 2017).
c) Motivo de relevante valor social ou moral
Esta atenuante está prevista no inciso III, alínea ‘a’ do art. 65, do Código Penal
(BRASIL, 1940). Motivo de relevante valor moral diz respeito a interesse particular do
agente ao passo que o valor social se refere a interesse público, coletivo. A título de
exemplo, registrar como próprio, filho alheio, para protegê-lo, fato constitutivo de crime
(art. 242 Código Penal), em que pese o fato ser criminoso, a pena deve ser atenuada
em razão do motivo de relevante valor social ou moral (QUEIROZ, 2008).
Destaca-se que não será qualquer motivo social ou moral que terá a condição
de atenuar o crime. Para isso, é necessário que seja considerável, ou seja, relevante.
Não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável a sua relevância, isto
é, importância, que seja notável, digno de apreço. E a relevância desse valor social
deve ser avaliada de acordo com a sensibilidade média da sociedade e não apenas
segundo a sensibilidade maior ou menor do sujeito ativo. (BITENCOURT, 2020).
d) Arrependimento eficaz ou reparação do dano
Conforme preceitua o art. 65, III, ‘b’ “ter o agente procurado, por sua
espontânea vontade e com eficiência logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as
consequências, ou ter, antes do julgamento reparado o dano” (BRASIL, 1940).
À propósito, essa atenuante genérica “fundamenta-se em questões de política
criminal, buscando estimular o acusado, mediante a diminuição de sua pena, a reparar
o dano provocado a um bem jurídico penalmente tutelado” (MASSON, 2020, p. 607).
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e) Coação resistível, cumprimento de ordem hierárquica, ou influência de forte
emoção
Prevista no inciso III, alínea ‘c’, do art. 65, do Código Penal ter o agente
“cometido o crime sob coação a que podia resistir ou em cumprimento de ordem de
autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto
da vítima” (BRASIL, 1940). Portanto, trata-se de situações em que a culpabilidade do
agente, embora não excluída, deve merecer um abrandamento (QUEIROZ, 2008).
Nesse mesmo sentido, encontra-se complemento no art. 21 do mesmo diploma
legal: “Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem,
não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou
da ordem.” (BRASIL, 1940).
f) Da confissão espontânea
Em seu inciso III, alínea ‘d’, atenua-se a pena caso o agente tenha “confessado,
espontaneamente, perante autoridade, a autoria do crime” (BRASIL, 1940). Este
inciso é completado pelo Código de Processo Penal, observe-se:
Art. 197: O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância (BRASIL, 1941).
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 545, nos
seguintes termos: “quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento
do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal”
(BRASIL, 2015b).
Salienta-se que a confissão, para autorizar a atenuação em causa, não precisa
decorrer necessariamente de arrependimento, devendo ser reconhecida mesmo
quando o agente, ao confessá-la, pretenda apenas beneficiar-se da atenuante,
porquanto, basta que se trate de confissão feita sem nenhum tipo de constrangimento
(QUEIROZ, 2008).
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Com isso, temos que caso o réu confesse espontaneamente diante da
autoridade policial, e tal confissão corrobora com os demais elementos do processo,
a sua pena deve ser atenuada.
g) Ter cometido o crime sob a influência de multidão
Por último neste artigo, tem-se a alínea ‘e’ do inciso III, do Código Penal, que
traz a atenuante quando o agente ter “cometido o crime sob a influência de multidão
em tumulto, se não o provocou” (BRASIL, 1940). Atenua-se a pena nessas situações
por entender que:
a influência de multidão em tumulto implica menor grau de censurabilidade da conduta, o Código a elava à condição de circunstâncias atenuante. É que sob a influência de multidão em tumulto o agente é em geral mais propenso a fazer coisas que jamais faria não fosse aquele estado em que viu envolvido, como participar de dano a bens públicos, briga entre grupo rivais, tomar parte em linchamento de autor de crimes etc., havendo menor grau de culpabilidade. Naturalmente que o próprio sujeito que organizou ou provocou tumulto não fará jus à atenuante (QUEIROZ, 2008, p. 356).
Frisa-se, como já citado acima, “é requisito essencial que o agente do crime
não tenha provocado o tumulto no qual se viu envolvido, bem como não aplica àqueles
que, aproveitadores da situação de desordem, conduzem a massa” (NUCCI, 2017, p.
817).
h) Atenuante inominada
Está prevista no art. 66 do Código Penal, “a pena poderá ser ainda atenuada
em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei” (BRASIL, 1940).
Trata-se de circunstância legal extremamente aberta, sem qualquer apego à
forma, permitindo ao juiz imenso arbítrio para analisá-la e aplicá-la. São também
chamadas de atenuantes de clemência, pois normalmente o magistrado as concede
por ato de bondade. Um réu que tenha sido violentado na infância e pratique, quando
adulto, um crime sexual (circunstância relevante anterior ao crime) ou um delinquente
que se converta à caridade (circunstância relevante depois de ter praticado o delito)
podem servirem de exemplos (MASSON, 2020; NUCCI, 2017).
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i) Atenuantes em leis especiais
Há circunstâncias legais que atenuam a pena previstas somente em leis
especiais (NUCCI, 2017). Exemplo disso, pode ser dado pelo art. 14 da Lei n.
9.605/98:
São circunstâncias que atenuam a pena: I - baixo grau de instrução ou escolaridade do agente; II - arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada; III - comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental; IV - colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental (BRASIL, 1998).
Observa-se, todas as atenuantes detalhadas neste capítulo, tratam sobre as
circunstâncias presentes durante a prática do crime, buscando assim suprir a
individualização da penalidade, considerando as peculiaridades do caso em análise e
a personalidade do acusado.
Assim, frisa-se novamente, que o comando do artigo é extremamente claro ao
dizer que estas circunstâncias sempre atenuam a pena, bem como não há nenhum
impedimento legal explícito vedando a diminuição da pena do mínimo legal.
3.1.1.4 Terceira fase: fixação da pena definitiva
Na terceira fase de aplicação da reprimenda temos as causas obrigatórias ou
facultativas de aumento ou diminuição de pena, que foram fixadas pelo próprio
legislador, e são conhecidas também como qualificadoras e privilégios em sentido
amplo, estão previstas na Parte Geral e especial do Código Penal, assim como em
leis especiais (GRECO, 2017).
Nessa fase, a lei é expressa sobre a intensidade do aumento ou diminuição, e
a pena poderá sair dos limites mínimo e máximo fixados para a pena-base no preceito
secundário do tipo simples ou qualificado (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020).
Corrobora com a afirmação supracitada que:
As causas de aumento e de diminuição de pena, por integrarem a estrutura típica do delito, permitem a fixação da pena acima do máximo em abstrato previsto pelo legislador, como também admitem o estabelecimento da pena abaixo do mínimo. Podem ser previstas em quantidade fixa (ex.: art. 121, §4, determinando o aumento de 1/3) ou em quantidade variável (ex.: artigo 157, §2º determinando o aumento de 1/3 até a metade) (NUCCI, 2017, p. 823).
40
A justificativa para a possibilidade de extravasamento está no menor arbítrio
outorgado ao juiz na terceira fase:
ao contrário do que ocorre nas circunstâncias judiciais, a interpretação das causas de aumento e diminuição é sensivelmente precisa, dado que a circunstância está detalhadamente narrada na lei. No mais, ao contrário do que ocorre com as circunstâncias judiciais e legais, agravantes e atenuantes, o quantum de abrandamento ou incremento na pena não fica a critério do juiz, vindo expressamente no texto de lei. Assim, diminuído o arbítrio, não há problema em permitir que, na terceira fase do procedimento de fixação da pena, a sanção possa vir aquém ou ir além dos limites fixados pelo tipo simples ou qualificado. Interessante perceber assim que o sistema trifásico é um sistema de controle de arbítrio, pois na primeira fase há arbítrio na atribuição de sentido às circunstâncias (judiciais) e à influência de cada circunstância na dosagem da pena (arbítrio máximo). Na segunda fase não há arbítrio na atribuição de sentido (as agravantes e atenuantes são circunstâncias legais, com sentido predefinido) mas persiste o arbítrio sobre a influência que cada circunstância terá na pena (arbítrio médio) e na terceira e última fase o arbítrio é mínimo, pois a lei esclarece o sentido da circunstância e estabelece em frações expressas a influência que terá na pena. Justifica-se assim a anulação de decisão que desobedece ao sistema trifásico, pois rompido o sofisticado sistema de controle do arbítrio. (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020, p. 640).
Em sentenças que ocorram no concurso de causas de aumento ou de
diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a
uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua,
conforme estípula o art. 67, parágrafo único, do Código Penal (BRASIL, 1940). Essa
possibilidade destina-se exclusivamente às majorantes e minorantes previstas na
Parte Especial do Código. Já as localizadas na Parte Geral deverão operar todas,
incidindo umas sobre as outras, sem exceção, consoante expressa previsão legal
(BITENCOURT, 2020).
Há posicionamentos diferentes entre os doutrinadores acerca da diferente entre
privilégios e qualificadoras: para Nucci (2017), a única diferença entre privilégios e
qualificadoras das causas de diminuição e aumento de pena é a forma de alterar o
quantum de pena a ser aplicado, sendo que pode acontecer por meio da alteração
dos limites já previstos, ou com uma fração aplicada sobre os limites originais do tipo;
de outro lado, Bitencourt (2020), já defende uma maior diferenciação entre os dois
institutos, por entender que as qualificadoras e privilégios “constituem verdadeiros
tipos penais – tipos derivados – com novos limites, mínimo e máximo, enquanto as
majorantes e minorantes, como simples causas modificativas da pena, somente
estabelecem sua variação.
41
Conforme demonstrou-se neste capítulo, para a aplicação da pena deve
considerar o sistema trifásico, existindo diversas possibilidades tanto para aumentar
quanto diminuir a reprimenda, assim, havendo previsão legal, o juiz poderá aplicar a
sanção com discricionaridade, desde que a faça de forma fundamentada, expondo os
fatores que o levaram a chegar aquela quantidade de penalidade aplicada.
Constatou-se, ainda, que não há a possibilidade da diminuição da reprimenda
do mínimo legal no momento da fixação da pena base, conforme o inciso II do artigo
59 do Código Penal. Observou-se, também, que já na terceira fase o código admite
tanto o aumento, quanto a diminuição da sanção nos mínimos previstos. A discussão
do presente trabalho gira então, apenas acerca da possibilidade da diminuição de
pena na segunda fase de sua aplicação, pois não existe proibição para tanto.
Após a exposição dos tipos de pena e suas fases de aplicação é a base teórica
necessária mínima para que possa haver o debate do tema deste trabalho, e estando
estes conceitos básicos perfeitamente delimitados, passa-se então ao último capítulo
de desenvolvimento.
42
4 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO
MÍNIMO LEGAL PELO RECONHECIMENTO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
ATENUANTES
Nesse capítulo será apresentado posicionamentos contrários à aplicação da
pena abaixo do mínimo legal, bem como, posicionamentos favoráveis para essa
redução, diante das circunstâncias atenuantes presentes na segunda fase
dosimétrica.
O ordenamento jurídico é formado por normas, que se dividem em princípios e
regras, visando a constituir um conjunto único, lógico e coerente (NUCCI, 2017). Por
esta razão, o embasamento para a análise da problemática proposta, contará com
doutrinas, legislação, jurisprudências, súmulas e princípios.
4.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS À APLICAÇÃO DA PENA AQUÉM DO
MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA
Tem-se o entendimento de que, com o reconhecimento de agravantes
genéricas, a reprimenda não pode superar o máximo previsto em abstrato para o
delito, bem como não pode ficar aquém do mínimo no caso de reconhecimento de
atenuantes. Assim, se na primeira fase da dosimetria a pena-base já tiver sido fixada
no mínimo legal, caso o juiz venha a reconhecer alguma atenuante genérica, como
por exemplo, a menoridade relativa ou confissão do acusado, a penalidade não
sofrerá qualquer alteração (GONÇALVES, 2021).
O Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema, editou a Súmula 231: “A
incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo
do mínimo legal” (BRASIL, 1999, p. 39).
Em concordância com a redação dessa Súmula, tem-se que:
as atenuantes não fazem parte do tipo penal, de modo que não têm o condão de promover a redução da pena abaixo do mínimo legal. O mesmo se dá com as agravantes. Quando o legislador fixou, em abstrato, o mínimo e o máximo para o crime, obrigou o juiz a movimentar-se dentro desses parâmetros, sem possibilidade de ultrapassá-los, salvo quando a própria lei estabelecer causas de aumento ou de diminuição. Estas, por sua vez, fazem parte da estrutura típica do delito, de modo que o juiz nada mais faz do que seguir orientação do próprio legislador (NUCCI, 2017, p. 809).
É compreensível na medida em que as circunstâncias atenuantes, tais como
as agravantes, receberam tratamento legal mais precário em nossa legislação,
43
padecendo, todas elas, de certo déficit de legalidade. E isso porque, como dito, tais
circunstâncias não oferecem critério seguro para a determinação da quantidade de
aumento ou de diminuição que delas resultariam. E esse é, de fato, um grande e
intransponível obstáculo no que se refere à possibilidade de se superar a pena
máxima com fundamento em agravantes. Admitir semelhante alternativa implicaria
conferir ao juiz uma ampla margem de discricionariedade, incompatível com o
princípio geral e constitucional da legalidade em matéria penal, traduzido na fórmula
(PACELLI; CALLEGARI, 2020).
Ou seja, a ausência de clareza na legislação abre margem para maior
discricionaridade do juiz acerca da aplicação do quantum da pena, acarretando
insegurança jurídica aos casos.
Com efeito, dois são os motivos pelos quais não se pode admitir tal
individualização da pena abaixo do mínimo legal: em primeiro lugar contraria o
princípio da legalidade, já que a penalidade mínima estabelecida pelo legislador é o
limite mínimo a partir do qual a punição pelo injusto culpável cumpre seus
pressupostos de prevenção especial e geral. Em segundo lugar, a adoção do critério
de rebaixar a reprimenda aquém do marco mínimo traz consigo um perigo, desde o
ponto de vista político criminal à segurança jurídica (PACELLI; CALLEGARI, 2020).
A possibilidade também foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, no
julgado do HC 93071:
Habeas corpus. Penal. Aplicação da pena. Circunstância atenuante. Impossibilidade de fixação da pena abaixo do mínimo legal. Aplicação analógica do critério de exasperação da pena previsto no roubo circunstanciado pelo concurso de agentes para o furto qualificado. Impossibilidade. Precedentes. 1. Como assentado em precedentes da Suprema Corte, a presença de atenuantes não pode levar a pena a ficar abaixo do mínimo, e a de agravantes também não pode levar a pena a ficar acima do máximo previsto no tipo penal básico ou qualificado [...]. (BRASIL, 2008).
E manteve o posicionamento em outros julgados, como no Recurso
Extraordinário 597270, reconhecendo repercussão geral à hipótese, entendeu inviável
a redução aquém do mínimo para a hipótese de reconhecimento de atenuante:
AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (BRASIL, 2009b).
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Esse Recurso Extraordinário, tendo unanimidade entre os votos, foi interposto
pela Defensoria Pública da União, ao argumento de que o Superior Tribunal de Justiça
violou os princípios constitucionais da legalidade, com o impedimento da aplicação de
atenuantes na fixação da pena; o da igualdade, por tratar de forma igual os desiguais;
o da individualização da pena; e o da proporcionalidade, todavia, o Relator do
processo, o Ministro Cezar Peluso, afirmou que desde a década de 70, ao menos, o
Supremo vem consolidando sua jurisprudência em torno da matéria, de modo ir contra
a fixação da pena abaixo do mínimo legal (BRASIL, 2009b).
E acrescenta:
[...] Parece-me que, se a Corte se propusesse a modificar esta jurisprudência, teria de tomar certas cautelas pelo risco que introduziria de deixar a cada juiz a definição da pena para cada crime. Isto é, no momento em que a Corte proclame, ou proclamasse, que as atenuantes genéricas podem reduzir a pena para aquém do mínimo legal, poderíamos passar a um regime em que a discricionariedade judicial conduziria a que se aplicasse pena sem nenhum significado, em termos de política criminal. Estaria aberta a porta para – não diria uma extravagância -, para um risco extremamente elevado para a atuação do ordenamento jurídico criminal que, embora sendo extremo, tem relevantíssima importância social [...]. (BRASIL, 2009b).
O Ministro Eros Grau complementa:
[...] não se pode substituir a legalidade em matéria penal por uma discricionariedade atribuída ao juiz. [...] a respeito do argumento da proporcionalidade só se pode atuar no momento da norma de decisão, não no da produção da norma jurídica geral. Quer dizer, não se pode usar a proporcionalidade como pretexto para corrigir a lei [...]. Num primeiro momento, quando se interpreta, trabalha-se com os textos e com a realidade. Depois o intérprete autêntico, no sentido de Kelsen, o juiz, toma das normas jurídicas gerais e então define uma norma de decisão. É o momento da chamada “aplicação concreta”. Só neste momento pode atuar a proporcionalidade. (BRASIL, 2009b).
O Ministro Carlos Britto, ainda que tenha acompanhado o voto do Relator,
discorda do pensamento do Ministro Eros acerca do princípio da proporcionalidade:
[...] o devido processo legal substantivo tem que incorporar a proporcionalidade, senão cria para o legislador uma discricionaridade tal que ele pode incidir em indevido processo legal; ou seja, sem o critério da proporcionalidade o legislador pode resvalar para o descomedimento na fixação do conteúdo e da extensão das normas jurídicas, o que já significa incidência no que se poderia chamar de indevido processo legal. Esse adjetivo constitucional “devido” processo legal incorpora o critério da proporcionalidade, sim, e nesse sentido é que se pode falar de devido processo legal substantivo ou de conteúdo [...]. (BRASIL, 2009b).
O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, igualmente acompanhou o voto do
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Relator:
[...] temos um sistema consagrado, a revelar que os tipos penais, com raras exceções, sinalizam balizamento quanto à pena, considerados um piso e um teto [...] as circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes, não são tarifadas pela lei. Há campo, então, para definir-se o que se mostre mais adequado. Já em relação às causas de diminuição e aumento, tem-se a estipulação dos quantitativos próprios a esses institutos, o que ocorre no próprio artigo que prevê o tipo penal. Daí a jurisprudência ter se sedimentado no sentido de que a tomada das circunstâncias judiciais e das atenuantes e agravantes está jungida ao piso e ao máximo. E a prevalecer o que sustado neste recurso, ter-se-á que emprestar a mesma consequência às agravantes, a ponto de elevar a pena acima do teto previsto para o tipo [...]. (BRASIL, 2009b).
Em sendo assim, decisão do Supremo Tribunal Federal aumenta a força do
enunciado da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, elevando a teoria da
constitucionalidade do seu teor.
4.2 POSCIONAMENTOS FAVORAVEIS À APLICAÇÃO DA PENA AQUÉM DO
MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA
Em que pese o Supremo Tribunal Federal já ter manifestado entendimento
contrário à possibilidade da redução da pena abaixo do mínimo legal na segunda fase
dosimétrica, a problemática merece ser revista porquanto o entendimento favorável é
respaldado pelos princípios constitucionais e do direito penal.
A intervenção penal em um Estado de Direito Democrático deve estar revestida
de proporcionalidade, em uma relação de correspondência de grau entre o mal
causado pelo crime e o mal que se causa por via da pena. Isto porque a ação do
legislador penal está sujeita ao princípio constitucional da proporcionalidade, também
dito princípio da legalidade e ao princípio da ofensividade. Estes princípios,
verdadeiras pautas de conduta, dizem respeito não só à atuação do Executivo na sua
atividade administrativa limitadora da liberdade dos administrados, referindo-se,
também, à elaboração legislativa como corolário da concretização dos direitos
fundamentais. Nesta perspectiva, atuam como mandados de proibição de excessos
vinculativos ao legislador e ao intérprete/aplicador da lei (REALE JÚNIOR, 2020).
Nessa ótica, o desrespeito aos princípios legais e constitucionais passa a
demandar a nulidade absoluta e integral da sentença, sendo manifesto o prejuízo do
condenado que não encontrou na agência judicial uma cumpridora do dever
constitucional de arrefecimento dos danos penais. Compete, portanto, ao aplicador da
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pena, valendo-se do norteamento constitucional, atentar para a necessidade de
manejar racionalmente os instrumentos e métodos para que a pena seja aplicada de
forma justa, isto é, a reprimenda deve ser proporcional ao delito perpetrado (ROIG,
2015).
Sob este prisma, tem-se que:
qualquer circunstância relevante e favorável ao réu, seja anterior ou posterior ao crime, pode atuar como fator judicialmente discricionário de abrandamento da pena. Atenuantes e agravantes são de aplicação compulsória pelo magistrado, que não pode deixar de levá-las em conta, quando presentes, na dosimetria da pena (MASSON, 2020, p. 584).
Outrossim, a incidência da atenuante reconhecida é instrumento de
maximização do princípio constitucional da individualização da sanção penal, como já
visto no capítulo anterior, “pois não se pode admitir que, fixada a pena-base no
mínimo, as atenuantes, que diferenciam uma infração da outra e a tornam singular
(individual), quedem ineficazes” (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020.p. 639).
Nessa senda, pelo princípio da legalidade, quando presentes as atenuantes,
devem ser aplicadas pelo juiz, salvo quando já funcionarem como causa de diminuição
da pena. Além disso, as atenuantes genéricas, ainda que existem muitas delas no
caso concreto, serão ineficazes quando a pena-base (primeira fase) for fixada no
mínimo legal. Como não integram a estrutura do tipo penal, e não tiveram o percentual
de redução previsto expressamente pelo legislador, a aplicação da punição fora dos
parâmetros legais representaria intromissão indevida do Poder Judiciário na função
legiferante (MASSON, 2020). Tais intromissões, que editaram entendimentos como o
da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça e, por consequência, o posicionamento
do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
Para que o princípio de legalidade seja, na prática, efetivo, cumprindo com a
finalidade de estabelecer quais são as condutas puníveis e as sanções a elas
cominadas, é necessário que o legislador penal evite ao máximo o uso de expressões
vagas, equívocas ou ambíguas (BITENCOURT, 2020). Sob este prisma, tem-se que
a redação dada pelo art. 65 do Código Penal “são circunstâncias que sempre atenuam
a pena” (BRASIL, 1940), não há margem para outra interpretação, senão de que as
circunstâncias devam ser aplicadas. Deste modo, tem-se que:
a compreensão literal da lei, que trata as atenuantes como circunstâncias que sempre atenuam a pena”. Ora, se a lei se vale da expressão sempre, significa que não admite exceção, e, assim, mesmo que a pena-base tenha sido fixada
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no mínimo, a atenuante teria que abrandar a sanção (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020, p. 639).
Assim, o entendimento contrariamente à Súmula n. 231 do Superior Tribunal
de Justiça, que a existência de uma circunstância atenuante fará com que a pena-
base encontrada seja, obrigatoriamente, diminuída, pouco importando se tenha ou
não sido fixada em seu mínimo legal. O art. 65 não faz essa ressalva, pelo contrário,
determina expressamente, por intermédio do advérbio sempre, que a pena deverá ser
diminuída caso exista alguma circunstância atenuante (GRECO, 2017). Dessa forma,
objetiva-se que o princípio de legalidade, como garantia material, ofereça a necessária
segurança jurídica para o sistema penal (BITENCOURT, 2020).
Ademais, salienta-se que o princípio da legalidade veda, também, o recurso à
analogia in malam partem para criar hipóteses que, de alguma forma, venham a
prejudicar o agente, seja criando crimes, seja incluindo novas causas de aumento de
pena, de circunstâncias agravantes etc. Se o fato não foi previsto expressamente pelo
legislador, não pode o intérprete socorrer-se da analogia a fim de tentar abranger fatos
similares aos legislados em prejuízo do agente (nullum crimen nulla poena sine lege
stricta). (GRECO, 2017, p. 177). Por conseguinte, rechaça a preocupação com a
possibilidade de aumento da pena além do máximo legal, caso seja aplicada abaixo
do mínimo legal.
Outro princípio que merece destaque é o da proporcionalidade, porquanto
objetiva, de imediato, uma justa correlação entre a gravidade do fato perpetrado pelo
agente e a punição correspondente. A proporcionalidade deve ser obedecida tanto na
elaboração, como na aplicação e na execução da lei penal. Sendo assim, o princípio
restará descumprido quando o legislador criar ou majorar determinada figura delitiva,
fixando, desproporcionalmente, uma reprimenda penal elevada. Na mesma linha de
raciocínio, quando o julgador aplicar uma sanção penal em quantidade superior às
circunstâncias evidenciadas no caso concreto ou, ainda, quando no curso do
cumprimento da pena, for imposto ao apenado um regime de cumprimento mais
severo do que aquele indicado no caso concreto. Este princípio pode ser violado,
como visto, pelo excesso da intervenção penal, mas pode, igualmente, ser atingido
pela insuficiência da regulação penal (SOUZA; JAPIASSÚ, 2020).
Em outras palavras, tem-se que:
De acordo com o princípio da proporcionalidade, num aspecto defensivo, exige-se uma proporção entre o desvalor da ação praticada pelo agente e a
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sanção a ser a ele infligida, e, num aspecto prevencionista, um equilíbrio entre a prevenção geral e a prevenção especial para o comportamento do agente que vai ser submetido à sanção penal. (MIRABETE; FABBRINI 2021, p. 58).
Isto é, conforme extrai-se das doutrinas mencionadas, o princípio da
proporcionalidade se desdobra nos princípios da vedação da proibição do excesso e
da vedação da proteção insuficiente ou deficiente de bens jurídicos, buscando o
equilíbrio entre a reprovação da prática delituosa com a pena de reprimenda.
Nesta esteira, sob o crivo dos princípios, há de se mencionar o da culpabilidade,
cujo postulado basilar de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa)
e de que a penalidade não pode ultrapassar a medida da culpabilidade –
proporcionalidade na culpabilidade – é uma lídima expressão de justiça material
peculiar ao Estado democrático de Direito delimitadora de toda a responsabilidade
penal (PRADO, 2019b).
Portanto, entende-se culpabilidade como juízo de reprovação que recai sobre
o agente autor da conduta reprovável, somente deve ser penalmente reprovado
aquele que, por sua conduta, tenha dado causa a resultado criminoso. Isto significa
que a culpabilidade é o parâmetro da pena, não pode a punição ser superior à culpa
do agente, deve ser proporcional ou adequada ao desvalor da ação praticada
(SOUZA; JAPIASSÚ, 2020).
De relação direta com a legalidade penal, esse princípio reafirma o caráter
inviolável do respeito à dignidade do ser humano. É postulado garantista essencial ao
Estado democrático de Direito. Além disso, no campo da consequência jurídica e sua
medição, busca-se através dele o reconhecimento das circunstâncias individuais que
são significativas para a determinação da pena concreta (PRADO, 2019b).
Com opinião francamente minoritária, o posicionamento contrário da Súmula
231 do Superior Tribunal de Justiça e dos argumentos que a justificam, tem-se que:
Se, para cumprir a individualização da pena, é necessário o abrandamento desta pela incidência das atenuantes, mesmo quando a pena -base foi fixada no mínimo, a operação deve ser permitida, e aqui não há problema na violação à legalidade, pois o objetivo do princípio da legalidade é a proteção do cidadão contra o poder punitivo do Estado, que não seria atingido com o rebaixamento da pena. Contudo, se o agravamento da pena além do máximo fere a segurança exigida pelo princípio da legalidade, deve ser proibido. Em ambas as hipóteses, a maximização de princípios constitucionais dá adequada (e constitucional) solução ao problema (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020.p. 639).
Dessa forma, ao analisar o enunciado da Súmula 231 do Superior Tribunal de
Justiça, resta evidente a afronta aos princípios supracitados, pois ao desconsiderar as
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circunstâncias atenuantes, consequente aplicar-se-á uma sanção mais onerosa, em
desconsoante com a proporcionalidade da reprovabilidade da conduta praticada pelo
agente, ultrapassando a adequada magnitude culpável da conduta do autor.
Além do mais, orientar-se como entendimento para a impossibilidade da
aplicação da pena abaixo do mínimo legal, uma Súmula publicada no ano de 1999,
atinge diretamente a hermenêutica, porquanto:
o campo onde se poderá deitar a compreensão está historicamente condicionado por uma tradição que não pode ser desconsiderada, muito menos deixada à margem como um campo menor. [...] a “hermenêutica tradicional” continua operando com noções que não fazem mais sentido do ponto de vista hermenêutico, mas estão na moda. Esse dilema contemporâneo, a saber, a discussão filosófica tão ultrapassada como a querela entre objetivistas e subjetivistas continua na “moda”, precisa ser indagado na sua perspectiva autêntica. (ROSA, 2016, p. 127).
Nesse ponto de vista, uma decisão antecedente, uma orientação
jurisprudencial, uma súmula, desonera a responsabilidade pela enunciação “como se”
fosse possível o sujeito se desincumbir do seu lugar. Não pode a jurisprudência ser
tratada como um fim em si mesmo ou ainda uma interpretação declarativa e
desonerativa. A jurisprudência não é sinônimo de hermenêutica, muito menos de
fundamentação, dado que demanda um contexto para fazer sentido (ROSA, 2016).
É nesse viés da necessidade de uma conjuntura atual que a continuidade da
aplicação dessa súmula demonstra-se inadequada ao direito pois:
O enunciado importa desconsiderar o texto legal expresso do art. 65 do Código Penal, que estabelece que determinadas circunstâncias “sempre atenuam a pena”, o que afeta de plano o princípio da legalidade e da individualização da pena. O entendimento foi desenvolvido, considerando a redação original do art. 48 do Código Penal, que foi revogado na reforma penal da Lei n. 7.209/84, eliminando precisamente o limite da diminuição por além do mínimo legal. A manutenção dessa súmula resulta desajustada ao direito, pois se afirma em uma norma que não forma parte da ordem jurídica, precisamente, por ter sido revogada, sendo, por obvio inviável fazer dela uma interpretação analógica ou ampla, mesmo deixando de lado que esse tipo de interpretação afronta o princípio da legalidade (RAIZMAN, 2019, p. 375).
Corrobora com esse pensamento que:
O equivocado entendimento de que “circunstância atenuante” não pode levar a pena para aquém do mínimo cominado ao delito partiu de interpretação analógica desautorizada, baseada na proibição que constava no texto original do parágrafo único do art. 48 do Código Penal de 1940200 , não repetido, destaque-se, na Reforma Penal de 1984 (Lei n. 7.209/84). Ademais, esse dispositivo disciplinava uma causa especial de diminuição de pena — quando o agente quis participar de crime menos grave —, mas impedia que ficasse abaixo do mínimo cominado. De notar que nem mesmo esse diploma
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revogado (parte geral) estendia tal previsão às circunstâncias atenuantes, ao contrário do que entendeu a interpretação posterior à sua revogação [...] é que estes posicionamentos respeitáveis estão, todos, embasados na orientação doutrinária e jurisprudencial anterior à reforma penal de 1984 que suprimiu o único dispositivo que a vedava, por extensão engendrada por orientação hermenêutica, que a atenuação da pena por incidência de atenuante não pudesse vir para aquém do mínimo. Isto é, se está raciocinando com base em direito não mais positivo (BITENCOURT, 2020, p. 1.864).
Não obstante a inoportuna utilização da Súmula 231 do Superior Tribunal de
Justiça, destaca-se que não há perda de finalidade intimidativa na pena atenuada
pelas peculiares circunstâncias do caso. Pelo contrário, há intimidação exagerada e
punição desnecessária quando ignoradas as circunstâncias que deveriam atenuar a
pena. (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2020).
Nessa lógica, deixar de aplicar uma circunstância atenuante para não trazer a
pena para aquém do mínimo cominado nega vigência ao disposto no art. 65 do Código
Penal, que não condiciona a sua incidência a esse limite, violando o direito público
subjetivo do condenado à sanção justa, legal e individualizada. Essa ilegalidade,
deixando de aplicar norma de ordem pública, caracteriza uma inconstitucionalidade
manifesta. Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento
de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado (BITENCOURT,
2020).
O que realmente importa é aplicar uma sanção justa para o caso, proporcional
ao delito, conforme as múltiplas variáveis que o envolvem, e fundamentadamente,
ainda que para tanto tenha de fixá-la abaixo do mínimo legal. Dessa forma, legitima é
a fixação de pena abaixo do mínimo legal. Entender o contrário é adotar postura
antigarantista (QUEIROZ, 2008).
À propósito, adotar o garantismo penal, é estar compatível com os preceitos
constitucionais brasileiros, além dos acolhidos pelo Código Penal. Na realidade,
fomenta-se a inverdade de que o garantismo pode acarretar impunidade e aumento
da criminalidade, como se fosse um sistema permissivo e libertário, sem medidas.
Quando na verdade, trata-se de um modelo normativo de direito, que obedece a estrita
legalidade, típico do Estado Democrático de Direito, visando a mitigar a violência e
maximizar a liberdade, impondo limites à função punitiva do Estado (JUNQUEIRA;
VANZOLINI, 2020).
Nesse viés garantista, em um sistema em que há rigidez constitucional, a
Constituição, de acordo com a visão piramidal proposta por Kelsen, é a “mãe” de todas
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as normas. Todas as normas consideradas inferiores nela vão buscar sua fonte de
validade. Não podem, portanto, contrariá-la, sob pena de serem expurgadas de nosso
ordenamento jurídico, em face do vício de inconstitucionalidade. A Constituição nos
garante uma série de direitos, tidos como fundamentais, que não poderão ser
atacados pelas normas que lhe são hierarquicamente inferiores (GRECO, 2017).
Outrossim, ainda ante o aspecto garantista, apresenta uma estrutura de
princípios que pretende assegurar o maior grau de racionalidade possível ao sistema
jurídico penal, dotando os aplicadores do direito de ferramentas idôneas para
assegurar o máximo grau de proteção dos direitos fundamentais (CARVALHO, 2020).
Aliás, respeitar essa estrutura de princípios, respalda na segurança das
relações jurídicas, que repele qualquer imprevisibilidade ou incerteza no que diz
respeito ao controle formal legal a que a sociedade se encontra submetida. Cabe
também ao ordenamento jurídico propiciar segurança, certeza e estabilidade aos
indivíduos que compõem o corpo social, e assim a garantia e satisfação de seus
direitos fundamentais (PRADO, 2019b).
Diante dos argumentos trazidos neste capítulo, constata-se, apesar dos
fundamentos apresentados pela doutrina majoritária serem favoráveis à aplicação da
Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça e da inconstitucionalidade da aplicação
das atenuantes na segunda fase da dosimetria, bem como pelo posicionamento
adotado pelo Supremo Tribunal Federal, estas justificativas se mostraram frágeis, uma
vez que a vedação da aplicação da reprimenda abaixo do mínimo legal, não se
coadunada com as garantias individuais do réu, fere os princípios da individualização
da pena, da proporcionalidade, da legalidade e da culpabilidade ferindo, por
consequência, o ordenamento constitucional e infraconstitucional.
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5 CONCLUSÃO
Findado o estudo do tema, passar-se-á as considerações finais.
O objetivo deste trabalho monográfico foi realizar uma análise constitucional e
infraconstitucional da teoria da pena e da (in)constitucionalidade da Súmula 231 do
Superior Tribunal de Justiça e do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o
tema e, verificar se as atenuantes devem ser aplicadas durante o processo de
dosimetria da pena.
O maior problema para essa pesquisa, se deu pelo fato de que, em razão do
julgamento do Supremo Tribunal Federal, o tema não é privilegiado por muitas
doutrinas, dessa forma, engessando novos debates – em que pese com argumentos
plausíveis - acerca do tema.
Antes de discutir sobre a problemática, optou-se por trazer conceitos de pena,
os seus fundamentos, os tipos de sanções que são vedadas pela Constituição
Federal, assim como quais constam na Carta Magna e, os três tipos penais – privativa
de liberdade, restritiva de direitos e multa - constantes no art. 32 do Código Penal.
Em segundo momento, focou-se na aplicação da pena, a importância de sua
individualização, dado que cada caso deve ser analisado singularmente, dessa forma,
respeitando a dignidade da pessoa humana. Em seguida, abordou-se o procedimento
do cálculo da pena pelo sistema trifásico, discorrendo as três fases, dando ênfase na
segunda, considerando que é nesta fase que se aplicam as atenuantes.
Por fim, no último capítulo estudou-se o enunciado da Súmula 231 do Superior
Tribunal de Justiça, bem como julgamento do Supremo Tribunal Federal que tratou da
(in)constitucionalidade da aplicação da pena aquém do mínimo legal e os seus
fundamentos, para em seguida apresentar uma corrente doutrinária que acredita na
inconstitucionalidade da vedação dessa possibilidade, apesar da decisão do
Supremo.
Após essa conceituação foi possível responder à problematização proposta no
presente trabalho, respondendo o que é a pena, as suas funções e fundamentos, bem
como funciona o sistema trifásico de sua aplicação e em quais princípios se ampara.
Considerando que a pena pressupõe a prática de uma conduta típica e
antijurídica, variando, entretanto, a incidência de uma ou outra, conforme constatada
ou ausente a culpabilidade do agente, a imposição de pena, enquanto consequência
jurídica do fato, legitima-se diante da culpabilidade. Sob esta ótica, a reprimenda do
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delito praticado deve ser proporcional à culpabilidade, de forma que seja suficiente
para a reprovação e prevenção do crime.
Nesse raciocínio, como visto durante o trabalho, ao calcular a pena leva-se em
consideração diversos fatores, divididos em etapas, para aumentar ou diminuir a
reprimenda. Se o réu faz jus a atenuante, não poderá ter a punição justa e proporcional
aplicada ao argumento de que a pena não pode ultrapassar os limites legais
estipulados na cominação da lei?
Sob a ótica dos princípios constitucionais e do direito penal, verificou-se que a
impossibilidade do reconhecimento das atenuantes - quando presentes - na aplicação
da penalidade, mesmo que quando aplicada a quantidade de pena seja inferior ao
mínimo legal, fere os princípios da individualização da pena, legalidade,
proporcionalidade e culpabilidade.
Além do mais, o juiz é revestido do poder discricionário, o poder de escolher
dentro de certos limites, a providência que adotará, em face de determinada situação
não regulada expressamente pela lei. Ou seja, a redação do art. 65 do Código Penal
não traz limites expressos sobre a impossibilidade da redução da pena abaixo do
mínimo legal, pelo contrário, traz na redação a palavra “sempre” atenuam a pena.
Nessa senda, assevera-se que o entendimento da vedação das circunstâncias
atenuantes não podem abaixar a pena do mínimo legal na segunda fase dosimétrica,
resta inapropriado ao Código Penal atual, porquanto essa proibição baseou-se no art.
48 do Código anterior a reforma penal, dada pela Lei nº 7.209 de 1984, ou seja,
fundamenta-se na legislação não mais em vigência.
Essa interpretação – frisa-se que fundamenta decisões atuais – causa
insegurança jurídica, considerando que o poder punitivo do Estado, deve estar
alinhado com a legalidade, afastando a imprevisibilidade no que concerne ao controle
formal legal que a sociedade se encontra submetida. Desse modo, se o Código Penal
em vigor não delimita o mínimo de sanção que deve ser aplicada na segunda fase do
sistema trifásico, isto é, não condiciona a sua incidência a esse limite, bem como
levando em conta os princípios apresentados, não há fundamentos constitucionais
que possam a coibir.
Assim, o Estado Democrático de Direito deve proporcionar segurança, certeza
e estabilidade aos indivíduos, para tanto, é necessário respeitar o caráter inviolável
da dignidade da pessoa humana, o Estado-juiz deve reconhecer e ponderar as
circunstâncias individuais que são significativas para a determinação da pena
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concreta, a fim de aplicar-se a punição justa, ou seja, não pode a reprimenda ser
superior à culpa do agente, deve ser proporcional ou adequada ao desvalor da ação
praticada.
Nesse sentido, destaca-se que não há perda de finalidade intimidativa na pena
atenuada pelo reconhecimento das circunstâncias do caso, isto é, a aplicação das
atenuantes previstas na segunda fase, não podem ser interpretadas como falta de
justiça ou como a ausência do poder estatal. Pelo contrário, há o respeito pelo direito
público subjetivo do condenado à punição justa, legal e individualizada.
Frente todos os apontamentos mencionados não restam dúvidas que a
proibição fere os princípios citados. Apesar da decisão do Supremo, ainda há muito
estudo a ser feito quanto a aplicação das atenuantes.
Infelizmente, grande parte da doutrina dominante, acompanha, o entendimento
contido na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça e no julgamento do Supremo
Tribunal Federal que gerou repercussão geral, evitando a visão garantista ao
processo de aplicação da pena, que visa dar ao acusado o respeito e a efetividade de
seus direitos fundamentais pelo Estado-juiz, algo que, desafortunadamente, não vem
acontecendo, já que o Judiciário, ao impedir a aplicação das atenuantes abaixo do
mínimo legal, tem violado os direitos e liberdades individuais do réu.
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REFERÊNCIAS
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Método, 2018. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. v. 1. E-book BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 08 jun. 2021
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília,
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Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 08 jun. 2021
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Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 08 jun. 2021.
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e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 08 jun. 2021.
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56
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