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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
A CORREÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL EM
LÍNGUA FALADA
Monique GANASIN- UEM1
Introdução
As aulas de ensino superior podem ser consideradas elocuções formais, uma vez
que os papéis e a posse do turno são fixados previamente, havendo poucas marcas de
interação. Além disso, esses textos também têm um início bem marcado com a
apresentação dos objetivos da aula ou do trabalho, bem como um encerramento no qual os
objetivos da aula seguinte são antecipados. Outra característica a ser destacada é o fato de
poderem ser encontrados marcadores “meta-pedagógicos” como certo? e de referência ao
saber já internalizado pelos alunos ou pela. Assim, pretende-se investigar as manifestações
e as funções exercidas pela correção enquanto estratégia de construção textual em
elocuções formais no corpus do Funcpar (Grupo de Pesquisas Funcionalistas do Norte/
Noroeste do Paraná).
A concepção de língua falada que embasa o trabalho (uma vez que o corpus é
constituído de textos orais) não concebe fala e escrita como modalidades estanques,
antagônicas, mas em um contínuo tipológico. Um equívoco cometido por muitas pesquisas
que tratam da relação entre a fala e a escrita é conceber as duas modalidades como
antagônicas. O planejamento do discurso mostra que a fala e a escrita podem, na verdade,
representar um contínuo, sendo que há quatro níveis de planejamento: discurso falado não
planejado, discurso falado planejado, discurso escrito não planejado e discurso escrito
planejado. Outro equívoco cometido por muitos pesquisadores a respeito da relação
fala/escrita é analisar textos de tipos diferentes e atribuir as diferenças encontradas à
modalidade de língua. Escolhe-se um texto oral de um determinado tipo e um texto escrito
1 Graduanda e bolsista CNPq em iniciação científica (PIBIC).
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de um tipo diferente e muitas das diferenças que surgem, nesse caso, são originadas pelas
diferenças nos tipos de texto. Neste trabalho, para evitar esse problema, são utilizados
textos de um mesmo tipo, mas nas modalidades oral e escrita.
Além disso, a modalidade oral e a modalidade escrita utilizam um mesmo sistema,
mas diferem no que diz respeito aos métodos de produção, transmissão, recepção e de
estruturas de organização. Na fala não planejada previamente, a produção em se fazendo do
texto oral leva à fragmentação (CHAFE, 1985) e a descontinuidades no fluxo discursivo
(KOCH, 2006), motivo pelo qual essa modalidade é muitas vezes vista de forma
estigmatizada quando analisada à luz da teoria gramatical que se desenvolveu a partir da
escrita. Ainda, pressões de ordem pragmática levam o falante, na fala não planejada
previamente, a “sacrificar a sintaxe em prol das necessidades de interação” (p. 46). Em
decorrência disso, encontram-se no texto falado falsos começos, truncamentos, correções,
hesitações, inserções parentéticas, repetições e paráfrases, que funcionam, na maioria das
vezes, como estratégias de construção do texto falado, “servindo a funções cognitivo-
textuais de grande relevância” (KOCH, 2006, p. 46).
A correção, objeto de estudo deste trabalho, apresenta inúmeras finalidades, como,
por exemplo, “busca de cooperação, intercompreensão, estabelecimento de relações de
envolvimento entre os interlocutores, orientação do foco de atenção para pontos específicos
do que está sendo dito.” (Fávero et al, 2006).
1. Relação Fala – Escrita
Conforme afirma Koch (2006), ao estudarmos o texto falado, temos de levar em
consideração, primeiramente, dois aspectos: o fato de serem falados e as possibilidades de
sua formulação. Quando produzido em situação face a face, o texto falado favorece a troca
dinâmica de turnos na interação, sendo que quanto maior for essa alternância, maior será a
dialogicidade, tendo como exemplo padrão a conversação. Porém, dependendo da situação,
mesmo sendo face a face, essa dialogicidade pode ser menor, por exemplo, em casos que o
turno é monopolizado por um dos interlocutores. Assim, a dialogicidade,
independentemente do grau em que ocorre, é característica prototípica da interação, sendo,
também, característica de todo texto. Koch (2006) defende que a primeira distinção a se
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fazer entre o texto falado e o texto escrito é a forma como essa co-produção entre
interlocutores (o texto) é realizada. O texto escrito considera o outro para o qual se escreve,
sem haver participação direta e ativa deste na produção linguística do texto e,
consequentemente, são inexistentes as marcas explícitas de interação verbal. Neste caso, a
dialogicidade é vista como “ideal”, em que o escritor desenvolve o papel que lhe cabe de
escritor do texto e, também, a posição de leitor. No texto falado, pelo fato de os
interlocutores estarem presentes, sucede uma interlocução ativa, tendo como resultado uma
produção verbal conjunta, de co-autoria e com marcas linguísticas.
Apesar das características e diferenças colocadas, a fala e a escrita não devem,
necessariamente, serem vistas como modalidades estanques, é o que postula Marcuschi
(1995) apud Koch (2006) ao dizer que “As diferenças entre fala e escrita se dão dentro do
continuum tipológico das práticas sociais e não na relação dicotômica de dois polos
opostos”, ou seja, as práticas sociais de produção textual colocam-se dentro de um contínuo
tipológico, sendo que em uma extremidade se situa a escrita formal e, em outra, a
conversação. Na prática, podemos evidenciar que existem textos escritos que se aproximam
mais de uma modalidade oral (cartas pessoais, bilhetes etc), assim como textos falados mais
próximos da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais etc), e tendo, ainda tipos
mistos e intermediários. Embora isso aconteça, Koch (2006) deixa evidente que existem
características próprias da fala, entre as quais: o não planejamento, isto é, durante a
interação, a cada novo acontecimento da linguagem, a fala deve ser planejada e
replanejada; o fato de estar “se fazendo”, ou seja, no texto falado, o planejamento e a
verbalização acontecem simultaneamente; o fluxo discursivo apresenta momentos de
descontinuidade, causados por diversos fatores de ordem cognitivo-interacional,
justificados pela pragmática; uma sintaxe distinta, porém baseada ainda na sintaxe geral da
língua; resultado dinâmico de um processo, isto é, acontece de fato, sem ficar apenas na
imaginação.
Sobre o conceito de continuum tipológico, não se poderia afirmar que a fala é
contextualizada, implícita, concreta, redundante, não planejada, imprecisa e fragmentada.
Em oposição à escrita que seria descontextualizada, explícita, abstrata, condensada,
planejada, precisa e integrada, pois, de modo geral, essa forma dicotômica de análise da
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linguagem não é fundada nas condições empíricas do seu uso, mas em posições ideológicas
e formais. MARCUSCHI (2000), o que foi considerado como uma visão não muito
coerente de se adotar perante a fala e a escrita porque as relações que se estabelecem entre
esta e aquela não são previsíveis, ao passo que refletem o dinamismo da língua em
funcionamento.
Além desses traços, Koch (2006) ainda acrescenta que, como os interlocutores se
empenham na produção do texto, podem ocorrer pressões de ordem pragmática, as quais
levam o falantes a “desviar” as normas de sintaxe, a fim de cumprir melhor seu papel na
interação, como notamos as marcas de falsos começos, correções, hesitações, truncamentos
etc. E ainda saliente que o texto falado tem uma estrutura própria, que se molda conforme
as circunstâncias sociocognitivas de sua produção. Ainda, como acrescenta Neves (2001),
tanto a língua falada, quanto a escrita apresentam as mesmas regularidades e a mesma
gramática. Além disso, a língua falada responde a um processamento das estruturas
disponíveis da língua. Tanto o enunciado oral, como o escrito, constroem-se com
predicações, entre as quais se estabelecem conjunções, levando à própria coerência textual.
Ainda sobre os aspectos de língua falada, Rodrigues (1993) afirma que o ambiente
que acontece o evento de fala é denominado extralinguístico, pois acontece em uma
situação específica, que envolve, inclusive participantes com características individuais e
possíveis laços que os unam. A conversação se dá em uma interação verbal centrada, com
dois ou mais interlocutores, que voltam sua atenção e trocam ideias sobre um determinado
assunto. Marcuschi (1986) apud Rodrigues (1993) verifica que, ainda que tenhamos alguns
dados e características sobre os interlocutores, os dados paralinguísticos, são privados, são
eles: expressão facial, gestos, olhares, movimentos do corpo, ou seja, elementos que
auxiliam a montagem do contexto situacional da conversação. Além desses, são
fundamentais dados relativos ao falantes, como idade, sexo, naturalidade, nível de
escolaridade.
Quanto à questão do planejamento e não-planejamento do discurso, Ochs (1979)
apud Rodrigues (1993) considera que há quatro níveis de planejamento: falado não
planejado, falado planejado, escrito não planejado, escrito planejado. No geral, a língua
falada tende a um não planejamento, ou, ainda, é planejada localmente e, como esse
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discurso é resultado de uma interação, o planejamento e o próprio discurso se realizam num
eixo temporal de forma concomitante. A ideia de não planejamento pode ser associada ao
que Chafe (1979) apud Rodrigues (1993) denomina de fragmentação, que pode ser
entendida ao saber que a língua falada é produzida aos jatos, que são as unidades de ideia,
com um contorno entonacional típico e limitadas por pausa, ou seja, quando falamos,
produzimos uma ideia por vez, sendo que cada ideia, na fala, tende a ser menos longa e
complexa que na escrita.
Dessa forma, a língua escrita não pode ser considerada como uma simples forma de
se transcrever a fala nem a fala uma simples oralização do texto escrito, pois como afirma
Chafe (1994), fala e escrita têm manifestações físicas distintas: na fala, a manifestação é
por meio de sons, e, na escrita, por meio do registro gráfico. A língua falada seria
constituída de um processo de produção de textos orais que acontece simultaneamente com
seu planejamento, isto é, concebe-se no decorrer da interação conversacional, face a face,
entre os falantes em um contexto específico. Tal processo de produção de textos tende a ser
não planejado, pois este e a sua realização discursiva são concomitantes, tendo como
consequências algumas marcas na produção do texto falado, como a hesitação, por
exemplo.
2. Elocução Formal
As aulas de curso superior – elocuções formais não marcam ocorrências de
interações, pois, como afirma KOCH (2006, p.391), “o professor detém o poder da palavra
e produz um discurso praticamente monólogo”, ou seja, nas elocuções formais não há
possibilidade simétrica de troca de turno: o professor, na posse do turno, busca transpor os
conteúdos de forma bastante coesa, munido, para tal, de estratégias de retextualização como
a correção, a repetição, a paráfrase e a inserção parentética. Porém, nos momentos em que
se apresentaram trocas de turnos no corpus, elas evidenciavam-se por serem intervenções
na forma de perguntas ou reinterações.
Mehan (1985) aborda que a elocução formal se organiza por meio de uma estrutura
interna composta pelo trabalho profissional do professor com os alunos. Essa estrutura é
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composta por troca de informações acadêmicas nas unidades de interação, chamadas de
“sequências de elicitação”, ou melhor, de elucidação. Essa sequência é composta por três
partes: iniciação, resposta e avaliação. A iniciação-resposta é o primeiro par que ocorre,
sendo que é a primeira parte da segunda fase, que é a avaliação. A organização das
sequências de interação são organizadas em tópicos, tendo como resultado a fase de
instrução da sala de aula lição caracterizada como uma progressão de conjuntos de
sequências de interação topicamente relacionados. Em alguns casos, a discussão do tema
termina com a conclusão dessa sequência básica. Já em outros casos, o professor e os
alunos expandem o tópico básico com uma série de sequências condicionais, progredindo
por meio desses conjuntos relacionados topicamente de forma sistemática. Há uma
organização sequencial e hierárquica completa do evento em sala de aula, formulada como
uma lição por parte dos participantes e pesquisadores (MEHAN, 1985).
3. Correção
Conforme afirmam Fávero et al (2006), a estratégia de correção tem o papel de
produzir um enunciado linguístico que reformula um anterior, que foi considerado “errado”
na opinião de um dos interlocutores. Assim, se dá uma formulação retrospectiva, sendo que
há um EF (enunciado-fonte) reformulado por um ER (enunciado-reformulador).
(1) .. e além disso o paciente .. ele tem u::m/ ele cumpre me/ melhor a
terapêutica,
.. ele se compromete melhor com a terapêutica,
Percebe-se, por meio do exemplo (1), que o falante reformula seu enunciado-fonte
“ele tem um” por um enunciado-reformulador “ele cumpre melhor a terapêutica”, pois julga
o primeiro como inadequado.
Segundo Fávero et al (2006), a correção pode ser facilmente confundida com a
paráfrase, pois, para alguns autores, a correção, na verdade, não é vista como um erro, mas
como uma substituição de um termo por outro mais adequado. Embora não se possa
evidenciar limites entre essas duas relações, é importante destacar que ambas são
estratégias diferentes, usadas com diversos propósitos comunicativos. Na correção, os
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interlocutores objetivam apagar o EF (enunciado-fonte), por considerá-lo inadequado e,
assim, é substituído pelo ER (enunciado-reformulador), enquanto que na paráfrase o EF
representa a fonte para os movimentos semânticos de especificação ou generalização,
expressos pelo ER, ou seja, é necessária uma equivalência semântica entre EF e ER para
que haja a paráfrase, sendo que na correção pode ou não haver essa equivalência. Além da
paráfrase, é necessário destacar, também, algumas diferenças entre correção e hesitação,
sendo que ambas apontam que há problemas na formulação. O que as difere é que,
enquanto a correção soluciona um problema de formulação de forma retrospectiva, a
hesitação é produzida prospectivamente. Outra forma de detectar essa diferença é notando
que a ocorrência de hesitação se dá na interrupção de um fluxo informacional, causada pela
dificuldade de seleção de um ou mais termos do enunciado, sendo que na correção essa
seleção inadequada já se efetivou, porém, é necessário reformulá-lo.
Para Fávero et al (2006), há dois tipos de correção: a retificação e a infirmação. A
primeira anula, invalida o enunciado-fonte, e a segunda corrige parcialmente o enunciado-
fonte, ampliando-o.
(2) .. e daí observou/ficou observando,
(3) .. porque ele não pegou/ .. porque:: os microorganismos não saíam desse caldo,
.. vinham sim do ar.
No exemplo (2) há uma retificação, em que o professor corrige parcialmente o
enunciado-fonte, sem muita mudança semântica, pois nota-se que ele apensa corrige a
flexão verbal, sem mudar muito o sentido do que queria expressar. Já em (3), há uma
ocorrência de infirmação, na qual o locutor anula o enunciado-fonte e o substitui
completamente pelo enunciado-reformulador, percebendo-se que há uma diferença
semântica entre as informações.
Considerando quem teve a iniciativa da correção e quem a processa, podemos ter:
Autocorreções autoiniciadas, autocorreções heteroiniciadas e heterocorreções autoiniciadas.
A primeira é processada pelo próprio falante e pode ocorrer no mesmo turno ou em turno
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diferente. Geralmente, ocorre no mesmo turno e na mesma frase, pelo fato de o falante ter
pressa em corrigir-se para não perder o turno e a oportunidade de “corrigir” seu enunciado.
(4) .. de um lado tava o MST não tava?
... do outro lado tinha quem?
... os capre/ o::s pistoleiros .. da fazenda.
O exemplo (4) mostra o falante se autocorrigindo sob o aspecto lexical, ou seja,
produziu um enunciado-fonte selecionando um termo que considera inadequado e depois
reformula e troca esse termo “inadequado” por outro.
Na autocorreção heteroiniciada2, o interlocutor nega a informação do locutor, que a
corrige posteriormente. Já a heterocorreção autoiniciada3 é a que o falante inicia a correção,
mas que é efetivada somente por seu interlocutor.
A correção pode ser evidenciada pelos seguintes aspectos linguísticos: fonético-
fonológico, lexical e morfossintático. Além desses há, também, o aspecto enunciativo.
(5) .. se:: eu agora fizer essa:: ou/ o valor aqui/ da/ do dos coeficientes a b c d e é i ..
né,
.. eu vou ter que fazer a derivada primeira e segunda,
No exemplo (5), há ocorrência de correção em aspecto fonético-fonológico.
Percebe-se que o falante comete um erro de pronúncia da preposição e, logo em seguida, a
corrige.
(6) .. então .. eu posso absorver na superfície da partícula í::ons,
.. repe/ fazendo com que a repelência das partículas .. que vão ter carga de
mesmo sinal aconteça,
Em (6), a correção ocorre em um aspecto lexical, sendo que o locutor teria
selecionado um outro termo (provavelmente, a palavra repelindo), mas reformula seu
enunciado antes mesmo de terminar de pronunciar a palavra e a substitui por outra que
julga mais adequada para sua explicação.
2 No corpus, não foram encontradas ocorrências de autocorreção autoiniciada.
3 No corpus, não foram encontradas ocorrências de heterocorreção autoiniciada.
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(7) ... entÃO HOje nós vamos/eu vou estar passando para vocês ... éh:: o relatório
que vai ter que ser FEIto,
Há uma ocorrência de correção em aspecto morfossintático no exemplo (7), no qual
o falante produz um enunciado-fonte, primeiramente com o sujeito da oração “nós vamos”,
porém corrige, posteriormente, pelo sujeito “eu vou”. A correção no aspecto
morfossintático também pode se dá pela concordância, regência, entre outros.
(8) .. então.. é-um-é,
.. eu acho um absurdo,
No exemplo (8), a correção se dá por meio de um aspecto enunciativo, em que o
falante imprime um caráter de subjetividade em seu enunciado-reformulador. O locutor, ao
perceber que iria cometer um erro ao dizer que tal fato era um absurdo, reformula seu
enunciado, colocando uma marca de opinião.
Além da relação semântica que distingue o enunciado-fonte do enunciado-
reformulador, a correção também se estabelece por meio de marcas, as quais podem ser
denominadas de marcas prosódicas e marcadores discursivos.
As marcas prosódicas são as que tem natureza multifuncional e se articulam em
instâncias extralinguísticas – marcas não-verbais, que podem ser entendidas como gestos,
risos, o olhar, entre outros. As marcas prosódicas mais frequentes são as pausas,
prolongamentos de vogais, interrupção lexical, entre outros. Conforme afirma Barros
(1993), esses procedimentos têm como papel na produção do falante de marcar suas
dúvidas ou dificuldades em relação a seu discurso e, além disso, certificam-lhe um tempo
necessário para a reformulação do enunciado.
(9) .. então esquece x ao quadrado,
.. então quem vai ser/ quem vai/ quem/ quem são as raízes?
.. mais ou menos cinco i.
O exemplo (9) mostra a correção sendo evidenciada por meio de marcas prosódicas.
Além da marca de truncamento da fala (marcado pela barra na transcrição), há marcas,
também, de repetição, muito frequentes quando o falante tenta ganhar tempo para
reformular. Já no exemplo (10), além da repetição, há uma marca prosódica com
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interrupção lexical, ou seja, o locutor, não chega a pronunciar a palavra inteira e já
reformula.
(10) .. NÃO .. eles vieram ju::nto com .. asteró::ides,
.. meteorio/me/meteo/meteo::ros .. que caíram na Terra.
A correção também pode ser marcada por meio de marcadores discursivos, que
podem, além disso, marcar qual tipo de correção está ocorrendo (infirmação ou retificação)
Os exemplos (11) e (12) mostram a correção sendo marcada por marcadores discursivos.
(11) .... sempre então que nós tivermos uma suspensão farmacêutica,
.. o sólido insolúvel em um líquido,
.. o líquido vai se espalhar pelo/
[desculpa],
.. o sólido .. vai entrar em contato com o líquido,
Nesse caso, o falante reformula seu enunciado marcando que houve um equívoco e
antecipando que fará uma correção por meio do marcador discursivo desculpa. Nota-se que
há uma infirmação, pois o enunciado-reformulador não tem relação semântica com o
enunciado-fonte, são informações contrárias.
(12) .. qual que é a diferença entre a pecuária intensiva e a pecuária extensiva?
.. pessoal detalhe,
.. pecuária intensiva/ perdão .. pecuária extensiva .. o gado por exemplo,
Em (12), o falante marca sua correção por meio da palavra perdão, o que evidencia
que houve um erro e que o mesmo será reparado. Nesse caso, a correção se deu num
aspecto lexical, na troca das palavras “intensiva” por “extensiva”.
Além desses marcadores, os mais comuns também são: quer dizer, bom, aliás, ah
bom, não, digamos assim, ou melhor, em outras palavras, entre outros.
Considerações finais
A correção como estratégia de construção textual em língua falada desempenha
funções interacionais de cooperação, intercompreensão, estabelecimento de relações de
envolvimento entre interlocutores e orientação de foco. Quanto ás ocorrências analisadas,
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percebe-se que há uma forte tendência de reformular enunciados afim de se expressar de
um modo diferente. Essa estratégia de reformulação é produto de um planejamento local,
sendo que se manifesta apenas na oralidade, mas não de forma aleatória, visto que o falante
sempre procurar se expressar de forma que garanta a intercompreensão. Portanto, as
correções desempenham um papel muito interativo e colaborativo, colocando-se como um
mecanismo dinâmico em relação à língua falada, porém é possível que haja eventos sem a
efetivação da correção. Ainda é possível concluir que a correção produz efeitos de
relacionamento afetivo e emocional que têm, por sua vez, papel importante na organização
geral do texto e na construção de seus sentidos, podendo funcionar como elementos de
persuasão que devem ser interpretados.
Referências
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AQUINO, Zilda Gaspar Oliveira de (2006). Correção. In: JUBRAN, Clélia Cândida
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