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229 Pro-Posições, v. 18, n. 1 (52) - jan./abr. 2007 A Dança Moderna Márcia Strazzacappa * Apresentação O livro A dança moderna foi originalmente publicado em 1933 pela Princeton Book Company, reunindo, numa só obra, quatro conferências sobre a dança, ana- lisada sob uma perspectiva filosófica, proferidas por John Martin na New School for Social Research em New York em 1931 e 1932. John Martin é considerado o primeiro (e polêmico) crítico americano de dança moderna e esta sua publicação, segundo seu editor, “talvez a primeira tentativa de se analisar a dança moderna americana”. Embora datada da década de 1930, a discussão que John Martin faz sobre os “princípios e conflitos de uma então intitulada dança moderna” continua muito atual e pertinente, demonstrando que a importância da publicação da tradução vai além de seu valor como documento histórico. No final do século passado, a obra passou a ser considerada de domínio públi- co e atualmente está disponível para compra pela internet na Adobe Reader eBook, em sua língua original. A publicação presente na Pro-Posições representa a primei- ra tradução para a língua portuguesa de um texto de John Martin. Num projeto que se iniciou ainda nos anos 1990, a tradução de Rogério Migliorini, profissional graduado em dança pela Unicamp, foi originalmente re- vista pelo professor e pesquisador José Antonio Lima. Entre contatos com a famí- lia do autor para adquirir os direitos de tradução e vários percalços profissionais, o projeto chegou a ser abandonado. A ampliação dos cursos superiores de dança no país; a crescente discussão sobre o ensino de dança – principalmente em projetos do terceiro setor; o aumento de pesquisas e de publicações na área de dança, entre outros fatores, reacenderam a vontade e confirmaram a importância de se concre- tizar o projeto. * Professora do Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte (Delart) e membro do Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação (Laborarte) da FE – Unicamp.

A Dança Moderna

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    Pro-Posies, v. 18, n. 1 (52) - jan./abr. 2007

    A Dana Moderna

    Mrcia Strazzacappa*

    Apresentao

    O livro A dana moderna foi originalmente publicado em 1933 pela PrincetonBook Company, reunindo, numa s obra, quatro conferncias sobre a dana, ana-lisada sob uma perspectiva filosfica, proferidas por John Martin na New Schoolfor Social Research em New York em 1931 e 1932. John Martin considerado oprimeiro (e polmico) crtico americano de dana moderna e esta sua publicao,segundo seu editor, talvez a primeira tentativa de se analisar a dana modernaamericana.

    Embora datada da dcada de 1930, a discusso que John Martin faz sobre osprincpios e conflitos de uma ento intitulada dana moderna continua muitoatual e pertinente, demonstrando que a importncia da publicao da traduovai alm de seu valor como documento histrico.

    No final do sculo passado, a obra passou a ser considerada de domnio pbli-co e atualmente est disponvel para compra pela internet na Adobe Reader eBook,em sua lngua original. A publicao presente na Pro-Posies representa a primei-ra traduo para a lngua portuguesa de um texto de John Martin.

    Num projeto que se iniciou ainda nos anos 1990, a traduo de RogrioMigliorini, profissional graduado em dana pela Unicamp, foi originalmente re-vista pelo professor e pesquisador Jos Antonio Lima. Entre contatos com a fam-lia do autor para adquirir os direitos de traduo e vrios percalos profissionais, oprojeto chegou a ser abandonado. A ampliao dos cursos superiores de dana nopas; a crescente discusso sobre o ensino de dana principalmente em projetosdo terceiro setor; o aumento de pesquisas e de publicaes na rea de dana, entreoutros fatores, reacenderam a vontade e confirmaram a importncia de se concre-tizar o projeto.

    * Professora do Departamento de Educao, Conhecimento, Linguagem e Arte (Delart) e membrodo Laboratrio de Estudos sobre Arte, Corpo e Educao (Laborarte) da FE Unicamp.

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    Desta forma, a traduo e a publicao de A Dana Moderna de John Martinvm contribuir no apenas para a divulgao dos pensamentos deste crtico dedana norte-americano, mas tambm para as pesquisas na rea de dana, de arte ede educao.

    A obra dividida em quatro partes. No presente nmero da Revista Pro-Posi-es, apresentamos as duas primeiras, seguindo a ordem proposta no texto origi-nal: Caractersticas da Dana Moderna e Forma. As partes subseqentes, quais se-jam, Tcnica e A dana e outras artes, estaro presentes no prximo nmero daRevista.

    = = =

    A Dana Moderna1

    John Martin (1930)

    Parte I. Caractersticas da dana moderna

    I Introduo

    A dana passou a ser reconhecida como forma de arte apenas recentemente, eainda resta uma confuso considervel a esse respeito, tanto na mente do pblico,como na classe dos bailarinos. No h qualquer literatura em ingls sobre dana,a no ser sobre aquela que trata das formas antigas j abandonadas pelos artistas devanguarda; assim, os espetculos propriamente ditos, so a nica fonte de luzsobre o assunto, e em ltima anlise, esta , certamente, a nica fonte confivel,pois toda teoria, para ser mais que uma hiptese, dever partir da prtica dosmelhores artistas. Entretanto, mesmo o espectador mais receptivo encontrar difi-culdades para determinar as bases da dana moderna, dada a impossibilidade dedefinir precisamente qualquer ponto de semelhana entre os espetculos de doisartistas. A confuso deste espectador ser, com certeza, agravada pela negligncia,ignorncia e mesmo pela hostilidade da maioria dos crticos de msica que, sempreparao alguma e com menos dedicao ainda, prope-se a escrever critica-mente sobre dana nos jornais.

    Em um passado relativamente recente, entendia-se por dana o bal, e porbal, o ballet daction. Este era constitudo de um arremedo de enredo entremeadopor nmeros coreogrficos, da mesma forma que a comdia musical entremeadapor canes. Essa classe de representao inseria-se na categoria das produesteatrais e era julgada pelos crticos de teatro. Quando Isadora Duncan e o movi-mento romntico surgiram, dando nfase bem maior msica que ao drama, a

    1. Traduo de Rogrio Migliorini. Reviso tcnica: Mrcia Strazzacappa

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    dana como acompanhamento coreogrfico tornou-se assunto dos crticos demsica. Com o desenvolvimento da dana moderna, em que a dana o princi-pal, e msica e enredo so por vezes secundrios, a confuso impera. Desfazer toefetivamente quanto possvel essa confuso o objetivo destas pginas.

    Apesar de existirem tantos mtodos e sistemas de dana moderna quanto bai-larinos, h alguns princpios e propsitos comuns, subjacentes a todos. Iremosaqui isol-los e examin-los cuidadosamente. preciso notar, uma vez mais, queessas dedues tericas so baseadas no apenas em alguma idia preconcebida aser comprovada, mas tambm sobre a prtica dos principais artistas da atualidade,tanto americanos quanto europeus.

    Consideremos, em primeiro lugar, as caractersticas distintas da dana moder-na em que consiste e como se diferencia dos outros tipos de dana; da, seremoslevados a uma considerao sobre sua forma, a relao existente entre esta e asoutras artes.

    II Moderna versus clssica e romntica

    O termo dana moderna obviamente inadequado. No sinnimo de dan-a contempornea, porque de modo algum a engloba. um termo exato apenastemporariamente, uma vez que no futuro, quando um tipo mais avanado dedana houver surgido, ser impossvel referir-se dana atual como moderna.No obstante, em todas as artes, este um termo geral que vem obtendo sucessoem causar desconforto. Cobre uma multiplicidade de ismos menores cubismo,futurismo, dadasmo e, particularmente na dana, expressionismo, absolutismo,criativismo e uma srie de outros. Pretendemos aqui, por um mtodo de elimina-o, definir como dana moderna os tipos de dana que no so nem clssicosnem romnticos. desnecessrio dizer que a dana folclrica e os tipos de danapopular como sapateado e acrobacia esto excludos dessa categoria, no porserem inferiores ou sem valor, mas porque no cabem dentro da definio dadana como belas artes.

    A dana clssica foi construda sobre formas arbitrrias, tradicionais e fixas. Osromnticos rebelaram-se contra o esteticismo frio deste sistema, substituindo todoo formalismo pela livre expresso pessoal da experincia emocional. Uma vez queambas as escolas continuam a ser amplamente praticadas e, uma vez que, em certosentido, a dana moderna surgiu como oposio a elas, ser necessria uma brevepausa para um exame geral das suas caractersticas.

    A dana clssica tem um vocabulrio fixo de movimento que, para efeito deperfeio, deve ser executado segundo uma maneira prescrita. A caracterstica pre-dominante de seus movimentos ou mais exatamente de suas posturas aartificialidade. Estas devem se adequar a padres de desenho especficos, indepen-dentemente das tendncias naturais do corpo e de qualquer relao com a experi-

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    ncia humana. So, no sentido mais exato da palavra, abstratas. Este vocabulrio, de vez em quando, ampliado por contribuies provenientes de bailarinos emi-nentes, exatamente como o vocabulrio literrio , de vez em quando, ampliadopor palavras originais. Contudo, continua a ser um meio limitado em essncia.No nos importa aqui que este seja um meio de grande beleza quando empregadopor um artista genuno, mesmo porque no h meia dzia de artistas de gabaritoque o empregam.

    A dana romntica livrou-se desse vocabulrio restritivo. No estava interessa-da no que ela mesma considerava uma coleo de palavras sem sentido, queriachegar a um significado, a despeito das palavras.

    Para Isadora Duncan, esse sentido deveria ser encontrado na prpria dana,sob a influncia inspiradora da msica romntica. Obviamente que para serobjetivado, este deveria assumir uma forma visvel. Por acaso, esta forma acabousendo quase to limitada quanto a do bal. Continha alguns gestos de pantomi-ma, muitas posies e passos do bal, e fragmentos de poses de dana extradas dacermica grega e da arte oriental. Ruth St.Denis contribuiu imensamente paraesse vocabulrio com elementos de fontes orientais; e percebendo, talvez, a neces-sidade de alguma formalizao, foi em grande parte responsvel pela introduoda forma musical na dana, atribuindo tanto quanto possvel, em suas interpreta-es, configuraes da msica dana.

    A dana clssica propriamente dita foi profundamente afetada por essa revolu-o romntica, atravs das inovaes radicais de Fokine no Bal Imperial Russo,em que ocorreu uma grande liberalizao das formas rgidas das receitas clssicas,motivada pelo desejo de dar dana o calor e a vitalidade da emoo humana.Entretanto, as formas do bal permaneceram como base para o novo mtodo.Portanto, durante todo o movimento romntico que, se interpretado no seusentido estrito, foi surpreendentemente curto no houve descoberta de nenhu-ma forma essencial capaz de expressar o novo esprito. Ao ser derramado em vasosvelhos e desgastados, o vinho novo arrebentou-os e perdeu-se.

    III Movimento como essncia

    A dana moderna surgiu, na verdade, como realizao dos ideais do movimen-to romntico. Indisps-se de modo positivo contra a artificialidade do bal clssi-co, estabelecendo como seu objetivo principal a expresso de um impulso interior,mas tambm reconheceu a necessidade de formas vitais desta expresso, e apreen-deu o valor esttico da forma, em si e por si mesma, como seu complemento. Aolevar adiante este propsito, desvencilhou-se de tudo quanto existia at ento erecomeou do incio.

    Este incio foi a descoberta da verdadeira essncia da dana, a saber, o movi-mento. Este um dos quatro grandes pontos bsicos da dana moderna. Com esta

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    descoberta, a dana tornou-se pela primeira vez uma arte independente, uma arteabsoluta, como se costuma dizer na Alemanha, circunscrita completamente em simesma, relacionada diretamente com a vida, sujeita variedade infinita.

    Antes, o movimento era apenas incidental. Na dana clssica, o que importavaeram as poses, atitudes e a combinao predeterminada destes elementos. O mo-vimento que os unia era irrelevante. Tentava-se de tudo, na realidade, para escon-der a ao muscular e criar a impresso de que o corpo agia movido por algumaenergia externa que eliminava todo o esforo.

    Nas elaboraes romnticas, o centro de interesse era a idia emocional. Estaera comunicada em grande parte pela msica e, em parte, at mesmo por umaconcentrao mental exagerada. claro que isto resultava em movimento, maseste no era visto como a matria da qual a dana era feita. Todavia, parece difcildiscordar de que o germe da nova idia estivesse intrnseco a, e se no fosse odomnio excessivo da msica, este se teria revelado.

    Na dana clssica, um certo sentido surge devido combinao de movimen-tos, como um significado surge da combinao de palavras; mas as palavras so,em essncia, entidades isoladas. Na msica, por outro lado, o resultado obtidono ao ajuntar-se uma sucesso de notas, mas ao criar-se no meio sonoro umasubstncia, que apesar da variao de altura e intensidade, permanece uma entida-de unificada. Da mesma forma, o movimento visto pelo bailarino modernocomo uma entidade unificada, uma substncia. Pode variar nas dimenses doespao, intervalos de tempo, qualidade e intensidade, e ainda permanecer umelemento constante.

    IV O movimento como experincia bsica

    V-se logo a importncia dessa descoberta. O movimento a experincia fsicamais elementar da vida humana.

    No apenas encontrado no movimento funcional e vital do pulso e em todoo corpo, na tarefa de manter-se vivo, mas tambm encontrado na expresso detoda experincia emocional; e , nesse aspecto, que reside o seu valor para o baila-rino. O corpo o espelho do pensamento. Ao nos assustarmos, o corpo reage commovimentos rpidos, curtos e intensos; quando envergonhados, o sangue vai parao rosto e coramos; se abalados, o sangue foge-nos da face e empalidecemos; equando estamos tristes, lgrimas vo para nossos olhos e aparece o que chamamosde um n na garganta. Ao sentirmos qualquer uma dessas experincias, os ms-culos contraem-se ou relaxam-se e todos os membros do corpo so afetados. Estasilustraes so to comuns que dispensam maiores comentrios. O movimentofsico o primeiro efeito normal de qualquer experincia mental ou emocional.At certo ponto, o ator trabalha sobre esta base, quando um bom ator; porque aarte do ator na verdade uma subdiviso da arte do bailarino.

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    Se nos voltarmos para o passado remoto, veremos que os homens primitivosdanavam quando estavam profundamente emocionados. Para o senso comum,danar passou a expressar, de forma geral, a descontrao e a exuberncia do esp-rito e nada mais. Isto no tem o menor fundamento. Em civilizaes anteriores, emesmo atualmente entre povos primitivos, a dana est envolvida em pratica-mente toda experincia importante da vida, tanto dos indivduos, quanto do co-letivo social.

    Existem danas de nascimento, de morte, de passagem para a maioridade, decorte e casamento, de fertilidade, de guerra e pestilncia; danas para exorcizardemnios, danas para curar doenas. Sempre que o homem primitivo entravaem contato com alguma coisa que acontecia sem a sua participao, algo quecontivesse o elemento misterioso e o sobrenatural, danava.

    As aes simples da vida diria, compreensveis dentro da sua razo limitada,no o assombravam; se ele quisesse falar sobre elas poderia expressar-se racional-mente, atravs das palavras. Mas as coisas que transcendiam razo, ele temia,algumas vezes adorava e, sobretudo, sentia-se profundamente tocado por elas.Conseqentemente, no podia racionaliz-las, e se quisesse falar a respeito, nopossua uma linguagem para expressar sentimentos que transcendiam a compre-enso. Assim, ele danava, porque em sua dana ele expressava um sentimentoque no era, de modo algum, individual, mas compartilhado por todos os seussemelhantes. Estes no tinham qualquer dificuldade para entender sua inteno,ou mesmo para participar na dana com ele. No entanto, nenhum deles poderiater-se sentado calmamente e nos dito porque movia seu brao e pernas desta e oudaquela forma, ou qual era o significado da sua dana. Com o tempo, muitasdessas danas tornaram-se tradicionais, e se fssemos suficientemente perspicazes(o que no somos) poderamos encontrar nesses rituais um tesouro inestimvel,pois so na verdade um registro da descoberta da natureza pelo homem.

    Entretanto, poucas delas sobrevivem na atualidade, e as que sobreviveram tor-naram-se muito estereotipadas e no nos oferecem indcios suficientemente signi-ficativos.

    V Expressando o intangvel

    No obstante, esse o esprito que anima a dana moderna. O bailarino mo-derno, claro, no se assombra diante das mesmas coisas que os selvagens. Elepode conversar racionalmente sobre quase qualquer tpico relacionado s aesda natureza; esta foi totalmente reduzida a um enfadonho tagarelar pseudocientficoque ensinado nas escolas. A civilizao, em grande medida, despiu a vida co-mum do seu mistrio e, conseqentemente, eliminou a necessidade de expressar,como fazia o homem primitivo, aquilo que a razo no podia apreender. Mashoje, estamos caminhando cada vez mais profundamente para dentro de regies

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    desconhecidas do pensamento, o que, apesar de no nos abalar tanto quanto anatureza aos selvagens, igualmente impossvel de ser reduzido a termos racio-nais. E sua apreenso dessas experincias mentais e emocionais intangveis que obailarino da atualidade se v obrigado a expressar atravs do meio irracional docorpo.

    O progresso humano sempre seguiu esta ordem. Em primeiro lugar, os artistaspressentem algo desconhecido e inapreensvel e o expressam em uma forma irraci-onal; ento, atravs do contato contnuo com essa expresso, ele, ou outros, come-am a vincular alguma tangibilidade a essa idia e, eventualmente, a mente cien-tfica consegue v-la de forma suficientemente clara para racionaliz-la.

    Portanto, a arte no pode acomodar-se. Assim que houver comunicado certasimagens, dever deslocar-se para outras.

    Pode-se afirmar com segurana que qualquer forma de arte morre enquanto tal,quando traduzida em palavras. (Deve-se, aqui, subentender por palavras, oagente de expresso do factualismo intelectual, e no, absolutamente, a substncia,circunstancialmente denominada pelo mesmo termo, atravs da qual a poesia pro-jeta seu significado.) Isto torna ainda mais surpreendente a questo levantada comtanta freqncia pelo leigo que no sabe de que trata a dana: - O que esta danasignifica? , ele lhe perguntar; e a nica resposta possvel ser algo como: - Meuamigo, se pudesse dizer-lhe qual o significado desta dana, no seria preciso quefulano a danasse. Ele poderia descrev-la para voc com muito mais facilidade.

    VI Empatia muscular

    Isto no faz da dana algo extraordinariamente remoto ou extico. Nenhumaarte pode ser descrita ou explicada. O efeito da dana sobre o espectador d-se porum processo muito simples. Uma dana de carter pantommico consiste de cer-tos movimentos puramente descritivos.

    No h qualquer dificuldade para entender seu significado, porque se tratamde movimentos que freqentemente executamos, ou que podemos facilmente nosimaginar executando-os. No precisamos parar e raciocinar a respeito deles, por-que deduzimos que se a mo se move desta ou daquela maneira, deve ser com estaou aquela inteno. Nossos msculos lembram-se de que sempre que fazemosuma determinada srie de movimentos, obtemos um resultado especfico.

    Agora, o que acontece quando a dana no pantommica, quando seus mo-vimentos no so descritivos? Exatamente a mesma coisa. Por meio da empatiacinestsica, reagimos ao impulso expresso nos movimentos executados pelo baila-rino. Ento, o movimento o vnculo entre a inteno do bailarino e a maneiracomo a percebemos.

    Em certa medida, possvel dizer que nenhum movimento inteiramente nodescritivo pode ser realizado pelo corpo humano. O corpo no pode, em outras

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    palavras, ser levado a fazer nada alm dos seus limites. Mesmo no caso do acrobatae do contorcionista, avaliamos, atravs da empatia muscular, o grau de distoro,a dificuldade dos nmeros apresentados. Conseqentemente, somos levados aexperimentar um sentimento de coragem, habilidade, superioridade, ou algumasvezes, de repulsa pela anormalidade.

    Pergunte a um homem comum nauseado com os nmeros de umcontorcionista, por que est to perturbado. Pea-lhe que lhe explique seu signifi-cado.

    Como ele pode se sentir afetado por algo, cujo significado no pode explicar?Ele no ser capaz de lhe responder, mas talvez o considere um pouco louco, porvoc no poder explicar-lhe porque se emociona at as lgrimas com alguma dan-a que ele tampouco entende.

    VII Metacinese

    Assim, o movimento um meio, em si e por si, para a transferncia de umconceito esttico-emocional da conscincia de um indivduo para a de outro. Estaidia no deveria ser to estranha assim. Filsofos metafsicos, to ou mais antigosque Plato, meditaram sobre ela. Cinese o nome que deram ao movimentofsico; em uma humilde nota de rodap no Websters Dictionary esta fonte tocomum de referncia!2 descobrimos que correlacionado a cinese existe um su-posto acompanhamento psquico denominado metacinese; tal correlao oriun-da da teoria de que o fsico e o psquico so aspectos de uma nica realidadesubjacente.

    No estamos aqui preocupados com teorias metafsicas, e seja qual for a nossacrena, isto faz pouqussima diferena quanto relao em geral entre o fsico e opsquico. Entretanto, extremamente importante percebermos na dana a relaoexistente entre movimento fsico e inteno mental ou psquica, se preferirmos.

    Metacinese talvez seja uma palavra fantstica, mas a nica que o dicionrionos d para ser aplicada a um dos pontos fundamentais da dana moderna.

    Foi dito logo atrs que a descoberta de que o movimento a essncia da dana,assim como o som essncia da msica, foi uma das quatro descobertas impor-tantes da dana moderna. A segunda a descoberta da metacinese. Ninguminventou esta verdade, ela sempre existiu. Ela existia quando o homem primitivoexprimia seu sentimento do mistrio da morte e quando ele incitava toda a triboa um delrio de guerra, liderando-a em um tipo especial de dana. Existia, e erareconhecida em certo grau, nos grandes dias do teatro grego, quando o movimen-to era um trao importante do drama. De fato, o coro trgico grego, que nosmomentos mais intensos da tragdia procurava obter recursos cantando e danan-

    2. Nota do tradutor: Fonte comum de referncia na lngua inglesa.

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    do msicas de grande fervor, estava habituado, como Gilbert Murray3 disse emalgum lugar, a expressar o resduo inexprimvel da emoo que a racionalidade palavras e pantomima no poderiam transmitir. Tambm existia nos dias dobal clssico; sem ela, as platias teriam tanto prazer em assistir a uma bailarinaequilibrar-se nas pontas dos ps desafiando a gravidade, quanto em ver penasflutuando no ar.

    A prpria conscincia da gravidade que os atraa para a terra, fazia-os aplaudiro feito de algum em desafi-la. Mas nenhum uso conscientemente artstico dametacinese foi feito at o surgimento da dana moderna. Existem ainda muitosbailarinos que caoam dela enquanto suas platias fogem rapidamente para aapresentao de seus colegas, que no tm um senso de humor to agudo. Osalemes perceberam seu valor de tal forma, que denominaram seu tipo de danaem geral de expressionista, ou o tipo de dana que expressa atravs do movimen-to os sentimentos do bailarino.

    Por causa desta relao ntima entre movimento e experincia pessoal, tempe-ramento, equipamento mental e emoo, evidentemente impossvel para cadaum ser ensinado a fazer o mesmo tipo de movimento. O ensino ideal de dana,portanto, aquele que treina o estudante a encontrar seu prprio tipo de movi-mento. Rudolf von Laban, terico alemo, subdividiu as pessoas em trs tiposgerais, de acordo com seu estilo de movimento, de forma semelhante como oscantores so divididos em grupos de sopranos, tenores, baixos, etc. Ele chegou aalgumas concluses interessantes, baseadas em uma pesquisa psicolgica e fisiol-gica, sempre tingidas com uma idia de metacinese. Certos indivduos, concluiu,so altos e magros e se movimentam de uma maneira mais ou menos semelhante.

    Estes ele denominou altos. Outros so baixos e atarracados e movimentam-se de uma outra forma. Estes ele chama de baixos. Entre eles existem os mdi-os. Agora, a razo por que se movimentam em um certo estilo no porquesejam de uma certa altura, e sua altura no se deve a seu tipo de movimento.Ambos so resultados de algumas caractersticas pessoais, mentais e psicolgicas.Portanto, esta uma verificao completa da teoria dos metafsicos de que cinesee metacinese so dois aspectos de uma mesma realidade.

    VIII Ampliao de limites

    fcil perceber o que este conceito da metacinese fez para ampliar os limitesda dana. Enquanto a nfase era toda voltada para o desenho, o colorido da danaera excessivamente limitado. Por ser um elemento abstrato, o desenho, no im-

    3. Nota do revisor: Gilbert Murray (1866/1957) psiclogo ingls, professor emrito de Grego naUniversidade de Oxford.

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    porta o quo bem traado e engenhoso seja, jamais poder produzir algo alm doprazer aos olhos, uma satisfao esttica resultante do contato com a perfeio daforma e, talvez, uma certa satisfao cintica oriunda de uma experincia muscu-lar vicria por si mesma.

    Estes ingredientes, obviamente, desgastam-se rapidamente. Quando Noverresurgiu na metade do sculo XVIII, j haviam se desgastado de tal modo, que elemesmo empregou todo seu esforo para restaurar sua essncia perdida.

    Ele acreditava que isto s seria possvel fazendo da dana uma arte imitativacomo o teatro. Quase todos que o procederam aceitaram sua teoria e continuarama campanha da semelhana com a atuao, at que a teoria foi finalmente destrudacom os experimentos dos modernistas, entre eles Serge Diagilev.

    Esta ampliao to necessria foi fornecida por estes inovadores em parte pelaintroduo mais enftica da pantomima. Isso, teoricamente, permitia a expressoda emoo e de toda situao dramtica concebvel que no dependesse de pala-vras. Mas a incoerncia de tal teoria evidente. Tentar expressar idias dramticase experincias pessoais enquanto ficamos com os ps em quinta posio movi-mentando os braos em arcos arbitrrios, parece um absurdo. o mesmo quetentar combinar ornamentao pura com pintura; de modo que o resultado, sen-do pura ornamentao no pintura e vice-versa. Movimentos estereotipadospodem apenas expressar idias de emoo estereotipadas. medida que matizesaltamente individuais e gradaes da emoo pessoal comeam a colorir essesmovimentos, eles perdem sua perfeio clssica e tornam-se dana ruim. Assim oquadro duplamente desfigurado; limitamos a integridade da emoo paraconform-la a um cdigo arbitrrio, enquanto nos desviamos do cdigo arbitrriopara conform-lo nossa integridade emocional.

    Diagilev evidentemente percebeu a falcia desta teoria com muita clareza e ato dia da sua morte trabalhou incessantemente para substitu-la por algo mais sli-do. A glria dos bals russos em 1909 no se deve descoberta de qualquer formafinal, de qualquer regra permanente de procedimento. Foi apenas um passo noavano infinito em que se constitui a histria da arte. Apesar daqueles que insistemque a dana decaiu ininterruptamente desde os dias de Sherazade, Clepatra eO Pssaro de Fogo, Diagilev foi mais sbio. Em suas ltimas produes empre-gou os servios de coregrafos, artistas, msicos, capazes de ajudar na descobertade formas adequadas expresso das novas idias. Seus experimentos nunca atin-giram seu objetivo e muitos permaneceram uma tentativa; podemos apenas con-jeturar quais seriam as possibilidades do seu mtodo de procedimento. Certamen-te valeriam o esforo de novas buscas, se algum artista fosse capaz de empreend-la.

    Entrementes, o bailarino da dana moderna resolveu o enigma ao descartartotalmente a teoria das formas arbitrrias, reconstruindo-a sobre o princpio deque a experincia emocional pode auto-expressar-se diretamente pelo movimen-

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    to. Assim, pela primeira vez, tornou-se possvel a existncia de uma dana criativatrgica, bem como a da lrica e abstrata.

    O teatro tem suas tragdias e suas comdias, a msica est repleta de composi-es trgicas, mas at que Isadora Duncan convenceu o mundo, jamais havia sidovista uma dana trgica, tal qual os gregos e seus antepassados haviam conhecido.Se ela no a criou totalmente, pelo menos anteviu sua possibilidade e fez umesforo glorioso, desregrado e anrquico para atingi-la.

    IX Dana moderna. Um ponto de vista

    A partir desse desejo de exteriorizar experincias pessoais, autnticas, fica evi-dente que o esquema da dana moderna todo voltado para o sentido do indivi-dual e contra a padronizao. Esta a razo por que a dana moderna provavel-mente to confusa ao homem da rua que vai a apresentaes de dana. Ele vai auma, e apesar de ficar desnorteado, em casa pensa que isto tudo e resolve queentendeu seu sentido. No domingo seguinte vai apresentao de outro bailarinos para ver se a teoria que elaborou est certa. Mas este segundo bailarino no fazuma nica coisa igual ao primeiro. O pobre sujeito est totalmente confuso. Seainda tiver coragem suficiente para tentar ir apresentao de um terceiro bailari-no somente pela possibilidade de que alguma conciliao de teorias seja possvel,isto o far ficar ainda mais confuso.

    No obstante, h uma grande semelhana em todo o campo da dana ouseja, no campo da dana moderna, claro. O erro est em procurar um sistemapadronizado, um cdigo tal como o que caracterizou a dana clssica. A danamoderna no um sistema; um ponto de vista. Este ponto de vista vem desen-volvendo-se ao longo dos anos, e no , absolutamente, um desenvolvimento iso-lado. Tem caminhado lado a lado com o desenvolvimento de pontos de vista emoutras reas.

    Ns todos, tenho certeza, estamos cansados de ouvir como a utilizao demquinas est matando tudo que bom na vida e como a arte no poder sobre-viver. So as pessoas que pararam de pensar, quando a querida rainha Vitriasubiu ao trono, que lamentam desta forma, e so elas que consideram a danaatirada sarjeta. Esta uma perspectiva apoiada na inabilidade ou na relutnciaem submeter-se a uma mudana de pensamento. Vrias destas pessoas, de algumaforma, descobrem um meio de chegar em concertos de dana, e se uma coletneade suas observaes, guisa de crticas, forem publicadas em um texto, este setornaria um compndio clssico de informaes incorretas de um dia para o ou-tro. Preciosidades neste sentido surgem quando da primeira apresentao de MaryWigman em qualquer lugar, e as apresentaes de Martha Graham tambm souma fonte rica para isso. Entretanto, no so apenas artistas radicais deste calibreque extraem opinies ex-cathedra dos descontentes, mesmo uma danarina com-

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    parativamente conservadora como La Argentina4 foi acusada de tudo, desde serum homem disfarado, a no ter ritmo.

    X Consideraes prticas acerca do movimento

    At agora temos falado do movimento, principalmente sob um ponto de vistaterico; neste momento, vamos observar seus aspectos prticos. Faz-lo adequada-mente requer, novamente, uma comparao das vrias escolas de dana e quetracemos, atravs delas, a idia central do movimento e seu crescimento.

    Quando primeiramente se sups que a dana possua algo de uma forma tea-tral isto , aps a Antigidade viu-se que ela pouco levava em considerao, selevasse, o movimento do corpo. Os primeiros bals eram criaes quase que exclu-sivas de desenhos de solo. No foi at a Renascena que vimos as primeiras ocor-rncias de um abandono do mtodo ou, melhor dizendo, de um enriquecimentodesse mtodo. Ento, alguma ateno foi dada s configuraes do corpo no espa-o, apesar de que no se pode dizer se muito ou pouca. Esta mudana de atitudeganhou solo gradualmente, talvez em um perodo de dois sculos, at que, final-mente, passou a ser de importncia fundamental no bal do sculo XIX.

    Duas grandes inovaes no movimento que diferenciam o bal de hoje daque-le de todas as outras escolas foram feitas em todos esses anos. Uma foi o giroexterno dos quadris e a outra a elevao nas pontas dos ps. Muitas crticas horro-rizadas feitas por bailarinos que aprovam apenas as, assim chamadas, escolas demovimentos naturais, nivelaram esses dois aparatos tcnicos, mas os dois desen-volvimentos so totalmente consistentes com a teoria de dana que os produziu.

    Precisamos lembrar sempre que eram de importncia fundamental no dese-nho de movimento da dana clssica. O corpo humano na sua posio natural bastante limitado nas suas possibilidades, o que resulta na necessidade de os baila-rinos empreendedores precisarem trabalhar e experimentar constantemente paraaumentar seu alcance. O movimento natural das pernas, por exemplo, somentepara trs e para diante, com uma pequena amplitude para os lados, permitindovariaes. Quando a perna toda gira a partir do quadril, descobrimos que maismovimentos podem ser feitos. Alm disso, posicionando-se os ps em linhas para-lelas, como na quinta posio, possvel fazer movimentos em linha reta para oslados sem interferncia. Portanto, com os quadris rodados para fora, o bailarinopode mover-se com aparente facilidade em qualquer direo, e ainda manter orosto voltado para a platia.

    A vantagem disso para uma arte que era teatral em todos os seus aspectos logo vista.

    4. Nota do revisor: Como era conhecida a danarina flamenca Antonia Merc (1888/1936)

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    A elevao nas pontas dos ps resulta do esforo para aumentar a gama demovimento do bailarino na direo vertical. Saltos so necessariamente de curtadurao e so expresso de um esforo muscular especial. So exemplos de eleva-es temporrias. Mas a permanncia nas pontas dos ps proporciona uma posi-o de elevao mais ou menos permanente, uma posio de imobilidade no ar,por assim dizer. Quanto menor a base na qual o peso se apia, mais eficiente ailuso de suspenso.

    Entretanto, as limitaes do corpo humano nesse sentido foram atingidas hmuito tempo. No chamado adgio do bal atual h um esforo aparente parareduzi-las ainda mais, mas pode-se dizer que o alcance de movimentos do corpofoi totalmente descoberto. sempre perigoso fazer uma afirmao final comoesta, porque atualmente impossvel dizer quando o professor Einstein ou al-gum mais ir acabar com a gravidade ou revelar uma nova dimenso fsica oualgo do tipo. De qualquer forma, at onde podemos ver, atualmente no h nadaque o corpo no tenha adquirido no sentido da liberdade.

    XI Reaes contra a musculao

    Por volta do final do sculo XIX, a dana havia se tornado um assunto umtanto quanto estril. Aps as geraes de esforos feitos nesse sentido, o corpo dobailarino era uma mquina excelente, sem dvida, mas uma mquina que nopodia fabricar nada. Funcionava apenas com o propsito de funcionar. Em resu-mo, o movimento do bailarino era apenas ginstica. Se olharmos novamente paraos sistemas de educao fsica que prevaleceram na poca, descobriremos que erambastante consistentes com os ideais da tcnica de dana. Musculao e fora eramos objetivos de todo exerccio. Todo menino queria ser um Sandow5, e o msculode fundamental importncia era o bceps. Com certeza, muito deste culto aomsculo ainda est em voga. Temos apenas que dar uma olhadela nas propagan-das de um certo tipo de revista para ver que os tipos fracos esto sendo incitados ase transformarem em espcimes magnficos como os que esto retratados ali, comprotuberncias e feixes de msculos saindo de cada centmetro da anatomia ex-posta. Muitos sistemas de cultura fsica no produzem nada no final, a no serestagnao, porque, quando alguns msculos so excessivamente desenvolvidos,apenas interferem no movimento, e o corpo torna-se atado em msculos.

    Mas este aspecto apenas um sobrevivente dos mtodos antigos e no repre-sentativo de todas as pocas, quando as reaes estabelecidas oscilaram muito nadireo oposta, como acontece freqentemente com reaes, principalmente asinspiradas. Os jovens radicais, liderados por Isadora Duncan, escarneceram doculto ginstica e falaram da alma. A prpria Isadora a localizou no corpo, no

    5. Nota do revisor: Eugen Sandow (1867/1925) pioneiro do fisiculturismo.

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    plexo solar. O movimento fsico nesta poca de romantismo era em grande parteuma variedade do chamado movimento natural, que, em sentido estrito, no se-guia qualquer tipo de tcnica. Se o bailarino fosse muito sensvel, era movidoemocionalmente pela msica, e poderia manter-se mais ou menos no tempo, noimportando muito o que o corpo fizesse.

    XII Delsarte

    Entretanto, no seu melhor aspecto, este perodo deu contribuies substanci-ais dana, em conseqncia evidente da doutrina de Delsarte. De fato, temostoda razo em acreditar que a prpria Isadora foi muito influenciada por Delsarte,direta ou indiretamente. H um palpite de que essa influncia foi certamentedireta, na medida em que ela estudou realmente o sistema de Delsarte. Mesmocomo um palpite que nunca foi corroborado, tem valor, porque indica que assemelhanas entre as duas teorias foram reconhecidas pelos seguidores de Delsarte,que posteriormente quiseram atribuir a ele toda a gloria, ou pelos inimigos deIsadora, que tentaram desacredit-la.

    Em sua autobiografia, ela fala da sua infncia em um lar onde a leitura depoesia e a rcita de trechos eram uma prtica regular; e h o relato da visita deuma tia especializada nesse tipo de atividade. Certamente, ningum que secomprouvesse deste passatempo popular da poca poderia permanecer intocadopela doutrina de Delsarte.

    Talvez seja benfico pararmos um pouco para refletirmos resumidamente so-bre essa doutrina. Delsarte muito difamado e provavelmente nunca receber oscrditos que merece. No deixou nenhuma obra concreta quando morreu, pormeio da qual poder-se-ia ter a esperana de que sua reputao fosse mantida.Apesar de que ele mantivesse anotaes extensas das suas teorias e experimentos,nunca as publicou, conseqentemente, quando esse objetivo no existia mais,seus alunos correram s grficas com livros altamente contraditrios. Diz-se quequando a filha dele veio aos EUA, nos anos 1890, ficou horrorizada com as coisasque eram ensinadas em nome de seu pai. Entretanto, possvel estimar o valor deseu trabalho a partir de quantidades mnimas de informao que do sinais evi-dentes de confiabilidade.

    Como um aluno de voz e mais tarde de arte dramtica da Academie em Paris,ele repudiava totalmente as doutrinas arbitrrias que recebia. A isso, atribua aperda da sua voz. Alm de serem resumidas e ridas, todos os professores diziam-lhe coisas diferentes, at que se encontrou em um estado de irremedivel confu-so. Por isso resolveu fazer suas prprias pesquisas e descobrir por si mesmo averdade do mtodo dramtico. A vida era a nica fonte qual poderia recorrerdiretamente. Assim, talvez tenha traado a pesquisa mais extensa jamais feita so-bre o gesto.

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    Para ele, o crime dos crimes era um gesto sem significado. A fim de averiguarcomo o significado se exteriorizava fisicamente no gesto e na postura, estudou osseres humanos em cada estado provvel de tenso fsica e emocional, e registrouminuciosamente a posio das mos, a inclinao da boca, a elevao das sobran-celhas etc.. Foi a hospitais, a necrotrios e a asilos de loucos. Como um exemplode sua pacincia, diz-se que ele foi, dia aps dia, a um parque onde babs dointerior levavam os filhos dos patres para passeios dirios. Ele observava cadadetalhe da relao que existia entre as babs e as crianas a seus cuidados quandoas primeiras eram novas no emprego, e as mudanas que ocorriam medida que aafeio entre elas e as crianas aumentava. Acompanhou a diferena que se verifi-cava no polegar quando a bab segurava uma criana estranha e quando seguravauma por quem tinha uma ligao. Em certa medida, no entanto, a maneira pelaqual ele ps seu trabalho em palavras reduziu o valor deste mesmo trabalho. Aformulao de um cdigo que retratasse as reaes naturais do corpo a estmulosmentais e emocionais deve ter militado contra o ideal mesmo do gesto naturalsignificativo que o inspirou.

    Os alunos de Delsarte que no concordavam com a importncia de suas pesqui-sas dificultaram ainda mais o reconhecimento oficial de um mtodo gestualgenuinamente libertador; conseguiram apenas substituir um cdigo arbitrrio baseadoem princpios slidos por um cdigo arbitrrio baseado em uma tradio morta.

    Entretanto, os princpios em si eram absolutamente slidos. Alm de motiva-rem a revoluo romntica de trinta anos atrs, motivaram ainda o movimentomoderno, no qual no h nenhum movimento sem um significado.

    XIII Sistemas rtmicos

    Os romnticos faziam objees a movimentos mecnicos, portanto, decidiramfazer movimentos no mecnicos, sem qualquer tcnica. Certamente que isso noera possvel. Ao repudiar o culto ao msculo, votaram-se a uma espcie de frmu-la mstica e se basearam nela.

    Alguns dos sistemas que se desenvolveram nessa poca ainda existem e sototalmente absurdos; outros seriam engraados se no fossem prejudiciais. Estafoi a poca dos sistemas. O ritmo tornou-se um lema; curava doenas, devolvia aprosperidade e era responsvel por qualquer tipo imaginvel de maravilhas.

    Era usado conscientemente em alguns casos ou, em caso contrrio, para hipno-tizar; da mesma forma que se faz ao olhar fixamente para um vidro transparente.Com ele distraa-se o pensamento consciente, enquanto o instrutor sugeria suavontade ao subconsciente. Conheci pessoas que eram levadas a fazer todo tipo decoisas fantsticas, como esculpir com os olhos fechados, sob este tipo de ritmo. Porque no podiam ser levadas a fazer o mesmo com os olhos abertos no claro paramim, exceto se por algum mistrio. Certa vez, uma moa falou entusiasmada de um

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    sistema rtmico de que gostou muito, porque era localizado fora do corpo fsico; aoque parece, os alunos eram ensinados a danar a partir do alto das cabeas! Istoparece tolice, mas a absoluta verdade. Sem dvida, apenas os eleitos que conheciamo mtodo podiam lucrar algo ao assistir a essas danas, mas eram sempre entusiastas.

    Havia outros sistemas que recorriam ao que denominavam ritmos naturais.Moldavam os movimentos corporais em alguns, assim denominados, ritmos fun-damentais, encontrados no abrir das flores ou no fluxo da gua. Ora, pode serdesaconselhvel continuar afirmando que no existem esses ritmos fundamentaisna natureza, porque podem existir, principalmente porque ritmo uma palavrabastante ampla, mas essa busca pertence, quando muito, filosofia ou cincia, eno dana.

    O tipo de movimento introduzido por estas escolas rtmicas fraco e efeminado.Se possuir algum valor, o possui para os participantes, e no para o espectador. Omovimento em si no comunica a idia que subjaz em sua base, porque esta idia um conceito externo, intelectual, to distante do movimento como a emoo daquinta posio do bal, to menosprezado na poca.

    Tudo isto para concluirmos que, sem qualquer sombra de dvida, o movi-mento romntico teve importncia. Rompeu com a tirania da decadncia clssicae, como j foi apontado, continha a semente da idia sobre a qual a dana moder-na foi erigida. Enquanto a decadncia clssica era uma mquina que no fabricavanada, e a revoluo romntica uma tentativa de fabricar algo sem uma mquinade expressar apenas algo acima e alm de si mesmo, a dana moderna surgiu parafabricar algo com uma mquina altamente aperfeioada para e expressar apenaso que prprio da experincia pessoal, transformado e elevado acima do lugarcomum e do pessoal pelo processo da criao artstica, da forma esttica.

    Sem dvida, desnecessrio, embora seja mais garantido, afirmar de modoinequvoco que existe uma grande diferena entre expressar o que prprio daexperincia de algum e aquela prtica detestvel denominada auto-expresso. Altima, normalmente um exibicionismo puro e simples, uma perverso, ou umacombinao de ambas.

    O artista brilhante nunca incorre nesse tipo de coisa; sabe que seu eu no nada alm de um instrumento para a expresso da verdade que ele apreende, equanto mais transparente for, mais clara ser a imagem dele projetada.

    XIV Dinamismo

    At agora consideramos dois dos quatro pontos caractersticos da dana mo-derna o movimento como essncia e a metacinese. O terceiro ponto o dina-mismo.

    Ao constatarmos que a dana no consiste de uma srie de posturas interliga-das, mas do material que liga as posturas, chegamos concluso de que a dana

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    consiste de movimentos contnuos ou sustentados. Estes movimentos no con-tm quaisquer elementos estticos, quaisquer posturas tidas como um ponto dedescanso, por mais decorativas que sejam.

    Ora, na verdade, sabemos que existem pausas na dana, e que se no as hou-vesse, seria difcil clarear frases. Mas no h um momento sequer em que o baila-rino escorregue para uma situao de descanso fsico natural at que a dana tenhaterminado, ou a parte dela em questo, caso ela seja um trabalho de diversas par-tes. Talvez pensar em uma bola saltando possa nos servir de ilustrao. Pode havermomentos em que a bola esteja totalmente em repouso como, por exemplo, quandoest na mo entre um salto e outro, mas nunca est em repouso total at o jogoterminar.

    Da mesma forma, h momentos em que o corpo do bailarino est, comparati-vamente, em repouso, quando o esforo muscular menor que em outros mo-mentos. Obviamente que seria quase impossvel e totalmente indesejvel fazersempre movimentos com a mesma intensidade.

    A nova dana alem coloca muita nfase no dinamismo. Em todos os estdiosalemes ouve-se repetidamente a frase Anspannung und Abspannung fluxo erefluxo dos impulsos musculares. Talvez Rudolf von Laban tenha sido a primeirapessoa responsvel por esta nfase. Em suas primeiras consideraes sobre a dan-a, ficou claro que, desde que ela seja constituda de movimentos, e o movimentoseja o resultado da ao muscular, ela est entre os plos do relaxamento total e datenso total.

    Todo movimento possui fora e intensidade. Portanto, a qualidade do movi-mento , em grande parte, regulada pelo grau ou quantidade de fora ou de inten-sidade que contm. Isto apenas confere dana seu nico ritmo puramente mus-cular. Em certo sentido, ele aparenta-se s variaes musicais de alto e baixo, apesarde ter uma aplicao muito mais ampla e muito mais essencial dana. Seu valorest no grau e na amplitude com que varia, em como se distribui entre as partes docorpo e na sua implicao imagtica.

    Descartar-se de todas as exigncias de forma e estabelecer um novo princpiosobre o qual cada dana constri sua prpria forma o quarto ponto caractersticoda dana moderna. Este um ponto que pede uma considerao um tanto maisextensa.

    Parte II. Forma

    I O que arte?

    Discutir a questo da forma implica, primeiramente, uma incurso no reinoda esttica, no importa o quanto se queira evit-la. Esta sempre uma regioperigosa, porque h tantas filosofias quanto filsofos e mais divergncia entre to-

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    dos eles do que seguidores de qualquer um. provvel que em certas instncias adana apresente um desvio dos padres aceitos, porque tem sido esquecida naverdade, detida propositadamente. Isso parece um pouco difcil de entender, quandopercebemos que a dana, entre todas as artes, a nica que cria suas formas notempo e espao, simultaneamente.

    Com o propsito de nos entendermos mutuamente, necessria uma pausapara uma definio de termos. No h qualquer inteno, aqui, de se expor umafilosofia esttica a qual se possa rejeitar mais tarde, o mesmo ocorrendo com quais-quer definies pomposas que possam ser dadas.

    A finalidade das definies simplesmente clarificar a utilizao que fazemosde certos termos que normalmente esto sujeitos a uma grande variedade de opi-nies e a muita polmica. Deixe-me repetir que elas no esto aqui para seremaceitas e no sero defendidas de qualquer ataque. O nico motivo para a utiliza-o desses termos, aqui, clarear o que ser dito sobre a questo da forma dadana.

    Pode-se utilizar a palavra arte com a inteno de significar o processo peloqual algum comunica, da sua conscincia para a de outro, um conceito que trans-cende sua capacidade de fazer uma afirmao racional. Este conceito no precisaser absolutamente esotrico ou complicado, seno teramos que excluir desta cate-goria todas as artes decorativas. Pode ser simplesmente a contemplao da perfei-o abstrata que nunca cessa de estimular a sensibilidade esttica com desenhosprimorosos. A capa de um livro, o desenho de um papel de parede, o debrum deum vestido, todos podem produzir um efeito esttico, mais pela forma do quepelo contedo.

    A forma, ento, pode ter efeito por si mesma. Pode, de fato, ser definida comoresultante da unio de diversos elementos que atingem uma vitalidade estticacoletivamente e que no o fariam no fosse esse vnculo. Assim, o todo se tornamaior que a soma de suas partes. Este processo unificador, atravs do qual seobtm a forma, conhecido como composio.

    II O belo, a eficcia da forma

    At onde importa arte, o belo a qualidade que a mente receptiva vincula percepo da forma esttica. , por assim dizer, a eficcia da forma. No umaqualidade do objeto em si, mas o que surge aos olhos do observador quandosuas condies quanto forma houverem sido preenchidas. Portanto, um con-ceito totalmente relativo.

    Em relao dana moderna, aconselhvel que a utilizao deste termo estejabastante claro, porque a acusao mais comum feita a ela de que no tem nenhu-ma beleza, o que, decididamente, no verdade. Seria mais exato dizer que algu-mas pessoas no reagem esteticamente dana moderna. Isto coloca a limitao nas

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    pessoas, ao invs de eliminar todo o movimento esttico. Este equvoco deve-se auma aplicao limitada de certos termos essenciais da arte forma, ritmo, beleza.O homem cuja sensibilidade esttica fraca, seja por falta de atrao pelo assuntoou por subdesenvolvimento, procura uma das duas coisas em uma obra de arte um racionalismo intelectual expresso em aluses literais como regra ou uma satis-fao sensual. Nenhuma dessas coisas tem algo a ver com a funo da arte.

    O intelecto , claramente, o instrumento receptador errado disso que, por suanatureza, rejeita as declaraes racionas e que, portanto, precisa rejeitar tambmas recepes e as percepes racionais. A cincia o meio da atividade intelectual;a arte no tem nada em comum com ela. Os sentidos so canais pelos quais ocontato com o mundo externo estabelecido. A beleza que serve para preench-los apenas dificulta este contato. William Blake exprimiu um cnon artstico fun-damental ao escrever:

    Somos levados a acreditar em uma mentira,Quando vemos com os olhos e no por meio deles.

    No podemos perceber o belo, a arte, o ritmo, a forma, com os olhos ou osouvidos; precisamos apenas utilizar os olhos e os ouvidos como canais pelos quaiso belo, a arte, o ritmo e a forma so percebidos. esta atitude desairosa que temacarretado equvocos e condenaes e, de forma consistente com seu prprio pon-to de vista, at mesmo a supresso da arte em alguns perodos da histria.

    III Falso senso de beleza

    Este falso senso de beleza, este desejo de acreditar em uma mentira, sempre foia razo da decadncia artstica.

    I.K.Pond, ao descrever o que considera uma decadncia da arquitetura gregaem The Meaning of Arquitecture, diz que os gregos no seu auge mantiveram suaarquitetura simples e eloqente.

    Para superar um obstculo, os gregos empregavam exatamentea fora necessria, sem desperdcio... Assim, ao se depararemcom algo que pudesse ser feio, opunham-lhe uma resistnciaque sempre parecia expressar-se em formas belas, formas quetransmitiam um sentimento de serenidade, equilbrio e con-trole emocional inspiradores ao observador. No desperdi-avam seus esforos distribuindo-os por toda a obra, mascolocando-os exatamente onde ele revelaria com mais efici-ncia atividades funcionais em relaes adequadas.

    Cita, ento, as colunas dricas como representantes da expresso mais sim-ples, mais antiga e viril.

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    A impresso transmitida forte, diz que o movimento das colunas simples-mente representava um desejo, at que o peso da cornija sobrepunha-se e elastornavam-se foras vivas opondo-se ao obstculo com uma bela linha. Descreve acoluna jnica como no tendo a fora e a masculinidade da drica, mas um apelofeminino encantador e gracioso. No desenvolvimento das colunas corntias, v ocomeo da decadncia. Ali v

    uma descida do plano intelectual elevado para o emocionalou, melhor ainda, para o sentimental. As exigncias do luxoe do desejo pelo ornamento em si... haviam sido soluciona-das de outro modo e no pela adulterao e pelo desloca-mento de formas verdadeiramente funcionais... Os constru-tores corntios, amantes do ornamento em si, no secontentavam com a expresso funcional, no importava oquanto fosse idealizada. Pelo contato com os dricos e jnicosou por si mesmos, perceberam o significado verdadeiro docapitel, sabiam que ele exemplificava um conflito, mas noacharam conveniente embelezar o combate; na verdade, pro-curaram ocult-lo; assim, encobriram as reas problemti-cas com belos ornamentos de acantus e as formas funcio-nais, com uma grande folha de figueira.

    Pode-se notar, aqui, uma exposio concisa do incio da decadncia em qual-quer arte. Alm desses sinais, verificam-se na dana desenvolvimentos que se afas-tam dos fundamentos, pois vo na direo de refinamentos que so uma totalnegao desses mesmos fundamentos. Se arrancarmos as grandes folhas de figuei-ra que encontrarmos, esperemos que haja formas funcionais sob elas. O falso sen-tido de beleza prova-se estril, uma mentira.

    IV Uma tentativa de definir ritmo

    H mais um termo que gostaria de definir antes de prosseguirmos. Trata-se doritmo, um objeto cuja definio sempre perigosa e polmica. Um pouco maisadiante vamos discutir o modo pelo qual ele funciona; aqui nos contentaremosem formular uma tentativa de definio.

    Em relao arte, o ritmo o aspecto de movimento recorrente no ponto deinteresse entre duas ou mais bases verdadeiras ou hipotticas, acontece no tempo,no espao ou em ambos.

    No caso do belo, o ritmo no uma propriedade do objeto; depende dareceptividade do sujeito. O significado de ritmo para um homem com sensibilida-de pode induzir um outro que no seja to perspicaz em erro. Por mais difcil queseja de entender, a crtica de no ter ritmo foi imputada La Argentina6 mais de

    6. Vide nota 4.

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    uma vez por espectadores ocasionais! J que no h nada absolutamentetranscendental ou esotrico sobre o seu senso rtmico, quase inconcebvel queesteja alm da compreenso de qualquer ser humano normal nas suas composi-es, mesmo que seja sutil e contrapontstico.

    Por outro lado, a batida repetitiva de jazz ruim, vinda do rdio do vizinhoalgumas horas ao dia, deve proporcionar-lhe algum prazer, apesar de que agride ogosto das pessoas mais cultas e no absolutamente importante sob um ponto devista esttico. construdo sobre duas bases rtmicas silncio e cadncia mtrica que se alternam com uma regularidade que no falha, em um ritmo apenas umpouco mais rpido que a pulsao sangnea normal. O efeito hipntico, emgrande parte, e fisiolgico na medida em que tende a aumentar a pulsaosangnea, produzindo, assim, uma estimulao falsa. Esse efeito hipntico dosritmos elementares perdurou por um perodo de tempo; era muito conhecidopelo homem e era utilizado propositadamente por ele, para provocar exaltao einconscincia.

    V Necessidade da forma

    Algumas vezes encontramos livres pensadores nas artes que no acreditam nanecessidade da forma. O argumento deles que a pulso artstica vem do interiorda pessoa e no deve ser soterrada. Deve-se apenas deix-la fluir vontade. Ora,esta uma teoria perfeitamente coerente se o resultado da experincia for destina-do apenas ao artista; porm, se ele for destinado ao espectador, a teoria total-mente insustentvel. De acordo com a definio de arte que escolhemos acatarpelo momento, tais expresses no podem ser consideradas como obras de arte.

    Nesse sentido, olhemos especificamente para a dana. Se retomarmos as fontesprimitivas da dana, como devemos fazer para termos uma idia clara da sua ori-gem e essncia, encontraremos diversos tipos dela. Uma era o jogo danado; isto, a dana destinava-se, especificamente, a descarregar energia excedente. Se fossedanada s por uma pessoa, no necessitava de forma. Entretanto, se fosse danadapor um grupo de pessoas, precisava de uma organizao formal para que todos osbailarinos pudessem atuar conjuntamente. Esta a origem de muitas danas soci-ais e folclricas, assim como de muitas danas de salo, at uma gerao atrs.

    Um outro tipo de dana ertica em sua origem e finalidade. Tende a ser maissimblica que formal. Abarca quase todas as danas da Espanha e muitas do Ori-ente, assim como quase toda a dana contempornea. A dana de salo ocidentaltambm est nesta categoria. interessante observar que nas danas com essascaractersticas, as linhas curvas predominam. Algumas vezes so para enfatizar aslinhas curvas do corpo e, algumas vezes, para manter os olhos do espectadorretornando constantemente para o corpo. Seja qual for o tipo de dana ertica, essespropsitos tornam-se mais efetivos com o enrolar e desenrolar de um leno usado

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    para enfatizar a anatomia. Caso isto parea um pano de fundo desagradvel para osmuitos nmeros com vus, apresentados por nossas encantadoras irms das escolasde dana do vu e grinalda, a responsabilidade exclusivamente delas.

    Em um outro tipo de dana, a repetio era e ainda empregada com a finali-dade de auto-arrebatamento e hipnose. Geralmente, essas danas tm uma inten-o religiosa; so preliminares a um estado de delrio considerado o xtase dotrabalho religioso, no qual se adquire uma conscincia sobre-humana; ou, emoutro extremo, provocam um esquecimento no qual os deuses permitem que pra-gas e desastres sejam esquecidos por algum tempo.

    Tambm existe um grande nmero de danas mmicas com uma finalidademgica e para celebrar eventos especficos. Nessas, assim como nas outras menci-onadas acima, surgem espontaneamente dois tipos gerais de dana: um, no qual obailarino dana para obter um efeito apenas sobre si mesmo e outro, em que oespectador um elemento importante.

    No primeiro tipo, a forma no tem nenhuma importncia, na medida em queo bailarino sua prpria platia; no segundo, a forma tem uma importncia fun-damental.

    Vamos tomar um exemplo do segundo tipo de dana que to fundamentalque, pode-se dizer, caracteriza o grupo todo. a dana na qual o homem primiti-vo se expressava por conceitos de movimento, para os quais seu aparato intelectualera inadequado. Ao encontrar um meio de tornar as suas intenes compreens-veis aos seus companheiros, desenvolveu uma forma de dana que o modelo dadana moderna, no qual baseiam-se, de fato, todas as formas de arte. Deixar omovimento fluir simplesmente talvez lhe tenha fornecido a sada para suas emo-es, mas no provocou um efeito correspondente nos outros. Para fazer-se claro,descobriu que precisava repetir vrias vezes certos movimentos e certas seqnci-as. Para salientar ainda mais sua inteno, descobriu que precisava eliminar todosos detalhes, exceto aqueles essenciais, e concentrar neles toda a sua fora. Atmesmo algo mais parecia necessrio em certos trechos, de forma que ele os enfatizoubatendo os ps e as mos e cantando. Assim, foram revelados na dana primitivaos elementos principais da forma: acento, repetio, contraste (que podem serconsiderados como parte do ritmo) e distoro.

    VI Distoro e idealizao

    Distoro uma palavra que, aparentemente, aterroriza a mente do observa-dor ocasional da dana. A palavra que ele prefere usar idealizao, apesar de nohaja qualquer diferena significativa no sentido real dos dois termos. Atualmente,entretanto, idealizao abarca certos conceitos esprios de beleza que nos condu-zem de volta teoria da falsidade da folha de figueira corntia. Visto que o uso do

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    termo distoro costuma requerer uma justificativa, vamos parar um momento eexaminar os fatos, mesmo que para faz-lo precisemos nos tornar um poucopernsticos.

    desnecessrio citar alguma referncia muito distante ou inacessvel; o conhe-cido dicionrio Webster ser suficiente. Nesta publicao to acessvel, encontra-mos a palavra distorcer definida em parte como torcer a forma natural ou co-mum e a palavra idealizar em parte definida como atribuir caractersticas ideaise de excelncia a algo. O primeiro um termo mais amplo que no especifica quetipo de caracterstica pode ser atribuda a um objeto, enquanto o segundo impeum limite de caractersticas ideais e de excelncia. Se a palavra ideal for tomadaem seu sentido mais amplo, esse limite se tornar menos importante; mas nautilizao comum, ideal e idealizao tm a ver com arqutipos de perfeio.

    Em literatura e em arte, o Webster define idealizao especificamente como:

    teoria ou prtica que avalia representantes de valor subjeti-vos ou ideais ou ainda, aspectos de beleza mais do que qua-lidades formais ou perceptveis aos sentidos, ou que afirmemo valor proeminente da imaginao contraposta a uma cpiafiel da natureza; oposta ao realismo. Em discusses crti-cas, geralmente, pensa-se no idealismo com nfase na imagi-nao como sendo a faculdade formadora ou seletiva pormeio da qual a confuso e multiplicidade de detalhes da na-tureza e da vida humana so ordenadas pelo artista de acor-do com um tipo preconcebido, ou um ideal, moral ou est-tico. Portanto, o produto da arte idealizada difere do produtoda arte realista mais ou menos como um retrato difere deuma fotografia. Como foi enfatizado de diversas formas,pode, em um extremo, significar uma liberdade na manipu-lao dos fatos e uma restrio da realidade no interesse doideal, enquanto no outro, pode diferir do realismo artsticoapenas em uma observao mais apurada e na nfase ao per-tinente.

    Portanto, idealizao um distanciamento das normas da natureza e, por con-seguinte, uma distoro; mesmo que este afastamento restrinja-se a uma certarea, visto que to limitada pelo uso popular; pela definio, muito da limitaodesaparece; pode-se dizer que ela uma forma de distoro, ou, talvez mais preci-samente, um motivo para a distoro. O processo vigente de dourar as formasnaturais ainda distoro.

    VII A distoro indispensvel

    A distoro indispensvel em todas as artes, autodenomine-se realista ouno. Entretanto, necessariamente, no precisa implicar fealdade, apesar de impli-

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    car uma modificao das formas da natureza. Pode implicar embelezamento comono cdigo de esttica grego. Exatamente como o pintor moderno que se deliciaem pintar rostos contorcidos, os gregos desviaram-se da natureza quando retrata-ram, em vez da realidade, o ideal de beleza fsica em suas esculturas. A diferena dereao bvia. Alis, a aceitao geral da arte grega , sem sombra de dvida,equivalente ao quanto apreciada. As probabilidades so de que a idealizao docorpo fsico estimule uma satisfao sensual com muito mais freqncia do queuma resposta esttica. Serve, simplesmente, para obstruir os canais de percepo.Em grande medida, isso verdade em toda a idealizao; se ela no cessa com umapelo aos sentidos, normalmente apela para algum chavo moralista. Na procurade um escape desse beco sem sada, o artista moderno buscou uma maior utiliza-o da distoro.

    A distoro nfase ou eliminao de um objeto. Controla o ritmo produzidono trabalho artstico, por assim dizer, o ritmo interno relacionado forma. Almdo mais, estabelece o que podemos denominar de um ritmo externo, um ritmoque se estende para alm do mbito do trabalho artstico, originando a mais in-tensa experincia esttica.

    O ritmo externo baseia-se na memria do espectador e no seu conhecimentoda realidade, assim como na representao que o artista faz da variao dessa rea-lidade. Assim, durante o contato do espectador com o objeto, h estruturadodentro de si mesmo um ritmo poderoso, que a raiz da experincia esttica. Pode-se dizer, ento, que o ritmo principal de qualquer composio aquele que lidacom uma variao da norma.

    VIII Distorcendo por causa do desenho

    Arte e natureza so opostos irreconciliveis. Por essa razo, movimentos e rit-mos naturais so materiais inviveis para a arte da dana. Tm seu lugar na educa-o e no jogo, mas no na arte.

    O bal clssico empregou a distoro, em grande escala, no interesse do dese-nho. Ele tornou o corpo capaz de coisas contrrias natureza e, assim, ampliou oalcance da sua forma esttica. Entretanto, esta distoro foi apenas motivada pelasexigncias da abstrao e no pelo impulso interno de comunicar a experinciaemocional que a motivou no bailarino primitivo, e que a motiva no moderno.

    Ento, ela esbarrou em um obstculo, porque, por mais que tentemos, nuncapodemos tornar o corpo totalmente abstrato. Qualquer movimento, por maisdistante que seja da experincia normal, ainda transmite uma impresso relacio-nada com esse fato. H uma resposta cinestsica no corpo do espectador que, atcerto ponto, reproduz a experincia do bailarino; se o bailarino faz algum movi-mento sem a motivao do impulso interno, o espectador no experimenta ne-nhuma receptividade interna. provvel que tenha uma sensao de vazio, a no

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    ser pelo cansao do esforo fsico, ou talvez uma reao de desgosto pelo disforme,se houve contoro por mera virtuosidade. Se a forma por si mesma for capaz deintrigar o intelecto, pode valer a pena. Sem dvida, h sempre a possibilidade deque o bailarino possa ser capaz de transmutar um cdigo arbitrrio de movimentoem uma idealizao do movimento natural, de forma consistente ou como basepara uma crtica do movimento natural. Se isto puder ser feito, teremos uma vezmais uma grande arte do bal. Atualmente, a abstrao sofre interferncia do fatode que o bailarino um ser humano com sentimentos, e o elemento emocional destrudo pelo fato de que o movimento abstrato.

    IX Aspecto prtico do desenho

    O fato que o desenho uma forma de distoro. Desenho no envolve ne-nhum princpio esotrico estranho, apesar de haver uma afirmao constante emcontrrio. O artista menor, o mal versejador, gosta de criar uma aura em torno desi mesmo, para aparentar que movido por alguma fora sobrenatural, para colo-car-se como sendo superior e estando parte de seus colegas pela ao do destino.Alis, no h nada absolutamente misterioso em arte, forma, ritmo, ou qualqueroutro preceito esttico. Questes de forma e de desenho fazem parte da vida diriade todos, que os praticam sem estupefao e sem preciosidade.

    At certo ponto, todo ser humano percebe que precisa ordenar suas aes e seupensamento. Se no o fizer, ser posto de lado no s por seus colegas mais alertas,mas tambm pelas leis da ordem que regem o universo. natural, ento, que umapercepo da perfeio da ordem abstrata no desenho puro deva despertar neleum reconhecimento de que o ritmo entre sua prpria experincia e da apresenta-o do artista a base da experincia esttica. Equilbrio, simetria, nfase, conti-nuidade, clmax, todos so elementos da vida diria do andar e comer, vender ecomprar.

    Sem essa relao, a forma no sentido do desenho puro no teria participaona arte.

    A forma em aspectos mais atenuados do que este do desenho puro , obvia-mente, mais til. apenas a ordenao das partes. Tomemos alguns exemplosgrosseiros, que no tratam, absolutamente, da experincia esttica, mas de outrosaspectos prticos da forma, e do desenho. Suponha que eu estenda o brao deforma que a mo fique no centro de um cata-vento e que, desse ponto central,mexa a mo nas quatro direes, na seqncia seguinte: norte, norte, leste, norte,sul, norte, oeste, leste, sul, sul, oeste, leste, leste, oeste, sul, oeste. A no ser que oobservador seja excepcionalmente perspicaz, ser incapaz de relatar o que fiz, ouquantas vezes passei em cada direo. Suponha, agora, que faa exatamente osmesmos movimentos em uma seqncia diferente, como a que se segue: norte,leste, sul, oeste, norte, leste, sul, oeste, norte, leste, sul, oeste, norte, leste, sul,

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    oeste. Agora o observador ser capaz de relatar imediatamente o que fiz e quantasvezes passei em cada direo. Se por acaso ele tiver raciocnio lento, tem os mate-riais ordenados de tal forma que depois que eu tenha terminado os movimentospoder lembrar-se deles e cont-los.

    Tomemos uma outra ilustrao igualmente simples. Suponha que ele d bati-das em uma mesa com um lpis, dividindo o intervalo entre as batidas em curtose longos, da seguinte forma: longo, curto, longo, longo, curto, curto, longo, lon-go, curto, longo, curto, longo, curto, curto, longo, longo, longo, curto, longo,longo, curto, longo, longo.

    Provavelmente o ouvinte no ter nenhuma impresso do que fiz, mas no ternenhuma dificuldade se eu reordenar as batidas como se segue: curta, curta, lon-ga, longa, longa, curta, curta, longa, longa, longa, curta, curta, longa, longa, lon-ga, curta, curta, longa, longa, longa.

    O primeiro exemplo tem um padro muito elementar no espao, e o segundoum padro muito elementar no tempo. Em cada caso o desenho formado apartir de elementos simples, combinando-se esses elementos uns em relao aosoutros. Poderiam, claro, ser combinados de forma diferente da que escolhi. Feitaa combinao, percebemos que separamos os elementos em frases. Cada umapode relacionar-se com frases de padres diferentes, de uma forma to prxima que existe entre as unidades na frase individual, e o padro pode aumentar indefi-nidamente. Repetio, contraste, acento, aparecem naturalmente no processo.

    Na criao desses padres, o material original foi muito transformado. Nacriao de qualquer padro, o material , inevitavelmente, transformado, arranca-do de sua condio original, distorcido. Entretanto, exatamente nessa transfor-mao e distoro que a compreenso, que no estava l, desenvolve-se. Lembre-se de que os elementos, em si mesmos, no foram alterados de forma alguma;existem tantos intervalos longos e curtos, tantos movimentos para o leste e para ooeste nas segundas, quanto nas primeiras combinaes. Tornaram-se inteligveis,ao passo que eram ininteligveis.

    Assim, na distoro da natureza em composies que envolvem elementos maisimportantes do que o desses exemplos, a natureza no prejudicada de formaalguma. Antes, torna-se compreensvel; pouco importa se no processo tenha sidonecessrio relacionar seus elementos entre si de uma forma que no acontece narealidade, atribuindo-se a alguns deles um valor maior do que a experincia casualo faz e omitindo completamente outros importantes na rotina diria.

    X Desenho no espao

    Na dana existe uma situao que no encontrada em nenhuma outra formade arte, porque a dana lida com mais dimenses do que qualquer uma delas.Necessariamente, os desenhos da dana so construdos no tempo, no espao, no

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    dinamismo e na metacinese. impossvel eliminar qualquer um desses elementosem qualquer momento, isto , o bailarino no pode fazer um movimento que noocupe tempo, no cubra espao, no envolva energia e no tenha uma motivao.

    Isto envolve mais do que aparenta. Tomemos, por exemplo, a questo do espa-o. Estamos acostumados a ouvir, na velha escola, que o desenho de danas con-siste de um plano de cho ou desenho horizontal e de configuraes do corpo noespao ou desenho vertical.

    Isso seria perfeitamente satisfatrio se o bailarino se movimentasse do lado defora de um cubo, mas no o que acontece. Ele um instrumento tridimensionale move-se no espao; isto , seus movimentos no tm apenas comprimento elargura, mas tambm profundidade e espessura.

    Nos antigos bals, o plano de cho era a nica preocupao. Os bailarinosmoviam-se em figuras intrincadas que, se desenhadas com giz no cho, represen-tariam rosas e outros padres elaborados. Supunha-se que ningum procurariadesenhos em outro lugar que no nos caminhos que os ps faziam, mas, noobstante, o corpo estava levando consigo uma esfera potencial de espao na qualpodia mover-se e na qual estava movendo-se de fato, quer com inteno de criardesenho ou no. Alm do mais, essa esfera espacial guardava uma relao definidacom a totalidade do espao, no qual a dana era executada, bem como com asoutras esferas de espao ocupadas pelos outros bailarinos.

    Portanto, a questo espacial da composio complicada. Nenhum movimen-to pode ser feito em uma linha; precisa ser feito em volume. No que concerne apenasa um bailarino, h campos separados de aes possveis cabea, aos dois braos,s duas pernas de fato, h um campo de ao especfico onde quer que haja umaarticulao corporal que permita uma mudana no espao. A ateno pode serfocalizada sobre qualquer um desses campos de ao separadamente, ou reunidosem um s. A relao dos bailarinos com a totalidade do espao tambm pode sermodificada vontade. Onde mais de um bailarino esteja atuando, as possibilida-des crescem em proporo geomtrica. Com o acrscimo de bailarinos, outraspossibilidades tambm entram em ao, como movimentos idnticos e expansoe contrao da rea do espao destinada aos movimentos. Essa ltima consideraosignifica a escolha que existe entre colocar os bailarinos em uma relao tal em quesuas esferas de movimento estejam separadas, ou que suas esferas de movimentosobreponham-se preenchendo, assim, apenas uma pequena parte do espao total.Na direo de grupos isto , freqentemente, uma questo pouco considerada, quetorna possvel aos bailarinos interferirem, de forma inconsciente, com o outro e como desenho geral, por causa de um planejamento espacial descuidado.

    Alm de todas essas coisas, h que ser considerado o tamanho dos vrios movi-mentos, j que afetam a escala da composio bem como sua direo, uma ques-to de suma importncia.

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    XI Padres de espao-tempo

    Se estes fossem todos o elementos de uma composio de dana, s seriammais do que os de uma composio na maioria das outras artes, mas ainda h umaporo de outros.

    Ningum pode movimentar-se pelo espao sem ocupar o tempo. Na verdade,ningum pode nem sequer ocupar o espao sem ocupar, tambm, o tempo, masisto forar a questo para alm dos limites da utilidade prtica. Nessa conjuntu-ra, entra a relao entre dana e msica, mas pode-se refletir sobre as questes dedesenho temporal um pouco parte da msica.

    Padres no tempo envolvem velocidade isto , a durao das unidades e suarazo de sucesso periodicidade de acentuao e regularidade ou irregularidadedos intervalos entre a acentuao. A grande diferena entre composies tempo-rais e composies espaciais est no fato de que as composies espaciais lidamcom unidades mais ou menos fixas, enquanto as temporais no. A questo doespao pode ser reduzida colocao do corpo humano em relao a uma reaespecfica. As composies espaciais unem seus elementos simultaneamente e, porisso, podem utilizar somente esses elementos, e tantos quantos os olhos possamver em um instante. Essa limitao arbitrria no existe na construo de umarea de tempo especfica. A composio temporal une seus elementos em seqn-cias e, desde que guardem relao entre si e com o todo, podem continuar indefi-nidamente.

    Na dana, entretanto, nunca h uma situao em que um possa ser utilizadosem o outro. Como vimos no caso da composio espacial, no poderia haver algocomo um desenho vertical e um desenho horizontal separadamente, de forma queno pode haver, na dana, desenho espacial e desenho temporal separadamente.Todos os padres da dana precisam ser padres de espao-tempo. Ora, um pa-dro de espao-tempo algo bem diferente do que um padro de espao e umpadro de tempo funcionando juntos. Um cubo no uma combinao de seisplanos e de ngulos corretos; sua cubicidade reside na existncia de uma novadimenso. Uma esfera talvez seja uma ilustrao mais adequada, porque apesar deter largura e altura, no tem nenhum aspecto bidimensional; nenhuma superfciebidimensional, por assim dizer. No caso do cubo, sua cubicidade no sofre in-terferncia do fato de ter superfcies planas completas em si mesmas, assim, nadana, pode haver padres de espao e padres de tempo perfeitamente vlidos;entretanto, esses padres so meramente acessrios, como as faces do cubo. Ora,superfcies planas podem ser unidas sem formarem um cubo e, de forma seme-lhante, padres de tempo e espao podem ser reunidos sem formar padres deespao-tempo.

    Infelizmente, isto acontece com freqncia na dana, o que apenas umaindicao de que o bailarino negligenciou ou ignorou as dimenses da sua arte ou

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    no percebeu a sua cubicidade essencial. Alguns bailarinos ignoram outras di-menses; existem, por exemplo, aqueles ditos musicais, ou propensos a ignorarpadres espaciais, e aqueles ditos pictricos ou geomtricos que ignoram, em al-gum grau, as exigncias do desenho temporal.

    Como vimos, os autores dos bals do sc. XV muito se satisfaziam em ignorartudo, exceto o desenho de cho.

    Enfatizemos novamente que as dimenses da dana so inseparveis, a no serem teoria. Sabemos que na geometria, quando dizemos que uma linha no temnenhuma dimenso, a no ser o comprimento, estamos teorizando; o que quere-mos dizer que no momento no estamos considerando nenhuma outra dimen-so. Da mesma forma, na dana podemos considerar apenas uma dimenso porvez; podemos at mesmo enfatizar deliberadamente uma delas em detrimento dasoutras e no interesse de certos resultados na composio, mas no podemos criaruma dana sem, na verdade, utiliz-las todas.

    Essas colocaes parecem lugares-comuns e bvias; entretanto, precisamosapenas olhar para a dana propriamente dita para ver como escaparam atenodo criador. A metacinese e o dinamismo foram desconsiderados por sculos nadana clssica, e os padres de espao-tempo por dcadas na, assim chamada,dana livre. Apenas com a ascenso da dana moderna todas as dimenses dadana comearam a ser apreendidas e realmente valorizadas.

    XII Acentuao e dinamismo

    O elemento dinmico encontra sua maior utilidade na acentuao. Semvariao na intensidade do movimento, as frases seriam muito embotadas e oritmo seriamente limitado. Sem dvida, impossvel fazer acentuaes comrepeties e contrastes e no com o aumento de energia, mas o acento maissimples e mais claro normalmente o que enfatiza um elemento especfico maisdo que queles ao redor dele.

    Alm dessa questo de acentuao, o dinamismo uma caracterstica da qual adana no pode ser privada, porque impossvel fazer um movimento sem algu-ma intensidade. A falta de uma gradao de intensidade no pe fim s considera-es sobre o dinamismo, mas simplesmente produz monotonia dinmica.

    O bailarino com a maior fluidez de movimentos o que tem o melhor contro-le dinmico. o controle do fluxo dos movimentos que possibilita imagin-loscomo substncia da dana. O dinamismo unificador precisar desempenhar umgrande papel se em vez de ser um conjunto de posturas unidas como as contas deum colar, a composio for construda em um meio slido, por assim dizer,. Quea composio estabelece seus prprios ritmos, isso tambm verdade ritmosmistos que oscilam entre tenso e relaxamento. o dinamismo que controla a

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    frase muscular, isto , a sucesso das variaes no movimento executadas com umimpulso muscular sustentado. Em repouso, isto , em perfeito relaxamento docorpo, mas com tenso suficiente para sustent-lo, temos algo como umacontraparte fsica do acorde tnico em msica.

    XIII- Forma e metacinese

    At aqui discutimos os aspectos puramente fsicos da forma da dana. Com ametacinese, chegamos s suas consideraes mais intangveis, bem como s maisimportantes. A habilidade ou a tendncia do bailarino em usar os sobretons dosmovimentos para comunicar sua inteno determina em grande parte na verda-de, quase totalmente seu tipo de dana.

    No ponto mais alto de seu desenvolvimento encontramos a, assim denomina-da dana expressionista, com Mary Wigman, como uma de suas ilustres represen-tantes. Essa classe de dana , com efeito, dana moderna na sua manifestaomais pura. A base de cada criao nesse meio reside na viso de algo na experinciade vida humana que toca o sublime. Sua externalizao em alguma forma quepode ser apreendida pelos outros no deriva de um planejamento intelectual, masdo sentir com um corpo sensvel. O primeiro resultado dessa criao e osurgimento de alguns movimentos totalmente autnticos esto to ligados expe-rincia emocional, assim como o recuo instintivo est ligado experincia domedo.

    Nesse processo esto envolvidos movimentos que podem nunca ter sido vistosem uma dana, mas que, no obstante, so materiais fundamentais para essa cria-o especial. A criao estar completa quando esses movimentos houverem sidoorganizados em uma relao rtmica mtua, organizao ainda ditada pela lgicado sentimento interno, mas, ao mesmo tempo, capaz de produzir uma reaoesttica no espectador. Esse tipo de dana, geralmente, da maior simplicidade.No pode tolerar ornamentaes, porque isso iria apenas anular seu objetivo ex-pressivo. Freqentemente, ela estabelece seus ritmos com grande clareza e, subse-qentemente, toca apenas os picos em seu desenho, cabendo ao espectador preen-cher os espaos vazios e completar a forma. Depois de concluda essa tarefa,produz-se o tipo mais alto de reao esttica.

    Algumas vezes foi dito que falta variao dana desse tipo, mas esta umaafirmao falsa. Ela no revela a sua diversidade a alguns espectadores despreparadospara v-la, como o homem que procura os conhecidos passos e maneirismos eno aproveitar a variedade quase ilimitada diante dele, porque no sabe procurarnenhuma outra coisa.

    A metacinese algo empregado literalmente pela pantomima, geralmente emdanas literal. A dana pantommica ou literal no dana pura, mas tende para asubdiviso da dana que chamamos de dramtica.

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    Nas danas dessa subdiviso, as consideraes a respeito dos padres de tempoe espao so quase irrelevantes. O processo da criao desenvolve-se por meio deuma srie de incidentes geralmente relacionados a aes externas. Sua forma determinada por leis dramticas e o movimento serve a um objetivo secundrio.

    No outro extremo da dana puramente pantommica, est o tipo de criaoque obtm seus efeitos por meio de abstraes e ignora o mximo possvel asconsideraes a respeito da metacinese. Entre esses tipos pode-se encontrar qual-quer variao e todas so igualmente boas quando obtm o resultado desejado.

    Sem dvida, nenhum bailarino, quando vai criar uma dana, senta-se e calculatodos os tipos de padres, ritmos e dimenses com que vai trabalhar. A tcnica decomposio, como outras tcnicas, no de nenhuma utilidade at que seja apren-dida e esquecida, ficando algo dela no processo. A parte retida a parte til, e eleno precisa se incomodar em levar o restante consigo, porque no o tomou para si.