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Paulo César Figueiroa Cacciatori A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE Centro Universitário UniToledo Araçatuba 2007

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Paulo César Figueiroa Cacciatori

A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE

Centro Universitário UniToledo Araçatuba

2007

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Paulo César Figueiroa Cacciatori

A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO EM

FLAGRANTE

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito à banca examinadora do Centro Universitário Toledo, sob a orientação do Professor Doutor Antônio Scarance Fernandes.

Centro Universitário UniToledo Araçatuba

2007

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Banca Examinadora

_______________________________________ Dr. Frederico da Costa Carvalho Neto

________________________________________ Dr. José Eduardo de Almeida L. Ferreira

________________________________________ Dr. Antônio Scarance Fernandes

Araçatuba, 31 de Agosto de 2007.

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Dedicatória

Dedico ao companheirismo de Jane, esposa querida, e de minhas adoráveis filhas Larissa e Mirella, que sempre me incentivaram na conquista deste título.

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Agradecimentos

Agradeço à Instituição Toledo de Ensino que possibilitou a realização do curso de Mestrado. Em nome do professor José Sebastião de Oliveira, agradeço a dedicação dos demais professores do curso, que certamente enriqueceram o nosso conhecimento. Em especial agradeço ao profº Doutor Antônio Scarance Fernandes que permitiu a aproximação da riqueza do seu conhecimento, da beleza de sua simplicidade e humildade, valores nobres, exemplos jamais esquecidos.

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Resumo

A prisão foi e sempre será considerada o mecanismo cruel e amargo que o Estado utiliza sempre que por vontade própria o homem violar os preceitos legais que amparam os direitos da sociedade. Este trabalho tem por objetivo demonstrar que, apesar da ocorrência das violências, caracterizadas por afrontarem as normas protetoras de convivência do homem em sociedade, redundando como conseqüência no cerceamento da liberdade por meio da prisão em flagrante, na escuridão dessas agressões faz-se presente a luz do direito, que não só protege a sociedade, mas também prevê ao indiciado mecanismos de proteção que se constituem nas garantias constitucionais. Da evolução histórica da prisão em flagrante às nulidades processuais que se refletem no momento da detenção e se estendem à autuação da prisão, procuramos consignar as garantias previstas em nossa Constituição sem esquecer a interpretação doutrinária, retratando alguns aspectos do direito europeu e da América do Sul, em especial de Portugal e da Argentina. Palavras-chave: prisão, violar, direitos, liberdade, garantias.

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Abstract

Prison has always been considered the cruel and bitter mechanism used by the State that becomes present whenever man, in his own wish, violates the legal precepts that support the society rights. The present work aims to demonstrate that despite of the occurrence of violent acts, which are characterized by confronting the protective rules of the men society life, resulting in the retrenchment of the freedom by caught red-handed prison, the law is present underlying those aggressions, which not only protects the society, but also guarantee the defendant protection mechanisms, which constitute of constitutional guarantees. From the historical evolution of the caught red-handed prison to the processual annulments that reflect on the imprisonment moment and are extended to the prison notification, we seek to document the previewed guarantees in our Constitution, also considering the doctrinaire interpretation, representing some European and Latin American law aspects, especially Portugal’s and Argentina’s. Keywords: prison, violates, rights, freedom, guarantees.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................

I. ASPECTOS GERAIS DA PRISÃO EM FLAGRANTE ..........................................

1.1 Evolução histórica da prisão em flagrante ........................................................

1.1.1 Conceito ...........................................................................................................

1.1.2 A finalidade da prisão em flagrante..................................................................

1.2 Prisão em flagrante nas Constituições do Brasil ................................................

1.2.1 Constituição do Império de 1824 .....................................................................

1.2.2 Código de Processo Criminal – Lei de 29.11.1832 .........................................

1.2.3 Lei nº. 261, de 3.12.1841 – Reformas ao Código de Processo ........................

1.2.4 Regulamento nº. 120, de 31 de Janeiro de 1842 ..............................................

1.2.5 Constituição de 1891 e o Período Republicano ...............................................

1.2.6 A prisão em flagrante no Código de Processo Penal de 1941 – Decreto-Lei

nº. 3.689 – e em alterações futuras ...........................................................................

II. ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA PRISÃO EM FLAGRANTE ..................

2.1 A prisão em flagrante e o ônus da prova ............................................................

2.2 O flagrante e os indícios .............................................................................

2.3 A prevaricação e a livre convicção no auto de prisão em flagrante ....................

2.4 A aparente incompatibilidade entre a prisão em flagrante, o princípio do

estado de inocência e os antecedentes criminais .................................................

2.4.1 O princípio do estado de inocência, o uso da proporcionalidade e a prisão

em flagrante ........................................................................................................

2.4.2 A presunção de inocência e os antecedentes criminais ...................................

III. FLAGRANTE: ESPÉCIES........................................................................................

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3.1 Espécies de flagrante .........................................................................................

3.1.1 Flagrante próprio ou real ...............................................................................

3.1.1.1 Está cometendo o crime – flagrante real ....................................................

3.1.1.2 Acaba de cometer o crime – flagrante real ................................................

3.1.2 Flagrante impróprio e presumido (ficto) ........................................................

3.1.2.1 Flagrante impróprio ......................................................................................

3.1.2.2 Flagrante presumido ou ficto .......................................................................

3.1.3 O Flagrante e o chamado “encontro” .............................................................

3.1.4 Flagrante compulsório e facultativo ...............................................................

3.1.5 Flagrante prorrogado ou retardado .................................................................

3.1.6 Flagrante preparado, forjado e esperado ........................................................

3.1.6.1 Flagrante preparado ......................................................................................

3.1.6.2 Flagrante forjado ..........................................................................................

3.1.6.3 Flagrante esperado .......................................................................................

IV. FLAGRANTE NOS DIFERENTES CRIMES .........................................................

4.1 Crimes de ação penal privada e pública condicionada .....................................

4.2 Flagrante nos crimes permanentes e habituais ..................................................

4.2.1 Crimes permanentes .........................................................................................

4.3 Crimes habituais .................................................................................................

4.5 Crimes de tóxicos ..............................................................................................

4.6 Prisão em flagrante e crimes praticados por entes jurídicos...............................

4.7 Prisão em flagrante e crimes praticados por aqueles que possuem foro

privilegiado ................................................................................................................

4.8 Prisão em flagrante e violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei nº.

11.340/06 ..................................................................................................................

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V. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, CAUTELAS, OBSTÁCULOS E

FORMALIDADES..................................................................................................

5.1 Auto de prisão em flagrante ...............................................................................

5.1.1 Autoridade competente para lavratura do auto de prisão em flagrante .........

5.1.2 Autoridade competente e o procedimento especial para autuação do

flagrante ..........................................................................................................

5.1.3 A prisão em flagrante do perseguido fora do distrito da culpa ......................

5.2 A valoração das provas e o convencimento para a prisão em flagrante ............

5.3 Sujeitos da prisão em flagrante ..........................................................................

5.3.1 Sujeito ativo ....................................................................................................

5.3.2 Condutor ..........................................................................................................

5.3.3 Testemunhas ....................................................................................................

5.3.4 Vítima ..............................................................................................................

5.3.5 O autuado e seu interrogatório .........................................................................

5.4 A confissão do autuado ......................................................................................

5.5 Direito à prisão especial .....................................................................................

5.6 Alterações no auto de prisão em flagrante por força da Lei Federal nº.

11.113 de 16/5/2005 ............................................................................................

5.7 Cautelas necessárias para a lavratura do auto de prisão em flagrante ................

5.7.1 Cautelas na separação do condutor, testemunhas, vítima e conduzido ...........

5.7.2 A preservação do local, a apreensão dos objetos que compõem o corpo do

delito, a recognição visuográfica e a realização dos exames periciais ...........

5.7.2.1 A preservação do local do crime ..................................................................

5.7.2.2 A apreensão dos objetos e coisas que tiverem relação com o fato

criminoso........................................................................................................

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5.7.2.3 A recognição visuográfica de local de crime ................................................

5.7.3 O atendimento ao conduzido e a realização de exames de corpo de delito .....

5.7.4 A informação preliminar sobre os direitos constitucionais do conduzido........

5.7.5 A necessidade do uso das algemas ..................................................................

5.8 Obstáculos à realização do auto de prisão em flagrante .....................................

5.8.1 Apresentação espontânea do criminoso ...........................................................

5.8.2 Imunidades parlamentares ...............................................................................

5.8.3 Infrações da competência da Lei 9.099/95 ......................................................

5.8.4 Crimes de trânsito ...........................................................................................

5.8.5 Excludentes de criminalidade .........................................................................

5.8.6 Princípio da insignificância .............................................................................

5.9 Formalidades do auto de prisão em flagrante .....................................................

5.9.1 Escrivão competente e “ad hoc”......................................................................

5.9.2 Recibo da entrega do preso - alteração do artigo 304 do CPP, Lei nº.

11.113/05 .........................................................................................................

5.9.3 Compromisso do condutor e da testemunha ....................................................

5.9.4 Ausência de testemunhas .................................................................................

5.9.5 Ordem de inquirição ........................................................................................

5.9.6 Prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante .....................................

5.9.7 Presença do tradutor e intérprete .....................................................................

5.9.8 A ratificação da voz de prisão e o despacho fundamentado ............................

5.9.9 A nota de culpa e o direito de informação .......................................................

5.9.10 O impedimento ou a recusa em assinar a documentação do auto de prisão

em flagrante ...................................................................................................

5.9.11 Apreensão dos objetos e valores na presença do condutor e testemunhas

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VI. AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE JURISDICIONAL

DA PRISÃO EM FLAGRANTE .............................................................................

6.1 As garantias constitucionais da prisão em flagrante ...........................................

6.1.1 Comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente ...............................

6.2 A assistência da família e de advogado ..............................................................

6.3 O respeito à integridade física e moral do conduzido ........................................

6.4 O direito de manter-se em silêncio .....................................................................

6.5 A caracterização do abuso de autoridade e o flagrante ......................................

6.6 O direito de não ser identificado criminalmente .................................................

6.7 O direito de ser indenizado pelo erro judiciário .................................................

6.8 A inviolabilidade do domicílio e a prisão em flagrante.......................................

6.9 O controle jurisdicional da prisão em flagrante ..................................................

6.9.1 Relaxamento da prisão .....................................................................................

6.9.1.1 Relaxamento da prisão por ato da autoridade policial ..................................

6.9.1.2 Relaxamento da prisão por ato da autoridade judiciária ...............................

6.9.2 O direito à fiança e à liberdade provisória. ......................................................

6.9.3 A liberdade provisória concedida pela autoridade policial ..............................

6.9.4 A liberdade provisória concedida pela autoridade judiciária ..........................

6.9.5 A conversão judicial da prisão em flagrante em prisão preventiva .................

6.9.6 As nulidades e a prisão em flagrante ...............................................................

CONCLUSÃO ..........................................................................................................

REFERÊNCIAS.........................................................................................................

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INTRODUÇÃO

A privação da liberdade de alguém sempre foi tema de destaque.

No Brasil, o temor das atrocidades e as prisões injustas até então previstas

no Livro V das Ordenações Filipinas foram afastadas pela Constituição Imperial de l.824.

Nessa Carta, a prisão passou a ser regulamentada e prevista no inciso X do artigo 179,

dispondo que o cerceamento da liberdade somente poderia ocorrer nos casos de flagrante

delito e por força de autorização judicial.

O pensamento garantista daqueles constituintes se refletiu em todas as

Cartas que se seguiram, as quais contiveram normas de semelhante teor:. artigo 72, §13 da

Constituição de 1891; artigo 113, inciso XXI da Constituição de 1934; artigo 122, inciso II da

Constituição de 1937; artigo 141, § 20 da Constituição de 1946; artigo 150, § 12 da

Constituição de 1967; artigo 153, § 12 da Emenda Constitucional nº. 1, de 1969 e artigo 5º,

inciso LXI da Constituição de 1988.

Nem poderia ser de outra forma, tendo em vista que a liberdade do ser

humano é o bem maior a ser preservado, no entanto poderá ser restringida quando alguém, no

gozo dessa mesma liberdade, realizar conscientemente conduta tipificada como crime. Nem

por isso a pessoa presa deixará de merecer amparo, pois se impõe ao Estado e a todos a

obediência e o respeito às garantias constitucionais previstas em favor do acusado.

O estudo sobre a “Dimensão Constitucional da prisão em flagrante” inicia-

se pelo capítulo que trata dos aspectos gerais da prisão em flagrante, no qual se encontram

descritos a evolução histórica, o conceito, a justificativa do instituto e está exposto o

pensamento garantista, que sempre o cercou e evoluiu de forma crescente desde a Carta

Imperial.

O segundo capítulo dedica-se a temas controvertidos relacionados à prisão

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em flagrante, como o ônus da prova, os indícios, a prevaricação e a livre convicção e ainda a

aparente incompatibilidade da prisão em flagrante com o princípio do estado de inocência e os

antecedentes criminais. Nesse capítulo, quanto às espécies e modalidades da prisão em

flagrante, é destacado “o encontro”, que não deve ser confundido com a previsão do inciso IV

do art. 302 do CPP.

O capítulo terceiro descreve o flagrante nos diferentes crimes, como os que

são passíveis de perseguição mediante ação penal privada e pública, os crimes permanentes e

os habituais. Neste capítulo retratam-se ainda temas interessantes, como o da prisão em

flagrante nos crimes de tóxicos, dos crimes praticados por entes jurídicos e o da prisão

originada da violência doméstica e familiar contra a mulher.

As cautelas a serem adotadas, os obstáculos a serem superados e as

formalidades a serem seguidas no auto de prisão em flagrante são examinados no capítulo

quarto. Comenta-se, ainda, sobre a valoração das provas pela autoridade e o seu

convencimento na efetivação da prisão em flagrante, as recentes alterações do modelo de

autuação, a importância da preservação do local, a recognição visuográfica, a necessidade do

uso das algemas, as excludentes de criminalidade e o princípio da insignificância.

O último capítulo foi reservado para as garantias constitucionais, dispondo-

se sobre a necessidade da comunicação ao juiz sobre a prisão do conduzido, a assistência da

família e do advogado, o direito de não ser identificado, o direito de ser indenizado pelo erro

judiciário e o direito ao silêncio.

Encerra-se o trabalho com o exame do controle da prisão em flagrante,

sendo discutidas questões sobre o relaxamento da prisão e a concessão de liberdade provisória

pelas autoridades policial e judiciária, a conversão judicial da prisão em flagrante em prisão

preventiva e as nulidades derivadas de abusos e irregularidades praticadas pela autoridade

policial e seus agentes.

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I. ASPECTOS GERAIS DA PRISÃO EM FLAGRANTE

1.1 Evolução histórica da prisão em flagrante

O cerceamento da liberdade em face de um comportamento contrário aos

bons costumes sempre foi matéria de preocupação.

Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 121) ensina que, no Direito

Romano, o flagrante tinha as finalidades de alcançar o testemunho público do fato punível e

de autorizar o juiz a instruir o processo ex-officio, sem as formalidades solenes da acusação.

No direito medieval, o flagrante de alguém no momento em que cometia um

crime permitia maior celeridade ao rito processual, e, por outro lado, a pena para o autor

surpreendido em flagrante era mais severa em relação ao crime por ele praticado. Com a

evolução do direito, o fato de ser alguém surpreendido em flagrante deixou de ter influência

na punição.

José Henrique Pierangelli (1983, p. 53) esclarece que durante toda a Idade

Média a prisão mereceu uma especial preocupação dos soberanos e procuradores dos

conselhos em cortes, no sentido de se evitarem as prisões ilegais e arbitrárias que privassem

um inocente de sua liberdade.

Conforme discorre o autor, nos conselhos só os juízes podiam ordenar a

captura, enquanto nas localidades onde existisse castelo, como o policiamento pertencia ao

alcaide, que, por sua vez, delegava a função ao alcaide-menor, também eles podiam prender.

Os meirinhos e corregedores, ao realizarem suas inspeções, podiam ordenar a prisão dos

suspeitos.

No século IX, buscando fixar o direito público de cada localidade, surgiram

os forais, também conhecidos como cartas pueblas ou cartas de povoação, e que mais tarde

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deram lugar às leis escritas. Constava desses forais que se a prisão não fosse ordenada pelos

juízes, alvazis ou alcaides, os presos deveriam ser a eles apresentados imediatamente após a

prisão, para que os juízes avaliassem se havia fundamento para a prisão em flagrante. Se não

houvesse, expediam a ordem de soltura.

Pelas mãos de D.Afonso III foi autorizada a Lei n° 1.264, que possibilitava

a liberdade do preso mediante a garantia firmada por fiadores de que ele compareceria

futuramente perante os juízes. Não gozavam dessa faculdade os homicidas, os autores de

feridas ou de chagas graves, os incendiários, os autores de furto manifesto, os britadores de

igrejas e outros. Mesmo para esses os juízes concediam um advogado para a garantia da

defesa.

Sem grandes alterações, o instituto da prisão passou pelas Ordenações

Afonsinas, no período de 1446 a 1520, pelas Ordenações Manoelinas, no período de 1521 a

1603 e pelas Ordenações Filipinas, que vigoraram no período de 1603 a 1830. Nestas, Felipe

I acrescentou a necessidade de três testemunhas nas querelas que resultassem em prisão.

Valdir Sznick (1995, p. 354-356) trouxe à colação a prisão em flagrante por

motivos do “clamor público”. Esse foi um comportamento que viajou no tempo, esteve

presente no direito romano, no direito canônico, no direito visigótico, no direito inglês e no

direito pátrio, trazido pelas Ordenações. O clamor público nada mais era do que o alarme das

testemunhas que presenciavam o crime e aos gritos davam a notícia do fato ocorrido. Sendo o

suspeito detido, era autuado em flagrante.

Com a vinda da Família Real de Portugal para o Brasil, mudanças

significativas ocorreram a partir do ano de 1808: foram criados, dentre outros órgãos, os

cargos de juízes, ouvidores e corregedores, com os respectivos serventuários e oficiais de

justiça.

Por força do Alvará de 15 de janeiro de 1780, determinou-se que todos os

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que haviam sido presos por ordem do Intendente Geral de Polícia ou a partir de requerimento

das partes para posterior formação de culpa fossem levados à presença dos competentes

magistrados para apreciação dos fatos e conseqüente proferimento de sentença. Estabeleceu-

se, então, a manutenção da prisão em razão da culpa ou da liberdade, independentemente de

manifestação do Intendente Geral de Polícia.

No ano de 1821, em decorrência do Decreto aprovado no dia 23 de maio,

foram determinadas providências para a garantia da liberdade individual, ordenando-se que:

a) a partir daquela data, nenhuma pessoa livre no Brasil poderia jamais ser

presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado criminal do território, exceto em flagrante

delito;

b) nenhum juiz ou magistrado criminal poderia expedir ordem de prisão sem

proceder à culpa formada por inquirição sumária de três testemunhas;

c) aos que se achassem presos por terem sido indicados como criminosos

fosse instaurado o devido processo legal.

Pierangelli (1983, p. 53) esclarece que antes da promulgação da

Constituição do Império foram proferidas algumas decisões, que receberam a denominação de

“Decisões do Governo”, conhecidas como legislação suplementar. Dessa forma, o imperador

legislava. Por meio da decisão n° 63, aprovada no dia 08 de março de 1824, foi determinada

punição severa aos escrivãos que protelassem o andamento dos processos de presos

miseráveis, consignando-se, ainda, na decisão n° 78, de 31 de março de 1824, que as

sentenças proferidas fossem devidamente fundamentadas.

Nas Constituições e legislações futuras do Império, nos Códigos estaduais e

no vigente Código, manteve-se essa preocupação com a prisão, sendo sempre tratada

especialmente a prisão em flagrante.1

1 Ver evolução legal e constitucional no nº. 1.2.1 e seguintes.

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1.1.1 Conceito

O termo “prisão” vem do latim aprehensio onis, que tem o significado de

apreender, de clausurar. Nos países europeus, segundo Valdir Sznick (1995, p. 351), a força

probatória negativa da expressão prisão aos poucos foi substituída por arresto, detenção,

captura, custódia. Hélio Tornaghi (1995, p. 48) dispõe que a expressão flagrante origina-se de

flagrans, flagrantis, que significa ardente, brilhante, que está a pegar fogo.

Valdir Sznick (1995, p. 351) assevera que o flagrante representa a evidência

de um fato, por ter sido visto, ouvido, testemunhado, ou, como afirma Hélio Tornaghi (1995,

p. 48), “flagrante é o que está sendo perpetrado, portanto, prender em flagrante é capturar

alguém no momento em que comete um crime”.

Romeu Pires de Campos Barros (1987, p. 118-119) pondera que o flagrante

tem como requisito conceitual a atualidade do delito relacionada à visibilidade. Para o

conhecimento do elemento físico do delito é necessário que alguém perceba a ação do agente

em todo o seu desenvolvimento, e não apenas o evento. No mesmo sentido, Aury Lopes Jr.

(2001, p. 271) preceitua que “o flagrante delito emerge da relativa certeza visual ou

presumida da autoria”.

Nesse sentido Pompeo Pezzatini (1947, p. 295) afirma que “se o flagrante é

o que arde, não poderá arder mais depois de terminada a ação delituosa, já que acabou a

labareda. Acrescenta que o pressuposto do poder de prender não é, portanto, a flagrância, mas

o ser surpreendido na flagrância, demonstrando-se a prevalência do conceito de atualidade

sobre o de visibilidade”.

O flagrante é uma das mais robustas provas do cometimento de um crime e

da autoria. Isto porque o agente é surpreendido no momento em que está cometendo o ato, ou

logo após cometê-lo, quando ainda estão presentes os seus vestígios e ainda palpita o próprio

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crime.

Apesar de ser um conhecimento próximo da verdade, é preciso que a

autoridade policial competente se convença de que não se trata apenas de um quadro montado

ou de um cenário teatral para satisfazer outros interesses.

A realização da prisão em flagrante é de responsabilidade dos órgãos de

segurança pública. As pessoas do povo têm a faculdade de prender aquele que é encontrado

praticando um crime. A prisão enfocada é uma pré-cautela. Está sustentada no periculun in

mora, ou seja, no perigo de se esvair a prova que está inserida no fato criminoso e ao seu

derredor. Ao mesmo tempo, inviabiliza a fuga do responsável e assegura, se necessário, a

futura aplicação da medida cautelar propriamente dita, com a manutenção da prisão.

1.1.2 A finalidade da prisão em flagrante

Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 125) declara que a prisão em

flagrante delito representa uma pronta e eficaz tutela jurídica do Estado, que exercita seu

poder de coação mediante autuação que configura verdadeira autodefesa. Esta atitude é

também permitida ao próprio ofendido e a qualquer do povo. No entendimento de Hélio

Tornaghi (1995, p. 50), “a prisão em flagrante tem a seu favor o consenso universal e

responde não ao desejo de represália, mas ao impulso natural do homem de bem, em prol da

segurança e da ordem”.

Ela assegura a existência das provas do fato criminoso, evita a fuga do

agente e impede sucessivas desordens. Como bem adverte Vicente Greco Filho (1991, p.

236), “duas são as justificativas para a existência da prisão em flagrante: a reação social

imediata à prática da infração e a captação, também imediata, da prova”.

Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 139) considera que o pressuposto

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do poder de captura não é a flagrância, mas a surpresa em flagrante, uma vez que isso implica

um imediato recolhimento do culpado para os fins de justiça, fazendo o Estado sentir o seu

poder de supremacia e o exemplo de sua atuação.

Hélio Tornaghi (1995, p. 48-49) ensina que a flagrância é talvez a mais

eloqüente prova da autoria de um crime e, por essa razão, o legislador não criou nenhum

obstáculo ao ato de se prender aquele que foi encontrado praticando um crime, o que dispensa

a ordem judicial nestes casos.

Acrescenta o autor que a importância da prisão em flagrante para o nosso

direito fez gerar o chamado tríplice efeito de:

a) exemplaridade: serve de advertência aos maus;

b) satisfação: restitui a transparência aos bons;

c) prestígio: restaura a confiança na lei, na ordem jurídica e na autoridade.

Não deixa de ser, conforme ensina Hélio Tornaghi (Idem, p. 7) “para o

autuado um ‘mal’, mas em relação ao Estado, ‘necessário’, no entanto, válido, tolerado

somente nos limites daquela necessidade”.

Sendo a prisão em flagrante o meio de assegurar a transparência dos

elementos probatórios, Valdir Sznick (1995, p. 351-352) pondera que “a natureza jurídica

dessa modalidade de prisão traduz-se em uma medida cautelar”. Assim, permite à Polícia

Judiciária e à Polícia científica reunir as principais provas deixadas pelo autor no momento da

execução do ato ilícito.

Realmente, não há que se considerar a prisão uma antecipação da pena, mas

sim exercício de poder de cautela, que, em um certo prazo, possibilita completar ou

acrescentar outras provas àquelas colhidas no cenário do crime, tranqüiliza a vítima, seus

familiares e as testemunhas e oferece forçosamente horas de reflexão ao indiciado.

A atuação demorada ou frustrada do Estado possibilita a fuga do criminoso,

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o que provoca temor e pavor no meio social e, em relação à investigação, dificuldades em

estabelecer vínculos entre os elementos probatórios e o autor.

1.2 Prisão em flagrante nas Constituições do Brasil

1.2.1 Constituição do Império de 1824

A força do liberalismo inspirou não só a Revolução Francesa do século

XVIII e a independência americana, como também a primeira Constituição do Brasil, em

especial no estabelecimento de um rol de direitos individuais e na separação dos poderes.

Os direitos e garantias individuais da Carta de 1824 apresentavam 35 incisos

no artigo 179. Essas normas se refletiram nas demais constituições que se seguiram, inclusive

na de 1988.

Os mecanismos protetores da prisão injusta ganharam força e foram

inseridos na Constituição do Império de 1824, merecendo amparo legal, nos seguintes incisos:

Inciso 8.° Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de 24 horas, contadas na entrada da prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável que a lei marcará, atenta à extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, o nome do seu acusador, e os das testemunhas havendo-as; Inciso 9.° Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos que a lei a admite, e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão ou desterro para fora da comarca, poderá o réu livrar-se solto; Inciso 10.° À exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu e quem a tiver requerido serão punidos, com as penas que a lei determinar;

Neste período, advento relevante para o processo penal ocorreu com a

aprovação da Lei de 30 de agosto de 1828 que declarava os casos em que se podia proceder à

prisão por delitos, sem culpa formada.

Dispunha o parágrafo 1° do artigo 1°, da referida lei:

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Os que forem achados em flagrante delicto, entendendo-se presos em flagrante delicto, não só os que se apprehenderem commetendo o delicto, mas também os que se prenderem em fugida, indo em seu seguimento os Officiais de Justiça, ou quaesquer cidadãos, que presenciassem o facto, conduzindo-os directamente à presença do Juiz.

O artigo 2° acrescentava que, à exceção do flagrante delito, não seriam

presos os indiciados sem ordem por escrito do juiz competente, a qual lhe seria intimada no

ato da prisão, dando-se-lhes por cópia.

Com o advento dessa previsão, impediam-se finalmente as prisões injustas e

ilegais. Com os artigos 3° e 4°, da lei, procurava-se separar os presos provisórios dos

definitivos: determinava-se o registro em livros próprios destes atos, com a indicação dos

motivos da prisão, do nome do acusador e das testemunhas.

1.2.2 Código de Processo Criminal – Lei de 29.11.1832

A Constituição do Império de 1824 não só abriu as portas para a criação de

um Código Criminal, como determinou que se realizassem estudos para sua elaboração.

Na medida em que as leis esparsas eram criadas, estabeleciam-se e

fortaleciam-se os alicerces para a criação do Código Criminal. Em 16 de dezembro de 1830

foi sancionado o Código Criminal do Império e, dois anos após, no dia 29 de novembro de

1832, foi promulgado o primeiro Código de Processo Criminal. Este Código inspirou-se nos

modelos inglês e francês, afastando assim, as idéias das legislações lusitanas.

O Código do Processo Criminal, denominado de primeira instância, se

referiu claramente à prisão em flagrante, ao trazer no Capítulo III, artigo 131, a prisão sem

culpa formada e a possibilidade de esta ser executada sem a ordem escrita.

O artigo 144, no capítulo IV, tratava da formação da culpa. Dispunha que,

diante do depoimento das testemunhas, do interrogatório do indiciado delinqüente ou de

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outras informações, o juiz, ao se convencer da existência do delito e da autoria, poderia julgar

procedente a queixa ou a denúncia, por despacho nos autos. Caso não fosse possível o

livramento, o delinqüente seria obrigado a se recolher à prisão. Neste caso, dispunha o artigo

148 do mesmo capítulo que, em 24 (vinte e quatro) horas após a prisão, o juiz deveria dar

ciência ao réu do motivo da prisão, do nome do seu acusador e do nome das testemunhas.

Ainda com relação à prisão sem culpa formada, o Código de Processo

Criminal, em seu artigo 175, no Capítulo VI, deixava consignada a possibilidade da prisão,

sem formação de culpa, aos que fossem indiciados em crimes nos quais não fosse possível a

fiança. No entanto, acrescentava que esta prisão deveria ser sustentada e confirmada

pela autoridade legítima, ou seja, a autoridade competente.

1.2.3 Lei nº. 261, de 3.12.1841 – reformas ao Código de Processo

O Código de Processo Criminal, além de muito esperado, foi aplaudido e

festejado pelos operadores do direito. Entretanto, os aplausos não duraram muito, já que,

alguns anos após, em 3 de dezembro de 1841, por meio da Lei n° 261, foram introduzidas

algumas alterações, que objetivavam aumentar os poderes da Polícia. Essas alterações foram

consideradas um retrocesso, pois o modelo aprovado em 1832 era considerado moderno e

liberal.

A reforma introduziu a figura do Chefe de Polícia, que possuía poderes e

salários iguais aos dos juízes e desembargadores, inclusive com gratificação proporcional ao

trabalho.

O chefe de Polícia e seus delegados tinham o poder de conceder a fiança, de

prender e até mesmo de determinar as buscas sem a necessidade de documento escrito ou

mesmo de informação ou de prova testemunhal, apenas com a existência de indícios.

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1.2.4 Regulamento nº. 120, de 31 de janeiro de 1842

Esse regulamento procurou estabelecer alguns critérios ao excesso de poder

atribuído à Polícia. Assim, no caso da prisão dos culpados e das buscas, tratados no artigo

114, os Chefes de Polícia, Delegados e Subdelegados e Juízes de Paz somente poderiam

prender, fora dos casos de prisão em flagrante e de perseguição, diante da ordem escrita

expedida pela autoridade, conforme disposto previsto no artigo 176 do Código de Processo

Criminal, que regulava os requisitos da ordem escrita. O regulamento manteve ainda, no

artigo 149, o respeito aos presos provisórios, ao separá-los dos condenados.

Avanço significativo ocorreu com a aprovação da Lei nº. 2.033. Dentre

outras medidas, regulamentava o procedimento da prisão, dispondo, no artigo 28, a

desnecessidade da utilização de meios cruéis e degradantes em sua condução e, somente

quando necessário, determinava a utilização dos ferros, algemas ou cordas.

1.2.5 Constituição de 1891 e o Período Republicano

A Proclamação da República ensejava mudanças e, com a nova ordem,

muitos decretos foram editados. Pode-se citar em especial o Decreto n° 774, de 20 de

setembro de 1890, que aboliu as penas das galés, reduziu para 30 anos as penas e,

especificamente no artigo 3°, consignou que o tempo de prisão seria computado na execução

da pena. As alterações ressaltadas demonstravam uma significativa evolução na relação

infração-pena, resultando a prisão como meio alternativo entre os meios degradantes que até

então eram utilizados.

O conteúdo do inciso X do artigo 179 da Carta Imperial refletiu sobre todas

as demais que se seguiram, ao limitar a prisão para os casos de flagrante delito e de quando

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autorizada pela autoridade competente nos casos expressos em lei, devendo, de qualquer

forma, ser comunicada ao juiz competente imediatamente à sua execução2.

1.2.6 A prisão em flagrante no Código de Processo Penal de 1941 – Decreto-Lei nº. 3.689 – e em alterações futuras

As reformas do Código de Processo Penal, segundo o Ministro da Justiça

Francisco Campos (2004, p. 05 e 10), se adequavam aos interesses da boa administração da

Justiça. Em especial, nos casos de flagrante delito, reclamava-se um ajustamento, para buscar

maior eficácia e energia da ação repressiva do Estado.

O Código de Processo Penal de 1832 previa apenas as hipóteses de flagrante

próprio, quando o autor: a) estivesse cometendo a infração Penal; b) tivesse acabado de

cometê-la.

Esse quadro foi alterado com o vigente Código. Os argumentos da comissão

de reforma do Código de Processo Penal foram convincentes e as alterações desejadas assim

foram justificadas:

O interesse da administração da justiça não pode continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos formalísticos, que redundam em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, a afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em circunstâncias que evidenciam sua relação com este.

Aprovadas as reformas, foram acrescidos dois incisos e assim passou a

dispor o artigo 302 do CPP:

“Considera-se em flagrante delito quem:

2 No mesmo sentido: o artigo 72, § 13 da Carta de 24 de fevereiro de 1891 – Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil; o inciso 21 do artigo 113, da Carta de 16 de julho de 1934 – Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil; inciso 11, do artigo 122, da Constituição de 10 de novembro de 1937 – Constituição dos Estados Unidos do Brasil; o § 20, do artigo 141, da Constituição de 18 de setembro de 1946 – Constituição dos Estados Unidos do Brasil; § 12, do artigo 150, da Carta de 24 de janeiro de 1967 – Constituição do Brasil; § 12, do artigo 153, da Emenda Constitucional n.° 1, de 17 de outubro de 1969 – Constituição da República Federativado Brasil; e incisos LXI, do artigo 5.° da Constituição de 05 de outubro de 1988.

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I – [...] II – [...] III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Enquanto os primeiros incisos representam no nosso ordenamento jurídico o

verdadeiro flagrante – “flagrante próprio”, os incisos III e IV, na lição de José Frederico

Marques (1997, p. 77), são considerados “quase flagrante”, uma vez que exigem, para a

formalização da prisão, a convicção sustentada pela valoração e pela coerência das provas

apresentadas.

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II. ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA PRISÃO EM FLAGRANTE

2.1 A prisão em flagrante e o ônus da prova

Com a ocorrência de um crime há evidente e inegável interesse na

aplicação do direito penal. A vítima ou seu representante, acompanhando o anseio da

sociedade, de pronto espera a devida punição do agente e a reparação do prejuízo resultante

do fato. O Estado, detentor do jus puniendi, assume, nos crimes de ação penal pública, do

início ao final, a responsabilidade de perseguir o agente e de restabelecer a paz social.

Todas as energias são direcionadas no sentido de - cada qual dentro do seu

âmbito de atuação - provar a verdade, a fim de que o Estado, em obediência ao princípio da

livre convicção fundamentada, profira uma decisão justa. Na lição de Mittermaier (1996, p.

59), “provar é querer, em substância, demonstrar a verdade e convencer o juiz, o qual para

decidir há mister de adquirir plena certeza”.

Os elementos de convicção de sobre a ocorrência do fato que redundou na

prisão de alguém, nos termos do artigo 302, podem chegar à autoridade policial competente

de várias formas: a) por meio de informes precisos e convincentes que revelam existir perfeita

sintonia entre as declarações da vítima, o depoimento das testemunhas e a confirmação dos

fatos pelo conduzido – há, assim, convicção necessária para a autuação da prisão em

flagrante; b) por meio de informes frágeis, pois, em virtude da omissão do condutor, deixou-

se de colher informações relevantes ou não se apresentaram testemunhas e outros meios de

prova, traduzindo dados contraditórios e confusos – a convicção deverá ser alcançada por

meio de investigação rápida mas cautelosa a fim de se decidir pela manutenção ou não da

prisão; c) por meio de informes que evidenciam a existência de um fato que não caracteriza

crime, ou, se mostram a caracterização de um crime, não evidenciam a participação do

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conduzido, o que impele a autoridade policial competente a rechaçar a medida de

cerceamento da liberdade do conduzido e preferir investigar melhor os fatos por meio do

inquérito policial – há, assim, convicção negativa bem definida.

Para a autoridade policial competente, o problema crucial surge exatamente

quando se encontra em face da situação retratada no item “b”. As falhas cometidas pelos

agentes da Segurança Pública no atendimento ao fato podem gerar um esvaziamento no

conjunto probatório e serem transferidas para a autoridade policial responsável pela análise da

prisão, exigindo dela sensibilidade e cautela, para não colocar em liberdade um criminoso

astuto, nem tampouco privar a liberdade de um inocente.

De um lado, deve-se avaliar que a prisão provisória, na preleção de Luiz

Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1998, p. 96), deve ser concebida como cautela,

somente cabível quando fundada em razões objetivas, indicativas de motivos concretos,

suscetíveis de autorizar a medida constritiva de liberdade.

Por outro lado, como Jorge de Figueiredo Dias (1974, p. 440) pondera, “o

argüido é indiscutivelmente, em princípio uma das pessoas que estará em melhor situação

para dar relevantes esclarecimentos sobre a matéria da notitia criminis e da acusação,

independentemente do fato de ser ou não culpado”.

Acentua, ainda Roberto Delmanto Júnior (2001, p. 122), que é no “interesse

da sua própria defesa e da sua liberdade que o preso é chamado a falar no auto de flagrante

dizendo sobre a acusação feita pelo condutor e as testemunhas”.

Scarance Fernandes (2002, p. 138) ressalta que “deve o preso ser

interrogado sob pena de ser considerado nulo o auto de prisão em flagrante. Nessa

oportunidade terá o preso possibilidade de apresentar sua versão, sem prejuízo de preferir o

silêncio constitucionalmente assegurado”.

Haveria, ainda que mitigado, um ônus do investigado de, ao prestar

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declaração, convencer a autoridade de que não deve ser preso.

José Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 235) acentua que “existe o ônus

quando o exercício de uma faculdade é condição para se obter uma determinada situação de

vantagem ou para impedir uma situação desvantajosa”.

A nossa proposta neste estudo não é de inverter o ônus probandi, obrigação

do Estado, exercida pelo Ministério Público, nem tampouco de se induzir o conduzido a falar,

quando tem em seu favor o direito de manter-se em silêncio. No entanto, o conduzido, se

conhecer dados sobre o fato que possam ajudar na convicção da autoridade competente, deve

se manifestar, com o fim de afastar dúvidas quanto a sua inocência e de evitar a possibilidade

de privação de sua liberdade.

Certo que, em questões criminais, cabe ao Estado o ônus de reunir provas

convincentes da autoria do crime, seja consumado ou tentado, com vistas ao ajuizamento da

ação penal pública. Entretanto, não pode o suspeito ou conduzido, em razão dessa premissa

basilar, permanecer inerte diante do cerco que se forma ao seu derredor. Deve participar, se

for em seu benefício, esclarecendo seu posicionamento diante dos questionamentos

incriminadores.

Não se trata de ofender as garantias constitucionais do detido, mas, ao

contrário, de, diante das suspeitas e dúvidas em torno de determinada situação, dever a

autoridade policial buscar esclarecimentos para fortalecer o seu convencimento, ainda que,

levando o suspeito a se manifestar sobre o fato.

Por um lado, o silêncio do conduzido em seu interrogatório no auto de

prisão em flagrante traduz uma garantia que pode lhe favorecer durante a instrução do

processo, uma vez que, na dúvida, o magistrado proferirá uma sentença penal absolutória. Por

outro lado, o interesse do conduzido em se manifestar no interrogatório policial e colaborar no

esclarecimento da verdade pode servir para evidenciar a sua condição de inocente ou para

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mostrar que está amparado por uma excludente de ilicitude. O combate à acusação,

fornecendo à autoridade policial competente os detalhes de seu envolvimento, ou mesmo a

ausência deste, são os meios que irão possibilitar a manutenção do direito sagrado da

liberdade (NUCCI, 1999, p. 68)3.

2.2 O flagrante e os indícios

Provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade. Fernando

da Costa Tourinho Filho (2003, p. 215) assevera que provas são os elementos produzidos

pelas partes ou pelo próprio juiz, com intuito de estabelecer, dentro do processo, a existência

de certos fatos. Nesse sentido é o entendimento de Paolo Tonini (2002, p. 52): tudo aquilo que

é idôneo a fornecer resultados relevantes para a decisão do juiz é fonte de prova. Da fonte

extraem-se os meios até se chegar aos elementos de prova: A credibilidade da fonte e a

idoneidade do elemento obtido possibilitam encontrar o resultado probatório. Com base neste

e nos resultados de outros meios de prova, o juiz apura o fato histórico.

A doutrina de Nicola Framarino Malatesta (2002, p. 112-144/194) considera

três aspectos essências à prova: a) o seu objeto; b) o sujeito de que emana; c) a forma.

Explica o autor que, em relação ao objeto, a prova pode ser: a) direta,

sempre que houver algo imediatamente provado; é aquela prova resultante da afirmação de ser

visto, como o testemunho, e, ainda, a confissão e o documento; b) indireta, quando não

houver o imediatamente provado, ou seja, quando for proveniente de um raciocínio ou de se

ter apenas ouvido, o que resulta no indício. 3 O autor acrescenta que “na realidade quem nega um fato está afirmando, inversamente algum outro. Quando o réu diz que não praticou o delito porque não esta no local dos fatos, está querendo dizer que estava em lugar diferente. Logo, está fazendo uma afirmação positiva contrária”. Os autores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho (2000, p. 79), ensinam que: “Por intermédio do interrogatório – rectius, das declarações espontâneas do acusado submetido a interrogatório –, o juiz pode tomar conhecimento de notícias e elementos úteis para a descoberta da verdade. Mas não é para esta finalidade que o interrogatório está preordenado. Pode constituir fonte de prova, não meio de prova”.

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Kai Ambos e Fauzi Hassan Choukr (2001, p. 163-164) afirmam que o

indício, no crime, é a circunstância que a ele se liga, e que, por essa conexão, concorre para se

chegar à conclusão de que o crime foi cometido, de que o sujeito é seu autor, de que ocorreu

desse modo. Refere-se, pois, ao fato, à autoria e às circunstâncias.

Vincenzo Manzini (1949, p. 473) afirma que a Igreja deu muita importância

aos indícios em seu sistema das provas legais. Para ele, o indício é uma circunstância certa de

que se pode extrair, por indução lógica, uma conclusão acerca da existência ou inexistência de

um fato a se provar.

Já Malatesta (2002, p. 194) discorre que devemos reunir todos os indícios

possíveis: “fazei sua análise lógica e vos encontrareis sempre diante de uma premissa maior,

que tem por conteúdo um juízo específico, de causalidade; a uma premissa menor, que afirma

a existência de um sujeito particular em questão o predicado atribuído na premissa maior ao

sujeito específico”.

A força probatória do indício está em conhecer, em investigar a força da

relação específica de causalidade que nele liga o desconhecido ao conhecido.

José Frederico Marques (2000, p. 450) pondera que o indício tem como

ponto de partida um fato provado. Por essa razão, a fonte dos indícios pode ser as várias

provas diretas em que possa descansar a demonstração desse fato, como o depoimento da

testemunha, as declarações do ofendido, o interrogatório do acusado ou mesmo os exames

periciais, os quais podem trazer detalhes ou elementos indiciários.

Ao discorrer sobre a relação temporal entre os indícios e o crime, Hélio

Tornaghi (1959, p. 80) declara que os indícios podem ser anteriores, concomitantes ou

subseqüentes ao crime: a) anteriores são os atos antecedentes, preparatórios, como a compra

de uma arma, o planejamento, o preparo da fuga e a ameaça; b) concomitantes são indícios

contemporâneos do crime; os mais comuns são os gritos da vítima e os pedidos de socorro; c)

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posteriores são os vestígios materiais deixados pelo crime, como cabelo do assassino na mão

do morto, manchas de sangue na roupa do indiciado, posse da res furtiva.

Conforme lição de Vicente Greco Filho (1999, p. 209), o Código de

Processo Penal, às vezes utiliza o termo “indício” como sinônimo de elemento de prova,

direta ou indireta, e lhe dá um qualificativo, para significar maior ou menor grau de

convicção. Assim, para determinados efeitos processuais, o Código exige ora “indícios”, por

estabelecer que bastam alguns elementos de prova, ora “indícios suficientes”, entendendo

agora que os indícios devem ser razoáveis. Em outras circunstâncias exige “indícios

veementes”, ao indicar a necessidade de existir convicção consistente para determinada

situação. A prova traduziria a certeza sobre determinado fato, como dispõe o artigo 386,

inciso VI, do Código de Processo Penal.

No direito processual português, Germano Marques da Silva (1999, p. 98)

cita os artigos 327, nº. 2, e 355 e declara que não valem em julgamento quaisquer provas que

não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência e submetidas ao contraditório.

Enquanto a prova demonstra certeza que pode se espelhar na convicção do

juiz, os indícios apontam uma direção que, ao se reunirem a outros indícios, podem levar o

magistrado a uma conclusão.

Quanto à valoração da prova indiciária, Hélio Tornaghi (1959, p. 80-81)

ensina que no sistema da livre convicção não há regras preestabelecidas para a avaliação da

prova indiciária. Acrescenta que cada indício deve ser veemente e preciso e o conjunto dos

indícios deve ser concordante. No mesmo sentido é a lição de Manzini (1949, p. 485) no que

se refere à livre convicção do juiz e à força probatória dos indícios que seria igual à de

qualquer outro elemento de prova.

Maria Thereza Rocha de Assis Moura (1994, p. 80) pondera que os indícios

possuem força probante igual à de qualquer outra prova, em face da regra do livre

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convencimento, conquanto que preenchidos os requisitos de existência, validade e eficácia.

Nem sempre o fato criminoso apresentado pelo condutor à autoridade

policial representa uma certeza, de sorte que se exige, da mesma forma, cautela no exame dos

argumentos da testemunha, da vítima e dos policiais que, não raramente, valorizam

demasiadamente o sucesso da diligência, em detrimento da conduta do autuado. É certo que,

para a autuação da prisão em flagrante não se exige prova plena, sendo suficientes a

existência do crime e os indícios da autoria, bem como a aplicação do princípio da

razoabilidade pela autoridade policial. Se restar dúvida e não for um crime grave, é preferível

apurarem-se os fatos por meio do inquérito policial, para se evitar o cerceamento da liberdade.

2.3 A prevaricação e a livre convicção no auto de prisão em flagrante

Entre os crimes praticados contra a Administração Pública, a prevaricação,

crime previsto no artigo 319 do Código Penal, não deixa de ser uma preocupação para os

operadores do direito.

A objetividade jurídica do crime de prevaricação, segundo a doutrina, é a

tutela do bom funcionamento da atividade pública. Em outras palavras, é o interesse da

administração pública.

Nota-se que esse interesse tende oscilar de acordo com o comportamento da

sociedade. A estabilidade da economia permite calmaria social e, com isso, os interesses nas

questões criminais se inclinam para a preservação das garantias individuais e das liberdades

públicas. No entanto, os interesses podem ser mutáveis, e, em momentos de crise, a

mentalidade social que exige o cumprimento dessas garantias pode passar a exercer pressões

no sentido inverso daqueles direitos.

Por exemplo, os agentes da Segurança Pública, se pressionados, podem

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exigir das autoridades policiais mais rigor na interpretação do fato em favor do cerceamento

da liberdade, e estabelecer obstáculos ao entendimento dos princípios da proporcionalidade,

da insignificância e da intervenção mínima. Os adeptos desse pensamento acreditam que a

solução está no rigor, no temor e no exemplo pela força. Com essa pressão, são afetados os

delegados de polícia, os promotores de justiça e os representantes do Poder Judiciário, que se

vêem atacados em sua liberdade de agir e de julgar.

O tipo objetivo do crime de prevaricação pode se apresentar sob três formas:

a) quando o funcionário público retardar indevidamente ato de ofício; b) quando o funcionário

público deixar indevidamente de praticar ato de ofício; c) quando o funcionário público

praticar o ato contrário à disposição expressa da lei. Nas duas primeiras modalidades o crime

é omissivo e, na última, comissivo.

Em especial, nas questões relacionadas à prisão em flagrante, o cerne do

problema que envolve as autoridades policiais está em ela deixar indevidamente de praticar o

ato ou praticá-lo de forma contrária à disposição expressa da lei.

Pode caracterizar-se o crime de prevaricação quando a autoridade policial,

ao recepcionar as partes apresentadas pelo condutor, deixar de registrar a ocorrência policial

e, conseqüentemente, deixar de tomar as providências cabíveis.

No entanto, incluímo-nos entre os que entendem que, tomadas essas

providências, se restarem dúvidas, o fato de preferir a investigação por meio do inquérito

policial ao invés da prisão em flagrante e da conseqüente privação da liberdade, não pode

configurar conduta considerada prevaricação, pois são indispensáveis para a caracterização do

crime o dolo, enquanto tipo subjetivo, e a satisfação de interesse ou sentimento pessoal do

agente.

Como assinala Welzel (1976, p. 95),

dolo é saber e querer a realização do tipo. Dolo em sentido técnico penal é somente a vontade de ação orientada para a realização do tipo de um delito. Disto se entende

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que também existem ações não dolosas,a saber, as ações nas quais a vontade de agir não está orientada na realização do tipo de um delito, como sucede na maioria das ações da vida do cotidiano.

Para a caracterização do crime exige-se ainda um valor único, autônomo e

especial por parte da autoridade, que é satisfazer interesse ou sentimento pessoal, que,

segundo lição de Mário Sérgio Leite, (1995, p. 148), “é um estado anímico no qual se coloca a

pessoa visando suprir determinada necessidade, seja de natureza material, patrimonial ou

moral”.

Portanto, sendo as decisões da autoridade policial em preferir o inquérito em

vez da prisão calcadas no livre convencimento e com base na lei, não há que se falar no crime

de prevaricação, porque os profissionais do direito não podem se influenciar por pressões

locais ou por movimentos extremistas que buscam unicamente no rigor da aplicação do

Direito Penal solução para os problemas de criminalidade.

2.4 A aparente incompatibilidade entre a prisão em flagrante, o princípio do estado de inocência e os antecedentes criminais

2.4.1 O princípio do estado de inocência, o uso da proporcionalidade e a prisão em flagrante

No século XX, a partir dos anos 70, o pensamento garantista foi se firmando

em nosso ordenamento jurídico, a ponto de a Carta de 1988 consagrar no artigo 5º, inciso

LVII, o princípio do estado da inocência e, no inciso LXI, as modalidades de prisão, quais

sejam, em flagrante e por ordem escrita da autoridade judiciária.

Ada Pellegrini Grinover (2005, p. 548), ao comentar sobre as previsões do

artigo 5.°, incisos LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da

sentença penal condenatória” e LXI – “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por

ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente” –, da Constituição,

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discorre que a liberdade física do indivíduo constitui um dos dogmas do regime democrático,

de modo que qualquer restrição à liberdade deve ser medida extraordinária, cuja adoção deve

estar subordinada a determinados parâmetros que decorrem dos preceitos maiores da ordem

constitucional. A doutrinadora ainda defende o uso da proporcionalidade, segundo o qual uma

lei restritiva de direitos fundamentais, mesmo quando adequada e necessária, pode ser

inconstitucional se adotar cargas coativas desmedidas, desajustadas, excessivas ou

desproporcionais em relação aos resultados.

Acrescenta que o princípio da não culpabilidade assegura ao indivíduo a

proteção a qualquer medida restritiva ao direito de liberdade, devendo a medida cautelar da

prisão antecipada - modalidade da prisão provisória - estar justificada por indeclináveis e

comprovadas exigências previstas e devidamente fundamentadas.

Em suma, uma medida restritiva, como a privação da liberdade em virtude

de uma prisão em flagrante, deve ter natureza cautelar e deve obedecer aos parâmetros da

proporcionalidade.

Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 260), ao comentar sobre o processo

cautelar, argumenta que os provimentos cautelares representam uma conciliação entre duas

exigências geralmente contrastantes na Justiça, ou seja, a da liberdade e a da ponderação

“entre fazer logo, porém mal, e fazer bem, mas tardiamente”. Os provimentos cautelares

visam, sobretudo, a um fazimento rápido e a deixar que a Justiça intrínseca do provimento

seja resolvida mais tarde, com a necessária ponderação, nas mais precavidas formas do

processo de conhecimento sob o rito ordinário.

O processo cautelar propõe-se a conferir eficácia ao principal, logo deve

prevalecer o equilíbrio entre os males que podem ser causados ao suspeito – caso se comprove

mais tarde ser ele inocente - e a conseqüência danosa que pode advir da ausência da medida.

Comprovada a necessidade cautelar da privação da liberdade em face da

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caracterização do estado de flagrância, a Constituição, no intuito de amenizar o impacto da

medida, vista naquele momento como imprescindível, procurou cercar o preso de algumas

garantias, quais sejam, entre outras, a comunicação ao juiz e à família ou a outra pessoa por

ele indicada, do local em que se encontra preso (artigo 5º, LXII); o direito de permanecer

calado, assegurada a assistência da família e de advogado (artigo 5º, LXIV); o relaxamento

imediato da prisão ilegal pela autoridade judiciária (artigo 5º, LXV).

No que se refere ao uso do princípio da proporcionalidade, Willis Santiago

Guerra Filho (2005, p. 33-34) pondera a necessidade de se estabelecer a melhor

correspondência jurídica entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio

empregado. Isso significa que não se fixa o “conteúdo essencial” de direito fundamental, com

o despeito intolerável da dignidade humana. Significa também que as vantagens trazidas para

interesses da ordem superam as desvantagens para o interesse de algumas pessoas. Os

subprincípios da adequação, da exigibilidade ou indispensabilidade determinam que, dentro

do faticamente possível, o meio escolhido deve ser “adequado”, deve se mostrar “exigível”, o

que significa não haver outro igualmente eficaz, e deve ser o menos danoso aos direitos

fundamentais.

Observada a natureza cautelar da prisão e respeitados os critérios de

proporcionalidade, a prisão decorrente do flagrante está em consonância com o princípio da

presunção de inocência.

Antonio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 7) ensina que

em princípio, a restrição da liberdade em caráter cautelar instrumental não é incompatível com a afirmação da presunção de inocência, uma vez que não é imposta como antecipação da punição, embora, em determinados casos possa sugerir certa identificação entre as qualificações de acusado e culpado, na medida em que o temor de que o réu crie obstáculos à colheita de provas pode indicar que já não é considerado inocente.

O legislador português, de forma clara e objetiva, introduziu, no artigo 193-

1 do CPP, os princípios da adequação e da proporcionalidade. Dispõe o artigo:

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As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

Portanto, em razão da necessidade concreta, real e efetiva, consubstanciada

no “fumus boni iuris” e no “periculum im mora”, a prisão em flagrante não afronta o princípio

constitucional do estado de inocência.

2.4.2 A presunção de inocência e os antecedentes criminais

No Estado de São Paulo, os antecedentes criminais são fornecidos pelo

Centro de Processamento de Dados – Prodesp. Estes antecedentes não devem ser confundidos

com o atestado de antecedentes criminais ou com as certidões criminais.

Enquanto o atestado de antecedentes criminais é fornecido pelo Órgão da

Segurança Pública – Delegacias de Polícia, as certidões criminais são expedidas pelo Órgão

do Poder Judiciário – Cartório Distribuidor dos Fóruns das Comarcas – e atendem a mesma

finalidade, qual seja, informar órgãos públicos, empresas, instituições e outros setores da

sociedade sobre a idoneidade do requerente. São os atos contrários à norma penal, registrados

e disponibilizados ao conhecimento público sempre que requerido pelo interessado. Já os

antecedentes criminais são de controle interno, ou seja, são os registros informando aos

Órgãos da Segurança Pública, Ministério Público e Poder Judiciário sobre a situação do

indivíduo, por exemplo, se reincidente ou não.

Sempre que a autoridade policial se convencer da materialidade e da autoria

do crime, ainda que não resulte das provas amealhadas uma certeza real, deve determinar a

formalização do indiciamento por meio do interrogatório, do preenchimento do formulário da

vida pregressa, da qualificação e da planilha de identificação criminal.

A identificação criminal retrata as informações do fato criminoso, a

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tipificação penal e os sinais e características físicas do indiciado. As cópias da identificação

criminal seguem para o Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, na capital, que,

por sua vez, alimenta o banco de dados da Prodesp.

As informações sobre o arquivamento do inquérito policial, recebimento da

denúncia, sentença ou execução da eventual pena e seus efeitos são repassados pelo Poder

Judiciário. O acesso se faz pela inserção no sistema, por meio do número da Carteira de

Identidade, servindo a qualificação como complemento. Deste modo, haverá informações do

inquérito policial e da ação penal condenatória até a execução da pena sempre que pesquisada

a identidade do autor de um crime, mesmo que a sentença tenha transitado em julgado.

Portanto, à exceção dos processos em andamento, todas as informações

referentes àquele que já foi indiciado e processado criminalmente podem ser consultadas por

meio da pesquisa dos antecedentes criminais que necessariamente é juntada no inquérito

policial e utilizada como orientação pelas autoridades envolvidas na investigação.

A questão que surge em torno das informações contidas nos antecedentes

criminais é a sua utilização como meio de prova ou como fator influenciador de decisão sobre

a realização ou não do auto de prisão em flagrante, ou se deve ser considerada tão somente

para orientação aos Órgãos da Segurança Pública, Ministério Público e Poder Judiciário.

Não restam dúvidas de que as informações sobre os crimes praticados pelo

indivíduo constantes na pesquisa dos antecedentes criminais indicam o modus operandi e

servem como meio orientador de investigação. Todavia, jamais devem ser utilizadas como

meio de prova, uma vez que os atos passados não podem se vincular ao ato em que o

investigado foi surpreendido em uma das hipóteses do artigo 302 do Código de Processo

Penal.

Sendo o fato típico e resultando fundada suspeita da autoria, avaliado o

princípio da razoabilidade, deve a autoridade policial competente proceder à autuação da

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prisão.

Antonio Magalhães Gomes Filho (Idem, p. 63) considera que

o conceito de primariedade é objetivo, resultando da existência ou não de condenação anterior, a idéia de bons antecedentes é extremamente fluída, o que tem possibilitado a adoção de critérios jurisprudenciais extremamente largos, que incluem apreciações subjetivas a respeito da personalidade do agente e de circunstâncias do fato criminoso, estranhos à valoração da situação de perigo exigível para a decretação ou manutenção da custódia cautelar.

Tomando como base o texto constitucional, Fauzi Hassan Choukr (2001, p.

38-40) entende ser impossível reconhecer os maus antecedentes do réu com base em

Inquéritos Policiais e Processos Criminais em andamento, relacionados pelo Instituto de

Identificação da Polícia. Acrescenta que somente caracterizam tais antecedentes as

condenações transitadas em julgado. Acrescenta o autor (Idem, p. 27) que o princípio da

presunção da inocência dispõe que o acusado não deve mais ser visto como um objeto do

processo, mas sim sujeito de direitos dentro da relação processual. Portanto, os maus

antecedentes não devem ser obstáculos ao reconhecimento dos direitos previstos ao autuado,

servindo tão somente aos fins previstos no artigo 59 do Código Penal – fixação da pena – e

orientação para a investigação criminal.

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III. FLAGRANTE: ESPÉCIES

3.1 Espécies de flagrante

3.1.1 Flagrante próprio ou real

3.1.1.1 Está cometendo o crime – flagrante real

Iniciada a execução de um fato criminoso, tendo sido o autor surpreendido

no local do crime, estará caracterizada a flagrância.

Assim dispõe o artigo 302 do Código de Processo Penal, a respeito do

flagrante próprio sob a modalidade de estar cometendo o crime:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – [...] III – [...] IV – [...]

Salvo algumas exceções, como no crime de porte de arma, é necessário

enfatizar que os atos da cogitação e os atos preparatórios, também conhecidos como fases do

iter criminis, não configuram o crime e não possuem ainda a força de serem atos

caracterizadores do estado de flagrância.

Após a ocorrência do fato criminoso, os atos preparatórios e de cogitação

passam a ter grande importância para a corporificação da materialidade, uma vez que o

caminhar no sentido contrário, rastreando os passos do flagrado, poderá reconstruir as fases e

etapas que materializaram o pensamento e o desejo do autor.

“Estar cometendo o crime”, deve ser interpretado como o autor estar no

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local praticando atos de execução e, por isso, ser ele visualizado, ouvido e surpreendido nessa

condição.

Na Venezuela, Marco Antonio Medina Salas (2002, p. 41), declara que esta

modalidade é denominada de “flagrância em sentido estricto”.

3.1.1.2 Acaba de cometer o crime – flagrante real

O autor, satisfeito com sua conduta, prepara-se para se retirar do cenário do

crime, quando é surpreendido por populares, vítima, testemunhas ou mesmo agentes da

segurança pública. É flagrado justamente no momento em que está se retirando do local em

que consumou ou tentou o ato criminoso. É reconhecido e está levando consigo a arma do

crime ou os objetos pertencentes à vítima.

Realizando o caminho inverso será possível constatar o rastro dos seus atos.

Assim, o Código de Processo Penal define o flagrante próprio sob a

modalidade “quem acaba de cometer o crime”:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – [...] II – acaba de cometê-la; III – [...] IV – [...]

Enquanto na primeira modalidade o autor é visto praticando o ato

criminoso, nesta é surpreendido abandonando o local, deixando características de ser ele o

agente causador. São hipóteses previstas pelo legislador que não permitem dúvidas quanto ao

estado de flagrância.

O legislador não fixou nenhum prazo com relação ao tempo que medeia a

retirada do autor do local do crime. A doutrina é unânime no sentido de que o tempo está

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focalizado no sentido lógico da ação sem que ocorra um espaçamento do qual resulte em

dúvidas quanto a sua participação no crime. Conforme ensina a doutrina, há que existir a

rigorosa imediatidade.

Nesse sentido é a lição de Heráclito Antonio Mossin (1998, p. 365),

somente ficará caracterizado o flagrante quando o agente for surpreendido imediatamente após a sua consumação. Deve haver uma rigorosa imediatidade entre o cometimento do crime e o surpreendimento de seu autor. Caso contrário deixa de haver a flagrância delitiva, não podendo o agente ser preso.

Eduardo Espínola Filho (2000, p. 390) interpreta a hipótese como:

“instantes seguintes à sua execução, os traços deixados ainda quentes”.

Se se interpretar que flagrante é o que está a queimar, a crepitar em chamas,

não restam dúvidas de que os incisos I e II do artigo 302 do CPP representam e guardam essa

certeza.

3.1.2 Flagrante impróprio e presumido (ficto)

São modalidades de quase flagrante.

3.1.2.1 Flagrante impróprio

Ocorre esta modalidade de flagrante quando o autor passa pelas duas

primeiras hipóteses e, após haver executado o crime no todo ou em parte, é visto saindo do

local e é perseguido ininterruptamente pelas testemunhas, vítima, transeuntes e agentes da

segurança pública. Após ser detido e restando comprovado, por meio da arma utilizada, de

sujeiras, de marcas, de manchas de sangue, de vestes que usava e de objetos que carregava,

tratar-se da mesma pessoa que momentos antes se encontrava no palco dos acontecimentos e

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praticou o fato criminoso, é possível autuar em flagrante o conduzido.

Segundo a doutrina, a hipótese traduz uma presunção de que nas condições

em que foi detido poderá ser o autor do crime. É preciso realizar uma construção lógica dos

atos, refazendo passo a passo a conduta do suspeito. Depois de somadas as características

específicas conclui-se pela autoria.

Esta é a previsão do artigo 302, inciso III do Código de Processo Penal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – [...] II – [...] III – é perseguido, logo após pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – [...]

O legislador utilizou a expressão “logo após” justamente para não permitir

interpretação dúbia. Assim, se o autor foi visto saindo do local quando acabara de cometer o

crime e é preso, estará configurada a hipótese do inciso II do citado artigo. A caracterização

do inciso III ocorre quando o autor, por não ter sido detido nesse momento, obtém êxito

momentâneo na fuga, logo após haver praticado o crime no todo ou em parte, mas, em razão

da condição visual e informativa, é perseguido e detido por qualquer do povo ou mesmo pelos

agentes da segurança pública (TUCCI, 1980, p. 225)4.

Eduardo Reale Ferrari (FERRARI apud MARQUES, 2000, p. 76), ao

revisar e atualizar a obra de José Frederico Marques, traz decisão do Supremo Tribunal

Federal pela qual “iniciada a perseguição logo após o crime, sendo ela incessante nos termos

legais, não importa o tempo decorrido entre o momento do crime e a prisão de seu autor”.

4 Denominado de quase flagrante, pondera-se que a hipótese do inciso III, “se caracteriza pelas circunstâncias reveladoras de relacionamento pessoal, material e temporal entre o indigitado delinqüente e o cometimento delitivo, de um lado, e a retenção daquele, de outro: dessume-se, da conduta ou estado da pessoa, ou de armas, objetos ou papéis que esteja ela portando, no momento imediatamente posterior ao do fato criminoso, a autoria da infração penal constatada. Acrescenta o autor que em razão da ausência ocular do crime no exato instante de sua realização leva a uma presunção de autoria, o fato de ter sido detido logo após o crime”.

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3.1.2.2 Flagrante presumido ou ficto

O flagrante presumido ou ficto refere-se à hipótese em que o autor

conseguiu exaurir o crime, fugiu do local sem ser visto, mas logo depois foi encontrado

portando a arma do crime ou objetos e coisas que façam presumir ser o autor do crime, como

está no inciso IV do art. 302, do CPP:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – [...] II – [...] III – [...] IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Para a caracterização do flagrante ficto, é necessário que, após a fuga do

autor, vítima ou testemunhas tenham percebido o ocorrido e pessoalmente ou com a ajuda de

terceiros comuniquem à polícia, para que o órgão, por meio de diligências baseadas nas

informações colhidas, no modus operandi do agente e em sua experiência, encontre o autor.

Assim, em virtude do encontro de objetos e coisas pertencentes à vítima, ou

do fato de o conduzido estar trazendo consigo a arma que provavelmente fora utilizada na

prática da infração, é possível presumir ter sido ele o autor do crime. Há que se efetuar nessa

hipótese uma interpretação extensiva da construção lógica dos fatos ocorridos (TORNAGHI,

1995, p. 54)5.

A descoberta casual de um crime ainda desconhecido da vítima ou não

confirmado por testemunhas e, principalmente, sem ter sido informado à polícia, serve para

caracterizar o crime, mas não serve para caracterizar o estado de flagrância presumida,

5 A consagração da quase-flagrância em lei advém, portanto, não de perfeita identidade com a flagrância, mas do fato de que ela se aproxima: não torna certa a autoria, mas a faz provável; e tal como na flagrância verdadeira, também na quase-flagrância é grande a indignação dos circunstantes, o escândalo, o desassossego. E, por outro lado, a necessidade de se colherem de imediato os elementos de prova, os vestígios materiais deixados pelo fato ainda recente, antes que eles desapareçam ou se extingam.

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previsto no inciso IV do artigo 302 do CPP.

Com relação ao espaço-tempo, para que se possa legitimar a presunção, a

doutrina manifesta-se no sentido de que exista uma relação temporal pequena entre a infração

praticada e as circunstâncias em que se funda a presunção.

José Frederico Marques (2000, p. 77) ensina que “se o intervalo entre a

prática do ato delituoso e a captura não for pequeno, poderá registrar-se – como disse o

desembargador Odilon da Costa Manso – uma feliz diligência da Polícia, nunca porém, o

quase flagrante” .

Na lição de Hélio Tornaghi (1995, p. 52)

delito flagrante é o delito que está sendo cometido, o que está ardendo, queimando, pegando fogo. A exceção do inciso I, todos os demais não podem ser considerados flagrante, mas sim quase flagrante. Acrescenta, informando que na realidade a lei sabe que não há flagrante, mas as trata como se flagrante houvesse. Em outras palavras, ela finge que há flagrante.

As hipóteses de quase flagrante, previstas nos incisos III e IV do artigo 302,

foram introduzidas no Código de Processo Penal de 1941 sob a justificativa de que o interesse

da administração da justiça não podia continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos

formalísticos, que redundam em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, na afrontosa

intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em

circunstâncias que evidenciam sua relação com este.

Assim como na legislação brasileira, encontram-se nos Códigos da

Argentina (artigo 285) e Portugal (artigo 256-1e2) as mesmas hipóteses de prisão que

caracterizam o estado flagrancial.

3.1.3 O flagrante e o chamado “encontro”

Por ser a prisão uma medida constritiva e agressiva não apenas para aquele

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que a sofre, mas para a sociedade, é preciso que os aplicadores do direito, em sua aplicação,

ajam com o máximo de cautela, principalmente porque o pensamento atual é de encarar a

liberdade como regra e a prisão como exceção. Nesse sentido argumentam Kai Ambos e Fauzi

Hassan Choukr (2001, p. 153). É com base nesse pensamento que se deve analisar o flagrante

e o “encontro”.

Heráclito Antonio Mossin (1998, p. 395) discorre que a jurisprudência não

tem mostrado interesse com relação ao chamado “encontro por acaso” entre a polícia e a

pessoa que cometeu o fato típico, ora reconhecendo que essa situação não é configurativa do

flagrante, ora lavrando entendimento oposto. O autor faz uma relação entre a apresentação

espontânea e o chamado encontro e, no seu entendimento, em que pese a ocorrência do fato

criminoso, ambos não são motivos para a prisão em flagrante.

Considerando que a prisão em flagrante é uma exceção em relação às

prisões cautelares, porque independe de ordem judicial, não se pode agora construir a exceção

da exceção para prender aquele cuja conduta não se enquadra na previsão dos incisos do

artigo 302 do Código de Processo Penal.

O chamado “encontro” guarda aparente semelhança com a previsão do

inciso IV do artigo 302 do CPP, “encontrado logo depois com instrumentos, armas objetos ou

papéis que façam presumir ser ele o autor do crime”.

A semelhança se prende apenas ao verbo “encontrar”. É possível evidenciar

na prática a distância existente entre o “encontro”, também conhecido popularmente como

“trombada”, e o flagrante presumido ou ficto previsto no artigo 302, inciso IV do Código de

Processo Penal.

Vejam-se os exemplos:

a) Tício, após ter praticado o crime de furto, sorrateira e aparentemente bem

sucedido deixa o local. Desse crime não restaram testemunhas, nem mesmo perseguição. A

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vítima, de alguma forma, logo após a ocorrência do fato criminoso, constata o seu prejuízo e

imediatamente informa o ocorrido aos agentes da Segurança Pública que, por meio de viaturas

e comunicação interna entre as Corporações Civil e Militar, passam a percorrer as ruas para

localizar o autor.

A maneira como o crime foi praticado, o tipo de res furtiva, o local do crime

não passa despercebido daqueles agentes, cuja rotina de trabalho, atendimento às vítimas,

buscas e diligências constantes e troca de informações, possibilita-lhes relacionar estes dados

e, principalmente, o modus operandi apontado pelo ofendido com o provável autor.

A rapidez na informação e a interação entre os agentes, aliadas aos fatores

mencionados acima, possibilitam definir a trajetória utilizada pelo autor. A busca passa a ser

direcionada. Encontrar o autor, a res furtiva e outros objetos utilizados na prática delituosa se

tornam uma questão de tempo.

Não é a perseguição, mas sim o conhecimento prático e a vivência que

permitem prender o autor na situação do artigo 302, inciso IV do CPP.

b) Em outro caso, Tício pratica o crime de furto e com sucesso consegue se

afastar do palco dos acontecimentos sem ser percebido pela vítima e pelas testemunhas, logo,

sem qualquer tipo de perseguição.

Os agentes da Segurança Pública, cumprindo a função, percorrem as ruas da

cidade realizando o policiamento ostensivo. Passando por Tício, resolvem realizar abordagem

de rotina e encontram em seu poder objetos cujo valor, características e utilidade não se

encaixam com o suspeito, que, após algumas perguntas sem respostas, acaba confirmando a

autoria, o local do crime e o modus operandi. A vítima, procurada pelos agentes, não havia

percebido sequer o que havia acontecido, mas reconhece a res furtiva como de sua

propriedade. Este é o chamado “encontro”, também conhecido como “trombada”, porquanto

somente Tício tinha conhecimento do crime.

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A doutrina não prestigia o tema, ainda que este sempre tenha suscitado

discussão entre as Instituições de Segurança Pública, uma vez que a não realização da prisão

em flagrante gera frustração para os condutores do suspeito, inconformismo e revolta por

parte da vítima e descrédito dos órgãos que promovem a justiça.

O tema não é pacífico e a solução em cada caso sempre é definida ao sabor

da complexidade e da gravidade do crime.

Solução menos dramática do que realizar a prisão, nesses casos complexos,

seria colher a versão dos envolvidos e, por intermédio de eventual prisão temporária, buscar

reunir provas que possam sustentar uma prisão preventiva.

Se não decretada a temporária e em casos menos relevantes, por força dos

princípios que norteiam o processo penal, deve ser o suspeito colocado em liberdade, os bens

apreendidos devem ser submetidos a avaliação, a exames periciais, e deve proceder-se a

melhor investigação, principalmente em relação à versão prestada pelo suspeito, com a

apuração dos fatos por meio do inquérito policial.

3.1.4 Flagrante compulsório e facultativo

O legislador, ao dispor no artigo 301 do CPP, que “qualquer do povo poderá

e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em

flagrante delito”, estabeleceu para alguns a faculdade e, para outros, a obrigação de prender.

A obrigatoriedade de prender quem quer que esteja praticando uma infração

penal em situação de flagrância é para a autoridade e seus agentes um dever jurídico. A

omissão, conforme ensina Heráclito Antônio Mossin (Idem, p. 377), pode redundar na

responsabilidade criminal e administrativa para os agentes da segurança pública. Aquele

dever não se estende à vítima, às testemunhas ou mesmo a qualquer pessoa do povo que se

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depare com uma situação de flagrância.

Nesse sentido é a lição de José Frederico Marques (1997, p. 80):

A prisão por qualquer do povo, no caso de flagrante delito, não é dever que a lei imponha à pessoa que assistiu à prática da infração penal ou se pôs em perseguição ao réu. Trata-se, no caso, tão-só de direito que a lei confere a qualquer do provo, direito esse que se filia àqueles emanados do status activae civitatis.

Tereza Nascimento Rocha Dóro (1994, p. 35) enfatiza que a lei não pode

exigir que o cidadão comum se arrisque para prender outrem, mas permite que o faça, se

assim entender, contanto que obedecidas as regras do flagrante.

Sílvia Barona Vilar (2000, p. 449), ao comentar sobre a previsão do artigo

490 do Código de Processo Penal da Espanha, a respeito da detenção por particulares,

salienta: “qualquer pessoa tem a faculdade de privar a liberdade de outra, sempre que

concorra algum dos requisitos previstos pelo legislador, atendendo a previsão”. No mesmo

sentido, Francisco Ramos Méndez (1991, p. 292),6 quando se refere à detenção levada a efeito

por particulares.

Não raramente quem realiza a detenção, o cerco e a perseguição são os

próprios moradores do local do crime. Após o comparecimento dos agentes da segurança

pública, estes assumem a ocorrência. Após a efetiva detenção do flagrado, todos os

envolvidos devem ser convocados a comparecerem à Delegacia de Polícia para a elaboração

do auto de prisão em flagrante.

3.1.5 Flagrante prorrogado ou retardado

O agente da segurança pública, diante de um fato criminoso em

desenvolvimento, está obrigado a dar voz de prisão aos envolvidos e a apresentá-los à 6 Não é outra a lição de Vincenzo Manzini (1996, p. 608), ao comentar sobre o arresto por particular, ensina que “nos casos em que a lei, ainda sim reconhece necessário o arresto em decorrência de flagrância, tem-se entendido, que sempre será uma faculdade, sob determinadas condições”.

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autoridade policial para avaliar a prática do crime, a sua qualificação e o estado de flagrância.

No intuito de combater os crimes praticados por organizações criminosas, o

legislador criou um mecanismo especial direcionado à investigação, que objetiva não somente

prender um envolvido, mas toda ou pelo menos parte da quadrilha, que visa a apreender não

apenas uma parcela da res furtiva nos casos de roubo de carga ou poucos quilos de substância

entorpecente, mas toneladas delas. É esse mecanismo útil em casos de tráfico internacional de

armas, crianças, mulheres e de outros crimes graves.

Trata-se de mecanismo conhecido como “retardamento do flagrante”,

inserido em nosso ordenamento jurídico, com a Lei nº. 9.034/95, que prevê os meios

operacionais para a prevenção e a repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

Art. 2º. Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: I – [...] II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;

Paulo Rangel (2005, p. 629) pondera que “o fato de retardar a prisão em

flagrante, desde que haja um acompanhamento, não caracteriza o crime de prevaricação para a

autoridade policial e os agentes envolvidos na investigação”.

Trata-se de investigação sigilosa e que deve ser feita com a ciência dos

superiores hierárquicos, os quais são informados sobre a evolução da operação que se

desenvolve, no sentido de se colher o maior número de provas possíveis a respeito de

organização criminosa. Todos os passos dos envolvidos são registrados e filmados, para que o

flagrante ocorra no momento oportuno.

Para ilustrar a força desse mecanismo de investigação, lembra-se a operação

“Green Ice”, que envolveu oito países, incluindo Estados Unidos, Itália, Espanha e França, e

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que conseguiu em um único dia prender 168 grandes narcotraficantes e apreender drogas no

valor de US$ 155 milhões, como relata Carlos Alberto Di Franco (2002, p. 1-2).

3.1.6 Flagrante preparado, forjado e esperado

3.1.6.1 Flagrante preparado

O flagrante preparado ocorre freqüentemente na relação entre patrão e

empregado ou cliente e comerciante. Entre os motivos há a cleptomania, a carência, a

necessidade e o desejo íntimo de burlar.

No flagrante preparado, o crime é considerado impossível porque as

condições de sua ocorrência são cuidadosamente planejadas, preparadas e vigiadas por aquele

que vem sofrendo o prejuízo e, ao se colocar na condição de vítima, por iniciativa própria ou

com ajuda da polícia, consegue, na primeira ou após várias tentativas, o êxito de abordar o

autor em uma das hipóteses do artigo 302 do CPP.

A doutrina denomina o crime nessa modalidade de “flagrante” de crime

putativo, de ensaio ou de experiência em que o autor não passa de um protagonista

inconsciente de uma comédia. A vigilância da polícia, do patrão ou do comerciante e de seus

funcionários torna impraticável a real consumação do crime.

Nesse sentido, é a manifestação do Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº. 145. Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

3.1.6.2 Flagrante forjado

O flagrante forjado se materializa quando o agente se vê na dificuldade de

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alcançar os objetivos de sua investigação. Essa conduta reprovável pode estar relacionada

com a malícia, com a vaidade ou com o desejo de mostrar ao superior e aos colegas de

trabalho que consegue realizar aquilo que os colegas de profissão encontram dificuldades para

efetuar.

É forjado porque a situação para a prática do crime é arrumada, montada. O

agente sorrateiramente introduz uma prova ilícita a fim de que a prisão em flagrante seja

ultimada. Consegue, sem muito esforço, criar o “crime”, providenciar dados para que exista

materialidade, preparar uma situação para que o autor seja pilhado em flagrante.

3.1.6.3 Flagrante esperado

Nesta modalidade de prisão em flagrante não existe a instigação, auxílio ou

mesmo induzimento ao crime. O fato criminoso irá ocorrer de qualquer forma, com ou sem a

presença da polícia.

Com auxílio de informantes, os agentes policiais conseguem comparecer no

local e, juntos e escondidos, camuflados, disfarçados ou de campana, conseguem êxito na

prisão dos autores.

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IV. FLAGRANTE NOS DIFERENTES CRIMES

4.1 Crimes de ação penal privada e pública condicionada

Sendo alguém surpreendido praticando um crime, conforme previsão do

artigo 301 do CPP, qualquer pessoa do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes

deverão prendê-lo.

A preocupação do legislador foi não criar obstáculos ao poder ou direito de

deter aquele que está praticando ou acaba de cometer um crime. Deter para fazer parar o

cometimento da infração, para que não seja dada continuidade à ação criminosa, ou para

capturar o agente se a conduta já tiver se realizado no todo ou em parte. A detenção

possibilitará a reparação do prejuízo, a identificação do autor e a reunião das provas para o

início da persecução penal. Observa Magalhães Noronha (1999, p. 212) que “não se pode

confundir captura com a prisão. Encontrado praticando o crime deve ser detido e apresentado

à autoridade policial competente”.

Apresentado o flagrado juntamente com as provas recolhidas no local do

crime, com a vítima e com as testemunhas, caberá à autoridade policial decidir sobre a prisão

em flagrante. Sendo o crime de ação penal privada, o requerimento da vítima ou de seu

representante legal será imprescindível. Da mesma forma, a representação para os crimes de

ação penal pública condicionada. Destarte, deverá a autoridade policial orientar a vítima

sobre o que poderá fazer, uma vez que, sem o requerimento ou a representação, a autuação da

prisão em flagrante não se inicia.

A ausência da vítima no momento da apresentação do conduzido ou mesmo

o seu não encontro para o cumprimento da formalidade exigida – requerimento ou

representação – impedem a continuidade da medida constritiva.

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Não obstante a ausência da manifestação do ofendido, o fato apresentado

será registrado como uma ocorrência policial, na qual deverão constar todas as informações

do crime e o nome da vítima, do conduzido, das testemunhas e dos agentes da segurança

pública envolvidos na captura e apresentação do flagrado. Os objetos apreendidos e

relacionados com o fato criminoso serão apreendidos em autos próprios.

Hélio Tornaghi (1995, p. 61) vincula a prisão em flagrante ao inquérito

policial, já que, se este não pode ser iniciado sem o requerimento do ofendido nos crimes de

ação penal privada ou representação nos crimes de ação penal pública condicionada, os

mesmos requisitos deverão ser exigidos para a formalização da prisão em flagrante. O

legislador deixou, no capítulo da Prisão em Flagrante, de fazer menção à necessidade do

requerimento ou representação, mas sem a manifestação da vítima, não poderá haver

autuação, sendo ela condição de procedibilidade.

Em caso de o ofendido não desejar a prisão do conduzido, será orientado

de que dispõe do prazo de seis meses para promover a ação penal ou para representar,

devendo o flagrado ser colocado em liberdade.

Vicente Greco Filho (1999, p. 267), com base na previsão do artigo 306 do

CPP, que se refere à nota de culpa, ensina que o ofendido também terá 24 horas para se

manifestar; caso não o faça, a autoridade policial deverá relaxar a prisão e dispensar o

conduzido. Nos dias de hoje, com as facilidades que outrora não se encontravam, não faz

sentido sustentar tal interpretação. Todos os municípios têm à disposição uma autoridade

policial, de sorte que a ocorrência do crime e a conseqüente captura do autor exigem o início

imediato das providências cabíveis, não sendo mais possível a utilização do tempo previsto

no citado artigo, nem pela autoridade policial, nem tampouco pelo ofendido, nos casos em

que o início da autuação depende da sua autorização.

A manifestação de vontade do ofendido no sentido de desejar a prisão do

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conduzido autoriza a continuidade da autuação, que será encerrada com a entrega da nota de

culpa ao autuado e a comunicação da prisão ao juiz competente.

Efetivada a prisão em flagrante, o ofendido deverá, nos crimes de ação

penal privada, por meio de seu advogado, protocolar a queixa crime no prazo de cinco dias, a

fim de que seja iniciado o processo. A omissão ou a não apresentação da peça postulatória

redundará no relaxamento da prisão. Terá o ofendido ainda o prazo de seis meses para

intentar a ação penal.

4.2 Flagrante nos crimes permanentes e habituais

4.2.1 Crimes permanentes

O crime permanente é aquele cujo momento consumativo protrai-se no

tempo, por um período mais ou menos dilatado, em perfeita harmonia com a vontade do

agente. Caracteriza-se pela manutenção no tempo da conduta delitiva do agente e ocorre

quando esse esconde, guarda consigo, detém ou retém a pessoa, a res furtiva, a substância

entorpecente, a arma de fogo. O autor conserva a chama do crime, e, então, em qualquer

momento em que ocorra a atuação da polícia, seja durante o dia ou no período da noite,

haverá situação de flagrância. Enquanto não cessar a permanência, a prisão em flagrante será

sempre possível.

É exatamente em virtude do prolongamento temporal da consumação que o

legislador processual penal entendeu estar o agente em flagrante enquanto não cessar a

permanência.

Esta é a previsão do artigo 303 do Código de Processo Penal:

Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

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Nos crimes permanentes, nos dizeres de José Frederico Marques (1997, p.

89), “como a conduta ilícita do agente perdura no tempo, existe sempre a atualidade delituosa,

que, surpreendida por alguém, dá origem ao crime em flagrante”.

O avanço da criminalidade fez com que o legislador não colocasse qualquer

obstáculo à prisão no momento em que o crime estivesse ocorrendo e permitiu, no artigo 301

do CPP, a qualquer pessoa do povo efetuar a prisão, diante da existência de um crime e no

estado de flagrância. Além disso, nos crimes permanentes desobrigou os agentes da segurança

pública de necessidade de autorização judicial, facilitando a invasão no domicílio alheio a

qualquer hora do dia ou da noite a fim de prender os agentes.

Entre os crimes permanentes encontram-se o cárcere privado, o seqüestro, a

extorsão mediante seqüestro, a redução à condição análoga a de escravo, a posse de

substância entorpecente, a posse de armas sem a devida documentação e autorização, a

quadrilha ou bando.

Também o crime de receptação se inclui nesse rol, mas em face da

possibilidade de o receptador ser um terceiro de boa fé, ingênuo, pessoa simples, é preciso

avaliar com cautela a necessidade da prisão em flagrante. Por vezes é melhor investigar os

fatos por meio do inquérito policial.

4.3 Crimes habituais

Plácido e Silva (1982, p. 374) ensina que o termo “habitual” é derivado do

latim habitualis, que tem o significado daquilo que se faz com freqüência. Habitualidade, no

mesmo sentido, entende-se como sendo a repetição, a sucessividade, a constância na prática

ou no exercício de certos e determinados atos, em regra da mesma espécie ou natureza, com a

preconcebida intenção de fruir resultados materiais ou de gozo.

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Este conceito não foge da interpretação jurídico-criminal. Assim, para a

caracterização dos crimes manutenção de casa de prostituição e de curandeirismo deverá estar

comprovada a habitualidade e a reiteração de atos a fim de que se estabeleça o caráter

permanente.

O crime habitual pressupõe uma reiteração, uma pluralidade de ações, para

que incida sobre o sujeito ativo do crime a reprovação penal. É indeclinável a prática

constante da conduta protegida pela lei penal.

Para a caracterização do curandeirismo é preciso que o agente se apresente

como curandeiro, fixe-se em um local, ainda que provisoriamente, e passe a atender, a

medicar e a receitar. O delito de manutenção de casa de prostituição é praticado por quem se

instala em determinado local e o utiliza para aferir lucros com base na satisfação das

necessidades sexuais do homem. O fato de alguém manter uma casa para receber de forma

contínua o homem e a mulher para satisfação de sua luxúria caracterizará o crime previsto no

artigo 229 do CP.

Em tais infrações, ensina José Frederico Marques (1995, p. 89) que “a ação

considerada isoladamente não constitui o crime, o qual somente surge quando se registra a

reiteração. De forma contrária, o ato isolado, constitui apenas uma parcela ou segmento,

daquilo que é necessário para que se produza um efeito jurídico”.

Tereza Nascimento Rocha Dóro (1994, p. 29) defende a tese de que

mesmo com a sindicância prévia, não é possível a ocorrência de prisão em flagrante porque esse tipo de delito se materializa com a reiteração de determinados atos. Assim o flagrante retrataria apenas um dos atos criminosos e não o conjunto que é o elemento exigido para a caracterização do delito.

No mesmo sentido, Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 444)

assevera que “quando a polícia efetua a prisão em flagrante, na hipótese de crime habitual,

está surpreendendo o agente na prática de um só ato. A prisão vai apenas e tão somente

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retratar aquele ato insulado”.

Para outros, é possível a prisão em flagrante nos crimes habituais, desde que

se tomem algumas cautelas, como instaurar uma sindicância, reunir as ocorrências policiais

registradas, as reclamações dos vizinhos, os relatos dos desentendimentos ocorridos e coletar

depoimentos que comprovem a reiteração dos atos. Só, então, surgirá o momento oportuno

para ecoar a “voz de prisão”.

4.5 Crimes de tóxicos

Em 23 de agosto de 2006, houve a introdução em nosso ordenamento

jurídico da Lei nº. 11.343, que definitivamente revogou a conhecida Lei nº. 6.368/76,

passando a cuidar dos crimes de drogas e do seu respectivo processo.

Anteriormente, em 11 de janeiro de 2002 fora aprovada, com excesso de

vetos, a Lei de Tóxicos nº. 10.409, que dispunha sobre a prevenção, o tratamento, a

fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícito de produtos,

substâncias ou drogas ilícitas aptas a causar dependência física ou psíquica. Entretanto, essa

lei foi parcialmente recepcionada pelos operadores do direito, que aproveitaram apenas

alguns artigos e não se desligaram completamente da Lei nº. 6.368/76.

Não obstante a falta de efetividade, a Lei nº. 10.409/02 avançou

consideravelmente, com destaque para os seguintes pontos: a) ampliação dos prazos para a

conclusão do inquérito policial em caso de autuado preso, de 5 para 15 dias; b) fixação de um

prazo para a juntada do laudo toxicológico definitivo aos autos do processo, qual seja, até o

dia anterior ao início da audiência de instrução e julgamento; c) introdução da possibilidade

do sobrestamento do processo pelo representante do Ministério Público, quando a colaboração

para prender os demais envolvidos e apreender a droga, ocorresse com sucesso, antes da

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denúncia, com a criação de um benefício especial da não aplicação da pena ou da redução de

1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), se aquela colaboração ocorresse após o oferecimento da

peça acusatória.

Reuniram-se, nesta lei, alguns mecanismos próprios de investigação criados

e previstos em leis esparsas, como: a) a infiltração de agentes da segurança pública em

organização criminosa; b) o flagrante prorrogado; c) o acesso às informações fiscais,

bancárias e outras; d) a interceptação e a gravação das comunicações telefônicas.

Avanço significativo, dentro de uma visão garantista, vinculada aos direitos

e garantias individuais do ser humano, foi a introdução da contestação ou defesa preliminar,

passível de ser apresentada pelo acusado dentro de 10 dias após o oferecimento da denúncia.

A nova lei de tóxicos, - Lei nº. 11.343/06 - revogou também a Lei nº.

10.409/02, mas manteve os avanços citados, com algumas adaptações como: a) o aumento do

prazo para a conclusão do inquérito policial de 15 para 30 dias, na hipótese de réu preso, e 90

dias, quando solto (artigo 51); b) o prazo de até três dias antes do início da instrução criminal

para a juntada do laudo toxicológico definitivo (art. 52, parágrafo único, inciso I); c) a

redução da pena de 1 a 2/3 (um a dois terços), quando a colaboração do réu possibilitar a

prisão dos demais envolvidos e a recuperação total ou parcial do produto do crime, em

substituição àquelas medidas de sobrestamento do processo e de não aplicação da pena,

requerida pelo Ministério Público (art. 41); d) a previsão da proteção às testemunhas (art. 49).

A nova lei de tóxicos não se intimidou com os clamores das correntes

dogmáticas da repressão e considerou o viciado ou dependente como um verdadeiro doente.

Previsto está agora no artigo 28 que aqueles que forem surpreendidos fazendo uso de

substância entorpecente, trazendo consigo, tendo em seu poder pequena quantidade da droga,

não mais serão penalizados, uma vez que o legislador deixou de considerar essas condutas

como crime, substituindo a pena pelo tratamento, e, no caso dos recalcitrantes, a admoestação

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verbal e a multa previstas nos incisos I e II do § 6º do artigo 28.

Menos benevolente foi o tratamento para o traficante. Os crimes foram

tratados nos artigos 33 ao 39, nos seguintes termos:

a) os crimes de tráfico de drogas previstos no artigo 33, o de envolvimento

direto ou indireto com a matéria prima, de cultivo da planta que servirá de matéria prima da

droga, sem autorização legal, de utilização de imóvel, seja na condição de proprietário,

administrador, guarda ou vigilante ou mero empréstimo, para fazer uso da substância

entorpecente tiveram a pena mínima aumentada de 3 para 5 anos e o pagamento da multa que

era de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias multa, passou para 500 (quinhentos) a

1.500 (mil e quinhentos) dias multa.

b) o crime de induzimento, instigação e auxílio ao uso indevido de droga,

(previsto no parágrafo 2º do artigo 33) teve a pena diminuída e passou a ser afiançável;

c) o crime de oferecimento de droga sem objetivo de lucro (§ 3º do artigo

33) teve a sua pena abrandada e passou a ser considerado crime de menor potencial ofensivo,

com a conseqüente transferência de competência para o Juizado Especial Criminal;

d) os crimes de fabricação, aquisição, utilização, transporte e, oferecimento,

venda, distribuição, entrega de maquinário ou de aparelho para o manuseio da substância

entorpecente (art. 34) e de associação de duas ou mais pessoas para a prática reiterada dos

crimes previstos na lei de tóxicos (art. 35) alteradas, apenas no aumento no pagamento dos

dias-multa;

e) o crime de financiamento ou custeio teve a pena estipulada em 8 a 20

anos e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa (art.36);

f) o prejuízo e interferência na ação policial cometido pelo informante

vinculado aos traficantes passaram a ser considerados crime;

g) passou a ser considerado crime a condução de embarcação ou de

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aeronave sob o efeito do uso de droga, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem,

com a pena de detenção de 6 meses a 3 anos (art.39).

O legislador, explica no parágrafo único do artigo 1º que drogas são os

produtos ou substâncias capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou

relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

A pequena quantidade de droga, antes considerada crime de bagatela, passa

a ter importância, uma vez que a nova lei objetiva o tratamento da saúde do dependente. Já a

aplicação do princípio da insignificância nos crimes previstos no artigo 33 ou 34, ensina

Guilherme de Souza Nucci (Id, 2006, p. 772), é inaceitável, uma vez que “o bem jurídico

tutelado é a saúde pública e o traficante raramente se contenta em materializar o crime uma só

vez”.

Além do cumprimento das formalidades legais, será imprescindível para o

início da autuação da prisão em flagrante do conduzido nos crimes de tóxicos o laudo

provisório de constatação da droga, assinado por perito ou por profissional com

conhecimentos técnicos, com a indicação do nome da substância entorpecente e o peso. Antes

da conclusão deverá a autoridade policial, no despacho, classificar o crime e proceder à

fundamentação pela adoção da medida constritiva em face das circunstâncias da conduta

criminosa. É difícil para a autoridade policial definir quando a quantidade de substância

entorpecente deve ser classificada para o uso próprio ou para o tráfico, principalmente quando

se tem à frente pessoa abastada, primária e de bons antecedentes.

Assim, se alguém surpreendido realizando uma das condutas especificadas

nos núcleos dos tipos penais previstos nos artigos 33 a 39 da Lei nº. 11.343/06 é apresentado à

autoridade policial competente, deve preliminarmente analisar a situação fática e, após ter em

mãos no mínimo um auto de constatação provisória, determinará o enquadramento penal.

Na ocorrência de situação flagrancial, lavrar-se-á o competente auto,

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assegurar-se-ão os direitos constitucionais ao conduzido, inclusive o direito de ser atendido

pela Defensoria Pública, caso o flagrado não indique um defensor, e instaurar-se-á inquérito

policial, que deverá ser concluído no prazo de trinta dias se o indiciado estiver preso ou

noventa dias se solto, nos moldes do artigo 51 da citada lei.

É importante lembrar que os prazos do artigo 51 podem ser duplicados pelo

juiz, após ser ouvido o representante do Ministério Público, em atendimento a pedido

justificado da autoridade de polícia judiciária.

4.6 Prisão em flagrante e crimes praticados por entes jurídicos

A pessoa jurídica surge com a necessidade voluntária das pessoas físicas de

se agruparem para a realização de um fim comum. Orlando Gomes (1974, p. 208) salienta que

as pessoas jurídicas, “são grupos humanos dotados de personalidade, para a realização de fim

comum”. A pessoa jurídica passa a existir com o reconhecimento da sua personalidade pelos

órgãos públicos competentes.

Questão que tem se tornado palpitante e controvertida é a de se atribuir

responsabilidade penal à pessoa jurídica. As noções de vontade, intenção e dolo, por serem

próprias do homem, aliadas à tradição do direito objetivo, não se amoldam à estrutura da

pessoa jurídica. Por outro lado, em face das tendências provocadas pelas previsões dos

ordenamentos jurídicos dos países europeus, e da insatisfação de não se conseguir punir os

sócios por atos de empresa, aumentou o desejo de alcançar as pessoas físicas que compõem o

grupamento e que se escondem sob o manto da pessoa jurídica, até então inalcançável

criminalmente.

Entendem Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (1999, p. 410)

que a pessoa jurídica não pode ser autora do delito por não ter capacidade de conduta humana

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em seu sentido ôntico-ontológico.

Hans Joachim Hirsch, professor de direito penal e processual penal da

Universidade de Colônia – Alemanha, citado por Carlos Fernando Mathias de Souza (2003, p.

05-07), assinala que o Direito Penal Alemão vigente, bem como o da maioria dos países,

salvo os anglo-saxônicos, não conhecem a punibilidade das pessoas jurídicas de forma geral.

Fernando Castelo Branco (2001, p. 50) aduz que, com as conquistas

trabalhistas, com o crescimento dos crimes financeiros, com a necessidade de cuidados com o

meio ambiente e com a preocupação com a defesa do consumidor ampliou-se a idéia de a

pessoa jurídica ser vista como potencialmente capaz de praticar crimes.

O sentimento de indignação com a impunidade se espargiu por todos os

continentes e influiu no Conselho da Europa, que, no dia 28/9/1977, editou a Resolução 77-

28, que recomendava aos Estados-membros o reexame dos princípios da responsabilidade

penal, com a finalidade principal de contemplar a possibilidade de se admitir em certos casos,

como o da proteção ao meio ambiente, a responsabilização das pessoas jurídicas privadas ou

públicas.

Contrariando conceitos arraigados, o legislador francês introduziu, no artigo

121-2 do novo Código Penal, datado de 1.3.1994, a responsabilidade criminal da pessoa

jurídica pelas infrações cometidas por seus órgãos ou representantes.

Jean Pradel (1998, p. 52-53) disserta que, na França, a doutrina majoritária é

favorável a que as pessoas jurídicas possam ser penalmente responsáveis. Refere que a

primeira condenação foi proferida pelo Tribunal Correcional de Lyon, em 18.11.1994 e, até

31.12.1997, 100 condenações haviam sido prolatadas definitivamente.

No direito comparado encontram-se outros países que reconhecem a

responsabilidade penal da pessoa jurídica. Entre eles, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá,

Austrália, Holanda, Portugal, França, Inglaterra, Irlanda do Norte, México, Cuba e Costa

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Rica.

A Constituição Federal do Brasil estabeleceu a imputabilidade penal das

pessoas jurídicas na esfera das lesões ao meio ambiente (§ 3º do artigo 225), nos crimes

contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (§ 5º do artigo 173).

A questão que se propõe é como autuar em flagrante delito o autor desses

crimes quando as provas apresentadas indicarem um nexo causal entre o fato criminoso e as

pessoas que compõem o ente jurídico.

Obviamente impossível interrogar, prender e entregar a nota de culpa à

pessoa jurídica. No entanto o autor, via de regra o executor do ato, e os co-autores, mandantes

e representantes da sociedade, surpreendidos naquelas condições previstas no artigo 302 do

Código de Processo Penal, poderão, de acordo com a pena privativa de liberdade, prevista no

tipo penal do Código ou legislação complementar, quando superior a dois anos e inafiançável,

ser autuados e permanecer presos à disposição da Justiça.

Há que se ponderar que, diante do fato criminoso praticado com dolo e com

preenchimento dos requisitos legais, excetuados os crimes considerados de menor potencial

ofensivo (Lei nº. 9.099/95 e 10.259/01), é obrigação da autoridade policial competente autuar

os autores em flagrante delito e, por meio do inquérito policial, reunir todas as provas

possíveis, principalmente as que possam comprovar o vínculo do executor – autuado com os

mandantes – ente social, de forma a possibilitar ao representante do Ministério Público

promover a sua denúncia, e, posteriormente, ao juiz do processo, aplicar a pena cabível.

4.7 Prisão em flagrante e crimes praticados por aqueles que possuem foro privilegiado

Os suspeitos e acusados de praticarem crimes podem ter tratamento

diferenciado em nosso ordenamento jurídico. Normalmente, quando tiverem infringido norma

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penal, as pessoas serão investigadas e processadas no Juízo da Comarca onde ocorreu o crime

e terão direito à revisão da sentença de primeira instância pelos Tribunais.

Há pessoas, conforme ensina Fernando Tourinho da Costa Filho (2004, p.

129) que

exercem cargos de especial relevância no Estado e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas, pelos órgãos superiores, de instância mais elevada.

A competência originária está, em regra, estabelecida na Constituição

Federal. Trata-se de competência “ratione personae”. Consiste na atribuição a órgãos

superiores da Justiça da competência para processarem e julgarem, por exemplo, titulares do

Executivo, Ministros e Secretários, representantes do Poder Judiciário e do Ministério

Público, representantes militares, das Forças Armadas.

Necessário frisar que essa prerrogativa especial de foro é direcionada ao

cargo, não à pessoa que o exerce, e vigora tão somente durante o exercício da titularidade; ou

seja, cessada a função, desaparece o privilégio.

Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 53) ensina que “não se beneficia com o

foro por prerrogativa de função aquele que exercer eventualmente o cargo ou função”.

Acrescenta o autor que “o foro por prerrogativa de função exclui a regra do

foro pelo local da infração. Portanto, o Tribunal de Justiça competente é o Estado da

respectiva autoridade, ainda que o crime tenha sido praticado em outro Estado”.

Exemplificando: o crime praticado por um Prefeito, distante do seu Estado, por força da

prerrogativa, não será julgado no lugar da infração, mas sim, pelo Tribunal de Justiça do

Estado em que exerce o cargo de Prefeito (NUCCI, 2005, p. 233)7.

7 Em sentido contrário ao privilégio do foro por prerrogativa de função, pondera-se que “se todos são iguais perante a lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o criminoso do seu juiz natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi praticado. Acrescenta que se à justiça cível todos prestam contas igualmente, sem qualquer distinção, natural seria que a regra valesse também para a justiça criminal”.

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Por força de conexão ou continência, o privilégio se estende aos co-autores

não amparados pela prerrogativa. Entretanto, como será visto abaixo no caso de prisão em

flagrante, o destino dos autores e co-autores será diferente.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no artigo 33, inciso II, assim

dispõe sobre as prerrogativas dos Magistrados:

Art. 33. São prerrogativas dos magistrados: I – [...] II – Não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do Magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado.

Em sentido semelhante, prevê o inciso III, do artigo 40 da Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público, nº. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993:

Art. 40. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica: I – [...] II – [...] III – Ser preso somente por ordem judicial escrita, salvo em flagrante de crimes inafiançáveis, caso em que a autoridade fará, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, a comunicação e a apresentação do membro do Ministério Público ao Procurador Geral de Justiça.

Valdir Sznick (1995, p. 380) esclarece que a prerrogativa de foro para os

representantes do Ministério Público e Magistratura perdura enquanto estiverem no exercício

efetivo do cargo. Cessado este, termina o privilégio.

O Presidente da República não possui imunidade, apenas foro por

prerrogativa da função. Ao chefe maior da nação criou-se enorme obstáculo à prisão,

porquanto somente poderá ser preso após o trânsito em julgado da sentença penal

condenatória.

Portanto, à exceção do Presidente da República, todas as pessoas que

possuírem o foro por prerrogativa de função surpreendidas em uma das hipóteses do artigo

302 do CPP poderão ser detidas e apresentadas à autoridade policial competente.

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No órgão da Segurança Pública, depois de avaliadas a autoria e a

materialidade do crime, sendo o crime inafiançável e confirmado o cargo ou função do

conduzido, será ele autuado normalmente pelo flagrante. No entanto, com o encerramento da

autuação, cópias do auto de prisão em flagrante serão remetidas ao juiz da Comarca e, após o

representante do Ministério Público haver se manifestado sobre a legitimidade do

procedimento e a competência, deverá, sem demora, o autuado ser apresentado ao Presidente

do Tribunal competente originariamente, cabendo ao Procurador Geral de Justiça ou da

República, conforme a competência legal, manifestar-se sobre a prisão e a ação penal.

4.8 Prisão em flagrante e violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei nº. 11.340/06

A Lei nº 11340/06 conhecida como Lei Maria da Penha, não veio para

potencializar a pena de violência doméstica (Lei n.º 10.886/04), mas sim cuidar, amparar,

criar mecanismos de proteção aos casos de violência específica contra a mulher dentro do

espaço doméstico, conforme dispõem os incisos I, II e III do artigo 5º.

A nova lei trouxe novidades:

a) aumento da pena em abstrato de detenção de 6 meses a 1 ano para 3

meses a 3 anos nos casos específicos de violência doméstica contra a mulher (art. 129, § 9º),

com aumento da pena quando a violência no âmbito doméstico for contra a mulher portadora

de deficiência (§ 11º);

b) tratamento peculiar nas lesões corporais graves, gravíssimas e com

resultado morte, quando praticados na convivência familiar (§ 10º);

c) aumento do valor da fiança para alguns tipos penais, como a lesão

corporal dolosa; assim o valor fixado pelo artigo 325, letra “b”, do CPP, será de R$ 295,10 a

R$ 1.180,40;

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d) exclusão dos crimes de violência contra a mulher no âmbito doméstico,

estabelecido no artigo 5º, e exemplificado nos incisos do artigo 7º, ambos da Lei nº.

11.340/06, independentemente da pena, conforme preceitua o artigo 41, da competência da

Lei nº. 9.099/95;

e) substituição do termo circunstanciado pelo inquérito policial com a

necessidade de comunicação ao juiz competente, no prazo de 48 horas, para que este avalie a

necessidade de aplicar e determinar medidas protetivas à vítima mulher, desde que por ela

requerida.

Em que pesem divergências na interpretação do artigo 12, inciso I, da lei

nova, a representação foi mantida para os crimes que sempre exigiram essa autorização e não

para todos os crimes do Código Penal que venham atingir a mulher.

Nota-se que o artigo 7º da lei nova, por não prover uma pena, possui caráter

meramente exemplificativo e norteador. Os operadores do direito deverão buscar a tipificação

penal no Código Penal.

Os atos de violência contra a mulher, na rua, no comércio, no trânsito, no

trabalho, estarão amparados pelo artigo 129 “caput” do Código Penal, sendo aplicável a Lei

nº. 9.099/95. Sendo a agressão entre componentes da família, como entre irmãos, pai e filho,

tio e sobrinho, amigo freqüentador da casa, no âmbito doméstico, caracterizada a infringência

ao artigo 129, §§ 9º e 10º, a apuração desses fatos serão por meio do inquérito policial,

podendo ser iniciado pelo auto de prisão em flagrante.

A Lei nº. 11.340/06 ampara a vítima mulher e pune o autor, desde que a

violência, nos termos dos incisos do artigo 5º, ocorra no âmbito doméstico, quer seja em

residência urbana, casa no campo ou na praia, e exista um vínculo entre agressor e vítima

mulher.

No que se refere à prisão em flagrante, há possibilidade da prisão, uma vez

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que os crimes no âmbito doméstico contra a mulher, conforme imposições do artigo 41, não

estão mais subordinados à Lei nº. 9.099/95;

Caracterizada a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral

contra a mulher no âmbito doméstico e preenchidos os requisitos legais, após cautelosa

avaliação do desequilíbrio familiar, extensão das lesões, danos e prejuízo, poderá a autoridade

policial, vislumbrando a real necessidade do cerceamento da liberdade, autuar o conduzido

em flagrante delito, mesmo sendo crime afiançável. Haverá sempre que ponderar pelas

questões técnicas e jurídicas do fato criminoso levando em consideração os princípios da

insignificância e da proporcionalidade, afastando de forma imparcial os valores emocionais.

A prisão ainda que momentânea tem o efeito de provocar reações positivas

ou negativas no agressor, com sérios reflexos no seio da família.

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V. AUTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE, CAUTELAS, OBSTÁCULO S E FORMALIDADES

Neste capítulo inicialmente se tratará dos sujeitos envolvidos na autuação,

abordando os seus direitos, seus deveres e algumas características e aspectos importantes que

os vinculam à realização do auto de prisão em flagrante. Na seqüência, apresentar-se-ão as

cautelas que devem ser observadas e os obstáculos e causas que impedem a formalização da

prisão. Ao final, examinar-se-ão as formalidades que devem ser respeitadas na lavratura do

auto de prisão em flagrante.

5.1 Auto de prisão em flagrante

5.1.1 Autoridade competente para lavratura do Auto de prisão em flagrante

Na lição de Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 62), “A infringência ao

dispositivo legal e às circunstâncias em que foi praticado, a decisão sobre a lavratura do auto

de prisão em flagrante é da autoridade competente”. Esta é a previsão do artigo 304 “caput”

do Código de Processo Penal.

Enquanto no direito comparado o ato de prender alguém tem como

conseqüência primeira a apresentação do detido ao juiz competente, o mesmo não ocorre em

nosso ordenamento jurídico. Conforme Scarance Fernandes (2000, p. 291), a análise

preliminar da ocorrência de um crime e de sua autoria de forma anômala foi concedida pelo

legislador à autoridade policial, em decorrência das peculiaridades da prisão em flagrante.

Na Venezuela, Marco Antonio Medina Salas (2002, p. 46-47) descreve o

procedimento previsto no Código Orgânico Procesal para apresentação daquele que é preso

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em flagrante delito. Ensina que o detido, nas doze horas seguintes, permanecerá à disposição

do Ministério Público, e, dentro das trinta e seis horas próximas, deverá ser apresentado

perante o juiz para o conhecimento e a adoção do procedimento mais adequado ao caso

concreto. Nos termos do artigo 373 do CPP, deverá o Ministério Público demonstrar a culpa

do imputado preso em flagrante.

Consoante nosso modelo de Justiça Criminal, a análise da situação de

flagrância prevista nos incisos de I a IV do artigo 302 do CPP, deve ser feita pela autoridade

competente. Mas quem é a autoridade competente em nosso ordenamento?

a) nos crimes comuns, conforme previsão constitucional do artigo 144, § 4º,

os delegados de polícia estaduais, que exercem a função de Polícia Judiciária, são os

detentores da competência para receber o condutor, o conduzido, as testemunhas e a vítima,

conhecer o fato criminoso e tomar as providências cabíveis;

b) nos crimes da competência da Justiça Federal, previstos no artigo 109 e

parágrafos da Constituição Federal, conforme artigo 144 § 1º, incisos I a IV da Carta Magna,

a autoridade policial federal é competente para acolher, conhecer e decidir sobre o estado de

flagrância, sobre a autoria e sobre a materialidade.

c) nos crimes militares, nos termos do artigo 88 do Código de Processo

Penal Militar, o oficial da Polícia Militar é a autoridade competente para autuar os policiais

militares em flagrante delito.

d) nos crimes previstos no Código Florestal, Lei nº. 4.771/65, conforme

artigo 33, letra “b”, os funcionários da repartição florestal e de autarquias com atribuições

correlatas designados para a atividade de fiscalização são autoridades competentes para lavrar

o auto de prisão em flagrante e para presidir o inquérito policial. Esta competência, conforme

prevê a letra “a” do citado artigo, não exclui as autoridades previstas no CPP. Observa-se que

o Código Florestal foi parcialmente alterado pela Lei nº.9.605/98;

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e) os crimes ocorridos nas dependências da Câmara dos Deputados e no

Senado Federal, consoante o regimento Interno dessas Casas, impõem a necessidade de se

indicar um parlamentar que, revestido do poder de polícia, será a autoridade competente para

lavrar o auto de prisão em flagrante. Nesse sentido, a Súmula nº. 397 do STF (“O poder de

polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas

dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a

realização do inquérito”).

5.1.2 Autoridade competente e o procedimento especial para autuação do flagrante

Ainda com relação à autoridade competente, o artigo 307 do Código de

Processo Penal prevê uma situação excepcional, pela qual, ocorrendo o crime em presença da

autoridade ou mesmo contra esta, no exercício de suas funções, ela própria poderá lavrar o

auto de prisão em flagrante.

Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 456) pondera que não restam

dúvidas de que “autoridade competente”, descrita no citado artigo, somente serão as

autoridades policiais e judiciárias. Em sentido contrário, Hélio Tornaghi (1995, p. 78) dispõe

que o Código brasileiro é ampliativo, não se restringindo ao juiz. Segundo o entendimento de

Valdir Sznick (1995, p. 382), são autoridades competentes, nos termos desse artigo, quando

no exercício da função, a autoridade policial, o magistrado e o Ministério Público.

Quanto à autoridade policial, Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 63),

entende que se for ela a condutora, não poderá presidir o auto de prisão em flagrante, uma vez

que será também testemunha do fato. Acrescenta que não existe qualquer impedimento para

presidir a autuação da prisão se for vítima.

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Hélio Tornaghi (1995, p. 77–79)8 faz referência à origem da previsão do

artigo 307 do CPP. Declara que no Direito Medieval, em razão de o crime ter ocorrido perante

o juiz e na presença de testemunhas, o fato inconteste dispensava o processo e a pena podia

ser aplicada de imediato pelo próprio magistrado. O autor ressalta que nos dias de hoje, em

alguns países, ocorrendo o crime em audiência, há um procedimento abreviado.

O legislador, na parte final do artigo 307 do CPP, orienta que a

documentação da autuação da prisão, estando concluída, deverá ser remetida imediatamente

ao juiz ou a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que

houver presidido o auto.

Portanto, não resta dúvida de que o juiz de direito, presenciando o fato

criminoso ou este sendo perpetrado contra a sua pessoa, no exercício de sua função, poderá

presidir o auto de prisão em flagrante. No entanto, é preciso separar as hipóteses:

a) se o fato criminoso ocorrer em sua presença poderá lavrar o auto de

prisão em flagrante. Hélio Tornaghi (Idem, p. 79) entende que, neste caso, cabe ao juiz lavrar

o auto de prisão em flagrante no local em que se deu o crime, sem necessidade de

encaminhamento do detido e das testemunhas à autoridade policial para que a documentação

de autuação seja feita na Delegacia.

b) ocorrendo o crime contra o juiz de direito, no exercício de suas funções, a

doutrina majoritária, incluída a de Valdir Sznick (1995, p. 383), permite que o próprio juiz

formalize a prisão, mas, no entanto, pela condição de ser parte, ficará impedido de presidir o

8 Ada Pellegrini Grinover (1997, p. 282), Antonio Magalhães Gomes Filho e Scarance Fernandes, sobre a previsão do artigo 307 do CPP, asseveram que “embora discutida na doutrina a extensão dessa regra, entendem que a autoridade apta a fazer lavrar o auto de prisão em flagrante nessa hipótese é tão-somente aquela que tenha a qualidade para processar (juiz de direito) ou iniciar investigação (delegado de polícia)”. Heráclito Antonio Mossin (1998, p. 378), pondera que “quando o legislador diz em presença da autoridade quer ele referir-se às autoridades policial e judiciária, excluindo as demais autoridades”. Acrescenta-se que o representante do Ministério Público não integra este rol de autoridades. José Frederico Marques (1997, p. 82) remete ao pensamento do Barão de Ramalho – Elementos do Processo Criminal de 1.856, parágrafo 155. p.72, pelo qual “o juiz de direito não tem competência para presidir à lavratura do auto de prisão em flagrante, nem mesmo em caso de contravenção, salvo se a infração penal for praticada em sua presença, ou contra ele, no exercício de suas funções”.

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74

processo.

Caracterizada a circunstância prevista no artigo 307 do CPP, a declaração da

autoridade mencionando o fato ocorrido substituirá a presença do condutor. A autoridade,

então, deverá proceder ao interrogatório do conduzido, às oitivas das testemunhas e à tomada

de declarações da vítima. De forma equivocada o legislador consignou neste artigo as

declarações do preso antes das oitivas das testemunhas.

O Juiz de Direito poderá lavrar o auto de prisão em flagrante, se o fato

ocorrer durante o exercício de sua função, mas ficará impedido de atuar como presidente do

processo.

Magalhães Noronha (1973, p. 160), acompanhando a doutrina dominante,

afirma que a interpretação da previsão processual deve ser restritiva, ou seja, a prerrogativa

para autuar em flagrante delito existe somente quando a autoridade estiver no exercício de

suas funções, do contrário, sendo policial, terá o dever de apresentar o detido à autoridade

competente, na condição de condutor. Se juiz de direito, poderá ser condutor ou meramente

testemunha do fato que presenciou.

Independentemente da autoridade que lavrou o auto de prisão em flagrante,

na lição de Rogério Lauria Tucci (1980, p. 230), após a entrega da nota de culpa ao preso e

encerrada a autuação da prisão, as cópias do auto deverão ser remetidas imediatamente ao

órgão judiciário competente para as providencias cabíveis.

5.1.3 A prisão em flagrante do perseguido fora do distrito da culpa

Efetuada a prisão em flagrante, deve o capturado ser apresentado à

autoridade competente do local em que ocorreu o fato criminoso. Via de regra, a autoridade

policial, nos termos do artigo 4º do CPP, é a competente para conhecer e para decidir sobre a

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autuação da prisão em flagrante. Tales Castelo Branco (1986, p. 93) e Hélio Tornaghi (1963,

p. 503) argumentam nesse sentido.

Ocorrendo o crime, nos termos do artigo 302, inciso III, do CPP, ante a

perseguição do suspeito, poderá ocorrer de este somente ser alcançado e detido em local

distinto do distrito da culpa.

No tocante à perseguição, Eduardo Espínola Filho (2000, p. 399) descreve

que ela deve ocorrer logo em seguida ao crime, perfazendo-se sua trajetória numa verdadeira

continuidade. Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 60) afirma que se iniciando a perseguição

logo em seguida à ocorrência do crime, poderá esta se estender por dias. Acrescenta ainda que

a alternância de perseguidores não altera a continuidade.

A doutrina é unânime no sentido de que não existe a necessidade de a

perseguição ser realizada de forma incontinenti pela vítima e pelas testemunhas do fato. Estas,

imediatamente após a ocorrência do crime, fornecerão aos agentes da Segurança Pública

informações seguras, como as características do autor, suas roupas, veículo utilizado na fuga e

a direção ou rumo tomado. Essas informações e outras que surgirem durante a trajetória

possibilitarão o encalço e a prisão.

Finalmente detido o perseguido, existindo provas seguras de que é o autor

do crime, não deverá de imediato ser transportado para o distrito da culpa, pois, nos termos do

artigo 290 e parágrafos do CPP, os condutores da prisão deverão apresentá-lo à autoridade

policial responsável pela circunscrição onde se deu efetivamente a detenção, que avaliará os

fatos e decidirá sobre a autuação da prisão.

A ausência de autoridade policial no lugar em que foi efetuada a detenção

não impedirá a formalização da prisão. Sobre a possibilidade, Guilherme de Souza Nucci

(2003, p. 505) orienta que o condutor deverá encaminhar o perseguido imediatamente à

cidade mais próxima onde houver a autoridade, para que a prisão seja formalizada e a nota de

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culpa seja expedida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Assim preceitua o artigo 308 do CPP: “Não havendo autoridade no lugar em

que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo”. A não

obediência ao cumprimento da norma resultará na infringência ao artigo 4º, letra “c” da Lei

4898/65. O transporte imediato do preso sem a comunicação da prisão ao juiz competente da

Comarca onde se efetuou a prisão redundará no crime de abuso de autoridade.

Eduardo Espínola Filho (2000, p. 412) pondera que a competência para

lavrar o auto de prisão em flagrante é da autoridade policial do local no qual a prisão se

efetuou, e não a do local onde ocorreu o crime. O autor acrescenta que esta previsão já existia

no direito anterior. Esse também é o entendimento de Ada Pellegrini Grinover, de Magalhães

Gomes Filho e de Scarance Fernandes (2005, p. 282).

Impropriamente, conforme comentário de Scarance Fernandes, Ada

Pellegrini Grinover e Antonio Magalhães Gomes Filho (2000, p. 282), autoridades policiais

estão afetas a “atribuições administrativas”, razão pela qual não se pode cogitar de

incompetência ratione loci da autoridade policial para a lavratura do auto de prisão em

flagrante delito.

Lavrado o auto de prisão em flagrante, deve a autoridade policial do local da

detenção comunicar a prisão ao juiz competente de sua comarca. No auto de prisão deverá

constar que o autuado foi entregue à autoridade policial responsável pela perseguição, e

idêntica informação deverá ser apresentada também ao juiz competente da comarca em que se

deu a prisão.

Portanto, essa modalidade de prisão em flagrante exige a necessidade de

informações e distribuição de cópias da autuação para a Delegacia de Polícia e para o juiz

competente do local da prisão; para a Delegacia de Polícia e para o juiz competente do local

em que ocorreu o crime; e para o Diretor do Sistema Carcerário onde o autuado deverá

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permanecer à disposição do juiz do distrito da culpa. A autoridade policial responsável pela

detenção, juntamente com o autuado, deverá trazer em mãos a documentação da autuação,

servindo esta como peça inicial do inquérito policial.

5.2 A valoração das provas e o convencimento para a prisão em flagrante

Prova no conceito de Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 43), é um

conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à

verdade dos fatos relevantes para o julgamento.

Na lição de Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró (2003, p. 162), a prova

fornece o “grau de suporte”, ou “de confirmação”, ou ainda, “de convencimento” de uma das

hipóteses fáticas relevantes para a decisão da causa.

Antonio Mílton de Barros (2001, p. 23) pondera que todas as atividades

probatórias convergem para o momento da apreciação ou valoração da prova, pois é por meio

da seleção crítica, da aceitação ou da rejeição do material produzido que se torna possível

extrair uma convicção a respeito dos fatos investigados.

Enquanto para o magistrado, durante as fases do procedimento, as provas

apresentadas pelas partes objetivam a formação do convencimento sustentado por valores para

produzirem uma sentença, este mesmo mecanismo de valoração é exercido pela autoridade

policial que, em minutos, deve, com o seu livre convencimento, mas com responsabilidade,

sintetizar os argumentos prós e contra a lavratura do auto de prisão em flagrante que, se

inafiançável, poderá redundar na privação da liberdade do conduzido.

Essa realidade vivenciada pelas autoridades policiais não busca estabelecer

uma comparação entre as decisões que condenam ou que absolvem e aquelas que determinam

a prisão pré-cautelar. Entretanto, a situação fática de flagrância não deixa de ser um momento

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delicado tanto para o suspeito como para a autoridade policial que, em razão da função que

exerce, está obrigada a decidir pela adoção de uma medida tão drástica como a segregação da

liberdade de um indivíduo.

Na lição de Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 159), a convicção

nasce de uma seleção crítica de aceitação ou de rejeição, que haverá de traduzir a veracidade

ou falsidade das proposições de fatos afirmados pelas partes. No mesmo sentido José Osterno

Campos de Araújo (2005, p. 75) aduz que no processo penal deve prevalecer a verdade-

convicção à qual o julgador chega por via da transmissão da evidência, captada pelos diversos

meios de prova.

A constatação da convicção é um momento crucial para a autoridade

policial. Há que se ponderar a coerência na conjuntura das provas apresentadas,

principalmente quando isoladas e ou despidas de valores pouco convincentes. Exige, na

verdade, um exercício intelectual em busca da lógica e da razão, considerando: a) os fatos

ocorridos; b) o comportamento do conduzido no local dos acontecimentos; c) o vínculo

existente entre a vítima, o autor e as testemunhas; d) o posicionamento, as condições, o

caráter das testemunhas e o vínculo entre elas; e) os valores morais e psicológicos da vítima,

do autuado e das testemunhas; f) as circunstâncias e condições em que ocorreu a detenção do

conduzido; g) as evidências positivas ou negativas existentes no local do crime; h) a valoração

do bem jurídico protegido e o alcance do prejuízo sofrido pela vítima; e i) outros quesitos que

deverão ser detalhadamente investigados, uma vez que o tipo de crime leva ao direcionamento

das investigações.

Para a autoridade policial, a convicção ainda pode ser vista como um

exercício intelectual que, de início, não chega a ser formal, mas se materializa com o

despacho fundamentado e conclusivo, registrado no auto de prisão. Este despacho,

certamente, não vislumbra influenciar o convencimento do representante do Ministério

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Público em juízo, e servirá tão somente para orientar o magistrado sobre as razões de seu

convencimento.

Segundo José Osterno Campos de Araújo (Idem, p. 74), “a verdade não se

impõe, mas é aceita. É preciso convencer-se para aceitá-la”. No entanto, essa convicção, para

encontrar amparo legal e atingir sua finalidade, deve se materializar no despacho de

fundamentação. Conforme entendimento de Luiz Antonio Câmara (1997, p. 61), ampliando o

campo de incidência da obrigatoriedade da motivação, em qualquer caso de limitação à

liberdade deve o ato decisório ser fundamentado.

As provas não devem ser interpretadas como elementos que envolvem as

partes e o local da ocorrência e que visem tão somente à condenação de alguém.

Inegavelmente, formam um conjunto de observações que podem ou levar a evitar uma prisão,

por meio do relaxamento exarado pela própria autoridade policial no momento em que

encerra o auto de prisão em flagrante, ou redundar na possibilidade de uma manifestação de

arquivamento requerida pelo representante do Ministério Público, ou, ainda, a resultar na

absolvição pelo magistrado após análise do conjunto probatório apresentado ao longo do

procedimento. Neste sentido Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 76) esclarece que o juiz não

está preso a critérios valorativos, mas é livre na escolha, na aceitação e na valoração da prova.

Por outro lado, naquele momento crítico de avaliação das provas, restando

dúvidas quanto à autoria, devem-se investigar os fatos com o melhor uso do tempo disponível

do inquérito policial, de forma a evitar, na ausência da certeza quanto à autoria, o

cerceamento da liberdade do suspeito.

Kai Ambos e Fauzi Hassan Choukr (2001, p. 153), acerca da necessária

inversão valorativa, explanam que “por tudo que representa o princípio da inocência, indica a

liberdade como regra e a prisão como exceção”.

A decisão de autuar alguém em flagrante não pode se traduzir em um ato

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ritualístico de mera constatação. Não há que se comparar aos atos de cartório para a

formalização da prisão do autuado. A autoridade policial deve aproximar-se da verdade e

distanciar-se de interesses ou valores emotivos das partes, do condutor leigo ou detentor de

limitados conhecimentos jurídicos.

O convencimento deve passar por análise crítica, mas deve também estar

associado ao momento, às carências, às necessidades, aos antecedentes e ao estado da pessoa

do autuado, ao valor do bem e às condições e circunstâncias a serem aferidas no momento da

conclusão da autuação.

5.3 Sujeitos da prisão em flagrante

5.3.1 Sujeito ativo

A perpetração de um crime necessariamente envolve a participação de pelo

menos dois sujeitos: aquele que pratica o crime e aquele que sofre as conseqüências da

conduta criminosa (ofendido ou vítima).

Na terminologia penal, sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta

contra o sujeito passivo, que é a vítima. Na terminologia processual penal, sujeito ativo do

processo criminal é o ofendido, e o sujeito passivo é o réu.

Na prisão em flagrante, conforme dispõe o artigo 301 do Código de

Processo Penal, o sujeito ativo não se confunde com o autor do crime, nem mesmo com o

sujeito do pólo ativo da ação penal condenatória. O sujeito ativo da prisão em flagrante é

aquele que realizou a prisão do autor do crime em flagrante.

O nosso Código de Processo Penal, considerando a necessidade de coibir a

criminalidade, não criou qualquer obstáculo ao ato de prender aquele que comete um ilícito

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penal em estado de flagrância. O legislador facultou a qualquer do povo e obrigou aos agentes

policiais o dever de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Heráclito Antonio Mossin (1998, p. 376) assim se manifesta:

No que tange à prisão em flagrante levada a efeito pelo particular, esta se justifica uma vez que há o interesse coletivo na punição de quem viola a norma penal, porquanto essa vulneração, em última análise, afeta sobremaneira o equilíbrio social.

A doutrina é unânime no sentido de que a obrigatoriedade em prender

aquele que se encontra em estado de flagrância pela prática de crime, sob pena de responder

administrativa e criminalmente em razão da prevaricação, só atinge as autoridades policiais e

seus agentes. Certamente o legislador pretendeu estabelecer uma relação, um vínculo entre o

fato criminoso e o exercício da função criado para esse fim. Dessa maneira, Juízes,

Promotores de Justiça, Procuradores e demais autoridades públicas estão isentas da obrigação

de prender.

5.3.2 Condutor

Conforme artigo 301 do CPP, o condutor do preso à autoridade policial

competente poderá ser a própria vítima, as testemunhas que presenciaram o crime, os

transeuntes ou os agentes da segurança pública. A doutrina reconhece isso de forma unânime

(GREGO FILHO, 1997, p. 270).

A divergência surge com relação à voz de prisão. Parte da doutrina entende

que somente os servidores públicos responsáveis pelo dever de prender podem dar voz de

prisão.

Roberto Delmanto Júnior (2001, p. 112-113) acredita que não se pode

confundir o ato de conduzir o flagrado à presença do delegado de polícia, facultado a qualquer

do povo, com o ato de dar voz de prisão. Esta atribuição é específica de autoridade judicial ou

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administrativa.

Opondo-se à opinião de Delmanto Júnior, Ada Pellegrini Grinover,

Magalhães Gomes Filho e Scarance Fernandes (1997, p. 282) ponderam que

o condutor é aquele que apresenta o preso à autoridade. Podendo ser a mesma pessoa que efetuou a captura, ou então quem é incumbido por esta desse mister, como no caso de um particular que, depois de dar voz de prisão ao criminoso, pede a um policial que leve o detido à delegacia.

Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 500) dispõe que: “condutor é a pessoa

(autoridade ou não) que deu voz de prisão ao agente do fato criminoso”.

Tales Castelo Branco (1983, p. 37) afirma que a simples voz de prisão é o

quanto basta para a efetivação da prisão em flagrante, que poderá ocorrer em qualquer dia e

hora, independentemente de ordem escrita de qualquer autoridade, respeitadas as restrições

relativas à inviolabilidade do domicílio.

Ao agente da segurança pública, além da voz de prisão, há as obrigações de

informar os direitos do preso, de respeitar sua integridade física e moral e de evitar a

utilização da algema, salvo quando necessário.

Formalidade não menos importante a ser cumprida pelo condutor é a de

apresentar imediatamente o flagrado à autoridade policial.

Nem sempre é exigida a presença formal do condutor na autuação da prisão

em flagrante. A exceção ocorre por força da previsão do artigo 307 do CPP. Quando o crime

é cometido na presença da autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em

flagrante, ou mesmo contra esta, e estando no exercício das suas funções, torna-se

desnecessário consignar o condutor, bastando a descrição da circunstância do fato e a oitiva

das testemunhas e do autuado.

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5.3.3 Testemunhas

No direito criminal, testemunha é a pessoa que, de alguma forma,

presenciou a ocorrência de um fato criminoso. No sentido de ver, ouvir ou mesmo sentir,

exerce papel imprescindível na construção da verdade e conseqüente fortalecimento na

convicção dos operadores do direito.

Para C.J.A. Mittermaier (1996, p. 231) “testemunha é o personagem que se

acha presente no momento em que o fato se dá”. No sentido mais técnico, Claus Roxin

(2000, p. 219) define que a “testemunha é quem, sem estar excluído dessa posição por um

papel processual de outro tipo, deve dar a conhecer suas percepções sobre os fatos ante o juiz

por meio de uma declaração” (PALÁCIO, 2000, p.83).9

O caráter fundamental do testemunho na interpretação de Nicola Framarino

Dei Malatesta (1996, p. 325-326) é aquele que

o especifica como uma das formas particulares da afirmação de pessoa e é baseado na oralidade, isto porque o juiz, nestes momentos de indagação, observa os sinais de veracidade ou de mentira, na fisionomia, no som da voz, na serenidade ou no embaraço de quem depõe.

No direito alemão, segundo a doutrina de Claus Roxin (2000, p. 219-220),

toda pessoa tem capacidade para testemunhar, também os enfermos mentais e os menores podem ser testemunhas, do mesmo modo os parentes e agregados do acusado, pessoas que são seus amigos e os inimigos. Os que dependem economicamente e finalmente, também as pessoas que tem má reputação ou que tenham sido condenadas por perjúrio.

Na Argentina, a previsão do artigo 241 do CPPN é no mesmo sentido. Lino

Enrique Palácio (2000, p. 88) assevera que “toda pessoa será capaz de testemunhar, sem

prejuízo da faculdade do juiz para valorizar o testemunho de acordo com as regras de seu

9 Esse autor acompanha esse conceito: “A prova testemunha ou de testemunhas é aquela que consiste na declaração, prestada ante um órgão judicial, por pessoas físicas que não sejam sujeitos necessários do processo, acerca de suas percepções e dedução de fatos passados concernentes ao objeto sobre o qual aquele versa”.

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critério” (MALATESTA, 1996, p. 236-237). 10

Vincenzo Manzini (1996, p. 266-268) esclarece que no passado eram

incapazes de dar testemunho os menores de idade, as mulheres, os mendigos, os escravos, as

meretrizes, os condenados e os acusados de crimes graves. No direito atual toda pessoa tem

capacidade para testemunhar, cabendo ao juiz valorar a credibilidade.

Quanto à possibilidade de poder testemunhar, além do impedimento

previsto do artigo 207 do CPP, há algumas limitações e obstáculos a essa liberdade:

a) o Promotor de Justiça e o juiz de Direito que, nessa função, participarem

das investigações na fase extrajudicial, estarão impedidos de atuar nos autos desse processo,

seja para denunciar seja para presidir. Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 455-456), se

posiciona nesse sentido, ao interpretar os artigos 252 e 258 do CPP;

b) o advogado está impedido de depor, em razão dos artigos 405, §2º, II e III

do Código de Processo Civil e 154 do Código Penal;

c) os familiares do acusado não estão impedidos de depor, mas sofrem

obstáculos, por força do artigo 206 do CPP, visando protegê-los e evitar constrangimentos;

Germano Marques da Silva (1999, p. 154), traz questão interessante sobre

os direitos da testemunha. Pondera que a prova testemunhal é dos mais importantes meios de

prova e que o dever de testemunhar é não só um dever jurídico, mas também um

importantíssimo dever ético. Refere-se não só à pressão psicológica a que a testemunha é

gratuitamente submetida, como também ao desrespeito e ao tratamento ríspido e desconfiado

que lhe dirigem os aplicadores do direito, quando chamados a colaborar com a Justiça.

Pelo artigo 304 do CPP, a autoridade policial deverá colher a versão do

condutor e, na seqüência, o depoimento da testemunha. Antes, porém, caberá à autoridade

10 Preleciona que “todas as legislações criminais consideram de primeira ordem a prova testemunhal; mas as regras especiais concernentes à admissão de certas testemunhas, as formalidades da inquirição judicial e outros critérios diferem segundo os princípios fundamentais de cada uma dessas legislações. Acrescenta que as variações ocorrem de acordo com o sistema da acusação e da própria inquirição”.

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policial colher preliminarmente a versão de cada um dos presentes. Havendo testemunha que

não pôde comparecer por questão de limitação física, a autoridade policial deverá comparecer

no local para ouvi-la e avaliar o conteúdo do depoimento. Sendo imprescindível, será levada

para que o seu depoimento faça parte da autuação.

Ante o não comparecimento da testemunha para depor e integrar junto às

demais o conjunto probatório do fato criminoso, poderá ser determinada a sua condução

coercitiva, por analogia ao artigo 218 do CPP, e, não sendo convincentes suas explicações,

responderá pelo crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal.

Restando comprovado que a testemunha não consegue se expressar por não

conhecer nosso idioma ou por outras dificuldades de comunicação, deverá a autoridade

policial, nos termos do artigo 223 do CPP, providenciar um intérprete para esse mister.

Há vezes em que somente uma testemunha é apresentada para depor sobre

os fatos que presenciou. Não raro somente o agente da segurança pública se apresenta como

testemunha do fato, levando algemado o conduzido e a vítima que nada viu. Ainda que após o

auto de prisão em flagrante e a sua comunicação ao juiz competente haja o prazo de 10 (dez)

dias para a investigação, conclusão e remessa do inquérito policial (artigo 10 do CPP), é

crucial decidir pela autuação ou não da prisão em flagrante sem outras provas que possam

confortar tecnicamente a autoridade policial.

O tempo ensina que a análise dessas questões dependerá da avaliação de

cada caso, na qual deverão ser ponderados o valor do prejuízo, a relação existente entre o

conduzido e a vítima, as circunstâncias em que o conduzido foi visto, perseguido e detido, os

motivos que levaram o conduzido a praticar o fato criminoso e os antecedentes criminais, que

ajudam na avaliação da personalidade do flagrado.

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5.3.4 Vítima

Vítima, no conceito de Jaume Solé Riera (1997, p. 21), “é o ofendido,

sujeito que sofre diretamente a lesão do bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico,

podendo ser pessoa física ou jurídica, grupo ou coletividade de pessoas”.

Tanto na esfera penal como processual penal, descreve Ana Maria Pires

Saldanha (2001, p. 02), que “o legislador brasileiro procurando acomodar o tipo penal ao

sujeito que sofre a investida indesejável, altera os termos para designar vítimas, ora elegendo

como “ofendido”; quando o fato refere-se aos crimes contra a honra e contra os costumes; ora

como “lesado”, relacionando-o aos crimes patrimoniais, mas também como sujeito passivo no

Código Penal e sujeito ativo no processo, sempre representado pelo Ministério Público nos

crimes de ação penal pública e do advogado nas ações penais privadas, quando recebe a

denominação de querelante”. De qualquer forma e concluindo esse pensamento, Tales Castelo

Branco (1986, p. 96) pondera que “o ofendido ou vítima é todo aquele que sofre a infração. É

o sujeito passivo da violação penal”.

Antonio Scarance Fernandes (1997, p. 123), afirma que “no processo penal

brasileiro, ofendido corresponde ao sujeito passivo, principal ou secundário, da infração

penal”.

Fernando da Costa Tourinho Filho (2004, p. 09-10) esclarece que o nosso

ordenamento considera sempre o Estado como sujeito passivo indireto, mediato e constante,

porque o crime, ao atingir o detentor do direito – sujeito passivo direto e imediato –, também

atinge aquele que assumiu o encargo de representar a comunidade e de protegê-la.

O artigo 201 do CPP prevê a oitiva da vítima sempre que possível, para

prestar as informações em torno da autoria e da materialidade. Seu não comparecimento,

conforme dispõe o parágrafo único, poderá redundar em condução coercitiva. Assim, Julio B.

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J. Maier (2003, p. 631), ao comentar o artigo 275 do Código Penal Argentino, assevera que “a

vítima está obrigada, em princípio, a relatar a verdade e a não omitir nada sobre o objeto de

seu interrogatório”.

Apesar da expressão superficial “sempre que possível” utilizada pelo

legislador, a doutrina considera imprescindíveis as declarações prestadas pelo ofendido.

Assim, Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 361)11 orienta que a oitiva da vítima é

obrigatória. Não sendo o ofendido arrolado pelas partes, deve o juiz, em busca do princípio da

verdade real, determinar de ofício a sua inquirição. Nessa corrente, Romeu Pires de Campos

Barros (1982, p. 155) declara que sempre é útil a participação do ofendido, notadamente

porque o auto de prisão em flagrante deve ser relato fiel de tudo quanto ocorreu.

Em sentido contrário, Fauzi Hassan Choukr (2000, p. 217) entende que

a participação da vítima na construção da verdade deve ser atuada com certa dose de restrição, devendo ser otimizados os esforços no sentido de suplantar seu papel pela tecnologia da investigação ou da prova processual, sendo sua oitiva requerida apenas como último e inarredável meio de informação.

Já Valéria Diez Scarance Fernandes Goulart (2002, p. 361) pondera que

a vítima do crime, em geral, é quem pode esclarecer suficientemente, como e de que forma ele teria ocorrido. Foi ela quem sofreu a ação delituosa e, por isso mesmo, estará apta a prestar os necessários esclarecimentos à Justiça. Acrescenta a autora que sua relevância é tamanha que, muitas vezes, marca o destino de uma ação penal e lamentavelmente, há hipóteses em que tudo o que existe nos autos é a palavra da vítima contra a palavra do réu.

A ausência do ofendido na Delegacia não deve ser obstáculo na busca de

sua versão. Deve a autoridade policial entrevistá-la onde estiver, uma vez que alguns fatores

como o medo e o trauma, aliados ao tempo e aos conselhos corriqueiros podem prejudicar a

11 Ana Maria Pires Saldanha (2001, p.02), apresenta em seu artigo uma síntese da evolução histórica desde a fase da valoração até sua queda. “Descreve que na sociedade primitiva a vítima ocupava um papel de destaque, pois participava do ritual punitivo do malfeitor ou mesmo restabelecia a paz através da vingança pessoal. Houve um período em que a punição deveria ser obrigatória, caso contrário, interpretava-se que um mal seria derramado contra a sociedade. Com o surgimento do Estado, a monopolização da justiça aliada ao poder de punir, a vítima passou a ter um papel secundário“.

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transparência de sua versão. Este é o entendimento de Ada Pellegrini Grinover (1997, p. 283),

pelo qual além do condutor e das testemunhas, nada impede que o ofendido também seja

ouvido no auto de prisão em flagrante, sendo de rigor sua participação nas hipóteses em que a

persecução penal dependa de sua iniciativa ou autorização.

Reconhecendo o interesse da vítima pelo deslinde da ação, Valéria Diez

(2002, p. 96)12 descreve que o

ordenamento processual nacional tratou em capítulos diferentes a prova testemunhal e as perguntas do ofendido, trazendo clara distinção entre tais pessoas. Assim, diversamente do que ocorre com as testemunhas, o ofendido não presta compromisso de dizer a verdade.

Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 146) acrescenta que o ofendido não responde pelo

crime de falso testemunho.

Em julho de 1999 foi aprovada a Lei nº. 9.807, que estabelece normas para a

organização e a manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e às testemunhas

ameaçadas, bem como aos acusados e aos condenados que tenham voluntariamente prestado

efetiva colaboração à investigação. A proteção leva em conta a gravidade da coação ou da

ameaça e estende-se à família da vítima.

5.3.5 O autuado e seu interrogatório

O interrogatório do autuado está previsto no inciso V do artigo 6º e no

“caput” do artigo 304 do Código de Processo Penal.

Na autuação da prisão em flagrante, em obediência à forma seqüencial das

oitivas, o interrogatório é o último ato. É o momento em que o autuado é chamado a prestar

sua qualificação e convidado a esclarecer sobre sua participação e o seu envolvimento na

12 Tales Castelo Branco (1986, p. 96) confirma que a inquirição do ofendido deverá ocorrer sempre que possível, uma vez que a rigor também é uma testemunha embora dispensada do compromisso legal de dizer a verdade.

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conduta criminosa que lhe é imputada.

O argüido, segundo Jorge de Figueiredo Dias (1974, p. 440), “é

indiscutivelmente, em princípio, uma das pessoas que estará em melhor situação para dar

relevantes esclarecimentos sobre a matéria da notitia criminis e da acusação,

independentemente do fato de ser ou não culpado”.

Chegado o momento do interrogatório, a autoridade policial deverá estar

convicta da autoria e da materialidade, uma vez que, a título de cautela, terá colhido

antecipadamente todas as informações que lhe foram prestadas pelo condutor, pelas

testemunhas, pela vítima e pelo conduzido, obtido outras provas apreendidas no cenário do

crime e avaliado a coerência dessas informações com outras provas fornecidas pelos peritos e

investigadores, pois, do contrário, já teria rechaçado a prisão em flagrante, preferindo apurar

os fatos através do inquérito policial.

Antes mesmo do formal interrogatório do conduzido, medidas protetivas já

deverão ter sido tomadas pela autoridade policial, como:

a) providenciar o isolamento do flagrado, para impedir qualquer

manifestação que venha lhe causar constrangimento desnecessário ou ferir sua integridade

física e moral;

b) tranqüilizá-lo, no sentido de que os seus direitos serão respeitados e

garantidos;

c) disponibilizar a presença do advogado que escolher e comunicar a sua

família sobre a sua condição; sendo pobre e não tendo condições de indicar um advogado,

será orientado no sentido de que a Defensoria Pública do Estado irá promover o

acompanhamento do processo e a sua defesa;

d) providenciar intérprete, se o flagrado for portador de deficiência física ou

psíquica ou não entender ou não conseguir se expressar em nosso idioma;

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e) providenciar encaminhamento ambulatorial ou hospitalar diante da

constatação da existência de ferimentos considerados preocupantes ou graves; não obstante à

gravidade, o exame de corpo de delito será sempre indispensável.

O interrogatório do autuado somente não ocorrerá se o conduzido não

estiver em condições de se expressar, como por exemplo, se estiver alcoolizado, sem poder

concatenar o pensamento, ou ferido. No entanto, qualquer dessas condições não impedirá a

autuação do flagrante e a prisão do indiciado, cuja escolta se fará presente onde estiver,

podendo o interrogatório ser prestado oportunamente. No entendimento de Miguel Angel

Montañes Pardo (1999, p. 145), “o imputado, no momento de prestar suas declarações, deverá

encontrar-se em condições físicas e psíquicas adequadas”.

Fora essa exceção, a ausência do interrogatório no auto de prisão em

flagrante, quando possível, redundará no relaxamento da prisão e na instauração de

procedimentos administrativo e criminal contra a autoridade policial responsável pela

autuação.

Aos poucos, vai se firmando o entendimento de que a natureza jurídica do

interrogatório não é somente de um meio de prova, que ajuda no esclarecimento dos fatos,

mas também de um meio de defesa. Ensina Marta Saad (2004, p. 223) que ao acusado deve-se

garantir o direito de defesa, direito de se contrapor a todas as acusações e de disponibilizar a

produção de provas por ele requeridas e indispensáveis à demonstração de sua inocência ou

de sua culpabilidade diminuída.

O interrogatório na fase pré-processual se divide em dois momentos: a) o

primeiro refere-se à qualificação do conduzido, que deverá responder às perguntas da

autoridade policial sob pena de infração ao artigo 68 da Lei das Contravenções Penais; b) o

segundo refere-se às perguntas relacionadas ao crime que se investiga, devendo o

interrogando ser orientado quanto ao direito de manter-se em silêncio. Em caso de silêncio do

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indiciado, deve a autoridade policial fazer constar as perguntas não respondidas.

Não resta dúvida de que a ausência das respostas cria um vazio no conjunto

probatório, uma vez que a participação do interrogando contribui para a descoberta da

verdade real. De outra forma, o silêncio impedirá o conhecimento de outros pontos relevantes.

Salienta Romeu Pires de Campos Barros (1987, p. 456) que o interrogatório constitui um

momento em que é possível extrair das respostas, do conduzido sua personalidade, seus

valores morais e suas reações diante dos questionamentos.

Houve inovações importantes no capítulo do interrogatório do acusado, que

se refletem no interrogatório colhido na fase pré-processual:

a) com o advento do novo Código Civil e a diminuição da maioridade civil

de 21 (vinte e um) para 18 (dezoito) anos, tornou-se desnecessária a nomeação do curador no

interrogatório do menor de 21 anos e nos demais atos de polícia e do processo;

b) o contraditório no interrogatório é agora previsto no artigo 188 do CPP,

dispositivo que se aplica ao interrogatório do autuado na prisão em flagrante e no inquérito

policial.

O interrogatório do autuado deve ocorrer de forma tranqüila e ser realizado

com perguntas diretas, sem o uso de pressão, o estabelecimento de condições, a utilização de

artimanhas. Imprescindível nesse momento a presença do advogado e de duas testemunhas,

que possam mais tarde, durante a fase processual, declinar ao Juiz em que condições o

acusado prestou a sua versão quando da autuação da prisão em flagrante.

Com o encerramento do interrogatório do autuado, medidas inadiáveis

devem ser tomadas, como a entrega da nota de culpa e a comunicação ao juiz competente.

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5.4 A confissão do autuado

A palavra “confissão” vem do latim confessio, que se deriva de fari e hinc

(ROSSETO, 2001, p. 41-42)13. Conforme o dicionário de Plácido e Silva (1982, p. 505),

“confissão”, tem o significado de confiteri de declaração da verdade feita por quem pode

fazer.

O autuado e o acusado prestam a versão dos fatos no interrogatório,

despidos de quaisquer obrigação, juramento ou compromisso. Por força do inciso LXIII,

artigo 5º da Constituição Federal e artigo 198 do CPP, os investigados e acusados têm total

liberdade de escolher se desejam ou não prestar esclarecimentos sobre a incriminação,

devendo o juiz, em razão da nova redação do artigo 185 § 2º do CPP (alterado pela Lei nº.

10.792/03) disponibilizar entre acusado e advogado, em nome do princípio da ampla defesa, o

direito de entrevista.

A confissão é um meio de prova que somado a outras provas encontradas e

recolhidas no local do crime forma importante conjunto probatório, estabelece a veracidade da

ocorrência de um fato criminoso e forma a convicção dos magistrados a respeito da autoria.

Salienta Germano Marques da Silva (2000, p. 240) que “é preciso relacionar a confissão com

o próprio argüido, tanto nos motivos do crime, como nos motivos da própria confissão”.

No passado, a confissão era a prova mais esperada, desejada e aplaudida

pelos juízes, que ratificavam a declaração de culpa do acusado em suas decisões. Como não se

exigia para a condenação o exame de outras provas, ocorria abusos, privilegiava-se vingança,

estimulava-se tortura, a troca de favores e a negociação da culpa, motivos que levavam

inocentes a vestirem-se de culpados.

A injustiça dessas decisões e o erro judiciário fizeram com que a confissão

13 Acrescenta em sua lição que nem todos os países classificam a confissão como um meio de prova. Admitem-na o direito processual da Espanha, Colômbia, México e o Código-Tipo; por outro lado, não consideram como meio de prova, a Argentina, Portugal e Itália.

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perdesse o extremado valor de rainha das provas.

Atenta a essas questões, a comissão que elaborou o Código de Processo

Penal de 1941 não hesitou em regulamentar nos artigos 197 a 200 as condições exigíveis para

melhor avaliação da confissão, não servindo, sozinha, para a condenação, pois a confissão

desacompanhada de outros elementos de convicção, destoante ou conflitante com as demais

provas colhidas não garante a correspondência com a verdade, devendo o seu valor ser

considerado mínimo ou nenhum. François Gorphe (1998, p. 207) pondera que “diante da

confissão há que se apreciar a sua realidade, sinceridade e exatidão”.

Na lição de Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 80-81), a confissão feita no

inquérito policial, embora retratada em juízo, tem valia desde que não seja elidida por

quaisquer indícios ponderáveis e esteja ajustada aos fatos apurados. Em outras palavras,

estabelecida a coerência entre as demais provas e a confissão realizada espontaneamente

perante a autoridade policial, apesar da retratação, ela pesa contra o acusado.

Mittermaier (1996, p. 197-201), ao referir-se às condições essenciais da

confissão, aduz que para que faça prova é preciso estar rodeada de diversas condições

essenciais, quais sejam:

a) verossimilhança: confrontar os fatos com a lei da natureza, ou seja, não é

possível um homem frágil estrangular com as mãos alguém fisicamente superior;

b) credibilidade: i) a declaração deve trazer a energia da verdade e não

apenas fatos de indução; ii) verificação do estado físico e mental do acusado; iii) para que a

confissão tenha o cunho de veracidade é preciso que pareça inspirada só pela voz da

consciência e pelo instinto da verdade;

c) clareza das informações acessórias e da declaração principal;

d) persistência e uniformidade das confissões, com as mesmas riquezas de

detalhes em todos os interrogatórios realizados;

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e) coerência entre o conteúdo da confissão e as demais provas existentes.

Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 132), ao se referir à divisibilidade da

confissão, prevista no artigo 200 do CPP, prescreve que ao juiz cabe avaliar a coerência das

demais provas em relação ao conteúdo da confissão, podendo aproveitá-la no todo ou em

parte.

Em suma, durante a autuação da prisão em flagrante, devem preponderar as

mínimas cautelas para a correta realização do interrogatório do conduzido, que pode resultar

em eventual confissão. Para que se proceda à devida realização do interrogatório e o

conduzido possa, espontaneamente, esclarecer sobre o cometimento do crime, deve ele estar

diante de seu advogado e de testemunhas instrumentárias, ser orientado quanto aos seus

direitos constitucionais.

5.5 Direito à prisão especial

Concluída a autuação da prisão em flagrante, cópias da autuação são

imediatamente remetidas ao Juiz de Plantão do Foro da Comarca, enquanto o autuado é

transportado com o ofício de apresentação, cópia da autuação, nota de culpa e antecedentes

criminais para o Centro de Detenção Provisória, Centro de Ressocialização ou Cadeia

Pública.

Normalmente, essa é a conduta que ultima o auto de prisão em flagrante.

Entretanto, o legislador, considerando o cargo ou função que o indiciado exerce, criou o

privilégio temporário apresentado no artigo 295 do CPP:

Serão recolhidos a quartéis ou prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I - Os ministros de Estado; II – Os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III – os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados; IV – os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”; V – os oficiais das Forças

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Armadas e os Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI – os magistrados; VII os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII – os ministros de confissão religiosa; IX - os ministros do Tribunal de Contas; X – os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI – os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Território, ativos e inativos.

Arthur Cogan (1996, p. 1) dispõe que a lei permite, na fase que antecede a

decisão, que as pessoas que exercem determinadas atividades sejam recolhidas a quartéis ou a

locais aptos a servirem como prisão especial, para se evitar seu contato com os demais presos,

e lhes garantir ambiente menos constrangedor e condições de vida mais condizentes com a

atividade profissional até então desenvolvida.

Sobre o tema, José Frederico Marques (2000, p. 42) faz referência ao artigo

84 da Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210/84), que determina que “o preso provisório ficará

sempre separado do condenado por sentença transitada em julgado”.

Eduardo Espínola Filho (2000, p. 382) justifica a regalia, citando o artigo

300 do CPP: “Sempre que possível, as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das

que já estiverem definitivamente condenadas”. Pondera que se deve evitar, tanto quanto

possível, o contato entre réus definitivamente condenados e pessoas apenas provisoriamente

presas, principalmente quando entre os presos provisórios se encontram autoridades e pessoas

que exercem cargos ou funções reconhecidamente importantes na sociedade.

O autor colaciona o acórdão do Habeas Corpus nº. 2.818 (julgado em 13 de

abril de 1943), no qual as câmaras criminais do Tribunal de São Paulo conjuntamente

decidiram que

o essencial, nas regalias previstas no artigo 295 do Código de Processo Penal, é a separação do preso, de modo que não fique ele em promiscuidade com outros detentos. Quanto ao conforto e a nobreza do recinto, onde é recolhido o preso privilegiado, ficam dependentes das possibilidades do momento [...]

Se o pensamento do legislador na aprovação do Código de Processo Penal,

no ano de 1941, era de proteger e separar do criminoso comum as pessoas que, em razão da

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sua qualidade, praticaram um crime, com muito mais razão se justifica nos dias de hoje, em

que a criminalidade estatisticamente aumenta. Por isso outras categorias profissionais buscam

a inclusão no rol dessa regalia.

A enumeração dos privilegiados, feita no artigo 295 do CPP, que até então

era taxativa, perdeu forças e cedeu espaço para outras classes de profissionais. Nesse sentido

Eduardo Espínola Filho (Idem, p. 381) afirma que a enumeração não é limitativa, admitindo a

equiparação de pessoas outras, por paridade de motivo (BONFIN, 2006, p. 369).14

Magalhães Noronha (1999, p. 205) faz referência ao Decreto nº. 38.016, de

5 de outubro de 1955, que regulamenta a prisão especial, dispondo sobre as condições do

local denominado de prisão especial:

alojamento condigno, alimentação, recreio, uso do próprio vestuário, assistência plena de advogado durante o horário normal do expediente, visitas da família, parentes e amigos, sendo as daquela sem horário fixado, correspondência epistolar livre, salvo exceções, assistência religiosa, médica, particular, alimentação enviada pela família ou amigos, em casos especiais, transporte diferente do empregado para os outros presos e direito de representar, em termos convenientes.

A Lei nº. 10.258/01 inseriu no artigo 295 os parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, e

reconheceu no §1º o privilegio da prisão especial previsto em outras leis. Percebe-se que a

previsão consignada no referido artigo é meramente exemplificativa.

Na inexistência de local com as características descritas no Decreto nº

38.016/55, o parágrafo 2º prevê o uso de uma cela distinta, que, nos termos do §3º, poderá ser

um alojamento de uso coletivo, desde que atendidos os requisitos de higiene e salubridade,

dentre outros.

O §4º estende a regalia de separação dos presos comuns ao transporte dos

privilegiados, quando necessário o deslocamento ou a transferência de local. O § 5º ressalta

14 Confirma que o rol do artigo 295 do CPP é meramente exemplificativo, pois existem outras hipóteses, previstas em leis especiais, a assegurar a prisão especial, como no caso dos pilotos de aeronaves mercantes nacionais (Lei nº. 3.988/61), dos dirigentes de entidades sindicais que representam empregados, empregadores, profissionais liberais, agentes e trabalhadores autônomos (Lei nº. 2.860/56) etc.

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que, à exceção de tais regalias, o tratamento deverá ser igual para todos, provisórios ou

condenados.

Os quartéis da polícia militar têm sido utilizados para abrigar as pessoas

amparadas pelo artigo 295 do CPP e pelas leis esparsas, disponibilizando ao Poder Judiciário,

quando requisitado, uma de suas salas para servir como cela especial.

Para suprir a necessidade da cela especial, nas localidades que não possuem

estabelecimento adequado, a Lei nº. 5.256/67 criou a prisão domiciliar. Magalhães Noronha

(Idem, p. 207) ensina que consideradas as circunstâncias do crime e ouvido o Ministério

Público, o juiz pode autorizar a prisão do réu ou do indiciado na própria residência, da qual

não poderá afastar sem consentimento judicial, sob pena de ser revogado o privilégio.

O instituto da prisão especial alcança qualquer modalidade de prisão

provisória, incluindo a dos decorrentes de inadimplemento de pensão alimentícia, a do

depositário infiel, a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, a decorrente de pronúncia

ou de sentença penal condenatória não transitada em julgado.

5.6 Alterações no auto de prisão em flagrante por força da Lei Federal nº. 11.113 de 16/5/2005

O auto de prisão em flagrante era uma peça única, elaborada nos precisos

termos do artigo 304 do Código de Processo Penal, que assim dispunha: “apresentado o preso

à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e as testemunhas que o acompanharam e

interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita, lavrando-se auto, que será por todos

assinado” (grifo nosso).

As alterações não só refletiram no caput do artigo 304, mas também no § 3°,

conforme segue:

Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que lhe tenham ouvido a leitura na presença do acusado, do condutor e das testemunhas. (grifo nosso)

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A previsão do Código de Processo Penal de 1941 dispunha que efetuada a

prisão de alguém em flagrante delito, essa pessoa, denominada conduzido, deveria ser

apresentada à autoridade policial por aquele que realizou a prisão, o condutor, juntamente

com as testemunhas do fato ou as da apresentação do preso à autoridade.

Desta forma, era lavrado o auto de prisão em flagrante, no qual se

consignavam a data, a hora e o local da lavratura. Em seguida o condutor era qualificado e

inquirido sobre os motivos da prisão pela autoridade policial. Na seqüência, as testemunhas

eram qualificadas e ouvidas. Posteriormente, o mesmo era feito com a vítima e com o

conduzido. Após o despacho fundamentado da autoridade, que concluía a formalização da

prisão, o auto era encerrado e assinado por todos, ou seja, pela autoridade policial que o

presidiu, pelo escrivão que lavrou, pelo condutor, pelas testemunhas, pela vítima e pelo

conduzido.

O inconveniente desse modelo residia na espera pelo encerramento da

lavratura do auto de prisão em flagrante para que todos pudessem assiná-lo; ou seja, o texto

revogado previa a formalização da versão prestada pelo condutor, pelas testemunhas, pela

vítima e pelo autuado em uma peça única, seqüencial e ininterrupta, na qual, ao final da

digitação formal das versões prestadas, dentro da ordem exposta, todos apunham suas

assinaturas.

A vítima presente e ainda em estado de choque ficava obrigada a esperar o

cumprimento do procedimento. Os policiais viam-se impedidos de dar continuidade em suas

atividades, pois tinham que aguardar o encerramento da elaboração do auto, mesmo após

terem prestado seus depoimentos.

As testemunhas eram as que mais sofriam com tal espera, uma vez que não

tinham um envolvimento direto com as partes e com o fato, tão só tiveram conhecimento do

ocorrido.

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Wilmar Costa Braga (2005, p. 60-63) sustenta que o agrupamento das

assinaturas colhidas ao final, distintas da versão prestada, sem uma organização

identificadora do sujeito com a oitiva é inconveniente por contrariar os preceitos do artigo

219 do Código Civil vigente, que trata do cumprimento do ato jurídico. Acrescenta que o

auto de prisão em flagrante é um importante instrumento de trabalho processual penal para o

combate ao crime, mas o modelo que vinha sendo utilizado estava ultrapassado e engessado

pelo costume.

No Estado de São Paulo, o Delegado Geral de Polícia, por meio da

recomendação DGP – 1/2005 sugeriu que, na ordem seqüencial, fossem inseridas as

declarações da vítima, pois o legislador, tanto na lei revogada quanto na modificadora,

deixou de prever no auto de prisão em flagrante a versão do ofendido.

A nova lei extinguiu a formalidade seqüencial, única e costumeira, com a

confecção das oitivas do condutor e testemunhas (Termo de Assentada), das declarações da

vítima (Termo de Declarações) e do interrogatório do acusado (Termo de Interrogatório) em

peças individualizadas, sempre preservada a ordem seqüencial, pois do contrário, a

inobservância da forma poderia redundar na nulidade do ato e no relaxamento da prisão.

O novo modelo visa a desburocratizar o procedimento de autuação, pois

sem interromper e sem prejudicar a seqüência das oitivas, com obediência às formalidades

legais, agiliza as atividades da Polícia.

Roberto Maurício Genofre (2005, p. 12-13), ao denominar o novo modelo

de “bifásico”, ensina que a lei modificadora permitiu dividir a autuação em dois momentos

diferentes: no primeiro os termos são elaborados um a um, os participantes os assinam ao

final de cada peça e podem ser dispensados logo em seguida.

Num segundo momento, o auto de prisão em flagrante é formalizado e será

determinada a junção das peças pela autoridade policial contendo este documento apenas as

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assinaturas da autoridade policial que presidiu o auto, do indiciado e do escrivão que o

digitou.

O novo modelo de autuação criou o recibo de entrega de preso. Com a

apresentação do suspeito à autoridade policial, vencida a primeira etapa, que se traduz na

convicção preliminar a respeito do fato e da autoria e constatada a necessidade de se proceder

a autuação, o condutor, que via de regra é o policial militar, recebe do escrivão de polícia o

recibo assinado pela autoridade competente contendo breves informações, como o dia e a

hora da apresentação, o nome da autoridade, do escrivão, do condutor e do conduzido, das

testemunhas e a descrição do fato criminoso.

O condutor, em poder deste documento, após prestar o depoimento, poderá

ser dispensado para a continuidade de suas atividades e funções.

É preciso ponderar que a cautela sempre deve ser o ponto central,

principalmente no que diz respeito à valoração dos atos e informações relacionadas ao fato

criminoso, a qual deve preceder a autuação. Antes do início de qualquer ato escrito a

autoridade policial deve entrevistar o condutor, para comparar a coerência das informações

prestadas com a versão das testemunhas e da vítima e possibilitar ao conduzido, se não

preferir o silêncio, explicar o seu envolvimento com o crime.

Carlos Alberto Marchi de Queiroz (2000, p. 6) sustenta que a mens legis,

por seu turno, revela que a lei nova recebeu forte influxo do Pacto de San José da Costa Rica,

por privilegiar o atendimento da vítima, das testemunhas e do próprio autuado, colocando-o

liminarmente em segurança, sob a custódia das policias judiciárias estaduais e federal.

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5.7 Cautelas necessárias para a lavratura ao auto de prisão em flagrante

5.7.1 Cautelas na separação do condutor, testemunhas, vítima e conduzido

Ao recepcionar o condutor, o conduzido, a vítima e as testemunhas, é

imprescindível que a autoridade policial tome a cautela de separar a todos e garantir a

incomunicabilidade, antes mesmo do conhecimento da infração na sua profundidade.

Em que pese parecer um exagero, a cautela de separar os sujeitos envolvidos

no flagrante é medida de maior importância a ser tomada no momento em que a equipe

policial se prepara para efetuar ou não a prisão. Se a finalidade é a busca da verdade real, a

medida em tela chega a ser óbvia.

O Código de Processo Penal e até mesmo a doutrina não prestigiaram o

tema, talvez porque se referia a um comportamento natural do profissional num momento tão

crucial para o conduzido e para vítima. É de se esperar da autoridade e de seus agentes

conhecimento técnico, sensibilidade, profissionalismo, astúcia e imparcialidade. O fato

criminoso pode apresentar características intrigantes; o que, de início, parecia óbvio pode

revelar segredos ocultos, circunstâncias vexatórias, fragilidades do ser humano e tendências

pessoais nunca expostas ao conhecimento público.

Fazer emergir a verdade não é tarefa para qualquer profissional, é preciso

muito mais do que um módico conhecimento do direito penal, processual penal e pericial

criminal para lidar com o fato criminoso. A cautela de separar a todos, inclusive as vítimas,

impedindo a continuidade do contato entre os agentes que realizaram a prisão com o

conduzido e testemunhas, permitirá à autoridade competente o conhecimento mais próximo

da verdade.

A ausência dessa cautela poderá fortalecer o eventual exagero das vítimas e

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a convergência positiva ou negativa da versão das testemunhas, o que redunda num

desvirtuamento de detalhes importantes para o deslinde do fato criminoso, num interrogatório

orquestrado e numa supervalorização na versão do condutor e dos demais agentes da

Segurança Pública. Em suma, numa peça investigatória intrinsecamente viciada

(MALATESTA, 1996, p. 90)15.

Caso restem dúvidas e informações controvertidas, deve a autoridade

policial determinar a imediata investigação no local do crime, buscando fortalecer sua

convicção. Sendo o crime grave, a presença da autoridade policial comandando as

investigações será imprescindível.

5.7.2 A preservação do local do crime, a apreensão dos objetos que compõem o corpo do delito, a recognição visuográfica e a realização dos exames periciais 5.7.2.1 A preservação do local do crime

Determina o artigo 6º do Código de Processo Penal que a autoridade

policial, assim que tomar conhecimento da ocorrência de um crime, deve imediatamente se

dirigir para o local, a fim de tomar várias providências, dentre as quais determinar o

isolamento do local e a preservação dos vestígios produzidos pelo fato delitivo.

Com o advento da Lei nº. 8.862/94 tornou-se obrigatória a presença do

delegado de polícia no local do crime. No entanto, a comunicação a este é realizada quando os

agentes da segurança pública se fazem presentes realizando o primeiro atendimento.

Em qualquer das hipóteses da prisão em flagrante, previstas no artigo 302

do Código de Processo Penal, a preservação do local do crime é imprescindível para a

15 Nesse sentido, “em primeiro lugar, para que a voz das provas chegue inalterada ao ânimo do juiz, é preciso que elas se lhe apresentem, tanto quanto possível, de maneira imediata, para que ele possa examiná-las diretamente e não através da névoa de impressões alheias, das expressões equívocas de outras coisas”.

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descoberta da verdade e a conseqüente sentença criminal.

Sendo o crime pensado, preparado ou mesmo praticado de inopino, todos os

atos antecedentes, executivos e consumativos (se este ocorrer) deixam marcas que indicam

não só a conduta, como o pensamento do autor, sua personalidade, seu grau de cultura e sua

agressividade. Todos os dados obtidos devem ser conservados para serem colhidos pelos

pesquisadores criminais.

Assim, para que se possam recolher com sucesso todas as informações

deixadas pelo crime, como marcas, sinais, manchas, é necessária a fiel preservação do local.

Os agentes da segurança pública, que pisoteiam o ambiente minado de informações, revistam

os móveis, reviram o corpo e deixam outras marcas no local podem confundir os peritos e

investigadores.

Há interesse e preocupação em socorrer e ajudar a vítima. Por outro lado, a,

presença de curiosos no local do crime prejudica o trabalho da investigação.

Os movimentos de pessoas no local devem ser mínimos, medidos,

calculados, devendo os policiais se postarem de forma a impedir a qualquer pessoa, que não

seja perito criminal e investigador específico, de ingressar no lugar do crime, até que este seja

liberado pela autoridade policial.

O silêncio assegurado constitucionalmente ao acusado fez com que a partir

de 1988 houvesse uma inversão drástica nos mecanismos utilizados para se alcançar a

verdade. Antes, buscava-se a confissão para depois se alcançarem as provas que circundavam

o fato criminoso. Agora, vale muito a prova técnica. Necessária a conscientização dos

pesquisadores criminais a valorizar um fio de cabelo encontrado no cenário do crime. Disso

tudo decorre a importância da conservação dos vestígios.

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5.7.2.2 A Apreensão dos objetos e coisas que tiverem relação com o fato criminoso

Não bastam as fotografias tiradas no local, o encontro de objetos que

possam estar relacionados com o crime. Após o encerramento dos trabalhos periciais no local

do crime, tudo deve ser recolhido com as cautelas necessárias e apreendido em auto próprio,

para exames e estudos posteriores e para fazer parte do inquérito policial.

A importância da apreensão de objetos no local e da incorporação em auto

próprio pode ser revelada em interessante caso. Em um local onde ocorrera homicídio e

tentativa de suicídio envolvendo um casal de amantes, o encontro de um livro quase que

esquecido sobre um móvel de um dos ambientes da casa foi muito importante. A obra tinha

como conteúdo a “impotência sexual”, trazendo alguns métodos para solução do problema.

Mais tarde, no hospital, durante o interrogatório do amante sobrevivente, ficou comprovado

que em face de sua deficiência sexual, não suportando perder para outro a sua amada,

idealizou e executou o homicídio, porém não conseguiu extinguir a própria vida. Não existia

dúvida quanto à autoria, porém, os íntimos e secretos motivos do crime vieram à tona, por

força do eficiente rastreamento do local e encontro do livro.

5.7.2.3 A recognição visuográfica de local de crime

A recognição visuográfica consiste no registro detalhado de todas as

informações colhidas visualmente no local do crime. Trata-se de um mecanismo próprio da

investigação, idealizado e desenvolvido pela experiência profissional do delegado de polícia

Marco Antonio Desgualdo. Consiste em verdadeira anamnese do local do crime,

acompanhada de descrição, esquemas e ilustrações por meio de croquis e fotografias.

A recognição visuográfica não sofre as limitações de um laudo pericial e

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com este não deve ser comparada uma vez que representa forma especial de coleta de

informações decorrente da experiência profissional da autoridade e da intuição do

pesquisador. Enquanto os exames periciais se prendem às questões técnicas, a recognição

visuográfica recolhe e anota, por meio dos sentidos, informações que fogem ao

preenchimento e respostas aos quesitos e, se não observados naquele momento, podem se

perder no tempo.

O pesquisador, na cena do crime, por meio das testemunhas e das pessoas

que tiveram ciência do acontecimento, poderá obter outras informações preciosas,

vislumbrando reconstruir peça por peça, momento a momento do fato criminoso, a fim de

descobrir todos os envolvidos e desvendar os motivos da ação delituosa.

É, assim, um eficaz procedimento investigatório de Polícia Judiciária, uma

vez que acrescenta detalhes sobre o fato e traz informes sobre o criminoso, seu perfil

psicológico e sobre o móvel do crime.

O número de disparos com a arma de fogo ou de perfurações no corpo da

vítima e as marcas deixadas no local revelam maior ou menor grau de emoção que

acompanhou o sujeito ativo na prática da infração penal.

Importam muito a arguta percepção e o raciocínio lógico movido pela

intuição. Não raro é a intuição que direciona os passos ao caminho certo do esclarecimento de

um fato criminoso.

A recognição visuográfica une, associa e compara todos os meios de prova.

Utiliza todas as informações e coleta um importante material a nortear sobre a necessidade ou

não da prisão e sobre o desfecho do inquérito policial.

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5.7.3 O atendimento ao conduzido e a realização de exames de corpo de delito

Não raro, a fuga ao flagrante e a conseqüente prisão, ou a resistência à

prisão são condutas relacionadas ao instinto de preservação da liberdade e de sobrevivência,

mas freqüentemente resultam em ferimentos e lesões corporais.

Entre as cautelas possíveis no momento em que um conduzido ferido é

apresentado à autoridade policial, dada a necessidade de tratamento médico ambulatorial ou

mesmo hospitalar, há que se determinar sem demora seu encaminhamento para o atendimento

específico, com orientação e cuidando para que não ocorra a fuga.

A ingestão em excesso de bebida alcoólica ou o uso de substância

entorpecente podem provocar sérias dificuldades para o interrogatório, ensejando em primeiro

lugar o atendimento à saúde do conduzido, mesmo porque, em tais condições, dificilmente se

obtém algum esclarecimento lógico.

O exame de corpo de delito, a coleta de sangue, o exame residuográfico e

outras providências tornam-se imprescindíveis para a materialização do conjunto probatório, e

sem grandes dificuldades podem ser realizados onde estiver o conduzido. Em razão da

necessidade do atendimento médico, o interrogatório pode ser realizado posteriormente, sem

prejuízo da formalização da prisão em flagrante, devendo o indiciamento do autuado ocorrer

de forma indireta.

Por vezes, durante a autuação da prisão, a participação do médico legista

pode orientar e, de forma indireta, desmontar a versão da vítima e das testemunhas que

conscientemente buscam modificar em suas oitivas a real ocorrência do crime.

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5.7.4 A informação preliminar sobre os direitos constitucionais do conduzido

Caracterizado o estado de flagrância, nos termos do artigo 302 do Código de

Processo Penal, se o conduzido estiver em condições de entender as conseqüências do ato

praticado e estando a autoridade policial convicta da existência do crime, oferecerá a ele

oportunidade para que possa prestar sua versão em relação à imputação apresentada pelo

condutor e o orientará sobre os seus direitos.

Scarance Fernandes (2000, p. 289) pondera que a Constituição procura

cercar o preso de uma série de garantias, exigindo que a sua prisão e o local onde se encontre

sejam comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele

indicada (artigo 5.°, LXII); o preso seja informado de seus direitos, entre os quais o de

permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (artigo 5.°,

LXIII); ao preso seja assegurado o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou

por seu interrogatório policial (artigo 5.°, LXIV); ao preso sejam respeitadas a integridade

física e moral (artigo 5º, XLIX).

5.7.5 A necessidade do uso das algemas

As algemas, instrumento moldado na forma de argola, servem para prender

os braços do suspeito ou condenado, de forma a impedir a agilidade dos movimentos. Da

“família” dos grilhões, foram muito utilizadas no passado, quando a regra para os

considerados desajustados era a prisão. Nos dias de hoje também servem para prender as

pernas e, em tamanho menor de argola, os dedos das mãos. O dicionário da língua portuguesa

(FERREIRA, 1975, p. 68) descreve que esta palavra é proveniente do árabe “Al-Jãma’â”, que

significa pulseira.

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Sérgio M. Morais Pitombo (1987, p. 49) define as algemas como

instrumento de força, em geral metálico, empregado pela Justiça Penal, “com que se prende os

braços”, de alguém, “pelos punhos”, na frente ou atrás do corpo, ao ensejo de sua prisão,

custódia, condução, ou em caso de simples detenção. 16

Roberto Delmanto Junior (2001, p. 114) critica o uso desnecessário das

algemas, uma vez que “se constitui em prática atroz, bestial ou aviltante, podendo chegar à

tortura”.

O uso indiscriminado das algemas não deixa de ser conduta atentatória aos

principais direitos e garantias fundamentais do homem. Conforme a lição de Alexandre de

Morais e Giampaolo Poggio Smanio (2005, p. 35), para a caracterização do crime de abuso de

autoridade, (artigo 3º e 4º da Lei nº. 4898/65) o agente deve obrar pela vontade de praticar a

conduta abusiva sabendo que está exorbitando de seu poder. Contudo, se age em defesa

social, não há que se falar em dolo.

Tales Castelo Branco (1986, p. 85) orienta que o emprego da força e o uso

das algemas só é possível nos casos de resistência e tentativa de fuga. No mesmo sentido é a

lição de Plínio de Oliveira Corrêa (1991, p. 90), segundo a qual a prisão ou o constrangimento

se julgarão ilegais quando não houver justa causa. 16 Na legislação ordinária, apresenta-se um estudo da evolução histórica no Brasil sobre as algemas: a) no século XVII, as Ordenações Filipinas, à exceção dos nobres, era permitido o uso das algemas; b) o Código Criminal do Império de 1830 constou o uso de ferros, correntes e algemas para o deslocamento dos presos, exceções às mulheres menores de 21 e maiores de 60 anos; c) no ano de 1871, por força do Decreto Imperial nº 4.824, artigo 28, criou obstáculo ao uso desses mecanismos, salvo os casos de extrema segurança; d) os Códigos Penais de 1890 e 1932, nada previram nesse sentido; e) o CPP de 1941, através dos artigos 284 e 292 descrevem o uso da força somente diante da resistência ou tentativa de fuga. Diretamente não faz referência ao uso de algemas, permitindo a interpretação do seu uso somente em casos excepcionais; f) o artigo 199 da LEP prevê o emprego de algemas, devendo ser disciplinada a matéria através de decreto federal, o que ainda não aconteceu. A Lei nº. 8.653/93, ao dispor sobre o transporte de presos, não fez referência ao uso de algemas; g) o CPP Militar de 1969, fez constar no § 1º do artigo 234, o emprego de algemas, devendo ser evitado desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso e, no §1º do artigo 242 cria exceção, proíbe o uso de algemas em presos “especiais”; h) no Rio de Janeiro, por meio da Portaria nº 288/JSF/GDG, de 10.11.76, considera o uso de algemas como um importante meio de segurança, exceção aos presos “especiais”; i) em São Paulo, o Decreto 19.903/50, dispõe no artigo §1º, incisos 1, 2 e 3, em que condições podem ser utilizadas as algemas pelos policiais, devendo tudo ser registrado em livro próprio; j) o Decreto nº. 46.622, de 21.03.2002, ao tratar das questões relacionadas a escolta e vigilância nos presídios do Estado de São Paulo, não fez menção ao uso das algemas; k) o artigo 10, inciso III, da Lei nº. 9.537/97, dispondo sobre a segurança no tráfego aquaviário em águas brasileiras, fez prever a utilização das algemas; l) o Depto. da Aviação Civil, determina que o transporte de presos em aeronaves civis seja efetuado por escolta, e com o uso das algemas. Algemas: Uso e Abuso.

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Se, por um lado a prisão provisória já é considerada um castigo antecipado,

o que pensar do constrangimento desnecessário de ser algemado, em face de abordagem do

agente policial, diante da família, no ambiente de trabalho ou mesmo em público sob o

holofote da imprensa? O Estado não pode servir de manto protetor das ofensas à dignidade da

pessoa humana.

Roberto Delmanto Júnior (2001, p. 38-44) remete ao Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque, artigo 10º e ao Pacto de San José da Costa

Rica, artigo 5º, retratando em quadros comparativos as proibições ao tratamento desumano,

degradante e cruel àqueles que se encontravam privados da liberdade. No mesmo sentido Jair

Lot Vieira (1993, p. 09-19) se reporta à Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo

XI.

Hilton Lobo e Adriano Campanhole (1999, p. 18, 316 e 431) pesquisaram as

Constituições do Brasil para constatar que apenas as Cartas de 1967, art. 150, § 14, de 1969,

art. 153, § 14 e de 1988, artigo 5o, inciso XLIX estabeleceram a imposição de se respeitar a

integridade física e moral dos detentos dos presos e dos presidiários.

Francisco Ramos Méndez (2000, p. 186) ensina que no Direito Penal da

Espanha a forma de praticar as medidas de detenção ou de prisão provisória deverá pautar-se

na forma que menos prejudicar o detido ou preso, sua pessoa, reputação e patrimônio. M.

Isabel Hertas Martin (1999, p. 418-421) explica que

são requisitos legais para a utilização das diligências a) a existência de uma norma que ampare a atuação da autoridade e seus agentes; b) o respeito aos princípios de proporcionalidade e de exclusão da arbitrariedade e a racionalidade, ou seja, que seja praticada sem se exceder ao necessário e que não se rompa o equilíbrio entre o direito e sua limitação.

Por outro lado, é preciso avaliar a real situação do local e as condições do

indivíduo que está sendo submetido à prévia supressão da liberdade. Ana Paula Zomer Sica

(2003, p. 39-40), ao comentar os distúrbios de personalidade anti-social, assevera que tais

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sujeitos podem ser encontrados em quaisquer ambientes e classes sociais e que sua principal

característica é a incapacidade de conformarem-se às normas sociais. Esse comportamento é

identificado desde a adolescência. Em casos assim, pode haver necessidade de contenção por

algema.

Existem situações em que o uso da algema se torna completamente

desnecessário, como flagrante em pessoa idosa, em mulher grávida, , em crimes que, pela

natureza e proporção de valor do bem jurídico protegido, são considerados insignificantes.

No entanto, diante da prisão em flagrante, em face de crime grave e da

periculosidade do autor, detentor de maus antecedentes, ou portador de desequilíbrio mental,

em virtude de resistência e de desobediência, de tentativa de fuga ou por medida de cautela, a

algema ainda é um mal necessário.

5.8 Obstáculos à realização do auto de prisão em flagrante

5.8.1 Apresentação espontânea do criminoso

Após a execução do crime, podem ocorrer diversas situações para o autor: a)

ser preso em flagrante no palco dos acontecimentos ou mesmo logo após, durante a fuga ou

ainda ser encontrado logo depois, com objetos que façam presumir ser o autor do crime; b)

lograr êxito na fuga e sem testemunhas que possam identificá-lo, poderá permanecer oculto,

indefinidamente; c) lograr êxito na fuga e, por motivos diversos, apresentar-se à autoridade

policial com ou sem advogado e espontaneamente expor sua versão, seus motivos e relatar as

condições em que praticou o crime.

Não havendo perseguição, ou encerradas as diligências policiais que

visavam à localização do autor, a apresentação espontânea cria obstáculo à autuação do

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flagrante delito. O obstáculo à autuação do flagrante delito, em razão da apresentação

espontânea, logo após a ocorrência do crime exige ausência de perseguição, pois, conforme

explica Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 521), o entendimento contrário poderia servir

como medida de proteção a impedir a prisão dos sujeitos realmente perigosos. Nesse sentido

João Gualberto Garcez Ramos (1998, p. 417) pondera que “estando o indivíduo sendo

perseguido por agentes policiais e prestes a ser preso em flagrante, nada lhe valerá homiziar-

se em repartição policial sob o argumento de que está a se entregar”. Nestes casos a prisão em

flagrante deverá ser inevitável.

Valdir Sznick (1995, p. 384-385), ao comentar sobre o tema, afirma que

pouco importam os motivos que levaram o autor a apresentar-se voluntariamente, se por medo

ou arrependimento, o fato é que a iniciativa deve ser efetivamente livre e espontânea. O autor

acrescenta que via de regra a fuga ocorre para evitar justamente a prisão em flagrante delito e,

decorrido o lapso temporal de 24 horas, a apresentação impedirá a lavratura do flagrante.

Conforme já foi observado, o lapso temporal é regra estabelecida pelo artigo

306 do CPP para a entrega da nota de culpa ao autuado. Se dentro de 24 (vinte e quatro) horas

após a prisão do conduzido não for concluída a autuação e, conseqüentemente, a entrega da

nota de culpa devidamente preenchida com os seus requisitos legais, a prisão será relaxada. O

lapso temporal não pode ser interpretado como base orientadora da apresentação espontânea

do autor, pois basta que não tenha ocorrido a perseguição ou que as diligências nesse sentido

tenham sido infrutíferas para a prisão em flagrante tornar-se incabível. Conforme esclarece

Edgard de Magalhães Noronha (1973, p. 166), inexiste prisão por apresentação.

Afastado o estado de flagrância e diante da apresentação espontânea do

autor do crime, deve a autoridade policial lavrar o “auto de apresentação espontânea” e

decidir se representará ou não sobre a prisão preventiva ou se requererá a prisão temporária.

Contudo, conforme previsão do artigo 317 do CPP, não impede sua prisão.

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Acompanhando a doutrina dominante, Heráclito Antônio Mossin (1998, p. 395) ensina:

Apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza.

Também poderá ser, eventualmente, requerida prisão temporária, em virtude

da gravidade e da dimensão do ato praticado, desde que haja preenchimento dos requisitos

legais.

Ao optar pela medida cautelar mais adequada, deve a autoridade ponderar

sempre sobre necessidade real da medida em face de outros princípios, como o da

proporcionalidade.

Se a finalidade precípua da prisão em flagrante é evitar a fuga do criminoso

no momento em que o crime está ocorrendo, para tranqüilizar a sociedade e evitar a sua

circulação no meio social, injusto seria o Estado não poder ter em mãos um mecanismo

jurídico cautelar a privar a liberdade daquele que, após o crime, conseguisse permanecer em

liberdade, só porque compareceu espontaneamente à presença da autoridade policial

competente e prestou a sua versão sobre os fatos. A apresentação espontânea não pode se

traduzir em garantia de liberdade.

Para o caso de ser o conduzido primário, possuidor de bons antecedentes, de

ocupação lícita comprovada, de endereço certo, entende Hidejalma Muccio (2000, p. 394) que

o seu comparecimento voluntário traduz o desejo de não fugir às conseqüências e de não se

furtar à aplicação da lei penal. Essa segurança pode impedir a aplicação da prisão preventiva

ou mesmo de qualquer outra modalidade de prisão provisória e, se aplicada, poderá redundar

na sua revogação.

No Direito Processual Penal da Argentina, José I. Cafferata Nores (1983, p.

47-49), ao discorrer sobre a apresentação espontânea regulada pelo artigo 282 do CPP,

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argumenta que dessa conduta podem surgir dois aspectos. O primeiro representa a vontade de

o acusado defender-se sobre a acusação que o cerca e de explicar os motivos que o levaram a

praticar o crime e a circunstância em que ocorreu e declarar-se inocente. Por outro lado, o

segundo aspecto prevê que o fato de apresentar-se voluntariamente não impedirá sua detenção

quando existir uma correspondência entre a autoria e o crime praticado.

5.8.2 Imunidades parlamentares

Imunidade, do latim immunitas, immunitatis, significa “isenção de alguma

obrigação ou encargo imposto como norma geral”. No tema em estudo, é a concedida aos

membros do Poder Legislativo.

Ensina a doutrina que a imunidade parlamentar, expressão genérica também

chamada de privilégio, franquia ou prerrogativa parlamentar divide-se em duas modalidades:

imunidade material e imunidade formal.

A imunidade material consiste na liberdade do uso da palavra, reconhecida

aos Deputados e Senadores no exercício ou prática dos atos da atividade parlamentar durante

os debates, explanações e discursos; serve para imunizar o parlamentar de qualquer

responsabilidade penal, civil ou administrativa em face das suas opiniões e votos, quando

existir o nexo de implicação recíproca entre a manifestação do pensamento do congressista e a

condição de Deputado ou Senador.

Sobre a imunidade material, Jorge Kuranaka (2002, p. 116-117) pondera

que

a instituição da inviolabilidade tem por objeto a proteção do Poder Legislativo contra os abusos, ataques e pressões que lhe possam encetar os demais Poderes, máxime o Executivo, através da garantia da mais absoluta liberdade de expressão do Deputado ou do Senador, quando do uso da palavra, da emissão de uma opinião ou da manifestação do voto.

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A imunidade formal ou processual protege o parlamentar da prisão e do

processo que contra este se pretende intentar. É o instituto que garante ao parlamentar a

possibilidade de não ser preso ou ainda de ter o processo suspenso, quando nesse sentido a

Casa Legislativa respectiva assim se manifestar. Essa prerrogativa, declara Alexandre de

Moraes (2002, p. 1020), protegerá os parlamentares contra a violência dos demais poderes

constitucionais ou dos indivíduos em geral.

A imunidade ampara os Deputados e Senadores enquanto no exercício do

mandato eletivo e se estende após o encerramento deste, a protegê-los dos atos praticados

enquanto parlamentares.

A prerrogativa, no entendimento da doutrina de Alexandre de Moraes e da

jurisprudência do STF, abrange todas as modalidades de infrações penais, das contravenções

penais até os crimes contra a vida, passando pelos delitos eleitorais. A irradiação dessa

imunidade alcança as prisões civil, provisória e processual.

Assim dispunha o texto original da imunidade formal na Constituição

Federal:

Artigo 53 Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. §1º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa. §2º O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato. §3º No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autoriza, ou não, a formação de culpa.

Em síntese, sendo o parlamentar preso em flagrante após cometer crime

inafiançável, os autos deveriam ser remetidos dentro de 24 horas para a Casa respectiva, a

qual, por meio de voto secreto da maioria de seus membros, resolveria sobre a prisão e a

formação de culpa.

Com o advento da Emenda Constitucional nº. 35, de 20 de dezembro de

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2001, o artigo 53 sofreu modificação na sua redação original, e passou a assim dispor:

Artigo 53 [...] §1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. §2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

A Emenda Constitucional nº. 35 retirou o manto da impunidade, pois sem a

autorização ou anuência da Casa respectiva, os parlamentares não poderiam ser processados.

Com as alterações, os parlamentares são processados normalmente. A suspensão do processo

ou da prisão somente ocorrerá se a maioria dos parlamentares da Casa respectiva se

solidarizarem com a causa do parlamentar e votarem nesse sentido.

Para Paulo Rangel (2005, p. 610), “a licença da Casa tinha a natureza

jurídica de uma condição específica de procedibilidade. Agora, com a EC 35/01, passa a ser

condição específica de prosseguibilidade”.

Alteração significativa em termos de transparência ocorreu com o

procedimento da votação para a manutenção ou não da prisão em flagrante do parlamentar,

que deixou de ser secreta, mas continua sendo pela aprovação da maioria dos membros da

Casa.

Qualquer do povo poderá e os agentes da segurança pública deverão prender

quem quer que esteja praticando um crime. Se o autor do crime for parlamentar, se estiverem

presentes os requisitos legais como autoria, materialidade, estado de flagrância e, o crime for

inafiançável, deverá ser ultimada a autuação pela autoridade policial competente assim que

apresentado pelo condutor. Concluída esta, cópias do procedimento deverão ser remetidas

imediatamente ao Tribunal originariamente competente e à Casa Legislativa respectiva, e o

parlamentar será encaminhado a uma cela especial, conforme dispõe o artigo 295 do Código

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116

de Processo Penal, para aguardar a manifestação sobre a manutenção ou não do cerceamento

da liberdade.

O direito constitucional brasileiro reconhece e estende as imunidades

material e formal, inclusive com as alterações feitas pela Emenda Constitucional nº. 35/01,

aos Deputados Estaduais. Quanto aos Vereadores municipais, estarão protegidos apenas pela

imunidade material, no âmbito da administração municipal. A Constituição não prestigiou os

representantes das Câmaras Municipais com a imunidade formal.

5.8.3 Infrações da competência da Lei 9.099/95

A Lei nº. 9.099/95 provocou mudanças em nosso ordenamento jurídico

tanto na fase pré-processual como no procedimento criminal. O novo conceito de justiça

criminal determinou que, à exceção dos procedimentos especiais, em todos os crimes em que

a pena máxima em abstrato não fosse superior a um ano, por força da previsão do parágrafo

único do artigo 69, ficaria desobrigada a realização da prisão em flagrante, desde que o

conduzido, no Órgão da Segurança Pública, e na presença da autoridade policial, durante o

registro do termo circunstanciado de ocorrência, assumisse o compromisso de comparecer no

Juizado Especial Criminal em dia e hora em que fosse notificado.

Artigo 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo Único: Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

A apresentação imediata do conduzido ao Juizado ainda é uma utopia. A

solução foi o termo de compromisso, cuja assinatura livrar o autor do fato da prisão.

No ano de 2001, a Lei nº. 10.259, que criou, na esfera federal, os Juizados

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117

Especiais Cíveis e Criminais, passou a considerar, no parágrafo único do artigo 2º, como

crimes de menor potencial ofensivo aqueles em que a pena máxima em abstrato não fosse

superior a dois anos.

Artigo 2º. Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Parágrafo Único: Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima na superior a 2 (dois) anos, ou multa.

Assim, nos crimes em que a pena em abstrato não seja superior a dois anos,

independentemente do procedimento adotado no Código de Processo Penal, a assinatura no

termo de compromisso pelo conduzido não só evita, mas também cria obstáculos à autuação

da prisão em flagrante.

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio

Scarance Fernandes (1995, p. 101) ponderam

que o benefício de responder ao processo em liberdade, mesmo no caso de flagrante, é o incentivo que a lei oferece para o comparecimento do autuado ao Juizado. Acrescentam que, descumprido o ônus pelo autuado, haverá a correspondente perda de sua posição de vantagem, com a possibilidade, em casos muito excepcionais, de decretação de prisão preventiva, desde que presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do CPP. Mas a prisão em flagrante terá se tornado impossível, pela falta dos requisitos legais.

Salienta Perseu Gentil Negrão (2001, p. 26): “outra conseqüência para o

autor do fato que não comparece ao Juizado é a decretação de sua revelia, o que prejudicará a

tentativa de conciliação”.

5.8.4 Crimes de trânsito

O Código de Trânsito Brasileiro, regulado pela Lei nº. 9.503, de 23.9.1997,

prevê os crimes de trânsito entre os artigos 302 a 312.

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Na fase pré-processual, os crimes de trânsito podem ser investigados por

meio do termo circunstanciado de ocorrência e do inquérito policial. Se o condutor do veículo

automotor se envolver em um dos crimes de trânsito e for surpreendido em estado de

flagrância, nos termos do artigo 301 e 302 do Código de Processo Penal, poderá ser autuado.

A infringência aos artigos 304, 305, 307, 308, 309, 310, 311 e 312 do

Código de Trânsito Brasileiro, em razão de tipificarem crimes cuja pena máxima não

ultrapassa dois anos, portanto crimes de menor potencial ofensivo, leva a que o termo

circunstanciado, com as provas relacionadas ao fato, o termo de compromisso e os

antecedentes criminais dos envolvidos, seja, mediante ofício do órgão público, que poderá ser

a Polícia Civil ou Militar, enviado ao Juizado Especial Criminal.

Conforme a previsão do artigo 69 da Lei nº. 9.099/95, livrar-se-á da prisão

em flagrante e da necessidade de pagar a fiança o motorista que assumir perante a autoridade

policial ou militar o compromisso de comparecer no Juizado Especial Criminal – JECRIM.

Para tanto, deverá assinar termo de compromisso de comparecimento.

O artigo 306 do CTB cuida da punição dos motoristas que forem

surpreendidos conduzindo veículo automotor na via pública sob a influência de álcool. Este

crime, em razão da pena máxima em abstrato ser de até (3) três anos, deverá ser investigado

por meio do inquérito policial, que poderá se iniciar via de regra por portaria da autoridade

policial ou do auto de prisão em flagrante.

A materialização do crime é obtida por meio de laudo, que traduz o

resultado do exame de alcoolemia. Os métodos para a realização deste exame são: a) exame

químico de dosagem alcoólica, realizado por meio da coleta de sangue e b) exame clínico. O

obstáculo maior à produção da prova nesse caso é convencer o motorista suspeito a produzir

prova contra si próprio, submetendo-se ao exame de dosagem alcoólica. De qualquer forma, a

prisão em flagrante será possível se o médico legista confirmar no ato do exame clínico, por

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meio de um laudo provisório, que o motorista nas condições em que se encontra oferece

perigo à própria vida e a de terceiros.

O artigo 301 do Código de Trânsito Brasileiro assim dispõe:

Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela.

Por força desse preceito, no homicídio culposo, (artigo 302) e nas lesões

corporais culposas (artigo 303 do CTB), não se imporá à prisão em flagrante desde que o

infrator tenha se empenhado em socorrer a vítima.

Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 25) pondera que o pensamento do

legislador foi de estimular o socorro às vítimas de acidentes, pois, do contrário, a fuga do

local dos fatos para impedir o flagrante seria a regra, deixando as vítimas ao abandono.

Acrescenta Valdir Sznick (1995, p. 395) que “esse dispositivo tem assim, um alto valor

propiciando ao atropelador, se dotado de bons princípios, que preste à vítima um pronto

atendimento.” Sabido é que, em acidentes de trânsito, podem-se evitar seqüelas permanentes e

até mesmo o óbito se a vítima for prontamente atendida.

O não cumprimento da previsão do artigo 301 do CTB poderá determinar a

prisão em flagrante do motorista, desde que, nos casos de lesão corporal culposa, haja

autorização do ofendido, que se materializa na representação. São legitimados para

representar o ofendido o seu representante legal, se menor de 18 anos de idade, ou se vier a

falecer as pessoas relacionadas no artigo 31 do Código de Processo Penal, ou seja, o cônjuge,

o ascendente, o descendente e os irmãos.

Com relação ao homicídio culposo, a investigação dos fatos por meio do

inquérito policial será imprescindível. Por outro lado, como ressaltado, nas lesões corporais

culposas, independentemente da gravidade, para que se realize a investigação policial e o

encaminhamento ao Juizado Especial Criminal, faz-se necessária a representação da vítima ou

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de seu representante legal no prazo de seis meses a contar da data em que a autoria for

conhecida, ao sob pena de decadência desse direito.

Nos crimes de trânsito permite-se arbitramento de fiança na fase policial.

Assim, preenchidos os requisitos previstos no artigo 321 do CPP, em caso de flagrante, será

concedida a liberdade provisória com fiança.

5.8.5 Excludentes de criminalidade

Não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em

legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. Era

o que estava previsto no artigo 19 do Código Penal - Decreto-Lei nº. 2.848, de 7.12.1940, e

agora, em virtude da reforma de 1984 (Lei nº. 7.209), está no artigo 23 do mesmo estatuto.

Com a ocorrência de um crime e caracterizado o flagrante, as partes são

apresentadas à autoridade policial competente. Convencida de que o crime ocorreu nos termos

de um dos incisos do artigo 23 do Código Penal, poderá a autoridade policial deixar de lavrar

o auto de prisão em flagrante? Ou ainda, se, durante a autuação, constatar que o autor praticou

o crime com base em algum dos incisos do citado artigo, poderá essa mesma autoridade

relaxar o flagrante e colocar em liberdade o autuado? Qual a melhor solução?

Um primeiro entendimento é de que, por não ser considerada criminosa a

conduta do conduzido, não existe razão para a lavratura do flagrante, podendo o fato ser

apurado através do inquérito policial a ser instaurado mediante portaria, de forma a evitar a

desnecessária privação da liberdade.

Por força da previsão do artigo 304 § 1º do CPP, José Frederico Marques

(1997, p. 86) entende que a autoridade policial, após a lavratura do auto, deverá deixar de

ordenar a prisão do acusado, por entender inexistente fundada suspeita da prática de crime,

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com base na verificação de alguma das justificativas previstas no artigo 23 do Código Penal.

Por outro lado, Maurício Henrique Guimarães Pereira (1997, p. 234)

discorre que

o delegado de polícia não tem atribuição para conceder liberdade provisória vinculada sem fiança, isto porque, sua função é a de apurar o fato e a autoria com todas as suas circunstâncias, inclusive as relativas a antijuridicidade e culpabilidade, mas suas conclusões, tanto sobre o fato, quanto sobre a autoria, são estritamente naturalísticas, isto é, não compreendem valoração sobre circunstâncias excludentes de antijuridicidade ou de culpabilidade, para não absorver as funções do promotor de justiça e do juiz.

Essa corrente pondera que a avaliação da excludente de ilicitude não foi

estendida para a autoridade policial competente pela lavratura do auto de prisão em flagrante,

cujo exame se restringe tão somente ao convencimento da autoria, da materialidade e do

estado de flagrância.

Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 154), ao fazer referência à posição

de José Frederico Marques, dele discorda. Entende que a liberdade provisória vinculada nos

termos do artigo 310 do CPP é ato privativo do juiz. A verificação de algumas das

justificativas previstas no artigo 23 do Código Penal é da exclusiva competência do juiz.

Sensível ao envolvimento do conduzido em fato que caracteriza em tese

uma das excludentes previstas no artigo 23 do Código Penal, a autoridade policial poderá,

após a conclusão da autuação, incontinente, dirigir-se ao juiz criminal para que este conheça

dos fatos e se possível se manifeste sobre a manutenção ou não da prisão.

Outro não é o entendimento de Eduardo Espínola Filho (2000, p. 423):

com a ocorrência de causas excludentes da criminalidade, que são as enumeradas no artigo 23 do Código Penal, incisos I, II e III, à autoridade atuante incumbe, então, o dever de provocar a imediata apreciação do caso pelo juiz competente, este, nos termos do artigo 310 do CPP, poderá, com prévia audiência do Ministério Público, dar liberdade provisória ao incriminado, facultando-lhe, destarte, defender-se solto, num processo em que as probabilidades se prevêem todas tendentes à absolvição.

Assim, o melhor é a autoridade policial deixar para o Poder Judiciário avaliar se está presente

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ou não alguma das justificativas da exclusão de ilicitude para conceder a liberdade provisória

nos termos do artigo 310 do CPP.

5.8.6 Princípio da insignificância

Na lição de Franz Von Liszt (1999, p. 5), “o direito penal é o conjunto das

normas jurídicas estabelecidas pelo Estado, que associam ao crime, como fato, a pena, como

sua legitima conseqüência”.

Comentando sobre o conceito jurídico-penal da ação, Johannes Wessels

(1975, p. 22-24) faz referência à questão da conduta socialmente relevante. “Enquanto os

finalistas querem tirar da estrutura ontológica do agir, deduções finais coercitivas, para a

teoria do crime, desenvolvida a partir do conceito de ação, a teoria social evita qualquer

assentamento prematuro nesse sentido”.

Segundo o autor, três são os requisitos necessários para a qualidade da ação.

a) a conduta tem que ser humana;

b) esta conduta humana ter sido dominada por sua vontade;

c) para a cominação de pena, o resultado danoso deve ter relevância

social.

No passado, a preferência pela imposição de penas severas alcançou o mais

alto grau da impiedade. Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli (2002, p. 562)

esclarecem que a guerra tradicional de hoje não supera a tremenda frieza que caracterizava as

crueldades e aberrações registradas ao longo da história da legislação penal.

Chaïm Perelman (1999, p. 71), ao tratar das teorias relativas ao raciocínio

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judiciário, assevera que o juiz não pode se contentar com uma simples dedução a partir dos

textos legais, mas remontar do texto à intenção que guiou sua redação, à vontade do legislador

e interpretar o texto em conformidade com essa vontade. O que conta, acima de tudo, é o fim

perseguido; mais o espírito do que a letra da lei. O espírito do direito deve sobrepor-se ao

espírito da letra da lei. Em outras palavras, a lição de Miguel Reale (1975, p. 615), ao afirmar

que o direito deve ser concebido, no entanto, como atualização crescente de Justiça.

É com base nesse pensamento que, na atualidade, entende-se a manifestação

de Luiz Regis Prado (2005, p. 154) de que a irrelevante lesão do bem jurídico protegido não

justifica a imposição de uma pena e a tipicidade deve ser excluída em caso de danos de pouca

importância.

Não basta, para a caracterização do crime, a conduta humana estar descrita

formalmente na lei. Imprescindível é avaliar a lesividade do bem jurídico protegido, com a

distinção entre tipicidade formal e a material. Enquanto na primeira o objetivo é adequar a

conduta à descrição abstrata de um crime, nesta a preocupação está no resultado danoso em

face do ato praticado pelo agente ao bem jurídico protegido.

Francisco de Assis de Toledo (1991, p. 133-134) declara que o bem jurídico

protegido, em sentido amplo, é tudo o que se apresenta como digno, útil, necessário e valioso,

ou seja, são coisas reais ou objetos ideais dotados de valor. Dentro do imenso número de

bens existentes, seleciona o direito aqueles que reputa “digno de proteção”.

O autor esclarece que o princípio da adequação social de Welzel influenciou

Claus Roxin a elaborar e introduzir no Sistema Penal o princípio da insignificância, que se

traduz como o mecanismo que permite, na maioria dos casos, excluir os danos de pouca

importância. Acrescenta que a gradação qualitativa e quantitativa do injusto permite que o

fato penalmente insignificante seja excluído da tipicidade penal, e passe a receber tratamento

adequado se necessário como ilícito civil, administrativo etc.

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O próprio Claus Roxin (1997, p. 1028-1029), em sua obra, discorre que uma

antiga exigência política-criminal consiste em eximir de pena criminal a conduta

insignificantemente (levianamente) imprudente, pois, ainda que as pequenas faltas de atenção

contempladas isoladamente fundamentem uma injusta culpabilidade, sua existência ocasional,

à vista de toda condição da vida, nem sempre é evitável sequer para uma pessoa consciente ou

escrupulosa. Então, não resulta adequada uma pena criminal, pois uma culpabilidade que

alcance a qualquer um não pode ser combatida eficazmente mediante a própria culpabilidade.

Basta a compensação jurídica civil das conseqüências do dano.

Conforme José Henrique Pierangeli (1995, p. 41-44), a tipicidade penal

reclama sempre uma ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos. O autor

conclui que, embora a conduta possa adequar-se à descrição de um tipo legal, não se as pode

considerar típicas quando, entre outras razões, as ofensas forem insignificantes. Não é outro o

pensamento de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2004, p. 77), esclarecendo

que o direito penal é um ramo que está inspirado no princípio da fragmentariedade, ou seja,

nem todos os bens tutelados o serão pela norma penal. Como conseqüência lógica dessa

realidade, ofensas mínimas, em cada caso concreto analisadas, conduzirão à não incidência

das normas penais e a exclusão da tipicidade.

Ao recepcionar o fato pelas mãos do condutor, a autoridade policial deve,

após aferir preliminarmente todos os elementos indiciários apresentados e antes de concluir

em torno da existência do crime e a respeito da autoria, avaliar a real necessidade de se

efetivar a prisão, conforme a lição de Odone Sanguiné (2003, p. 57). Por que cercear a

liberdade de alguém que cometeu um fato considerado insignificante?

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5.9 Formalidades do auto de prisão em flagrante

5.9.1 Escrivão competente e “ad hoc”

Escrivão é o oficial público encarregado de escrever. Augusto Mondin

(1960, p. 13)17 afirma que a profissão de escrivão surgiu na Antigüidade. Sua existência está

ligada ao próprio desenvolvimento da arte de escrever. Conhecido na Grécia como episteta,

na Roma antiga recebia a denominação de scriba ou instrumentarius. Acrescenta o autor que

é graças à dedicação e zelo desses profissionais que temos hoje o acesso aos registros dos

fatos ocorridos na história da humanidade.

O cargo de Escrivão de Polícia foi criado pela da Lei nº. 165, de 1º.8.1893,

no Governo de Bernardino de Campos. É ele o responsável pela formalização de todos os atos

de Polícia Judiciária, desde o registro da “notitia criminis” até a remessa dos autos ao Poder

Judiciário. É o compilador e, sob a orientação do delegado de polícia, o responsável pela

documentação de toda a investigação criminal. Sua função é essencial, sem a qual os registros

não acontecem.

Na ausência, na impossibilidade ou no impedimento do Escrivão, conforme

preceitua o artigo 305 do CPP, qualquer pessoa designada pela autoridade lavrará o auto,

depois de prestado o compromisso legal.

A lei reconhece que a documentação e a escrituração dos atos de polícia

judiciária devem ser realizadas por funcionário específico para a função, mas em razão da

importância da peça informativa que materializa a prisão de alguém, possibilita que outra

pessoa em condições de realizar o encargo, devidamente escolhida pela autoridade policial

17 “Nas questões de Polícia Judiciária, tudo o que não se inicia e não termina em cartório pelas mãos do Escrivão de Polícia, simplesmente não existe. Essa assertiva resume a importância do trabalho afeto ao ocupante desse nobre ofício, como sugere o lema da laboriosa classe sine notário nihil rerum in perpetuam memoriam, que do latim se traduz: sem o escrivão nada se perpetua”. Carlos Alberto Marchi de Queiroz. (2000, p. 361).

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responsável pela autuação da prisão e mediante o compromisso de bem desempenhar a

função, possa substituir o Escrivão de Polícia. O compromissado recebe a denominação de

escrivão ad hoc.

Salienta Walter P. Acosta (1975, p. 40) que “a falta eventual ou temporária

do escrivão é suprida com a nomeação pela autoridade, mediante portaria, de qualquer pessoa

que, após prestar compromisso legal, tomado por termo, funciona como escrivão ad hoc”.

Sobre a designação de escrivão ad hoc, preleciona Eduardo Espínola Filho

(2000, p. 425) que o próprio designado pela autoridade policial pode lavrar o termo do seu

compromisso, a ser assinado por ele e pela autoridade.

A lei não indica quais os requisitos que o escrivão ad hoc deve preencher.

Tales Castelo Branco (1986, p. 131) pondera que “a sua escolha fica a critério da prudência da

autoridade, devendo recair, evidentemente, sobre pessoa capaz e idônea”. Acrescenta o autor

que a lei não disciplinou adequadamente a presença do escrivão ad hoc, nem questões como a

aceitação do compromisso, a desobediência e as formalidades que o juramento deve conter.

Conforme Plácido e Silva (1982, p. 81)18 “ad hoc” indica o substituto

ocasional designado para a feitura ou prática de um ato ou solenidade, pela ausência ou

impedimento do serventuário ou funcionário efetivo.

5.9.2 Recibo da entrega do preso - alteração do artigo 304 do CPP, Lei nº. 11.113/05

A Lei nº. 11.113, de 13 de maio de 2005, que alterou as regras da

formalização do auto de prisão em flagrante, modificou a previsão do “caput” e,

conseqüentemente, o § 3º do artigo 304 do CPP, que assim dispunha:

18 Tales Castelo Branco (1986, p. 131) discorre que “a regra legal é de que o flagrante seja escriturado pelo escrivão, ou seja, pelo funcionário policial que exerce esse cargo. Na sua falta, ou no seu impedimento de qualquer ordem (suspeição, doença etc.), a autoridade deve designar qualquer pessoa para servir para isto (ad hoc)”.

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Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e as testemunhas que o acompanharam e interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita, lavrando-se auto, que será por todos assinado.

Agora, apresenta a seguinte redação:

Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.

Assim, apresentado o conduzido à autoridade policial, juntamente com as

testemunhas e a vítima, ela ouvirá em primeiro lugar o condutor e, após ter assinado sua

oitiva, entregará, além da cópia do termo do depoimento, o recibo de entrega do preso.

Essa conduta ratifica a voz de prisão emanada pelos agentes da segurança

pública e transfere à autoridade policial a responsabilidade de cuidar do conduzido, pois,

sendo o crime inafiançável e punido com reclusão, deverá ser ele recolhido à prisão. A

autoridade pode liberar os referidos agentes para a continuidade de seus serviços.

O legislador, certamente, teve em conta a celeridade a ser imprimida à

autuação, uma vez que os que dela participam, após prestarem as suas versões sobre o fato

criminoso, assinam o termo e são dispensados. Destarte, tornou-se desnecessário aguardar o

final da autuação para colher as suas assinaturas.

Ocorre que teoria e prática nem sempre caminham juntas, e ratificar a prisão

de um ser humano não é tarefa fácil para a autoridade policial consciente das cautelas que

deve seguir.

Conforme já foi exposto acima, ao recepcionar o condutor, o conduzido, as

testemunhas e a vítima e ao receber os objetos e coisas relacionadas com o fato considerado

criminoso, a autoridade policial deverá:

a) separar e providenciar a incomunicabilidade dos envolvidos, inclusive

do condutor e dos demais agentes que o acompanham;

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b) ouvir preliminarmente a versão de todos, informando ao conduzido os

seus direitos, como por exemplo, o direito à presença de advogado que indicar, o direito de

comunicação com a sua família e o direito de permanecer calado;

c) socorrer o conduzido em razão do seu estado de desequilíbrio

provocado por bebida alcoólica ou substância entorpecente ou em virtude de lesões corporais

nele encontradas;

d) requisitar exames periciais e, se necessário, presença de médico legista

no local do crime;

e) se restarem dúvidas, determinar a realização de investigações urgentes

e, se necessário em razão da gravidade do fato, comparecer ao cenário do crime para

direcionar as diligências, os exames periciais e a elaboração da recognição visuográfica pela

polícia judiciária;

f) registrar a ocorrência policial e apreender em auto próprio (auto de

exibição e apreensão) armas, objetos e coisas que forem recolhidas pelo condutor, pelos

peritos e pelos investigadores.

Não se trata de exagero, mas sim de cautelas que a autoridade policial deve

adotar para receber o conduzido. O ato de receber o conduzido e fornecer o recibo de entrega

está diretamente relacionado com a convicção da autoridade, uma vez que com isso ratificará

a prisão e automaticamente dispensará o condutor e os demais agentes.

5.9.3 Compromisso do condutor e da testemunha

Condutor é aquele que apresenta o flagrado à autoridade policial, podendo

ser qualquer do povo ou um agente da segurança pública. A doutrina é unânime no sentido de

que o condutor poderá servir de testemunha e nesta condição prestar sua versão sobre os fatos.

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Em termos específicos, a testemunha é a pessoa que atesta a veracidade de

um ato, ou que presta esclarecimentos acerca de fatos que lhe são perguntados, afirmando-os

ou negando-os. Ela tem o condão de revelar o que viu ou ouviu. Quando a testemunha presta

o depoimento, está corroborando para a comprovação ou negação de fatos que se quer provar.

Nicola Framarino Dei Malatesta (1996, p. 319) ensina que

a presunção da veracidade humana, inspirando fé na afirmação de pessoa, faz com que seja procurada e aceita como prova pessoal, do mesmo modo que a presunção da veracidade das coisas, inspirando fé na afirmação de coisa, faz com que ela seja procurada e aceita como prova real. Existe uma presunção de que o homem é verídico, não só por sua tendência como ser inteligente natural, mas o desejo de fazer prevalecer a verdade sobre a mentira, pois, a verdade sempre esteve ligada ao bem, enquanto a mentira, ao mal.

O tema está diretamente ligado ao testemunho falso, previsto no artigo 342

do Código Penal, inserido no Capítulo III, entre os crimes praticados contra a Administração

da Justiça.

José Henrique Pierangelli (1980, p. 51) descreve a evolução desse crime em

nossos Códigos Penais e mostra claramente a desvinculação com os laços das Ordenações.

Enquanto o Código Criminal do Império, no artigo 169, tratava o crime como “perjúrio”, o

Código Penal de 1890 definiu-o no artigo 261 como “testemunho falso” e consignou a

tipificação penal entre os crimes praticados contra a Fé Pública. Já o atual Código Penal, em

vigor desde o ano de 1940, preferiu fixar o crime entre aqueles praticados contra a

Administração da Justiça e alterou a denominação para “falso testemunho”, assim dispondo

no artigo 342:

Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.

Na Argentina, Carlos Fontan Balestra (1995, p. 917) comenta o artigo 275

do Código Penal e a questão delicada do juramento e da promessa de dizer a verdade como

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requisitos essenciais para o crime de falso testemunho. Pondera que esse juramento não está

especialmente exigido na lei vigente. A maioria dos doutrinadores sustenta que a omissão do

juramento em uma declaração testemunhal determina a sua nulidade e exclui o delito de falso

testemunho. Nesse sentido as palavras de Lino Enrique Palácio (2000, p. 118-119): “a

testemunha deve ser informada das penas que pode acarretar o falso testemunho”.

Na Itália, Francesco Carrara (1993, p. 216 a 318) ensina que a testemunha

tem a tendência de seguir o caminho da verdade, mas sofre pressão para ceder às forças

contrárias que podem frustrar a administração da justiça. Mesmo que a testemunha se recuse a

proferir o juramento, incorrerá na caracterização do tipo penal, pois a falta daquele ato não

isenta o crime de falso testemunho.

A questão que se coloca é: o compromisso é imprescindível para a

caracterização do crime de falso testemunho?

Guilherme de Souza Nucci (2002, p. 387 e 388) afirma que o compromisso

é vital para que o depoente possa responder pelo crime previsto no artigo 342 do Código

Penal. A exceção somente ocorre quando o Juiz se esquece de colher o juramento.

Eugênio Pacelli de Oliveira (2002, p. 310 e 311) esclarece que o

compromisso não deve ser interpretado como um juramento, mas sim um dever moral de

dizer a verdade. Ainda que o juiz da causa tenha se esquecido de tomar o compromisso da

testemunha, não estará ela dispensada ou desobrigada do dever de dizer a verdade. Acrescenta

o autor que o artigo 342 do Código Penal não faz qualquer referência ao compromisso como

elementar do tipo penal de falso testemunho.

No entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho (2000, p. 318), o

compromisso, nos termos do artigo 564, inciso IV do CPP, deve ser interpretado como uma

formalidade essencial do ato, cuja ausência poderá redundar em nulidade. Por outro lado,

Helio Tornaghi (1959, p. 486-488) discorda, esclarecendo que o depoimento não está inscrito

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entre os requisitos elencados no inciso III do citado artigo, portanto, não pode ser considerado

ato essencial, mas sim, acidental.

José Carlos Gobbis Pagliuca (2000, p. 412) afirma que essa questão tornou-

se pacífica, uma vez que o diploma penal atual não valoriza mais o compromisso como

ocorria no Código de 1890, que dizia estar a testemunha sob juramento ou afirmação.

Luiz Régis Prado (2001, p. 653-654), ao comentar a previsão do artigo 342

do Código Penal, traz que o entendimento dominante é no sentido de que o crime de falso não

decorre da ausência do compromisso, mas sim da inobservância do dever de afirmar a

verdade. Acrescenta que no Direito Penal Brasileiro o requisito existencial do compromisso

não está consubstanciado no conceito de testemunha. O autor ainda dispõe que a decisão do

juiz competente, baseada no princípio do livre convencimento, previsto nos artigos 157 e 182

do CPP, poderá ser fundamentada em depoimento de testemunha compromissada ou não.

Ada Pellegrini Grinover (1997, p. 284), Antonio Magalhães Gomes Filho e

Antonio Scarance Fernandes se remetem à interpretação do Tribunal de Justiça do Rio Grande

do Sul pela qual a falta do compromisso das testemunhas não vicia o auto de prisão em

flagrante (TJRS, RT 433/437).

5.9.4 Ausência de testemunhas

As testemunhas, juntamente com as demais informações colhidas no local

do crime, são os meios de prova que ajudam a formar a convicção da autoridade competente

para formalizar a prisão ou a conceder a liberdade quando não ficar comprovado o crime ou a

participação dos suspeitos detidos.

O § 2º do artigo 304 do CPP prescreve que a falta de testemunhas da

infração não impedirá o auto de prisão em flagrante, mas, nesse caso, junto do condutor, pelo

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menos duas pessoas que houverem testemunhado a apresentação do preso à autoridade

deverão assiná-lo. São as testemunhas instrumentárias.

Nos dias de hoje, testemunha é figura em extinção, uma vez que prevalece a

lei do silêncio e a previsão do artigo 344 do Código Penal – coação no curso do processo –

não tem sido forte o bastante para não calar e fechar os olhos daqueles que presenciaram os

fatos. Em muito as testemunhas poderiam contribuir para a efetiva aplicação da lei penal, no

entanto, amedrontadas, perseguidas e ameaçadas, preferem resguardar sua integridade

corporal, sua vida e dos seus parentes.

Não raro os agentes da segurança pública durante a madrugada se deparam

com os fatos criminosos, geralmente os relacionados ao tráfico de entorpecente e ao porte de

arma, detêm o flagrado sem qualquer testemunha do resultado da abordagem e, nestas

condições, apresentam-no à autoridade policial para as providências cabíveis.

Por tudo, vez ou outra, são necessárias as testemunhas instrumentárias

referidas no citado §2º do artigo 304 do Código de Processo Penal.

O descumprimento da formalidade prevista no § 2º do artigo 304 do CPP

acarretará a nulidade da autuação. Nesse sentido é a lição de José Frederico Marques (2000, p.

83): “nulo será o auto, quando faltar testemunha instrumentária da apresentação do preso pelo

condutor. Trata-se de formalidade que está inserida na regra do artigo 564, nº. IV, do Código

de Processo Penal”.

Grinover (2000, p. 282-283), Magalhães Gomes Filho e Scarance Fernandes

seguem a mesma orientação. Se for o condutor a única testemunha da infração, deverão

assinar o auto pelo menos duas outras que tenham assistido à apresentação do preso à

autoridade policial, sob pena de nulidade do flagrante (Tacrimsp, RT. 392/302)

A quem se socorrer? Onde localizar pessoas que possam servir como

testemunha instrumentária da apresentação do conduzido?

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Alguns caminhos se abrem para a autoridade policial.

Pode permanecer com a situação pendente até que apareçam duas pessoas

que concordem em participar como testemunhas instrumentárias. O preso já estará retido

quando as testemunhas aparecerem. Às vezes, poderá deixar o conduzido aguardando na

viatura policial até que se consiga encontrar duas pessoas que possam atender as exigências

legais.

Outra alternativa é a de, na ausência ou demora para a solução do problema,

registrar os fatos e ouvir as partes envolvidas, com a dispensa de todos, e com a apuração dos

fatos por meio do inquérito policial.

Finalmente, poderá, sem outra solução, autuar em flagrante o conduzido

com os elementos que estão à disposição da autoridade policial. Em que pese a irregularidade,

o auto de prisão em flagrante seria lavrado e o problema seria transferido ao juiz competente e

ao representante do Ministério Público, uma vez que se vislumbrarem a necessidade da

manutenção da prisão, poderão o juiz de ofício e o Promotor de Justiça por requerimento,

optar pela prisão preventiva nos termos do artigo 311 e seguintes do CPP.

5.9.5 Ordem de inquirição

Após a verificação preliminar da legalidade do ato de captura, se a

autoridade competente estiver convicta do estado de flagrância deverá dentro de uma ordem

seqüencial e obrigatória colher o depoimento do condutor e das testemunhas, a declaração da

vítima, se estiver presente e, por final, interrogar o conduzido, se este não preferir o silêncio.

A doutrina é praticamente unânime no sentido de que a ordem de inquirição

é imperativa e o descumprimento à seqüência ordenada resultará no relaxamento da prisão e

na apuração de responsabilidade ante a omissão da autoridade competente. Assim considera

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Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 501), por ser uma exceção a regra da necessidade de

existência de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.

Entre outros, Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 447) e Tales

Castelo Branco (1986, p. 96-97) sustentam que a inversão da ordem das oitivas induz

nulidade do auto como peça coercitiva. Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 62), declara que

inverter os atos durante a documentação do auto de prisão em flagrante invalida o ato, ou seja,

colher depoimento de testemunha após o interrogatório resultará no relaxamento da prisão.

Em sentido contrário, Hélio Tornaghi (1995, p. 63-65) dispõe que a forma

do auto não é solene nem substancial. Pode ser feito de qualquer maneira, desde que atinja a

finalidade de documentar a prisão.

Por ser um conjunto de atos pré-processuais que visam à sumária apuração

da verdade na expectativa de que, num curtíssimo prazo, se adquira a convicção necessária

para manter ou não o cerceamento da liberdade do conduzido, eventual falha, irregularidade

ou erro, como o descumprimento à seqüência ordenada, não resultará na invalidade total da

autuação, mas também não será possível evitar o relaxamento da prisão em razão do erro.

Os atos serão típicos quando o regramento estabelecido é respeitado

fielmente pelos operadores do direito. Calmon de Passos (2002, p. 38) divide a tipicidade dos

atos em relevantes e irrelevantes. Para a Justiça Criminal, como um todo, sempre será

relevante, assim como é para o processo, razão pela qual não pode ser aceito o auto de prisão

em flagrante irregular como instrumento probatório de prisão. Para o inquérito policial a

irregularidade será irrelevante, pois as investigações seguirão em busca das provas que

possam sustentar não mais uma prisão como se desejava naquele momento, mas sim uma

denúncia e uma eventual acusação. Por outro lado, por mais grave que seja o erro formal

constatado na autuação do flagrante, isso não impedirá a prisão preventiva.

Se o não atendimento da ordem de inquirição das partes pode redundar em

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nulidade, poderíamos considerar o auto de prisão em flagrante como um procedimento? Para

Scarance Fernandes (2000, p. 98-105), o procedimento se traduz em uma seqüência lógica e

rigorosa de fases cujos atos realizados se convergem para um único fim. Para que o

procedimento possa alcançar o efeito desejado, as fases e os atos devem ser cobertos de

tipicidade e deve ainda existir a garantia de que no tempo e no espaço serão respeitados pela

autoridade que os conduz.

Na lição de Tales Castelo Branco (1986, p. 97), qualquer inversão da ordem

de inquirição atinge a autuação. A peculiaridade dessa modalidade de prisão, por ser a única

que não advém da vontade expressa do Poder Judiciário, reclama a garantia da fundada

suspeita e da fiel observância da forma estabelecida.

Reconhecer a autoria de um crime, dar manutenção à privação da liberdade

pelo interrogatório colhido formalmente antes da oitiva das testemunhas que presenciaram o

fato criminoso é ferir o sagrado princípio de se conceder ao autuado o direito de responder

todos os questionamentos de que o acusam e que formalmente já deveriam estar presentes na

documentação que perfaz a autuação da prisão. Seria o mesmo que considerá-lo culpado

antecipadamente.

5.9.6 Prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante

Quaisquer das hipóteses previstas no artigo 302 do Código de Processo

Penal obrigam à apresentação imediata do flagrado à autoridade policial competente para o

receber, para avaliar os fatos e para decidir sobre a autuação ou não da prisão em flagrante.

Pouco importa o tempo despendido durante a perseguição, uma vez detido,

deve o preso ser apresentado à autoridade policial da localidade mais próxima, a fim de que

ela conheça os fatos, os motivos e as circunstâncias do crime e delibere sobre a prisão do

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perseguido.

O legislador não fixou prazo inicial para a lavratura do auto, apenas

estabeleceu um tempo limite no artigo 306 do CPP, qual seja: “dentro em 24 (vinte e quatro)

horas depois da prisão, será dada ao preso nota de culpa assinada pela autoridade, com o

motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas”.

Assevera Euclides Ferreira da Silva Júnior (1997, p. 164) que a nota de

culpa é conseqüência do auto de prisão em flagrante e o prazo de 24 (vinte e quatro) horas é o

tempo para terminar a respectiva lavratura do auto.

Certamente o prazo de “24 horas” após a efetiva prisão daquele que foi

surpreendido cometendo um crime foi fixado tendo em vista a extensão territorial do país

frente ao ínfimo número de autoridades policiais incumbidas desse mister.

Por mais complexo que seja o crime, em que pese a existência de vários

autores e envolvidos, com as facilidades proporcionadas pela informática, o tempo

despendido para a autuação dificilmente ultrapassará seis horas de trabalho ininterrupto.

Ademais, todos que lidam direta ou indiretamente com a atividade de

polícia sabem que não existe agendamento ou hora marcada para o início da autuação do

flagrante e não devem ocorrer interrupções. Apresentado o conduzido, em que pese a

complexidade do crime, sempre haverá tempo para as oitivas.

Jaques de Camargo Penteado (1997, p. 230-231) afirma que se o auto de

prisão em flagrante for lavrado após as 24 (vinte e quatro) horas, sem um motivo justificado,

esse poderá redundar em nulidade e conseqüentemente no relaxamento da prisão.

Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 534) esclarece que não se trata apenas

do excesso de prazo, mas no prejuízo do autuado que se vê privado de sua liberdade por mais

tempo que o necessário, configurando ato abusivo por parte do Estado, cuja conseqüência,

além do relaxamento da prisão, deve resultar em medidas penais e administrativas contra a

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autoridade policial. Acrescenta que a documentação da autuação não perde seu valor como

peça informativa da ocorrência de um crime.

5.9.7 Presença do tradutor e intérprete

A autuação do flagrante pode apresentar dificuldades imprevisíveis que

fogem à rotina dos momentos que antecedem a formalização da prisão em flagrante. Uma

dessas dificuldades pode ser a de comunicação com os sujeitos do flagrante que não

conseguem se expressar na língua portuguesa, porque são estrangeiros ou são portadores de

deficiências.

Situações como essas não são freqüentes, mas, quando ocorrem, exigem da

autoridade policial habilidade, caso contrário, poderá prejudicar a apuração da verdade dos

fatos e, conseqüentemente, a melhor obtenção de prova. Passa a ser essencial a tarefa do

tradutor e do intérprete.

O tradutor e o intérprete são auxiliares eventuais da justiça e não se

confundem com o perito, uma vez que o resultado do exame pericial necessariamente fica

registrado em laudo.

Afirma Marco Antonio de Barros (2002, p. 206) que o tradutor e o intérprete

não emitem um parecer sobre o que examinam, mas estão sujeitos à mesma disciplina e às

mesmas disposições penais. Em sentido estrito, os documentos escritos em idioma estrangeiro

devem ser transpassados para a língua portuguesa por meio do tradutor, enquanto ao

intérprete cabe ouvir e traduzir a expressão do idioma estrangeiro ou daquele que não

consegue se comunicar em razão de deficiência física ou psíquica.

Surgindo a necessidade, por analogia, não pode a autoridade policial,

mesmo conhecendo o idioma, assumir o papel de intérprete ou de tradutor, porque sua

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atuação, à semelhança do magistrado, deve ser imparcial. Nesse caso, deve, portanto,

providenciar alguém maior de 18 (dezoito) anos de idade que seja conhecedor do idioma em

questão e que, após prestar o compromisso, para, sob sua orientação, transmitir as perguntas

ao inquirido, e, com fidelidade, traduzir literalmente as respostas dadas.

A doutrina mostra preocupação com relação ao interrogatório do acusado.

Nesse sentido Fauzi Hassan Choukr (2001, p. 34) defende a utilização das normas

internacionais que prevêem a informação em idioma acessível ao preso, para que não haja a

frustração da garantia da ampla defesa.

Roberto Delmanto Junior (2001, p. 39-46) traz à colação a previsão do

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque, que assenta no artigo 14º,

3, letra f, a necessidade de o interrogando “ser assistido gratuitamente por um intérprete, caso

não compreenda ou não fale a língua empregada durante o julgamento”. No mesmo sentido, o

Pacto de San José da Costa Rica, artigo 8º, 2, letra a, prevê o “direito do acusado de ser

assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma

do juízo ou tribunal”.

5.9.8 A ratificação da voz de prisão e o despacho fundamentado

Estando o autor em estado de flagrância pela prática de um crime, qualquer

do povo pode e os agentes da segurança pública devem deter, prender e conduzir o suspeito

para a presença da autoridade competente para a formalização da prisão, nos termos do artigo

304 do Código de Processo Penal. Conforme a previsão do artigo 5º, inciso LXI, da

Constituição Federal, esta é a única modalidade de prisão que dispensa a necessidade de

autorização judicial. Exige, no entanto, o cumprimento de certas formalidades para que o ato

de prender alcance a efetividade.

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Manoel Messias Barbosa (2002, p. 78), ao referir-se à voz de prisão,

pondera que a lei não exige palavras sacramentais para a consumação do ato.

A voz de prisão cumpre o objetivo de deixar claro àquele que foi encontrado

praticando o crime ou que foi perseguido que o seu direito de liberdade, pelo menos

momentaneamente, encontra-se cerceado por força de sua conduta.

Essa comunicação ao suspeito não traduz certeza de permanecer o preso à

disposição da justiça, uma vez que essa condição dependerá dos fatores que deverão ser

analisados e avaliados pela autoridade competente.

Perseguido ou mesmo detido por populares, vítima ou testemunhas, o

comportamento normal e costumeiro das pessoas é acionar os agentes da segurança pública

para o conhecimento do caso e para as providências cabíveis.

Os agentes, após o conhecimento da ocorrência do crime e a apreensão de

objetos e colheita de outras evidências denunciadoras de que a conduta do detido é

antijurídica, devem comunicá-lo que está preso. Esta comunicação traduz-se na voz de prisão.

Trata-se de uma formalidade que vincula apenas aos agentes da segurança

pública, não restando à vítima, às testemunhas e aos populares qualquer obrigação no

cumprimento desse ato.

A autoridade competente ao inserir, no auto de prisão, o despacho com o

qual expõe os fundamentos sobre a caracterização do crime e sobre o convencimento da

autoria ou sobre os indícios de participação do preso deve ratificar a voz de prisão emanada

pelos agentes da segurança público ou pelas pessoas alheias à função pública.

O Código de Processo Penal faz alusão à voz de prisão, dispondo no artigo

307 que, ao iniciar o auto de prisão em flagrante, quando o fato criminoso for praticado em

presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, deverá ela fazer uma

narração deste fato e a comunicação ao preso de sua condição.

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Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 701-702/921) faz menção implícita à

voz de prisão quando se refere ao poder de polícia da autoridade judiciária, que serve para

preservar a ordem nas sessões e audiências, prevista nos artigos 497, inciso I e 795, parágrafo

único do Código de Processo Penal.

Tales Castelo Branco (1986, p. 37) discorre que a simples voz de prisão é o

quanto basta para a efetivação da prisão em flagrante.

Não nos parece que a ausência da comunicação, no momento da detenção,

possa redundar em nulidade ou mesmo em relaxamento da prisão pela autoridade judiciária.

A voz de prisão, comunicação primeira feita ao perseguido ou detido, não

deve ser considerada uma formalidade essencial, mesmo porque a autoridade competente para

lavrar o auto de prisão pode interpretar o fato de outra forma e dispensar o detido após o

registro da ocorrência policial ou mesmo relaxar a prisão em face do não convencimento da

participação do conduzido no fato criminoso, preferindo apurar o crime por meio de inquérito

policial ao invés de efetivar a prisão.

Trata-se, enfim, de uma formalidade que tem um fim em si mesma, cujo

descumprimento ou esquecimento redundará em mera irregularidade.

5.9.9 A nota de culpa e o direito de informação

Walter P. Acosta (1975, p. 47-48)19 conceitua a nota de culpa

como um documento assinado pela autoridade que tenha presidido o flagrante, contendo o motivo da prisão, o artigo violado e o nome do condutor e das testemunhas, que deve ser dado ao preso, contra recibo, dentro em as 24 (vinte e quatro) horas seguintes à prisão.

19 Marta Saad (2004, p. 273) define a nota de culpa como o instrumento formal em que o autuado é informado da acusação, tipificação penal relacionado ao ato praticado e o nome dos autores de sua prisão. No entendimento do Professor Aury Lopes Jr (2001, p. 275): “A nota de culpa é o instrumento através do qual será dado formalmente o conhecimento dos motivos e identificados os responsáveis pela prisão”.

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A nota de culpa representa o termo final da lavratura do auto de prisão. Pode

ser interpretada como o ápice da autuação, uma vez que a ordem para elaboração desse

documento representa a convicção da autoridade competente sobre a existência do crime e

sobre, pelo menos, a presença de fortes indícios da autoria.

Fauzi Hassan Choukr (2001, p. 31-32) narra a trajetória da nota de culpa nas

Constituições do Brasil. Ela está presente em nosso ordenamento jurídico desde a Carta

Imperial de 1824, que previa no artigo 179, inciso VIII, de forma clara, os objetivos que esse

documento deveria cumprir. Assim, também na Constituição de 1891, no artigo 72, parágrafo

16. As Cartas de 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda Constitucional nº. 1/69 e de 1988 trataram

da matéria de forma superficial.

A expressão nota de culpa, na lição de Aury Lopes Jr. (2001, p. 276), tem

sua origem na divisão entre instrução criminal definitiva e preliminar. A nota de culpa é o

primeiro degrau que marca o início da formação da culpa preliminar que tem lugar na

instrução preliminar.

A nota de culpa visa a atender duas finalidades: a) comunicar ao autuado a

sua condição, os motivos da prisão, a tipificação penal, o nome do condutor e das testemunhas

do fato que o envolve; b) comunicar ao juiz competente que o autuado encontra-se preso à sua

disposição pelos motivos constantes da documentação da autuação.

Sob a orientação da autoridade competente, deve o escrivão registrar na nota

de culpa uma síntese da conduta infracional. Mais do que uma simples declaração em duas

vias, é acima de tudo a expressão de um direito constitucional, uma garantia contra as prisões

ilegais e injustas, sem a qual a autoridade policial e carcereiros, o diretor do Presídio ou do

Centro de Ressocialização e os agentes penitenciários não podem receber o preso.

Giampaolo Poggio Smanio (2000, p. 63) entende que eventuais vícios e

defeitos da nota de culpa não refletem no flagrante, por não fazerem parte dele. Nesse sentido

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é o entendimento de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio

Scarance Fernandes (1997, p. 285). Consideram mais adequado interpretar o vício como uma

irregularidade que pode conduzir à nulidade simplesmente relativa, dependendo para a sua

invalidação da demonstração do prejuízo. Se o autuado não quiser ou não puder assinar a nota

de culpa, Rogério Lauria Tucci (1980, p. 231) explica que duas testemunhas assinarão em seu

lugar, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 306 do Código de Processo Penal.

A nota de culpa deve ser assinada e entregue ao autuado em até 24 (vinte e

quatro) horas depois de sua prisão. Fauzi Hassan Choukr (1999, p. 31) pondera que o

enquadramento penal constante na nota de culpa, fruto do entendimento da autoridade

competente na formalização da prisão em flagrante, não vincula o representante do Ministério

Público em sua denúncia. Salienta, ainda, que a nota de culpa deve ser descrita em idioma

acessível ao preso.

No entendimento de Hélio Tornaghi (1995, p. 73), a lei não definiu o

momento da entrega da nota de culpa, e, portanto, nada impede que ela seja entregue ao

conduzido antes ou mesmo durante a autuação e não como invariavelmente ocorre, após o

encerramento da autuação.

5.9.10 O impedimento ou a recusa em assinar a documentação do auto de prisão em flagrante

A importância do ato de prisão exige a assinatura de todos que participaram

da autuação do flagrante. Não só porque se trata de uma modalidade de prisão que é realizada

sem a determinação judicial de um procedimento pré-processual, mas por se tratar de uma

documentação que retrata no seu conteúdo a prova da ocorrência de um fato criminoso.

Não ocorre com freqüência, no entanto, nos crimes inafiançáveis, a

resistência do autuado em assinar a documentação do auto de prisão em flagrante. Quando

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ocorre, geralmente reside a recusa na indignação e revolta por tudo que lhe está acontecendo.

Não se conforma de haver falhado na ação que pretendia ultimar. Não se conforma com as

condições em que foi preso, com o tratamento recebido. Outras vezes, o autuado, sabendo ser

inocente e diante da injustiça que estão lhe promovendo, como forma de protesto, nega-se em

assinar as peças do seu interrogatório e qualificação.

A solução encontrada pelo legislador para a recusa em assinar está no

parágrafo 3º do artigo 304 do CPP, ou seja, a assinatura por duas testemunhas

instrumentárias:

quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que lhe tenham ouvido a leitura na presença do acusado, do condutor e das testemunhas.

Por força da Lei nº. 11.113, de 13 de maio de 2005, que provocou benéficas

alterações na forma da autuação da prisão em flagrante, houve a necessidade de revogar a

segunda parte do referido parágrafo, isto porque no novo modelo, à exceção do autuado, os

demais participantes da lavratura do auto são dispensados logo após prestarem a versão dos

fatos em suas oitivas. Sem a necessidade de aguardarem o encerramento da confecção do

corpo do flagrante para ao final aporem as respectivas assinaturas, serão dispensados o

condutor e as testemunhas, e, por isso, não estarão presentes no momento em que o auto será

lido.

Por isso, a nova redação do § 3º do artigo 304 do CPP somente exige a

leitura do auto na presença das testemunhas instrumentárias:

quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste.

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5.9.1.1 Apreensão dos objetos e valores na presença do condutor e testemunhas

O local do crime muitas vezes retém uma riqueza de informações sobre o

fato investigado, reveladas por objetos e valores que nele são encontrados.

Nem sempre os objetos e coisas apreendidos só traduzem informes

probatórios imediatos. Existem objetos que se encontram no cenário do crime e são

apreendidos para investigação posterior ou paralela. Constituem valores em dinheiro, nacional

ou estrangeiro, jóias, quadros e documentos diversos como contratos, procurações, títulos e

outros. Por medida de cautela devem ser cuidadosamente recolhidos na presença do possuidor

ou de testemunha.

A cautela de relacionar os objetos apreendidos não deve se restringir apenas

ao órgão público que realizará a autuação, mas deve ocorrer no próprio local onde os objetos

se encontram, pois é importante mostrar o objeto total da apreensão que chegou ao local do

destino. Nem sempre o que o indiciado afirma que existia é verdadeiro.

Em suma, estando o local devidamente preservado, sendo tudo fotografado e

analisado, o que interessar para esclarecer o crime ou servir para outras investigações, será

apreendido. Essa apreensão de objetos ou coisas deve ser acompanhada pelo possuidor ou por

testemunhas, tanto no local da apreensão como no momento da documentação a ser realizada

na Delegacia de Polícia.

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VI. AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE JURISDICIONAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE

6.1 As garantias constitucionais da prisão em flagrante

6.1.1 Comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente

Ressalta Valdir Sznick (1995, p. 409) que, para que as prisões em flagrante

não fujam ao controle do Poder Judiciário, o constituinte exigiu na Carta de 1988, artigo 5º,

inciso LXII a necessidade de sua comunicação20 ao juiz competente e à família do preso, bem

como a comunicação do local onde se encontra recolhido.

Expressamente, apenas as Cartas de 1824, 1891 e 1937 não tratavam da

comunicação ao juiz competente sobre a prisão de alguém.

Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1998, p. 108) observa que

a comunicação ao juiz sobre a prisão de qualquer pessoa é uma formalidade essencial ao auto

de prisão em flagrante. O descumprimento da norma constitucional redundará em nulidade do

auto e no relaxamento da prisão pelo juiz em face de sua ilegalidade.

A comunicação do flagrante materializa-se através de ofício, com a juntada

das cópias da autuação, da nota de culpa e dos antecedentes criminais do autuado. É o

momento em que o magistrado toma conhecimento do fato ocorrido, analisa seus aspectos

processuais, verifica a observância das formalidades, constata se a conduta do autuado se

20 Nesse sentido é o entendimento de Marta Saad (2004, p. 282): “Comunicação é ciência, a notícia, o informe ao magistrado. Por imediatamente, não se quer dizer apenas logo, mas sim que se realize no menor prazo possível, tão logo finda a lavratura do auto de prisão em flagrante”. Hilton Lobo Campanhole e Adriano Campanhole (1999, p. 57) no estudo e compilação das Constituições do Brasil, descrevem que as Cartas que expressamente registraram a previsão da necessidade da comunicação ao Juiz competente sobre a prisão de alguém são: Constituições de 1934 – artigo 113, § 21 (p. 717); 1.946 – artigo 141, § 22 (p. 511); 1.967 – artigo 150, § 12 (p. 430); 1.969 – artigo 153, § 12 (p. 316) e 1.988 – artigo 5º, LXII (p. 19).

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caracteriza como um fato típico e antijurídico. Pelo auto, examina se o autuado tem direito à

fiança à liberdade provisória sem fiança, podendo arbitrar fiança, adotar a providência

prevista no artigo 310 e parágrafo único do Código de Processo Penal. Pode, ainda, promover

fundamentadamente o relaxamento da prisão se constatar ilegalidades.

Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 292) pondera que, em virtude de

previsão constitucional, a comunicação sobre a prisão de alguém deve ocorrer imediatamente,

ou seja, logo após o encerramento do auto de prisão, permitindo-se com essa rapidez que o

autuado permaneça sob custódia o menor tempo possível.

A não comunicação ao juiz competente, além de infringir a norma

constitucional, também viola o direito do preso, de postular, por exemplo, a liberdade

provisória ou mesmo o relaxamento da prisão. A omissão da autoridade responsável pela

autuação gera um efeito jurídico que atinge o princípio da segurança jurídica, citado por José

Joaquim Gomes Canotilho (1998, p. 252).

Valdir Sznick (1995, p. 410) considera que a não comunicação não invalida

a documentação da autuação, peça inaugural do inquérito policial, mas o relaxamento da

prisão será inevitável. A autoridade responsável pela autuação e pela não comunicação ao juiz

responderá pelo crime previsto no artigo 4º, letra “a” e “c”, da Lei nº. 4.898/65. Por sua vez,

o juiz competente, diante dessa realidade, se não promover o relaxamento da prisão, poderá

responder pelo crime de abuso de autoridade, previsto na letra “d”, do artigo 4º da citada lei.

Acrescenta Alexandre de Morais (2004, p. 406) que a responsabilização da

autoridade policial e de seus agentes será civil – indenização por danos materiais e morais – e

criminal – abuso de autoridade, nos termos da Lei nº. 4.898/65.

A interpretação da previsão do prazo de até 24 (vinte e quatro) horas para a

entrega da nota de culpa ao autuado não deve ser extensiva à necessidade de se comunicar ao

juiz competente sobre a prisão do indiciado. Quando da promulgação do Código de Processo

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Penal no ano de 1941, em razão da extensão territorial do País e da ausência de Delegacias e

de autoridades policiais nas regiões interioranas dos Estados, fez-se necessário estabelecer um

tempo razoável para a realização do auto de prisão, o que hoje não se justifica por caracterizar

verdadeiro constrangimento para aquele que se encontra detido mantê-lo, nessa situação, por

tempo desnecessário.

O encontrado em situação de flagrância deve ser incontinentemente

apresentado à autoridade competente. Esta, por sua vez, após o encerramento da lavratura do

auto de prisão, deve imediatamente determinar que cópia de autuação seja encaminhada ao

Fórum da Comarca ou ao Plantão Judiciário para o conhecimento do juiz competente.

Anota Hélio Tornaghi (1995, p. 45) que, no direito comparado, após a

prisão de alguém, este deve ser imediatamente apresentado ao juiz competente. Nesse mesmo

sentido, Claus Roxin (2000, p. 265)21 afirma que, em face da detenção, o detido deve ser

conduzido imediatamente, ou mais tardar no dia posterior a sua prisão, diante do juiz

competente.

No Brasil, não se faz a apresentação do preso ao juiz, embora encontre-se

timidamente prevista nos artigos 287 do Código de Processo Penal e no parágrafo §3 do

artigo 2º da Lei 7.960/89. No Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069, de 13 de

julho de 1990 –, conforme previsão do artigo 171, sempre que apreendido o adolescente

infrator, deve ser apresentado ao juiz competente.

Por seu turno, Rômulo de Andrade Moreira (2003, p. 71) entende que a

comunicação da prisão também deve ser encaminhada ao representante do Ministério Público.

Por força de alteração ao artigo 306 do Código de Processo Penal realizada pela Lei

11.449/07, cópia integral do auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas

21 Roberto Delmanto Júnior (2001, p. 38), dispõe: Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos de Nova Yorque. Artigo 9º, 3, 1º parte: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida sem demora, à presença do juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais...”; Nesse sentido também é o Pacto de San José da Costa Rica. Artigo 7º, 5. p. 45.

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colhidas deve ser encaminhada para a Defensoria Pública, caso o autuado não informe o

nome de seu advogado.

6.2 A assistência da família e de advogado

A apresentação do conduzido à autoridade policial inicialmente não gera a

necessidade de se promoverem comunicações, porque, preliminarmente devem ser avaliados o

fato, as provas apresentadas e a versão das partes envolvidas.

Convicta da necessidade de autuar-se em flagrante delito o conduzido, a

autoridade deve adotar algumas providências, entre as quais: a) informá-lo de que em razão do

que foi apurado permanecerá preso à disposição da Justiça; b) orientá-lo de que tem o direito de

informar sua família ou quem indicar sobre sua condição, devendo se colocar à disposição para

realizar o atendimento por telefone ou mesmo no endereço fornecido; c) comunicar-lhe que tem

o direito a um advogado.

Essas providências traduzem integralmente o previsto no artigo 5º da

Constituição Federal, incisos LXII e LXIII:

Inciso LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Inciso LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

A comunicação à família tem a finalidade de levar aos familiares não só o

conhecimento dos fatos, mas também de possibilitar-lhes a tomada de algumas providências

imediatas, como a) providenciar alimento, pois por vezes o autuado permanece horas no local

da autuação, aguardando o momento oportuno para sua transferência; b) recolher alguns

pertences pessoais do autuado, impróprios na prisão; c) entregar roupas, agasalho, toalhas, e

outros utensílios de higiene que não são fornecidos na Cadeia Pública; d) contratar um

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advogado para sua defesa, caso não tenha sido indicado pelo conduzido; e) informar sobre a

condição do preso para o trabalho.

O entendimento atual é de que a omissão do cumprimento dessa obrigação

não gera o relaxamento da prisão, mas tão somente punição administrativa (MORAES, 2002,

p. 404-405) 22. A comunicação realizada ao advogado presente e escolhido pelo autuado

substitui a necessidade de se comunicar a família.

Efetuada a detenção, explica Germano Marques da Silva (1999, p. 224), “o

acto é de imediato, com consentimento do detido, comunicado a parente, a pessoa da sua

confiança ou ao defensor indicado pelo detido, o consentimento não é exigido quando o

detido for menor de dezoito anos”.

A presença do advogado na autuação da prisão em flagrante é importante.

Por analogia à previsão do artigo 188 do CPP, deve-se admitir a participação do advogado no

final do interrogatório policial, estabelecendo-se o contraditório e permitindo-se ao advogado

complementar este importante meio de prova e de defesa com algumas perguntas que não

foram realizadas, cujas respostas poderão ter, no futuro, relevante valor.

Em atendimento à previsão constitucional do inciso LXIII do artigo 5º, que

assegura ao preso a assistência de advogado, foi publicada a Lei nº. 11.449 no dia 15.1.2007,

que alterou o artigo 306 do CPP ao criar o parágrafo 1º, que torna obrigatória a comunicação

sobre a prisão à Defensoria Pública por meio das cópias da autuação, nota de culpa e

antecedentes criminais, sempre que não estiver consignado no auto de prisão em flagrante a

indicação de advogado.

22 Nesse sentido, trazem-se à colação julgados do Superior Tribunal de Justiça: “Comunicação à família do preso – A Constituição da República, dentre as garantias individuais, registra o direito de a prisão ser comunicada ao Juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII). A inobservância é idônea para ilícito administrativo. Por si só, entretanto, não prejudica a validade da investigação” (STJ – 6º T. RHC nº. 6.210-0/GO Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Ementário STJ, nº. 18/139. No mesmo sentido: “A Constituição da República impõe que ‘a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada’ (art. 5º, LXII). A omissão, no entanto, por si só, não exclui a legalidade da prisão. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento” (6º T. – RHC nº. 4.274-5/RJ – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Ementário STJ, nº. 12/257).

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6.3 Respeito à integridade física e moral do conduzido

Os movimentos realizados pelos órgãos internacionais que atuam na

proteção aos direitos humanos certamente influenciaram o legislador brasileiro, levando-o a

inserir o inciso XLIX no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da atual

Constituição (artigo 5º), que consubstancia a obrigação de assegurar aos presos o respeito à

sua integridade física e moral.

A previsão constitucional há de ser estendida ao momento em que o autor é

surpreendido nas hipóteses do artigo 302 do CPP.

Por força dessa norma constitucional, algumas cautelas devem ser tomadas

antes, durante a autuação da prisão e após a conclusão dessa formalidade: a) cuidado no uso

da algema, pois a condição física e moral do flagrado pode dispensar esse constrangimento; b)

uso da força física somente na proporção da necessidade para a retenção do preso e quando

imprescindível; c) respeito ao conduzido no momento de seu transporte, de vez que nem

sempre é necessária a utilização do compartimento fechado da viatura policial; d) orientação

ao conduzido quanto ao direito de permanecer calado sobre os fatos que o envolvem; e)

colocação do conduzido em local separado nas dependências da Delegacia de Polícia, para se

evitar o contato com curiosos, funcionários e outros detidos; f) orientação ao conduzido

quanto ao direito de se comunicar com a família e com um advogado se assim desejar; g)

orientação ao conduzido sobre o direito de permanecer calado e de não produzir provas que

possam causar-lhe prejuízo; h) facilitação da entrevista do conduzido com o advogado que

indicar; i) disponibilização ao conduzido de alimentação e de meios para atender a

necessidades fisiológicas, uma vez que o cerceamento desse direito pode caracterizar tortura;

j) impedimento ao assédio da imprensa, evitando reportagens e fotografias que alimentam o

sensacionalismo e o constrangimento do autuado; k) transferência do autuado para o cárcere

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provisório, local onde, como ensina Daniel Gerber (2004, p. 233), o autuado “deverá ser

tratado como um verdadeiro inocente”.

Ainda, outros direitos devem ser analisados em respeito aos direitos

fundamentais do ser humano: a) a não efetivação da prisão pela autoridade, se restarem

dúvidas quanto à autoria do fato criminoso com a preferência pela investigação cautelosa por

meio do inquérito policial; b) a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da

insignificância ao fato concreto; c) a avaliação da necessidade da manutenção do cerceamento

da liberdade do autuado, se estiver caracterizada alguma das hipóteses de exclusão de

ilicitude.

6.4 O direito de manter-se em silêncio

O direito ao silêncio, conforme Carlos Henrique Borlido Haddad (2000, p.

141-146), surgiu em fins da Idade Média e no início da Renascença, na Inglaterra. Abafado e

sufocado por força do sistema inquisitivo, imposto pela Igreja e sustentado pelo direito

canônico, somente conseguiu germinar no ano de 1215 com a queda das ordálias e dos juízos

de Deus promovidos pelo IV Concílio de Latrão, que cederam lugar aos tribunais de common

law. Lentamente o juramento imposto pelo sistema inquisitivo foi enfraquecendo e cedendo

espaço ao sistema de common law, sendo definitivamente afastado pelo Parlamento da

Inglaterra e pela afirmação do privilégio contra a auto-incriminação no Estatuto de Carlos I,

no ano de 1641.

Somente no ano de 1836, com a ingerência da assistência do defensor, o

direito ao silêncio conseguiu se firmar como garantia assegurada ao acusado em todos os

procedimentos criminais.

Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Maurício Zanóide de Moraes (1994,

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p. 134-135) retratam pesquisa de direito comparado a respeito do direito ao silêncio: a) no

Direito Inglês, o direito surgiu no ano de 1641 por intermédio do Estatuto de Carlos I, sendo

efetivamente reconhecido no ano de 1898; b) no sistema Norte Americano, o direito ao

silêncio resulta da V Emenda Constitucional; ainda quando o acusado deponha sob juramento

como testemunha de defesa, tem o direito de não responder às perguntas impertinentes e

abusivas, de vez que, seja qual for o procedimento e a causa penal, ninguém está obrigado a

depor contra si mesmo.

A partir do século XVIII, alguns países da Europa consagraram o direito ao

silêncio nos processos criminais, como a França, a partir de 1897 e a Itália, no ano de 1930,

onde adquiriu solidez no ano de 1965.

Sobre a Alemanha, Theodomiro Dias Neto (1997, p. 186-187) afirma que o

direito ao silêncio somente foi reconhecido durante o século XIX, por força da influência das

idéias iluministas no sistema acusatório no processo penal. Encontra-se positivado no artigo

14 III do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 16.12.1966 ratificado pela

República Federal Alemã em 17.12.1973.

Em todos os países latino-americanos, segundo Kai Ambos e Fauzi Hassan

Choukr (2001, p. 234–235), reconhecem-se o princípio de que o acusado não está obrigado a

produzir provas contra si mesmo e o direito ao silêncio. Na Venezuela, o inciso 4º do artigo

60 da Constituição dispõe que “ninguém poderá ser obrigado a prestar juramento nem ser

constrangido a reconhecer sua culpabilidade em causa penal contra si mesmo”. Os países cuja

legislação não contempla expressamente os referidos princípios e direitos respeitam a

previsão do artigo oitavo da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

Artigo 8º - Das Garantias Judiciais: Direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado.

Por tudo isso, a participação do autuado ou acusado, na construção da prova,

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só deve ocorrer quando for espontânea e voluntária. Como regra, a prova do crime e os

indícios da autoria deverão ser obtidos sem qualquer participação daquele que está sendo

investigado como autor.

Isto significa que, durante a autuação da prisão em flagrante, a autoridade

competente deverá proceder à averiguação do fato de forma desvinculada da contribuição das

partes.

No Brasil, o legislador constituinte garantiu o direito ao silêncio no artigo

5º, inciso LXIII:

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

As alterações provocadas no capítulo III – “Interrogatório do acusado” por

força da Lei nº. 10.792, de 2.12.2003, ratificaram o pensamento do legislador constituinte.

Assim dispunha o artigo 186 do CPP:

Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

Com a Lei 10.792/03, a previsão atual do citado artigo acrescido do

parágrafo único é a seguinte:

Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único – O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Em relação à previsão constitucional do artigo 5º, inciso LXIII, Adauto

Suannes (1999, p. 263) pondera que o direito de permanecer calado não se restringe ao preso.

Considera que o direito ao silêncio do acusado durante o interrogatório é um desdobramento

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do respeito que se deve ter à dignidade do ser humano. Portanto, na autuação da prisão em

flagrante, durante o inquérito policial ou mesmo na fase processual, o respeito aos direitos de

o acusado permanecer calado e de não produzir provas que possam prejudicá-lo devem ser

respeitados.

O direito de permanecer calado está inserido no princípio de que o acusado

não está obrigado a produzir provas contra si mesmo, razão pela qual não pode ser forçado a

participar da reconstituição do crime, da acareação, a fornecer material caligráfico ou

qualquer tipo de material, como o sangue para o exame de alcoolemia, toxicológico ou

mesmo um mero fio de cabelo para o exame de DNA, ou, ainda, a soprar para o exame de

bafômetro.

6.5 A caracterização do abuso de autoridade e o flagrante

Pode haver abuso momentos antes da prisão em flagrante, durante o

atendimento ao local do crime, nas dependências do órgão público responsável pela autuação

e mesmo após a conclusão da autuação da prisão em flagrante:

A ansiedade, a precipitação e a falta de cuidado podem levar os policiais

despreparados a provocar o estado de flagrância, vindo a se produzir prova ilícita, a qual não

poderá ser utilizada por ser inadmissíveis, conforme art.5o, LVI, da Constituição Federal:

são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícitos;

Outros abusos podem derivar de investigações precipitadas, levadas a cabo

com base em informações não fidedignas e sem um estudo preliminar do local, do ingresso

em domicílio sem autorização judicial, com violação do art. 5o, XI, da Constituição Federal, e

do art. 3o, da Lei nº. 4.898/65:

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Constituição Federal: Artigo 5º, XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial; Lei nº. 4.898/65, artigo 3º: Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: [...] b) à inviolabilidade do domicílio;

Ainda, no atendimento a casos de flagrância, podem ocorrer condutas

agressivas e desnecessárias, como conseqüência do emprego da força física, dos maus tratos

ou das vias de fato. Independentemente de resultar em lesões corporais, tais condutas poderão

caracterizar o crime de abuso de autoridade, ou a figura do artigo 233 da Lei nº. 8.069/90

quando o ato violento atingir criança ou adolescente.

Lei nº. 4.898/65, artigo 3º: constitui abuso de autoridade qualquer atentado: [...] i) à incolumidade física do indivíduo;

Ao recepcionar o condutor que apresenta o conduzido, deverá a autoridade

policial impedir o assédio dos próprios policiais que realizaram a prisão, de curiosos e da

imprensa. O assédio prejudica a investigação e submete gratuitamente o flagrado a

constrangimento desnecessário, também podendo caracterizar abuso de autoridade em virtude

de ofensa ao artigo 5o, X, da Constituição Federal, e ao artigo 4o da Lei 4.898/65:

Constituição Federal: artigo 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Lei nº. 4.898/65, artigo 4º: constitui também abuso de autoridade: [...] b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

A autoridade deverá informar ao conduzido os seus direitos constitucionais:

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

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A omissão dessas informações não conduz ao relaxamento da prisão, no

entanto poderá caracterizar o abuso da autoridade, se, sem motivo plenamente justificado,

impedir, por exemplo, o acesso do advogado e a sua entrevista com o autuado, o que

restringe o direito à defesa técnica.

Se não restar dúvida quanto à identidade do conduzido, à exceção dos

crimes previstos na Lei nº. 9.034/95 (crime organizado), o autuado será dispensado da

identificação, sendo suficiente a apresentação da cópia da carteira de identidade. A não

obediência ao preceito constitucional abaixo referido, em que pese alguma discussão na

doutrina, não caracteriza o constrangimento ilegal, mas não deve a autoridade agir de forma

abusiva.

Constituição Federal: artigo 5º, inciso LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;

Concluída a autuação, uma cópia da nota de culpa com as razões da prisão,

a tipificação penal e o nome dos responsáveis pela prisão deverá ser entregue ao autuado. A

omissão ou atraso no cumprimento dessa formalidade poderá caracterizar constrangimento

ilegal e, conseqüentemente, levar ao relaxamento da prisão.

Se o crime for punido com detenção, portanto afiançável na fase pré-

processual, e preenchidos os requisitos legais, nos termos do artigo 322 do CPP, deverá a

autoridade policial arbitrar a fiança e possibilitar a liberdade provisória do indiciado. A não

concessão injustificada desse direito poderá redundar em abuso de autoridade.

Constituição Federal: artigo 5º. Inciso LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Lei nº. 4.898/65, artigo 4º: constitui também abuso de autoridade: [...] e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

Formalidade essencial prevista constitucionalmente é a comunicação da

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prisão ao juiz competente. A omissão ou atraso caracterizará o abuso de autoridade.

Constituição Federal: Artigo 5º, inciso LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; e inciso LXVI, já mencionado. Lei nº. 4.898/65, artigo 4º: constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou exercer medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa. No mesmo sentido, com referência ao magistrado; d) deixar ao juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

Gilberto e Vladimir Passos de Freitas (2001, p. 30-31), ao estudar a Lei

4.898/65, asseveram que “todas as figuras na lei em estudo são dolosas, não sendo prevista a

forma culposa”, ou seja, a lei exige a vontade de praticar as condutas sabendo o agente que

está exorbitando do poder. Em algumas figuras da lei, como as letras “c”, “d”, e “i” do

artigo 4º, o crime também se caracteriza pela conduta omissiva. Os ilícitos descritos no artigo

3º não admitem a tentativa.

Acrescentam os autores que nos crimes de abuso de autoridade o elemento

subjetivo do injusto deve ser apreciado com cuidado, merecendo punição somente as

hipóteses em que se constata que o agente agiu com o propósito de vingança, perseguição ou

capricho e não no interesse da defesa social.

Vale lembrar lição de Heleno Fragoso (2005, p. 1). Pondera que

o processo penal visa realizar a pretensão punitiva em face da ocorrência de um crime, mas visa também garantir o direito de liberdade, protegendo o cidadão contra a ação arbitrária da autoridade e assegurando amplamente ao suspeito e ao acusado o direito de defesa. Acrescenta que os direitos de liberdade são direitos humanos enquanto que o processo penal, em conseqüência, é instrumento de defesa de direitos humanos.

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158

6.6 O direito de não ser identificado criminalmente

A ocorrência de um crime gera para a polícia judiciária a necessidade de

realizar condutas investigatórias em busca de provas em torno do crime e principalmente da

autoria.

A indicação da autoria materializa-se por meio da formalização do

indiciamento, que pode ocorrer durante o inquérito policial ou no auto de prisão em flagrante.

É um ato do delegado de polícia e divide-se em: a) interrogatório do suspeito; b) qualificação;

c) relatório de vida pregressa e; d) identificação dactiloscópica por meio da impressão digital

– identificação criminal.

O indiciamento resulta de fortes indícios de haver o suspeito praticado o

crime. Está previsto no artigo 6º, incisos V, VIII e IX do CPP. A partir dele, aquele que até

então era apenas um suspeito passa a ter conhecimento de que contra si pode advir uma

denúncia.

Em virtude do indiciamento, o investigado será interrogado e qualificado. A

qualificação servirá como instrumento de informação para o oferecimento da denúncia, a

citação do réu e a qualificação no interrogatório em juízo.

De singular importância, a vida pregressa é utilizada principalmente pelo

juiz no momento da fixação da pena, para determinar o valor da fiança, nos termos do artigo

326 do Código de Processo Penal.

A identificação criminal, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (2004,

p. 251-254), serve para se estabelecer a identidade. Trata-se de um conjunto de dados e sinais

que caracterizam o indiciado.

A amputação e as marcas de ferro utilizadas no passado como método de

identificação foram substituídas pelo processo dactiloscópico. O método de identificação

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criminal por meio da impressão digital foi desenvolvido pelo Argentino D. Juam Vucetich e

adquiriu credibilidade e reconhecimento a partir do ano de 1892, sendo acolhido praticamente

por todos os países. O Brasil foi o primeiro país que oficialmente o adotou, por meio do

decreto nº. 4.764, de 05 de fevereiro de 1903.

Esgotados os meios de investigação em torno de um crime e existindo

provas da autoria, nos termos do inciso VIII do artigo 6º do CPP, cabe à autoridade policial

determinar a identificação do indiciado.

No Estado de São Paulo, as planilhas com a identificação pelo método

dactiloscópico são enviadas para a Capital, ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton

Daunt e à Prodesp, em cujos bancos de dados permanecem à disposição da Segurança Pública

e da Justiça Criminal com as informações do identificado (qualificação, apelido, marcas e

cicatriz), do crime, da data em que foi cometido, do local dos fatos e do número do inquérito

policial. Posteriormente são adicionados ao sistema Prodesp o resultado da ação penal ou o

arquivamento do inquérito policial.

Antes da Constituição de 1988, esclarece Luiz Gustavo Grandinetti

Castanho de Carvalho (2004, p. 164) que todo indiciado era identificado criminalmente por

meio da coleta de impressões digitais. A obrigatoriedade passou a encontrar resistência e a ser

interpretada por muitos como um verdadeiro constrangimento, por submeter o acusado ao

fornecimento das impressões digitais quando já existe a identificação civil, comprovada pela

carteira de identidade.

Sensível à necessidade de identificar todos os indiciados envolvidos na

prática de crimes, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula nº. 568 em sessão plenária

do dia 15/12/1976, afirmando que: “a identificação criminal não constitui constrangimento

ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.

A Carta de 1988 restringiu, no inciso LVIII do artigo 5º, a obrigatoriedade

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de identificar, ao dispor que “o civilmente identificado não será submetido a identificação

criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.

Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 242) afirma que a restrição veio para

impedir vexames e constrangimentos a que eram submetidas as pessoas investigadas.

O constituinte de 1988 permitiu, na segunda parte do referido inciso,

exceções à restrição, as quais foram estabelecidas em algumas leis:

a) o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069, de 13 de julho de

1990) prevê no artigo 109 a restrição à identificação compulsória aos adolescentes já

identificados civilmente, mas possibilita a identificação para efeito de confronto sempre que

houver dúvida fundada;

b) a Lei do Crime Organizado (Lei nº. 9.034, de 18 de maio de 1995) dispõe

no artigo 5º que “a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por

organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”;

c) a Lei nº. 10.054, de 7 de dezembro de 2000, regulamentou a necessidade

da identificação criminal sempre que as pessoas envolvidas em fatos criminosos, inclusive nas

infrações de menor potencial ofensivo, não forem civilmente identificadas.

A segunda parte do artigo 3º da Lei nº. 10.054/00 criou outras exceções à

Constituição Federal. Determinou no inciso I a obrigatoriedade da identificação criminal

quando o autor cometer os seguintes crimes a) de homicídio doloso; b) contra o patrimônio

praticados mediante violência ou grave ameaça; c) de receptação qualificada; d) contra a

liberdade sexual; e) de falsificação de documento público.

Outras exceções foram previstas no referido artigo. Se restarem dúvidas

sobre a identificação civil, deverá a autoridade policial promover à identificação criminal do

indiciado sempre que:

II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; III – o estado de conservação do documento ou a distância temporal da

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expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; IV – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V – houver registro de extravio do documento de identidade; VI – O indiciado ou acusado não comprovar, em 48 (quarenta e oito) horas, sua identificação civil.

A Lei nº. 10.054/00 trouxe uma inovação na parte final do artigo 1º, ao

acrescentar a necessidade de se juntar fotografia do indiciado, quando este for submetido à

identificação criminal.

Com relação aos crimes não previstos na lei, se estiver em ordem o

documento de identidade, nos termos do artigo 2º da lei retro mencionada, este documento

bastará para a formalização do indiciamento.

Scarance Fernandes (2004, p. 242), cuidadosamente, alerta para os perigos

que podem advir da proibição prevista no artigo 5º, inciso LVIII da C.F, no sentido de o

investigado se passar por outra pessoa e de se utilizar de documentos que lhe chegaram às

mãos por motivo de extravio ou furto, em burla à autoridade policial durante a fase de

investigação.

No entendimento de Fauzi Hassan Choukr (2001, p. 167-170), a

identificação criminal, como já ocorre na Itália, em Portugal e na Argentina, deveria ser

determinada pelo titular da ação penal.

6.7 O direito de ser indenizado pelo erro judiciário

Justificando a ordenação de funções do Estado, José Joaquim Gomes

Canotilho (1999, p. 246) argumenta que o princípio da separação como princípio positivo

assegura uma justa e adequada ordenação de funções do Estado e, conseqüentemente,

intervém como esquema relacional de competências, tarefas, funções e responsabilidade dos

órgãos do Estado. Nesta perspectiva, separação ou divisão de poderes significa

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responsabilidade pelo exercício de um poder.

O artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna vigente, ao assegurar que a lei

não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, fixou neste poder a

exclusividade na função jurisdicional.

Salienta Augusto do Amaral Dergint (1994, p. 43) que o cidadão lesado pela

atividade estatal possui o direito à indenização em caso de prejuízo, independentemente de

culpa dos agentes encarregados de gerar o serviço. Assevera que o serviço judiciário é uma

espécie do gênero serviço do Estado. E o juiz, na qualidade de operador deste serviço, é um

agente público que age em nome do Estado.

Alfredo Buzaid (1978, p. 15-36) afirma que o erro judiciário, “no direito

romano, pela Lei das XII Tábuas, redundava em pena de morte, enquanto no direito medieval

e nas Ordenações Portuguesas tinha como conseqüência uma pena de multa”.

A teoria da irresponsabilidade do Estado também teve o seu momento de

predominância, mas cedeu gradativamente espaço àquela que sustenta que pelos danos

causados pelos atos judiciais ao jurisdicionado deve responder o Estado, ainda que ausente a

culpa ou o dolo do magistrado.

O sistema jurídico brasileiro adota o regime da responsabilidade estatal

exclusiva por ato judicial. Apenas o Estado deve responder ao jurisdicionado prejudicado. No

entanto, tal fato não exclui a responsabilidade jurídica (pessoal) do juiz, na medida em que

ambas se relacionam. Por força da ação regressiva, o juiz deverá restituir ao Estado, na

medida de sua culpabilidade, a quantia que este houver pagado a título de indenização ao

particular prejudicado pelo ato judicial, seja ele comissivo ou omissivo.

No direito comparado encontra-se nos países de common law, como a Grã-

Bretanha, os Estados Unidos e Israel, o princípio da imunidade dos juízes e do Estado no que

toca à responsabilidade decorrente dos atos jurisdicionais, independentemente de serem

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culposos ou dolosos. Tais países consideram o princípio da imunidade fundamental para o

funcionamento da Justiça. Nesses países são raras as ações que conseguiram suplantar a

barreira da imunidade do Estado e dos juízes.

Diferentemente, Giovanni Ettore Nanni (1999, p. 183) retrata em sua obra

que na Espanha (VILAR, 2000, p. 467-468)23, em Portugal, na Itália, na França e na

Alemanha, o respeito não está direcionado à estrutura moral do Estado e do Poder Judiciário,

mas sim, à dignidade do ser humano como detentor não só de obrigações, mas de direitos.

De acordo com o pensamento da doutrina, da jurisprudência e da previsão

genérica do artigo 37, § 6º da nossa Constituição24, aquele que sofrer um dano injusto em

conseqüência de um comportamento, de um ato ou de uma decisão judicial praticada com

dolo ou culpa pelo magistrado pode agir contra o Estado para obter o ressarcimento dos

prejuízos patrimoniais decorrentes da privação da liberdade pessoal, restando ao Estado o

direito de regresso contra o juiz que deu causa ao evento danoso.

Ao prejudicado não se permite a busca da reparação através da ação direta

contra o magistrado que, por força de sua infeliz decisão, deu causa ao sofrimento

desnecessário de alguém.

David Alves Moreira (1996, p. 101) pondera que, independentemente do

preenchimento dos seus pressupostos legais, as medidas cautelares causam danos sempre que

aplicadas indevidamente, seja pelo posterior reconhecimento do erro ou pelo simples fato de

anteceder uma decisão final. Salienta Arnaldo Quirino (1999, p. 43-44) que o volume de

maior incidência de prisão ilegal ocorre nos casos de prisão cautelar, muitas vezes em razão

23 Assim dispõe o artigo 294.1-LOPJ: “Terão direito a indenização quem, depois de haver sofrido prisão preventiva são absolvidos por inexistência do fato imputado ou por esta mesma causa haja sido ditado auto de sobrestamento livre sempre que se haja ocorrido prejuízos”. 24 Artigo 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: Parágrafo Sexto – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Constituição da República Federativa do Brasil. 29º ed. 2002. Editora Saraiva. p. 37 e 40.

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de práticas arbitrárias devidas ao mau preparo de alguns agentes públicos ou à aferição

equivocada dos pressupostos que a fundamentam.

Arnaldo Quirino acrescenta que, se por um lado, se confere ao Estado o

poder de restringir a liberdade pessoal, não é menos verdade que esse poder não é absoluto e

que fica adstrito às regras fixadas pelo legislador. Essas regras limitadoras da atuação do

Estado, caso não respeitadas, seja por erro ou omissão, acarretam a este a obrigação de

indenizar o particular.

Oreste Nestor de Souza Laspro (2000, p. 171) realça que o dever de

ressarcir está condicionado à presença de três requisitos: qualidade de agente do autor no

exercício de atividade pública, existência de um dano injusto e existência de nexo de

causalidade. Por outro lado, pode ocorrer a excludente da responsabilidade pelo exercício da

atividade jurisdicional sempre que for comprovada a culpa da vítima, a força maior, o estado

de necessidade e a culpa de terceiros.

Luiz Antonio Soares Hentz (1996, 158–161) entende que nos casos de

prisão ilegal, quanto à obrigação de indenizar, não se aplicam as mencionadas excludentes. A

liberdade pessoal, sendo um direito personalíssimo, não pode ser vulnerada pelo Estado sem

motivo justo. A única ressalva é que, sendo constatada a concorrência de culpas,

eventualmente o valor da indenização pode ser reduzido na mesma proporção.

Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 852) pondera que o fato de o réu ter

confessado durante o processo ou ter escondido provas que o beneficiavam, não levaria a

prosperar o pedido de indenização para a reparação dos prejuízos sofridos, pois, na verdade,

os atos do acusado deram causa à convicção errônea do juiz do processo.

Arnaldo Quirino (1999, p. 59-63) acredita que a existência de dano contra o

direito à liberdade pessoal é um dos elementos necessários para a caracterização da

responsabilidade civil do Estado e é presumida a indenização por danos morais em relação à

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prisão ilegal. A avaliação do dano moral deve revestir-se de caráter compensatório, pelo mal

sofrido com a ponderação de outros fatores, como a gravidade do dano e a situação familiar e

social do lesado. Em se tratando de prisão ilegal deverá ser avaliado o prejuízo efetivo pelo

lesado, conforme a realidade do caso concreto.

6.8 A inviolabilidade do domicílio e a prisão em flagrante

O legislador constituinte sempre considerou a inviolabilidade do domicílio

um direito fundamental do ser humano. Nele alguém somente poderá adentrar com a

autorização do morador. Como se constata do estudo comparativo das Constituições do Brasil

elaborado por Hilton Lobo e Adriano Campanhole (1999, p. 1)25, somente a Carta vigente

consignou de forma clara a invasão do domicílio nos casos de flagrante delito.

Casa é qualquer local fechado, não aberto ao público, destinado para o

trabalho ou para a moradia de alguém. A proteção, segundo Guilherme de Souza Nucci (2003.

p. 473), estende-se a qualquer habitação, seja de caráter eventual ou precário, como uma

barraca de campista, um barraco de favela, ou qualquer construção habitada.

O artigo 150 § 4º do Código Penal, assim define: 25 Constituição de 1824, artigo 179, inciso VII “Todo cidadão tem em sua casa um asylo inviolável. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar” p. 832; 2 – Constituição de 1891, artigo 72, parágrafo 11 “A casa é o asylo inviolável do individuo; ninguém póde ahi penetrar, de noite, sem consentimento do morador, sinão para acudir a victimas de crimes, ou desastres, nem de dia sinão nos casos e pela fórma prescriptos na lei” p. 769; 3 – Constituição de 1934, artigo 113, inciso 16 “A casa é o asylo inviolavel do individuo. Nella ninguém poderá penetrar, de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir a victimas de crime ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela fórma prescriptos na lei” p. 717; 4 – Constituição de 1937, artigo 122, inciso 6 “A inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei”; p. 619; 5 – Constituição de 1946, artigo 141, parágrafo 15 “A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém poderá nela penetrar à noite, sem consentimento do morador, a não ser para acudir a vítimas de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer” p. 510; 6 – Constituição de 1967, artigo 150, parágrafo 10 “ A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer” p. 430; 7 – Emenda Constitucional 01/69, artigo 153, parágrafo 10 “A casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que lei estabelecer” p. 316. 8 – Constituição de 1988, artigo 5º, inciso XI “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” p. 16.

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166

A expressão “casa” compreende: I – qualquer compartimento habitado; II – aposento ocupado de habitação coletiva; III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

A casa, enquanto local de moradia, estância do nosso bem-estar, lazer e

descanso, jamais pode ser penetrada ou invadida sem uma autorização judicial ou do próprio

morador. Entretanto, quando se trata de local utilizado para abrigar e sustentar o crime, o

resguardo cede lugar à ação coativa do Estado.

Conforme previsão constitucional (art. 5o, XI), durante o dia ou à noite,

independentemente da autorização judicial ou mesmo do morador, os agentes da segurança

pública deverão ingressar e prender o autor do crime em flagrante. Na ausência do morador

responsável, consciente de que o fato criminoso está ocorrendo, serão suficientes as

testemunhas do ingresso no domicílio para assegurar a transparência da conduta policial,

devendo elas a tudo acompanhar.

Durante a noite, ocorrendo a fuga de um dos autores do crime para uma

determinada casa, se o morador se negar a entregar o criminoso fugitivo, defende Magalhães

de Noronha (1999, p. 196) que a casa deverá ser cautelosamente cercada e, no amanhecer do

dia e na presença de testemunhas, a invasão deverá ocorrer com ou sem a permissão do

morador. Nesse sentido José Frederico Marques (2000, p. 38) acrescenta que o morador

recalcitrante deverá responder criminalmente por sua conduta.

A discussão sobre o início da noite ou o findar do dia para a prisão em

flagrante não é preponderante, isto porque, como exposto, desde que cumpridos os requisitos

legais o ingresso na casa alheia poderá ocorrer em qualquer dia e horário para prender quem

está cometendo um crime.

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167

6.9 O controle jurisdicional da prisão em flagrante

6.9.1 Relaxamento da prisão

O relaxamento da prisão é o ato decisório da autoridade embasado na

ausência de provas convincentes que possam sustentar a privação da liberdade daquele que

fora apresentado como autor de um crime ou na existência de irregularidades detectadas na

documentação da autuação da prisão em flagrante, como por exemplo o descumprimento das

formalidades legais. Portanto, trata-se de ato que poderá ser determinado pela autoridade

policial e pela autoridade judiciária.

6.9.1.1 Relaxamento da prisão por ato da autoridade policial

Embora pareça estranho, pode a autoridade competente pela lavratura do

auto de prisão em flagrante, ao final deste, relaxar a medida constritiva do autuado.

O artigo 304, § 1º dispõe que “Resultando das respostas fundada suspeita

contra o conduzido a autoridade mandará recolhê-lo à prisão...” (grifo nosso).

Pode acontecer de as entrevistas iniciais com o condutor, testemunhas,

vítima e conduzido apresentarem versões conflitantes. A última exagera em seu relato. O

condutor e as testemunhas confundem-se.

Ainda, as testemunhas, ao serem questionadas formalmente durante a

lavratura do auto de prisão em flagrante, ao perceberem que não se trata de mero registro de

uma ocorrência na qual prestariam explicações verbais e que seus atos e conseqüências terão

maior grau de seriedade e relevância, alteram a versão relatada aos agentes de segurança

pública.

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Atenta aos princípios da razoabilidade e da insignificância, deve a

autoridade competente não ratificar a voz de prisão emanada pelo condutor-agente da

segurança pública e, por meio de despacho fundamentado, relaxar a prisão do autuado e

apurar os fatos por meio de inquérito policial, figurando o auto de prisão em flagrante como

peça inaugural do inquérito.

O recolhimento do conduzido à prisão, conforme se infere da previsão do §

1º do artigo 304 e do escólio de Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 151), está

condicionado à fundada suspeita extraída dos depoimentos do condutor, das testemunhas e do

interrogatório do conduzido. Esse também é o pensamento de Walter P. Acosta (1975, p. 44):

a autoridade que presidiu o flagrante goza da excepcional faculdade de deixar em liberdade o acusado, depois de lavrado o auto, se não tiver resultado, das respostas, uma fundada suspeita contra o mesmo.

Para Jaques de Camargo Penteado (1997, p. 234)26, “diante da falta de

provas ou dúvidas com relação à autoria o relaxamento da prisão ilegal é o verdadeiro

exercício constitucional do Estado Democrático de Direito”.

Hélio Tornaghi (1995, p. 65-66)27 pondera que o fato de alguém ser preso

não significa que necessariamente deva ser recolhido à prisão, pois, se das declarações do

condutor, do conduzido e das testemunhas a autoridade não inferir fundada suspeita contra o

conduzido, deverá relaxar a prisão.

Heráclito Antônio Mossin sustenta que o relaxamento da prisão pela

26 Eduardo Espínola Filho (2000, p. 423) ao comentar sobre o tema, discorre: “pode suceder que não haja uma infração punível, ou que dessa infração, segundo os esclarecimentos idôneos e sem discussão das testemunhas, não seja o autor o preso; então, a autoridade policial não deve manter uma prisão, que não se justifica, e soltará o autuado, remetendo imediatamente o instrumento da autuação em flagrante ao juiz, para apreciação, salvo se achar mais prudentemente deixar também a determinação da soltura ao magistrado, a quem submeterá o caso, incontinente”. 27 Valdir Sznick (1995, p. 419), comenta sobre o relaxamento da prisão: “Se do auto – ou seja dos depoimentos e das provas colhidas – resultar “fundada suspeita” contra o conduzido (artigo 304, § 1°) a autoridade, o delegado de polícia, mandará recolhe-lo à prisão; se, por outro lado, ficar provado que este nada tem a ver com o crime, a autoridade mandará soltá-lo consignando tal fato, no auto de flagrante”.

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169

autoridade não deve ser confundido com a situação delitiva em que o autuado se livra solto ou

obtém a liberdade provisória mediante o pagamento da fiança. Além disso, a decisão pelo

relaxamento independe da gravidade do eventual crime imputado ao autuado; seja ele um

crime comum ou mesmo um crime hediondo, deve sim prevalecer a convicção extraída das

provas.

Embora não reste a prisão, pode parecer desnecessária a comunicação ao

juiz criminal daquilo que foi consignado e decidido nos autos da prisão em flagrante, uma vez

que o conduzido não ficou à disposição da Justiça. No entanto, pode ser outra a interpretação

do juiz e do representante do Ministério Público. Poderão vislumbrar a existência dos motivos

justificadores da prisão preventiva previstos no artigo 312 do CPP, o que levaria o autuado,

até então liberto, à prisão que poderia ser decretada de ofício pela autoridade judiciária ou a

requerimento do representante do Ministério Público.

6.9.1.2 Relaxamento da prisão por ato da autoridade judiciária

Formalizada a prisão em flagrante, recebendo o juiz criminal a

comunicação, pela documentação da autuação, de que existe à sua disposição um autuado

preso em uma unidade prisional do Estado, ou posto em liberdade provisória – em razão de

ser o crime punido apenas com detenção e portanto afiançável –, deve o juiz proceder a

criterioso exame dos documentos que informam a ocorrência de um fato em tese criminoso e

de sua autoria. Este exame não traduz apenas a análise das provas que sustentaram a

convicção da autoridade policial, mais do que isso, representa o exercício do controle

jurisdicional sobre todos os aspectos que envolvem as formalidades legais do único ato

previsto no ordenamento jurídico brasileiro que permite a prisão provisória de alguém pelas

mãos de autoridade desprovida do poder jurisdicional.

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O relaxamento da prisão pelo juiz competente não deve ser confundido com

o instituto da liberdade provisória, embora, como ensina Euclides Ferreira da Silva Júnior

(1997, p. 167), as duas situações levem ao mesmo fim, o de responder ao processo em

liberdade.

Acrescenta o autor que o relaxamento da prisão pela autoridade judiciária

deve ser decretado quando for constatado vício de natureza formal no auto de prisão em

flagrante, ou seja, uma irregularidade como a não obediência aos critérios estabelecidos no

artigo 304 do CPP. De outra forma, o relaxamento da prisão poderá ocorrer quando o vício

for de natureza material. Este vício caracteriza-se quando a prisão em flagrante for realizada

fora dos casos previstos nos incisos do artigo 302 do CPP. (SILVA JUNIOR, 2000, p. 54).

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio

Scarance Fernandes (1997, p. 287) ponderam que:

ao juiz, cabe em primeiro lugar, ao receber a comunicação, verificar se o auto de prisão efetivamente noticia a prática de infração penal, se ocorre uma das situações legais que autorizam o flagrante (art. 302, CPP) e, por último, se foram atendidas as prescrições formais que legitimam a prisão; caso contrário, é de ser reconhecida a nulidade do ato, com o conseqüente relaxamento da medida de restrição da liberdade.

O relaxamento do flagrante, segundo Thereza Nascimento Rocha Dóro

(2002, p. 57), deve estar relacionado à violação de aspecto formal do ato, pouco importando a

inocência ou não do preso, restando ao juiz, conforme o caso concreto, se entender que houve

falha na formalidade exigida, relaxar a prisão e na seqüência decretar, no mesmo despacho, a

prisão preventiva, impossibilitando a libertação do agente. No mesmo sentido Hidejalma

Muccio (2000, p. 395)28 aduz que “havendo relaxamento do flagrante por vicio formal, nada

impede, presentes os pressupostos e ao menos uma das circunstâncias autorizadoras, seja a

28 No mesmo sentido é a lição de José Frederico Marques (1997, p. 85): “o juiz pode entender insubsistente a prisão em flagrante por nulidade do auto que a formaliza, ou da própria captura e custódia do acusado. Em qualquer uma dessas hipóteses, a prisão em flagrante será relaxada e o réu, posto em liberdade. Também pode o juiz anular a prisão em flagrante e decretar a prisão preventiva do acusado, com o que mudarão a razão de ser e o fundamento da custódia em que este deve ser mantido”.

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preventiva decretada”29.

O relaxamento da prisão ilegal, nos dizeres de Arnaldo Quirino (1999, p.

67): “é uma garantia constitucional deferida ao cidadão vítima de abusos, ilegalidades ou

arbitrariedades restritivas de seu direito de locomoção”. Acrescenta que se trata de “princípio

de ordem pública e que o juiz deve conhecer de ofício”.

Caracterizado o vício motivador do relaxamento da prisão, a documentação

da autuação da prisão em flagrante não perde o valor investigatório. Mesmo com

irregularidades, segundo Jeferson Moreira de Carvalho (1999, p. 53)30, o auto de prisão em

flagrante tem algum valor probatório e pode valer como peça informativa.

Questão que não pode ficar à margem dessa exposição é o entendimento

isolado de Hélio Tornaghi (1995, p. 47) que considera o relaxamento da prisão pelo Juiz

Criminal como um verdadeiro habeas corpus de ofício, restando como conseqüência a

comunicação da decisão ao Tribunal de Justiça, em obediência ao inciso I do artigo 574 do

CPP.

29 A doutrina é unânime no sentido de ser declarado o relaxamento da prisão, pela autoridade judiciária, sempre que não forem concedidos ao autuado no momento da lavratura os direitos garantidos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, ou não foram observadas as formalidades exigidas, tais como: a) ilegalidade da prisão (art. 5° LXV), ocorre quando a autoridade policial insistiu em ratificar a voz de prisão e manter preso o autuado, diante de um fato claramente atípico ou por ter sido praticado, mas fora das condições previstas no artigo 302 do CPP ou mesmo, quando as provas amealhadas demonstram insuficientes para a manutenção da prisão, assim como ocorrerá a ilegalidade, a falta de comunicação ao juiz competente ou por ter sido a prisão comunicada tardiamente e ainda, prisão em flagrante quando o suspeito se apresenta espontaneamente; b) não concessão de liberdade provisória mediante o pagamento da fiança, quando a lei permite (art. 5°, LXVI), nos crimes punidos com detenção, preenchidos os requisitos para concessão, por capricho da autoridade policial não arbitra a fiança, submetendo o autuado ao constrangimento do cárcere; c) ato presidido por autoridade incompetente, ou ainda lavrado por alguém que não possui competência para o exercício da função de Escrivão, ficando constatado a ausência do compromisso formal. Autoridade policial no gozo de suas férias ou de licença prêmio está impedido de presidir o flagrante, assim como a autoridade policial federal não pode presidir o flagrante nos crimes que fogem a sua competência; d) falta de compromisso nos depoimentos das testemunhas e do condutor; e) informação ao conduzido do direito de permanecer calado sobre os fatos que o envolvem, comunicar a família, presença do seu advogado, indícios de ter sido forçado mediante agressão física ou moral a confessar autoria do crime contra a sua vontade; f) ausência de testemunhas ainda que instrumentárias ou quando presentes, constatado a ausência de suas assinaturas na documentação da autuação da prisão; g) auto lavrado após ter transcorrido 24 horas de sua prisão, ou realizado dentro do prazo, deixar a autoridade policial de entregar ao autuado a nota de culpa, ou ainda quando entregue, não estar o documento preenchido nos termos da lei; h) constatação de que o que o autuado encontra-se preso, sem contudo ter o juiz criminal recebido a comunicação; i) encaminhamento os autos da prisão em flagrante após o decêndio previsto no artigo 10 do CPP. 30José Frederico Marques (1997, p. 83) em sua doutrina atesta que “o auto de prisão em flagrante deve estar escoimado de irregularidades e defeitos substanciais, sob pena de ser nulo e írrito, motivando, em conseqüência, o relaxamento da prisão, embora possa valer como peça informativa da investigação”.

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Em sentido contrário, Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 548–549)

pondera que o relaxamento da prisão em face do reconhecimento da ilegalidade da medida

constritiva não deve ser confundido com o habeas corpus de ofício. Afirma que a

comunicação da prisão pela autoridade policial transfere a responsabilidade para o Juiz

Criminal, para que este, com o preso à sua disposição e com a constatação da ilegalidade da

prisão, decrete o relaxamento sem que tal providência implique concessão de habeas corpus,

pois não poderia conceder aquele remédio contra si próprio.

6.9.2 O direito à fiança e à liberdade provisória.

Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 303) pondera que a “liberdade provisória do

acusado é uma garantia constitucional a proteger o seu status libertatis. Em termos práticos,

ela se traduz na faculdade de o acusado permanecer solto durante o transcurso do seu

julgamento”.

Nos dizeres de Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 308-309) “é a

liberdade concedida àquele que esteve preso, como ao recolhido em virtude de prisão em

flagrante [...]”. Traz à colação o instituto da liberdade provisória em Portugal e na Itália.

Dispõe que o princípio da legalidade está diretamente relacionado a esse instituto, uma vez

que afeta o poder discricionário do juiz e impõe como direito subjetivo a liberdade provisória

sempre que o réu preencher os requisitos legais.

Para Arnaldo Quirino (1999, p. 76) a expressão liberdade provisória,

mencionada na Constituição Federal, deveria ser abolida, justamente porque, apesar de ser

instaurado o processo penal, não se pode antever condenação à pena de prisão.

O instituto da liberdade provisória é o direito previsto na Constituição

Federal, artigo 5º, inciso LXVI e no Código de Processo Penal, artigos 310, 321 a 350.

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Possibilita o retorno ao convívio social daqueles que perderam a liberdade em razão de terem

sido surpreendidos em situação de flagrância de fato em tese típico.

Assim como nem todo fato típico leva o autor à privação da liberdade

quando surpreendido em flagrante delito, também o benefício da liberdade provisória não

está afeto a todos os indiciados em fatos criminosos. Há aqueles que não podem ser presos.

Prescreve o artigo 309 do CPP que “se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade,

depois de lavrado o auto de prisão em flagrante”. Nos termos do artigo 69 da Lei nº.

9.099/95, em relação aos crimes considerados de menor potencial ofensivo, o agente, apesar

de ser pilhado na prática do delito, não será preso se assumir o compromisso de comparecer

ao Juizado.

O artigo 5º, inciso LXVI, prevê que: “ninguém será levado à prisão ou nela

mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança”. Apesar da

imposição da norma constitucional, para fazer jus ao benefício, é preciso que o fato

criminoso e seu autor satisfaçam alguns requisitos.

À exceção da Carta de 1937, todas, inclusive a de 1821, previam os

institutos da fiança e da liberdade provisória.

A fiança, conforme preleciona Vicente Greco (1997, p. 285)31, “é o

depósito em dinheiro ou valores feito pelo acusado ou em seu nome para liberá-lo da prisão,

nos casos previstos em lei, com a finalidade de compeli-lo ao cumprimento do dever de

comparecer e permanecer vinculado ao distrito da culpa”.

Em outras palavras, é a substituição da prisão pela liberdade garantida após

depósito de determinado valor que obriga o réu ao cumprimento das obrigações processuais.

Conforme dispõe o Código de Processo Penal, a fiança poderá ser

31Antonio Scarance Fernandes (1995, p. 314) afirma que “a liberdade com fiança tem, portanto, natureza cautelar”. Figura ela em uma escala de possíveis medidas cautelares que substituem a prisão em flagrante por uma liberdade vinculada. Impõem-se, na fiança, ao réu, para que fique ou permaneça livre, o pagamento de determinada importância em dinheiro e outros ônus processuais.

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concedida pela autoridade policial, nos termos do artigo 322 - crimes punidos com detenção e

também pela autoridade judiciária – e nos termos do parágrafo único – crimes punidos com

detenção e reclusão.

6.9.3 A liberdade provisória concedida pela autoridade policial

Por tratar o processo penal de questões indisponíveis, o normal seria

restringir somente a autoridades detentoras do poder jurisdicional a decisão sobre a

manutenção da prisão ou sobre a concessão da liberdade do réu antes da sentença penal

condenatória.

No entanto, o legislador de 1941 possibilitou às autoridades policiais

promoverem a liberdade provisória vinculada ao pagamento da fiança nos crimes punidos

com detenção e prisão simples em que a pena máxima não fosse superior a três meses. Essa é

a previsão do artigo 322 do CPP vigente.

Apresentados o fato e as partes envolvidas, convicta a autoridade policial do

estado de flagrância e de que a conduta do conduzido tenha infringido um dos artigos do

Código Penal ou de legislação complementar que preveja uma pena de detenção ou de prisão

simples, deverá arbitrar a fiança, de forma a possibilitar ao autuado responder ao processo

criminal em liberdade.

Para que o acusado possa obter efetivamente a liberdade provisória logo

após a conclusão do auto de prisão em flagrante, não basta ser o crime punido com detenção e

ele ter disponível a importância referente ao valor arbitrado pela autoridade policial.

Conforme dispõem os incisos III e IV do artigo 323, é imprescindível que o autuado não seja

reincidente em crime doloso ou vadio.

Preenchidos os requisitos legais, em face da previsão constitucional do

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artigo 5º, inciso LXVI, que dispõe que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido,

quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”, a autoridade policial não tem

o alvedrio de arbitrar a fiança, mas sim estará obrigada a fazê-lo. A motivação de se proceder

ao relaxamento da prisão ou de manter a privação da liberdade e de conceder ou não a

liberdade provisória mediante o pagamento da fiança estipulada sempre deve ser consignada

na fundamentação de conclusão da autuação do flagrante, para que o juiz e o representante do

Ministério Público conheçam os motivos das decisões tomadas pela autoridade policial.

A prisão em flagrante, consoante Valdir Sznick (1995, p. 394), “só deverá

ser mantida quando necessário, para a instrução do processo”. Se o juiz tem o dever de

conceder a fiança e promover a liberdade provisória do réu quando cabível, essa regra não

poderia ser facultativa à autoridade policial nos crimes punidos com detenção, cuja não

concessão deverá evidentemente ser justificada na própria documentação do auto de prisão

em flagrante.

Caso a autoridade policial não arbitre fiança, nem o juiz decrete a liberdade

provisória de ofício, no momento da comunicação da prisão, o acusado poderá requerer ao

juiz a fixação do valor da fiança no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, mesmo pendente

inquérito policial. Sem prejuízo, ante a recusa ou a demora da autoridade policial para a

concessão da fiança, é cabível ainda o habeas corpus nos termos do artigo 648, inciso V do

CPP.

Vicente Greco (1997, p. 286), dispõe que “a não-concessão da fiança nos

casos em que a lei a autoriza enseja, ainda, a impetração de habeas corpus”.

A prisão simples e os crimes de detenção cuja pena máxima em abstrato seja

inferior ou igual a dois anos, por terem sido considerados crimes de menor potencial ofensivo

pelas Leis nº.s 9.099/95 e 10.259/1 – Juizado Especial Criminal –, tornaram a prisão em

flagrante desnecessária sempre que o autor aceitar o compromisso de comparecer em juízo

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quando notificado.

O benefício de responder pelo crime em liberdade, segundo Ada Pellegrini

Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes (1995, p. 101)32,

mesmo no caso de flagrante, é o incentivo que a lei oferece para o comparecimento do

autuado ao Juizado.

Gianpaolo Poggio Smanio (2000, p. 72) acrescenta que por força da

previsão do artigo 325, § 2º, inciso I do CPP, a autoridade policial estará impedida de arbitrar

a fiança e de conceder a liberdade provisória após a conclusão da autuação, mesmo que o

indiciado faça jus ao benefício. O artigo faz referência à prisão em flagrante nos crimes

praticados contra a economia popular e de sonegação fiscal e impõe que somente o juiz

poderá conceder a liberdade provisória.

Preenchidos os requisitos legais e merecendo o autuado o benefício da

liberdade provisória, o valor da fiança a ser arbitrado obedecerá à regra prevista no artigo 325

do CPP. No Estado de São Paulo, por meio do DAP (Departamento de Administração e

Planejamento da Delegacia Geral de Polícia) os valores da fiança são atualizados

mensalmente através de mensagem informativa.

A decisão da autoridade policial de conceder ao indiciado nos crimes

punidos com detenção a liberdade provisória mesmo diante do pagamento da fiança deve ser

comunicada ao juiz criminal. O juiz poderá: a) ratificar, se entender correta a conduta da

autoridade policial; b) revogar, por não concordar com o entendimento daquela autoridade; c)

declinar-se pelo reforço do valor da fiança, uma vez que houve um equívoco da autoridade

policial na definição específica do valor arbitrado; ou d) entender que houve um exagero no

valor cobrado e determinar sua redução.

Arbitrada a fiança, após a conclusão do auto de prisão em flagrante pela

32Nesse sentido Júlio Fabbrini Mirabete (2002, p. 95-96). Juizados Especiais Criminais.

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autoridade policial, exige-se o cumprimento de alguns requisitos, tais como: a) o registro do

valor arbitrado, do nome do indiciado e da infringência penal em livro próprio; b) o depósito

do valor da fiança em agência bancária, em conta específica indicada pela Vara Criminal, com

indicação do CPF do indiciado ou do terceiro que disponibilizou o valor e anexação das

cópias do recibo no referido livro e nos autos da investigação que se prossegue – inquérito

policial; c) a expedição de alvará de soltura, cuja cópia deve ser juntada no ofício de

comunicação ao juiz e no inquérito policial.

6.9.4 A liberdade provisória concedida pela autoridade judiciária

Após encerramento do auto de prisão em flagrante, se persistir a

necessidade do cerceamento da liberdade e for incabível a fiança, o autuado deverá ser

apresentado a uma unidade prisional.

A comunicação do flagrante, informando que o preso se encontra à

disposição da Justiça, leva o juiz ao necessário exame de prelibação e à tomada das seguintes

providências: a) relaxamento da prisão em face da ilegalidade ou arbitrariedade constatada na

documentação da prisão, podendo, se for o caso, de ofício decretar a prisão preventiva; b)

concessão da liberdade provisória com ou sem o arbitramento da fiança, desde que

preenchidos os requisitos legais; c) ratificação da prisão, devendo para tanto decretar de ofício

a prisão preventiva.

Scarance Fernandes (Idem, p. 312) pondera que “a regra deve ser a de que o

réu presumido inocente, fique em liberdade durante o processo, só se admitindo a prisão em

situações excepcionais”.

A previsão do inciso LXVI do artigo 5º da nossa Constituição, estabelece o

princípio da legalidade para o instituto da liberdade provisória. Weber Martins Batista (1981,

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p. 95), ao comentar sobre a importância do texto constitucional, assevera que a previsão

constitucional “fixou um verdadeiro direito subjetivo à fiança que refoge do âmbito da

discricionariedade do juiz”.

Assim, o verbo “poderá”, fixado pelo legislador e utilizado nos diversos

artigos do Código de Processo Penal referentes ao instituto da fiança e da liberdade provisória

deve ser interpretado como “deverá”, porque o juiz criminal, sempre que possível, deve

conceder a liberdade provisória independentemente do pagamento da fiança.

As modificações introduzidas pelas Leis nº.s 5.941/73 e 6.416/77

possibilitaram um verdadeiro avanço, ao afastarem obstáculos à concessão da liberdade

provisória sem o arbitramento da fiança.

Com relação às alterações previstas na Lei nº. 5.941/73, Roberto Delmanto

Júnior (2001, p. 134), remete a Evandro Lins e Silva, com a explicação de que “agora, a regra

geral é o réu primário e de bons antecedentes defender-se em liberdade, independentemente

de fiança, pouco importando que o crime seja punido com pena de detenção ou de reclusão”.

Por outro lado, a Lei nº. 6.416/77 acrescentou o parágrafo único ao artigo

310 do CPP, assim dispondo:

Artigo 310: Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do artigo 19, I, II e III, do Código Penal (atualmente 23, I, II e III), poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).

Essas alterações no Código permitiram a concessão da liberdade provisória

após manifestação do Ministério Público em qualquer infração, sem a necessidade de

prestação de fiança.

No entanto, Scarance Fernandes registra algumas exceções a essa liberdade

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do magistrado, dispondo que:

são inafiançáveis os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Lei nº. 7.716/89); a ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; a prática de tortura; o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; o terrorismo e os crimes hediondos (Lei nº. 8.072/90), bem como a previsão da Lei nº. 8.035/90 que cuida dos crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal.

Nos dizeres de Vicente Greco (1997, p. 281-282)33, a previsão do parágrafo

único do artigo 310 do Código de Processo Penal

leva o juiz a elaborar um raciocínio hipotético a contrario sensu. Formula a pergunta: se o acusado estivesse solto, seria o caso de decretação da prisão preventiva? Se a resposta é positiva, porque a prisão é necessária à ordem pública, instrução criminal ou garantia da aplicação da pena, o flagrante se mantém; se a resposta é negativa, porque inexiste qualquer um desses motivos, a prisão será relaxada,

ou melhor dizendo, será concedida a liberdade provisória.

Com referência a previsão do artigo 310, “caput” do CPP, em que pese a

existência de entendimento contrário, não se estende à autoridade policial a faculdade de

conceder a liberdade provisória após a conclusão do auto de prisão em flagrante, no qual as

provas amealhadas venham a demonstrar que o crime ocorrera com base em algumas das

justificativas previstas no artigo 23 do Código Penal. Nesse sentido, Eduardo Espínola Filho

(2000, p. 426) esclarece que a autoridade atuante, diante da ocorrência de uma causa

excludente de criminalidade, tem o dever de provocar a imediata apreciação do caso pelo juiz

competente. 33 Nesse sentido, Antonio Scarance Fernandes (1997, p. 292): “o legislador preocupou-se, no texto constitucional (artigo 5º, inciso LXII), em que houvesse rápida comunicação ao juiz de direito sobre a prisão em flagrante. Permite-se apenas que a pessoa fique recolhida, sem o controle judicial sobre a necessidade da custódia, por tempo muito curto, breve, ficando o juiz incumbido de verificar, pela cópia do auto de prisão em flagrante, se a prisão naquele caso, deve permanecer. Caso entenda que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva, deve conceder liberdade provisória nos termos do artigo 310, § único do CPP”. João Gualberto Garcez Ramos (1998, p. 399) descreve que "o parágrafo único do artigo 310 do CPP, redação da Lei nº. 6.416/77, modificou por completo a sistemática legal referente a prisão em flagrante. Para a mantença desta medida de cautela, não basta mais que haja um auto de prisão em flagrante revestido de todas as formalidades legais e que retrate uma das hipóteses de flagrância, ou quase-flagrância, especificada no ordenamento procedimental. É mister também que o juiz verifique a ocorrência de qualquer das hipóteses justificadoras da prisão preventiva. Se nenhuma dessas hipóteses se mostra pertinente, a prisão em flagrante não é mais necessária e ao detido deve ser concedido liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo”.

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Referindo-se ao “caput” do artigo 310 do CPP, Rogério Lauria Tucci (1980,

p. 231)34 anota que

o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante, já com o preso, obviamente, à sua disposição, poderá, após ouvir o Ministério Público, conceder a liberdade provisória ao autuado, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação, ao verificar que o agente praticou o fato nas condições dos artigos 23, inciso I, II e III do Código Penal.

Alguns autores, dentre eles Valdir Sznick (1995, p.393), passaram a

defender que a liberdade provisória nos termos do “caput” do artigo 310 do CPP poderia ser

estendida para outras situações, como a coação irresistível, a obediência à ordem do superior

hierárquico e a embriaguez fortuita, desde que comprovada. Para Gianpaolo Poggio Smanio

(2000, p. 69-70), os crimes de aborto necessário e resultante de estupro, previstos no artigo

128, incisos I e II do Código Penal, deveriam merecer o mesmo tratamento. Pelas mesmas

razões, José Frederico Marques (1997, p. 86) acredita que o benefício poderia estender-se,

igualmente, a alguns casos de dirimentes como as previstas no artigo 20, §§ 1º e 2º, do Código

Penal, que tratam do erro sobre elemento do tipo (§ 1º, discriminantes putativas e § 2º, erro

determinado por terceiro).

Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 311) ensina que “no direito

brasileiro, exige-se prévia manifestação do Ministério Público para a liberdade provisória sem

fiança (art. 310 do CPP) e não para a vinculada à fiança, tanto assim que pode ser concedida

até por autoridade policial na fase do inquérito policial”.

Portanto, encontram-se em nosso ordenamento jurídico a liberdade

provisória vinculada e não vinculada. Liberdade vinculada é aquela que substitui a prisão pela

liberdade, mas vincula o acusado a uma obrigatoriedade processual.

Scarance Fernandes (Idem, p. 308) pondera que essa modalidade de

liberdade retrata “a situação do réu que está livre mas se encontra vinculado ao processo 34 Nesse sentido. Euclides Ferreira da Silva Júnior (1997, p. 166). Curso de Direito Processual Penal. Assim também ensina: Edgard de Magalhães Noronha (1973, p. 159). Curso de Direito Processual Penal.

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através da sujeição a ônus, de maior ou menor gravidade, que se descumpridos, podem fazer

cessar o estado de liberdade, vindo a ser determinada a prisão”.

Assim, o preso em flagrante delito pela prática de crime punido com

reclusão, preenchidos os requisitos legais, obtém a liberdade provisória (conforme previsão

dos artigos 327 e 328 do CPP) e compromete-se sob pena de ser revogado o benefício a: a)

comparecer perante a autoridade todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da

instrução criminal e para o julgamento; b) comunicar previamente ao juiz o interesse em

mudar o seu endereço; c) comunicar antecipadamente ao juiz a necessidade de ausentar-se por

mais de oito dias, informando no ensejo o local onde poderá ser encontrado.

Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 533), ao discorrer sobre a previsão do

artigo 328, considera exageradas as condições estabelecidas, principalmente no que diz

respeito à necessidade de permissão prévia para mudar de endereço, quando o mais

importante é, na verdade, saber onde encontrar o réu.

Quanto à liberdade provisória não vinculada, está inserida no artigo 321,

incisos I e II do CPP, que trata da ausência de prisão para determinados crimes ou nos quais a

pena máxima não for superior a três meses. Nos termos do artigo 408, § 2º do CPP, estende-se

o benefício ao o réu que for primário e de bons antecedentes.

Scarance Fernandes (2000, p. 310-311) registra a existência de uma

graduação das medidas cautelares substitutivas da prisão em flagrante, em nosso Código de

Processo Penal, qual seja a) liberdade provisória sem vínculos, prevista no artigo 321; b)

liberdade provisória sem fiança, com o vínculo de comparecimento a todos os atos do

processo, nos termos do artigo 310 e parágrafo único; c) liberdade provisória sem fiança, com

os vínculos de comparecimento aos atos do inquérito e da instrução criminal (artigo 327) e de

não mudança de residência sem prévia permissão da autoridade processante, ou de ausência

por mais de 8 (oito) dias da residência, sem comunicação do local em que poderá ser

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encontrado (artigo 328), fixada no artigo 350 do CPP; d) liberdade provisória com fiança e

vinculada às obrigações previstas nos artigos 327 e 328. Enfatiza o autor que o último degrau

está reservado para a manutenção da prisão provisória, porque estão presentes os requisitos da

preventiva.

É preciso considerar que, embora o resultado de liberdade do indiciado

preso em flagrante seja o mesmo, não há que se confundir o relaxamento da prisão com a

concessão do benefício da liberdade provisória vinculada. Enquanto no relaxamento da prisão

pelo juiz fica o indiciado desvinculado de qualquer obrigação processual, conforme previsão

dos artigos 327 e 328 do CPP, o mesmo privilégio não é estendido para a liberdade provisória

vinculada.

6.9.5 A conversão judicial da prisão em flagrante em prisão preventiva

A autuação da prisão em flagrante do conduzido que foi surpreendido

cometendo um crime é medida administrativa que favorece à acusação e à convicção do

magistrado, porém a manutenção do autuado na prisão é medida de cunho jurisdicional. Pelo

juiz, deve ser avaliada a real necessidade da segregação, com base nas condições do crime e

nos seus motivos, bem como em circunstâncias relativas ao autor, a sua reputação, a sua

personalidade, os seus antecedentes, a sua conduta em face do processo.

Nos dias atuais, considerando a forte influência que têm exercido os

princípios que fortalecem e sustentam o devido processo legal, a prisão em flagrante não

pode ser considerada como um fim em si mesma. Assim considerando, a expressão “prisão

em flagrante” deveria ser substituída por “custódia em flagrante”. A custódia traduz a idéia

de brevidade que marca a prisão em flagrante. Por ser sempre precária, dependente da

imprescindível valoração judicial, não pode ser considerada uma medida propriamente

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cautelar.

Aury Lopes Júnior (2002, p. 52) afirma que a prisão em flagrante não deve

figurar entre as modalidades de prisão provisória.

O autor considera a prisão em flagrante uma medida pré-cautelar, e assim

justifica porque a medida constritiva é uma exceção, que não advém do Poder Judiciário.

Considerando o fato criminoso e as circunstâncias em que foi surpreendido, o legislador

permitiu que qualquer do povo, a autoridade policial e seus agentes realizem a prisão, de

forma a inviabilizar a fuga e possibilitar o fortalecimento das provas. Por ser uma prisão

precária, depende de manifestação do juiz competente, razões pelas quais não pode ser

considerada uma medida propriamente cautelar.

Prossegue dispondo que a prisão em flagrante não é uma medida cautelar,

mas sim pré-cautelar, no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo,

mas apenas se destina a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não a

verdadeira medida cautelar.

Acrescenta o autor que a prisão em flagrante traduz-se em uma medida

precária que deve atender apenas aos fins da prisão. A comunicação ao juiz no prazo de 24

(vinte e quatro) horas forçosamente o leva a uma das decisões:

a) conceder a liberdade provisória, por não estar caracterizado um dos

motivos que justificam a prisão preventiva;

b) relaxar a prisão, por ter sido constatada alguma irregularidade na

elaboração do auto ou na interpretação do fato criminoso;

c) decretar uma verdadeira medida cautelar, ou seja, a prisão preventiva

para dar continuidade à privação da liberdade do autuado.

O autor insiste no sentido de que a única medida que não pode ser mantida

é a manutenção do autuado preso por força exclusiva do auto de prisão em flagrante.

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Esta corrente nega à prisão em flagrante a condição de prisão provisória

como medida propriamente cautelar, razão pela qual a permanência do autuado na prisão sem

a conversão em prisão preventiva fere os direitos e garantias individuais do indivíduo, o que é

incabível em um Estado Democrático de Direito.

Ada Pellegrini Grinover (1979, p. 136) sustenta que a manutenção da

custódia decorrente do flagrante somente tem lugar quando positivada a existência do

periculum in mora que autoriza a decretação da prisão preventiva. No mesmo sentido,

Antônio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 63)35 disserta que a manutenção da custódia

decorrente do flagrante somente tem lugar quando positivada a existência do periculum in

mora que autoriza a decretação da prisão preventiva, e acrescenta que “a pedra de toque da

liberdade provisória é, assim, a desnecessidade da medida”.

No direito comparado esse pensamento se materializa na Espanha (artigo

496 da LECrim), na Alemanha (StPO § 128), na Itália (artigo 386.3) e em Portugal (artigo

254 do CPP). Neles, define-se em poucas horas, seja por meio do magistrado, ou mesmo do

representante do Ministério Público, o destino do autuado, com a concessão da liberdade

provisória ou com a privação da liberdade por força de medida cautelar que não o flagrante.

6.9.6 As nulidades e a prisão em flagrante

Para que o objetivo do processo seja alcançado, é preciso que os atos

praticados obedeçam à forma estabelecida. Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover, Antonio

Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 17-18) esclarecem que

“somente aqueles atos realizados em conformidade com o modelo legal são considerados

35 Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 140) escreve: “a transformação da prisão-captura em prisão-custódia não mais atende a finalidade probatória ou de exemplaridade, como medida auto defensiva, mas, exclusivamente tem em vista os fins do processo, visando assegurar a presença do acusado aos atos processuais e o cumprimento da pena que lhe venha a ser imposta”.

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válidos perante o ordenamento e aptos a produzirem os efeitos desejados”.

A nulidade, conforme Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 118), “é

a sanção decretada pelo órgão jurisdicional em relação ao ato praticado com inobservância

dos parâmetros normativos. É a decretação de ineficácia do ato atípico, imperfeito,

defeituoso”.

Esclarecem Desimoni e Tarantini (1998, p. 4) que “a nulidade tem sido

considerada como uma verdadeira sanção processual que se encontra dirigida a privar de

efeitos jurídicos a todo ato que se celebra em violação do ordenamento normativo”.

Considerando que o instituto da nulidade atinge os atos processuais, parece

estranho falar de nulidade na autuação da prisão em flagrante, justamente por se tratar aqui de

atos pré-processuais.

Calmon de Passos (2002, p. 48-49)36 atesta que “são atos processuais todos

os que constituem a seqüência dos atos que é o próprio processo, ultrapassam-na incluindo

entre os atos processuais os extraprocessuais anteriores ou concomitantes, praticados fora do

processo, para fins processuais” e acrescenta que “o ato, em substância, é processual não

porque nasce ou vive na relação processual, mas porque nasce e vive para o fim da relação

processual, sobre cuja constituição, sobre cujo desenvolvimento e sobre cujo fim é destinado a

ter influência”.

A admissão da nulidade na autuação da prisão em flagrante faz-se

imprescindível justamente por se tratar de uma modalidade de prisão excepcional, facultada a

qualquer do povo que se depara com alguém, em estado de flagrância, praticando crime e, por

iniciativa própria, apresenta-o à autoridade policial. Portanto, é cerceamento da liberdade não

determinado pelo juiz, restando a essa autoridade manifestar-se somente após a conclusão da

36Nesse sentido é a lição de José Frederico Marques (1997, p. 83) “de modo geral, as formalidades do auto de flagrante são indeclináveis, pois o referido auto é exigido ad solemnitatem, como instrumento imprescindível da coação cautelar que nele vem documentada. Trata-se de prisão em que, excepcionalmente, fica dispensada a ordem escrita de autoridade judiciária: por essa razão, as formalidades e cautelas que a lei prevê, no tocante à lavratura do auto, são sacramentais, porquanto se constituem em meio e modo de tutela da liberdade”.

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autuação.

As nulidades da prisão em flagrante estão diretamente relacionadas com as

formalidades da autuação da prisão em flagrante, consideradas solenes e sacramentais.

Oportuna a observação de Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 280) no sentido

de que para a subsistência da prisão em flagrante faz-se imprescindível “a obediência às

formalidades previstas em lei, que representam, em última análise, a garantia do cidadão

contra possíveis abusos cometidos em nome da repressão dos delitos”.

Vários pontos podem influir na realidade do flagrante. Um deles consiste na

verificação de competência de autoridade que efetua a autuação e determina a prisão.

Via de regra, competente, é a autoridade policial, mas também poderá,

conforme a natureza do crime e a autoria, ser o flagrante lavrado por autoridade militar, nos

crimes previstos no CPM, ou por deputado ou senador em decorrência do poder de polícia das

Casas Legislativas quando o crime ocorrer nas dependências das respectivas casas (Súmula

397 do STF), ou os agentes florestais nos termos do artigo 33, letra “b” da Lei nº. 4.771/65.

Em se tratando de exceção, o artigo 307 do CPP, dispõe que o auto de prisão

em flagrante poderá ser lavrado pela autoridade judiciária, quando o fato for praticado em

presença desta ou contra ela no exercício de suas funções.

Poderá também haver incompetência, ou falta de atribuição, em razão da

natureza do crime ou do lugar em que fora praticado, isto é, por não se tratar de perseguição e

porque no município onde ocorreu o crime existem outras autoridades igualmente

competentes para recepcionar o fato e avaliar a necessidade ou não da autuação (GRINOVER,

2000, 282)37.

37 Ao discorrer sobre a questão da competência para lavratura do auto de prisão em flagrante ressalta que: “constitui entendimento praticamente unânime na jurisprudência que não se pode cogitar de incompetência ratione loci da autoridade policial para a lavratura do auto de prisão em flagrante delito”. Sobre essa verdade é preciso esclarecer: todas as autoridades policiais podem lavrar o auto de prisão em flagrante, no entanto, no espaço físico em que exercem suas funções, existe uma divisão denominada circunscrição policial ou divisão de área, devendo o fato, durante o horário comercial ser apresentado para a

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Outro ponto que pode invalidar o auto é a falta de autorização legal do

ofendido ou seu representante legal nos crimes de ação penal privada e condicionada a

representação. Embora não se exija formalidade sacramental para autorização, a manifestação

verbal reduzida a termo deve existir.

Também poderá tornar nulo o auto o fato de ter havido apresentação

espontânea do autor, sem que tivesse ocorrido a perseguição.

Quanto ao Escrivão, conforme dispõe o artigo 305 do CPP, ante sua

ausência ou impedimento para o exercício da função, exige-se que seja nomeado pela

autoridade competente para autuação da prisão com capacidade para a realização do ato um

escrivão ad hoc.

Conforme artigo 304, o parágrafo 2º, do CPP, “a falta de testemunhas da

infração não impedirá o auto de prisão em flagrante, mas, nesse caso, com o condutor,

deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso

à autoridade”. O condutor também pode ser considerado testemunha. A falta sequer de

testemunhas instrumentárias pode tornar viciado o auto.

Tanto o condutor como as testemunhas deverão prestar o compromisso no

início dos depoimentos. Trata-se do compromisso de dizer a verdade do que souberam, viram

ou ouviram sobre os fatos ocorridos. A inobservância do compromisso poderá redundar na

nulidade do ato (GRINOVER, 2000, p. 284)38, enquanto o desrespeito em colaborar com a

justiça, negando a verdade após o compromisso, poderá fazer responder pelo crime de falso

testemunho previsto no artigo 342 do CP.

O interrogatório do conduzido é imprescindível (FERNANDES, 2000, p. autoridade policial responsável pela sua circunscrição policial. Após o horário comercial, o Plantão absorve todas as ocorrências inclusive os flagrantes, remetendo-os, no dia posterior, à unidade policial responsável do local em que ocorreu o crime, para a continuidade das investigações. Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 190), ao comentar o artigo 4º do CPP, explica que “a Polícia Judiciária (Civil) será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria” (redação dada pela Lei nº. 9.043, de 9-5-1995). 38 Traz-se à colação jurisprudência no sentido de que a falta do compromisso não vicia o auto de prisão em flagrante (TJRS, RT 433/437).

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284)39 (DIAS, 1974, p. 440) 40 e só não será realizado por força de sua própria vontade, ou

seja, se após ser devidamente orientado sobre os seus direitos (VILAR, 2000, p. 456)41,

previstos na Constituição Federal, preferir o silêncio (art. 5º, inciso LXIII). Não obstante, terá

o direito de que seja comunicada pessoa da família que indicar, bem como a presença do

advogado que escolher.

Mister observar a ordem seqüencial das oitivas na elaboração do auto.

(GOMES, 2005, p. 308)42. Primeiramente, as declarações do condutor e das testemunhas, e,

na seqüência, da vítima e, por último, o interrogatório do conduzido. A opinião majoritária é

no sentido de que a ordem de inquirição é imperativa e o descumprimento da seqüência

ordenada resultará no relaxamento da prisão. Em sentido contrário, Hélio Tornaghi (1995, p.

63-65) afirma que a forma do auto não é solene nem substancial, pode ele ser feito de

qualquer maneira desde que atinja a finalidade de documentar.

A nota de culpa é documento, via de regra expedido após a conclusão da

autuação do flagrante que tem a função de informar ao autuado (FERNANDES, 2000, p.

285)43 os motivos de sua prisão, os nomes da autoridade que a determinou, do condutor e das

testemunhas, dando-lhe ciência ainda da tipificação dada ao fato. A falta de entrega da nota de

culpa vicia a autuação, pois ela serve ao preso como garantia contra as prisões ilegais e

injustas, serve também como documento imprescindível para sua entrada no sistema

penitenciário, serve ao Juiz que, a partir de então, sabe da prisão.

39 Ensina que “o interrogatório do acusado não constitui meio de prova, mas representa o mais importante instrumento da autodefesa no processo penal e, sua inclusão como formalidade essencial para a lavratura do flagrante decorre do interesse de tutela do direito de liberdade, diante da situação excepcional que autoriza a prisão sem ordem judicial”. 40 Nessa linha de pensamento escreve: “O argüido é indiscutivelmente, em princípio, uma das pessoas que estará em melhor situação para dar relevantes esclarecimentos sobre a matéria da notitia crimínis e da acusação, independentemente do facto de ser ou não culpado. Continuando, Trata-se o interrogatório, em verdade, de um elemento constitutivo do direito de defesa do argüido.....”. 41 Convergente, ensina que o detido tem o direito a ser informado dos fatos que se lhe imputam e as razões motivadoras de sua detenção e os direitos que lhe assistem. 42 Em publicação na Revista Brasileira de Ciências Criminais faz menção às possíveis falhas relacionadas à violação dos preceitos que compõem o procedimento, dentre as quais, a inversão da ordem processual, que por analogia, estende-se até a forma sacramental que deve ser respeitada na construção lógica da ordem seqüencial das oitivas na autuação da prisão em flagrante. “Devido processo legal e direito ao procedimento adequado”. 43 Ensina que pequenas irregularidades não acarretam nulidade absoluta, quando muito, nulidade relativa.

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É essencial a assinatura de todos que prestaram as oitivas na autuação da

prisão em flagrante, inclusive do advogado presente, escrivão de polícia e autoridade policial.

Na impossibilidade de assinar as declarações ou depoimentos, alguém, com capacidade,

poderá fazê-lo a rogo. Em se tratando do autuado, dispõe o § 3º do artigo 304 do CPP, que,

“quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em

flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença

deste.”

Deve haver a comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente

(DELMANTO JÚNIOR, 2001, p. 43-53)44. A natureza dessa modalidade de prisão impõe de

forma imperativa a comunicação imediata ao juiz criminal ou mesmo àquele que se encontrar

à disposição no plantão judiciário, tão logo seja encerrada a autuação do flagrante, justamente

para que sem demora possa o magistrado deliberar sobre o destino daquele que se encontra

encarcerado.

O descumprimento a essa formalidade possibilita o relaxamento da prisão,

caracterizando ainda, a infringência ao artigo 4º, letra “a” da Lei nº. 4898, de 9.12.65 – abuso

de autoridade.

José Frederico Marques (1997, p. 84) assevera que todas essas formalidades

estão enquadradas na regra do artigo 564 nº. IV, do Código de Processo Penal, e daí serem

insanáveis como elementos do auto que legitima a coação processual e cautelar. Acrescenta o

autor que nulo será o flagrante, e não o auto que documenta e que formaliza a prisão, se esta

se efetuou com inobservância das regras contidas no artigo 302 do CPP.

44 Comentando sobre a previsão do artigo 5º, inciso LXII – Garantia de que a prisão em flagrante será imediatamente comunicada ao juiz competente, faz referência às previsões do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 9º, 3, 1ª parte e ao Pacto de San José da Costa Rica, artigo 7º, 5, 1ª parte, dispondo que nestes ordenamentos, o preso é apresentado à autoridade judiciária enquanto na legislação brasileira a tradição sempre foi a de comunicar ao juiz mediante ofício a prisão do autuado.

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CONCLUSÃO

Em conclusão, importa apontar alguns aspectos relevantes sobre a prisão em

flagrante cuidados no trabalho e que merecem destaque.

Após o encerramento do período que caracterizou a Idade Média, aos

poucos desapareceram os métodos degradantes aplicados àqueles que eram encontrados

praticando um crime.

Com a evolução do direito, a prisão em flagrante deixou de ser vista como

antecipação punitiva. Passa-se, nela, a valorizar mais o fato de traduzir os vínculos

probatórios da autoria e da materialidade e de representar uma medida cautelar de privação de

liberdade usada para evitar a continuidade delitiva e a fuga do conduzido do distrito da culpa.

Em suma, além de seu aspecto cautelar, a prisão em flagrante é vista como uma das mais

robustas provas da ocorrência de um fato criminoso e que certamente terá valor preponderante

no convencimento do juiz no momento de proferir sua decisão.

A prisão em flagrante é a única modalidade de prisão prevista em quase

todos os ordenamentos jurídicos que independe da manifestação judicial. No entanto, esta

manifestação será imprescindível para a manutenção da privação da liberdade.

Apesar de convivermos com um Código de Processo Penal aprovado no ano

de 1941, as mudanças ainda que isoladas e de forma parcial demonstram a evolução do

pensamento do legislador. São mudanças que pouco refletiram no instrumento que autoriza à

Polícia Judiciária o cerceamento da liberdade daquele que foi surpreendido praticando um

crime nos termos do artigo 302 do CPP.

Esse instrumento, denominado de “auto de prisão em flagrante”, foi

prestigiado pela Lei nº. 11.113 e por suas inovações que permitiram mais agilidade na

elaboração da autuação sem a perda do essencial, ou seja, do registro da versão de todos os

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envolvidos com a observância da ordem seqüencial das oitivas.

Interpretação recente e significativa ocorreu na doutrina. A prisão em

flagrante deixou de ser simplesmente incluída no rol das prisões cautelares e passou a ser vista

como uma medida pré-cautelar, que se justifica com a finalidade de se reunir a maior

quantidade de provas e, ao mesmo tempo, de se inviabilizar a fuga do responsável e se

assegurar a eventual aplicação da medida cautelar propriamente dita.

Esta mudança de orientação provoca profunda influência na análise da

decisão do juiz que recebe a comunicação da prisão em flagrante do autuado ou o inquérito

policial concluído cujo início foi o auto de prisão em flagrante. O juiz deve, sempre, ao

receber cópia do auto de prisão em flagrante, decidir a) pelo relaxamento da prisão, por haver

constatado irregularidades, descumprimento das formalidades legais ou por não ter se

convencido do crime ou de sua autoria; b) pela liberdade provisória com ou sem fiança,

porque não vislumbrou a presença das hipóteses previstas para a prisão preventiva; c) pela

decretação de ofício da prisão preventiva em face da presença das hipóteses consignadas no

art. 312 do CPP.

Não condiz com a natureza de pré-cautela da prisão em flagrante o ato

consistente em simples ratificação da prisão. É mister que o juiz verifique, no rol de soluções

possíveis, qual a medida cautelar a ser adotada, sendo a mais grave a conversão da prisão em

flagrante em prisão preventiva.

Outra questão importante é a incompatibilidade aparente entre o princípio

do estado de inocência e a prisão em flagrante. Contudo, vista em sua natureza de pré-cautela,

a prisão em flagrante não se choca com o referido princípio. A medida pré-cautelar da prisão

em flagrante somente prevalecerá quando realizada com adequação e indispensabilidade

sustentada pela presença de prova da autoria e materialidade, pois, de certa forma, estará

sempre presente o periculum in mora.

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Nestes termos, a prisão em flagrante somente será possível se o fato estiver

provado por um conjunto de indícios que mostrem ter o conduzido em tese praticado fato

descrito como crime por vontade própria ou a mando de terceiros.

Neste trabalho foi possível constatar que a prisão em flagrante, presente no

inciso LXI, artigo 5º da Constituição Federal, sempre prevista de forma clara nas cartas que a

antecederam, reflete preocupação do legislador constitucional, a exemplo de outras

legislações e Constituições internacionais, dotar o ordenamento de medida excepcional e

necessária para garantir a segurança da sociedade.

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