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A FALÊNCIA DOS CICLOS NA REDE PÚBLICA Questionam-se as causas do fracasso do sistema de ciclos, na progressão continuada, em funcionamento, na rede estadual de ensino, desde 1998. Reflitamos, inicialmente, sobre o enunciado de um de nosso expoente da educação. Paulo Freire dizia: “O professor tem deficiências de formação, tem dificuldades. Não é mandando pacotes que ele vai se desenvolver bem. É habituá-lo a refletir, a discutir sobre sua prática do dia-a-dia...” O sistema de ciclos não foi mais que um pacote, enviado às escolas pelos órgãos centrais. Foi implantado sem aviso prévio, sem preparação, sem diálogo. Os professores não foram consultados, não foram envolvidos no projeto, pouco sabiam de sua metodologia inovadora e, embora, os ciclos, no plano pedagógico, sejam considerados um sistema ideal, não vêm trazendo bons resultados. Pacote pronto não funciona, nem para o professor nem para o aluno. Para o professor traz desajustes, descontentamentos. Para o aluno, produz desânimo, apatia, repetência. O conhecimento historicamente constituído não desperta interesse no aluno, não o faz um agente envolvente da aprendizagem. A escola precisa reconstruir o conhecimento, juntamente com ele; abordar um conhecimento atualizado, 179

A Falência Dos Ciclos Na Rede Pública

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A FALÊNCIA DOS CICLOS

NA REDE PÚBLICA

Questionam-se as causas do fracasso do sistema de ciclos, na

progressão continuada, em funcionamento, na rede estadual de ensino,

desde 1998.

Reflitamos, inicialmente, sobre o enunciado de um de nosso

expoente da educação. Paulo Freire dizia: “O professor tem deficiências

de formação, tem dificuldades. Não é mandando pacotes que ele vai se

desenvolver bem. É habituá-lo a refletir, a discutir sobre sua prática do

dia-a-dia...”

O sistema de ciclos não foi mais que um pacote, enviado às escolas

pelos órgãos centrais. Foi implantado sem aviso prévio, sem

preparação, sem diálogo. Os professores não foram consultados, não

foram envolvidos no projeto, pouco sabiam de sua metodologia

inovadora e, embora, os ciclos, no plano pedagógico, sejam

considerados um sistema ideal, não vêm trazendo bons resultados.

Pacote pronto não funciona, nem para o professor nem para o

aluno. Para o professor traz desajustes, descontentamentos. Para o

aluno, produz desânimo, apatia, repetência. O conhecimento

historicamente constituído não desperta interesse no aluno, não o faz

um agente envolvente da aprendizagem. A escola precisa reconstruir o

conhecimento, juntamente com ele; abordar um conhecimento

atualizado, contextualizado, tendo em vista a resolução dos problemas

do cotidiano. O aluno, por essa metodologia, passa a ser o vetor que

leva à sala de aula o assunto, o tema.

Um outro aspecto, que deve ser contornado pela escola, diz respeito

à freqüência às aulas. A nova legislação garante a aprovação do aluno

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com freqüência de 75% às aulas, durante o ano. O cálculo é feito a

partir da presença nas aulas de todas as disciplinas e não em cada

uma individualmente, isto é, ele pode perder todas as aulas, por

exemplo, de História e, mesmo assim, avançar para a série seguinte.

Quanto ao professor, sabemos que sua atuação frente ao ensino é

decisiva. O ensino depende basicamente dele. “O ensino ministrado

nas escolas é muito mais o ensino organizado pelos professores, por

sua forma de pensar, agir, por seu nível intelectual, do que aquele

sistematizado pelos órgãos centrais”, dizia eu no tópico: “Formação

deficiente dificulta a reforma do ensino”.

É bem verdade que o ensino montado em ciclos pede mais ao

professor, em termos de organização, de controle, de

acompanhamento, para que não se perca no conjunto, na extensão dos

períodos de estudo. Mas, não importa qual sistema adotado, a atual

metodologia requer os mesmos passos no processo do ensino-

aprendizagem. Requer a observação constante, a avaliação contínua, a

recuperação paralela, as aulas de reforço, isto é, os mesmos

procedimentos adotados para os ciclos.

O método construtivista é uma exigência da época, que quer um

indivíduo pensante, reflexivo, apto à pesquisa, interferindo, criticando,

criando, inventando. Quer um indivíduo capaz de construir, de recriar a

cultura. Este método afasta o ranço da escola tradicional, que levava o

aluno a decorar, a memorizar e não a entender, a concluir.

Há todo um aparato, uma seqüência de atos pedagógicos que visam

recuperar o aluno, capacitá-lo, evitando, ao máximo, sua reprovação.

Não podemos voltar à cultura da repetência. Contudo, não podemos

deixar que, ao menos, os objetivos essenciais não sejam alcançados. O

aluno precisa estar de posse dos conceitos básicos para poder estar

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apto à continuidade. É importante formar competências e habilidades

nos alunos e elas não se formam no vazio, precisam de conteúdos para

se desenvolver. As competências e as habilidades põem ênfase nas

operações mentais, como as pessoas lidam com as informações, como

relacionam os assuntos. O aluno, ao terminar um determinado período

de estudos, seja ciclos ou séries, deve demonstrar competências

básicas prescritas para esse período. É preciso, assim, reformular o

conceito, que se generalizou, sobre “aprovação automática”.

Do mesmo modo, não importa em que sistema o aluno estude, ele

precisa ser atendido individualmente, precisa de uma avaliação

individual. É por isso que debatemos o número elevado de alunos por

clas-

se. A diversidade cultural, repercutindo no nível do conhecimento do

aluno, marca as escolas e exige um ensino personalizado. As

desigualdades, quando não consideradas, acarretam evasão e

repetência.

A avaliação da aprendizagem é outro tópico importante a considerar.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina, não importa

em que sistema, que a avaliação seja feita no dia-a-dia da sala de aula,

de diversas formas, avaliações continuadas, pela participação dos

alunos em aula, pela atitude frente ao processo de aprendizagem,

sucessivas verificações de assimilação dos conteúdos ministrados.

Percebemos que o ponto capital, para o sucesso do ensino, está

visivelmente calcado na formação do professor, seguido de suas

condições de trabalho. Podemos, ainda, perceber que não haverá

mudança “se a cabeça do professor também não mudar” (Elba de Sá

Barreto). Tem que haver mudança de mentalidade. Enquanto as

escolas “operarem em condições precárias e com professores mal

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preparados, não há como esperar um resultado alentador” (Demerval

Saviani). O salário também conta. Um professor bem remunerado

tem estímulo e tempo para buscar informações, para se ilustrar, se

aperfeiçoar e render mais. O que acontece é que os professores, os

melhores preparados, evadem-se do magistério em busca de melhores

salários, permanecendo nele, com algumas exceções, os que não têm

outra opção.

Embora o sistema de ciclos requeira condições mais aprimoradas

para o seu desenvolvimento, o seu insucesso, na prática educativa,

vem demonstrar o quanto é necessário cuidar melhor da escola, investir

mais na educação, remover as barreiras, exaustivamente denunciadas,

que impedem o desenvolvimento de um ensino de qualidade. Se os

fatores bloqueadores do ensino não forem resolvidos, enfrentados com

coragem, sem subterfúgios, tudo leva a crer que não será uma

modalidade diferente de organização curricular ou de sistema de ensino

que virão trazer os resultados esperados.

Formação deficiente, condições precárias de trabalho e imposição

acabaram por inviabilizar um sistema promissor do ensino-

aprendizagem.

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