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A Felicidade existe? – Freud, a psicanálise e a felicidade "Esse homem encontrou a felicidade ao descobrir o tesouro de Príamo, o que prova que a realização de um desejo infantil é o único capaz de proporcionar a felicidade" S. Freud. [1] "não escapa a Freud que a felicidade é (…) o que deve ser proposto como termo a toda a busca, por mais ética que seja". J. Lacan Ninguém pode me obrigar a ser feliz a sua maneira”. I. Kant Das clássicas proposições filosóficas aos atuais manuais de auto- ajuda, passando pelos trabalhos científicos e as construções utópico- ideológicas predominantes no século 20, a verdade é que o ser humano ainda não conseguiu dar uma resposta definitiva e satisfatória sobre o que é ser feliz e como conseguir sê-lo. Seguindo o caminho das certezas, as "religiões prometem felicidade eterna, tendo como condição a fé”, observa o sociólogo Pedro Demo, professor da Universidade de Brasília e autor de três volumes “A Dialética da Felicidade” (Ed. Vozes, 2001). A psicanálise que, junto com Freud, é reconhecida como um saber teórico, uma técnica de interpretação e uma clínica psicanalítica, voltada para diminuir o sofrimento humano, é cética quanto ao sujeito[2] humano ser feliz. O próprio Freud teria dito que a psicanálise até pode resolver os problemas da miséria neurótica, mas ela nada pode fazer contra as misérias da vida como ela é. Ainda, segundo Freud (1974), não sendo a psicanálise uma Weltanschauung, isto é, não sendo uma “cosmovisão”, uma construção intelectual que visa solucionar todos os problemas de nossa conturbada existência, com base em uma hipótese filosófica ou supostamente científica universal, é praticamente impossível conceber um ser humano plenamente feliz. Herdeira do estilo socrático porque ousa buscar mas nada conclui, a psicanálise sustenta o compromisso de, por um lado, não deixar nenhuma pergunta sem resposta e, por outro, é avessa as Weltanschauungs de todo o tipo, que acreditam terem encontrado a chave para explicar e resolver todos os males da humanidade, por meio do indivíduo, do grupo ou da coletividade[3] . A teoria psicanalítica e a felicidade Para entender a relação psicanálise e felicidade, precisamos resgatar alguns de seus conceitos e categorias. O primeiro deles é o desejo. O desejo é humano, demasiadamente humano. O desejo (D.: Wunsch), tal como é entendido pela psicanálise, não é a mesma coisa que a necessidade. Enquantoa necessidade é um conceito biológico, natural, implica uma tensão interna que impele o organismo numa determinada direção no

A Felicidade Existe

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A Felicidade existe? Freud, a psicanlise e a felicidade"Esse homem encontrou a felicidade ao descobrir o tesouro de Pramo, o que prova que a realizao de um desejo infantil o nico capaz de proporcionar a felicidade"S. Freud.[1]"no escapa a Freud que a felicidade () o que deve ser proposto como termo a toda a busca, por mais tica que seja".J. LacanNingum pode me obrigar a ser feliz a sua maneira.I. KantDas clssicas proposies filosficas aos atuais manuais de auto-ajuda, passando pelos trabalhos cientficos e as construes utpico-ideolgicas predominantes no sculo 20, a verdade que o ser humano ainda no conseguiu dar uma resposta definitiva e satisfatria sobre o que ser feliz e como conseguir s-lo.Seguindo o caminho das certezas, as"religies prometem felicidade eterna, tendo como condio a f, observao socilogo Pedro Demo, professor da Universidade de Braslia e autor de trs volumes A Dialtica da Felicidade(Ed. Vozes, 2001).A psicanlise que, junto com Freud, reconhecida como um saber terico, uma tcnica de interpretao e uma clnica psicanaltica, voltada para diminuir o sofrimento humano, ctica quanto aosujeito[2]humano ser feliz. O prprio Freud teria dito que a psicanlise at pode resolver os problemas da misria neurtica, mas ela nada pode fazer contra as misrias da vida como ela .Ainda, segundo Freud (1974), no sendo a psicanlise umaWeltanschauung, isto , no sendo uma cosmoviso, uma construo intelectual que visa solucionar todos os problemas de nossa conturbada existncia, com base em uma hiptese filosfica ou supostamente cientficauniversal, praticamente impossvel conceber um ser humano plenamente feliz.Herdeira do estilo socrtico porque ousa buscar mas nada conclui, a psicanlise sustenta o compromisso de, por um lado, no deixar nenhuma pergunta sem resposta e, por outro, avessa asWeltanschauungs de todo o tipo, que acreditam terem encontrado a chave para explicare resolvertodosos males da humanidade, por meio do indivduo, do grupo ou da coletividade[3].A teoria psicanaltica e a felicidadePara entender a relao psicanlise e felicidade, precisamos resgatar alguns de seus conceitos e categorias. O primeiro deles o desejo. O desejo humano,demasiadamente humano. Odesejo(D.:Wunsch), tal como entendido pela psicanlise, no a mesma coisa que anecessidade. Enquantoanecessidade um conceito biolgico, natural, implica uma tenso interna que impele o organismo numa determinada direo no sentido de busca de reduo dessa tenso ou satisfao, logo, aautoconservao(ex.; necessidade de fome, ento buscamos comida), odesejo, sendo de ordem puramentepsquica, desnaturado e como tal pertence ordem simblica. Enquanto a necessidade biolgica, instintiva e busca objetos especficos (comida, gua, etc) para reduzir a tenso interna do organismo, o desejo no implica uma relao com esses objetos concretos, mas sim, com ofantasmaoufantasia. Ou seja, o fantasma , ao mesmo tempo, efeito do desejo arcaico inconsciente e matriz dos desejos atuais, conscientes e inconscientes[4](CHEMAMA, 1995: 71).Diferente dos animais, no mundo demasiadamente humano, as necessidades so atravessadas pelo fenmeno da linguagem, porta-voz das demandas. A criana demanda [pede, solicita] me que lhe fornea o objeto de sua necessidade para ela eliminar sua falta-parater. S que ademanda sempre demanda poroutra coisa, funcionando como pretexto para conseguir "algo" de que o sujeito sente falta e que pressupe que o outro disponha a fornec-loreconhecimentoeamor. Portanto, no somente existe nela (criana ou adulto) a necessidade do objeto "alimento x", mas sobretudo sempre existe uma "demanda para ser reconhecida e amada". No fundo, queremos ser preenchidos, plenos, ou seja, almejamos uma impossibilidade. Porque, a demanda a solicitao de uma presena ou de uma ausncia, e sempre dirigida ao Outro, como um pedido de amor e uma expectativa de preenchimento absoluto, de fuso das almas, de plenitude.Ademandae odesejofazem aparecer outro registro da falta-"afalta-a-ser". Acontece que, a satisfao do desejo sempre adiada e nunca atingida, portanto, no fundo, o desejo busca o impossvel. Seria o incesto? Restando-lhe sempre insatisfao, o desejo se v obrigado a buscar outro caminho, arealizao. Atravs de meios-objetos como a fantasia do seio, o sintoma, um beijo, o gozo da droga, o gozo do poder poltico, o gozo do discurso terico da f, o gozo do rico que priva o outro de tambm ter, o gozo de quem imputa sofrimento a outrem etc. Todas essas formas derealizaoso marcadas por insatisfaes primitivas que seatualizam. O sujeito vive em estado de excitao contnua:prazer e desprazerao mesmo tempo. A pulso e o desejo nos diferenciam dos animais estes so seres de puro instinto, seres de necessidade. Os seres humanos por serem desejantes, seres de linguagem so condenados a sentir, primeiro mal-estar e angstia, depois por serem impulsionados para algo que se supe trazer a felicidade, um estado de completude de no falta.O que nos sustenta uma fico construda e dependente da memria de que um dia fomos para o desejo do Outro primordial (me), que nos acolheu em nosso desamparo de recm nato. E neste ncleo de nada, de ter sido o desejo do Outro que nos sustentamos, buscando incessantemente o reconhecimento nos olhares dos outros nossos semelhantes.Por vezes isso se faz s custas de fazermo-nos sofrer em demasia. O sofrimento dos neurticos provm da angstia de no desejar em conformidade com o super-eu (Nasio, 1993); pois para advir como sujeito, a que renunciar a essa plenitude (de ter sido o tudo para o outro) se adequando em conformidade com as exigncias do social.Continuando. Odesejo, no fundo, sempre procura realizar a nostalgia do objeto perdido, que habita noinconsciente, isto , no lugar do "no-sabido". (Em alemo, a lngua de Freud,Unbewusstequer dizer:no-sabido). Ento, o objetono-sabidoe recalcado do desejo est condenado a repetir na atualidade o que no passado remoto possivelmente foiprazere depois virougozo[5]. Portanto, tal como entende a psicanlise, o desejo implica num desvio ou perverso da ordem natural ou biolgica. Deixando de serinstintivos, os humanos se orientam pela ordempulsionaledesejante, ou seja, no somos mais movidos pela fora instintiva, que apenas matriz do comportamento dos animais ditos irracionais. Somos seres simblicos, marcados pela desnaturalizao empreendida pela cultura. Somo movidos sempre por outra coisa. Se fssemos somente instinto e necessidade, seramos como os animais, que parecem felizes quando cumprem com seu ciclo biolgico de fome e sexo. O animal satisfeito deveserfeliz. Mas, o mesmo no acontece com os seres humanos. Podemos ter tudo e ao mesmo tempo sentir vazio existencial; podemos sentirprazer[6]e ao mesmo tempo colher desprazer em nossos atos demasiadamente humanos. Se estivssemos presos ao instinto, ainda teramos cio, faramos sexo somente em determinada poca do ano apenas para procriar; comeramos apenas para matar a fome e no para degustar para comida de um famoso restaurante e beber um vinho de uma safra x, servido em um copo especial, etc, etc. Entretanto, a condio humana de ser desnaturalizado, desejante, cultural, complica a sua conquista paraserfeliz, embora possamos eventualmente experimentar algunsmomentosde felicidade[7], como o gozo sexual, o recebimento de uma promoo no trabalho, ganhar um prmio, ver nascer um filho, etc.Essa distino importante porque, alm de distinguir a categorias da satisfao e da realizao, tem importantes conseqncias na conduo da clnica psicanaltica, na poltica e na concepo sobre a construo da civilizao. Uma psicoterapia baseada na satisfao das necessidades dos pacientes constitui um grave equvoco, enganao, e pode abrir caminho para a perverso da relao profissional, chamada por Freud (1974: v. XI) de psicanlise selvagem. No centro da teoria e da prtica psicanalticas est odesejo, diz Freud. No a necessidade, mas o desejo. E, no final de um processo de psicanlise onde estava o isso [id] o eu [ego] deve advir. Esse princpio tem correspondncia no campo poltico. Uma ideologia poltica movida apenas para proporcionar a satisfao da necessidade coletiva comea por confundir o que necessidade, desejoedemanda. Elapoderia proporcionar bem-estar coletivo, sade fsica, boa educao, mas poderia ser um fracasso quanto realizaodas potencialidades subjetivas. As experincias do socialismo real demonstram o quanto s pessoas podem ser gratas ao sistema sustentar uma boa sade e boa educao, mas, com medo, reclamam sobre a falta de liberdade para ser. certo que a necessidade quando preenchida leva o sujeito a obter a sensao de satisfao. Mas, no o leva o leva sentir-se feliz. Isto acontece porque o desejo, jamais satisfeito" (GARCIA-ROZA: 144). Por que, ento, o desejo humano jamais satisfeito?Sujeito x felicidadePara Freud, odesejo o que pe em movimento o aparelho psquico e o orienta segundo a percepo do agradvel e do desagradvel. O desejo nasce da zona ergena do corpo, e sem se reduzir ao corpo (soma) somente podesesatisfazerapenas parcialmente. Como j foi dito, elerealiza-seno movimento de querer-mais-e-mais.Como formula Lacan, "Odesejo sempre o desejo de um outro desejo.O desejo humano algo sempre adiado, intervalar.O desejo vive de sua insatisfao, resguardada esta estranha funo: a funo de insatisfao(MASOTTA, 193: 83-4 grifo nosso).Odesejojamais satisfeito porque tem origem e sustentao da falta essencial que habita o ser humano, daquilo que jamais ser preenchido e, por isso mesmo o faz sofrer, mas tambm o impulsiona para buscar realizao ou satisfao parcial no mundo objetivo ou na sua prpria subjetividade (sonhos, artes, projetos utpicos, f no absoluto, etc). O que entendemos porsujeito construdo desse circuito onde a libido sempre tem um excesso que sustenta o movimento desejante. O sujeito em psicanlise dividido; o sujeito no oin-divduo(ver nota de rodap n. 2).Com o sujeito, faz surgir uma histria com seus atos de melhoria e transformao." pela ao de assimilar o objeto que o homem se v como oposto ao mundo exterior. O primeirodesejo um desejo sensual: o desejo de comer, por exemplo, atravs do qual o homem procura suprimir ou transformar o objeto assimilando-o(GARCIA-ROZA,1983: 141).A afirmao freudiana que diz que o mundo movido pela fome e pelo amor tambm traz srias conseqncias prticas, para alm da biologia, da psicologia, da poltica, etc. Somente um pensamentocomplexoque est por ser inventado poder dar conta dessa questo. Evidentemente, o sujeito humano sempre buscou, para si e para todos, primeiro, a sobrevivncia fsica e, depois, a realizao de alguns projetospara alm da necessidade, representados pelos sonhos, a arte e os projetos polticos utpicos[8]. Entretanto, preciso reconhecer que na dimenso onrica que o desejo serealiza, por meio do disfarce. S assim ele pode ser feliz.Porque, na dimenso concreta da realidade, jamais o sujeito poder conquistar a felicidade. A realidade do mundo, dos acontecimentos e dos fatos, sempre frustra nossa capacidade desejante de preenchimento ou a sensao de ser feliz.Portanto, no podemos associar a satisfao das necessidades com a felicidade. A arte, a poltica, a f religiosa ou laica, prometem, mas no cumprem a aspirao de proporcionar felicidade realistaao ser humano, porque ele esta prioricondenado a insatisfao, a angstia e deve se contentar apenas com os momentos desatisfaoparcialourealizaoilusria. Talvez, o sujeito humano pudesse estar mais prximo da felicidade quando sonha ou elabora projetos de uma vida feliz. Desde Agostinho, passando por Leibniz, e Spinoza, a falta essencial est associada ao mal radical do ser humano[9]. No porque ele um ser diablico, mas porque um ser eternamente propenso a buscar, buscar, buscar. Este estado de mal-estar do ser humano fundou a cultura ou civilizao. Imperfeita em todos os aspectos, esta civilizao faz surgir movimentos diversos visando melhor-la ou destru-la, para reconstru-la em outras bases. O mal-estar de nossa civilizao nada mais , segundo Freud, que o reconhecimento de que estamos condenados a uma economia libidinal baseada nomais-gozar. Enquanto amais-valiasustenta a economia capitalista, em Marx, omais-gozarsustenta a economia libidinal do sujeito, em Lacan. na repetio que o sujeito goza.E, enquanto goza, feliz. feliz tanto na felicidade passe a expresso como na infelicidade, no bem como no mal, no prazer e na dor(PEREIRINHA, 1997).O desenvolvimento biotecnolgico parece prometer uma felicidade que no se cumpre (vide o alto ndice de depressivos, apesar do Prozac).A psicanlise no ensina o sentido da vida, mas ao questionar sua histria e suas escolhas, permite ao sujeito encontrar um sentido para sua vida, do que possa ser as felicidades possveis, sendo ele o autor de sua prpria histria.Embora parea pessimista essa afirmao psicanaltica, no impede que continuamos tendo como meta de vidaser-feliz, no a maneira do desejo dos outros (Kant), que sempre esto prontos para nos empurrar sua filosofia, cincia, f, ou ideologia poltica totalitria, fazendo de nossa vida um inferno.A felicidade no pode ser produto de uma alienao, enganao ou delrio. Os recentes estudos sobre a felicidade apontam que ela ser inventada por umsujeitoque aprendeu a conhecer melhor a si prprio e o mundo em que vive. Conhecer-se a si mesmo uma grande valia para a felicidade, tanto para termos noo mais concreta de nossas potencialidades quanto para sabermos dos nossos defeitos (DEMO, 2001).O procedimento daauto-anlise, sem dvida, pode conduzir o sujeito para desenvolver a coragem de construir um estilo de vida com autocrtica e compromisso de melhorar alguns aspectos da prpria vida e dos outros, tambm. Alguns estudos confirmam antigas sentenas filosficas que j apontavam sobre o melhor caminho para a felicidade: oaltrusmo e a manuteno das amizades. (Ningum pode ser feliz sem amigos, dizia o velho Aristteles. As pessoas felizes de nossa poca so aquelas que ajudam o prximo, conclui a pesquisa de A. Maslow). Em vez de ficar obsessivamente buscando a felicidade, deveramos sustentar uma certa alegria de viver[10]no nosso prprio eu, e que pudesse ser irradiada para tambm animar o prximo. Seria uma alegria que nasce da verdade ousabedoria[11].Esta concepo sobre a alegria de viver aparece numa rara entrevista de Freud, no auge de usa trajetria como pensador e clnico. Diz ele:Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade (...) No, eu no sou pessimista, no enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores!No sou infeliz ao menos no mais infeliz que os outros._____________[1]Citado por L. Flem, (1986, p. 163). (Tb. citado por L. Binswanger, emAnalyse Esitentielle et Psychanalyse Freudienne, op. cit. 313).[2]A psicanlise se refere ao sujeito e no do indivduo (da sociologia, por exemplo). Ou seja, o sujeito, na sua condio de sujeito dividido, pode ser feliz, o que no acontece ao indivduo.Quando Lacan diz que o sujeito feliz, percebe-se facilmente que no se trata do indivduo. A tal ponto que, servindo-me outra vez das palavras de Jean-Pierre Klotz, poderamos dizer que "a felicidade do sujeito a infelicidade do indivduo".Eis uma possvel formulao do que significa o to apregoado sujeito dividido em Lacan. No ponto mesmo em que o indivduo sofre, o sujeito feliz. Como acentua Jacques-Alain Miller, "quaisquer que sejam os seus infortnios, ao nvel do inconsciente ele sempre feliz".Por conseguinte, o sujeitodo inconsciente feliz. (PEREIRINHA,1997).[3]Afelicidade individual ofertada pelos livros de auto-ajuda. Afelicidade grupal patrocinada pelos clubes de sado-masoquismo, prometida atravs das comunidades alternativas (Eu quero uma casa no campo...), dos diversos grupos religiosos, etc. Afelicidade coletiva, talvez o melhor exemplo, criticado por Freud, seja a teoria marxista com seu projeto de uma sociedade comunista.A seguir, extramos alguns fragmentos de Freud onde critica o aspecto religioso e a concepo de felicidade do marxismo, notadamente do chamado socialismo real da ex-Unio Sovitica. Freud escreve:o marxismo terico, a exemplo do bolchevismo russo, adquiriu a energia e o carter autosuficiente de uma Weltanschauung,:contudo, adquiriu, ao mesmo tempo, uma sinistra semelhana com aquilo contra o que est lutando.Embora sendo originalmente uma parcela da cincia, e construdo, em sua implementao, sobre a cincia e a tecnologia, criou uma proibio para o pensamento que exatamente to intolerante como o era a religio, no passado.Qualquer exame crtico do marxismo est proibido, dvidas referentes sua correo so punidas, do mesmo modo que uma heresia, em outras pocas, era punida pela Igreja Catlica.Os escritos de Marx assumiram o lugar da Bblia e do Alcoro, como fonte de revelao, embora no parecessem estar mais isentos de contradies e obscuridades do que esses antigos livros sagrados.Embora o marxismo prtico tenha varrido impiedosamente todos os sistemas idealsticos e as iluses, ele prprio desenvolveu iluses que no so menos questionveis e merecedoras de desaprovao do que as anteriores. Ele espera, no curso de algumas geraes, de tal modo alterar a natureza humana, que as pessoas vivero juntas quase sem atrito na nova ordem da sociedade [comunista] e que elas assumiro as tarefas do trabalho sem qualquer coero.Nesse meio-tempo, ele muda para algum outro setor as restries instintuais[pulsionais]que so essenciais na sociedade; desvia para o exterior as tendncias agressivas que ameaam todas as comunidades humanas e apia-se na hostilidade do pobre contra o rico e na hostilidade daquele que at ento esteve impotente contra os governantes anteriores. Mas uma transformao da natureza humana, como esta que pretende, altamente improvvel.(...)Exatamente da mesma forma como a religio, o bolchevismo deve tambm oferecer aos seus crentes determinadas compensaes pelos sofrimentos e privaes de sua vida atual, mediante promessas de um futuro melhor, em que no haver mais qualquer necessidade insatisfeita. Esse paraso, no entanto, tem de ser nesta vida, ser institudo sobre a terra a ser descerrado num tempo previsvel. Convm lembrar, contudo, que tambm os judeus, cuja religio nada sabe de uma vida aps a morte, esperavam a chegada de um Messias sobre a terra, e que a Idade Mdia crist, muitas vezes, acreditava que o Reino de Deus estava prximo (...). [Portanto,] a fora do marxismo est, evidentemente, no na sua viso [cientfica] da histria ou nas profecias do futuro [da sociedade feliz](...), mas sim na arguta indicao da influncia decisiva que as circunstncias econmicas dos homens tm sobre as suas atitudes intelectuais, ticas e artsticas(Freud, op. cit., p. 218-216 grifo nosso).Ainda, a propsito da felicidade coletiva, preciso acrescentar que tanto os revolucionrios utpicos como os cientficos concebiam a felicidade nopassadoe nofuturo. Opresenteexiste apenas para relembrar ou para projetar a revoluo socialista-comunista. A crena na felicidade estaria nopassado, supostamente dominado pelo matriarcado ou pelo comunismo primitivo. Para o psicanalista, a nsia de retorno fuso com a me seria o fundamento psicolgico, fundado um sistema igualitrio, justo, feliz. Posta nofuturo, a felicidade aparece em forma de realizao do projeto de uma sociedade comunista onde, curiosamente, a dialtica da histria se estagnaria, o jogo da poltica se extinguiria fazendo reinar entre os homens da terra a felicidade proletria, nunca antes conseguida na histria da humanidade. No fundo, os revolucionrios se acham no direito de obrigar todos a serem felizes de acordo com uma suposta felicidade proletria. Para Freud, trata-se de uma viso mtico-religiosa, que influenciada pela concepo de um paraso perdido, como cr as religies. A abstrao de uma felicidade conduzida pelo proletariado no poder estaria na contramo de I. Kant quando diz queningum pode me obrigar a ser feliz a sua maneira".Porque, somente o proletariado concebido como sem diviso de classe forneceria o modelo nico, a forma definitiva, para todos serem felizes na simplicidade, fraternidade, igualdade e justia.[4]Por exemplo,o olhar do pai, presente no fantasma, seria muito mais importante[para a constituio do sujeito]do que o prprio pai. O mesmo ocorre com o seio da me que amamenta o filho, o chicote manejado pelo professor que pune a criana ou o tato com o qual tortura a vtima (...). Ou seja, esses objetos do fantasma funcionam no apenas como objetos, mas tambm enquanto significantes. O prprio Freud, alis, tinha destacado a grande sensibilidade de seu paciente [O homem dos ratos] a toda uma srie de palavras, inclusive o fonema rato(CHEMAMA, op. cit.: 71-2).[5]Gozo no prazer, mas o estado que ficaalm do prazer; ou, para retomarmos os termos de Freud, ele uma tenso, uma tenso excessiva, um mximo de tenso, ao passo que, inversamente, o prazer um rebaixamento das tenses (...); o gozo ... alinha-se do lado da perda e do dispndio, do esgotamento do corpo levado ao paroxismo de seu esforo. O termo mais-gozar proposto por Lacan, inspirado na mais-valia de Marx. Por exemplo, a economia libidinal do neurtico o faz mais-gozaratravs do sonho, j que ele supe o gozo do Outro como um gozo impossvel, ao passo que o perverso o toma com realizvel. Assim, para o neurtico impossvel imaginar a morte, a loucura, a felicidade suprema. J o perverso no imagina o gozo, mas busca-o, persegue-o e julga ser possvel capt-lo. Nasio, observa que quando [o perverso] espreita atrs de uma rvore, ovoyerquer captar o xtase dos amantes, sem, no entanto, ter nenhuma imagem prvia na cabea (p.135).[6]NaCarta a Meneceu,Epicuro baseia no prazer os alicerces da felicidade. Ele "o princpio e o fim da vida bem aventurada".No um prazer desbragado, evidentemente, mas comedido."Quando falamos do prazer como um fim avisa Epicuro no falamos dos prazeres dos dissolutos ou daqueles que tm o gozo por residncia como o imaginam algumas pessoas que ignoram a doutrina, no concordam com ela, ou so vtimas de uma falsa interpretao mas de alcanar o estdio em que no se sofre do corpo e no se est perturbado da alma."(apudPereirinha, 1997).[7]Felicidade no existe... o que existe so os momentos felizes,parece no ser uma frase original do cantor brega, Odair Jos, mas de um obscuro pensador, Terrier (?).[8]O homem se sustenta na existncia porque cultiva utopias, diz E. Bloch. No nos livramos do desejo, a no ser nos enganando. Para este autor, esta seria uma funo utpica, que se encarregaria de afixar em cada realizao crtica do melhor, do mais, em nome do possvel.O homem no um ser feliz, absolutamente; sua felicidade est na busca diria da felicidade.Este aguilho o faz andar. At morte buscar a felicidade, certo de que foi apenas relativamente feliz e de que poderia ter sido muito mais feliz, guardando em si um desejo absoluto de felicidade. Ou seja, enquanto brilhar no ser humano a esperana a felicidade possvel, no como algo posto no futuro mas como algo que acontece no dia a dia, embora nem sempre consigamos aperceber ... (Demo, 1981: 188).[9]Um belo estudo sobre esse assunto de L.A. Garcia-Roza. O mal radical em Freud. Rio: Jorge Zahar, 1990.[10]Lacan, numa entrevista a rdio francesa, assim teria respondido.[11]Comte-Sponville, A. 2001.