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1 A GAZETA DE NOTÍCIAS DO RIO DE JANEIRO E OS MOMENTOS DECISIVOS (1888-1889). George Vidipó* O presente artigo irá analisar o periódico Gazeta de Notícias nos anos de 1888 e 1889 no Rio de Janeiro. Werneck Sodré (SODRÉ, 1999) o descreve como um jornal popular e barato. Uma das suas características mais marcante era ser reconhecido como um jornal “neutro”. O Gazeta de Notícias foi lançado no dia 2 agosto de 1875 com o objetivo de noticiar, levar literatura e ser “neutro”. Em seu prospecto inaugural estabelecia sua meta: “Além de um romance, a Gazeta de Notícias todos os dias dará um folhetim de atualidade. Artes, literatura, teatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a Gazeta de Notícias se propõe trazer ao corrente os seus senhores” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 2 de agosto de 1875, p.1). Em outra nota, na mesma página, afirmava sua proposta de neutralidade: “Não sendo a Gazeta de Notícias folha de partido apenas tratará de questões de interesse geral, aceitando nesse terreno o concurso de todas as inteligências que quiserem utilizar das suas colunas” (Opt. Cit.). Ser neutroera não ter lado, ou escolher uma proposta de partido político, ser neutro era não ter partido. Para Andrea Pessanha (2006) a neutralidade não existia e era proposta pelos jornais do século XIX como estratégia de venda, para atingir um público maior 1 . No entanto os contemporâneos do Gazeta de Notícias viam o jornal como neutro. José Veríssimo * Professor de História da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Mestrando em História do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira. 1 Andrea Pessanha (2006) estudou dois jornais do fim do século XIX, O Paiz e o Gazeta Nacional, o segundo se declarava republicano (órgão não oficial do Partido Republicano) e o primeiro se declarava “neutro”. A pesquisadora observou que, em todo o período existência do Gazeta Nacional, houve problemas financeiros para manter-se. Era constante, nas suas edições, a solicitação de ajuda financeira para os leitores e simpatizantes. Já O Paiz, jornal “neutro”, não passou por esse problema, sendo um dos mais vendidos na praça do Rio de Janeiro. É bastante significativa que o periódico tinha uma coluna, nos anos de 1888 e 1889, “Coluna Neutra”, assinada por Joaquim Nabuco, onde se defendia a Monarquia. (PESSANHA, 2006: 75.76).

A GAZETA DE NOTÍCIAS DO RIO DE JANEIRO E OS MOMENTOS

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A GAZETA DE NOTÍCIAS DO RIO DE JANEIRO E OS

MOMENTOS DECISIVOS (1888-1889).

George Vidipó*

O presente artigo irá analisar o periódico Gazeta de Notícias nos anos de 1888 e

1889 no Rio de Janeiro. Werneck Sodré (SODRÉ, 1999) o descreve como um jornal

popular e barato. Uma das suas características mais marcante era ser reconhecido como

um jornal “neutro”.

O Gazeta de Notícias foi lançado no dia 2 agosto de 1875 com o objetivo de

noticiar, levar literatura e ser “neutro”. Em seu prospecto inaugural estabelecia sua

meta: “Além de um romance, a Gazeta de Notícias todos os dias dará um folhetim de

atualidade. Artes, literatura, teatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a Gazeta

de Notícias se propõe trazer ao corrente os seus senhores” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 2

de agosto de 1875, p.1). Em outra nota, na mesma página, afirmava sua proposta de

neutralidade: “Não sendo a Gazeta de Notícias folha de partido apenas tratará de

questões de interesse geral, aceitando nesse terreno o concurso de todas as inteligências

que quiserem utilizar das suas colunas” (Opt. Cit.). Ser “neutro” era não ter lado, ou

escolher uma proposta de partido político, ser neutro era não ter partido. Para Andrea

Pessanha (2006) a neutralidade não existia e era proposta pelos jornais do século XIX

como estratégia de venda, para atingir um público maior1. No entanto os

contemporâneos do Gazeta de Notícias viam o jornal como “neutro”. José Veríssimo

* Professor de História da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Mestrando em História do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira. 1Andrea Pessanha (2006) estudou dois jornais do fim do século XIX, O Paiz e o Gazeta Nacional, o segundo se declarava republicano (órgão não oficial do Partido Republicano) e o primeiro se declarava “neutro”. A pesquisadora observou que, em todo o período existência do Gazeta Nacional, houve problemas financeiros para manter-se. Era constante, nas suas edições, a solicitação de ajuda financeira para os leitores e simpatizantes. Já O Paiz, jornal “neutro”, não passou por esse problema, sendo um dos mais vendidos na praça do Rio de Janeiro. É bastante significativa que o periódico tinha uma coluna, nos anos de 1888 e 1889, “Coluna Neutra”, assinada por Joaquim Nabuco, onde se defendia a Monarquia. (PESSANHA, 2006: 75.76).

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assim classificava-o: “Jornal barato, popular, livre de compromisso partidário ou

semelhante, e também o jornal fácil de fazer ...” (VERÍSSIMO. Apud: RIBEIRO,

2004:122).

Rapidamente o jornal passou a ter uma tiragem de 24 mil exemplares e a

concorrer pela liderança na praça do Rio de Janeiro com o Jornal do Commercio. A

grande revolução gerada pelo aparecimento do Gazeta de Notícias foi devido ao seu

estilo “barato, popular, vendido a quarenta réis o exemplar” (SODRÉ, 1999: 257). O

mais inovador era a sua distribuição, saindo do convencional, era vendido em livrarias.

O periódico passou a ser vendido onde estava o leitor, nas ruas, esquinas, barcas, trens,

estações ferroviárias, bondes, etc.

O Gazeta de Notícias foi fundado pelos editores Ferreira de Araújo, Manuel

Carneiro e Elísio Mendes e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assunção2. O

redator-chefe Ferreira de Araújo foi o grande nome e condutor do periódico de 1875 até

1900, quando faleceu.

Marialva Barbosa (BARBOSA, 2010) defende que a partir da década de 1880 se

formou um novo tipo de imprensa no Brasil, a imprensa-empresa. Essa empresa tem

uma preocupação maior com a venda do seu produto e a sustentabilidade econômica,

que era conquistada através da venda de anúncios e matérias pagas. Esse jornalismo

tentava fugir da polêmica política e procurava divulgar cada vez mais a ideia de

imparcialidade. Essa estratégia permitiu criar a ilusão de “donos da verdade” perante o

público. A autora expõe essa posição de defensores do público:

Colocando-se [os jornais] como intermediário possível entre o público e a

sociedade política, através de textos pretensamente imparciais, objetivos e

neutros, os jornais criaram uma auto-identidade peculiar para afirmar cada

vez mais como o lugar da verdade. Ao se construírem como intermediários

entre o público e a sociedade política, aumentavam ainda mais o seu poder de

dominação e participavam do jogo de poder que atingia todas as esferas da

vida quotidiana. (BARBOSA, 2010:98)

O Gazeta de Notícias, devido a ótima remuneração, atraiu os melhores literatos

do seu tempo como: Machado de Assis, Coelho Neto, Guilherme de Azevedo, José do

2 Ferreira de Araújo era filho de portugueses e Manuel Carneiro e Elísio Mendes imigrantes portugueses.

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Patrocínio, Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão, França Junior, Joaquim Serra, Valentim

Magalhães, Raul Pompeia e outros. O periódico era conhecido como um jornal literário

(ASPERTI, 2006), no entanto o tema político cobria cerca de 30% do jornal, através de

colunas como: Boletim Parlamentar, Diário das Câmaras, Telegramas, Crônica da

Semana e Cousas Políticas. Juntas, essas colunas, em certas edições, podiam ocupar até

duas páginas do periódico, para uma média diária de 4 páginas.

Assim, poderemos verificar através da leitura das edições diárias como o Gazeta

de Notícias se portou na implantação da Abolição da Escravatura (1888) e Proclamação

da República (1889).

O Gazeta de Notícias nos anos de 1888 e 1889.

Nos primeiros meses de 1888, o Gazeta de Notícias não tomou partido da

abolição. Em suas colunas opinativas (Crônica da Semana, Cousas Políticas e Carta-

artigo3) não aparecem o tema abolição dos escravos. Embora seja ferrenho o movimento

abolicionista no Rio de Janeiro e, sobretudo, em São Paulo com as fugas maciças dos

escravizados das fazendas (AZEVEDO, 2004). No entanto, a partir do mês de março

inicia-se uma mudança de posição no jornal com pequenas notas de proprietários de

escravos que libertavam seus cativos sem condições.

No dia 9 de março de 1888, o jornal informa a tomada de decisão da Assembleia

Provincial de São Paulo de instituir um imposto sobre a propriedade dos cativos. O

periódico, então, comemora dizendo que a abolição estava posta, pois o imposto de

400$000 inviabilizava a permanência da posse dos escravizados, ou melhor, a

escravidão na província.

Em março, também, cai o gabinete do Barão de Cotegipe, devido a oposição que

exerceu sobre o movimento abolicionista. Sendo substituído pelo Senador João Alfredo

que subiu com o objetivo de fazer a abolição imediata. Com isso, as notícias de

3 Na página 3 aparecem as cartas ou artigos dos leitores do Gazeta de Notícias, em sua maioria eram pagas, chamamos esses artigos de carta-artigo. Foi-nos muito importante à análise dessas cartas, pois nos permitiu ver como os leitores estavam reagindo as mudanças em curso nos anos de 1888 e 1889.

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libertação de escravos sem condições pelos proprietários multiplicam-se nas edições do

periódico. Os motivos alegados pelos proprietários eram: o aniversário de falecimento

de ente querido, aniversário de uma filha ou filho, etc. Com a proximidade do mês de

maio e a abertura dos trabalhos do Parlamento, mais proprietários libertavam seu

escravos, ou melhor, mais notas aparecem nas páginas do periódico.

Esse movimento de libertação retratado pelo Gazeta de Notícias parece ser

espontâneo dos proprietários, quando na verdade fazia parte de uma ampla campanha

abolicionista. No entanto, até 13 de maio de 1888 aparecem poucas informações no

periódico sobre o trabalho da Confederação Abolicionista ou qualquer um de seus

membros mais importante como: João Clapp, Joaquim Nabuco, André Rebouças ou

José de Patrocínio.

Com a subida do Gabinete de 10 de Março, o Gazeta de Notícias modifica o seu

tom e acompanha com fervor as reuniões dos ministros e estes com a Princesa

preparando a “Fala do Trono” e a “Lei Aurea”.

Em 13 de maio de 1888, foi declarada a libertação dos escravos. No dia 14 de

maio o jornal modifica a tradicional paginação das suas edições e estampa na primeira

página a Lei Áurea. Uma autêntica primeira página moderna. A partir de então passa a

fazer uma retrospectiva do movimento abolicionista e elege um herói do movimento

abolicionista: José do Patrocínio.

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Edição tradicional da primeira página do Gazeta

Notícias nos anos de 1888 e 1889.

Edição do dia 14 de maio de 1888, primeira

página do Gazeta de Notícias.

No dia 12 de maio de 1888, o Gazeta de Notícias se associa com outros jornais

do Rio de Janeiro, criando a associação “Imprensa Fluminense”4, e organizam um

grande festejo para comemorar a Lei Áurea. No dia 17 de maio de 1888 foi feita uma

missa campal com a presença da Princesa e pequenas festas em toda a cidade nos dias

18 e 19. A Princesa Isabel foi convidada para prestigiar os festejos por uma comissão da

“Imprensa Fluminense” liderada por Ferreira de Araújo (Gazeta de Notícias) e

Fernando Mendes (Diário de Notícias).

Entretanto no dia 14 de maio, em um artigo, o jornal propõe que a abolição da

escravidão iria matar a monarquia:

... José do Patrocínio e João Clapp: aquele a inteligência, sentimento, o

sarcasmo, a injúria, o elogio, as múltiplas contradições aparentes encobrindo

uma coerência, de tão profunda, quase incrível; o republicano que vibrou na

dinastia o golpe que há de matá-la, (...), e que ao mesmo tempo dissolveu o

4 Os participantes da “Imprensa Fluminense” foram os jornais: Gazeta de Notícias, Jornal do Commercio, Cidade do Rio, Diário de Notícias, Revista ilustrada, Época, Gazeta da Tarde, Novidade e Apóstolo.

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partido republicano impelindo-o para os escravocratas. (GAZETA DE

NOTICIAS, 14 de maio de 1888, p.1).

Neste mesmo período, a associação “Imprensa Fluminense” prepara uma viagem

para Argentina para agradecer o apoio que o ministro argentino5 no Brasil deu a

campanha abolicionista. Os representantes da “associação” estariam em Buenos Aires

no dia 9 de julho de 1888 para comemorar o aniversário da “República” Argentina.

No dia 9 de julho de 1888 o Gazeta de Notícias modifica a primeira página

novamente para estampar a manchete “A REPÚBLICA ARGENTINA” sendo

completada por artigos que relatavam a história da Argentina e sua adiantada

organização republicana. É interessante organização cronológica da história argentina,

onde é dada ênfase ao dia em que o povo jurou a Constituição, algo inédito para o

Brasil.

O dia de hoje é duplamente glorioso na história da Republica Argentina.

Foi em 9 de julho de 1816 que o Congresso de Tucuman declarou a

independência da Províncias Unido do Prata.

Foi em 9 de julho de 1853 que o povo argentino jurou a Constituição votada

em Santa Fé. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 9 de julho de 1888, p.1).

5 Hoje seria o embaixador argentino no Brasil.

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Edição de 9 de julho de 1888, página 1.

A “república” após abolição passou a ser assunto recorrente nas edições do periódico.

Diariamente apareciam criações de clubes republicanos, reuniões onde havia grande adesão de

cidadãos ao partido republicano e as conferências de Silva Jardim em seu périplo pela região

cafeeira da Província do Rio de Janeiro e de Minas. Bem como, Nilo Peçanha em campanha

republicana principalmente na região de Campos dos Goytacazes. A república era assunto dos

políticos no Parlamento - Câmara e Senado - que comentavam o crescimento do movimento

republicano no Império. Na coluna “Diário das Câmaras” o movimento republicano era sempre

lembrado nos discursos dos políticos do partido Conservador e Liberal, a ponto do presidente do

Conselho de Ministros, João Alfredo, ser questionado qual posição do governo e do Imperador

ao seu crescimento. Ele respondeu que o governo e Dom Pedro II não temiam, pois entendiam

que seria como em 1871, perderia sua força, e o governo não interferiria nesse processo.

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O Gazeta de Notícias não explica o crescimento do movimento republicano. Porém esse

crescimento pode ser verificado nas “cartas-artigos”, na página 3, onde os lavradores cobravam

do governo a indenização pela abolição dos escravos. Diziam que preveriam a indenização a se

transformarem em republicano, e conclamavam apoio aos Senadores Barão de Cotegipe e

Paulino de Souza para lutarem pela indenização.

A república voltou a ter ênfase em 14 de julho de 1889, com o centenário da Revolução

Francesa e a Queda da Bastilha. O jornal muda a estratégia da primeira página, em vez de uma

grande manchete, publica uma grande gravura da Bastilha compondo com um histórico daquele

dia de 1789, assinado por Michelet. A gravura era um inovador recurso técnico que o Gazeta de

Notícias havia implantado em novembro do ano anterior. Com esse recurso o periódico podia

atingir um público não letrado e ser marcante para o letrado.

Essa mesma dedicação não aparece no primeiro aniversário da Lei Aurea. O jornal não

reproduziu a primeira página do ano anterior, nem as duas semanas que dedicou a libertação dos

escravos. No dia 13 de maio de 1889 o Gazeta de Notícias apenas acompanhou os festejos

organizados pelo governo e pela Confederação Abolicionista. Para isso foi dedicado 4 colunas da

primeira página. No editorial sobre o dia 13 de maio, a monarquia foi criticada, pois o

movimento abolicionista era irreversível, e reconhecia que o movimento republicano crescera

depois do ato do Império. Para o editorialista esse crescimento era um bem para o Partido

Republicano: “Prova que os espíritos vão se formando e afirmando. (...) A lei de 13 de maio

além de libertar os escravizados, há afinal de libertar os que se diziam, mas não eram livres”.

(GAZETA DE NOTÍCIAS, 13 de maio de 1889, p. 1)

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Edição de 13 de maio de 1889. Edição de 14 de julho de 1889.

Na página 2, apresenta um artigo de Silva Jardim, coluna “Política Republicana”, onde é

feita uma longa crítica a Monarquia e ao governo que não aproveitou o 13 de maio para criar

condições para desenvolver o país; pois não cuidou dos libertos dando terras devolutas6 para

sobreviverem, instrumentos de trabalho e uma instrução elementar. Jardim procurava atrair a

população liberta que apoiava a Monarquia: “O tempo virá em que os descendentes da raça

negra, bem inspirados e esclarecidos lhe tomem disto severas contas. A república benevolente e

serena aguarda dia de fraternidade e justiça”. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 13 de maio de 1889,

p. 2)

A edição de 18 de novembro de 1889, logo após a Proclamação da República, estampava

na primeira página a gravura de Benjamim Constant e Deodoro da Fonseca, os executores da

6 Maria Fernanda Lombardi Fernandes observa que Silva Jardim não teve muita preocupação com uma “reforma agrária” em sua campanha de propaganda da República. Fernandes assim descreve a inquietação de Jardim com o liberto: “Se não chegava a formular um projeto claro de reforma agrária, como André Rebouças, Jardim também não achava que a questão se esgotasse na letra da lei. Sua preocupação estendia-se para a “organização do trabalho”, ou seja, a incorporação do negro com mão-de-obra livre, a organização dos trabalhadores, sua relação com os patrões, as questões salariais, etc.” (FERNANDES, 2008: 94,95)

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mudança de regime. A primeira página era dedicada a queda da Monarquia e a subida do

Governo Provisório Republicano. O Gazeta de Notícias teve a preocupação de apresentar a

tranquilidade que se instalou na cidade, “tudo caminhava bem e sem alteração” (Opt. Cit.). O

Governo Provisório cuidava de tudo, dos compromissos financeiros e da situação da Família

Imperial, que estava sendo bem tratada e levada para o exílio. Isso demonstrava o respeito que os

republicanos tinham pelo país e de certa continuidade, pois o ministro da fazenda, Ruy Barbosa,

fazia questão de visitar os bancos para afirmar que todos os contratos e compromissos seriam

mantidos.

No editorial, o jornal felicitava a nação que aceitou a mudança do regime e que o advento

da República não só aboliu a Monarquia mas, também, a política que nela era praticada, a base

de “chicana”. Isso porque os Ministros e o Presidente, que formavam o Governo Provisório, não

participavam da política anterior. Assim um novo país surgia:

Os homens que estão hoje no governo nunca entraram nesse mundo. Só três deles.

Tudo nos leva, pois, a crer que estes homens vão governar o país, sem saber e sem

querer saber uma palavra do que era ciência política aqui.

Eles vencedores eram perseguidos ontem, tinham por si a força e empregaram-na para

fazer prevalecer o direito, sem abusar dela para satisfazer rancores. (GAZETA DE

NOTÍCIAS, 18 de novembro de 1889, p. 1)

Esta mesma edição revela a intensa adesão à República de políticos dos antigos partidos

Conservador e Liberal, como os Senadores Antônio Prado e Paulino de Souza. No entanto o

jornal não percebe nisso um problema. Para o Gazeta de Notícias os grandes heróis da república,

devido as suas integridades morais, modificariam a política e colocaria o país na civilização.

Comentário Final

Ao desenvolver este estudo tínhamos como referência o trabalho de Asa Briggs e Peter

Burke que constatou “o efeito da mídia [imprensa] e suas mensagens sobre as mudanças de

atitude e mentalidade das pessoas”. (BRIGGS; BURKE, 2006: 96). Eles perceberam que sua

influência estava na ampliação da esfera pública e na construção da imparcialidade conquistada

pela mídia impressa em ser cada vez mais informativa.

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Com o aparecimento do Gazeta de Notícias a neutralidade foi proposta e no desenrolar

dos anos foi aceita na comunidade fluminense. É importante notar, que nas críticas e nos elogios

que recebia, a “neutralidade” era sempre reconhecida e afirmada.

No entanto, vimos que o jornal utilizou essa premissa com seu público leitor para

direcioná-lo para a aceitação da mudança do sistema de governo. Uma construção com

manchetes das primeiras páginas, nos editoriais e crônicas, que sugeriam a incapacidade do

sistema monárquico de fazer do Brasil um país civilizado.

Documentação

GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 1888 a 1889.

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