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57 RCPV (2014) 109 (591-592) 57-61 A importância de Ornithodoros erraticus em Saúde Pública Importance of Ornithodoros erraticus in Public Health Mariana Palma 1,2, Isabel L. de Carvalho *1,3 , Maria S. Núncio 1 1 Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infecciosas Doutor Francisco Cambournac, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Águas de Moura, Portugal. 2 Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, Universidade Nova de Lisboa, Oeiras, Portugal. 3 Unidade de Resposta a Emergências e Biopreparação, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Lisboa, Portugal. Resumo: Ornithodoros erraticus é uma carraça de corpo mole, vector de agentes infeciosos que podem transmitir ao homem, a febre recorrente hispano-africana e a suínos, a peste suína africa- na. A febre recorrente hispano-africa é uma infecção bacteriana, provocada pela bactéria Borrelia hispanica, transmitida ao ho- mem através da picada de O. erraticus infectados. A doença foi re- portada em Portugal até 1961, considerando-se sub-diagnosticada desde então. Recentemente foi desenvolvido um projeto de vigi- lância epidemiológica para avaliar a ocorrência atual do vetor e do agente etiológico da infeção na região sul de Portugal (Alentejo e Algarve). Os resultados obtidos confirmam a presença de B. his- panica, ainda que, em baixa prevalência de infeção (2,2 %). No âmbito deste estudo foram ainda identificados os principais hospe- deiros de O. erraticus, humanos e suínos e a presença de uma nova estirpe bacteriana - Rickettsia lusitaniae sp. nov., sobre a qual não existe informação da sua possível patogenicidade. Summary: Ornithodoros erraticus is a soft tick, vector of disea- ses to human (tick-borne relapsing fever) and pig (african suine fever). Tick-borne relapsing fever is a bacterial infection caused by Borrelia hispanica, transmitted through the bite of infected O. erraticus. This disease was reported in Portugal until 1961, and could be underdiagnosed after that. A surveillance project was developed recently to evaluate the actual state of the vector and the etiologic agent of the disease, in the southern region of Portugal. Results showed that the occurrence of O. erraticus is lower when compared with previous studies, and B. hispanica remains present albeit in lower percentage (2,2 %). It was identi- fied the major hosts for O. erraticus, as pigs and humans. It was also identified the presence of a new bacterial strain – Rickettsia lusitaniae sp. nov., with unknown pathogenicity information. Ornithodoros erraticus (Lucas, 1849) é um artrópo- de da Classe Arachnida (Acari: Argasidae) (Nava et al., 2009). Estas carraças distinguem-se das de corpo duro pelo seu aspeto coriáceo, por não possuírem escudo dorsal e pela armadura bocal ter posição subterminal (Encinas Grandes et al., 1999; Dworkin et al., 2002). Estes argasídeos são hematófagos, fazendo refeições rá- pidas, de 10 a 60 minutos, geralmente à noite enquanto os hospedeiros estão em repouso (Encinas Grandes et al., 1999; Boinas, 1994). O ciclo de vida de O. erraticus inclui as fases de ovo, larva, estados ninfais (de 1 a 3, 4 ou 5) e adulto (El Shoura, 1987; Encinas Grandes et al., 1993). As carraças do género Ornithodoros distribuem- se por todo o mundo, com exceção da Oceânia. A espé- cie O. erraticus está descrita na Península Ibérica, Sul da Europa, Próximo Oriente e Norte de África (Estrada-Peña e Jongejan, 1999). O. erraticus é um importante vetor de agentes infeciosos para o Homem e para os animais, sendo responsável pela transmissão da febre recorrente hispano-africana no Homem, cujo agente etiológico é Borrelia hispanica (David de Morais et al., 2007) e pela transmissão do Vírus da Peste Suína Africana (VPSA) nos suínos (Sánchez Botija, 1982; Boinas et al., 2011). Em Portugal estão geralmente associados aos abrigos tradicionais e rústicos para suínos, construídos de pedra e taipa, e com o chão em terra ou pavimento rudimen- tar com fendas – as “malhadas antigas”, onde vivem nas fendas ou enterrados no solo (Boinas, 1994; Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). A sua presença foi reportada anteriormente por Boinas (1994), em 13 concelhos do Alto e Baixo Alentejo e Algarve, onde são vulgarmente designados como “cócos”, “sanxelhos” ou “chicharos”. Entre 2009 e 2011 foi desenvolvido, pelo Centro de Vetores e Doenças Infeciosas Doutor Francisco Cambournac – Instituto Nacional de Sáude Dr Ricardo Jorge, um projeto de vigilância deste vetor no sul de Portugal, para o estudo da ocorrência e distribuição do parasita e sua importância epidemiológica. Estes estudos de vigilância, realizados entre 2009 e 2011 nas regiões anteriormente reportadas, reve- lam a presença do parasita em 19% (n = 63) das ex- plorações estudadas (CEC, 1993). As explorações nas quais foi identificada a ocorrência de O. erraticus es- tão localizadas nos concelhos de Almodôvar, Castro Verde e Ourique. A sua presença esteve sempre as- sociada a malhadas antigas de explorações em regi- me extensivo (Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). Comparativamente com estudos anteriores, verifica- se uma diminuição do número de locais infestados (Boinas, 1994; Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). No entanto, a sua ocorrência é ainda expressiva a ní- vel regional, com um impacto significativo na produção, *Correspondência: [email protected] Tel: 265938290/5; Fax 265912155

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RCPV (2014) 109 (591-592) 57-61

A importância de Ornithodoros erraticus em Saúde Pública

Importance of Ornithodoros erraticus in Public Health

Mariana Palma1,2, Isabel L. de Carvalho*1,3, Maria S. Núncio1

1Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infecciosas Doutor Francisco Cambournac, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Águas de Moura, Portugal.2Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, Universidade Nova de Lisboa, Oeiras, Portugal.

3Unidade de Resposta a Emergências e Biopreparação, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, Lisboa, Portugal.

Resumo: Ornithodoros erraticus é uma carraça de corpo mole, vector de agentes infeciosos que podem transmitir ao homem, a febre recorrente hispano-africana e a suínos, a peste suína africa-na. A febre recorrente hispano-africa é uma infecção bacteriana, provocada pela bactéria Borrelia hispanica, transmitida ao ho-mem através da picada de O. erraticus infectados. A doença foi re-portada em Portugal até 1961, considerando-se sub-diagnosticada desde então. Recentemente foi desenvolvido um projeto de vigi-lância epidemiológica para avaliar a ocorrência atual do vetor e do agente etiológico da infeção na região sul de Portugal (Alentejo e Algarve). Os resultados obtidos confirmam a presença de B. his-panica, ainda que, em baixa prevalência de infeção (2,2 %). No âmbito deste estudo foram ainda identificados os principais hospe-deiros de O. erraticus, humanos e suínos e a presença de uma nova estirpe bacteriana - Rickettsia lusitaniae sp. nov., sobre a qual não existe informação da sua possível patogenicidade.

Summary: Ornithodoros erraticus is a soft tick, vector of disea-ses to human (tick-borne relapsing fever) and pig (african suine fever). Tick-borne relapsing fever is a bacterial infection caused by Borrelia hispanica, transmitted through the bite of infected O. erraticus. This disease was reported in Portugal until 1961, and could be underdiagnosed after that. A surveillance project was developed recently to evaluate the actual state of the vector and the etiologic agent of the disease, in the southern region of Portugal. Results showed that the occurrence of O. erraticus is lower when compared with previous studies, and B. hispanica remains present albeit in lower percentage (2,2 %). It was identi-fied the major hosts for O. erraticus, as pigs and humans. It was also identified the presence of a new bacterial strain – Rickettsia lusitaniae sp. nov., with unknown pathogenicity information.

Ornithodoros erraticus (Lucas, 1849) é um artrópo-de da Classe Arachnida (Acari: Argasidae) (Nava et al., 2009). Estas carraças distinguem-se das de corpo duro pelo seu aspeto coriáceo, por não possuírem escudo dorsal e pela armadura bocal ter posição subterminal (Encinas Grandes et al., 1999; Dworkin et al., 2002). Estes argasídeos são hematófagos, fazendo refeições rá-pidas, de 10 a 60 minutos, geralmente à noite enquanto os hospedeiros estão em repouso (Encinas Grandes et al., 1999; Boinas, 1994). O ciclo de vida de O. erraticus inclui as fases de ovo, larva, estados ninfais (de 1 a 3, 4

ou 5) e adulto (El Shoura, 1987; Encinas Grandes et al., 1993). As carraças do género Ornithodoros distribuem-se por todo o mundo, com exceção da Oceânia. A espé-cie O. erraticus está descrita na Península Ibérica, Sul da Europa, Próximo Oriente e Norte de África (Estrada-Peña e Jongejan, 1999). O. erraticus é um importante vetor de agentes infeciosos para o Homem e para os animais, sendo responsável pela transmissão da febre recorrente hispano-africana no Homem, cujo agente etiológico é Borrelia hispanica (David de Morais et al., 2007) e pela transmissão do Vírus da Peste Suína Africana (VPSA) nos suínos (Sánchez Botija, 1982; Boinas et al., 2011). Em Portugal estão geralmente associados aos abrigos tradicionais e rústicos para suínos, construídos de pedra e taipa, e com o chão em terra ou pavimento rudimen-tar com fendas – as “malhadas antigas”, onde vivem nas fendas ou enterrados no solo (Boinas, 1994; Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). A sua presença foi reportada anteriormente por Boinas (1994), em 13 concelhos do Alto e Baixo Alentejo e Algarve, onde são vulgarmente designados como “cócos”, “sanxelhos” ou “chicharos”.

Entre 2009 e 2011 foi desenvolvido, pelo Centro de Vetores e Doenças Infeciosas Doutor Francisco Cambournac – Instituto Nacional de Sáude Dr Ricardo Jorge, um projeto de vigilância deste vetor no sul de Portugal, para o estudo da ocorrência e distribuição do parasita e sua importância epidemiológica.

Estes estudos de vigilância, realizados entre 2009 e 2011 nas regiões anteriormente reportadas, reve-lam a presença do parasita em 19% (n = 63) das ex-plorações estudadas (CEC, 1993). As explorações nas quais foi identificada a ocorrência de O. erraticus es-tão localizadas nos concelhos de Almodôvar, Castro Verde e Ourique. A sua presença esteve sempre as-sociada a malhadas antigas de explorações em regi-me extensivo (Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). Comparativamente com estudos anteriores, verifica-se uma diminuição do número de locais infestados (Boinas, 1994; Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). No entanto, a sua ocorrência é ainda expressiva a ní-vel regional, com um impacto significativo na produção,

*Correspondência: [email protected]: 265938290/5; Fax 265912155

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uma vez que os suínos serão um dos hospedeiros mais acessíveis (Boinas, 1994; Encinas Grandes et al., 1993; Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). Esta diminuição poderá ser uma consequência do abandono de algumas explorações e da modernização de outras, após os surtos de peste suína em Portugal ocorridos até 1993 (CEC, 1993). De facto, não foram identificados O. erraticus em explorações em “camping” ou com instalações mais modernas e sem condições de albergar o parasita, como paredes em pedra e chão de terra ou com fendas (Palma et al., 2012). Verificou-se também que a presença des-te parasita é independente da presença de porcos nas instalações, tendo sido capturadas carraças em explo-rações sem suínos há pelo menos um ano. A sobrevi-vência do argasídeo nestas instalações deve-se aparen-temente às condições físicas destas mesmas instalações e à sua elevada capacidade de resistência ao jejum (Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). Efetivamente, O. erraticus possui grande resistência ao jejum, tendo sido referidos períodos de cinco a sete anos de sobre-vivência sem se alimentar, o que lhe confere períodos de resiliência elevados mesmo em malhadas desativa-das (Encinas Grandes et al., 1993; Oleaga Pérez et al., 1990; McCoy et al., 2009). Recentemente foi publicado um estudo no qual se exploraram, através de modela-ção de redes bayesianas, as possíveis associações entre dados ambientais, a conduta na produção de suínos e a probabilidade de ocorrer infestação das instalações por O. erraticus (Wilson et al., 2013). O estudo englobou dados de vários trabalhos de vigilância em explorações suinícolas no sul de Portugal para avaliação da distri-buição de O. erraticus e a sua importância como vetor de doenças infecciosas durante um período de mais de vinte anos. Os resultados deste trabalho revelaram que a presença do parasita é muito mais elevada nas malhadas antigas, condicionada pelas condições físicas da própria construção (fendas no chão e nas paredes de taipa ou pedra). Não foi estabelecida através deste modelo ne-nhuma relação entre a presença da carraça e qualquer condição meteorológica, provavelmente devido ao efei-to de microclima criado pelas características intrínsecas da construção (paredes grossas) (Wilson et al., 2013).

As bactérias do género Borrelia distinguem-se das restantes bactérias da família Spirochaeteceae por se-rem maiores, possuírem menor número de flagelos e menor número de espirais. Estas espiroquetas, de for-mato helicoidal e móveis, são Gram negativas e mi-croaerófilas (Soares et al., 2000). B. hispanica está presente na Península Ibérica, sempre associada a O. erraticus (Estrada-Peña e Jongejan, 1999). A febre recorrente hispano-africana tem ocorrência geográ-fica semelhante à da bactéria e está intrinsecamente relacionada à distribuição geográfica do seu vetor, o mesmo acontecendo com as restantes borrélias deste grupo e respetivos vetores (Rebaudet e Parola, 2006). Os pequenos roedores são os principais reservatórios da bactéria e os mais mencionados na literatura (David de Morais et al., 2007; Soares et al., 2000; Rebaudet

e Parola, 2006; Acha e Szyfres, 1977; Diatta et al., 2012). Estudos recentes realizados em Portugal permi-tiram identificar a presença de B. hispanica em 2,2% dos O. erraticus analisados (n = 226) numa exploração de suínos no concelho de Ourique, estando esta espécie de borrélia filogeneticamente relacionada com outras isoladas em Espanha e Marrocos (Palma et al., 2012).

A febre recorrente hispano-africana caracteriza-se por episódios de febre alta e repentina, alternados por perí-odos afebris. À inoculação da bactéria pela picada do argasídeo segue-se um período de incubação de 3 a 18 dias após o qual surge o primeiro pico febril. Os episó-dios de febre duram cerca de três dias e são alternados por períodos afebris e assintomáticos, que duram em média uma semana (David de Morais et al., 2007). Durante os picos febris podem surgir outros sintomas inespecíficos sendo os mais comuns cefaleias, mialgias, artralgias, do-res abdominais e mal-estar geral (David de Morais et al., 2007; Roscoe e Epperly, 2005). A doença e os possíveis surtos ocorrem após permanência em locais infestados por O. erraticus e consequente pela picada destes para-sitas (Estrada-Peña e Jongejan, 1999). Em Portugal, foi recentemente identificado o vetor e o agente etiológico da doença, na região do baixo Alentejo e sempre associados a explorações de suínos em regime extensivo (Figueiredo, 2010; Palma et al., 2012). Esta associação faz com que os grupos de risco para a doença sejam essencialmente as pessoas que contactam diretamente com estes agentes, como os trabalhadores das suiniculturas e os médicos veterinários. Em malhadas abandonadas ou em ruínas, é possível que outros visitantes ocasionais sejam picados pelo argasídeo, devido à sua elevada resistência ao jejum (Figueiredo, 2010). Durante os trabalhos realizados por Palma et al. (2012) foram identificados trabalhadores de suiniculturas com relatos de picadas antigas (> 1 ano) de O. erraticus (dados não publicados) (Fig. 1). No local da picada forma-se uma mancha acastanhada que permane-ce vários anos após a ocorrência. O risco de contágio não está por isso excluído em instalações antigas e abandona-das (Figueiredo, 2010), devido à elevada resistência do argasídeo ao jejum e poderá estar ainda presente nestes locais (Encinas Grandes et al., 1993; Oleaga Pérez et al., 1990; McCoy et al., 2009).

Tal como acontece com outras borrelioses, o diag-nóstico da febre recorrente pode ser feito diretamente por microscopia de campo escuro (David de Morais et al., 2007; Rebaudet e Parola, 2006), por microsco-pia ótica (David de Morais et al., 2007; Rebaudet e Parola, 2006; Dworkin et al., 2008); ou por diagnóstico molecular (Polimerase Chain Reaction - PCR) (David de Morais et al., 2007; Palma et al., 2012; Ras et al., 1996; Cutler et al., 2010). Os genes alvo mais utiliza-dos para o diagnóstico molecular são o intergenic spa-cer gene (IGS) (espaço intergénico entre os fragmentos 16S e 23S) (David de Morais et al., 2007; Palma et al., 2012; Diatta et al., 2012; Cutler et al., 2010), o gene 16S rRNA (David de Morais et al., 2007; Palma et al., 2012; Ras et al., 1996) e o gene fla (Diatta et al., 2012).

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Figura 1 - Marcas de picadas de O. erraticus nos membros inferiores, após um ano da ocorrência.

O isolamento da bactéria pode ser realizado utilizan-do uma amostra de sangue total, recolhido durante o período febril e antes da utilização de antibióticos, ino-culado em meio Barbour-Stoenner-Kelly (BSK-II). As culturas são controladas por observação de uma gota de meio em microscopia de campo escuro, três dias após a inoculação (David de Morais et al., 2007). O diagnóstico por testes serológicos não são efetivos para a maioria das febres-recorrentes conhecidas, devido à indisponibilidade de antigénios específicos (Rebaudet e Parola, 2006), às alterações antigénicas bacterianas que ocorrem entre os episódios de recorrência, e à re-atividade cruzada com B. burgdorferi s.l. (Dworkin et al., 1998). Os poucos testes serológicos existentes não oferecem resultados consistentes (David de Morais et al., 2007; Rebaudet e Parola, 2006) sendo por isso necessário melhorar a sua especificidade (Dworkin et al., 2008), uma vez que poderão ser particularmente úteis nos casos em que não é possível realizar PCR (Rebaudet e Parola, 2006). O diagnóstico laboratorial deve ser feito durante o primeiro surto febril uma vez que as bactérias se encontram em maior número na corrente sanguínea, diminuindo depois nos episódios febris subsequentes. Durante os períodos afebris as bactérias diminuem consideravelmente pelo que é mais difícil a sua deteção (David de Morais et al., 2007).

As borrélias que causam febre recorrente são sensí-veis a antibióticos e não foram descritos casos de re-sistência a antimicrobianos (Dworkin et al., 2008). O tratamento com antibióticos do grupo das Tetraciclinas (tetraciclina e doxiciclina) tem provado ser muito efi-caz (David de Morais et al., 2007; Croche Santander et al., 2013). Nos casos em que existem complicações neurológicas, a penicilina (David de Morais et al., 2007; Croche Santander et al., 2013) e o ceftriaxone são os fármacos de eleição devido à sua boa capacida-

de de penetração da barreira hemato-encefálica (David de Morais et al., 2007). Nas crianças e nas grávidas utilizam-se em alternativa a eritromicina e a ampici-lina respetivamente (David de Morais et al., 2007). O tratamento pode desencadear a reação de Jarisch-Herxheimer (David de Morais et al., 2007; Dworkin et al., 2008; Croche Santander et al., 2013) pelo que os doentes devem ficar sob observação nas primeiras 12 horas após a toma da primeira dose de antibiótico. Esta reação tende a ser menos violenta em crianças do que nos adultos (Dworkin et al., 2008).

Devido ao modo de transmissão do agente, o me-lhor modo de prevenção da infeção é evitar o contacto com o vetor (Figueiredo, 2010). Sempre que possível deve evitar-se permanecer nos locais infestados por Ornithodoros. No entanto, sempre que se visite explo-rações localizadas numa zona endémica, deve-se usar roupa e calçado que impeçam o contacto dos parasitas com a pele e inspecionar o corpo após a permanência nestes locais (Dworkin et al., 2002). A prevenção passa também pelo controlo do vetor uma vez que, eliminan-do ou reduzindo a sua abundância reduz-se também o risco de picada. Os métodos mais eficazes serão os que eliminam as suas condições ideias de sobrevivência, como a existência de chão de terra e fendas nas paredes das malhadas. Paralelamente é também aconselhável controlar os possíveis reservatórios da doença, nomea-damente pequenos roedores que podem estar nas insta-lações ou nas suas imediações (Dworkin et al., 2008).

Em Portugal, a doença foi confirmada pela primeira vez em 1942, tendo sido posteriormente identificados vários casos clínicos até 1961. Pensa-se que tenham ocorrido outros casos posteriores mas que tenham sido confundidos com outras síndromas febris ines-pecíficas (David de Morais et al., 2007). Noutros pa-íses como Espanha e Marrocos, onde vetores do gé-nero Ornithodoros também estão presentes, existem descrições de casos recentes da doença (Diatta et al., 2012; Croche Santander et al., 2013; Sarih et al., 2009; Toledo et al., 2010) o que sugere que a mesma poderá continuar presente em Portugal, ainda que com taxas de prevalência muito baixas.

Um estudo recente permitiu a identificação de seis grupos de vertebrados como possíveis hospedeiros desta carraça. Os grupos identificados com maior ex-pressividade foram os suínos e os humanos, seguidos de bovinos, ovinos, roedores e das aves (Palma et al., 2013). Esta diversidade de hospedeiros vem alargar o leque de presumíveis reservatórios de B. hispanica, deixando em aberto a real prevalência nos mesmos. A manutenção de Borrelia em meio silvático pode tam-bém estar dependente de transmissão transovárica, que ocorre em alguns argasídeos, apesar da possível perda de infecciosidade (Barbour e Hayes, 1986).

Paralelamente foi estudada a infeção de O. erra-ticus por Rickettisia spp., nas amostras de estudo de Palma et al. (2012), tendo sido possível identificar uma nova estirpe de Rickettsia, pertencente ao grupo das

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febres maculosas (Milhano et al., 2014). A bactéria - Rickettsia lusitaniae sp. nov. foi identificada por PCR e isolada posteriormente em linhas celulares de mosquito C6/36. Não existe informação sobre a pato-genicidade desta espécie e serão por isso necessários estudos futuros, especialmente devido à sua proximi-dade genética com Rickettsia felis, de reconhecida patogenicidade para o Homem (Milhano et al., 2014).

Os estudos de vigilância de O. erraticus realiza-dos na região sul de Portugal permitiram identificar a presença do parasita nesta região. Estes dados as-sinalam a necessidade dos veterinários, sobretudo os que exercem funções na região do Alentejo, estarem alerta para a presença destes artrópodes. A presen-ça em grande número destes parasitas nas malhadas pode comprometer não só a saúde e o crescimento dos suínos como também reduzir a produção (Encinas Grandes et al., 1999) e aceitação dos seus produtos derivados no mercado devido a alterações no aspe-to das peças afetadas (Figueiredo, 2010). Este fator torna-se especialmente importante em regiões como o Alentejo, onde se produz mais de 43% do total dos suínos consumidos em Portugal (384 mil toneladas) (INE, 2013).

Estes dados confirmam que B. hispanica continua em circulação no nosso país, ainda que em baixa pre-valência (2,2 %). Do ponto de vista da saúde huma-na é importante referir a necessidade dos médicos, sobretudo os que exercem funções nesta região, con-siderarem a hipótese da febre recorrente transmitida por carraça como diagnóstico de alguns casos de sín-droma febril indeterminada. A recente identificação de R. lusitaniae nestes mesmos vetores, apesar de não existir informação acerca da sua patogenicidade, vem reforçar a importância que poderão ter em saúde pú-blica.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Doutor Fernando Boinas pela contribuição no trabalho de campo e a todos os participantes e colaboradores do projeto (PTDC/SAL-ESA/65401/2006) financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

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Entomologia Forense Médico-Veterinária

Veterinary Medical Forensic Entomology

Maria T. Rebelo*(1), José Meireles(2), Anabela Moreira(2), Isabel Pereira da Fonseca(2)

1Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), Campo Grande 1749-016 Lisboa2Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, Departamento de Sanidade Animal,

Universidade de Lisboa, Av. Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa

Resumo: A entomologia forense (EF) utiliza o estudo de insec-tos e outros artrópodes presentes na decomposição da matéria orgânica como ferramenta auxiliar da investigação criminal e conflitos civis. Os artrópodes apresentam características que permitem utilizar as evidências entomológicas na resolução de casos forenses. Os insectos acumulam-se no cadáver e em seu redor, tornando-se parte da evidência. Na fauna entomo-lógica cadavérica existe uma sucessão hierarquizada de artró-podes, ainda que se observe por vezes uma forte competição e com intervalos definidos em cada estádio, que permite aos entomologistas forenses datar o intervalo post mortem, i.e. a estimativa do tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo. No Homem, a EF apresenta diversas áreas de interven-ção (homicídio, suicídio, negligência e violação sexual) e mais recentemente, a EF estendeu-se a estudos no âmbito da fauna selvagem e da medicina veterinária onde tem tido particular relevância na vigilância e salvaguarda de eventuais casos de negligência, abuso físico de animais domésticos ou selvagens em cativeiro e também em animais selvagens envenenados/ca-çados em áreas protegidas. A entomofauna varia com o tipo de cadáver (ave, mamífero, carnívoro, omnívoro, etc.) e os ar-trópodes coletados têm de ser corretamente acondicionados e conservados, para manterem a sua morfologia e estádio evolu-tivo podendo as condições atmosféricas acelerar ou retardar o processo assim como os grandes necrófagos, as bactérias, os fungos e até a ação do Homem. Os autores pretenderam, atra-vés deste artigo, divulgar informação e fomentar o interesse sobre a entomologia forense médico-veterinária enquanto área de conhecimento.

Summary: Forensic entomology (FE) uses the study of insects and other arthropods present in the decomposition of organ-ic matter as an auxiliary tool of criminal and civil conflicts. Arthropods features allow the appliance of entomological evi-dence for solving forensic cases. Insects accumulate in corpse and around it, becoming part of the evidence. In the cadaveric insect fauna there is a hierarchical succession of arthropods. Although a strong competition may be present there are spe-cies and instars that allow forensic entomologists to date the post mortem interval, ie the estimate of the time between death and the discovery of the corpse. Human forensic entomology has several areas of intervention (homicide, suicide, negligence and rape) and more recently, the FE extended to studies within the wildlife and veterinary medicine which has had particular relevance in monitoring and safeguarding cases of negligence, physical abuse of domestic and wild animals in captivity and

also poisoned/hunted wildlife in protected areas. The insect fauna varies with the type of carcass (bird, mammal, carni-vore, omnivore, etc.). Arthropods must be properly collected and preserved to maintain their morphology and evolutionary stage. Atmospheric conditions can accelerate or decrease the decomposition process as well as the action of large scaven-gers, bacteria, fungi and even man. With this article the authors intend to call the attention to medical and veterinary forensic entomology promoting the interest in this area of knowledge.

Introdução

A entomologia forense (EF) utiliza o estudo de in-sectos e outros artrópodes presentes na decomposi-ção da matéria orgânica como ferramenta auxiliar da investigação criminal e conflitos civis. Os artrópodes apresentam diversas características que permitem uti-lizar as evidências entomológicas na resolução de ca-sos forenses, nomeadamente, o facto de apresentarem a maior diversidade de espécies conhecidas por pos-suírem grande capacidade de adaptação a diferentes tipos de habitat, terem dimensões reduzidas que lhes permitem passar despercebidos, na maior parte das vezes, constituindo provas dificilmente manipuláveis e, ainda, exibirem estádios evolutivos que fornecem informações importantes para o processo em avalia-ção.

Quando um crime é cometido, os insectos acumu-lam-se no e em redor do cadáver, tornando-se parte da evidência. Os entomologistas forenses podem assim datar a morte estimando o tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo, isto é, o intervalo post mortem (IPM), perceber se o corpo foi deslocado, identificar o local do crime e/ou determinar a causa da morte através da deteção de toxinas ou substâncias como fármacos, estupefacientes e venenos.

No Homem, a EF apresenta diversas áreas de in-tervenção. Além das investigações de homicídio, suicídio e violação sexual, a EF também é usada em casos de abuso físico e negligência no tratamento de crianças e idosos, quando feridas, escaras e/ou ori-

*Correspondência: [email protected]

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fícios naturais apresentam formas larvares, ninfais ou adultas de insectos ou vestígios da sua actividade (entomologia médico-legal). Adicionalmente, podem ser obtidas através da EF, informações relativas a li-tígios decorrentes da infestação de espaços privados ou públicos (entomologia urbana), ou de produtos alimentares comercialmente distribuídos (entomolo-gia de produtos armazenados), assim como análise de toxinas drogas (entomotoxicologia) ou mesmo ADN da vítima, presentes em insectos que se alimentam de cadáveres.

Mais recentemente, a EF estendeu-se a estudos no âmbito da fauna selvagem e da medicina veterinária onde tem tido particular relevância na clarificação de eventuais casos de negligência ou abuso físico de animais domésticos ou selvagens em cativeiro, indi-ciados pela evidência de miíases, ou em animais sel-vagens envenenados ou caçados em áreas protegidas.

História

Desde o antigo Egipto que se conhecem referên-cias à intervenção de insectos, em particular moscas, na decomposição dos cadáveres. O Papiro de Gizeh 18026:4:14, encontrado numa múmia, refere “As lar-vas não se vão transformar em moscas dentro de ti” (Greenberg, 1991). Contudo, o primeiro caso docu-mentado da resolução de um crime através da obser-vação de insectos encontra-se no Manual de Medicina Legal, Xiyuan jílù - The Washing Away of Wrongs, es-crito por Sung Ci no século XIII (Benecke, 2001). O autor relata o homicídio de um agricultor, que foi en-contrado degolado, num campo de arroz numa aldeia remota da China. Todos os aldeãos foram obrigados a depositar as foices no solo ao ar livre, tendo o as-sassino sido incriminado pelo juiz que se apercebeu que diversas moscas estavam pousadas numa única foice, tendo deduzido que teria vestígios de sangue da vítima. O proprietário acabou por confessar o crime.

Na Europa, durante a Idade Média, a proibição de exumar e estudar cadáveres humanos conduziu à es-tagnação das ciências forenses, apesar de haver re-presentações artísticas reveladoras do conhecimento da colonização dos mortos por larvas de insectos. Todavia, apenas a partir do séc. XVII, Francesco Redi, biólogo italiano, provou cientificamente, em 1668, que as larvas encontradas em carne em decom-posição tinham origem em insectos, refutando a teo-ria da geração espontânea (Amici, 2001). Em 1830, Mateu J. Orfila, médico e químico catalão naturaliza-do francês, refere a presença de insectos em cadáve-res no Traité des exhumations juridiques (Amendt et al., 2004). Já Bergeret d’Arbois, médico francês, em 1855, foi o primeiro a analisar evidências entomoló-gicas associadas ao corpo mumificado de uma criança encontrado emparedado num apartamento em Paris e a determinar o IPM, incriminando os anteriores loca-

tários (Benecke, 2004). Hermann Reinhard, médico e entomologista alemão, realizou, em 1881, o prin-cipal estudo de sistemática de espécies de insectos associadas a corpos exumados e Jean Pierre Mégnin, veterinário francês, autor de Faune des Tombeaux e La Faune des Cadavres, menciona a aplicação da en-tomologia à medicina legal, desenvolvendo no seu se-gundo livro, publicado em 1894, a teoria da sucessão da entomofauna na colonização dos cadáveres (Byrd e Castner, 2010), cuja aplicação prática se mantém até aos nossos dias.

Até meados do séc. XX, verificou-se no Ocidente, um distanciamento entre entomólogos e profissionais da medicina legal e apenas num pequeno número de processos criminais a sua intervenção foi requerida, reflectindo-se na escassez de entomólogos especiali-zados no estudo da sistemática e biologia da entomo-fauna dos cadáveres. A partir da segunda metade do séc. XX, contudo, houve um incremento do número de investigadores a trabalhar na área da EF e um avul-tado acréscimo nas obras publicadas, destacando-se o americano Kenneth G.V. Smith (1986), com o pri-meiro manual, A Manual of Forensic Entomology e os australianos Neal Haskell e E. Paul Catts (1990), com o primeiro guia de procedimentos, Entomology and Death, a Procedural Guide.

Em Portugal, a EF foi uma área negligenciada até há poucos anos, quando vários estudos de levantamento das espécies entomológicas de interesse forense per-mitiram, iniciar a compilação de dados morfológicos e moleculares essenciais à identificação de Diptera e Coleoptera, de forma a cobrir a lacuna que exis-tia na área da investigação médica e veterinária nes-te domínio no nosso país (Gusmão, 2008; Marques, 2008; Cainé et al., 2009; Centeio, 2011; Ferreira et al., 2011; Oliveira et al., 2011; Prado e Castro et al., 2011; Rolo et al., 2013; Farinha et al., 2014 e Lopes et al., sd).

Nos Estados Unidos (http://www.forensicentomo-logist.org/), na Europa (www.eafe.org), e mais con-cretamente em Portugal realizam-se atualmente di-versos cursos e seminários sobre este e outros temas das Ciências Forenses em vários estabelecimentos de ensino.

A medicina veterinária forense: investigando situações de crueldade em animais

Um pouco por todo o mundo, a comunidade está cada vez mais atenta para os casos de crueldade para com os animais. Em alguns países, são obrigatórias as declarações deste tipo de casos em diferentes es-pécies animais, existindo legislação punitiva nesse sentido. A necessidade dos clínicos veterinários e dos patologistas adquirirem competências que lhes permita avaliar as diversas situações, nomeadamente

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a distinção entre diferentes padrões traumáticos fe-chados ou abertos, acidentais ou infligidos, asfixia e afogamentos, envenenamentos, queimaduras, maus tratos por negligência, entre outros, é indispensável independentemente da espécie animal a que se refira.

Nos Estados Unidos da América, em 2007, Melinda Merck publicou o livro Veterinary Forensics no qual são compiladas informações sobre como direccionar a investigação num cenário de crime, técnicas labo-ratoriais forenses, interpretação de resultados da pa-tologia forense e ainda directrizes sobre a forma de lidar com as evidências e conduzir as avaliações que serão levadas a tribunal. Muitas outras obras do mes-mo teor evidenciam a preocupação crescente sobre este tema.

O fenómeno da cadaverização e a fauna entomológica

Após a morte, inicia-se um processo de decompo-sição do corpo em que a libertação quase imediata de odores é detectada pelos insectos que são os primei-ros organismos a localizar o cadáver, sendo os princi-pais responsáveis pela sua degradação.

Os insectos podem agrupar-se em necrófagos, quando se alimentam directamente do corpo sendo excelentes indicadores do IPM (representados nos dípteros por espécies das famílias Calliphoridae e Sarcophagidae, e nos coleópteros por espécies das famílias Silphidae e Dermestidae,), predadores e parasitas de necrófagos (nomeadamente Diptera – Calliphoridae; Coleoptera - Silphidae, Staphylinidae e Histeridae; Hymenoptera), omnívoros, quando consomem indistintamente o cadáver ou os artrópo-des a ele associados (Hymenoptera – Formicidae e Vespidae; Coleoptera) e acidentais, se utilizam o cor-po como extensão do seu habitat normal (Araneae; Acarina; Collembola) (Amendt et al., 2004).

De modo geral, sabe-se que os dípteros são os pri-meiros a chegar ao cadáver variando as espécies em função da época do ano, entre outros fatores. Por ex. em Múrcia, na Primavera e Verão, aparece pri-meiro Phaenicia sericata enquanto no Outono surge Calliphora vicina (López Gallego, 2008). Por outro lado, em Coimbra, aparecem ambas as espécies na Primavera (Prado e Castro et al., 2011).

É de referir que a velocidade de decomposição é afectada por vários factores, sendo de destacar a tem-peratura (que não só acelera os processos bioquími-cos, como promove a maior actividade dos insectos), a acessibilidade dos insectos ao cadáver, a causa da morte (feridas expostas que estimulam a atração ou fármacos que podem retardar o desenvolvimento dos estádios imaturos dos primeiros colonizadores do corpo) e a superfície de contacto (corpos no interior de edifícios ou submersos serão mais lentamente de-gradados pela acção dos artrópodes).

A entomofauna encontrada no cadáver varia numa sequência previsível, ao longo do processo de decom-posição, de acordo com a região geográfica e com a época do ano, pois cada fase atrai selectivamente diferentes espécies devido às alterações introduzidas pela própria actividade dos insectos. A fauna própria do solo não participa ativamente no fenómeno da de-composição (Bornemissza, 1957).

As diferentes fases de decomposição, indicadoras das alterações físicas sofridas pelo cadáver, são usu-almente quatro e diferenciam-se pela ocorrência se-quencial de insectos (Benecke, 2004):

- Fresca: principia com a morte, ocorrendo a co-lonização por moscas varejeiras (Calliphoridae) que iniciam a oviposição, dando-se a eclosão das larvas do 1º estádio (L1); a actividade da massa de larvas pode ser retardada pela acção de formigas; por vezes surgem coleópteros adultos (Silphidae).

- Gasosa, inchamento ou enfisematosa: verifica-se o inchaço do corpo (pela produção de gases por acção bacteriana) e observa-se a presença de to-dos os estádios de larvas de moscas Calliphoridae, Sarcophagidae e Muscidae; é comum a ocorrên-cia de adultos e larvas de coleópteros Silphidae e Histeridae.

- Coliquação ou estado de decomposição ativa: nor-malmente o corpo rotura-se e os fluídos escapam pelos orifícios naturais, notando-se a ausência de ovos mas a presença maciça de larvas de varejei-ras que rasgam a pele, abandonam o corpo (que se encontra reduzido a cerca de 20% da massa original) e pupam; coleópteros (Staphylinidae e Histeridae) surgem e começam a alimentar-se dos outros insectos.

- Esqueletização: o cadáver encontra-se reduzido a cabelo/pêlo, pele e ossos e a população de mos-cas é reduzida a espécies das famílias Phoridae e Piophilidae, sendo dominante a presença de cole-ópteros Dermestidae, Staphylinidae e Histeridae; por vezes surgem ácaros predadores.

- Seco: esta fase nem sempre ocorre, especialmente em ambientes húmidos, podendo prolongar-se por vários meses e até anos; é caracterizada pela au-sência de larvas de varejeiras, presença de adultos e larvas de coleópteros das famílias Dermestidae, Cleridae e Scarabidae e de larvas de lepidópteros Pyralidae.

A Estimativa do Intervalo Post-Mortem (IPM)

O IPM corresponde ao período que decorre entre a morte e a descoberta do cadáver. Na realidade o que se vai medir é o período no qual houve actividade dos insectos. De acordo com Amendt et al. (2007) as es-timativas do IPM baseadas na entomofauna seguem dois princípios: a) o tempo requerido para uma es-

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pécie atingir um determinado estádio de desenvolvi-mento, baseado no conhecimento do seu ciclo de vida e b) a comparação de todas as espécies presentes no cadáver no momento da observação, ancorada no co-nhecimento da sucessão entomológica.

O cálculo do IPM baseado no ciclo de vida dos in-sectos recolhidos baseia-se no pressuposto dos insec-tos serem poiquilotérmicos (Byrd e Castner, 2010), i.e. a temperatura corporal flutua de acordo com a temperatura ambiente, influenciando o seu cresci-mento pelo que cada espécie apresenta um limiar abaixo do qual não ocorre desenvolvimento (limiar mínimo). Quando a temperatura ultrapassa esse li-miar mínimo, um tempo específico é requerido para o insecto completar cada estádio de desenvolvimento. Este valor térmico é acumulado em “unidades térmi-cas”, graus, que são calibrados em “graus-dia” (GD) ou “graus-hora” (GH). O total “acumulado de graus/hora” (AGH) ou graus/dias (AGD) reflecte o tempo gasto pelo insecto no seu desenvolvimento. Para as espécies mais comuns existem tabelas com a tempe-ratura mínima de desenvolvimento, que varia com a localização geográfica. Como exemplo, veja-se a es-pécie de varejeira, Calliphora vicina, que apresenta, como limiar mínimo, valores de 3,5°C no norte do Reino Unido e de 1°C em Londres (Amendt et al., 2007).

O procedimento para a estimativa do IPM implica a identificação das espécies presentes no cadáver e a re-colha da temperatura ambiente na cena do crime (para a região e, de preferência, para o local, até 3-5 dias após a descoberta do corpo). Conhecendo as tempe-raturas óptimas de desenvolvimento de cada espécie é então possível estimar o IPM aplicando as fórmulas:

• Tempo (horas) x (temperatura ambiente-limiar mí-nimo) = AGH

ou

• Tempo (dias) x (temperatura ambiente-limiar míni-mo) = AGD

Note-se que o cálculo do tempo em horas é mais adequado para mortes recentes (inferiores a um mês), porque o grau de variações acumuladas tem um peso maior em intervalos de tempo curtos.

A inferência do IPM baseada no conhecimento da sucessão entomológica pressupõe que os insectos in-vadem os cadáveres em “ondas”, de acordo com as preferências das condições ambientais e da fase de decomposição (Benecke, 2004). As primeiras coloni-zações são feitas por dípteros, as vulgares moscas va-rejeiras, emergindo os adultos cerca de duas semanas após a oviposição. Os coleópteros apresentam maior actividade depois da primeira geração das moscas ter abandonado o corpo embora surjam ainda durante a presença das massas larvares dos dípteros.

O procedimento implica identificar todos os exem-plares (e todos estádios de desenvolvimento) encon-

trados no corpo e na cena do crime, conhecer a taxa de desenvolvimento de cada estádio/espécie nas con-dições climatéricas da região e ainda distinguir a se-quência, padrão e duração das espécies presentes (e das ausentes), na estação do ano correspondente.

Esta metodologia apoiada na sucessão entomo-lógica é preferível à anterior (ancorada no ciclo de vida) quando se investigam mortes ocorridas há mais de três meses, porque nesta fase já existem inúmeras espécies de dípteros e coleópteros no corpo que per-mitem uma avaliação mais precisa do IPM.

As limitações da estimativa do IPM devem-se ao facto da maioria dos cálculos das taxas de desenvol-vimento dos insectos se basearem em estudos labo-ratoriais realizados a temperatura constante, que não ocorrem na Natureza e à necessidade de estabelecer correlações entre as flutuações nocturnas e diurnas da temperatura e a temperatura média diária registada nas estações meteorológicas que é tomada retrospec-tivamente à data da descoberta do cadáver.

Fauna entomológica de interesse forense e sua caracterização

O elemento crucial da EF é a identificação das es-pécies que colonizam os cadáveres. Insectos morfo-logicamente semelhantes podem, de facto, pertencer a espécies distintas e, consequentemente, apresenta-rem taxas de crescimento, comportamentos e habitats muito diversos. São usualmente identificados através de chaves dicotómicas específicas para cada família e/ou género, através da observação de peças da ge-nitália, características das asas e outras estruturas. É de notar que a identificação morfológica dos estádios imaturos é extremamente complexa e, na maioria dos géneros impossível sem utilização de técnicas de mi-croscopia electrónica (Centeio, 2011).

O grande progresso verificado nos últimos anos das novas técnicas de análise molecular, associado ao de-senvolvimento da sequenciação automática e ao au-mento vertiginoso da capacidade computacional, têm permitido a disponibilização em bancos de dados in-ternacionais da identificação molecular das espécies de insectos com interesse forense (cf. por ex: Wells e Stevens, 2008; Ferreira et al., 2011; Oliveira et al., 2011; Rolo et al., 2013 e Lopes et al., sd), agilizando o processo de identificação e superando as dificulda-des enfrentadas na identificação de caracteres mor-fológicos de espécies gémeas, quando os exemplares estão danificados ou apenas se recolhem estádios imaturos muito prematuros.

Os principais grupos de insectos que colonizam os cadáveres são moscas e escaravelhos. As famílias mais importantes encontram-se indicadas na Tabela 1, com os nomes vulgares em inglês para permitir uma mais fácil consulta das obras anglo-saxónicas e sempre que na língua portuguesa não se faz distinção específica.

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Tabela 1 - Principais famílias de moscas (Diptera) e escarave-lhos (Coleoptera) com interesse forense

Ordem Família Nome vulgar em português e inglês

Diptera

Calliphoridae Varejeiras verdes e azuis; Blow Flies

Sarcophagidae Moscas–da-carne; Flesh Flies

Muscidae Moscas; Muscid Flies

Piophilidae Skipper Flies

Scathophagidae Dung Flies

Sepsidae Black Scavenger Flies

Sphaeroceridae Small Dung Flies e Minute Dung Flies

Stratiomyidae Soldier Flies

Phoridae Humpbacked Flies ou Scuttle Flies

Psychodidae Moscas-da-areia; Moth Flies, Sand Flies e Owl Midges

Coleoptera

Silphidae Carrion Beetles

Dermestidae Skin Beetles, Leather Beetles, Hide Beetles e Carpet Beetles

Staphylinidae Rove Beetles

Histeridae Clown Beetles

Cleridae Checkered Beetles

Trogidae Hide Beetles

Scarabaeidae Scarab Beetles

Nitidulidae Sap Beetles

Em Portugal, na última década, esta área de estu-do tem assistido a um incremento que possibilitou a compilação da entomofauna com interesse forense que ocorre no território nacional, como referenciada na Tabela 2 para a região da Grande Lisboa.

Tabela 2 - Lista das famílias e espécies de Diptera e Coleoptera com interesse forense colectadas na Grande Lisboa em 2011-2013, no âmbito do projecto FCT, PTDC/SAL-ESA/101228/2008 (Farinha et al., 2014)

Ordem Família Género / Espécies

Diptera

Calliphoridae

Calliphora vicina

Calliphora vomitoria

Chysomya albiceps

Lucilia ampulacea

Lucilia caesar

Lucilia sericata

Melinda viridicyanea

Pollenia rudis

Muscidae

Atherigona sp

Graphomya maculata

Hebecnema nigra

Hydrotaea aenescens

Hydrotaea armipes

Hydrotaea capensis

Hydrotaea ignava

Limnophora obsignata

Ordem Família Género / Espécies

Diptera

Muscidae

Musca domestica

Muscina levida

Muscina pascuorum

Muscina prolapsa

Muscina stabulans

Phaonia trimaculata

Potamia littoralis

Synthesiomyia nudiseta

Fanniidae

Fannia aequilineata

Fannia canicularis

Fannia monilis

Fannia pusio

Anthomyiidae

Anthomyia imbrida

Anthomyia pluvialis

Anthomyia quinquemaculata

Delia platura

Lasiomma seminitidum

Pegomya ulmaria

Heleomyzidae

Suillia flagripes

Suillia variegata

Tephrochlamys rufiventris

Sarcophagidae

Sarcophaga (Liosarcophaga) duxSarcophaga (Helicophagella) hirticrusSarcophaga (Bercaea) africa

Sarcophaga (Liopygia) argyrostomaSarcophaga (Helicophagella) melanuraSarcophaga (Sarcophaga) teretirostrisSarcophaga (Liopygia) cultellata

Sarcophaga (Liosarcophaga) tibialis

Sarcophaga (Pierretia) sexpuntata

Sarcophaga (Heteronychia) vicina

Ravinia pernixSarcophaga (Liosarcophaga) portschinskyiSarcophaga (Sarcophaga) lehmani

Sarcophaga (Liosarcophaga) marshalli

Sarcophaga (Liosarcophaga) jacobsoni

Sarcophaga (Myorhina) nigriventris

Sarcophila latifrons

Sarcophaga (Thyrsocnema) kentejana

Aulacigastridae

Carnidea

Cecidomyiidae

Ceratopogonidae

Chloropidae

Drosophilidae

Ephydridae

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Diptera

Lonchaeidae

Phoridae

Platystomatidae

Psychodidae

Scatopsidae

Sciaridae

Ulidiidae

Coleoptera

Carabidae

Chrysomelidae

Curculionidae

Histeridae

Lathridiidae

Scarabaeidae

Silphidae

Staphylinidae

Tenebrionidae

Colheita e preservação de exemplares entomológicos

Todo o material entomológico encontrado no cadá-ver ou na cena do crime deve ser criteriosamente re-colhido e transportado para o laboratório para análises posteriores. Assim, para evitar a contaminação do lo-cal do crime e do corpo, deve usar-se equipamentos de protecção individual (como luvas e protecção para calçado que protegem o corpo do investigador e im-pedem a transferência de evidências e de materiais), evitar caminhar inadvertidamente pelo local destruin-do vestígios e não tocar no cadáver antes de os exames periciais terem terminado. A documentação através de camaras fotográficas ou de vídeo é imprescindível. Os procedimentos a seguir sintetizados encontram-se de-talhados em diversas obras, nomeadamente, Haskell e Catts (1990), Amendt et al. (2007), Byrd e Castner (2010) e Oliveira-Costa (2013).

No local devem observar-se as características gerais envolventes, como plantas, presença/ausência de água, sol/sombra e actividade de insectos em voo, no solo, na vegetação, até 3-6m em redor do cadáver. O registo da abundância e diversidade, estádios imaturos (mar-cas de alimentação, orifícios de saída, pupas fechadas ou eclodidas) e de possíveis predadores (formigas, ves-pas), assim como da temperatura ambiente (a 30cm e 1,5m de distância do corpo), do solo, da superfície do corpo e da massa de larvas deve ser concluído in loco sendo recomendável a utilização de sensores de leitura rápida e de armazenamento de dados.

No corpo deve examinar-se a posição ao sol, à som-bra, quais as zonas em contacto com o substrato e áreas expostas aos pontos cardeais, além de colectar-se todos os insectos visíveis nas roupas/pelagem e à superfície do corpo e, depois de ser removido pelas entidades compe-tentes, sob o corpo. A recolha de exemplares entomo-

lógicos no interior de cavidades e tecidos do cadáver deverá ser concluída durante a autópsia ou necrópsia.

É fundamental recolher ovos (Figura 1), larvas (Figura 2), pupas e adultos de dípteros, coleópteros e outros artrópodes que se encontrem no cadáver e no lo-cal envolvente (amostras de solo da região sob o corpo devem ser colhidas para pesquisa de pupas e larvas em dispersão).

Figura 1 - Ovos de Calliphoridae na cavidade oral de cão

Figura 2 - Larvas de Calliphoridae na cavidade oral de raposa

Para a recolha dos adultos voadores pode empregar-se uma manga entomológica e o material deve ser pre-servado em frascos com álcool glicerinado a 70% (se

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posteriormente forem necessárias análises de extrac-ção de ADN é recomendável que sejam preservados em álcool absoluto), mas a maior parte da amostra (80-90%) requer ser mantida viva (para criação em labora-tório até ao 3º estádio larvar e/ou estádio adulto, para facilitar a identificação específica que é quase impos-sível nos estádios imaturos). O material vivo deve ser acondicionado em malas térmicas para reduzir o meta-bolismo durante o transporte até ao exame laboratorial. De referir que a colheita de larvas de dípteros exige a sua submersão (por alguns segundos) em água a ferver antes de serem mergulhadas em álcool, para evitar a putrefacção e a descoloração.

No laboratório, a conservação em meio seco deve ser quase imediata, usando timol (ou outro produto simi-lar) para evitar a destruição por entomófagos, proce-dendo-se à montagem imediata dos exemplares. Caso contrário, há que colocá-los numa câmara húmida cer-ca de 24h antes da manipulação, para evitar danos nas estruturas. Para a montagem individual dos exempla-res usam-se alfinetes entomológicos de tamanho e es-pessura normalizados ou triângulos de cartolina. Para colocar os alfinetes há normas que variam de acordo com o grupo entomológico (cf. Johnson e Triplehorn, 2004).

Na rotulagem usam-se dois tipos de etiquetas: de captura (com indicação da data, hora, local, condições climáticas, características do local, nome do colector) e de identificação (nome específico do artrópode, nome do identificador e data de identificação).

O acondicionamento dos exemplares é feito em cai-xas ou gavetas (normalmente de madeira) de armários entomológicos que contêm um desinfectante (timol ou análogo).

A conservação em meio líquido permite poupar tem-po, guardando os exemplares em lotes, devidamente etiquetados (em papel vegetal escrito a tinta da China ou a grafite) em tubos com conservante (normalmente álcool glicerinado a 70% ou absoluto), os quais, por sua vez, são colocados em frascos maiores, repletos do mesmo conservante. É fundamental uma vigilância regular para evitar a evaporação do conservante e con-sequente deterioração dos exemplares entomológicos.

A cadeia de custódia em EF

A cadeia de custódia é o processo de documentar a história cronológica das evidências, destinado a garan-tir o rastreamento das que são utilizadas em processos judiciais, registando todos os intervenientes no seu manuseamento. Em algumas situações, o entomolo-gista pode não fazer parte da equipa de investigação e não recolher as amostras nem fazer anotações sobre o cenário do crime pelo que é extremamente impor-tante aceder a todas as informações e recomendações prévias que acompanhem o material colhido. Por estas razões é imprescindível a correta etiquetagem e registo

das evidências assim como a documentação de todos os processos que as acompanhem que deverão ser cor-relacionados com todos os documentos referentes ao caso em estudo (Garcia e Arnaldos, 2009).

Desafios à Entomologia Forense

Os desafios mais importantes que se colocam à EF resultam da alteração das condições climáticas, que se têm verificado nos últimos anos e se prevê que venham a acentuar-se no futuro, e da ocorrência de parasitóides de estádios imaturos de moscas varejeiras.

As alterações climáticas dificultam e podem induzir em erro o cálculo do IPM, pelo impacto na variação sazonal da entomofauna e na alteração do desenvol-vimento dos estádios imaturos (Oliveira-Costa, 2013).

Os parasitóides de pupas e larvas de Diptera podem provocar imprecisões nas estimativas do IPM, ao alte-rar o tempo de desenvolvimento dos indivíduos. Como exemplo, Lucilia sericata sofre uma pupação prema-tura quando parasitada por Alysia manducator, que se reflecte num ciclo de vida mais curto (Byrd e Castner, 2010).

Conclusões

Na fauna entomológica cadavérica existe uma su-cessão hierarquizada de artrópodes ainda que se ob-serve por vezes uma forte competição e com intervalos definidos em cada estádio. No entanto, as condições atmosféricas, como a temperatura, podem acelerar ou retardar o processo assim como os grandes necrófagos (ex. abutres), as bactérias, os fungos, o Homem e as máquinas. As roupas, o enterramento (em função da profundidade), a imersão, a ingestão de substâncias por parte da vítima, entre outros fatores, podem com-prometer os cálculos do observador.

O conhecimento pormenorizado da fauna entomo-lógica local é fundamental para a obtenção de resul-tados forenses fidedignos. Sabe-se que a entomofauna varia com o tipo de cadáver (ave, carnívoro, omnívoro, etc.) e os artrópodes coletados devem ser corretamente acondicionados e conservados, para manterem a sua morfologia e estádio evolutivo.

A EF médico-veterinária constitui cada vez mais uma ferramenta importante para estudos no âmbito da fauna selvagem e também dos animais domésticos com particular relevância na clarificação de eventuais casos de negligência e/ou de abuso físico de animais em cativeiro, indiciados pela evidência de miíases, ou em animais selvagens envenenados ou caçados em áre-as protegidas.

Os autores pretenderam, através deste artigo, di-vulgar informação e fomentar o interesse sobre a EF médico-veterinária enquanto área de conhecimento que em associação obrigatória com outras áreas do

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saber como a Toxicologia, a Patologia, a Odontologia, a Criminologia, o Direito, entre outras, constituem as Ciências Forenses em Medicina Veterinária. Esta disci-plina deverá fazer parte dos conhecimentos dos médi-cos veterinários que, enquanto técnicos, necessitam de competências no caso de serem chamados a assumir o papel de peritos em questões legais ligadas a esta pro-blemática.

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Dirofilariose canina e felina

Canine and feline dirofilariasis

José Meireles, Filipa Paulos, Inês Serrão*

Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa

Resumo: Hoje em dia, é inegável a importância que a dirofi-lariose assume na medicina veterinária. Até há relativamente pouco tempo, considerava-se que a única forma patogénica seria Dirofilaria immitis, no entanto Dirofilaria repens tem vindo a mostrar-se cada vez mais relevante no panorama atu-al. Podendo afetar cães mas também, acidentalmente, gatos, a dirofilariose já não está restringida às áreas que eram, até ago-ra, consideradas endémicas. Devido a mudanças climatéricas e também à crescente mobilidade, Dirofilaria spp., transmitida vetorialmente, tem visto a sua epidemiologia ser alterada. A relevância desta parasitose passa ainda pelas suas caracterís-ticas zoonóticas.

Palavras-chave: Dirofilaria immitis. Dirofilaria repens. Zoonose. Cão. Gato.

Summary: Nowadays dirofilariosis is assuming an important role in veterinarian clinical practice. Until recently, it was thou-ght that the only pathogenic form would be Dirofilaria immitis, nevertheless Dirofilaria repens has been becoming more and more relevant at the current time. Capable of affecting both dogs, and accidentally cats, dirofilariosis is no longer restricted to what was considered endemic areas. Due to climate changes and also the rising mobility, this vector transmitted disease has been changing its epidemiology. The relevance of this parasito-sis is also because of its zoonotic characteristics.

Keywords: Dirofilaria immitis. Dirofilaria repens. Zoonosis.

Dog. Cat.

Introdução

A Dirofilariose é uma doença causada por um hel-minte: Dirofilaria, um nemátode da ordem Spirurida e da família Onchocercidae (CVBD – D. immitis, 2012), transmitido por um hospedeiro intermediá-rio culicídeo (Aedes, Anopheles e Culex) (CDC – D. immitis, 2012). O cão é o seu hospedeiro definitivo e, por vezes, o gato e o homem podem surgir como hospedeiros acidentais (Anderson, 2000). No caso de Dirofilaria immitis, os seus adultos vão-se alojar na artéria pulmonar e no ventrículo direito (AHS - Current canine guidelines, 2012), enquanto que

Dirofilaria repens tem preferência pelo tecido sub-cutâneo, sendo possível a localização errática destes parasitas (CVBD – D. repens, 2012).

Epidemiologia

De um modo geral, a prevalência da dirofilariose na Europa nos últimos cinco anos tem vindo a aumentar nas regiões do Sul já consideradas endémicas, enquanto nos países do Norte da Europa, anteriormente considerados não endémicos, se tem vindo a observar uma maior dis-persão de dirofilariose nestas regiões (Genchi, 2012).

Esta alteração da epidemiologia da dirofilariose pode ser explicada com base em diversos fatores como: 1) as alterações climáticas e o aquecimento global que criam condições para que os vetores, artrópodes de sangue-frio, se possam desenvolver em áreas onde antes não conse-guiam (Genchi, 2012); 2) o aumento de deslocações de animais de companhia, que podem ser portadores de mi-crofilárias; 3) o aumento do número de animais abando-nados; 4) as resistências aos inseticidas; 5) a vacinação de raposas contra a raiva que aumenta o número de raposas, que são hospedeiros reservatório de Dirofilaria spp. em determinadas regiões; 6) a redução do controlo e preven-ção de dirofilariose devido à economia atual (Fok, 2012).

É importante referir que a predisposição para infe-ção por Dirofilaria spp. é quatro a cinco vezes superior em animais com acesso ao exterior e animais errantes. A prevalência também é superior em animais com ida-des compreendidas entre os 3 e os 15 anos de idade (Ettinger e Feldman, 2004).

Quanto à prevalência das duas espécies mais impor-tantes de dirofilária, Dirofilaria repens e D. immitis, é importante uma maior consciencialização em relação a D. repens, uma vez que a Nordeste da Europa existem maiores prevalências de D. repens do que de D. immitis (Genchi, 2012). Em Portugal, os resultados mais recen-tes de um estudo iniciado em 2011 que incidiu sobre 308 cães de canil nas regiões de Coimbra, Santarém e Setúbal e baseado em diferentes tipos de testes, con-cluiu-se que dos 308 cães, entre 10.71% a 12.34%, consoante o teste realizado, foram considerados po-

*Correspondência: [email protected] Telefone: 913748773

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sitivos à dirofilariose. Estes resultados confirmam a endemicidade da dirofilariose canina no país (Alho et al., 2012). Outro estudo realizado em parceria com 120 clínicas veterinárias de várias regiões de Portugal tem por base a análise da prevalência do antigénio de D. immitis em dois grupos de cães: aparentemente sau-dáveis e CVBD. Os resultados obtidos mostraram que no Norte existem níveis de positividade de 2.9% para cães aparentemente saudáveis e 3.4% para CVBD, no Centro estes valores são de 0.9% e 7.4%, no Alentejo 4.7% e 14.0%, em Lisboa 2.4% e 5.8% e no Algarve 5.1% e 17.1% respetivamente (Cardoso et al., 2012).

Em gatos, num trabalho realizado em 2009 numa po-pulação de 70 gatos da Área Metropolitana de Lisboa, foi possível detetar a presença de antigénios de D. im-mitis utilizando a técnica de imunocromatografia na forma de teste rápido. Neste estudo determinou-se, en-tão, uma prevalência de 1,43% (Rosa, 2009).

Dirofilaria immitis

Ciclo biológico

D. immitis apresenta um ciclo biológico heteroxeno, com parte do seu desenvolvimento a acontecer num hospedeiro invertebrado e outra parte num hospedeiro vertebrado (figura 1) (Kassai, 1999; CVBD – D. immi-tis, 2012). É um ciclo com uma duração relativamente longa, variando entre os seis e os nove meses (AHS - Current canine guidelines, 2012). Quando um culicí-deo fêmea realiza uma refeição sanguínea num animal

infetado por D. immitis, pode ingerir microfilárias que se encontrem na circulação sanguínea deste. Inicia-se, assim, o ciclo de vida deste parasita neste hospedeiro intermediário obrigatório (Urquhart et al., 1996; AHS - Current canine guidelines, 2012). As microfilárias in-geridas migram para o intestino médio do culicídeo, deslocando-se depois para os tubos de Malpighi pe-netrando no citoplasma das células primárias (AHS - Current canine guidelines, 2012; CVBD – D. immitis, 2012). Aqui permanecem cerca de 5 dias, se em condi-ções ótimas, e retornam depois para o lúmen dos tubos de Malpighi onde 10 dias após a infeção mudam para o estadio de L2. O estadio de L3 surge, então, cerca de 13 dias depois do culicídeo ter sido infetado com as microfilárias (AHS - Current canine guidelines, 2012). É nesta fase que as larvas migram para as probóscides, sendo posteriormente, aquando de uma nova refeição sanguínea, depositadas na pele do hospedeiro defini-tivo numa gota de hemolinfa (Anderson, 2000; AHS - Current canine guidelines, 2012).

As larvas L3, já com diferenciação sexual, penetram então no animal através da solução de continuidade causada pela picada do culicídeo e iniciam a migra-ção para o tecido subcutâneo ou subserosal e para os músculos, a nível do tórax (Bowman, 2009). Realizam a muda para L4 3 a 4 dias após terem infetado o hospe-deiro definitivo e para L5 depois de passados 70 ou mais dias (Kassai, 1999). Quando os jovens adultos atingem os pulmões, são forçados pela pressão sanguínea na di-reção de pequenas artérias pulmonares e, conforme o tamanho de D. immitis aumenta, posteriormente para

Figura 1 - Esquematização do ciclo de vida de D. immitis. Adaptado de http://www.cdc.gov

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artérias de maiores dimensões (AHS - Current canine guidelines, 2012). É ainda no estadio de L5 que po-dem surgir migrações erráticas, mais comuns no gato, com destaque para localizações no sistema nervoso central (Bowman et al., 2002). Os adultos tornam-se sexualmente maduros no espaço de 3 meses depois de chegarem ao ventrículo direito do coração via cir-culação venosa, caso a carga parasitária seja elevada. Se for mais baixa, D.immitis surge principalmente nas artérias lobares e na artéria pulmonar (AHS - Current canine guidelines, 2012). Caso haja parasitas adultos de ambos os sexos são produzidas microfilárias que circulam na corrente sanguínea (Ettinger e Feldman, 2004). Na maioria dos gatos, não existem microfilárias em circulação (Bowman et al., 2002).

Os parasitas adultos podem permanecer no hospe-deiro definitivo durante um longo período de tempo que varia entre 5 e 7 anos (AHS - Current canine gui-delines, 2012).

Patogenia

A dirofilariose é uma doença que apresenta duas fases ditas decisivas. Por um lado, a chegada e alojamento das L5 de D. immitis nas artérias pulmonares, principalmen-te nas artérias dos lobos pulmonares caudais, por outro, a morte dos nemátodes adultos (Almeida, 2010).

Os primeiros sinais clínicos de infeção por D. immi-tis estão relacionados com a primeira fase da doença, surgindo, portanto, 3 a 6 meses após a infeção. A ação traumática das L5, nas artérias pulmonares, bem como a libertação de fatores tóxicos e o desencadeamento de mecanismos imunitários origina alterações na vascula-tura pulmonar. A túnica íntima sofre proliferação e há inflamação do endotélio. Isto ocorre cerca de 3-4 se-manas depois das L5 atingirem as artérias pulmonares e estas modificações resultam numa redução do lúmen das artérias afetadas e num aumento da sua tortuosida-de, que se reflete em perda da integridade dos vasos e em hipertensão pulmonar (Gomes, 2009).

É após um período de aproximadamente 9 meses que, em resposta à hipertensão pulmonar, o ventrículo direito surge com uma hipertrofia excêntrica. Isto pode levar a insuficiência cardíaca congestiva acompanhada de ascite e edema. Quando as L5 morrem, provocam uma forte resposta no hospedeiro que conduz à fibrose da vasculatura pulmonar e, por sua vez, predispõe a trombose e a uma reação perivascular (Gomes, 2009).

Se a carga parasitária atingir níveis elevados, prin-cipalmente de L5, podem ocorrer deslocações retró-gradas desde a artéria pulmonar até à veia cava e ao coração direito. Consequentemente, a função da válvu-la tricúspide fica comprometida, o que, em associação com a hipertensão pulmonar, origina uma insuficiência cardíaca direita que resulta em hepatomegália, hemó-lise intravascular e débito cardíaco diminuído. Chama-se a este processo síndrome da veia cava, uma síndro-me particularmente relevante no caso dos cães apesar

de também estar descrita no gato. Nesta espécie, no entanto, o número de parasitas reduzido torna a síndro-me da veia cava um evento bastante raro. A morte em animais nesta situação pode acontecer num espaço de 2-3 dias (Gomes, 2009).

Numa segunda fase, ocorre, então, a morte de ne-mátodes adultos quer por ação de fármacos com efei-to adulticida quer por causas naturais. Os nemátodes mortos e partículas destes nemátodes estão na origem de tromboembolismos pulmonares e enfartes que po-dem mesmo ser fatais. No tratamento com adulticidas isto torna-se mais grave visto haver morte súbita de grande quantidade de adultos com provável compro-misso do fluxo sanguíneo nos pulmões. A interrupção do fluxo sanguíneo pulmonar e a hipertensão pulmonar existente resultam em aumento do consumo de oxigé-nio e da tensão ventricular direita e, finalmente, em in-suficiência cardíaca, hipotensão e isquémia miocárdica (Kassai, 1999).

É hoje reconhecida a importância da relação simbi-ótica que existe entre a bactéria Wolbachia e diversas espécies de filarídeos (figura 2) (Almeida, 2010). Se por um lado se defende que a presença de Wolbachia em D. immitis é indispensável para a sobrevivência do nemátode, também se sabe que a interação entre o sistema imunitário do hospedeiro e a Wolbachia é um importante mecanismo de patogénese. Segundo estu-dos realizados, a proteína de superfície maior locali-zada na parede celular da bactéria leva o hospedeiro com D. immitis a desenvolver uma resposta imunitária por IgG. Há evidências de que a doença pulmonar as-sociada à presença de D.immitis está na verdade mais relacionada com a Wolbachia e que os efeitos inflama-tórios por ela provocados se mantêm mesmo depois do parasita ter sido eliminado do animal (Gomes, 2009).

Figura 2 - Secção transversal de um macho adulto de D. im-mitis (x40). In: Grandi, G.; Leoni, M.; Mortarino, M.; Kramer, L.; Mccall, J.W. (2009) – Dirofilaria immitisy Wolbachia: Implicancias Terapéuticas.

Em determinados casos, ocasionalmente, podem ocorrer migrações ectópicas do filarídeo. A câmara an-terior do olho, o sistema nervoso central e mesmo arté-rias sistémicas ou tecido subcutâneo e muscular foram já referidas como possíveis localizações de D. immitis (Rosa, 2009).

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A dirofilariose no homem, não sendo este o hospe-deiro preferencial deste parasita, caracteriza-se por um desenvolvimento deficiente dos nemátodes na artéria pulmonar com passível tromboembolismo pulmonar causado por dirofilárias mortas (Kassai, 1999).

Cão, hospedeiro definitivo

Sinais Clínicos

A maioria dos animais infetados com D. immitis é assintomática, no entanto podem surgir sinais clínicos principalmente em casos crónicos (Kassai, 1999). O aparecimento de sinais clínicos depende essencialmen-te da duração da infeção e da carga parasitária (Gomes, 2009). Nos cães, pode ser observada uma mudança no comportamento, os animais tornam-se agitados ou apáticos. Ocorre perda de peso, há intolerância ao exercício, ascite, edema dos membros, síncope, disp-neia e tosse com hemoptise caso haja tromboembolis-mo pulmonar (CVBD – D. immitis, 2012).

Ao exame físico, na auscultação, pode-se ouvir ruído galope, split de S2 e um sopro no lado direito do co-ração devido a insuficiência da tricúspide (CVBD – D. immitis, 2012).

Diagnóstico

Para diagnosticar uma infeção por D. immitis num cão, pode-se recorrer a vários métodos:

- Deteção de microfilárias

Testes para deteção de microfilárias devem ser reali-zados anualmente em cães que habitem em zonas en-démicas de D. Immitis (Ettinger e Feldman, 2004). No entanto, muitos animais infetados podem apresentar-se sem microfilarémia. Isto pode acontecer no período de pré-patência, quando a infeção consiste em nemátodes de um único sexo ou quando há destruição de microfi-lárias por ação de fármacos (Bowman, 2009).

A identificação microscópica de microfilárias utili-zando uma gota de sangue a fresco (Urquhart et al., 1996), um esfregaço de sangue e a observação de mo-vimento por baixo da buffy coat num tubo de micro-hematócrito eram as formas mais comuns para dete-tar a presença de microfilárias (quadro 1) (Ettinger e Feldman, 2004). Por outro lado, o teste modificado de Knott ou a filtração por miliporos são métodos mais sensíveis visto que concentram as microfilárias exis-tentes aumentando assim a hipótese de diagnóstico (Ettinger e Feldman, 2004). O teste de Knott modifi-cado consiste numa formolização do sangue de modo a destruir os glóbulos vermelhos e a permitir a obser-vação de microfilárias em extensão após centrifugação (AHS - Current canine guidelines, 2012). É o método preferencial para observar microfilárias a nível mor-fológico e de dimensões, de modo a permitir a dife-

renciação entre D. immitis e Dipetalonema reconditum (figura 3). Não se pode determinar a severidade da infeção pelo número de microfilárias detetadas já que não existe correlação entre este número e o de adultos presentes no cão (Ettinger e Feldman, 2004).

A coloração por fosfatase ácida pode ser usada para diferenciação entre microfilárias (Gomes, 2009).

Figura 3 - Microfilária de D. immitis (em baixo) e de D. recondi-tum. In: www.capcvet.org.

Apesar dos testes serológicos serem preferíveis atu-almente, em cães positivos aos antigénios ou sujeitos a tratamentos preventivos com dietilcarbamazina deve-se também realizar o teste de Knott modificado de for-ma a determinar se existe microfilarémia (Ettinger e Feldman, 2004).

Quadro 1 - Diagnóstico diferencial de algumas microfilárias encontradas no sangue. Adaptado de www.cvbd.org

Critério D. immitis D. repensDipetalonema reconditum

Extremidade anterior

Cónica Arredondada Arredondada

Extremidade posterior

Reta Em ganchoEm gancho (apenas 30 a 40%)

Evidência de fosfatase ácida

Poro excretor e anal

No poro anal Difusa

- Serologia

Atualmente, é possível e preferível a realização de testes serológicos como ELISA e imunocromatogra-fia para deteção de infeções por D. immitis, estando estes disponíveis na forma de testes rápidos para uso rotineiro em clínicas veterinárias (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine guidelines, 2012). Estes métodos, para além de terem uma sensibilidade maior que os testes para detecção de microfilárias, permitem identificar infeções em que estão presentes parasitas adultos mas não existem microfilárias em circulação. A sua especificidade é próxima de 100% em infeções que sejam constituídas por pelo menos um nemátode fêmea maduro uma vez que os antigénios detetados são provenientes dos úteros das fêmeas (AHS - Current ca-nine guidelines, 2012).

O método de ELISA permite ainda determinar a eficácia da terapêutica adulticida. A concentração de antigénios baixa para níveis indetetáveis 8 a 12 se-manas após o tratamento, se este for eficaz. Os níveis poder-se-ão manter inalterados mas o tratamento só se considerará ineficiente se os níveis de antigénios as-sim se mantiverem 6 meses após o início da terapêutica (Ettinger e Feldman, 2004).

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O nível de antigénios presentes pode aumentar de-vido a morte recente de nemátodes ou diminuir quan-do as fêmeas existentes são ainda jovens ou quando as fêmeas maduras são poucas (Ettinger e Feldman, 2004).

- Radiografia

São considerados sinais típicos de dirofilariose pre-sente a nível vascular aumento do tamanho e da tor-tuosidade de vasos intra e interlobulares, bem como o aparecimento de vasos truncados. Isto ocorre prin-cipalmente nos lobos caudais e está associado a alte-rações no parênquima pulmonar (Gomes, 2009; AHS - Current canine guidelines, 2012).

- Ecocardiografia

A ecocardiografia é um método complementar de diagnóstico que pode permitir afirmar definitivamente que o animal está infetado com D. immitis. Deve ser utilizado em associação com métodos já referidos visto que não permite o diagnóstico por si só, apenas o con-firma (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Recorrendo à ecocardiografia é possível detetar o aumento do coração direito uma vez que permite cal-cular o rácio entre as dimensões internas do ventrículo esquerdo e direito. Em cães saudáveis, este rácio varia entre 3 e 4, em cães com dirofilariose, o valor médio ronda 0,7 (Ettinger e Feldman, 2004; Gomes, 2009).

O corpo dos parasitas adultos é bastante ecogéni-co, resultando na produção de imagens característi-cas como curtos segmentos lineares paralelos (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Em cães que apresentam hemoglobinúria consegue-se observar os nemátodes no orifício da válvula tricúspide sendo assim possível confirmar conclusivamente que existe síndrome da veia cava (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Profilaxia

Relativamente à profilaxia da doença, a sua preven-ção deve ser sempre um objetivo a cumprir. Para este propósito podem ser utilizados dietilcarbamazina e outros agentes da família das lactonas macrocíclicas

(Ettinger e Feldman, 2004). A dietilcarbamazina é uma substância segura e eficaz, que só pode ser ad-ministrada em cães amicrofilarémicos e que, devido à reduzida janela de eficácia terapêutica, deve ser dada diariamente durante a época do mosquito até um a dois meses depois do fim da mesma. Esta substância elimina larvas L3 e larvas L4 (Ettinger e Feldman, 2004). No que diz respeito ao uso de lactonas macrocí-clicas, estas substâncias assumem relativa importância na prevenção da dirofilariose uma vez que, ao contrário da dietilcarbamazina, possuem uma janela de eficácia terapêutica muito grande e devem ser dadas mensal-mente ou ainda menos frequentemente, pois estes agentes interrompem o desenvolvimento larvar dois meses após a infeção. Para além disso produzem me-nos reações adversas em cães microfilarémicos. Deste modo, a dietilcarbamazina tem caído em desuso na prevenção da dirofilariose e tem vindo a ser substituí-da pelas lactonas macrocíclicas, como a ivermectina, a moxidectina, a milbemicina e a selamectina (Ettinger e Feldman, 2004; Rocha, 2010).

O tratamento profilático deve ter início entre as 6 a 8 semanas de idade em regiões endémicas ou, em re-giões não endémicas, 1 mês antes e 1 mês depois da época do mosquito. (Ettinger e Feldman, 2004).

Tratamento médico

Antes de iniciar qualquer tratamento, o médico ve-terinário deve classificar o quadro clínico do animal (quadro 2) e só depois decidir o tratamento a instituir (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine gui-delines, 2012).

Relativamente ao tratamento adulticida é utilizada o dihidrocloridato de melarsomina, uma substância bas-tante segura, mas não isenta de algumas reações adver-sas, visto que um tratamento adulticida bem-sucedido implica a ocorrência de tromboembolismos. No en-tanto, este efeito pode ser contornado com a restrição de exercício físico após a administração do fármaco (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine gui-delines, 2012).

A terapia microfilaricida, segundo a American Heartworm Society, costumava ser instituída três a quatro semanas após a terapia adulticida, recorrendo ao uso de lactonas macrocíclicas. No entanto existem

Quadro 2 - Classificação segundo classe da gravidade da infeção. Adaptado de: http://www.heartwormsociety.org

Cla

sse

1 2 3 4

Des

criç

ão Fadiga durante exercícioTosse ocasional Diminuição da condição corporal

Sinais radiográficosAlterações hematológicasProteinúria moderadaFadiga durante exercícioTosse ocasional

Fadiga constante Tosse persistenteDispneiaAsciteSinais radiográficosAnemia graveProteinúria

Pulso jugularAumento da pressão venosa centralInsuficiência cardíacaAnemia hemolíticaCoagulação intravascular disseminada

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autores que defendem a administração destas subs-tâncias na altura em que é feito o diagnóstico, antes da realização do tratamento adulticida, o que permi-te uma morte progressiva e lenta das microfilárias e consequentemente reduz o risco de reações adversas, uma vez que a morte rápida de um grande número de microfilárias pode conduzir a choque anafilático (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Para indivíduos classificados com uma infeção leve a moderada (classes 1 e 2), o tratamento con-siste em duas injeções IM profundas na região da musculatura lombar, de 2,5 mg/kg, com 24 horas de intervalo. Relativamente aos animais classificados com uma infeção grave (classe 3) está indicada uma primeira administração IM profunda de 2,5mg/kg de melarsomina, seguida de internamento do animal no mesmo dia (AHS - Current canine guidelines, 2012). Posteriormente deverão ser dadas indicações impor-tantes ao proprietário como a necessidade de restrição de exercício físico durante 1 mês e o tipo de reações adversas que podem ocorrer. Se, por acaso, aconte-cerem reações sistémicas adversas, a segunda fase do tratamento é adiada ou cancelada mas, no geral, o protocolo de tratamento é concluído ao final de 2 a 3 meses. Assim, após 1 mês da primeira injeção é administrada da mesma forma mais uma dose de me-larsomina e um dia depois outra dose de melarsomina é administrada no local contra-lateral. Ao fim de 6 meses após o fim do protocolo é realizado um teste antigénico que nos vai indicar o sucesso ou insucesso da terapia adulticida (Ettinger e Feldman, 2004).

Quanto aos indivíduos que apresentam síndro-me da veia cava e hipertensão pulmonar (classe 4), o tratamento adulticida é contraindicado (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine guidelines, 2012).

Tratamento anti-Wolbachia

A relação de simbiose que se verifica entre o para-sita e a bactéria Wolbachia pode ser uma mais-valia no tratamento da dirofilariose visto que a eliminação da bactéria por antibioterapia conduz a uma série de efeitos muito benéficos incluindo: inibição do desen-volvimento larvar, esterilidade das fêmeas e efeito adulticida. Para este propósito é utilizado um antibió-tico da família das tetraciclinas, a doxiciclina, que ad-ministrada antes do tratamento adulticida com melar-somina, reduz as reacções pró-inflamatórias causadas pela morte dos parasitas adultos (Ettinger e Feldman, 2004).

Tratamento cirúrgico

Existe um método de remoção mecânica de dirofilá-rias que deve ser realizado com associação de melar-

somina para uma adequada destruição de dirofilárias adultas. Desta forma, esta alternativa terapêutica é van-tajosa no sentido em que reduz a toxicidade da melar-somina e o risco de ocorrência de tromboembolismos (Ettinger e Feldman, 2004).

Gato, hospedeiro acidental

De facto, a dirofilariose no gato assume um compor-tamento muito diferente daquele que assume no cão, o seu hospedeiro definitivo (quadro 3) (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Quadro 3 - Diferenças na infeção por D. immitis no gato e no cão. Adaptado de www.heartwormsociety.org

Gato Cão

Suscetibilidade à infeção Mais baixa do que o cão. Muito elevada.

Longevidade dos parasitas

2 - 3 anos. 5 - 7 anos.

Infeções ectópicas Não incomum. Ocasionalmente.

Número de adultos no hospedeiro

Inferior a 6, sendo que o mais comum são 1 a 2

adultos.Mais de 30.

Infeções de sexo único

Comum. Pouco comum.

Microfilarémia

Transitória (dura 1 mês)Ocorre em menos de 20% de gatos

naturalmente infetados

PersistenteMuito comum, entre 80 a 90%

Órgãos mais afetados

Pulmões Coração e pulmões

Sinais clínicos

Em relação aos gatos, estes podem também ser as-sintomáticos. As manifestações agudas estão normal-mente associadas aos sistemas cardiovascular e respi-ratório e às localizações ectópicas do parasita, comuns neste hospedeiro.

Na forma crónica, mais frequente, o gato exibe perda de peso, anorexia, letargia, intolerância ao exercício, dispneia, ascite, tosse, vómito, sinais de insuficiência cardíaca direita, tosse, disfagia, diarreia e síncope. Considera-se que tosse e dispneia em gatos são acha-dos consistentes com infeção por D. Immitis (Ettinger e Feldman, 2004).

Aquando da realização do exame físico, muitas ve-zes, o parasita nada é detetado (Ettinger e Feldman, 2004; Almeida, 2010).

Diagnóstico

No caso do gato, o diagnóstico torna-se mais com-plicado (Almeida, 2010). Se em parte isto se deve à ausência de sinais clínicos específicos e à carga parasi-tária baixa sem existência de microfilariémia na maior

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parte das vezes (Almeida, 2010), também tem um pa-pel importante a falta de sensibilização dos médicos veterinários para com a dirofilariose felina (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine guidelines, 2012).

São vários os métodos utilizados:

- Deteção de Microfilárias

Como foi já referido, é raro haver microfilarémia em gatos infetados por D.immitis, assim sendo não são normalmente utilizados testes para identificação de microfilárias (AHS - Current canine guidelines, 2012; Capvet, 2012).

- Serologia

Testes para deteção de antigénios

Apesar de estar provado que, mesmo em gatos, a sensibilidade do método ELISA aumenta proporcio-nalmente ao número de fêmeas maduras é muito co-mum a existência de falsos-negativos. Estes falsos-ne-gativos podem ser explicados por uma série de fatores que são mais comuns em gatos: pela presença somente de machos na infeção, pela baixa carga parasitária ou pela existência de infeções imaturas mas sintomáticas (Rosa, 2009; AHS - Current canine guidelines, 2012).

Teste para deteção de anticorpos

Estes testes podem detetar infeção quer seja por nemátodes machos ou fêmeas ou mesmo estadios larvares visto que todas as formas do parasita es-timulam uma resposta imune desde os 2 meses de infeção. A desvantagem é que estes testes não asse-guram que a infeção ainda esteja a decorrer já que os anticorpos detetados podem ser referentes a uma infeção passada.

Radiografia torácica

As anomalias detectadas passam por aumento das ar-térias pulmonares caudais e da tortuosidade, com fre-quente perda de definição dos contornos, alterações do parênquima pulmonar (infiltrações focais ou difusas), ocasionalmente atelectasia (Ettinger e Feldman, 2004). Um padrão broncointersticial que pode desaparecer em poucos meses é um aspeto sugestivo de dirofilariose felina (Almeida, 2010).

Ecocardiografia

Este método provou ser mais sensível em gatos do que em cães (Ettinger e Feldman, 2004; Almeida, 2010), podendo observar-se uma ecodensidade em linha dupla nas principais artérias pulmonares, no ventrículo direito e, por vezes, na junção atrioventri-cular em animais infetados com D. immitis (Ettinger e Feldman, 2004; Rosa, 2009).

Angiografia

A angiografia pulmonar é um método útil no diag-nóstico de dirofilariose felina. Através desta técnica conseguem-se mostrar corpos estranhos radiopacos intravasculares e o aumento das dimensões e da tortu-osidade das artérias pulmonares (Ettinger e Feldman, 2004; Rosa, 2009).

Prevenção e tratamento

Tendo em consideração que o gato não é o hospe-deiro definitivo da D. immitis e que a incidência da di-rofilariose felina é bastante baixa, coloca-se em causa a necessidade ou não da instituição de uma profilaxia para a dirofilariose nesta espécie (Ettinger e Feldman, 2004).

As substâncias ativas mais usadas em gatos para este propósito são a ivermectina e a milbemicina oxima orais e a selamectina e moxidectina tópicas (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current feline guidelines, 2012).

Tendo em conta que um gato infetado na maioria das vezes é amicrofilarémico, a terapêutica microfilarici-da não é necessária nesta espécie (Ettinger e Feldman, 2004; Capvet, 2012). No entanto, em casos de gatos microfilarémicos a ivermectina na dose de 24 μg/kg PO assim como a milbemicina na dose de 2mg/kg PO administradas mensalmente são eficazes no tratamento da microfilarémia, sendo que esta deve ser inexistente 3 a 12 meses após o início do tratamento (Rosa, 2009). Relativamente à terapêutica adulticida, esta assume um papel problemático, dado que a tiacertasamida pode até colocar em risco de vida gatos perfeitamente sau-dáveis, por vezes levando a edema, insuficiência res-piratória e morte. Outro problema que se coloca para além das reações adversas à tiacertasamida é a elevada frequência com que ocorrem tromboembolismos após a terapia adulticida e que na maioria das vezes são fa-tais (Ettinger e Feldman, 2004). Desta forma, alguns autores desaconselham a terapia adulticida e propõem uma alternativa cirúrgica, no entanto também existe documentação insuficiente sobre o assunto (Ettinger e Feldman, 2004; Rosa, 2009).

Até ao momento o que se aconselha no tratamen-to da dirofilariose felina consiste numa terapêutica de suporte com corticosteroides (prednisona, 1 a 2 mg/kg TID, a cada 48horas) de forma a controlar os sinais respiratórios (Ettinger e Feldman, 2004). No caso de emergências tromboembólicas está indicado o uso de oxigénio, de corticosteroides (dexametasona, 1 mg/kg, IV/IM ou prednisolona, 50 a 100 mg, IV) e bronco-dilatadores (Ettinger e Feldman, 2004; Capvet, 2012).

Relativamente ao tratamento anti-Wolbachia nos gatos, em que a terapia adulticida é contraindicada, o uso de doxiciclina permite que estes animais convivam melhor com a doença, no entanto nunca conduzindo a uma verdadeira cura (Ettinger e Feldman, 2004).

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Dirofilaria repens

Ciclo biológico

O ciclo biológico de D. repens inicia-se quando um mosquito infetado por este parasita procede a uma re-feição sanguínea no hospedeiro definitivo, o cão, in-troduzindo larvas L3 na corrente sanguínea do animal. As larvas L3 vão passar por mais duas mudas (L4 e L5) até atingirem, então, a fase adulta. Nesta última fase, os adultos migram para o tecido subcutâneo onde permanecem por 5 ou 10 anos até ao final da sua vida. Entretanto, as fêmeas adultas de D. repens vão liber-tando para a circulação sanguínea microfilárias (AHS - Current feline guidelines, 2012).

Desta forma, quando um mosquito faz uma refeição sanguínea num animal infetado ingere microfilárias que circulam pela corrente sanguínea. Após a inges-tão, as microfilárias fazem uma migração através do hemocélio do intestino médio para os túbulos de Mal-pigui, local onde as microfilárias se vão desenvolver até ao terceiro estadio larvar. Neste estadio, as larvas vão fazer uma migração até à probóscide do mosquito, possibilitando que o mosquito infete outros hospedei-ros definitivos ou acidentais, como o Homem e o gato (AHS - Current feline guidelines, 2012).

Sinais clínicos

Assim como acontece com D. immitis, a maioria dos cães com dirofilariose subcutânea são assintomáticos. Durante o exame físico de um cão infetado pode ser encontrado um nódulo de pequenas dimensões, não doloroso, que resulta da presença de uma dirofilária adulta no tecido subcutâneo (CDC – D. repens, 2012; CVBD – D. repens, 2012).

Diagnóstico

O diagnóstico, à semelhança do que acontece para D. immitis, é diferente consoante se pretenda identi-ficar a presença de dirofilárias adultas ou de microfi-lárias circulantes no sangue. Através da remoção ci-rúrgica dos nódulos observados no animal é possível confirmar a infeção por dirofilárias adultas. No que diz respeito à identificação de microfilárias é neces-sário realizar uma colheita de sangue. A análise desta amostra deve utilizar o teste de Knott e as microfilá-rias de D. repens devem ser diferenciadas das de D. immitis, quer recorrendo a testes imunológicos quer por observação da sua morfologia (CVBD – D. re-pens, 2012). A técnica histoquímica da fosfatase áci-da pode ser usada nesse sentido (CDC – D. repens, 2012)

Prevenção e Tratamento

A profilaxia da dirofilariose subcutânea consiste na minimização do risco de infeção através do uso de ec-

toparasiticidas de largo espectro que repelem e destro-em os vetores da doença (CVBD – D. repens, 2012).

O tratamento indicado para a dirofilariose sub-cutânea consiste na remoção cirúrgica dos nódulos causados pelas dirofilárias, podendo também estar indicado um tratamento anti-helmíntico em cães que apresentem sinais clínicos como dermatite prurigino-sa para além de nódulos subcutâneos. Nestes casos é recomendado o uso combinado de melarsomina e de doramectina (CVBD – D. repens, 2012).

Assim como se encontra recomendado o uso de te-traciclinas (doxiciclina) nas infeções por D. immitis, estes antibióticos têm mostrado também eficácia em inibir o desenvolvimento larvar deste parasita ao eli-minar as bactérias simbiontes das dirofilárias, Wolba-chia spp (CVBD – D. repens, 2012).

Saúde Pública

Apesar de à primeira vista não parecer uma parasito-se de grande preocupação existe, no entanto, um relato de um caso de meningoencefalite concomitante com a infeção por D. repens (Poppert et al., 2009). Neste sentido, torna-se cada vez mais importante o papel do médico-veterinário de aconselhar os proprietários dos animais na prevenção destas parasitoses.

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Resumo: O incremento de resistências a compostos antibac-terianos tem-se revelado, ao longo dos anos, alvo de crescente preocupação a nível Mundial, quer do ponto de vista da Saúde Pública, quer na perspetiva da Segurança Alimentar. A mastite bovina é a causa mais frequente de utilização destes fármacos em efectivos leiteiros, sendo o seu uso apontado como factor se-letivo na ecologia bacteriana do úbere bovino. A monitorização e análise dos padrões de resistências antibacterianas em agentes etiológicos de mastite tem fornecido informações de grande utilidade na escolha de antibióticos no tratamento de animais afectados, especialmente no que diz respeito a agentes etiológi-cos isolados em diferentes regiões geográficas.Este estudo retrospectivo teve como objetivo determinar os pa-drões de resistência a sete fármacos antibacterianos disponíveis no mercado Português e a sua evolução, em 47.413 isolados bac-terianos. Os isolados foram obtidos a partir de amostras de leite provenientes de explorações leiteiras das regiões Litoral Norte, Centro e Sul de Portugal Continental, entre 2004 e 2012. Testes de susceptibilidade foram executados pelo método de difusão em disco e procedeu-se à regressão logística de modo a verificar alterações nos níveis de resistência ao longo do tempo de estudo.Os resultados obtidos indicam uma evolução nos níveis de re-sistência, ao longo dos nove anos do estudo, entre certos agentes testados: no S. aureus para amoxicilina/ácido clavulânico (de 0,7% para 26,6%), cloxacilina (de 1,1% para 3,0%), cefquinoma (de 0% para 3.1%) e gentamicina (de 1,2% para 2,9%); na E. coli para amoxicilina/ácido clavulânico (de 22,6% para 55,0%), cefazolina (de 4,9% para 24,4%) e trimetoprim/sulfametoxazol (de 9,6% para 14,3%); na K. pneumoniae para amoxicilina/ácido clavulânico (de 57,1% para 71,4%); no S. uberis para gentamic-ina (de 41,5% para 88,2%); e no S. dysgalactiae (de 3,2% para 11,8%) e S. agalactiae (de 0% para 4,3%) para cloxacilina.

Palavras-Chave: Bovinos; Mastite; Antibióticos; Padrões; Resistências.

Summary: The worldwide development of resistance to anti-bacterial agents has been a growing concern over the years, from both public health and food safety perspectives. Bovine mastitis reports as the single most common pathology in dairy herds, and therefore, to which these drugs are mostly used. This use ac-counts as a selective factor in the bacterial ecology of the bovine

udder. The analysis and long-term monitoring of antibacterial susceptibility patterns has provided useful information in guid-ing the selection of antibacterial agents by local clinicians from different geographic regions, towards more efficient mastitis therapy protocols.This retrospective study aims to determine the evolution of re-sistance patterns of the major mastitis pathogens to seven an-tibacterial drugs available in the Portuguese market over time. Isolates were obtained from milk samples from dairy farms in the northwestern, central and southern regions of Portugal, between 2004 and 2012. Susceptibility testing was performed by the Kirby-Bauer disk diffusion method. Data from a total of 47,413 antibacterial susceptibility tests was used. Logistic re-gression was performed to verify whether the resistance propor-tions to the various antibacterials changed over the nine years of data.Results indicated a trend towards increased antibacterial resist-ance among certain mastitis pathogens: for S. aureus to amoxi-cillin/clavulanic acid (from 0.7% to 26.6%), cloxacillin (from 1.1% to 3.0%), cefquinome (from 0% to 3.1%) and gentamicin (from 1.2% to 2.9%); for E. coli to amoxicillin/clavulanic acid (from 22.6% to 55.0%), cefazolin (from 4,9% to 24.4%) and trimethoprim/sulfamethoxazole (from 9.6% to 14.3%); for K. pneumoniae to amoxicillin/clavulanic acid (from 57.1% to 71.4%); for S. uberis to gentamicin (from 41.5% to 88.2%); and for S dysgalactiae (from 3.2% to 11.8%) and S. agalactiae (from 0% to 4.3%) to cloxacillin.

Keywords: Dairy; Cattle; Bovine; Mastitis; Antibacterial agent;

Resistance; Patterns; Trends.

Introduction

The increase in resistance to antibacterial agents has raised serious concerns worldwide from both public health and food safety perspectives, putting their use in food-producing animals under constant scrutiny over the years (WHO, 1997, 1998; Agersø et al., 2011).

Bovine mastitis is the single most frequent cause for antibacterial use in dairy herds (White and McDermott, 2001; Hillerton and Berry, 2005; USDA, 2008; Agersø et al., 2011). Since this use has been suggested as a

Trends in Antibacterial Resistance of Major Bovine Mastitis Pathogens in Portugal

Evolução de Padrões de Resistência a Antibióticos em Agentes Etiológicos da Mastite Bovina em Portugal

Balbino Rocha1* , Denisa Mendonça2,3 , João Niza-Ribeiro2,3

1FAGRICOOP – Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de Vila Nova de Famalicão, Portugal2ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto, Portugal – Departamento de Estudos População

3ISPUP – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Portugal

*Correspondência: [email protected]: 969 888 767

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selective force in shaping the bacterial ecology of bo-vine mastitis (Myllys et al., 1994), antibacterial resist-ance of mastitis pathogens has received continuous particular attention (WHO, 1997, 1998; White and McDermott, 2001; Agersø et al., 2011).

Development of antibacterial resistance in mas-titis pathogens discloses three relevant aspects: 1) Reduction in treatment efficacy, disease control and productivity. In some instances, dairy cattle that devel-op mastitis caused by resistant bacteria may become chronically infected and be prematurely dispatched to slaughter; 2) Potential risk of transmission of resistant bacteria to humans via the food chain. This is, however, not likely to occur with milk from clinical mastitis cas-es, since this milk is banned from human consumption. Nonetheless, clinical cases may turn into subclinical cases or latent infections. Resistant bacteria from these infections are present in the bulk tank milk and may be transmitted to humans via raw milk products; and 3) Potential risk of transmission of resistance genes between mastitis and other environmental pathogens, which may affect humans through other routes (Owens et al., 1997; Khachatourinas, 1998; Sol et al., 2000).

Individual antibacterial susceptibility tests of mas-titis pathogens, based on the results of the agar disk diffusion method, have minimal clinical relevance in guiding individual cow therapy. However, since these results are replicable, large numbers of mastitis isolates may be processed to generate antibacterial resistance patterns of mastitis pathogens to selected antibacterial drugs, consequently providing useful information on the long-term trends of those traits in a certain popula-tion or region. Deliberations may therefore be made in the direction of guiding local clinicians to make more informed choices when selecting for the most suitable antibacterial drug to prevent and treat mastitis. This may contribute to a more successful therapeutic out-come, reducing the use of antibacterials and the selec-tion pressure among mastitis pathogens and their dis-semination in the environment (Constable and Morin, 2003).

The goal of this study was to establish, from a clinical perspective, antibacterial resistance patterns of major bovine mastitis pathogens isolated from milk samples from dairy herds in northwestern, central and southern Portugal in a nine-year period (2004 – 2012), and de-termine if those patterns have changed over time.

Materials and Methods

Criteria for selection of cases

This study consisted in reviewing records of all bac-teriological outcomes from clinical and subclinical mastitis milk samples from dairy cattle of Portuguese northwestern, central and southern herds. Milk samples were forwarded to an Animal Health and Food Safety Laboratory (Segalab, S.A. - Matosinhos, Portugal)

between January 2004 and September 2012. Results from antibacterial susceptibility testing were included for analysis.

Sample collection and microbiology

Over the years, mastitic milk sample submissions to the laboratory have been made as part of either oc-casional private individual initiatives by farmers or a herd’s assisting veterinarian, or by means of milk qual-ity programs established and performed by the labora-tory’s technical services to herds taking part in these programs. Milk samples were collected and submit-ted to the laboratory under National Mastitis Council (NMC) recommendations (NMC, 2004). In the labora-tory, milk samples were cultured and mastitis patho-gens identified using standard microbiologic methods. Contaminated samples were defined, by NMC guide-lines, as a combination of three or more isolated dis-similar colony types (NMC, 2004). Once identified, pure cultures of mastitis pathogens were tested for in vitro antibacterial susceptibility.

In vitro antibacterial susceptibility testing

In vitro antibacterial susceptibility testing was con-ducted by the Kirby-Bauer disk diffusion test meth-odology in accordance with Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) standards (CLSI, 2008). Each isolate was added to sterile diluents to contain approximately 108 CFU/mL (0,5 on McFarland scale) and was plated on Mueller-Hinton agar (bioMérieux®), with or without supplementation of 5% defibrinated sheep blood, depending on the isolate’s genera. Disks impregnated with the tested antibacterial agents were placed over the agar and incubated at 37 ºC for 24 hours. Susceptibility data were determined by meas-urement of the inhibition zone around the antibacte-rial disks, according to the zone diameter interpretative CLSI standards (CLSI, 2008). E. coli - ATCC isolate 25922 and S. aureus - ATCC isolate 33862 were used as the quality control organisms. Only quality controlled results were reported. Isolates were classified as sus-ceptible, of intermediate susceptibility or resistant on the basis of CLSI standards (CLSI, 2008). Laboratory protocols, based on NMC guidelines, remained practi-cally unchanged during the study period. Antibacterial disks and/or manufacturers changed sporadically, de-pending on stock/market availability.

Tested antibacterials

The antibacterials considered for analysis were: Amoxicillin/clavulanic acid (AUG), 30 mg (20 mg + 10 mg); cloxacillin (OB/CX), 5 mg; penicillin G (P), 10 IU; cefazolin (KZ), 30 mg; cefquinome (CEQ), 10 mg; gentamicin (CN), 10 mg; and trimethoprim/sulfameth-oxazole (SXT), 25 mg (1,25 mg + 23,75 mg) (Table 1). The selection of the antibacterials was based on the fol-

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lowing criteria: 1) License, availability and sales in the Portuguese market for mastitis intramammary (IMM) therapy in lactating cows (Apifarma, 2011; DGAV et al., 2012); 2) Use in human medicine (cefquinome as an exception); 3) Listed as “critically important” or “highly important” antibacterial in human medicine (cefquinome as an exception) (AGISAR, 2011).

Table 1 - Antibacterial agents used in 47,413 susceptibility tests of bacterial pathogen isolates obtained from dairy cow milk sam-ples and submitted for bacterial culture between January 2004 and September 2012.

Pathogens isolated Antibacterial agents tested

Staphylococcus aureus AUG, OB/CX, P, KZ, CEQ, CN and SXT

Streptococcus uberis AUG, OB/CX, P, KZ, CEQ, CN and SXT

Streptococcus agalactiae AUG, OB/CX, P, KZ, CEQ and SXT

Streptococcus dysgalactiae AUG, OB/CX, P, KZ and SXT

Enterococcus spp. * AUG, OB/CX, P, KZ and SXT

Escherichia coli AUG, OB/CX, P, KZ, CEQ, CN and SXT

Klebsiella pneumoniae AUG, OB/CX, P, KZ, CN and SXT

* includes only Enterococcus faecium and Enterococcus faecalis species.AUG - Amoxicillin/Clavulanic acid; OB/CX - Cloxacillin; P - Penicillin G; KZ - Cefazolin; CEQ - Cefquinome; CN - Gentamicin; SXT - Trimethoprim/Sulfamethoxazole.

Selection of pathogens

Only pure cultures of Staphylococcus aureus, Streptococcus agalactiae, Streptococcus uberis, Streptococcus dysgalactiae, Enterococcus spp. (E. faecium and E. faecalis only), Escherichia coli and Klebsiella pneumoniae were considered for analysis (Table 1). The selection of these pathogens was based on the following criteria: 1) classification as major mastitis pathogen; 2) importance for veterinary medi-cine and dairy industry and, 3) importance for public health.

Data analysis

For purposes of statistical analysis, isolates classified as being of intermediate susceptibility were not includ-ed in the study. Also, E. faecium and E. faecalis iso-lates were merged into the ‘Enterococcus spp.’ group. The proportion of tested pathogens that showed resist-ance to an individual antibacterial agent was calculat-ed for the nine years of data (Table 3). The resulting resistance levels were grouped in 7 categories, based on European Food Safety Authority (EFSA) standards: 1) Rare: <0.1%; 2) Very low: 0.1 to 1%; 3) Low: 1 to 10%; 4) Moderate: 10 to 20%; 5) High: 20 to 50%; 6) Very high: 50% to 70%; and 7) Extremely high: >70% (EFSA, 2010). Logistic regression was performed to determine the probability of antibacterial resistance by year (Table 4). The logistic regression model included ‘resistance’ as the response variable (“yes” vs. “no”) and ‘year’ as the explanatory variable (“2004” to “2012”). P-values of 0.05 were considered significant. Statistical analysis was performed using IBM SPSS Statistics, version 21.0.

Results

A total of 47,413 antibacterial susceptibility test results was included in the present study: 28,136 on S. aureus isolates; 5,916 on E. coli isolates; 5,799 on S. uberis isolates; 4,589 on S. agalactiae isolates; 1,231 on S. dysgalactiae isolates; 979 on Enterococcus spp. isolates; and 773 on K. pneumo-nia isolates (Table 2).

The proportion of tests that were found to be resist-ant to the selected antibacterial agents ranged from 0 to 100% (Table 3). Resistance proportions were, in majority, below 15%. S. agalactiae and S. dysga-lactiae were the pathogens with the lowest resistance proportions (0 to 11.4%, between both). Antibacterial resistance was prevalent at high levels among: S. au-

Table 2 - Number of antibacterial susceptibility tests throughout the study period (2004 - 2012).

Staphylococcus aureus

Escherichia coli

Streptococcus uberis

Streptococcus agalactiae

Streptococcus dysgalactiae

Enterococcusspp. *

Klebsiella pneumoniae

Total Total (%)

2004 1,491 127 604 159 137 199 56 2,773 5.9

2005 2,715 150 426 278 132 205 15 3,921 8.3

2006 3,766 364 298 620 87 84 131 5,350 11.3

2007 4,866 805 633 792 124 199 137 7,556 15.9

2008 5,070 935 925 586 323 119 76 8,034 16.9

2009 4,051 978 983 456 155 NT 138 6,761 14.3

2010 2,602 1,086 874 894 273 173 134 6,036 12.7

2011 2,138 846 580 376 NT NT 65 4,005 8.4

2012 1,427 625 476 428 NT NT 21 2,977 6.3

Total 28,126 5,916 5,799 4,589 1,231 979 773 47,413

Total (%) 59.3 12.2 9.7 2.6 2.1 12.5 1.6 100.0

* includes only Enterococcus faecium and Enterococcus faecalis species.NT - Not tested

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reus for penicillin (44.7%); S. uberis for cloxacillin (22.1%) and gentamicin (71.0%); Enterococcus spp. for trimethoprim/sulfamethoxazole (23.9%), penicillin (70.0%), cefazolin (79.9%) and cloxacillin (96.2%); E. coli for amoxicillin/clavulanic acid (30.3%), penicillin (99.4%) and cloxacillin (99.5%); and K. pneumoniae for amoxicillin/clavulanic acid (37.4%), cloxacillin (100%) and penicillin (100%).

Logistic regression analysis (Table 4) determined that penicillin was the only antibacterial whose re-

sistance levels had no significant change over time. On the other hand, the other six tested antibacterial agents revealed an increasing trend in some of their resistance patterns.

The resistance levels of amoxicillin/clavulanic acid had a significant (p<0.001) increase over time to S. aureus (from 0.7% in 2004 to 26.6% in 2012), E. coli (from 22.6% in 2005 to 55.0% in 2012), and K. pneumoniae (from 57.1% in 2004 to 71.4% in 2012) (Table 4, Figure 1).

Table 3 - Resistance proportions of major mastitis bacterial pathogens, sorted by antibacterial agent.

S. aureus(n = 28,126)

S. uberis(n = 5,799)

S. agalactiae(n = 4,589)

S. dysgalactiae(n = 1,231)

Enterococcus spp. (n = 979)

E. coli(n = 5,916)

K. pneumoniae(n = 773)

N.º tested

R (%)N.º

testedR (%)

N.º tested

R (%)N.º

testedR (%)

N.º tested

R (%)N.º

testedR (%)

N.º tested

R (%)

AUG 5,387 12.3 1,309 0 1,108 0 307 0 257 3.9 1,292 30.3 198 37.4

OB/CX 5,348 2.9 1,257 22.1 1,093 11.4 307 5.5 263 96.2 214 99.5 58 100

P 4,834 44.7 517 0.4 404 0.2 130 0.8 50 70.0 333 99.4 73 100

KZ 3,844 0.5 1,225 1.0 1,029 0.1 307 0.7 254 79.9 1,224 9.6 189 8.5

CEQ 2,450 1.3 441 0.2 460 0.7 NT – NT – 707 8.2 NT –

CN 5,242 2.2 169 71.0 NT – NT – NT – 1,179 3.6 157 1.3

SXT 1,021 0.7 881 3.1 495 1.4 180 3.8 155 23.9 967 13.1 98 6.1

AUG - Amoxicillin/Clavulanic acid; OB/CX - Cloxacillin; P - Penicillin G; KZ - Cefazolin; CEQ - Cefquinome; CN - Gentamicin; SXT - Trimethoprim/Sulfamethoxazole; NT - Not tested; R - Resistance; Enterococcus spp. - includes only Enterococcus faecium and Enterococcus faecalis species.All proportions over 20% (‘High’) in bold.

Table 4 - Results of logistic regression analysis that determined, for the antibacterial susceptibility tests, whether resistance proportions to the various antibacterial agents changed with year.

AUG OB/CX P KZ CEQ CN SXT

OR(95% CI)

pvalue

OR(95% CI)

pvalue

OR(95% CI)

p value

OR(95% CI)

p value

OR(95% CI)

pvalue

OR(95% CI)

pvalue

OR(95% CI)

pvalue

S. aureus1.42

(1.36-1.48)1

< 0.0011.19

(1.10-1.28)1

< 0.0010.99

(0.97-1.03)1

0.7970.99

(0.76-1.32)2

0.9931.29

(1.09-1.54)1

0.0041.15

(1.06-1.26)1

0.0010.80

(0.45-1.43)3

0.453

S. agalactiae 1.00 1 1.0001.45

(1.22-1.73)21

< 0.0011.09

(0.46-2.58)4

0.8422.86

(0.45-18.22)1

0.2651.58

(0.71-3.54)1

0.264 NT NT0.93

(0.65-1.35)6

0.709

S uberis 1.00 1 1.0000.98

(0.90-1.06)20

0.5960.76

(0.35-1.66)7

0.4901.13

(0.85-1.50)1

0.416 0 8 0.9883.15

(2.09-4.73)9

< 0.0010.98

(0.82-1.17)1

0.825

S. dysgalactiae 1.00 10 1.0001.45

(1.04-2.00) 10

0.0280.62

(0.13-3.00)11

0.5480.83

(0.43-1.58)10

0.562 NT NT NT NT1.03

(0.65-1.63)10

0.906

Enterococcusspp. *

0.89(0.66-1.22)12

0.4751.04

(0.77-1.40)12

0.8231.08

(0.68-1.71)11

0.7411.10

(0.96-1.27)12

0.180 NT NT NT NT1.19

(0.95-1.49)12

0.126

E. coli1.50

(1.39-1.62)13

< 0.001 0 9 0.9940.32

(0.04-2.51)14

0.2811.18

(1.07-1.31)1

0.0010.83

(0.67-1.01)15

0.0640.99

(0.85-1.17)16

0.9391.13

(1.01-1.26)15

0.034

K. pneumonia1.35

(1.15-1.58)17

< 0.001 0 9 1.000 0 14 1.0001.14

(0.88-1.47)1

0.315 NT NT0.83

(0.46-1.51)18

0.5451.12

(0.57-2.19)19

0.749

AUG - Amoxicillin/Clavulanic acid; OB/CX - Cloxacillin; P - Penicillin G; KZ - Cefazolin; CEQ - Cefquinome; CN - Gentamicin; SXT - Trimethoprim/Sulfamethoxazole; NT - Not tested; OR - Odds ratio.Significant changes (p<0.05) in bold.1 All years included (2004-2012); 2 2004-2011; 3 All years included, except 2006, 2009, 2010 and 2012; 4 All years included, except 2008-2011; 5 All years included, except 2008; 6 All years included, except 2004, 2009 and 2011; 7 All years included, except 2009-2011; 8 All years included, except 2005, 2008 and 2009; 9 2004-2007; 10 2004-2010; 11 2004-2008; 12 All years included, except 2009, 2011 and 2012; 13 2005-2012; 14 2005-2008; 15 2007-2012; 16 All years included, except 2006; 17 All years included, except 2005; 18 All years included, except 2005 and 2006; 19 2006-2010; 20 All years included, except 2009; 21 All years included, except 2009 and 2011.

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The resistance levels of cloxacillin had a significant (p<0.001) increase over time to both S. aureus (from 1.1% in 2004 to 3.0% in 2012) and S. agalactiae (from 0% in 2004 to 4.3% in 2011) (Table 4, Figure 2). A significant increase (p=0.028), from 3.2% in 2004 to 11.8% in 2012, was also verified in the resistance levels of this antibacterial to S. dysgalactiae (Table 4, Figure 2).

As for gentamicin, the resistance levels to S. aureus had an overall significant increase (p=0.001), from 1.2% in 2004 to 2.9% in 2012 (Table 4, Figure 3). A

significant increase (p<0.001) was also verified to S. uberis for this antibacterial, from 41.5% in 2004 to 88.2% in 2007 (Table 4, Figure 3).

E. coli resistance levels were the only to have a significant increase (p=0.001), from 4.9% in 2004 to 24.4% in 2012, for cefazolin (Table 4, Figure 4), as did S. aureus for cefquinome (p=0.004), from 0% in 2004 to 3.1% in 2012 (Table 4, Figure 5). The resistance lev-els of trimethoprim/sulfamethoxazole had a significant (p=0.034) increase over time to E. coli (from 9.6% in 2007 to 14.3% in 2012) (Table 4, Figure 6).

Figure 1 - Proportions of S. aureus (n = 28,126 tests), E. coli (n = 5,916 tests) and K. pneumoniae(n = 773 tests) resistant to amoxicillin/clavulanic acid (AUG) along the study period.

Figure 2 - Proportions of S. aureus (n = 28,126 tests), S. agalactiae (n = 4,589 tests) and S. dysgalactiae (n = 1,231 tests) resistant to cloxacillin (OB/CX) along the study period.

Figure 3 - Proportions of S. aureus (n = 28,126 tests) and S. uberis (n = 5,799 tests)resistant to gentamicin (CN) along the study period.

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Figure 4 - Proportions of E. coli (n = 5,916 tests) resistant to cefazolin (KZ) between January 2004 and September 2012.

Figure 5 - Proportions of S. aureus (n = 28,126 tests) resistant to cefquinome (CEQ) between January 2004 and September 2012.

Figure 6 - Proportions of E. coli (n = 5,916 tests) resistant to trimethoprim/sulfamethoxazole (SXT) between January 2007 and September 2012.

Discussion

Parallelisms may be established between this study and available relevant research worldwide as to antibac-terial resistance patterns of mastitis pathogens and the long-term trends of those traits (Erskine et al., 2002; Rossitto et al., 2002; San Martín et al., 2003; Rajala-Schultz et al., 2004; Roesch et al., 2006; Ebrahimi et al., 2007; Nunes et al., 2007b; Pol and Ruegg, 2007;

Bengtsson et al., 2009; Nam et al., 2009a; Nam et al., 2009b; Botrel et al., 2010; Suriyasathaporn, 2010; Ka-lmus et al., 2011; Persson et al., 2011; Sahebekhtiari et al., 2011). A critical approach should, however, be en-gaged when comparing and/or extrapolating any simi-larities or discrepancies between these due to differenc-es in the origin of isolates, laboratory procedures, inter-pretive guidelines, among other factors (De Oliveira et al., 2000; Gentilini et al., 2000; Erskine et al., 2002).

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To the authors’ knowledge, this study is among those with the largest assembled data and the most extensive time-frame, compiling nine years of infor-mation (2004 – 2012). To date, the most widespread available data derived from a 7-year study by Erskine et al. (Erskine et al., 2002) and a 6-year study by Nam et al. (Nam et al., 2009a). The majority of studies has conducted their research over shorter time-frames (e.g., 6 months to 3 years) (San Martín et al., 2003; Rajala-Schultz et al., 2004; Roesch et al., 2006; Pol and Ruegg, 2007; Bengtsson et al., 2009; Botrel et al., 2010; Kalmus et al., 2011; Persson et al., 2011).

In Portugal, though some studies have established antibacterial susceptibility patterns for mastitis path-ogens, they all have used reduced sample sizes and none has determined the trends for those patterns for the study period (Nunes et al., 2007a; Nunes et al., 2007b; Rato et al., 2012).

Although laboratory protocols changed little dur-ing the study period, allowing for a consistent analy-sis in antibacterial resistance patterns, the results of this study were still limited due to the nature of the available data. For instance, the variable year was the only factor to be included in the logistic regression model to explain the changes in the resistance propor-tions of the tested antibacterials. It is quite obvious to the authors that factors other than year influenced those changes and would therefore need to be consid-ered in order to create a model that explains the data more accurately. Another limitation of the study was that several antibacterial agents were not tested in a consistent manner throughout the study period. This was because the antibacterial agents were employed depending on the type of pathogen isolated, clients’ request, and on laboratory/market availability of their respective diffusion disks.

The Kirby-Bauer disk diffusion methodology, inex-pensive and practical, was used in this study. The pri-mary disadvantage of using this method when moni-toring the development of resistance is the qualitative basis of outcomes (susceptible, intermediate or resist-ant). Additionally and similarly to what happens in all laboratories worldwide, human interpretive criteria were used to categorize the results, providing inap-propriate and potentially misleading conclusions. The validity of applying these breakpoints to the treatment of bovine mastitis has not been established and can be questioned because: 1) bovine milk pH, electrolyte, fat, protein, leukocyte concentrations, growth factor composition, and pharmacokinetic profiles are differ-ent than those for human plasma; and 2) human bac-terial pathogens are often different from bovine mas-titis pathogens (Constable and Morin, 2003). Ideally, accurate antibacterial susceptibility test breakpoints should result from: a) Minimum Inhibitory Concen-tration (MIC) data for mastitis pathogens; b) Pharma-cokinetic/pharmacodynamic (PK/PD) data for lactat-ing dairy cows; and c) the results of field studies that

measure the rates of clinical and bacteriologic cure. Clinical and bacteriologic cure rates may provide a clear breakpoint or, in other situations, these data can be used in conjunction with PK/PD data to suggest the most appropriate breakpoint (EUCAST, 2000).

The odds ratio (OR) from the logistic regression analysis can be used to determine the rate at which the prevalence of resistance is increasing or decreas-ing each year. Statistically significant (p<0.05) OR < 1.0 reflect a reduced odds of observing resistance during any given year, compared with the previous year. Statistically significant (p<0.05) OR > 1.0 re-flect an increased odds of observing resistance during any given year, compared with the previous year. For instance, the OR of 1.15 for S. aureus resistance to gentamicin can be interpreted to mean that the likeli-hood that S. aureus would be resistant to gentamicin was 1.15 that of a previous year.

With cloxacillin as an exception, when analysing the resistance patterns of the major mastitis patho-gens for the different tested β-lactam antibacteri-als, all three Streptococcus species (S. agalactiae, S. uberis and S. dysgalactiae) exhibited ‘very low’ re-sistance levels (<1.0%) (Table 3). This information is consistent with the Gram-positive spectrum of these compounds, especially in these species, and is also in agreement with what has been described in literature (Owens et al., 1990; Owens et al., 1997; Erskine et al., 2002; Rossitto et al., 2002; Roesch et al., 2006; Tenhagen et al., 2006; Nam et al., 2009b; Kalmus et al., 2011). Cloxacillin was, in fact, the only β-lactam to display evidence of a significant increasing trend for S. agalactiae and S. dysgalactiae (Table 4). Pos-sible explanations for this trend may be that, since: 1) this β-Lactam is among the most frequently used IMM antibacterials in lactating- and dry-cow therapy in Portugal; 2) these streptococci and Enterococcus spp. are environmental pathogens with similar bio-chemical and structural characteristics; and 3) Ente-rococcus spp. are known to be key reservoirs of anti-bacterial resistance genes – In response to the selec-tive pressure from the use of this antibacterial, genes expressing resistance to cloxacillin in Enterococcus spp. may have been exchanged and consequently dis-seminated amongst these streptococci over time.

The ‘extremely high’ resistance levels (>70%) of Enterococcus spp. (E. faecium and E. faecalis) for penicillin, cefazolin and cloxacillin (Table 3) is in agreement with available literature (Rossitto et al., 2002). This is explained because enterococci exhibit intrinsic resistance to penicillinase-susceptible peni-cillins (low level), penicillinase-resistant penicillins and cephalosporins (Murray, 2000). This is due to low affinity penicillin binding proteins (PBPs), which en-able these pathogens to synthesize cell wall compo-nents even in the presence of modest concentrations of most β-lactam antibacterials. In addition, entero-cocci are tolerant to the activity of β-lactams, that is,

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they are inhibited but not killed by these agents. This property is an acquired characteristic (Murray, 2000). Moreover, strains of E. faecalis exclusively express-ing β-lactamase enzymes and exhibiting high resist-ance proportions to penicillin have been reported (Patterson et al., 1988; Rhinehart et al., 1990; Rice et al., 1991; Wells et al., 1992). These E. faecalis are not susceptible to anti-staphylococcal penicillins but are susceptible to ampicillin, amoxicillin and piperacillin combined with drugs that inhibit penicillinase such as clavulanic acid, sulbactam and tazobactam (Wells et al., 1992; Murray, 2000). This fact may explain the low resistance levels to amoxicillin/clavulanic acid, an outcome consistent with data from other reports (Tenhagen et al., 2006).

The wide variation observed in the resistance levels of S. aureus for the tested β-lactams (Table 3) can similarly be observed in other reports (Erskine et al., 2002; San Martín et al., 2003; Rajala-Schultz et al., 2004; Bengtsson et al., 2009; Kalmus et al., 2011; Persson et al., 2011; Sahebekhtiari et al., 2011). However, this in vitro susceptibility does not guar-antee nor reflect the in vivo treatment success rates. Several factors including the abilities of S. aureus to survive inside neutrophils (Yancey et al., 1991; Mullarky et al., 2001); to form small-colony vari-ants or L-forms (Brouillette et al., 2004); to induce fibrosis and microabscess formation (Ziv and Stor-per, 1985; Sordillo et al., 1989; Erskine et al., 2003); and to invade mammary epithelial cells (Lammers et al., 2000; Kerro Dego et al., 2002) are potential con-tributors to the poor response of chronic S. aureus to antibacterial therapy. When analysing the long-term trends of the resistance proportions of S. aureus to the different β-lactams, a significant increase was verified throughout the study period for amoxicillin/clavulanic acid, cloxacillin and cefquinome (Table 4). These results are not in agreement with other stud-ies, in which resistance of S. aureus to cloxacillin decreased, for example (Makovec and Ruegg, 2003). The authors consider this fact to be of paramount im-portance from both public health and epidemiologi-cal points-of-view and the reasons for these increases and respective points of origin need to be further in-vestigated and determined.

For both Gram-negative pathogens, the resistance levels verified towards the tested β-lactams (Table 3) relate to the fact that these compounds are considered to be more effective against Gram-positive bacteria. Even so, some molecules such as cefquinome (4th-generation cephalosporin) are broad spectrum agents with greater activity against Gram-negative bacteria and this is supported by the fact that this antibacterial presented the lowest resistance proportions. Actually, both of the tested cephalosporins showed the lowest resistance levels among all β-lactams. This was not only true for both Gram-negative pathogens, but for all pathogens in general (Table 3). Still in regard to

E. coli and K. pneumoniae, both pathogens also ex-hibited increases in resistance proportions that were significant for amoxicillin/clavulanic acid and ce-fazolin (E. coli only) (Table 4). Possible explanations for these facts may be the acquisition of plasmids containing genes that encode for extended-spectrum β-lactamases (ESBLs) in these species (Blanco et al., 1997; Davies, 1997; Paterson, 2006).

When analysing the resistance proportions for gen-tamicin and trimethoprim/sulfamethoxazole (Table 3), with the exception of S. uberis (for gentamicin) and Enterococcus spp. (for trimethoprim/sulfameth-oxazole), the resistance levels (<13.1%) were in con-formity with similar studies (Erskine et al., 2002; San Martín et al., 2003; Bengtsson et al., 2009; Botrel et al., 2010; Kalmus et al., 2011; Sahebekhtiari et al., 2011). Possible explanations for the significant in-creases in resistance levels to trimethoprim/sulfam-ethoxazole (for E. coli) and gentamicin (for S. uberis and S. aureus) (Table 4) may be the widespread use of these antibacterials in treatment protocols for gas-trointestinal disorders and other pathologies in cattle.

The observed high resistance levels to all tested an-tibacterials are of extreme importance since these sub-stances have been defined by the WHO as ‘critically important’ (i.e., amoxicillin/clavulanic acid, penicillin and gentamicin) or ‘highly important’ (cloxacillin, ce-fazolin and trimethoprim/sulfamethoxazole) antibacte-rials in human medicine (AGISAR, 2011).

Conclusions

The assessment of the evolution of the resistance patterns over the nine years of study, did indicate a trend towards increased resistance of the selected mastitis pathogens to the following antibacterials: Amoxicillin/clavulanic acid (S. aureus, E. coli and K. pneumoniae), Cloxacillin (S. aureus, S. agalac-tiae and S. dysgalactiae), Gentamicin (S. aureus and S. uberis), Cefazolin (E. coli), Cefquinome (S. au-reus), and trimethoprim/sulfamethoxazole (E. coli). Penicillin was the only antibacterial with no signifi-cant change over time. Enterococcus spp. did not ex-hibit any significant change over time for any of the tested antibacterials.

Further research should be addressed in an effort to find the source of these increases and take actual steps in reversing these trends in these regions.

Acknowledgments

The authors wish to thank Segalab’s departments of technical services and microbiology for providing all data and rendering technical assistance, namely Helena Madeira, Paula Santos, Abigail Barbosa and Marta Barbosa.

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Inclusão de farinha de vísceras de aves sobre características de desempenho de juvenis de jundiá Rhamdia quelen

Inclusion of poultry offal meal on performance characteristics of juvenile catfish Rhamdia quelen

Cavalheiro A.C.M.*, Castro M.L.S. Einhardt M.D.S., Pouey J.L.O.F., Xavier E.G., Piedras S.R.N.

Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas

Resumo: O interesse crescente pelo uso de alimentos alterna-tivos em dietas animais vêm ao encontro das necessidades em diminuir os custos da produção. A piscicultura intensiva acom-panha esta tendência, uma vez que os custos com a alimenta-ção variam entre 50 a 80% do total da produção. Diante deste contexto, a substituição da farinha de peixe por alimentos alter-nativos de origem animal e de baixo custo são alternativas vi-áveis. O presente experimento foi realizado nas instalações do Laboratório de Ictiologia da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas, Capão do Leão, RS. Foi estudada a inclusão de farinha de vísceras de aves em subs-tituição à farinha de peixe nas dietas de jundiás nos níveis de 0, 25, 50, 75 e 100%. Foram utilizados 75 jundiás (Rhamdia quelen) em fase juvenil por um período de 30 dias. Ao final do experimento foram tomadas as características biométricas dos animais (peso e comprimento) e de desempenho (ganho de peso, consumo diário) e seus valores comparados estatistica-mente. Concluiu-se que a farinha de vísceras pode ser utilizada como substituto da farinha de peixe em dietas de juvenis de jundiás (Rhamdia quelen).

Palavras-chave: comprimento, ganho, peixes, peso

Summary: Interest in use of alternative foods in animal di-ets need to reduce production costs. Intensive fish farming increases this trend, since the cost of food ranges from 50 to 80 % of total production. Given this context, the replacement of fishmeal by alternative foods of animal origin and low cost are a viable alternative. This experiment was performed on the Laboratory of Ichtyology, Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas, Capão do Leão, RS. The inclusion of poultry viscera flour replacing the fish flour in diets of silver catfish at level of 0, 25, 50, 75 and 100% was tested and 75 silver catfish juvenile (Rhamdia quelen) were used for a period of 30 days. At the end of the experiment, biometric characteristics of the animals (weight and length) and performance (weight gain) were evaluated and their values were compared statistically. It was conclude that poultry meal can be used as a substitute for fischmeal in diets juvenile silver catfish (Rhamdia quelen).

Keywords: fish, gain, length, weight

Introdução

Segundo os dados divulgados pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, a produção de pescado obteve um vasto crescimento mundial nos últimos anos, au-mentando de 278 mil toneladas em 2003 para 415 mil no ano de 2009. Desta forma, esta realidade mantém a produção de peixes em uma posição de destaque, diante das demais atividades do agronegócio (MPA, 2011).

O jundiá (Rhamdia quelen) é um tipo de bagre da fa-mília Heptateridae, considerado, no sul da America do Sul, como um peixe de grande importância comercial (Koakoski et al., 2013), possui hábito alimentar onívo-ro e pode ser encontrado desde o sul do México até a Argentina (Silfvergrip, 1996). O jundiá possui desta-que especial, entre as espécies cultivadas no estado do Rio Grande do Sul (Baldisserotto, 2009) e, o seu alto desempenho produtivo é atribuído, principalmente, a características peculiares da espécie como sua rustici-dade, crescimento rápido e altas taxas de reprodução (Gomes et al., 2000).

Na criação de jundiás, há necessidade de estabelecer um manejo nutricional padronizado, visando atender as exigências protéicas que, de acordo com Salhi et al. (2004), encontram-se ao redor de 37% de proteína bru-ta com concentração energética de aproximadamente 3400 kcal/kg de energia digestível.

Entre as opções de alimentos protéicos, a farinha de peixe é a fonte mais utilizada em rações para peixes (Takashi, 2005), possuindo altos teores de proteína que podem variar entre 55 a 72%. No entanto, Boscolo (2003) verificaram grande variabilidade nesta concen-tração devido à heterogeneidade das matérias primas utilizadas em sua preparação. Apesar de seu alto va-lor nutritivo e boa palatabilidade, o custo elevado, au-menta o preço final da ração. Por isso, vários são os trabalhos que têm tentado substituir este ingrediente por outros de composição mais uniforme, ou também associar fontes protéicas alternativas que, quando com-

Correspondência: [email protected].: +5553 81094080

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binadas com a farinha de peixe, proporcionem maior crescimento aos peixes (Lazzari, 2005).

Uma das alternativas para substituição da farinha de peixe é a farinha de vísceras de aves, que, segundo Bellaver, (2005) possui densidade de 545 a 593 kg/m3 e teor de proteína bruta entre 55 a 65%. Uma das vantagens da utilização desse ingrediente é que, não é necessária fazer a adição de lisina sintética nas rações com farinha de vísceras, uma vez que, a partir de 40% de inclusão, os valores de desempenho permanecem semelhantes (Boscolo et al., 2005).

A farinha de vísceras de aves é um ingrediente al-ternativo que tem apresentado resultados considerados satisfatórios em substituição a farinha de peixe, como mostram estudos realizados com outras espécies como: tilápia-do-nilo (Sarotherodon niloticus) (Faria et al., 2002); lambari (Astyanax bimaculatus) (Feiden et al., 2005); peixe-rei (Odonthestes bonariensis) (Souza et al., 2010). Entretanto, outros fatores podem interferir direta ou indiretamente no crescimento dos jundiás como a qualidade da água, quantidade de alimento, composição da dieta, forma e frequência de arraçoa-mento (Cho e Lovell, 2002), por isso, essas variáveis devem ser devidamente avaliadas para garantir resulta-dos confiáveis quanto ao desempenho da espécie, pe-rante a substituição desse ingrediente.

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi analisar os efeitos da inclusão de farinha de vísceras de aves em substituição à farinha de peixe nas dietas de juvenis de jundiás (Rhamdia quelen) mantidos sob condições experimentais.

Materiais e Métodos

Este estudo foi realizado nas instalações do Laboratório de Ictiologia da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas. Os efeitos da substituição de farinha de peixe por farinha de vísceras de aves na dieta de juvenis de jundiás da espécie Rhamdia quelen foram avaliados em 5 níveis, sendo: T1 –0% (dieta controle); T2 – 25%, T3 – 50%, T4 – 75% e T5 – 100%.

Os aquários foram monitorados quanto a tempera-tura, oxigênio, pH e amônia antes do povoamento dos animais, seguindo a metodologia sugerida por APHA (1998) para garantir um ambiente adequado aos pa-drões de exigência ambiental da espécie. Os animais foram classificados biometricamente (peso e compri-mento) através de ictiômetro e balança digital de pre-cisão, separados em grupos de 5 animais e colocados em 15 aquários de 20 litros cada, somando um total 75 exemplares.

Os aquários foram mantidos em ambiente controla-do, sendo medidos diariamente os teores de oxigênio e temperatura da água, enquanto os teores de amô-nia e pH foram verificados com uma frequencia de três vezes por semana, durante todo o período. Para as medidas de amônia foi utilizado o Fotocolorímetro

AT-10P e para as medidas de oxigênio e temperatura foi utilizado o Oxímetro Lutron DO – 5519. O pH foi verificado pelo pHmetro PHTEK – PHS 3B.

O delineamento experimental foi inteiramente ca-sualizado, com cinco tratamentos e três repetições, sendo cada grupo de animais, uma repetição, as dietas foram isoproteicas e isocalóricas, calculadas com au-xilio software Super Crac®. Na tabela I encontram-se os constituintes das dietas utilizadas e calculadas.

Tabela I - Composição das dietas calculadas em gramas atra-vés do software Super Crac®, dietas e valores nutricionais respectivamente para juvenis de jundiá Rhamdia quelen (Peso total: 300g)

T1 T2 T3 T4 T5

FP1 132 99 66 33 0

Milho 72 75 78 81 84

FS2 60 57 54 51 48

FV3 0 33 66 99 132

OS4 27 27 27 27 27

Sal 3 3 3 3 3

Metionina 3 3 3 3 3

Vit5 3 3 3 3 3

PB6 (%) 35,15 35,17 35,18 35,19 35,20

ED7 (Mcal/Kg) 3,49 3,47 3,46 3,45 3,44

Ca (%) 2,73 2,55 2,36 2,18 1,99

P8 disponível (%) 1,72 1,59 1,46 1,32 1,19

P total (%) 1,84 1,70 1,57 1,44 1,30

Lisina total (%) 2,29 2,20 2,11 2,02 1,94

Metionina total (%) 1,86 1,80 1,80 1,69 1,64

Triptofano (%) 0,34 0,34 0,35 0,30 0,38

1FP: farinha peixe; 2FS:farelo soja; 3FV: farinha vísceras; 4OS: taxa de sobrevivência; 5Vit: vitcre peixe; 6PB: proteína bruta; 7ED: energia di-gestível; 8P: fósforo.

Os valores de peso e de comprimento médio por tratamento observados no dia da transferência dos animais (início do experimento) foram T1: 19,64 ± 0,14 g; T2: 19,55 ± 0,07 g; T3: 19,55 ± 0,07 g; T4: 19,73 ± 0,22 g; T5: 19,61 ± 0,29 g para a variável peso e T1: 7,44 ± 0,08 cm; T2: 7,42 ± 0,02 cm; T3: 7,48 ± 0,02 cm; T4: 7,48 ± 0,06 cm; T5: 7,50 ± 1,10 cm para a variável comprimento. O experimento de-correu por um período de 30 dias, tendo início em 27 de outubro de 2011, quando foram separados os grupos e distribuídos aleatoriamente nos tratamentos e aquários.

Os animais receberam a quantidade de ração cor-respondente a 7% do peso corporal inicial do grupo, dividido em três porções diárias durante todo o perí-odo. Ao final do experimento, foi registrado o peso final PF (g); o comprimento total CT (cm), tomado da porção anterior da cabeça até o final da nadadei-ra caudal; a taxa de sobrevivência (SO), levando em

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consideração a porcentagem de sobreviventes em re-lação ao número inicial de peixes em cada tratamen-to; o ganho de peso diário (GPD, g/dia) e a conversão alimentar (CA).

Os efeitos das variáveis estudadas foram analisados através de modelos de regressão linear, quadrático ou cúbico, conforme o melhor ajustamento obtido para cada variável com base na significância dos coeficien-tes de regressão, além das médias, desvio padrão e análises de significância utilizando o sofware estatís-tico SAS 9.0.

Resultados e Discussão

Os maiores valores de comprimento e peso foram registrados nos peixes do tratamento (T5) no qual houve a substituição total de farinha de peixe por fa-rinha de vísceras. No entanto, as análises estatísticas mostraram que o peso final dos peixes do tratamento T5 foi igual (P < 0,05) aos tratamentos T4 e T3 e di-ferentes estatisticamente, apenas dos tratamentos T2 e T1. Já quanto à variável comprimento, o T5 apre-sentou um valor superior aos demais tratamentos, po-rem esta diferença não foi registrada estatisticamente. Em relação à conversão alimentar, o tratamento T5 foi também o que apresentou melhores resultados. Os valores detalhados das variáveis de desempenho po-dem ser observados na tabela II.

As análises de regressão para as variáveis, peso fi-nal, ganho de peso e conversão alimentar estão repre-sentadas nas Figuras 1, 2 e 3, respectivamente. Para as demais variáveis não houve significância estatística.

Figura 1 - Regressão linear das médias de peso final em exem-plares da espécie Rhamdia quelen.

Figura 2 - Regressão linear das médias de ganho de peso em exemplares da espécie Rhamdia quelen.

Figura 3 - Regressão linear das médias de conversão alimentar em exemplares da espécie Rhamdia quelen.

Os resultados deste estudo registraram aumento line-ar com boa aderência (R=0,84), no peso final dos pei-xes em relação ao acréscimo na quantidade de farinha de vísceras na dieta, essa informação concorda com Boscolo et al. (2005), que observaram aumento linear no peso final em um estudo realizado com tilápias da espécie (Oreochromis niloticus L.). Faria et al. (2002) também observaram aumento linear da percentagem de ganho de peso com o aumento nos teores de farinha de vísceras nas rações, e do efeito quadrático para conver-são alimentar de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus).

O ganho de peso apresentou correlação positiva (R²=0,80) conforme os níveis de inclusão de farinha de vísceras, mostrando que esse ingrediente pode ser considerado como uma fonte alternativa, para elabo-rar dietas para a espécie Rhamdia quelen. Souza et al. (2010) concluíram que a farinha de vísceras de frango também é um bom substituto para a farinha de peixe na dieta do peixe-rei (Odontesthes bonariensis), sen-

Tabela II - Resultados de peso inicial e final, comprimento, crescimento, ganho de peso, conversão alimentar médios e equações de regressão dos tratamentos.

PI (g) PF (g) CF (cm) Cresc (cm) GP(g) CA P>F

T1 19,56 ± 0,14 a 35,69 ± 1,96 b 9,55 ± 0,08 a 2,14 ± 0,33 a 16,12 ± 2,10 b 2,54 ± 0,31 a 0,05

T2 19,78 ± 0,07 a 36,11 ± 2,81 b 9,37 ± 0,02 a 2,02 ± 0,16a 16,34 ± 2,85 b 2,53 ± 0,43 a 0,05

T3 19,73 ± 0,07 a 39,15 ± 0,77 ab 9,16 ± 0,02 a 1,79 ± 0,52 a 19,42 ± 2,75 ab 2,09 ± 0,08 ab 0,05

T4 19,56 ± 0,22 a 38.98 ± 3,37 ab 9,09 ± 0,06 a 1,66 ± 0,77 a 19,42 ± 3,33 ab 2,13 ± 0,37 ab 0,05

T5 19,47 ± 0,29 a 44.65 ± 2,79 a 9,97 ± 0,10 a 2,54 ± 0,27 a 25,18 ± 2,94 a 1,62 ± 0,17 b 0,05

PI: peso inicial; PF: peso final; CF: comprimento final; Cresc: crescimento total; GP: ganho peso; CA: conversão alimentar (P>0,05). Médias com letras iguais na mesma coluna não diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey de comparação de médias.

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do que o uso de 56% de farinha de vísceras e 44% de farinha de peixe proporcionou maior ganho de peso médio. Signor et al. (2007) recomendaram a inclusão de até 20% de farinha de vísceras, em substituição a farinha de peixe, em rações para piavuçu (Leporinus macrocephalus), observando aumento linear (P<0,05) nas médias de peso final, comprimento final, ganho de peso e conversão alimentar, com aumento no nível de inclusão de farinha de vísceras.

Ainda no estudo de Signor et al. (2007), o índice de CA obteve uma diminuição linear conforme o aumento nos níveis de inclusão de farinha de vísceras nas die-tas. Resultado igual ao do presente estudo, porem no experimento Faria et al. (2002) CA apresentou um efeito quadrático em relação aos níveis de inclusão de farinha de vísceras, obtendo valor máximo de 2,70% de inclusão.

A sobrevivência dos peixes deste estudo não foi afe-tada em relação aos níveis de substituição do ingre-diente testado e a taxa de sobrevivência (SO) foi de 100% em todos os tratamentos. Signor et al. (2007) também não encontraram diferença na taxa de sobre-vivência (P<0,05) entre níveis de inclusão de farinha de vísceras em piavuçu (Leporinus macrocephalus), segundo os autores, esse fato demonstra a eficiência do uso deste ingrediente na nutrição de peixes sem causar mortalidade aos animais. As variáveis da qua-lidade físico-química da água estão representadas na tabela III.

Tabela III - Valores médios de temperatura, oxigênio, amônia e pH, durante o experimento

T (°C) Ox (mg/l) A (mg/l) pH

T1 24,6 6,1 0,03 7,6

T2 24,6 5,7 0,05 7,6

T3 24,7 5,9 0,05 7,6

T4 24,6 5,7 0,08 7,6

T5 24,6 5,8 0,05 7,6

T: temperatura média; Ox: Oxigênio médio; A: Amônia média; pH médio

A qualidade e os parâmetros físico-químicos da água são de extrema importância para o cultivo de peixes, pois podem influenciar diretamente no bem estar do animal, bem como no consumo de alimento, prejudi-cando o desempenho produtivo.

A temperatura da água dos aquários manteve-se constate durante todo o período analisado, os valores médios registrados foram em torno de 24,6°C. Segundo Piedras et al. (2004) os melhores desempenhos desta espécie, são observados em temperaturas que variam de 20°C a 26°C, porém a temperatura ideal, ou seja, a que proporciona o melhor índice de crescimento é de 23,7 °C. Já Lazzari (2005) determinaram valores ideais para o desenvolvimento de jundiás, de 26,85 °C.

Espécies nativas do Rio Grande do Sul, como jundiá (Rhamdia quelen), traíra (Hoplias malabaricus), pin-

tado (Pimelodus maculatus) toleram variações de tem-peratura, principalmente quanto à resistência às baixas temperaturas do inverno. Essas espécies apresentam taxa de crescimento reduzida em meses frios, mas um bom desenvolvimento em meses com temperaturas amenas, alcançando um desempenho satisfatório du-rante o ano (Garcia et al., 2008).

A concentração de oxigênio dissolvido na água variou de 5,7 a 6,1mg/l, de acordo com Braun et al. (2006), os jundiás apresentam melhores taxas de cres-cimento em águas com nível de oxigênio acima de 5,2 mg/l, enquanto Giancarlo e Nuñes (2006) observaram bons resultados com níveis variando entre 2,4 e 5,4 mg/l, segundo os autores, essa espécie suporta grandes variações de oxigênio, característica muito importante para a aquicultura.

O pH da água manteve-se em 7,6 em todos os trata-mentos, conforme Andrade et al. (2007) quando o pH estiver em torno desse valor, são observados os me-lhores resultados de crescimento e sobrevivência para juvenis desta espécie. Em relação a amônia, a maior média registrada foi de 0,08 mg/l, Miron et al. (2004), relata que somente níveis de amônia acima de 0,1 mg/l, interferem negativamente no desempenho da espécie, em todos os tratamentos encontramos resultados in-feriores ao indicado por este autor, demonstrando que esse parâmetro também não influenciou negativamente no crescimento dos animais.

Conclusão

A farinha de vísceras pode ser utilizada na substitui-ção da farinha de peixe para elaborar dietas de juvenis de jundiás da espécie Rhamdia quelen, pois demons-traram efeitos de desempenho zootécnico satisfatório, quanto ao aumento dos níveis de inclusão. No entanto, mais estudos devem ser realizados para que se obtenha o máximo desempenho do jundiá, em todas as fases do ciclo de produção.

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Resumo: Na atualidade, debates se intensificam sobre a ocorrên-cia de doenças de caráter epidemiológico no curso do desenvolvi-mento da apicultura brasileira. Este estudo de caso foca os fatores que conduzem às perdas apícolas, a partir de dados obtidos de levantamento regional, que abrangeu 34 municípios. O deline-amento segue a categorização dos municípios em duas regiões, conforme o nível de perdas de colmeias, ser alto ou aceitável. Para cada região, aplicou-se o Índice de Desempenho Apícola (IDApi) para caracterizar os fatores de heterogeneidade tecnológica nos apiários. O IDApi destaca notável deficiência nas práticas apícolas em ambas as regiões estudadas, que podem desencadear focos de doenças. O quadro singular na região com altas perdas sugere que há fatores endógenos que merecem estudos aprofundados, bem como exige melhorias da tecnologia apícola.

Palavras-chave: Sanidade apícola; Perdas de colmeias; Índice de Desempenho; Produção.

Summary: Nowadays, the debates intensify on the occurrence of an epidemic disease during the development of the Brazilian beekeeping. This case study focuses on the factors that lead the beekeeping losses; these data were obtained from regional survey, which covered 34 counties. The design follows the categorization of the counties in two regions, according to the level of losses of hives, in high or acceptable. For each region, we applied the Performance Index Beekeeping (PIBee index) in order to analyze the heterogeneity of technological factors in the apiaries. The PIBee index highlights notable low level of beekeeping practices in both regions, which may trigger outbreaks of disease. The par-ticular figure of the region with high losses suggests also the oc-currence of intrinsic factors, which demand carefully analysis, and requires improvement of beekeeping technology as well.

Keywords: Bee health; Losses of hives; Performance index; Production.

Introdução

No Brasil, uma das alternativas de trabalho, obten-ção de renda e alimentos para as famílias rurais é a criação de abelhas melíferas (Apicultura), que se

trata de uma atividade agrária de fácil implementação e que explora os recursos naturais de áreas cobertas por flora nativa e de cultivos. A Apicultura se destaca por produzir uma variedade de produtos como, o mel, pro-duto mais visado comercialmente, a própolis, o pólen, a cera, etc., além de servir à agricultura por meio do tra-balho de polinização das abelhas.

Por décadas, o setor apícola brasileiro se restringiu ao comércio interno, consolidando em 1999, uma pro-dução estimada de 19 mil toneladas de mel; a partir de 2000, com a abertura do mercado mundial para os pro-dutos apícolas brasileiros, a produção de mel mais que duplicou ao atingir a cifra de 39 mil toneladas anuais em 2012, alçando o Brasil como o 11º produtor no ranking mundial e como 5º maior exportador (IBGE, 2013; FAO, 2009). Este resultado expressivo se deve a participação de mais de 350 mil apicultores, que permitiu 450 mil novas ocupações no campo e 16 mil empregos diretos no setor industrial. O impacto multiplicador dessa ati-vidade estende-se desde a produção no campo, ao seu processamento industrial até a logística na comerciali-zação e ao consumo.

Apesar da magnitude do setor apícola, seu crescimento está em declínio (Koshiyama et al., 2012; IBGE, 2013) e seus indicadores de produção necessitam alcançar melhor patamar. Atualmente, a produção de mel média anual por colmeia mundial gira em torno de 25 kg e a brasileira não ultrapassa 15 kg (Koshiyama et al., 2012). O aumento da produtividade apícola só é possível por meio do monito-ramento dos fatores de produção e de medidas pontuais para deter os gargalos que se fazem presentes.

Na elaboração de um planejamento conciso para se monitorar o setor apícola, busca-se dispor de um banco de dados, que provém de levantamentos sobre produtores e sua criação, que possam prover diagnoses sobre o setor em avaliação. No entanto, censos e levantamentos, costu-meiramente, são analisados usando distribuições de fre-quência dos fatores, as diagnoses são extensas, apresen-tam retorno limitado para o produtor, e por ser mais des-critiva do que inferencial não possibilita um diagnóstico

Proposta de Diagnose Apícola, de sua Tecnologia e Sanidade por meio do indicador Idapi

Proposal for Beekeeping Diagnosis, of its Technology and Health using Pibee Index

Adriano S. Koshiyama*, João Soares-Neto, Wagner S. Tassinari e Maria C.A. Lorenzon

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Correspondência: [email protected]

Rodovia BR 465 Km 7, CEP 23890-000 – Seropédica/RJ

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pleno dos entraves. Por outro lado, o uso de índices para avaliar o âmbito tecnológico na apicultura é uma propos-ta viável para reduzir custos e proporcionar uma acurada resposta para o gestor (Freitas, 2003; Matos, 2005; Khan et al., 2009, Soares-Neto, 2011; Koshiyama, 2011).

Baseado nessa perspectiva, este estudo aprofunda a análise sobre a conjuntura apícola, neste caso aborda a apicultura de um Estado brasileiro, cujos gargalos foram apresentados por Lorenzon et al. (2008) e Pacheco et al (2007; 2009), com ênfase no alto índice de prevalência de perdas de colmeias (>20% a/a), abrangendo mais de 50 dos 72 municípios. As causas das perdas inclinam para a ocorrência de doenças (Pacheco, 2007), a con-tribuição de fatores de ordem tecnológica aplicados de forma deficiente e, ou de outros fatores.

Para estreitar estas hipóteses, este trabalho objetiva ava-liar as causas da heterogeneidade nas perdas de colmeias de certas regiões e sua provável relação com fatores de ordem tecnológica e sanitária, utilizando-se o índice de desempenho da Apicultura (IDApi), que se trata uma fer-ramenta de avaliação de gargalos técnicos presentes nas criações apícolas. Igualmente, os resultados do IDApi são validados por meio de um modelo de regressão.

Material e métodos

Área de estudo e base de dados

O banco de dados consultado foi proveniente do levantamento apícola realizado em 34 municípios do estado do Rio de Janeiro (22º54’23”S, 43º10’21”W) (Lorenzon et al., 2011), para obter dados de diagnose sobre perdas de colmeias por meio de um delineamen-to. Este delineamento categorizou os municípios em duas regiões: região A, composta por 27 municípios, que apresenta a prevalência de perdas maior ou igual a 20%; nesta região avaliaram-se 322 apicultores; e a re-gião B, composta por sete municípios, que reúne aque-les com prevalência de perdas menor que 20%; nesta região avaliaram-se 46 apicultores (figura 1).

Figura 1 - Nível de perdas, abaixo de 20%, considerado aceitá-vel (região B em azul) e nível alto, acima de 20% (região A em vermelho), dos municípios do estado do Rio de Janeiro, confor-me Lorenzon et al. (2008).

Índice de Desempenho da Apicultura

Para avaliar o desempenho da Apicultura adotou-se o IDApi, conforme propuseram Koshiyama (2011) e Soares-Neto (2011), que é definido a seguir:

(1)

Onde o (pi | Z

(ki)) é o peso p

i atribuído a uma prá-

tica ki realizada pelo apicultor Z; e respectivamente

o max[(pi | Z

(ki))] é o peso p

i máximo da prática k

i.

Deduz-se então que 0 ≤ IDApiZ ≤ 1; o que significa

que quanto mais próximo de 1 for o escore do apicul-tor melhor será seu desempenho, do contrário, este possui deficiências em sua produção.

Propôs-se a categorização do escore do IDApi em três classes para as localidades estudadas: fraca, quando 0 ≤ IDApi

Z < 0,50; regular, se 0,50 ≤ IDApi

Z <

0,75; e satisfatória, somente se 0,75 ≤ IDApiZ ≤ 1,00.

Este ferramental é usado como suporte na diferencia-ção entre os municípios e na elucidação de seus gar-galos em nível regional.

Na composição do IDApi são consideradas uma se-quência de variáveis que cerceiam a tecnologia apíco-la, relacionadas com a formatação dos equipamentos e instalações do criatório, a origem dos enxames do apiário e as técnicas envolvidas com a administração e produção do apiário, ditas como manejo. Esses três estratos básicos, a instalação, o povoamento e o ma-nejo, são as temáticas principais das variáveis que compõem o IDApi. A fórmula (2) descreve essa de-composição nos temas:

(2)

Onde a média aritmética da avaliação da instalação, do povoamento e do manejo, resulta na avaliação ge-ral da criação do apicultor. Baseado no levantamento apícola de 2009-2010 (Lorenzon et al., 2011), sele-cionaram 23 variáveis para a composição do IDApi, sendo nove de instalação, cinco sobre origem dos en-xames (povoamento) e nove de manejo de apiários.

Os resultados provenientes do IDApi foram apre-sentados por meio de análises exploratórias dos esco-res de cada apicultor nas diferentes localidades. Foi usada a análise de regressão, para se investigar a re-lação multivariada entre o IDApi, a produção de mel, a prevalência de perdas de colmeias e a presença ou ausência de doenças na criação.

A análise de regressão é destinada ao estudo da dependência de uma variável (variável exógena ou dependente, Y

i), em relação a uma ou mais variáveis

(variáveis endógenas ou independentes, X1, X

2, ...,

Xn), explicativas (Greene, 2003). Nesta modelagem,

não são consideradas somente variáveis quantitativas como regressores (produção de mel, nível de perdas, etc.), mas também são inclusas no modelo, variáveis

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que conferem um sentido de estado, como a ausên-cia ou presença de doença na criação (Montgomery e Hunger, 2003). Assim sendo, uma extensão do mo-delo de regressão linear é se usar variáveis dummies (Gujarati, 2000), que se apresenta a seguir:

(3)

Este modelo ajustado para a validação do IDApi usa como variáveis explicativas a produção média de mel por colmeia (X

i1), a taxa de perdas de colmeias

(Xi2), a existência ou ausência de doença na criação

(Zi1), todos estas em função da variável resposta

IDApi (Yi); ε

i é a perturbação estocástica distribuída

normalmente, com média nula e a variância constan-te e finita. Ressalta-se que a seleção de tais variáveis explicativas para compor o modelo são as que, teori-camente, tem seu desempenho afetado pelas variáveis que compõem o IDApi.

Todas as análises estatísticas foram realizadas no pacote estatístico R (R Development Core Team, 2012). E as análises espaciais foram feitas no sistema de informações geográficas TerraView (INPE/DPI, 2009).

Resultados e discussão

A deficiência técnica no setor apícola é básica e no-tória em ambas as regiões estudadas, que obtiveram escores na classe de regular (IDApi de 0,51 e 0,48 respectivamente) e não divergem entre si (p-valor > 5%). Verifica-se também uma ampla margem de dis-tância destes escores para o escore satisfatório (p-va-lor > 5%). Os boxplots mostram medianas próximas, dentro dos intervalos de 0,31 a 0,66 (figura 2A). Há ausência do escore (sobre os apicultores) satisfató-rio e alta presença de escores regular (62%) e fraco (38%) (figura 3A).

Essa análise geral evidencia as similaridades na estrutura de produção das regiões A e B (tabela 1), explicável pela alta lotação de colmeias por apiário (na condição local não deveria ultrapassar 20 por api-ário), que se inter-relaciona negativamente à produ-ção anual de mel por colmeia (p-valor < 5%), apesar da significativa dissonância entre as prevalências de perdas e de doenças em colmeias. Os indicadores de assistência técnica, associativismo e capacitação são mais expressivos na região B, o que sugere uma ação positiva sobre a redução nas perdas de colmeias. Certamente, o maior acompanhamento da criação, as trocas mútuas de experiências entre produtores e o interesse pela atividade são os responsáveis pelo me-lhor desempenho, mas ressalta-se que estes indicado-res não expressam por si um incremento significativo na produção média de mel.

Tabela 1 - Fatores de produção apícola nas regiões com nível de perda alto (A) e aceitável (B) de colmeias. ERJ. 2013.

Característica (em média) Região A Região B

Número de colmeias 26 31

Prevalência de perdas de colmeias 38% 19%

Prevalência de doenças 42% 18%

Produção anual de mel por colméia 12,4kg 12,2kg

Proporção de Apicultoråes que recebem assistência técnica

19% 30%

Proporção de Apicultores que são filiados à entidade de classe

34% 48%

Proporção de Apicultores que recebem capacitação básica

57% 78%

Para apurar a análise dos fatores que podem explicar a heterogeneidade endêmica entre as regiões estuda-das, segmenta-se a seguir o IDApi geral em vários es-tratos (figura 2).

Figura 2 - Box plot dos escores do IDApi das regiões com nível de perda de colmeias alto (A) e aceitável (B): A) IDApi Geral; B) IDApi Instalação; C) IDApi Povoamento; D) IDApi Manejo.

No estrato instalação de apiários há considerável ho-mogeneidade nas regiões A e B, com escores de 0,68 e 0,72, respectivamente (p-valor > 5%), devidos a pre-sença de apicultores posicionados nos escore regular (67%) e satisfatório (29%) (figuras 2B e 3B). Há atri-butos deste estrato (três variáveis) que foram obede-cidos corretamente pela maioria dos apicultores (per-to de 75%) em ambas as regiões. Contudo, os efeitos benéficos podem ser anulados com atributos de efeito contrário (três variáveis) de similar importância, utili-zados por menos de 50% dos apicultores. Dentre eles, ressaltam-se as condições insatisfatórias de higiene das instalações apícolas, segundo a opinião do técnico recenseador (tabela 2).

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Tabela 2 - Indicadores assertivos da instalação de apiários. Estado do Rio de Janeiro (BR). 2013.

Variável Região A Região B

O tipo da caixa de criação é padrão Langstroth

99 % 99%

Não há vizinhos apicultores num raio menor do que 5 km

30% 49%

Os cavaletes que suportam as colmeias são individuais

82% 92%

Uso de cobertura sobre as colmeias 97% 97%

Não há cultivo agrícola em um raio menor do que 5 km*

35% 33%

Compra da caixa de criação 73% 69%

Estado de conservação satisfatório das caixas e materiais**

61% 92%

Estado de conservação satisfatório das instalações **

39% 62%

Higiene satisfatória dos apiários e do apicultor**

60% 77%

* supõe-se que há aplicação de agrotóxicos prejudiciais às colmeias **Opinião do técnico recenseador.

O estrato povoamento de apiários destoa dos re-sultados apresentados no estrato anterior (instalação de apiários). Há alta dispersão dos valores, devido a presença de escores extremos, desde 0,71 a 0,33, das classes regular e fraca. Apesar da dispersão, o esco-re médio das regiões A e B são próximos (p-valor > 5%). (figuras 2C e 3C).

Neste estrato, a atividade apícola é designada pra-ticamente como extrativista (tabela 3). O comércio de enxames, que seria o mais recomendável, pode oferecer ao criador maior segurança e impulsionar o seu negócio, caso o produto seja de qualidade atestado pelo fornecedor. A coleta de enxames na natureza, que é a mais adotada, incorre em vários riscos por não ser possível saber sobre a origem do enxame. Enxames capturados podem ser produtos de fugas por doenças, por enxameação, fatores estes que se estabelecidos no plantel, predispõem à baixa produtividade. A base de dados deste estudo revela que a compra de enxames está estritamente relacio-nada com a ausência de doenças na criação (p-valor < 5%).

Tabela 3 - Lotação dos apiários e origem dos enxames de abe-lhas melíferas adotadas de forma assertiva. Estado do Rio de Janeiro (BR). 2013.

Variável Região A Região B

Lotação menor ou igual a 20 colmeias por apiário

91 % 91%

Evita a coleta de enxames na natureza 37% 31%

Evita a coleta de enxames por caixa isca 42% 40%

Não faz divisão artificial de colmeias* 77% 80%

A compra enxames ocorre dentro do Estado 8% 2%

* medida correta para apiários com baixa lotação.

No estrato manejo de apiários, que representa os es-cores mais baixos dos três estratos avaliados, o IDApi médio das regiões A e B são 0,31 e 0,29, sendo simila-res (p-valor < 5%). A categoria de apicultores de escore fraco é máxima (100%) e não há apicultores com escore regular, nem satisfatório; destaca-se que um apicultor melhor ranqueado (da região A) obteve escore de 0,49 e, o pior (da região B), com escore de 0,11 (figuras 2D e 3D). Das nove variáveis avaliadas neste estrato (tabela 4), sete pertencem a níveis de concordância abaixo de 50% pelos produtores, um evidente indicador de defici-ência no uso da técnica básica apícola.

Tabela 4 - Aspectos assertivos no manejo de colmeias. ERJ. 2013.

Variável Região A Região B

Periodicidade quinzenal na revisão de apiários 32 % 24%

Revisão dos apiários é matinal 31% 36%

Temperamento dos exames é tolerável 91% 94%

Uso da tela excluidora de ninho é feita na época de produção

13% 4%

Não usa agrotóxicos ou pesticidas próximos ao apiário

96% 97%

Produtos apícolas são inspecionados 12% 27%

Troca de peças da colmeia com revestimento de própolis

28% 3%

Produção anual de mel por colmeia está acima de 10 kg

46% 58%

Prevalência de perdas de colmeias está abaixo de 20%

44% 49%

Figura 3 - IDApi médio dos municípios do estado do Rio de Janeiro (BR). A) IDApi Geral; B) IDApi Instalação; C) IDApi Povoamento; D) IDApi Manejo.

Em outra análise deste arranjo experimental, aplica-se o modelo de regressão linear ajustado com variáveis dummies, tendo como variável resposta o IDApi geral e, como variáveis explicativas, a produção anual de mel por colmeia, a prevalência de perdas de colmeias e a ausência de doenças, cujos resultados se apresentam na tabela 5.

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Tabela 5 - Principais resultados da análise de regressão linear com variáveis dummies.

Variáveis Parâmetros

Intervalo de confiança (95%)

[Inferior; Superior]

Intercepto 0,4607* [0,4314; 0,4901]

Produção anual de mel por colmeia

0,0449* [0,0179; 0.0701]

Prevalência de perdas de colmeias

-0,0121 [-0,0542; 0,0301]

Ausência de doenças na criação

0,0258** [-0,0024; 0,0540]

R²-ajustado 8,44%

Teste-F p-valor < 5%

Teste de normalidade de Jarque-Bera

p-valor > 5%

* Significativo ao nível de 5% ** Significativo ao nível de 10%

O teste-F revela que o conjunto de variáveis selecio-nadas para compor o modelo está apropriado para ex-plicar a variação do IDApi. No entanto, este modelo re-vela-se pouco acurado em predições, com R²-ajustado relativamente baixo. Os resíduos do modelo se distri-buem de forma Normal (p-valor > 5%) e destaca-se a significância da variável produção anual de mel por colmeia e da ausência de doença na criação.

Ao analisar a relação das variáveis significativas do modelo, percebe-se que estas seguem positivamente o IDApi geral (tabela 5). Ou seja, os apicultores com maior produção de mel são os com melhores escores no IDApi geral, na relação de 1 kg de mel para elevar em 0,04 o escore do IDApi geral; de forma análoga, ocorre com os apicultores com ausência de doenças em suas criações. Flagra-se assim, que os apicultores com maior produção e ausência de doenças foram classifi-cados de forma satisfatória pelo IDApi geral.

Assim, se a diagnose das regiões envolvidas eviden-cia raras distinções no conteúdo tecnológico, este fato sinaliza outro agente causal para explicar a diferença no nível de perdas. A diferenciação da técnica apícola, mesmo que tênue, a favor da região B pode ser a respon-sável por isentá-la de doenças, já que nesta região hou-ve maior frequência na capacitação de seus apicultores, maior adesão ao associativismo e à assistência técnica.

Na busca por informações sobre a ocorrência de do-ença nestas regiões consultaram-se Marassi (2010) e Deveza (2010), que verificaram alta infecção nas col-meias por fungos entomopatogênicos em dois municí-pios da Região A. Este pode ser um viés para explicar as altas perdas, direcionado para os fatores endógenos do meio ambiente, que podem favorecer a contami-nação súbita e letal nas colmeias, hipótese que requer mais estudos direcionados para a sanidade apícola e no âmbito ecológico. Em um momento em que a apicultu-ra mundial debate altas perdas de colmeias, este estu-do de caso sugere que situações de impacto ambiental possam ser um importante fator impactante para a cria-ção das abelhas.

Conclusões

A diagnose apícola por meio de um indicador como o IDApi, que pressupõe a análise de banco de dados originários de levantamentos apícolas, auxilia na ob-servância da dinâmica tecnológica de forma local e temporal, para lograr projeções e cenários para a api-cultura. Neste estudo de caso, este índice se mostra apurado para caracterizar e avaliar os fatores de defici-ência da produção apícola entre regiões.

A alta mitigação de colmeias reforça o incremento de pesquisas para detecção de pragas e patógenos, além de investimentos em estratégias de gestão sanitária do setor apícola brasileiro, por meio de políticas públicas já estabelecidas no âmbito animal, conforme BRASIL (2009). Igualmente, devem ser promulgadas ações que ofereçam aos produtores orientações e incentivos à in-dústria para que desenvolvam suas próprias políticas e procedimentos a favor de sua produtividade. Paralela à essas ações, deve-se dispor de diagnósticos corren-tes, que mostrem a condição de partida e seus avanços, neste sentido o IDApi é uma ferramenta eficaz para os gestores do negócio apícola e pesquisadores. Não menos importante é a adoção de métodos e práticas que ajudem a sanar as deficiências tecnológicas apre-sentadas pelos produtores, que premiem em melhorias e condições de bem estar para as colmeias, que cer-tamente ocasionam melhores indicadores de produção na criação.

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Resumo: No Brasil existe uma grande população de cadelas com risco de desenvolver um quadro de piometra pois a castra-ção eletiva não é uma prática comum. A piometra é uma enfer-midade da cadela adulta caracterizada pela inflamação do útero com acúmulo de exsudato. Trata-se de uma das enfermidades mais comuns que ocorre no trato genital das fêmeas caninas. A bactéria isolada com maior frequência no útero de cadelas com piometra é a Escherichia coli. O objetivo desse trabalho é comparar os grupos piometra de cérvix aberta e fechada ca-racterizando as bactérias isoladas no útero dessas cadelas, além de realizar o perfil de resistência dessas bactérias frente aos antibióticos mais comumente utilizados na rotina veterinária de pequenos animais.

Palavras chave: bactéria, piometra, cães

Summary: In Brazil there is a large population of dogs at risk of developing pyometra since elective castration is not a com-mon practice. Pyometra is adult bitch disease characterized by inflammation of the uterus with accumulation of exudate. This is one of the most common diseases that occur in the genital tract of female dogs. The most frequently isolated bacteria in the uterus of bitches with pyometra is Escherichia coli. The aim of this study is to compare the pyometra group opened and closed cervix characterizing the isolated bacteria into the uterus of these bitches, and perform the resistance profile of bacteria to antibiotics such forward most commonly used in veterinary medicine for small animals.

Keywords: bactéria, pyometra, dogs

Introdução

A infertilidade de fêmeas carnívoras pode estar liga-da as doenças uterinas. Uma fase proliferativa longa, folículos ovarianos persistentes ou cistos ovarianos re-sultam em alterações hormonais que juntamente com as infecções bacterianas, representam importante fonte de degeneração uterina (Kempisty et al. 2013).

No Brasil existe uma grande população de cadelas com risco de desenvolver um quadro de piometra, pois apenas uma pequena percentagem de cadelas são normalmente submetidas à ovariosalpingohisterectomia (OSH) eletiva, a maioria das castrações é realizada como consequência de alterações clínicas. A situação é diferente em outros países onde a prática da castração é comum e realizada em mais de 85% das cadelas (Hagman et al., 2011).

A piometra é uma enfermidade da cadela adulta ca-racterizada pela inflamação do útero com acúmulo de exsudato, que ocorre na fase lútea do ciclo estral, de quatro semanas a quatro meses após o estro (Coggan et al., 2004; Smith, 2006). No diestro ocorre uma hi-pertrofia/hiperplasia do endométrio estimulado pela progesterona e, subsequentemente, uma invasão bac-teriana (Weiss et al., 2004). Trata-se de uma das enfer-midades mais comuns que ocorre no trato genital das fêmeas caninas (Coggan et al., 2004; Pretzer, 2008).

A piometra pode se apresentar de forma aberta ou fechada, caracterizada pela presença ou ausência de secreção vaginal, respectivamente.

A interação da progesterona e do estrógeno é im-portante no desenvolvimento da piometra, mas a pro-gressão e a severidade desta enfermidade é complicada com a migração secundária de bactérias, via ascenden-te (Weiss et al., 2004; Smith, 2006; Sharif et al., 2013).

A bactéria isolada com maior frequência no útero de cadelas com piometra é a Escherichia coli, isola-da de 57% a 96% das amostras de exsudato uterinos. Ocasionalmente, outras bactérias como Staphilococcus schleiferi, Staphilococcus epidermidis, Streptococcus sp, Streptococcus canis, Klebsiella pneumoniae, Morganella morganii e Pseudomonas aeruginosa são isoladas do útero de animais doentes (Hagman e Kuhnb, 2002; Coggan et al., 2004; Weiss et al., 2004; Bartoskova et al., 2007). A origem destes microorga-nismos é o próprio intestino e o trato urinário (Coggan et al., 2004; Weiss et al., 2004; Bartoskova et al., 2007).

Caracterização microbiológica e perfil de resistência das bactérias isoladas do útero de cadelas com piometra aberta e fechada

Microbiological characterization and resistance profile of bacteria isolated from the uterus of bitches with open and closed pyometra

Rodrigo Volpato1*, Michelle Silva Araujo1, Miriam Harumi Tsunemi2, Fernando José Paganini Listoni1, Márcio Garcia Ribeiro1, Maria Denise Lopes1

1FMVZ-UNESP/Botucatu2IBB-UNESP/Botucatu

*Correspondencia: [email protected] Tel: (+55) 11- 996739219, (+55) 14-988178385

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A taxa de mortalidade da piometra é de 3 a 4 % em países desenvolvidos que apresentam modernas roti-nas de tratamento. Um atraso no diagnostico e/ou tra-tamento pode conduzir esses animais a sépsis e a um desfecho fatal (Sharif et al., 2013).

O objetivo desse trabalho é caracterizar as bactérias isoladas do conteúdo uterino de cadelas com piometra e estudar o perfil de resistência aos antibióticos mais comumente utilizados na rotina veterinária de peque-nos animais, além de fazer um comparativo entre os casos de piometra de cérvix aberta e fechada.

Material e Métodos

A pesquisa em questão atendeu aos requisitos impos-tos pela Comissão de Ética no uso de animais de acor-do com os princípios éticos na experimentação animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP, campus Botucatu.

Foram utilizadas 31 cadelas com diagnóstico de pio-metra atendidas na área de reprodução de pequenos animais. O diagnóstico foi realizado através de histó-rico clínico, exames físico e complementares: hemo-grama, uréia, creatinina e avaliação ultrassonografia. Do total de cadelas, 25, apresentavam secreção vaginal purulenta, mucopurulenta ou sanguinolenta e 6 apre-sentavam piometra de cérvix de fechada.

Após o procedimento cirúrgico uma amostra de 3 mL do conteúdo uterino foi coletada por punção aspi-rativa. Imediatamente, as amostras foram encaminha-das ao Laboratório de Microbiologia no Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Publica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnina da UNESP, Campus Botucatu.

As amostras foram semeadas em meio de ágar Mac Conkey e base de ágar sangue composta com 7% de sangue ovino desfibrinado. Em seguida, as amostras foram incubadas em condições de aerobiose à 37ºC e observadas às 24, 48 e 72 horas (Koneman, 2001a).

Para as amostras que apresentaram isolamentos po-sitivos, realizou-se análise macroscópica, microscópica (morfotintorial pelo método de Gram) e bioquímica, se-guindo as provas taxonômicas segundo Carter (1994).

As amostras coletadas para o antibiograma segui-ram a metodologia sugerida pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O meio de cultivo

para o antibiograma foi ágar Mueller-Hinton, distribu-ído em placas de Petri de 14 cm de diâmetro interno.

Foram selecionadas e repicadas 4 ou 5 colônias sob teste para 5 mL de meio de cultivo em caldo. O caldo inoculado foi incubado por 2 a 8 horas à temperatura de 37ºC, deixando assim o microrganismo crescer até atingir a turbidez padrão ou ajustando se necessário. Dentro de 15 minutos após o ajustamento da turbidez, foi introduzido um swab estéril e não tóxico no inocu-lo, para colheita de amostra bacteriana, sendo o ma-terial assim obtido distribuído homogeneamente pela superfície da placa de Petri para posterior colocação dos discos com os antimicrobianos a serem testados.

Os discos para antibiograma SENSIFAR® foram colo-cados sobre a superfície da placa com o auxílio de uma pinça estéril. A distância mínima entre os discos foi de 24 mm entre seus respectivos centros. Após a colocação dos discos, as placas foram incubadas a 37 ºC, sendo que a leitura das placas foi realizada após 24 horas de incubação. A leitura foi realizada com as medidas dos diâmetros das zonas de inibição, as quais foram compa-radas com medidas internacionais “National Committee for Clinical Laboratory Standards – NCCLS”; classifi-cando o resultado como sensível, parcialmente sensível ou resistente (Koneman, 2001b).

Foram utilizados os seguintes antibióticos: a ampi-cilina (10mcg), amoxicilina associada a ácido clavulâ-nico (30mcg), cefalexina (30mcg), cefalotina (30mcg), doxiciclina (30mcg), enrofloxacina (5mcg), ciprofloxa-cina (5mcg) e sulfa associada a trimetroprim (25mcg).

As avaliações das culturas, assim como seus an-tibiogramas, foram analisadas pela correlação de Spearmam, do teste exato de Fisher e da concordância Kappa.

Resultados

Para análise das bactérias isoladas foi realizada uma tabela das bactérias isoladas e os resultados negativos. Os resultados estão representados na tabela 1. Com a intenção de analisar diferenças entre as bactérias do grupo piometra aberta e do grupo piometra fechada, foram realizadas tabelas de contingência avaliando os tipos de bactérias do conteúdo uterino e sua sensibili-dade frente aos antibióticos testados. Os resultados es-tão demonstrados nas tabelas 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10.

Tabela I - Comparação entre os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.) avaliando as bactérias isoladas do útero: Escherichia coli (E. coli), Enterobacter sp (Entero), Streptococcus sp (Strepto), Alcaligenes faecalis (Alcal), Klebsiella pneumoneae (Klebs) e Edwardsiella tarda (Edward).

Cultura Útero

Negat E. coli Entero Strept Alcal Klebs Edward Total p-valor Fisher

P.A. 2 17 4 2 2 1 0 28

0,465P.F. 1 3 1 1 0 0 1 7

Total 3 20 5 3 2 1 1 35

Considerando p-valor < 0,05

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Tabela 2 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a ampicilina no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Ampicilina - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 11 3 12 28

0,451P.F. 1 2 2 2 7

Total 3 13 5 14 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 3 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a amoxicilina associada a ácido clavulânico no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Amoxicilina + Ác. Clavulânico - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 21 1 4 28

0,398P.F. 1 5 1 0 7

Total 3 26 2 4 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 4 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a cefalexina no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Cefalexicina - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 14 6 6 28

0,650P.F. 1 2 2 2 7

Total 3 16 8 8 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 5 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a cefalotina no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Cefalotina - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 4 2 20 28

0,746P.F. 1 0 0 6 7

Total 3 4 2 26 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 6 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a ceftiofur no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Ceftiofur - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 9 8 9 28

0,764P.F. 1 2 3 1 7

Total 3 11 11 10 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 7 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a doxiciclina no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Doxiciclina - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 18 1 7 28

0,432P.F. 1 4 1 1 7

Total 3 22 2 8 35

Considerando p-valor < 0,05

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Tabela 8 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a enrofloxacina no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Enrofloxacina - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 14 7 5 28

0,924P.F. 1 3 2 1 7

Total 3 17 9 6 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 9 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a ciprofloxacina no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Ciprofloxacina - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 16 8 2 28

0,715P.F. 1 3 3 0 7

Total 3 19 11 2 35

Considerando p-valor < 0,05

Tabela 10 - Resultados da sensibilidade das bactérias (Sensível – S, Parcialmente Sensível – PS e Resistente – R) frente a sulfa asso-ciada a trimetropim no conteúdo uterino quando comparamos os grupos piometra aberta (P.A.) e piometra fechada (P.F.).

Sulfa + Trimetroprim - Útero

Negativo S PS R Total p-valor Fisher

GrupoP.A. 2 22 1 3 28

0,384P.F. 1 4 0 2 7

Total 3 26 1 5 35

Considerando p-valor < 0,05

Discussão e Conclusão

O acúmulo de secreção purulenta no interior do útero, nos casos de piometra, constitui um excelente meio de cultura para o crescimento bacteriano. Em aproximadamente 80% dos casos de piometra obtém-se resultado positivo para isolamento bacteriano e ge-ralmente são bactérias da microbiota normal da vagi-na, sendo a mais frequente, Escherichia coli, isolada de 57% a 96% das amostras (Dow, 1958; Hagman e Kuhnb, 2002; Coggan et al., 2004; Weiss et al., 2004; Bartoskova et al., 2007).

A bactéria isolada com maior frequência neste estu-do foi a E. coli, isolada em 64,51% das amostras. Esses dados corroboram com a literatura existente (Franson e Ragli, 2003; Weiss et al., 2004; Bartoskova et al., 2007; Verstegen et al., 2008). A E. coli adere especifi-camente a sítios de ligação no endométrio previamente sensibilizados pela progesterona através de genes as-sociados a fatores de virulência uropatogênicos. Esses genes têm sido notificados nos humanos aumentando a patogenicidade da E. coli por facilitar sua aderência ao epitélio (Verstegen et al., 2008)

As culturas que apresentaram crescimento bacteria-no foram submetidas ao antibiograma, com a inten-ção de traçar um perfil de resistência aos antibióticos mais comumente utilizados. Não foi observada dife-

rença nos resultados das culturas e dos antibiogramas quando comparamos os grupos piometra aberta e fechada. O relaxamento cervical nas cadelas é asso-ciado com a fase de proestro e estro, provavelmente, a contaminação bacteriana do útero ocorre durante essas fases do ciclo estral, não havendo, portanto, di-ferença entre a piometra aberta e fechada em relação à contaminação bacteriana.

As bactérias foram mais sensíveis aos antibióticos doxiciclina (84,6% de sensibilidade), amoxicilina as-sociada a ácido clavulânico (77% de sensibilidade), sulfa associada à trimetroprim (77% de sensibilida-de) e enrofloxacina (66,6% de sensibilidade) e, mais resistentes à cefalotina (77% de resistência) e à am-picilina (53,8% de resistência). Esses resultados se revestem de importância, pois norteiam a terapia anti-biótica utilizada no setor de Reprodução de Pequenos Animais da FMVZ- UNESP/Botucatu.

Lara et al. (2008), investigaram o perfil de sensibi-lidade de 538 cadelas ao testarem 15 linhagens de E. coli isolada do trato urinário e útero de cadelas com piometra e observaram resistência para ampicilina, cefalexina, gentamicina, fluorquinolonas. Sanchez et al. (2002) ao estudarem 21 linhagens de E. coli iso-ladas de urina de cães verificaram resistência para sulfonamidas, tetraciclinas, cefalosporinas e genta-micina.

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Um grande número de cães é acometido por he-moparasitose e o fato da doxiciclina apresentar uma sensibilidade grande às bactérias isoladas do conteúdo uterino é providencial, pois podemos utilizá-la como terapia de escolha para um tratamento concomitante de piometra e erlichiose canina. A utilização de antibió-ticos deve ser sempre cuidadosa, pois a taxa de resis-tência aos antibióticos pode estar relacionada ao uso indiscriminado e indevido dos antimicrobianos como subdoses, superdoses e descontinuidade da terapia. Esses atos podem aumentar a pressão seletiva para li-nhagens bacterianas multirresistentes em cães e gatos.

A presença de linhagens de E. coli multirresistentes aos antimicrobianos em animais de companhia é um alerta para os riscos em saúde pública, em virtude da provável transmissão de bactérias dos animais para o homem, em face do estreito contato entre essas espé-cies (Siqueira et al., 2009).

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Resumo: O interferão ómega felino (rFeIFN-ω) é atualmente o único interferão licenciado para uso médico-veterinário efi-caz no tratamento de gatos infectados pelo FeLV, ao melhorar o estado clínico, prolongar a longevidade e reduzir a excre-ção de vírus concomitantes. Contudo, o efeito do rFeIFN-ω como antiviral tem sido questionado, acreditando-se que este fármaco atue apenas ao nível da imunidade inata. Resultados publicados pelo nosso grupo reforçam esta teoria, reportan-do um aumento dos níveis séricos de proteínas de fase agu-da, indicadores indiretos de uma estimulação da imunidade inata. Com vista a clarificar as propriedades imunomodula-doras do rFeIFN-ω, este estudo visa avaliar o efeito deste fár-maco na expressão de diferentes citoquinas (IL1β, IL4, IL6, IL10, IL12p40, IFN e TNFα) e na expressão da proteína MX em gatos naturalmente infectados com FeLV. 6 gatos FeLV-positivos foram tratados com rFeIFN-ω segundo o protocolo licenciado (3 ciclos de 5 injeções subcutâneas 1MU/kg aos dias 0 – 14 - 60). Antes do início do tratamento (D0) e no seu término (D65), os animais foram sujeitos a colheitas de sangue para avaliação da expressão relativa de citoquinas e da proteína Mx por PCR em tempo real. 2/6 gatos expressa-ram IL1β, IL6, IL12p40 ao D0 e 3/6 ao D65 (2 decresceram expressão e 1 apresentou valor residual apenas no final do tratamento). 4/6 expressaram IL4 ao D0, decrescendo para valores não quantificáveis ao D65 e 1/6 expressou TNFα ao D0. Apenas 1 gato expressou IFN ao D0 e a IL10 não revelou expressão. Comparando o D0 com o D65, apesar da tendên-cia decrescente da expressão das citoquinas medidas, não se verificaram alterações significativas. A quantificação relativa da expressão da proteína Mx também não revelou alterações estatisticamente significativas entre o D0 e D65. Este estudo sugere que apesar do rFeIFN-ω induzir uma melhoria clinica significativa dos animais tratados, a sua acção advém sobretu-do de uma estimulação da imunidade inata.

Summary: Feline interferon omega (rFeIFN-ω) is currently the only effective licensed interferon for use in veterinary me-dicine in the treatment of cats infected with FeLV: improving clinical status, prolonging life and reducing excretion of con-comitant virus. However, the effect of ω-rFeIFN as an antiviral

agent has been questioned, and it is believed that this drug acts only in innate immunity. Results published by our group support this theory, reporting an increase in serum levels of acute phase proteins, indirect indicators innate immunity stimulation. To clarify the immunomodulatory properties of ω-rFeIFN, this study aimed to evaluate the effect of this drug on the expression of different cytokines (IL1β, IL4, IL6, IL10, IL12p40, IFN and TNFα) and Mx protein in cats naturally infected with FeLV. Six (6) FeLV-infected cats were treated with ω-rFeIFN according to the licensed protocol (three (3) cycles of five (5) subcutaneous injections 1MU/kg on days 0 – 14 - 60). Before treatment (D0) and at the end (D65), blood samples were collected for evaluation of the relative cytokine expression by real time PCR.Two out of six (2/6) cats expressed IL1β, IL6 and IL12p40 to D0 and three out of six (3/6) to D65 (2 decreased and 1 de-monstrated residual values only at the end of treatment). Four out of six (4/6) expressed IL4 to D0, decreasing to undetec-table values on D65 and one out of six (1/6) expressed TNFα on D0. Further, two out of six (2/6) on D65 (one (1) decreased the expression and in one (1) residual values were demons-trated only at the end of treatment). Only one (1) cat expres-sed IFN no D0 and IL10 revealed no expression. Comparing cytokine expression at D0 and D65, an overall decrease of expression was found although without statically significant results. Relative quantification of the expression of Mx protein also revealed no statistically significant changes between D0 and D65.This study suggests that rFeIFN-ω- induces clinical improvement of treated cats, mainly from stimulation of the innate immunity.

Introdução

O Interferão é uma citoquina com propriedades imunomoduladoras, particularmente relevantes em infeções virais. Clonado pela primeira vez em 1992, o interferão ómega felino (rFeIFN-ω) é atualmente o único interferão licenciado para uso médico-vete-rinário. Apesar de poucos estudos suportarem o seu uso, o rFeIFN-ω tem-se mostrado eficaz no tratamen-

Avaliação da expressão de mediadores imunitários em gatos infectados com o vírus da Leucemia Felina (FeLV) e tratados com interferão ómega recombinante felino (rFeIFN-ω).

Evaluation of the expression of immune mediators in cats infected with feline leukemia virus (FeLV) treated with recombinant feline omega interferon (rFeIFN-ω).

Sofia Sirage, Solange Gil*, Rodolfo Leal, Luís Tavares

Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal/ Faculdade de Medicina Veterinária – Universidade de Lisboa, Portugal.

*Correspondência: [email protected]

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to de gatos infectados pelo vírus da leucemia felina (FeLV), melhorando o seu estado clínico, prolon-gando a sua longevidade e reduzindo a excreção de vírus concomitantes como herpes vírus, coronavírus e calicivírus. Contudo, o efeito do rFeIFN-ω como agente antiviral tem sido questionado, acreditando-se que este fármaco atue apenas ao nível da imuni-dade inata. Resultados publicados pelo nosso grupo reforçam esta teoria, reportando um aumento dos ní-veis séricos de proteínas de fase aguda, as quais são indicadores indiretos de uma estimulação da imuni-dade inata (Leal et al.., 2014).

As respostas do sistema imunitário podem ser re-ferentes a uma imunidade não específica (inata), pre-sente desde o nascimento do animal ou a uma imu-nidade específica (adquirida), a qual se desenvolve após o nascimento e, em consequência, de um estí-mulo antigénico específico sendo também designada como imunidade adaptativa (Kennedy, 2010). A imu-nidade não específica diz respeito a mecanismos ina-tos, constituindo uma primeira linha de defesa contra doenças infeciosas e se for eficaz pode mesmo eli-minar o agente antes do sistema imunitário ter opor-tunidade de desenvolver uma resposta de imunidade adquirida. A imunidade adquirida é principalmente liderada por linfócitos, células específicas com ca-pacidade de reconhecimento e memória, com espe-cial relevância para as respostas celular e humoral (Kennedy, 2010; Pedersen, et al., 1998). As respostas celular e humoral são mediadas pelas células T hel-per CD4+, respectivamente Th1 (imunidade celular) e Th2 (imunidade humoral) (Kennedy, 2010). Os diferentes componentes do sistema imunitário inte-ragem entre si para desencadear uma resposta imu-nitária competente. Esta interacção envolve a produ-ção e libertação de diferentes citoquinas que, sendo os mediadores da resposta imunitária, têm funções distintas, tais como a estimulação do crescimento e multiplicação celular exponencial, a diferenciação, a migração, a reparação e ativação de vias pró-inflama-tórias e anti-inflamatórias e indução de uma resposta tipo humoral ou celular (Day MJ, 2012; Kennedy, 2010; Pedersen, et al., 1998; Roitt e Delves, 2001; Tizard, 2009b).

Para este estudo, as citoquinas foram escolhidas tendo em conta as suas principais funções no sistema imunitário e foram consideradas biomarcadores da resposta imunitária inata ou adquirida.

A proteína Mx, é considerada como um biomarca-dor específico do IFN tipo I (Bracklein et al., 2006), possuindo propriedades antivirais e GTPase específi-cas, sendo expressa em diferentes células, tais como hepatócitos, células endoteliais e células do sistema imunitário (PBMCs, células dendríticas e células mielóides), (Fernandez et al., 1999 ; Horisberger et al., 1990; Sadler e Williams, 2008).

Objetivos

Com vista a clarificar as propriedades imunomodu-ladoras do rFeIFN-ω, este estudo teve como objetivo avaliar o efeito deste fármaco na expressão de diferen-tes citoquinas importantes na resposta pro-inflamatoria (TNFα, IL1β, IL6) celular (IFN-ɣ, IL12p40) e humoral (IL4, IL10) e, da proteína Mx, em gatos naturalmente infectados com FeLV.

Materiais e Métodos

O estudo para a avaliação da expressão imunitária em gatos infectados com o vírus da Leucemia Felina (FeLV) tratados com interferão ómega recombinan-te felino (rFeIFN-ω Virbagen® Omega, Virbac), foi realizado com 6 gatos FeLV-positivos, tratados com rFeIFN-ω segundo o protocolo licenciado (3 ciclos de 5 injeções subcutâneas 1MU/kg aos dias 0, 14, 60). Antes do início do tratamento (D0) e no seu término (D65), os animais foram sujeitos a colheitas de sangue para avaliação da expressão relativa de citoquinas e da proteína Mx por PCR em tempo real.

Este estudo foi realizado numa população de 6 ga-tos adultos, sendo 4 machos e 2 fêmeas, raça europeu comum, com idade entre os 3 e 8 anos, alojados na União Zoófila de Lisboa (U.Z.L.). Os animais estuda-dos encontravam-se naturalmente infectados por FeLV.

Todos os procedimentos foram aprovados pelo Co-mité de Ética e Bem-Estar Animal da Faculdade de Medicina Veterinária - Universidade de Lisboa (CE-BEA - FMV-UL).

Do mesmo modo que para os estudos publicados ante-riormente (Gil et al., 2013;. Gil et al., 2014; Leal et al., 2014), os resultados de expressão de citocinas e da pro-teína MX no final do tratamento (D65) foram compa-rados com o valor obtido ao D0 para cada gato testado.

O processamento das amostras realizou-se no La-boratório de Virologia e Imunologia da FMV/UL. As amostras de sangue foram colhidas para tubos con-tendo um tampão para protecção de RNA (RNApro-tect Animal Blood Tubes, Qiagen), de acordo com as instruções do fabricante. O RNA foi extraído usando um Kit especifico (RNeasy protect animal blood kit, Qiagen) e de seguida, foi sintetizado o cDNA (Trans-criptor high fidelity, Roche), sendo este utilizado pos-teriormente como “template” para o PCR em tempo real “Real-Time quantitative polymerase chain reac-tion” (qPCR). Esta metodologia permitiu a quantifi-cação de IL1β, IL4, IL6, IL10, IL12p40, IFN e TNFα e da proteína Mx.

Os primers e as sondas utilizados para cada um dos genes estão publicados na literatura, sendo que os au-tores e respectivas sequências são apresentadas na ta-bela 1 e 2 .

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Tabela 1 - Primers utilizados para avaliação da expressão de citoquinas através do Real-Time qPCR em gatos naturalmente infectados com FeLV tratados com rFeIFN-ω

Gene Oligo Sequência (5´-3´) Referencia

β - ActinaFor GACTACCTCATGAAGATCCTCACG

(Scott, et al.., 2011)Rev CCTTGATGTCACGCACAATTTCC

IL-1For ATTGTGGCTATGGAGAAACTGAAG

(Scott, et al.., 2011)Rev TCTTCTTCAAAGATGCAGCAAAAG

IL-4For CCCCTAAGAACACAAGTGACAAG (Taglinger, Van Nguyen, Helps, Day, & Foster,

2008)Rev CCTTTGAGGAATTTGGTGGAG

IL-6For GTGTGACAACTATAACAAATGTGAGG

(Scott, et al.., 2011)Rev GTCTCCTGATTGAACCCAGATTG

IL-10For ACTTTCTTTCAAACCAAGGACGAG

(Scott, et al.., 2011)Rev GGCATCACCTCCTCCAAATAAAAC

IL12p40For TGGCCTTCTGAAGCGTGTTG

(Scott, et al.., 2011)Rev GAAGTACACAGTGGAGTGTCAGG

IFN-γFor TGCAAGTAATCCAGATGTAGCAG

(Taglinger, et al.., 2008)Rev GTTTTATCACTCTCCTCTTTCCAG

TNF-αFor CACATGGCCTGCAACTAATC

(Taglinger, et al.., 2008)Rev AGCTTCGGGGTTTGCTACTAC

Tabela 2 - Primers e sonda utilizados para avaliação da expressão da Proteina MX através do Real-Time qPCR em gatos naturalmente infectados com FeLV tratados com rFeIFN-ω

Gene Oligo Sequência (5´-3´) Referencia

β - ActinaFor GACTACCTCATGAAGATCCTCACG

(Scott, et al.., 2011)Rev CCTTGATGTCACGCACAATTTCC

TaqMan Probe JOE- CCTTGATGTCACGCACAATTTCC-TAMRA (Scott, et al.., 2011)

MXFor ACCAGAGCTCGGGCAAGAG

(Scott, et al.., 2011)Rev TTCAGCACCAGAGGACACCTT

TaqMan Probe FAM-CCTTCCCAGAGGCAGCGGTATTGTC -TAMRA (Scott, et al.., 2011)

O PCR em tempo real foi realizado no equipamen-to StepOne Plus real-time (Applied Biosystems). A quantificação da expressão de citoquinas por PCR em tempo real foi realizada utilizando para cada rea-ção 2 ul de cada primer com uma concentração final de 100nM, 2 ul de cDNA, 4 ul de água esterilizada e 10 ul de mistura para PCR contendo SYBr Gre-en (Applied Biosystems) num volume total de 20 ul por reação. Para avaliação da expressão da proteína MX foram usados para cada reação 2 ul de cDNA, 900 nM de cada primer e 250 nM de sonda (TaqMan Probe), num volume total de 20 ul por reação usando TaqMan® Gene Expression 2x Master Mix (Applied Biosystems).

Os ciclos de amplificação de PCR consistiram numa fase inicial de desnaturação de 10 minutos a 95ºC, seguida de 50 ciclos de amplificação (15 segun-dos a 95ºC e annealing aos 60ºC durante 1 minuto).

A análise dos resultados, foi realizada utilizando o software Miner (http://www.miner.ewindup.info). A beta-actina foi usada como o gene de referência (tabela 1 e 2).

Para cada parâmetro medido, foram comparados dois grupos (D0 e D65) usando o teste de Mann-Whitney-Wilcoxon para amostras independentes. A comparação entre o início e o fim da terapia (D0 e D65) em cada grupo foi realizada pelo teste de Mann-Whitney-Wilcoxon. O nível de significância foi estabelecido em 5%. A análise estatística descri-tiva foi também realizada sempre que necessária. A fim de avaliar possíveis correlações entre os parâme-tros medidos, a correlação de Spearman também foi realizada sempre que necessário. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o software R-.

Resultados

Quantificação da expressão de citoquinas

A quantificação relativa revelou níveis sanguíneos muito baixos de todas as citoquinas avaliadas. Ape-sar de uma tendência geral decrescente, não foram observadas alterações significativas em cada grupo

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Tabela 3 - Quantificação da expressão relativa da proteína MX

Gatos Mx Dia 0 Mx Dia 65

1 0 0

2 0 0,002277567

3 0 0

4 0 0

5 0 0

Discussão

O presente estudo foi executado no sentido de ava-liar o efeito imunomodulador do rFeIFN-ω. Com este propósito foi seguida a expressão de marcadores da resposta imunitária, nomeadamente citoquinas e prote-ína Mx. O perfil de IL-1, IL-4, IL-6, IL-10, IL-12p40, IFN-γ e TNF-α foi avaliado antes e após o tratamento com rFeIFN-ω, através da quantificação da expressão de RNAm obtido do sangue periférico de gatos natu-ralmente infectados com FeLV.

Como mencionado anteriormente o efeito do rFeIFN-ω como antiviral tem sido questionado, acre-ditando-se que este fármaco atue apenas ao nível da imunidade inata (Domenech, et al.., 2011). O aumen-to dos níveis séricos das proteínas de fase aguda, as quais são indicadores indiretos de uma estimulação da imunidade inata simultaneamente com uma melhoria dos sinais clínicos, reforçam esta teoria (Leal, et al.., 2014). Também foi descrito uma melhoria dos sinais clínicos, com o protocolo oral (Gil et al.., 2013), o que leva a concluir que, à semelhança do que foi descri-to anteriormente sobre a terapia geral do IFN (Tovey, 2002), estes protocolos devem apresentar diferentes mecanismos de ação. Até à data, nenhum estudo (in vivo) sobre a expressão de citoquinas em gatos FeLV positivos foi realizado, e nesse sentido estes resultados são particularmente importantes para avaliar o ver-dadeiro mecanismo de ação do rFeIFN-ω no sistema imunitário.

Apesar do facto de a maioria das citoquinas serem pleiotrópicas, podem ser caracterizadas em diferen-tes padrões de atuação (Roitt and Delves, 2001). Por exemplo, a IL-6, a IL-1 e o TNF-α são citoquinas pró-inflamatórias fortemente envolvidas na resposta imune inata, potenciando vias não específicas, tais como a resposta de fase aguda (APR) ou febre (Ceron et al., 2005; Paltrinieri, 2008; Tizard, 2009b). A IL-2, a IL-12 e o (IFN-γ estão fortemente relacionadas com a ativa-ção do complexo Th1, principalmente contra agentes patogénicos intracelulares, conduzindo à estimulação de células T citotóxicas, células natural killer (NK ) e macrófagos (Pedersen, et al.., 1998; Tizard, 2009b). Por outro lado, quando o complexo Th2 é ativado, in-duz uma resposta humoral principalmente contra agen-tes patogénicos extracelulares, através da produção de IL-4, IL-5 e IL-10, que, consequentemente, induzem uma diferenciação das células B (Osborne et al., 1996;

Pedersen, et al., 1998; Roitt e Delves, 2001; Romagna-ni, et al., 1994).

Em resumo a IL-1, IL-6 e TNF-α são citoquinas que estão envolvidas numa resposta imune inata ou seja, sobre estímulos pró-inflamatórios, sendo consideradas como um bom biomarcador da ativação das vias pró-inflamatórias.

Por outro lado, a IL-12p40, IFN-γ, IL-4 e IL-10 são principalmente citoquinas envolvidas na imunidade adquirida. A IL-12 é uma citoquina heterodimérica composta por duas subunidades (p40 e P35) (Trin-chieri, 2003). Neste estudo, a escolha da medição da subunidade IL-12p40 foi devida ao facto de esta ser a única subunidade disponível para medição através do método de ELISA. Sendo assim a IL-12p40 e o IFN-γ são utilizados, neste estudo, como indicadores de uma resposta imunitária via complexo Th1, enquanto que as IL-4 e IL-10 são utilizadas como um bom indicador da resposta imunitária via complexo Th2, uma vez que são citoquinas produzidas pelas células Th2. O com-plexo Th1 promove uma resposta imunitária celular enquanto que o Th2 promove uma resposta imunitária humoral (Kennedy, 2010). Assim, o complexo Th1 atua principalmente contra agentes patogénicos intracelula-res, conduzindo à estimulação de células T citotóxicas, células natural killer (NK ) e macrófagos, (Pedersen, et al.., 1998; Tizard, 2009b). Por outro lado, o complexo Th2, induz uma resposta principalmente contra agen-tes patogénicos extracelulares, através da produção de IL-4, IL-5 e IL-10, que, consequentemente, induzem uma diferenciação das células B (Osborne, Hunter, & Devaney, 1996; Pedersen, et al., 1998; Roitt & Delves, 2001;. Romagnani, et al., 1994).

Apesar de uma tendência geral decrescente, não foram observadas alterações significativas quando se compara a expressão de citoquinas antes (D0) e após o tratamento (D65).

Este é o primeiro estudo que avalia o perfil de ci-toquinas em gatos naturalmente infectados pelo FeLV, levando a novas perspectivas sobre a ação do rFeIFN. Neste sentido esta tendência decrescente nomeada-mente da IL-1 e TNF-α demonstra que a via pró-infla-matória da resposta imune inata tende a diminuir com a terapia de rFeIFN-ω. No que diz respeito às citoquinas medidas (IL-12p40, IFN-γ), via complexo Th1, nenhu-ma alteração foi observada o que significa que este caminho parece não ser afetado pela terapêutica com rFeIFN. O mesmo foi observado para quantificação de citoquinas (IL-4 e IL-10) via complexo Th2. Os resul-tados sugerem que as respostas Th1 e Th2 parecem não ser afetadas pela terapêutica com rFeIFN.

A tendência geral decrescente observada poderá es-tar relacionada com a redução de infecções oportunis-tas (Gil et al.., 2013). Apesar do efeito do protocolo via oral em infecções oportunistas ser insignificante (Gil et al.., 2014), a terapia SC tem sido relacionada com uma redução significativa de infecções virais simultâ-neas que podem justificar a ligeira redução observada

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na expressão do RNAm das citoquinas quantificadas .Em resumo, este estudo sugere então que apesar do

rFeIFN-ω induzir uma melhoria clinica significativa dos animais tratados, a sua ação advém sobretudo de uma estimulação da imunidade inata e não de uma ação direta sob a expressão das citoquinas relacionadas com a imunidade adquirida.

Embora não esteja completamente estudada, entre as suas funções, a proteína Mx está diretamente envolvi-da no reconhecimento viral, prejudicando a transcrição viral, ligando-se a componentes virais essenciais blo-queando o seu transporte intracelular e controlando di-ferentes processos tais como exocitose e prevenção da replicação viral numa primeira fase (Haller et al., 2007; Sadler e Williams, 2008; Turan et al., 2004). Devido à sua importância e propriedades anti-virais, a expressão do gene Mx foi avaliada em diferentes condições clíni-cas, tais como infecções virais, doenças auto-imunes e em casos específicos como terapia com IFN tipo I (Bra-cklein et al. , 2006; Horisberger et al., 1990).

Este estudo descreve o efeito do tratamento com rFeIFNω através da expressão da proteína Mx em gatos naturalmente infectados com FeLV. Embora a verdadeira função da proteína Mx ainda esteja por esclarecer (Sadler e Williams, 2008), acredita-se que esta possui propriedades anti-virais, sendo um biomar-cador confiável do IFN tipo I. Considerando que, in vivo, o rFeIFNω tem mostrado uma atividade anti-viral não muito esclarecedora (Domenech et al.., 2011), a medição da proteína Mx poderia permitir esclarecer essa função. No entanto neste estudo a quantificação relativa não revelou alterações estatisticamente sig-nificativas entre a expressão da proteína Mx ao D0 e D65, nem na quantificação do gene (p = 0,735 pelo Wilcoxon Signed Rank Test para amostras relaciona-das), nem na presença/ausência da expressão do gene (p = 0,250 pelo Mc Nemar Teste para amostras rela-cionadas).

Estudos anteriores utilizando doses baixas (200U a 20.000U) indicam que a expressão da proteína Mx (um marcador da resposta biológica do rFeIFNω) depende da dose de rFeIFNω, do local de administração, e do tipo de célula (Bracklein et al.., 2006). Assim, consi-derando que a proteína Mx neste estudo parece não aumentar depois do tratamento, não pode ser excluída uma possível inibição da sua expressão quando utili-zados protocolos de rFeIFNω com doses elevadas. Al-guns autores defendem que as doses mais elevadas não conseguem induzir a expressão da proteína Mx devido a diferentes mecanismos (Bracklein et al.., 2006).

Apesar do pequeno número de animais utilizado e das diferentes apresentações clínicas, o estudo revela que a expressão da proteína Mx não parece ser um bio-marcador confiável da atividade do rFeIFNω em gatos sintomáticos naturalmente infectados com FeLV. Con-tudo mais estudos são necessários para aprofundar es-tas conclusões sobre a infeção por FeLV e terapêutica com rFeIFNω.

Conclusões

Ao longo da terapêutica com rFeIFNω a maioria dos gatos apresentam uma evolução clínica positiva, sendo este facto de grande importância para a melhoria da qualidade de vida destes animais, uma vez que estes são muito susceptíveis a infecções secundárias respon-sáveis pelo declínio do seu estado hígido. A avaliação do efeito terapêutico da aplicação de rFeIFN-ω no combate à infecção pelo FeLV, e os seus efeitos no sis-tema imunitário, pode ser avaliada pela quantificação da carga viral plasmática, da carga proviral (Doménech et al.., 2011) e pela análise da expressão de proteínas inflamatórias e de citoquinas produzidas na resposta celular e humoral. No presente estudo foram avaliadas a expressão relativa de citoquinas e da proteína Mx. Os resultados evidenciam uma tendência decrescente da expressão das citoquinas medidas, embora não se tenham verificado alterações significativas. A quanti-ficação relativa da expressão da proteína Mx também não revelou alterações estatisticamente significativas. Assim, este estudo sugere que apesar do rFeIFN-ω in-duzir uma melhoria clinica significativa dos animais tratados, a sua acção resulta sobretudo de uma estimu-lação da imunidade inata e não de uma ação imunomo-duladora do tipo adquirido.

Para um melhor esclarecimento dos nossos resul-tados e do efeito imunomodulador do rFeIFN-ω seria relevante a medição destes mediadores nas amígdalas e linfonodos de gatos naturalmente infectados com FeLV e tratados com rFeIFN-ω.

Face a estes resultados obtidos até à data, será re-comendável que gatos infectados por FeLV e com sintomatologia clínica associada sejam tratados com rFeIFN-ω.

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Resumo: O mel é o produto da apicultura mais conhecido e comer-cializado no mundo, que tem vindo a ser considerado como natural, saudável, sendo consumido pela maioria das pessoas, especialmen-te crianças e pessoas doentes, devido aos seus efeitos benéficos. Tendo como objetivo a garantia da segurança do consumido fo-ram analisados vários parâmetros deste produto alimentar que podem ser equacionados nessa perspectiva.Foi caracterizada a oferta de mel, quanto aos tipos disponíveis, e foi avaliada a informação presente no rótulo nomeadamente no que concerne aos requisitos legais obrigatórios, tendo-se veri-ficado que 27 % das amostras se apresentavam não conformes. Os contaminantes microbiológicos - presença de Salmonella spp, de esporos de clostrídeos sulfito-redutores e de bolores e leveduras – foram também avaliados, não tendo sido detetadas amostras não conformes.Os resíduos de substâncias farmacologicamente ativas (antibió-ticos e acaricidas) e de metais pesados (cobre e cádmio) foram pesquisados em 42 e 21 amostras de mel, respetivamente, tendo-se verificado que 9,5% das amostras foram suspeitas para a pre-sença de resíduos de sulfatiozol. Este resultado poderá constituir uma utilização ilegal uma vez que de acordo com a legislação europeia não está autorizada a utilização de antibióticos na pro-dução de mel. As restantes substâncias não foram detectadas nas amostras analisadas.Por sua vez as concentrações médias de cobre e cádmio presen-tes nas várias amostras não apresentaram diferenças estatistica-mente significativas entre os distritos de onde provinham essas mesmas amostras.

Summary: Honey is the best known product of beekeeping, marketed worldwide, that has always been regarded as natural and healthy. Most people, especially children and sick people, consume it because of its beneficial effects.With the aim of ensuring consumer safety several parameters of this product were analyzed. The labeling of the honey was analyzed, with the purpose of observing the information supplied the consumer accomplished the legal requirements and 27% of the samples were founded non-compliant. Microbiological contaminants - presence of Salmonella spp., spore sulphite-reducing clostridia and yeasts and molds - were also assessed and no non-compliant samples have been detected. The residues of pharmacologically active substances (antibiotics and acaricides) and heavy metals (copper and cadmium) were studied in 42 and 21 samples of honey, res-pectively, and it was found that 9.5% of the samples were sus-pected for the presence of sulfatiozol residues. This result could be an illegal use since according to european legislation the use

of antibiotics in honey production is not authorized. The remai-ning substances were not detected in the samples analyzed. The concentrations of copper and cadmium in the various sam-ples showed no statistically significant differences among the districts where they came from.

Introdução

O mel é um alimento produzido por abelhas do género Apis e um produto biológico muito complexo que sempre foi considerado como natural, saudável, sendo o produto da apicultura mais conhecido e comercializado no mun-do (Belas, 2012). Este produto é apreciado pelo seu sa-bor característico, pelo seu valor nutritivo, verificando-se que o consumidor manifesta cada vez mais um interesse crescente por produtos naturais e saudáveis (Decreto-lei nº 214/2003). O mel é usado, per si, como adoçante, mas também faz parte da composição de muitos produtos que cada vez mais integram a dieta do consumidor, como os snacks, os flocos de cereais e as próprias farinhas lácteas, sendo assim consumido pela maioria das pessoas, espe-cialmente crianças e pessoas idosas.

A comercialização do mel implica o cumprimento do disposto no Decreto-lei nº 560/99, cujo âmbito se prende com a rotulagem, a apresentação e a publicida-de, devendo também obedecer ao disposto no Decreto-lei nº 214/2003 referente às definições e características do mel e às regras a que deve obedecer a sua produção e comercialização, e que transpõe para a ordem jurídi-ca nacional a Directiva 2001/110/CE.

Na sua composição, o mel apresenta elevado teor em hidratos de carbono, proteínas, aminoácidos, baixo teor em água e vitaminas entre elas a niacina, a ribo-flavina, o ácido pantoténico, e ainda as vitaminas do complexo B, e C, D e E. O conteúdo mineral do mel varia entre 0,1 e 0,5%, sendo o potássio o mineral mais abundante. O mel é um alimento que apresenta pH ácido, humidade e atividade da água baixas (aw), vis-cosidade elevada, concentração de açúcares e pressão osmótica altas, condições que fazem com que seja um substrato pouco favorável ao desenvolvimento bacte-riano. Os microrganismos que poderão estar presentes

Qualidade do mel nacional

Quality of national honey

Adriana Belas, Conceição Almeida, Ana Filipa Epifânio, Belmira Carrapiço, Yolanda Vaz, Berta São Braz*

Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal (CIISA), Faculdade de Medicina Veterinária (FMV) – Universidade de Lisboa (ULisboa), Lisboa, Portugal

*Correspondência: [email protected]: +351 213602025

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no mel, principalmente leveduras, fungos e bactérias formadoras de esporos, são os que suportam a sua ele-vada concentração de açúcar, acidez e o carácter an-timicrobiano (Almeida, 2010). Os fungos estão asso-ciados ao conteúdo intestinal das abelhas, à colmeia e ao ambiente onde as abelhas colhem o néctar. As leve-duras constituem um problema no que diz respeito ao mel pois não são inibidas pela sacarose, podem crescer com o nível de água e no ambiente ácido que existe no produto, podendo assim provocar a sua fermentação.

As fontes de contaminação primária do mel, e que são difíceis de controlar, incluem o pólen, o tracto digestivo das abelhas, o pó, o ar, e o néctar das flores. As fon-tes de contaminação secundária são as mesmas que são consideradas para outros alimentos, como por exemplo os manipuladores com feridas infectadas, os espirros e contaminação fecal; a contaminação cruzada a partir de animais ou produtos animais; o equipamento, os resídu-os de alimentos ou água; no entanto estas fontes podem, e devem ser controladas pela implementação de Boas Práticas de Fabrico (Snowdon e Cliver, 1996).

Apesar de o mel ser um produto natural a sua pro-dução faz-se num ambiente mais ou menos poluído e faz uso de materiais e produtos suscetíveis de o con-taminar. Os resíduos de xenobióticos que podem estar presentes no mel (principalmente pesticidas, antibióti-cos e metais pesados) são oriundos do ambiente (fonte agrícola ou ambiental propriamente dita) ou decorrem de práticas apícolas, nomeadamente os resíduos pro-venientes de produtos de tratamento das doenças das abelhas, dos materiais da colmeia, da cera contamina-da, dos protetores da madeira e do equipamento usa-do na extração de colmeias doentes (Bogdanov, 2006, Bogdanov et al., 2008). Estes resíduos podem compro-meter a qualidade do produto e a segurança alimentar, causando problemas comerciais e de saúde pública.

Na apicultura, o uso de antibióticos e de acaricidas sintéticos é uma prática corrente, para o tratamen-to de doenças bacterianas e parasitárias das abelhas, e da qual pode assim resultar a presença de resíduos no mel. Para evitar a presença resíduos de substâncias farmacologicamente activas em produtos alimentares apícolas, apenas devem ser utilizados os medicamen-tos veterinários, autorizados pelas autoridades compe-tentes para uso em abelhas, sendo que em Portugal essa competência é da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). O uso de medicamentos veteriná-rios não é recomendado imediatamente antes e durante a colheita do mel, e se tal acontecer este não deve ser utilizado para consumo humano (FAO/WHO, 2010).

Na Europa aplica-se uma política de “tolerância zero” para a presença de resíduos antibióticos no mel, sendo esta política generalizada e dependente das metodo-logias analíticas disponíveis para a identificação e de-terminação desses resíduos. O conceito de “tolerância zero” aplica-se essencialmente a substâncias identifica-das e com suspeita de possuírem propriedades carcino-génicas ou mutagénicas, de acordo com o Regulamento

(CE) nº 37/2010, relativo a substâncias farmacologica-mente activas e respectiva classificação em relação a limites máximos de resíduos nos alimentos de origem animal. Assim, na União Europeia não está autorizado o uso de antibióticos na apicultura (não estão estabele-cidos limites máximos de resíduos de antibióticos para o mel, pelo que não existem antibióticos autorizados para uso na apicultura). Por isso o facto de um produto apícola estar contaminado com antibióticos, implicará a destruição do produto e a penalização do produtor, uma vez que se trata de uma não conformidade.

Os acaricidas são aplicados na agricultura contra pra-gas (produtos fitofarmacêuticos), e na apicultura são utilizados para controlar o ácaro Varroa destructor. A maioria destes pesticidas, de uso generalizado (de sín-tese ou orgânicos), actua por contacto directo, sendo de fácil aplicação, e não requerendo conhecimentos espe-cíficos sobre a biologia das abelhas (FAO/WHO, 2010). A nível nacional as substâncias farmacologicamente ac-tivas autorizadas, como medicamentos veterinários aca-ricidas são a flumetrina, o tau-fluvalinato, o amitraz e o timol, um acaricida orgânico (DGAV, 2014).

Por sua vez a contaminação de mel por metais pesa-dos pode ocorrer também por causas naturais ou antro-pogénicas. As causas naturais estão geralmente asso-ciadas a erosão rochosa e à atividade vulcânica, já nas causas antropogénicas destaca-se a inadequada aplica-ção de fertilizantes na agricultura, os incêndios flores-tais e a crescente poluição atmosférica (Epifânio, 2012). A contaminação do solo por cádmio deve-se à aplica-ção de fertilizantes de fosfato (European Food Safety Authority [EFSA], 2009), seguindo-se a combustão de combustíveis fósseis, a produção de ferro e aço, a pro-dução de metais não ferrosos, de cimento, de outros pro-dutos ricos em cádmio (pigmentos de tintas, plásticos) e a incineração de resíduos (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica [ASAE], 2009). A utilização de fungicidas ricos em cobre, como o sulfato de cobre, em culturas como a macieira, videira, batateira e pes-segueiro pode ser responsável pela contaminação dos solos por cobre, e de colmeias vizinhas a estas culturas. Outras fontes da poluição por cobre são os fertilizantes, os algicidas contendo cobre, a incineração de resíduos municipais, a fundição de metais e a atividade mineira (World Health Organization [WHO], 1998).

A prática apícola incorreta pode também levar à in-trodução de contaminantes de origem química no mel através das tintas e vernizes das colmeias, da deficiente higienização dos veículos de transporte e das instala-ções de extração/acondicionamento, e da utilização de utensílios de materiais inadequados. Nos processos de cresta, transporte das alças, extração e acondiciona-mento do mel devem aplicar-se boas práticas de higie-ne, de acordo com o Regulamento (CE) nº852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril. Por outro lado o direito nacional (Decreto-Lei nº203/2005 de 25 de novembro) estabelece ainda que a implanta-ção dos apiários não deverá ser inferior a 50 metros

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da via pública nem inferior a 100 metros de qualquer edificação em utilização.

O Regulamento (CE) nº1881/2006, da Comissão, de 19 de dezembro estabelece os teores máximos de contaminantes nos géneros alimentícios, incluindo os teores máximos de cádmio (Cd) e chumbo (Pb). No entanto, no que refere ao mel, não se encontram esta-belecidos limites máximos nem na legislação comuni-tária nem na nacional embora diversos estudos tenham demonstrado a presença de Cd e cobre (Cu) em mel de diferentes origens (Fredes e Montenegro, 2006; Frías et al., 2008; Stankovska et al., 2008).

Controlo de resíduos de xenobióticos em mel

O controlo de resíduos de substâncias farmacologi-camente activas e de contaminantes, em produtos ali-mentares, incluindo o mel, provenientes dos Estados Membros da União, mas também dos importados de países terceiros, é obrigatório desde 1997, pelo estabele-cido na Directiva 96/23/CE, de 29 de Abril de 1996, re-lativa às medidas de controlo a aplicar a certas substân-cias e aos seus resíduos nos animais vivos e respectivos produtos, pela Decisão 97/747/CE, de 27 de Outubro de 1997, relativa ao nível e frequência de amostragens pre-vistos pela Directiva 96/23/CE, e pela Decisão 98/179/CE da Comissão, de 23 de Fevereiro de 1998, que es-tabelece regras para a colheita das amostras oficiais a utilizar na pesquisa de determinadas substâncias e seus resíduos nos animais vivos e respetivos produtos.

Em Portugal, a pesquisa de resíduos em mel é efe-tuada de acordo com o Plano Nacional de Pesquisa de Resíduos (PNPR), cuja implementação e coordenação é da responsabilidade da DGAV. Na tabela 1 apresentam-se os resultados da monitorização de resíduos em mel pelo PNPR entre 2006 e 2011. Pode assim verificar-se que todas as amostras analisadas para o subgrupo B3c eram conformes, ou seja, em nenhuma amostra foi detetada a presença de metais pesados, o mesmo já não se pode dizer para as substâncias do grupo B1, ou seja os antibacteria-nos, uma vez que em 2008 e 2010 foram detectadas duas amostras não conformes, uma em cada um dos anos.

Tabela 1 - Amostras de mel analisadas entre 2006 e 2011 pelo Plano Nacional de Pesquisa de Resíduos (DGAV, 2006 a 2011).

AnoAmostras colhidas por subgrupo Amostras não

conformesA6 B1 B2c B3a B3b B3c

2011 - 22 24 16 - - 0

2010 9 34 28 15 15 15 1 (B1)

2009 10 32 32 20 0 20 0

2008 10 37 33 21 21 42 1 (B1)

2007 6 7 18 5 3 15 0

2006 11 22 5 10 6 8 0

Legenda: A6 – substâncias inscritas no anexo IV do Regulamento (CE) nº 2377/90; B1 – substâncias antibacterianas incluindo sulfamidas e quino-lonas; B2c – piretróides; B3a – organoclorados incluindo os PCB; B3b – compostos organofosforados; B3c – elementos químicos (metais pesados).

Tendo em vista a segurança do consumidor e a preocupação deste em relação a este assunto foi de-senvolvido e realizado o trabalho agora apresentado. Este trabalho teve então como objectivo caracterizar a oferta de mel no mercado, nomeadamente na região de Lisboa, analisando a rotulagem das embalagens do produto com a finalidade de avaliar se a informação aí contida estava de acordo com os requisitos legais. Foi também realizada a detecção da presença de contami-nantes químicos e/ou microbiológicos em amostras de mel nacional.

Materiais e Métodos

Caracterização da oferta de mel e conformidade de rotulagem

Para a caracterização da oferta de mel e verificação da conformidade da rotulagem, foram visitados 10 es-tabelecimentos comerciais de natureza diversa e foram analisadas 105 embalagens de mel. Para essa análise fez-se o registo em folha de questionário dos tipos de mel presentes, e da informação apresentada no rótulo do produto. Na folha de questionário constavam assim os seguintes parâmetros: caracterização do estabele-cimento (Hipermercado, Supermercado, Mercearia, Frutaria, Charcutaria, Mercado, Pastelaria, Outros), lo-cal (rua, bairro), secção em que o mel estava exposto, resguardo da luz direta (Sim/Não), número de marcas existentes, origem (nº de marcas, região/país), rotula-gem - conforme ou não conforme em relação ao idio-ma (português), à quantidade líquida, à durabilidade mínima, à origem, ao número de lote, ao nome/mora-da, às condições de conservação e observações.

Amostragem Analítica

Avaliação perigos microbiológicos

Para esta avaliação foram adquiridas 23 amostras de mel de diferentes marcas em estabelecimentos comer-ciais da região da grande Lisboa, numa amostragem de conveniência em que se tentou representar a diver-sidade de marcas e tipos de mel à disposição dos con-sumidores. Esta recolha foi realizada em hipermerca-dos, supermercados, mercearias, pastelarias, frutarias e mercados locais onde se encontra mel em comercia-lização. As determinações microbiológicas realizadas foram pesquisa de Salmonella, pesquisa de esporos de clostrídeos sulfito redutores e contagem de bolores e leveduras.

A pesquisa de Salmonella spp. realizou-se de acordo com a metodologia descrita na Norma Portuguesa NP – 1933 (1982), que se desenrola em quatro fases: pré-enriquecimento, enriquecimento seletivo, isolamento e identificação, confirmação.

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O pré-enriquecimento foi efetuado a partir de uma suspensão inicial preparada em água peptonada tam-ponada (Scharlau, Espanha). Na fase de enrique-cimento seletivo os meios utilizados foram MKTT (Muller-Kauffman Tetrathionate medium base) (Scharlau, Espanha) e RVS (Rappaport Vassiliadis Broth) (Scharlau, Espanha). Para isolamento utili-zaram-se os meios selectivos XLD (Xylose Lysine Desoxycholate) (Scharlau, Espanha) e Hektoen (Hektoen Enteric Agar) (Scharlau, Espanha). As co-lónias suspeitas foram sujeitas a confirmação. Para confirmação utilizou-se TSI (Triple Sugar Iron Agar) (Oxoid, Inglaterra). Para isolamento utilizou-se meio TSA (Triptona soja agar) (Scharlau, Espanha). Para identificação e confirmação utilizaram-se provas bio-químicas. Os resultados são expressos indicando a ausência ou presença de Salmonella spp. em 25 g de mel.

A pesquisa de esporos de clostrídeos sulfito reduto-res foi realizada de acordo com a metodologia descri-ta na Norma Portuguesa NP – 2262 (1986). Utilizou-se a suspensão inicial preparada no ponto anterior (di-luição 10-1). As formas vegetativas foram inactivadas colocando os tubos com 10 ml da suspensão inicial em banho-maria a 80 º C durante 10 minutos, findo o qual foram arrefecidos em água fria. Foi então incor-porado o meio de cultura agar SPS (Sulfit Polimixin Sulphadiazin Agar) (Scharlau, Espanha) e os tubos foram arrefecidos para solidificar o meio. Os tubos foram a incubar a 44,5 º C durante 48 horas. Os tubos foram observados para a existência de colónias sus-peitas, colónias negras características, em forma de “pompom”. Os resultados são expressos indicando-se como positivos ou negativos em 1 g de mel.

A contagem de bolores e leveduras realizou-se de acordo com a metodologia descrita na Norma Portuguesa NP – 3277-1 (1987). Foi utilizada a sus-pensão inicial preparada anteriormente e feitas dilui-ções seriadas de acordo com a NP – 3277-1 (1987) até 10-3. Procedeu-se à sementeira em placa de Rose Bengal Agar (Scharlau, Espanha) à superfície e em quintuplicado de 0,2 ml de cada uma das diluições. As placas foram a incubar a 25 º C durante cinco dias, efetuou-se a observação das placas para contagem das colónias. Os resultados foram expressos em uni-dades formadoras de colónias por grama.

Avaliação perigos químicos

Para avaliar a presença de resíduos de substâncias farmacologicamente ativas (tetraciclinas, sulfamidas e acaricidas) foram obtidas 42 amostras do mercado nacional, do comércio ou diretamente do produtor, das diferentes regiões de Portugal (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Região Autónoma dos Açores). Para a pesquisa de metais pesados (Cd e Cu) estudaram-se 21 amostras de mel de sete distritos de Portugal Continental, três amos-

tras por distrito (Coimbra, Castelo Branco, Santarém, Évora, Setúbal, Beja e Faro).

Todas as amostras foram recolhidas de forma aleató-ria no que respeita quer ao estabelecimento de venda, quer ao lote de fabrico, quer ao produtor. As amostras foram mantidas à temperatura ambiente e protegidas da luz até análise laboratorial.

Para a pesquisa de resíduos das substâncias far-macologicamente ativas, e como método de rastreio, utilizou-se a extracção em fase sólida seguida de cro-matografia de camada fina, utilizando diferentes siste-mas de eluição e reagentes de visualização para cada grupo químico e também a cromatografia gasosa com detector de captura electrónica, no caso dos acaricidas sintéticos (cumafos, tau-fluvalinato e flumetrina).

Para a pesquisa de sulfamidas e tetraciclinas as amos-tras foram homogeneizadas com a solução NA

2EDTA

0,1 M -Tampão Mcllvaine pH 4. Os cartuchos utiliza-dos, C18 sepPak de 200 mg (Waters Oasis, Milford, MA, USA), foram condicionados com metanol, ace-tonitrilo e solução de EDTA e equilibrados com água. As amostras de mel fortificadas foram eluídas, sob gra-vidade, com metanol e acetonitrilo. O extrato obtido foi evaporado até resíduo seco à temperatura ambiente. Após obtenção do resíduo seco, este foi dissolvido em 1 ml de metanol e analisado por cromatografia de ca-mada fina.

Para separação de sulfamidas utilizou-se uma fase móvel de clorofórmio/metanol (45:5 (v/v)). Já para a separação de tetraciclinas realizou-se pré tratamento das placas com EDTA 0.27 M, pH 9, seguida de se-cagem e ativação a 110 º C, antes de utilização. Neste caso a fase móvel utilizada consistiu em clorofórmio, metanol e EDTA na proporção de 65:20:5 (v/v/v). A deteção foi realizada com luz UV (254/366 nm) e pos-terior confirmação por pulverização das placas com os seguintes reagentes: solução de p – anisaldeído para revelação de tetraciclinas e fluorescamina para revela-ção de sulfamidas.

Para pesquisa de acaricidas as amostras de mel fo-ram homogeneizadas, sob agitação, com metanol e água (70:30 v/v). Os cartuchos utilizados, Cartuchos C18 sepPak de 200 mg (Waters Oasis, Milford, MA, USA), foram condicionados com metanol, acetonitri-lo e equilibrados com água. As amostras de mel for-tificadas foram eluídas, sob gravidade, com metanol e acetonitrilo. O extracto obtido foi evaporado até resí-duo seco à temperatura ambiente. Após obtenção do resíduo seco, este foi dissolvido em 1 ml de metanol e analisado por cromatografia de camada fina. Para se-paração dos acaricidas sintéticos utilizou-se fase mó-vel de n-hexano e acetona na proporção 80:20 (v/v). A deteção foi realizada com luz UV (254/366 nm) e posterior confirmação por pulverização das placas com os seguintes reagentes: solução de 20% hidróxido de potássio (KOH) em metanol e solução de cloreto de 2- (p-iodofenil) -3- (p-nitrofenil) -5-feniltetrazólio/ metassulfato de fenazina (INT/PMS) (10:2, v/v) para

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revelação dos acaricidas pesquisados e solução de p – anisaldeído para revelação de flumetrina.

A confirmação da presença destes acaricidas foi realizada por cromatografia gasosa em Cromatográfo Gasoso Agilent, Technologies, 6890 N com software Agilent Chemstation (2001 – 2010) com coluna capi-lar: HP-35 35% fenil-metil-siloxano, 30 m, diâmetro interno de 320 µm e uma espessura de filme de 0,25 µm e com detector de captura electrónica.

A determinação de metais pesados (Cd e Cu) foi realizada, por espectrofotometria de absorção ató-mica, após digestão seca em mufla (Nabertherm, 30-3000ºC), a 500ºC durante 16 horas. Às cinzas resul-tantes adicionaram-se 2 ml de ácido nítrico (J.T. Baker, 6080) e a diluição foi realizada com água desionizada obtida a partir de um sistema de purificação Milli-Q da Millipore®.

A quantificação dos metais pesados foi realizada num espectrofotómetro de absorção atómica (Perkin Elmer Analyst 700) com queimador de chama ar/ace-tileno (17/2 ml/min), lâmpadas de cátodo oco como fonte de emissão e comprimentos de onda de 228,8 nm para Cd e 324,8 nm para Cu.

Análise estatística

Para caracterização da oferta de mel e conformidade de rotulagem utilizou-se estatística descritiva. Os re-sultados obtidos na pesquisa de metais pesados foram analisados pela realização do teste OneWay Anova e Teste t de Student.

Para esta análise utilizaram-se o software Microsoft Office Excel 2007, e o programa estatístico SPSS 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

Resultados

Caracterização da oferta de mel e conformidade de rotulagem

O número de estabelecimentos comerciais visitados em Lisboa foram 3 hipermercados, que apresentaram a maior diversidade de méis, 4 supermercados, 1 merce-aria de bairro, 1 frutaria e 1 pastelaria.

A oferta de tipos de mel por estabelecimento variou entre um único tipo em mercearia de bairro, frutaria, e pastelaria e 38 tipos em hipermercado.

As secções onde normalmente se puderam encontrar os méis foram na mercearia, no gourmet e na dietética, sendo que todos os produtos se encontravam resguar-dados da exposição direta a raios solares, em todos os estabelecimentos.

Os requisitos da rotulagem do mel foram avaliados de acordo com os Decretos-lei nº 560/1999 e nº 214/2003. Os parâmetros exigidos na informação ao consumidor foram analisados em 105 registos, em relação à oferta de mel encontrada nos estabelecimentos visitados. Os resultados desta avaliação estão expressos na Tabela 2.

Tabela 2 – Avaliação da rotulagem da oferta de méis em 10 estabelecimentos de Lisboa.

Frequência relativa da presença da informação

nas embalagens (%)

- Idioma em Português 99

- Denominação de Venda 100

- Origem: designação do país de origem ou designação CE e não CE

90

- Quantidade líquida (kg ou g) 97

- Data de durabilidade mínima 100

- Nome, firma ou denominação social de produtor/embalador/vendedor estabelecido na EU

100

- Morada do produtor/embalador/vendedor estabelecido na EU

89

- Lote 90

- Condições de conservação* 30

- Informação ao consumidor* 28

- Origem floral* 57

*Itens não obrigatórios na rotulagem, CE- Comunidade Europeia

Pode verificar-se que todos os produtos apresentavam denominação de venda, data de durabilidade mínima e indicação sobre nome, firma ou denominação social de produtor/embalador/vendedor estabelecido na União Europeia. Apenas uma das embalagens de mel encontra-das não apresentava a informação ao consumidor em por-tuguês; tendo os outros idiomas utilizados sido o inglês (7%) e o espanhol (16%). Em relação ao país de origem do mel, verificou-se que 10% das embalagens não apre-sentavam essa informação. A percentagem de não confor-midades relativamente à quantidade líquida foi de 3%. A morada do fabricante ou do embalador ou de um vende-dor estabelecido na União Europeia não estava indicada em 11% das embalagens. Já a identificação do lote não se encontrava presente em 10% das embalagens avaliadas.

Apesar de não ser obrigatória, a informação sobre as condições de conservação (temperatura ambiente e ao abrigo de luz solar) não estava presente em 70% das embalagens. Das que a apresentavam (30%), as indi-cações conservar em local fresco e seco e à tempera-tura ambiente foram as mais frequentes. Já a menção à conservação ao abrigo da luz, ou em local livre de odores e a conservação da embalagem bem fechada só se encontrava numa delas. Uma embalagem indicava o frigorífico como sendo o local ideal para conservar o mel. Outra informação para o consumidor (informa-ção não obrigatória), estava presente em 28% das em-balagens avaliadas. Em 5 embalagens foi encontrada informação nutricional e a linha do consumidor estava mencionada em 8 embalagens. Foram também encon-tradas alegações a efeitos do mel como anti-reumático, diurético, tonificante e regenerador. Outras informa-ções indicavam: que o produto podia cristalizar e que para reverter a situação bastava colocar em banho-ma-ria (12 embalagens); que o produto não era aconselhá-vel a crianças com menos de um ano (10 embalagens).

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Uma embalagem indicava que após a abertura devia conservar-se no frio e consumir em 21 dias.

Em relação à origem floral (informação não obriga-tória) a informação estava ausente em 43% das emba-lagens. Na origem floral apurada predomina o rosma-ninho (38%), rosmaninho e outros (7%), urze (15%), eucalipto (10%), seguido de laranjeira, queiró, multi-flores, acácia, alecrim, alfazema em 8%, 7%, 5%, 5%, 3% e 2% das embalagens, respetivamente.

Análises microbiológicas

Nas amostras de mel adquiridas no mercado da re-gião de Lisboa (n=23), os resultados foram negativos quer para a pesquisa de Salmonella spp., quer para a pesquisa de esporos de clostrídeos sulfito-redutores. Já o crescimento de bolores e leveduras foi inferior a 10 UFC /g de mel, para todas as amostras.

Resíduos de substâncias farmacologicamente ativas

O estudo realizado permitiu concluir que 9,5% das amostras mel nacionais analisadas (n=42) apresenta-ram-se suspeitas para a presença de antibióticos, espe-cificamente o sulfatiozol (Tabela 3). Em nenhuma das amostras foi detetada a presença de tetraciclinas ou a presença de acaricidas sintéticos.

Tabela 3 - Determinação de resíduos de substâncias farmacolo-gicamente ativas em amostras de mel nacional (n=42).

Região de PortugalNº de

amostras (n)Amostras positivas

Substância detetada

Norte 5 0 -

Centro 12 3 Sulfatiazol

Lisboa e Vale do Tejo 11 0 -

Alentejo 6 1 Sulfatiazol

Algarve 5 0 -

Região Autónoma dos Açores

3 0 -

Metais pesados

Os resultados obtidos na deteção e quantificação de Cu e Cd nas amostras de mel nacional por distrito encontram-se apresentados na tabela 4.

Tabela 4 - Concentração média de Cu (ppm) e de Cd (ppm) em amostras de mel nacional de diferentes origens geográficas

Distrito de Portugal

Nº de amostras (n)

Cobre Cádmio

Setúbal 5 1,22 ± 0,24 ppm 0,19 ± 0,04 ppm

Coimbra 12 0,73 ± 0,28 ppm 0,14 ± 0,13 ppm

Santarém 11 0,71 ± 0,89 ppm <LOD

Castelo Branco 6 0,65 ± 0,44 ppm 0,23 ± 0,06 ppm

Évora 5 0,58 ± 0,35 ppm 0,14 ± 0,15 ppm

Beja 3 0,55 ± 0,19 ppm 0,07 ± 0,06 ppm

Faro 0,34 ± 0,28 ppm <LOD

A comparação estatística das concentrações médias de Cd obtidas dos diferentes distritos revelaram não existirem diferenças significativas entre si (p>0,05), verificando-se o mesmo quando analisadas as concen-trações médias de Cu (p>0,05).

Discussão

A avaliação da conformidade em termos de rotu-lagem, de acordo os Decretos-lei nº 560/1999 e nº 214/2003, em 105 embalagens de mel detectou 27% (n=28) de amostras não conformes para alguns dos itens considerados. Estas não conformidades referiam-se ao lote, idioma, morada, origem, origem e morada e quantidade líquida. Refira-se que a falta de identifi-cação do lote não permite a rastreabilidade do produto conforme é exigido pela legislação em vigor (artigo 18º do Regulamento nº 178/2002), constituindo assim uma falha grave. Assim estes resultados apontam para a necessidade de uma maior vigilância por parte das autoridades fiscalizadoras. No entanto, é sobre opera-dores das empresas alimentares que recai a principal responsabilidade jurídica, pelo que é necessário que estejam informados de toda a legislação sobre o pro-duto que vão colocar no mercado, o que parece não acontecer face às não-conformidades encontradas.

Não foram encontrados no mercado embalagens de mel DOP (Denominação de Origem Protegida) nem de mel de MPB (Modo de Produção Biológico), o que provavel-mente está relacionado com os circuitos de comercializa-ção (venda local, regional, venda direta ao consumidor e venda de parte da produção como não certificada).

Em relação aos contaminantes microbiológicos foi pesquisada a presença de Salmonella spp e de esporos de clostrídeos sulfito-redutores e efectuou-se a con-tagem de bolores e leveduras. Não foram detetados quaisquer dos microrganismos analisados em nenhu-ma das amostras de mel, podendo assim concluir-se que as amostras de mel analisadas apresentaram uma elevada qualidade microbiológica.

Na pesquisa de resíduos de substâncias farmacolo-gicamente ativas foi detetado o composto sulfatiozol em 9.5 % das amostras analisadas. Em estudos prévios realizados em Portugal entre 2004 e 2007 (Rastreio Nacional de Antibióticos no mel: Avaliação das Vias de Contaminação dos Resíduos no Mel), os autores verificaram que os níveis de contaminação do mel nacional por resíduos de sulfonamidas foram signifi-cativos, principalmente em relação ao sulfatiazol. Os compostos sulfametizol, sulfamerazina, sulfisoxasol e sulfametoxipiridazina foram encontrados com menor frequência. Pelo contrário, as ocorrências de resíduos de tetraciclinas no mel foram baixos, e a estreptomi-cina não foi detectada em qualquer amostra de mel nacional (Dias et al., 2008). Também na monitoriza-ção realizada no âmbito do PNPR entre 2006 e 2011, apenas foram detectadas duas amostras positivas para

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a presença de substâncias antimicrobianas em mel. Em relação a estudos prévios realizados em Portugal não foi encontrada informação acerca de pesquisa de aca-ricidas sintéticos em amostras de mel.

Face aos resultados obtidos pode dizer-se que o ris-co decorrente da presença de resíduos de substâncias farmacologicamente activas no mel nacional não é ele-vado e pode ser reduzido com a melhoria do estado sanitário dos efectivos apícolas, com formação dos apicultores para uma correta aplicação de medicamen-tos autorizados e com um efectivo acompanhamento e controlo veterinário.

A presença de metais pesados no mel, e nos alimen-tos em geral, é de elevada importância, já que os seus efeitos bio acumulativos podem colocar um risco não aceitável para a saúde do consumidor. O Regulamento (CE) nº 1881/2006 de 19 de Dezembro estabelece li-mites máximos de Cd noutros géneros alimentícios que não o mel, variando estes entre 0,05 e 1,0 mg/kg, verificando-se que os valores de Cd detectados nas amostras analisadas encontram-se dentro desses limi-tes. Por sua vez a EFSA estabeleceu a dose diária re-comendada de Cu num adulto em 5 mg. Considerando que o consumo anual de mel per capita em Portugal é de 0,7 kg (INE, 2011), os valores encontrados nes-te estudo revelam que o mel é um alimento seguro, e que o seu consumo não constitui perigo. No entanto os resultados obtidos neste estudo demonstram que na composição do mel nacional estão presentes metais pesados (Cd e Cu) que apesar de apresentarem valores de concentração abaixo dos limites recomendados para outros produtos de origem animal, podem indiciar uma contaminação como resultado da atividade industrial ou de práticas apícolas negligentes. Assim parece-nos que a proteção dos apiários de fontes de contaminação (autoestradas, industrias), bem como a promoção de práticas apícolas adequadas deverá ser reforçada.

Os resultados deste trabalho, como muitos outros, trazem-nos um alerta importante para uma possível alteração da composição de alimentos considerados naturais e seguros. Neste caso em particular importa proteger as características naturais do mel e minimizar o impacto de substâncias farmacologicamente ativas e de contaminantes na saúde pública.

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia através do Projeto PEst-OE/AGR/UI0276/2011.

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Veia renal tripla em gato: relato de casos

Triple renal vein in cat: case reports

Anieli V. Stocco, Naiara V. Stocco, Carlos A. dos Santos- Sousa, Marcelo Abidu-Figueiredo

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Resumo: O conhecimento das variações nos vasos renais possui importância em um programa de sistematização da anatomia ra-diológica e cirúrgica, tanto para o homem quanto para animais destinados a pesquisa, ensino e treinamento cirúrgico. As veias renais têm sido estudadas tanto radiograficamente quanto através de dissecção. Atenção particular é dada ao estudo desses vasos enfatizando as variações entre as diferentes espécies animais. Tanto as veias renais direita quanto a esquerda drenam seu con-teúdo diretamente para a veia cava caudal. O objetivo deste re-lato é descrever o aparecimento de variações numéricas da veia renal em gatos. Durante a rotina de dissecção nas aulas praticas de anatomia animal foi observada a presença de veia renal tripla no rim direito em dois gatos mestiços do sexo masculino. As veias foram medidas com paquímetro e fotografadas para do-cumentação.

Palavras-chave: Variação, veia renal, gato.

Summary: Knowledge of the renal vessels variations has impor-tance in a systematization program of radiological and surgical anatomy, both in humans and animals, applied for research and surgical training. Renal veins have been considered by dissec-tion or angiographic study means. Particular attention has been paid to the study of these vessels, outlining the variations noticed among various animal species. Both renal veins right and the left drain its contents directly to the caudal vena cava. Thus, the aim of this report is to describe a case of a triple renal vein in cats. During routine dissection in the practical classes of animal anatomy the presence of triple renal vein in the right kidney was observed in two crossbred male cats. The veins were measured with calipers and photographed for documentation.

Keywords: Variation, renal vein, cat

Introdução

No homem as variações da anatomia vascular re-nal foram caracterizadas por diferentes autores, bem como a prevalência de vasos múltiplos que ocorre em cerca de 20-50% dos casos (Testut e Latarjet, 1959; Isoda et al., 2002; Bordei et al., 2004; Sampaio e Passos 1992).

Segundo Harrison et al. (1978), Awojobi et al. (1983), e Sampaio e Passos (1992), a multiplicidade da artéria renal, é mais freqüente que a ocorrência de variações numéricas venosas. Segundo vários autores,

as variações das artérias renais são caracterizadas por duas ou três artérias que se originam diretamente da artéria aorta abdominal (Testut e Latarjet, 1959; Bordei et al., 2004; Sampaio e Passos, 1992).

As particularidades anatômicas das veias renais per-mitem uma série de considerações quando as veias são lesionadas ou obstruídas. A veia renal esquerda é maior do que a direita, cruza ventralmente a aorta, e recebe vários afluentes durante o seu curso, tal como o veia testicular/ovárica esquerda, a veia ureteral e a veia adrenal.

No homem o estudo da veia renal esquerda e suas variações encontram importância tanto quando da re-alização das anastomoses cirúrgicas, esplenorrenais, para o tratamento cirúrgico da hipertensão portal, estu-dos radiológicos, como, também, nas nefrectomias de doadores para o transplante renal. Por apresentar um trajeto mais longo do rim à veia cava caudal, a veia renal esquerda adquire maior importância que a veia renal direita, sendo preferida a sua utilização neste úl-timo caso.

Nos animais mamíferos domésticos, tanto a veia renal direita quanto a esquerda drenam seu conteúdo para a veia cava caudal. No entanto, o número, curso e local de drenagem das veias renais são, por vezes, motivos de muita controvérsia. Variações anatômicas das veias renais são ocasionalmente encontradas em estudos radiológicos e de rotina na dissecação da re-gião abdominal.

Entretanto, ao consultar a literatura, em particular os textos de anatomia, verifica-se que as informações re-ferentes às veias renais, especialmente suas variações numéricas e locais de drenagem, são escassas em ga-tos.

O objetivo desta pesquisa é relatar a ocorrência de veia renal tripla em gato, com enfoque nas possibili-dades de implicação clínico-cirúrgica desta variação anatômica.

Relato de Casos

No decorrer das atividades práticas de dissecção re-alizadas nas disciplinas do Laboratório de Anatomia *Correspondência: [email protected]

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Animal do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), observou-se variação numérica da veia renal em dois gatos, mestiços, que foram fixados com solução de for-maldeído a 10% e teve seu sistema arterial preenchido com solução aquosa de Petrolátex corado. Os animais foram dissecados, rebatendo-se as vísceras abdominais para a evidenciação do pedículo renal, origem, trajeto e esqueletopia dos vasos renais. Com um paquímetro de precisão foram obtidas medidas do comprimento, largura e espessura do rim.

Animal 1

Animal de aproximadamente três anos, macho, mestiço, medindo 46 cm. O rim direito apresentou 3,58 cm de comprimento, 2,52 cm de largura e 2,33 cm de espessura, localizando-se entre a L3 e L5. Observou-se que esse rim apresentou três veias renais (Figura 1): uma cranial, uma média e outra caudal. A veia cranial mediu 2,15 cm, a média 1,61 cm e a cau-dal 1,40 cm de comprimento. O rim esquerdo também foi dissecado, entretanto não apresentou nenhuma va-riação vascular.

Figura 1 - Fotomacrografia da vista lateral do rim direito mos-trando a veia renal tripla: a veia renal cranial, b veia renal média e c veia renal caudal.

Animal 2

Animal de aproximadamente três anos, macho, mestiço, medindo 49,1 cm. O rim direito apresen-tou 3,95 cm de comprimento, 2,69 cm de largura e 2,49 cm de espessura, localizando-se entre L3 e L5. Observou-se que o rim direito apresentou três veias renais (Figura 2): uma cranial, uma média e outra caudal. A veia cranial mediu 1,53 cm, a média 1,41 e a caudal 1,76 cm de comprimento. O rim esquerdo também foi dissecado, entretanto não apresentou ne-nhuma variação vascular.

Figura 2 - Fotomacrografia da vista lateral do rim direito mos-trando a veia renal tripla: a veia renal cranial, b veia renal média e c veia renal caudal.

Discussão

Qualquer flexibilidade na morfologia e topografia de estruturas do corpo que não altere sua fisiologia pode ser considerada uma variação anatômica e, portanto, deve ser diferenciada de aberrações e má formações, pois nestas há influência negativa sob o ponto de vista fisiológico (Sykes, 1963; Sanudo et al., 2003). No en-tanto, as variações podem estar correlacionadas com predisposições a certas enfermidades e achados em exames clínicos (Willam e Humpherson, 1999).

Duques et al. (2002) estudaram a veia renal em ca-dáveres humanos, e observaram que em 91,1% (n=31) dos casos a veia renal esquerda era única e em 8,9% (n=3), era dupla. O comprimento médio foi de 6,3 cm para os cadáveres do sexo masculino e 4,6 cm para os cadáveres do sexo feminino.

Artérias renais duplas foram descritas em cães (Oli-veira e Guimarães, 2007, Alonso e Abidu-Figueiredo, 2008), gatos (Pestana et al., 2011) e coelhos (Benvinda et al., 2013), entretanto relatos de veia renal tripla são escassos na literatura.

Reis e Tepe (1956) dissecaram as veias renais de 500 cães mestiços, 287 machos e 213 fêmeas, e observa-ram a presença de veia renal direita dupla em 5 animais (1%), enquanto que a veia renal esquerda se apresen-tou única em 100% dos casos.

Fagundes et al. (1990) estudaram a drenagem venosa dos rins de cadáveres de 30 cães mestiços de ambos os sexos e observaram que as veias renais direita e es-querda se apresentaram únicas em todas as dissecções realizadas.

Khamanarong et al. (2004) destacam a importância do entendimento da anatomia vascular renal na efici-ência e segurança de procedimentos cirúrgicos e radio-lógicos.

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Sob ponto de vista mais geral, qualquer cirurgia abdo-minal que necessite de mobilização ou controle hemos-tático dos vasos renais requerem uma busca sistemática por eventuais variações anatômicas vasculares. A com-plexidade destas variações vasculares pode modificar as possibilidades técnicas do procedimento cirúrgico.

Para gatos com insuficiência renal em estágio final, o transplante renal pode ser uma alternativa terapêu-tica. A seleção adequada do doador é um componente importante de qualquer programa de transplante. No transplante renal em gatos, os requisitos para a anatomia vascular dos rins coletados são específicos para garantir o sucesso da cirurgia. Anastomose arterial é o mais bem sucedido, se houver uma única artéria renal, com um comprimento prévio de ramificação de pelo menos 0,5 cm. Se o pedículo vascular tem mais de uma veia, a veia com o maior comprimento e de maior diâmetro está re-servada para a anastomose (Bouma et al., 2003).

O setor de Anatomia Animal da Universidade Fede-ral Rural do Rio de Janeiro utiliza cadáveres de cães e gatos doados pelo Hospital Veterinário desta Uni-versidade, como rotina nas disciplinas destinadas ao Curso de Medicina Veterinária. Durante vários anos de atividades de dissecação ininterruptas não havia sido observado, por este grupo, variação nas veias dos rins de gatos, até à presente data.

A divulgação dos achados das variações anatômicas é importante para a prática médica veterinária e deve ser realizada como forma de conscientização dos pro-fissionais, contribuindo para o sucesso e aperfeiçoa-mento de diferentes protocolos clínico-cirúrgicos.

Variações numéricas das veias renais em gatos de-vem ser consideradas na execução dos procedimentos radiológicos, cirúrgicos e experimentais visando dessa maneira, evitar que erros sejam cometidos por desco-nhecimento das possibilidades da existência de veias renais duplas nestes animais.

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Apoio Financeiro: CNPq e FAPERJ