4
A Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e perspectivas SETEMBRO DE 2021

A Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e

A Inflação nos preços dos alimentos em

2020 e 2021 e perspectivas

SETEMBRO DE 2021

Page 2: A Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e

AGRO

E A

INFL

AÇÃO

INFLAÇÃO NOS PREÇOS DOS ALIMENTOS EM 2020 E 2021 E PERSPECTIVAS

2

CEPEA - CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA - ESALQ/USP

De acordo com análise do Cepea, a produ-ção agropecuária em 2020 cresceu 2,5% – a de grãos aumentou 4,3%, mas a de

pecuária caiu 0,4%. O mercado esteve, portan-to, relativamente justo. Somem-se a isso, os cho-ques de oferta na intermediação e de demanda no consumo, que desequilibraram bastante o mercado. Do lado da oferta, as medidas sani-tárias de abertura e fechamento das atividades – com certo grau de arbitrariedade – quebraram fluxos estruturais das cadeias por afastamento do trabalho, falta de insumos, falhas logísticas, fechamento de serviços, etc. Do lado da deman-da, o desemprego, a queda de renda dos infor-mais, a entrada e suspensão (malconduzidas, diga-se) dos auxílios de renda oficiais também afetaram o mercado de alimentos. Mesmo assim, o volume exportado au-mentou 10% em 2020. A exportação foi puxa-da pelo crescimento no preço das commodities agropecuárias no mercado internacional, que foi de 16%. Em cima desse aumento das com-modities ocorreu ainda uma elevação média de 18% do dólar em que pese um acréscimo de 5,5% na entrada dessa moeda via exportações do agronegócio – um sinal de que o compor-tamento do dólar não estava sendo guiado apenas pela oferta e demanda dessa moeda. Fatores mais gerais de naturezas política e institucional tiveram papel importante na alta (e não retorno) do câmbio a partir de 2020. O potencial inflacionário do câmbio, en-tretanto, é muito maior do que o das commodities, uma vez que o dólar impacta todos os produtos exportados e importados – inclusive combustí-veis e, logo, o frete de todos os bens, sendo tam-bém um balizador dos reajustes de preços na economia em momentos de incerteza. O Cepea

calculou que o efeito do dólar na explicação do choque não esperado de preços dos alimentos no Brasil, foi, em 2020, cinco vezes maior do que o dos preços das commodities (neste caso, veja material completo aqui). O próprio custo da energia (petróleo e derivados), muito influencia-do pelo dólar, afeta no transporte urbano one-rando ainda mais o consumidor de baixa renda. No caso dos alimentos, a alta do dó-lar acarreta em elevação dos custos de pro-dução – agroquímicos dependem muito das importações –, mas em menor intensidade do que as receitas dos produtos exportados. A alta do dólar, em geral, favorece o segmento exportador do agronegócio. No mercado in-terno, por outro lado, a alta de custos ocorre mais intensamente do que a dos preços dos produtos, reduzindo a margem dos produtores e desestimulando o investimento na produção. Como resultado, observou-se em 2020 (janeiro a dezembro), que o IPCA (medida ofi-cial da inflação ao consumidor) subiu 4,52%. A inflação dos alimentos, em especial, foi de 14,1%, mais de três vezes maior. Pesaram nes-sa alta as mudanças nos padrões de consumo associadas à pandemia, o timing e o montante bastante alto da transferência pública de ren-da (auxílio emergencial), os desarranjos das cadeias produtivas, problemas climáticos, a elevação dos preços internacionais das commo-dities e, principalmente, a disparada do dólar. Dentre os alimentos ao consumidor, o destaque em 2020 foi para o óleo de soja, que dobrou de preço no ano. A seguir vieram o arroz (76%), batata (68%), tomate (53%), carnes (18%) – carne suína (30%), leite (17%), aves e ovos (15%) – e pães (6,5%). O feijão carioca subiu 16%. Nas carnes, enquanto a

Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e perspectivas Por Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros

Coordenador Científico do Cepea-Esalq/USP

Page 3: A Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e

AGRO

E A INFLAÇÃO

INFLAÇÃO NOS PREÇOS DOS ALIMENTOS EM 2020 E 2021 E PERSPECTIVAS

3

CEPEA - CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA - ESALQ/USP

suína aumentou 30% e o músculo bovino, 28%, o filé mignon caiu 6%, refletindo subs-tituição, na crise, dos tipos mais caros pelos mais baratos com reflexo nos preços relativos. Como resultado, segundo o Ipea, a classe média brasileira experimentou uma ele-vação do custo de vida (IPCA) de cerca de 4% e a classe pobre, de 6% em 2020. A classe de renda alta teve uma inflação na casa dos 3%. Em 2021, de janeiro a agosto, o IPCA geral subiu mais do que os alimentos: 5,7% contra 4,8%. Desta vez, nos oito meses, o arroz caiu 10%, o óleo de soja recuou 2,3%, a batata, 28%, tomate, 3% e o feijão carioca, 2%. Isso reflete uma certa estabilidade de preços dos ali-mentos, que se reduziram, porém, sem reverter a alta de 2020, e, sim, permanecendo em nível elevado. As carnes também desaceleraram, com alta de 9% –, sendo suína de 5,5%, leite, de 6,5%, músculo, de 16% e filé mignon, de 18%. Aves e ovos avançaram 14% equiparando-se a músculo, revelando a carga tanto sobre a popu-lação de menor renda como a de renda mais ele-vada. Leite e pães aumentaram, ambos, 6,5%. O destaque de alta em 2021 tem sido o açúcar (de 20% a 30%), fubá e mandioca (ambos em torno de 25%). Problemas climáti-cos reduziram o volume estimado de produção especialmente de cana, café, milho e feijão. E também prejudicaram as pastagens. Com isso, os preços das carnes também foram influencia-dos pelo lado dos insumos – grãos, basicamente – e diretamente pelo clima. Uma exportação do agronegócio até 15% maior do que em 2020 si-naliza para sustentação no custo da alimentação. O ano de 2021 aponta para uma ele-vação da inflação. Essa elevação vem turbinada pelo aumento – como mostra a pesquisa Focus – da expectativa de inflação, que vinha bem--comportada até 2020, mas que se desancorou do controle do Banco Central. Este se viu na ne-cessidade de iniciar uma escalada nos juros. O

aumento das expectativas é altamente preocu-pante, pois tende a provocar overshooting (au-mento mais do que proporcional) da inflação. A desancoragem das expectativas pode ser atribuída à percepção dos agentes de mer-cado de que a credibilidade do Banco Central não seria suficiente para conter a alta de pre-ços provocada pelos problemas nas cadeias produtivas domésticas e pela alta dos preços internacionais, mas, principalmente, pela ace-leração, fora do controle, do dólar em 2020. Essa alta da moeda norte-americana (e perma-nência em nível muito elevado) no Brasil foi e é, em grande medida, devida ao aumento do risco-país em vista da insegurança decorrente do comportamento imprevisível das instituições – envolvendo os três poderes da República – cujos embates afastam os investidores estran-geiros. Mesmo o investimento por brasileiros fica limitado, como indicam os dados do IBGE. Não é claro como e quando esse quadro nefasto será superado. A normalização do dólar e dos juros fica na dependência de uma revira-volta institucional que aumente a segurança e reduza os custos de fazer negócios no Brasil. Não está claro, no horizonte de médio prazo, como e quando esse quadro nefasto será superado. Como consequência, percebe-se que o processo de aceleração inflacionária de 2021 é menos associado aos choques de oferta e desar-ranjos das cadeias produtivas – que permane-cem, é claro – e mais relacionado à uma agres-siva difusão da alta de preços para os diversos setores da economia doméstica. Os agentes pro-curam elevar – na medida que a recessão permi-te – seus preços, tendo em vista tanto a recom-posição devida à alta passada da inflação como também preventivamente diante das expecta-tivas de alta que, assim, vão se confirmando.

Page 4: A Inflação nos preços dos alimentos em 2020 e 2021 e

AGRO

E A

INFL

AÇÃO

INFLAÇÃO NOS PREÇOS DOS ALIMENTOS EM 2020 E 2021 E PERSPECTIVAS

4

CEPEA - CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA - ESALQ/USP

Esse processo é consequência do quadro in-stitucional problemático que campeia no Brasil. A elevação dos juros é a única arma disponível ao setor público, mas tem eleva-dos custos sociais (desemprego e queda de renda) e financeiros (aumentos do custo da dívida pública) e econômicos (desestímulo ao investimento e ao consumo de duráveis). Ade-mais, o efeito dos juros altos sobre o controle da inflação é tipicamente demorado, deman-dando recessão forte e prolongada – até vári-os anos – antes que surta o efeito desejado. Em 2021, a inflação (IPCA) para a classe média está em torno de 8% e para os pobres acima de 9%; a classe de renda alta en-

frenta uma inflação de 6% a 7%, conforme o Ipea. Dados o elevado desemprego, o desalento dos trabalhadores e o grau de pobreza no Bra-sil, é fundamental proteger a grande maioria da população (com baixa ou falta de renda) da inflação em cima de um custo de vida já ele-vado. Num quadro de inflação alta e renitente maior agilidade e eficiência em programas de médio prazo (e não improvisados) de trans-ferência de renda são imprescindíveis para que não recaia sobre os mais pobres os custos da incompetência das instituições de agirem har-monicamente e promoverem as reformas de que o Brasil tanto necessita para um futuro com mais renda e menor pobreza e desigualdade.