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A Mensagem de Eclesiastes Derek Kidner

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Eclesiastes

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    Nossos e-books so disponibilizados gratuitamente, com a nica finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que no tem

    condies econmicas para comprar.

    Se voc financeiramente privilegiado, ento utilize nosso acervo apenas para avaliao, e, se gostar, abenoe autores, editoras e

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    SEMEADORES DA PALAVRA e-books evanglicos

    A Mensagem de Eclesiastes Derek Kidner A MENSAGEM DE ECLESIASTES Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra A Mensagem de Eclesiastes, de Derek Kidner, foi publicado em ingls em 1976 pela Inter-Varsity Press, Inglaterra, com o ttulo A time to mourn, and a time to dance. A traduo em portugus e a publicao e distribuio pela ABU Editora, nos pases de fala portuguesa um projeto de David C. Cook Foundation, uma organizao filantrpica constituda segundo as leis do Estado de Illinois, cuja finalidade a divulgao do evangelho de Cristo. Direitos reservados pela ABU Editora SC Caixa postal 30505 01051 So Paulo SP Traduo de Yolanda Mirdsa Krievin Reviso de estilo de Silda Silva Steuernagel e Milton A. Andrade Reviso de provas de Solange Domingues da Silva O texto bblico utilizado neste livro o da Edio Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bblia do Brasil, exceto quando outra verso indicada. Comentrios do autor quanto s diferentes verses inglesas foram, sempre que possvel, adaptados s principais verses da Bblia em portugus. 1 Edio 1989

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    Contedo Primeira Parte .............................................................................................................................................................................. 5

    O que este livro est fazendo na Bblia? - Uma viso geral ............................................................................. 5

    Segunda Parte ............................................................................................................................................................................ 10

    O que o livro diz! - um breve comentrio .............................................................................................................. 10

    Eclesiastes 1:1-11 - O autor, o tema e o reconhecimento do cenrio ................................................ 10

    Eclesiastes 1:12-2:26 - Em busca de satisfao ............................................................................................. 13

    Eclesiastes 3:1-15 - A tirania do tempo ............................................................................................................. 18

    Eclesiastes 3:16-4:3 - A aspereza da vida ........................................................................................................ 20

    Eclesiastes 4:4-8 - Corrida desenfreada ........................................................................................................... 22

    Primeiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8 ......................................................................... 23

    Eclesiastes 4:9-5:12 - Interldio: Algumas reflexes, mximas e verdades .................................. 24

    Eclesiastes 5:13-6:12 - A amargura do desapontamento ........................................................................ 28

    Segundo Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 4:9-6:12 ........................................................................ 32

    Eclesiastes 7:1-22 - Interldio: Mais reflexes, mximas e verdades ................................................ 32

    Eclesiastes 7:23-29 - A busca continua ............................................................................................................. 35

    Eclesiastes 8:1-17 - Frustrao ............................................................................................................................. 37

    Eclesiastes 9:1-18 - Perigo ....................................................................................................................................... 40

    Terceiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 7:1-9:18 ....................................................................... 44

    Eclesiastes 10:1-20 - Interldio: S prudente! ............................................................................................... 44

    Eclesiastes 11:1-12:8 - Em direo do alvo .................................................................................................... 48

    Eclesiastes 12:9-14 - Concluso ............................................................................................................................ 53

    Terceira Parte ............................................................................................................................................................................ 56

    E ns, o que temos a dizer? - um eplogo............................................................................................................... 56

    Prefcio Geral A Bblia Fala hoje constitui uma srie de exposies tanto do Antigo como do Novo

    Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bblico, relacion-lo com a vida contempornea e proporcionar uma leitura agradvel.

    Esses livros n~o s~o, pois, coment|rios, j| que um coment|rio busca mais elucidar o texto do que aplic-lo, e tende a ser uma obra mais de referncia do que literria. Por outro lado, esta srie tambm n~o apresenta aquele tipo de sermes que, pretendendo ser contemporneos e de leitura acessvel, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade.

    As pessoas que contriburam nesta srie unem-se na convico de que Deus ainda fala atravs do que j falou, e que nada mais necessrio para a vida, o crescimento e a sade das igrejas ou dos cristos do que ouvir e atentar ao que o Esprito lhes diz atravs da sua Palavra, to antiga e, mesmo assim, sempre atual.

    J.A. Motyer J.R.W. Stott

    Editores da srie

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    Prefcio do Autor

    Qualquer pessoa que leia as Escrituras (at mesmo o menos eclesistico dos homens) h de deparar-se com o esprito altamente independente e muito fascinante. Isto me leva a dizer duas coisas.

    Primeiro, desejo agradecer ao editor desta srie por me dar uma desculpa para estudar o livro mais detalhadamente do que nunca.

    Segundo, quero sugerir que alguns leitores fariam bem em passar diretamente Segunda Parte, um breve comentrio, onde ouviro o prprio Pregador, com interrupes minhas, claro, sem aguardar o exame pretendido na Primeira Parte. Isso depende da pessoa: se ela prefere primeiro ter um mapa das coisas ou mergulhar diretamente, andando s apalpadelas.

    De qualquer maneira, que seja uma viagem rumo ao alvo.

    Derek Kidner Tyndale House

    Cambridge

    Principais Abreviaturas ANET Ancient Near Eastern Texts (Textos Antigos do Oriente Prximo) de

    J.B. Pritchard (2ed., OUP, 1955) AT Antigo Testamento Barton Ecclesiastes (Eclesiastes) de G.A. Barton (International Critical

    Commentary, Comentrio Crtico Internacional), (T.&T. Clark, 1908) BJ Bblia de Jerusalm, 1966 BLH Bblia na linguagem de Hoje (SBB) BV A Bblia Viva (Ed Mundo Cristo) Delitzsch The Song of Songs and Ecclesiastes (O Cntico dos Cnticos e

    Eclesiastes) de F. Delitzsch (T.&T. Clark, 1891) ERAB Edio Revista e Atualizada no Brasil (SBB) ERC Edio Revista e Corrigida (IBB) ER Edio Revisada (seg. os Melhores Textos) (IBB) GR. Grego Heb. Hebraico Jones Proverbs, Ecclesiastes (Provrbios e Eclesiastes) de E. Jones (Torch

    Bible commentaries, SCM Press, 1961) LXX A Septuaginta (verso grega pr-crist do Antigo Testamento) McNeile An Introduction to Ecclesiastes (Uma Introduo ao Eclesiastes) de

    A.H. McNeile (CUP, 1904) mg. margem MS(S) Manuscrito(s) NT Novo Testamento TM Texto Massortico Scott Proverbs, Ecclesiastes (Provrbios, Eclesiastes) de R.B.Y. Scott,

    Doubleday, 1965)

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    Primeira Parte

    O que este livro est fazendo na Bblia? - Uma viso geral

    A voz do Antigo Testamento tem muitas inflexes. Temos a quase tudo, desde a

    apaixonada pregao dos profetas at os comentrios tranqilos e prudentes do sbio, entremeados de um mundo de poesia, lei, histrias, salmos e vises.

    Nenhum h, porm, que se assemelhe ao Coelet1 (ou Qoheleth, seu intraduzvel ttulo original). No existe, em todo este grande volume, um nico livro que tenha as mesmas nfases.

    Seu habitat, por assim dizer, fica entre os sbios que nos ensinam a usar os olhos e ouvidos para descobrir os caminhos de Deus e os caminhos do homem. Alguns de seus ditados lembram o livro de Provrbios. E quando, vez por outra, essas incurses com ele nos levam s situaes mais desconcertantes, ele tem um jeito de parar e, com a sua sabedoria simples e franca, fazer-nos recobrar o nimo e o equilbrio. A sabedoria, muito prtica e ortodoxa, o seu campo bsico; mas ele um explorador. Sua preocupao com as fronteiras da vida, e especialmente com as questes que a maioria de ns hesitaria explorar muito profundamente.

    Suas investigaes so to implacveis que ele pode facilmente ser tomado por ctico ou pessimista. Sua exclamao inicial, vaidade de vaidades! Ou Total futilidade!, quase que merece isso; mas para ele h algo mais do que poderia caber numa nica frase, mesmo que fosse uma frase-tema. Tanto assim que em certa ocasio alguns mestres quiseram sugerir que dois, ou trs ou at mesmo nove2 diferentes cabeas haviam trabalhado no livro, tais as suas contra-correntes e rpidas mudanas. Todas elas, porm, podem ser consideradas frutos de uma s mente, abordando os fatos da vida e da morte sob vrios ngulos.

    No fundo descobrimos o axioma de todos os sbios da Bblia, que o temor do Senhor o princpio da sabedoria. Porm a inteno de Coelet levar-nos a esse ponto apenas no final, quando estivermos desesperados por uma resposta. Embora seja insinuada algumas vezes, o seu mtodo principal comear pelo fim: a determinao de ver at onde algum consegue ir sem essa base. Ele se coloca e a ns no lugar do humanista ou do secularista. No do ateu, pois no seu tempo o atesmo no era uma preocupao, mas da pessoa que comea a pensar a partir do homem e do mundo visvel e que conhece Deus apenas distncia.

    Naturalmente isto traz complicaes. Surgem tenses entre o eu mais profundo do escritor, como homem de convico com uma f a compartilhar, e o seu eu temporrio, de um homem que caminha s apalpadelas luz da natureza. Este segundo eu tem os seus prprios conflitos, familiares a todos ns, entre as vozes da conscincia, dos interesses prprios e da experincia, e entre Deus como reconhecemos e Deus como o tratamos.

    Depois que captarmos o que se passa no livro de um modo geral, no nos ser difcil encontrar o caminho atravs dele; e o comentrio fornecer um pouco mais de ajuda. Enquanto isso, convm juntar alguns dos ensinamentos que se encontram espalhados por suas pginas, e buscar o contedo geral do argumento.

    Fatos a encarar acerca de Deus

    Se uma pessoa cr realmente em Deus, as implicaes disto devem ser seguidas risca. E o que Coelet espera que faamos, sem imaginar que podemos tomar liberdades com o nosso

    1 A palavra tem a ver com o termo hebraico usado para reunir ou juntar, e a sua forma sugere algum tipo de cargo pblico. Era possivelmente um status eclesistico (como um convocador da assemblia ou aquele que a ela fala), uma vez que a palavra-padro para congregao ou igreja tem a mesma raiz. As muitas tentativas de traduzir este ttulo incluem as seguintes: Eclesiastes, O Pregador, O Orador, O Presidente, O Porta-voz, O Filsofo. Poderamos talvez acrescentar O Professor! 2 Como diz D.C Siegfried, Prediger und Hohelied, em W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament (Gottingen, 1898)

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    criador ou manipul-lo segundo nossos interesses. Somos confrontados com Deus na sua condio mais temvel: como algum que no se impressiona com a nossa tagarelice, nem com nossas ofertas rituais ou com nossas promessas vazias. Os primeiros pargrafos co captulo 5 destacam estes pontos de maneira vigorosa: ...Deus est| nos cus, e tu na terra; portanto sejam poucas as tuas palavras... porque no se agrada de todos.

    Deus se revela a ns neste livro sob trs aspectos principais: como Criador, como Soberano e como a Sabedoria Inescrutvel. No que estes termos sejam exatamente assim aplicados a ele, com exceo do primeiro; mas podem servir com um conveniente ponto de convergncia.

    Como Criador, ele arma todo o cenrio. Somos lembrados de que o seu mundo tem uma forma prpria definida, que no pode ser mudada a nosso gosto (e este, convenhamos, tem uma certa resistncia inata que bastante complacente para conosco, como planejadores e padronizadores);3 pois quem poder| endireitar o que ele torceu? (7:13). Esse mundo tem tambm o seu prprio ritmo inexorvel ao qual nos encontramos presos: tempo para isso e tempo para aquilo, sem nos deixar muita escolha, como o captulo 3 destaca. Mesmo como procriadores, nada mais fazemos do que ativar o misterioso processo pelo qual Deus cria uma nova vida. Assim como tu n~o sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grvida, assim tambm no sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas (11:5).

    No entanto, no podemos nos dar ao luxo de acusar o Criador pelas nossas confuses e nossas maldades, com a Teodicia Babilnica acusa os deuses,4 pois Deus fez o homem reto. A responsabilidade fica onde merece, nas conseqncias desta observa~o: mas ele [o homem] se meteu em muitas astcias (7:29).

    Como Soberano, entretanto, Deus determina as frustraes que encontramos na vida. A rotina da existncia que apresentada logo no incio do livro (a propsito, Coelet teria feito uma carranca diante do ttulo espetacular: Parem o mundo, eu quero descer!) essa rotina decreto de Deus. ... Este enfadonho trabalho imps Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir... e eis que tudo era vaidade e correr atr|s do vento (1:13, 14). verdade que existe nas palavras de 7:29, que acabamos de ler, uma insinuao de que foia queda do homem que deu lugar a esse decreto. Tambm verdade que, em Romanos 8:18-25, Paulo pega essa figura da cria~o... sujeita { vaidade para o forte impulso que esta gera. A nfase de Eclesiastes, contudo, est nas coisas que parecem nunca mudar, e sobre os desapontamentos com os quais temos de conviver aqui e agora.

    Tudo isto vem de Deus: a trama geral da vida e seus mnimos detalhes, estejam ou no de acordo como nosso gosto e o nosso senso de propriedade. Algumas vezes eles fazem sentido para ns, pois via de regra o pecador recebe uma dose extra de frustrao ao ver que Deus cuida dos seus (2:26); mas o fato que nada nos pertence e no podemos contar com nada. Se o pecador atormentado, ele no o nico. A tragdia pode abater-se sobre qualquer um, e Deus est por trs de tudo. O captulo 6:1-6 uma das passagens onde isto considerado: apresenta o fato de que, quanto mais a gente se acha com o direito e quanto mais coisas se tem, mais difcil se torna quando Deus o retira, o que pode acontecer a qualquer momento (6:2ss) e ele certamente o far|. Pois n~o v~o todos para o mesmo lugar? (v. 6b) isto , para a sepultura.

    Assim somos impulsionados a enfrentar os mistrios dos caminhos de Deus nos termos desses trs ttulos, ele vem agora ao nosso encontro como Sabedoria Inescrutvel, reduzindo os nossos mais brilhantes pensamentos a pouco mais que conjecturas.

    A passagem onde isto aparece de forma mais promissora e cheia de graa 3:11, um dos inesperados pontos culminantes do livro. Tudo fez formoso no seu devido tempo; tambm ps a eternidade no corao do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princpio at o fim. Esta simples sentena capta a beleza deslumbrante e assustadora de um mundo to mutante que o seu padro total fica alm do nosso entendimento. Mas um padro. Ns, ao contrrio dos animais, podemos captar o suficiente para termos a certeza disso, ainda que nunca o suficiente para percebermos o todo.

    Uma das conseqncias que no podemos extrapolar o presente. Se as coisas vo bem ou

    3 Cf. 11:1-6 4 Veja o comentrio sobre 7:29

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    mal, temos de aceit-las como so, sabendo que o quadro completo mudar e continuar mudando. Deus fez assim este como aquele os bons e os maus tempos para que o homem nada descubra do que h| de vir depois dele (7:14).

    Obviamente o futuro est assim oculto. O que no to bvio que o presente, que permanece aberto nossa inspeo, tambm nos engana. Assim como o futuro, ele pertence a Deus. Ent~o contemplei toda a obra de Deus, e vi que o homem n~o pode compreender a obra que se faz debaixo do sol (8:17) no pode, em outras palavras, compreender as atividades comuns que o cercam. por mais que trabalhe o homem para descobrir, Coelet prossegue, n~o a entender|. Filosofias s~o criadas, mas cada uma delas acabar| sendo insuficiente: ainda que o s|bio diga que vir| a conhecer, bem por isso a poder| achar. Isto est| enfaticamente expresso em 7:23,24: (Eu) disse: Tornar-me-ei sbio, mas a sabedoria estava longe de mim. O que est longe e mui profundo, quem o achar|?

    Esta obscuridade intelectualmente provocante; apesar disso, podemos desfrutrar um grande problema como exerccio mental. A quest~o totalmente outra se nos pomos a conjeturar se o universo, ou at mesmo Deus, ou no hostil. Mas exatamente isto que no podemos descobrir sozinhos, e nada h que possamos fazer para assumir o controle. Este parece ser o significado de 9:1, ao falar das coisas que est~o nas m~os de Deus. Mas que tipo de Deus? Para o homem que conhece o Deus de Israel, nada poderia parecer mais tranqilizador; mas para quem esteja tateando em busca do significado da vida uma idia paralisante. Se amor ou se dio que est| { sua espera, n~o o sabe o homem. Ele deve orientar pelos prazeres da natureza ou por sua crueldade? Pelos sorrisos da sorte ou por suas carrancas e esta certamente no pode ser controlada, seja atravs de um bom comportamento ou de uma boa gerncia.

    Isto nos leva ao outro aspecto da vida que somos convidados a examinar.

    Fatos a enfrentar a partir da experincia Uma das passagens mais fascinantes do livro uma viagem de explorao atravs das

    recompensas e satisfaes da experincia.5 Com Coelet, vestimos o manto de um Salomo, o mais brilhante e menos limitado dos homens, para iniciar essa pesquisa. Tendo todos os dons e poderes nossa disposio, seria estranho se voltssemos de mos vazias.

    Comeamos com a sabedoria a mais promissora das buscas. Neste mundo desordenado, porm, na muita sabedoria h| muito enfado (1:18) e isso decorre da prpria percep~o adquirida. E, em ltima anlise, seja o que for que a sabedoria possa fazer por algum, ela nada pode fazer quanto ao final da vida. Nesta crise o sbio fica to desarmado quanto o estulto (2:15-17), e se sua sabedoria no vale nada neste aspecto, no passa de um fracasso pretensioso.

    Ent~o passamos para a loucura e a estultcia (1:17; 2:3b). e isto parece bem atual, fazendo coro com algumas de nossas tentativas de desviar-nos do que racional, passando a explorar o absurdo e o mundo das alucinaes. O prazer, naturalmente, um outro reino: um reino de muitos aspectos que apena para os apetites sensuais numa das pontas da escala (2:3, 8c) e para as alegrias da esttica do especialista e o trabalho criativo na outra.

    Mesmo na melhor das hipteses, esta busca s vai nos satisfazer de passagem. Ento vem o reconhecimento: Considerei todas as obras que fizeram as minhas m~os (2:11) e, pensando na morte, o cmputo final resulta em nada. O que torna tudo ainda mais doloroso saber que este resultado nulo uma obliterao, um desfazimento. Os valores existem, sim: a sabedoria mais proveitosa do que a estultcia quanto a luz traz mais proveito do que as trevas (2:13); mas nenhum valor permanecer quando no estivermos mais aqui, ou se no houver ningum para lhes dar valor.

    O segundo fato a existncia do mal. Este to tirano quanto a prpria morte, e ainda mais trgico. A transitoriedade da vida muito triste, mas os seus males podem ser suportveis.

    Coelet observa tanto os pecados banais quanto os grandes: a inveja que inspira ou at mesmo resulta em sucesso (4:4); a fixao no dinheiro que transforma o magnata solitrio em uma figura pattica e sem sentido (4:7,8); e a vaidade que mantm por muito tempo um tolo no seu posto (4:13), considerando apenas alguns deles. Mas ele lamenta principalmente as opresses que se fazem debaixo do sol (4:1). No lugar do juzo reinava a maldade (3:16). A

    5 Veja os comentrios mais completos sobre esta passagem (1:16-2:26).

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    violncia na m~o dos opressores (4:1). A prpria estrutura da sociedade contribui para essas coisas (5:8); no entanto, estas no so enfermidades apenas dos governantes, mas da humanidade. N~o h| homem justo sobre a terra (7:20); realmente, o cora~o dos homens est| cheio de maldade, neles h| desvarios enquanto vivem (9:3). O leitor pode refletir sobre a insanidade coletiva que visivelmente toma conta de uma sociedade de tempos em tempos, mas no pode ignorar tambm a loucura que permanece invisvel porque participa dela como o clima do seu sculo.

    Ainda por cima, como se a morte e o mal no bastassem, h ainda o fator menor, mas igualmente incontrol|vel, do tempo e do acaso, que preciso reconhecer (9:11). O homem bem organizado pode regalar-se na sua auto-suficincia, porm Coelet v atravs dela, pura decepo. At mesmo os prmios mais especficos e mais previsveis da vida (para no se falar da busca de algo definitivo) podem se perder, e o homem acaba sem nada. N~o dos ligeiros o prmio, nem dos valentes a vitria pelo menos, n~o e assim t~o garantido. Pois o homem n~o sabe a sua hora (9:12). Ele pode at fingir que sabe, mas o faz-de-conta no serve como base para a sua vida. Basta lembrarmos o comentrio final acerca do homem que pensou em tudo menos nisso: Deus lhe disse: Louco!...

    De volta ao alicerce

    Se pouca coisa restou depois desta anlise, exatamente isto que o escrito pretende, mas apenas como trabalho preliminar. Ele est demolindo para reconstruir. Se prestarmos ateno, veremos que as perguntas penetrantes que ele levanta so aquelas que a prpria vida nos faz. Ele pode faz-las porque nos captulos finais tem boas novas para ns, contanto que paremos de fazer de conta que as coisas mortais no bastam, a ns que temos a capacidade de receber o que eterno.

    So novas, paradoxalmente, de juzo. Para tornar esse paradoxo mais inteligvel, seria bom divagarmos por algum tempo

    examinando um velho exemplo de secularismo radical, sem o abrandamento de nossas modernas fantasias utpicas e sem a formalidade de algum sentimento transcendente: apenas pela sua prpria espirituosidade e fria imparcialidade. A passagem, muito livremente parafraseada e apresentada aqui, o dilogo entre um senhor e seu servo, ambos mesopotmios, escrito talvez antes do tempo de Moiss.6

    Servo, obedea-me Sim, senhor, sim. A carruagem... Prepare-a. Vou ao palcio. V, meu senhor, v!... O rei h de ser benevolente. No, servo, no vou ao palcio. No v, meu senhor, no v. O rei pode envi-lo a algum lugar longnquo. O senhor no

    ter mais um momento de paz. Ento ele resolve jantar, o que o servo acha muito conveniente. No h nada mais

    agradvel e confortador, no mesmo? Mas o capricho passa: ele resolve no jantar mais. O servo acha isto muito adequado: existe algo mais vulgar do que comer?

    E assim o dilogo prossegue. Ele vai caar... Mas resolve no ir mais. Ou, quem sabe vai liderar uma rebelio... ou no. Guardar um silencia esmagador quando encontrar o seu rival... Ou melhor ainda, vai falar com ele. Cada idia rematada pelo servo com alguma observao bajuladora, e cada idia oposta com uma observao ainda mais profunda.

    Ent~o ele sente desejo de amar (Oh, sim! N~o h| nada melhor do que isso, senhor, para espairecer.), mas logo muda de idia (Que sabedoria! As mulheres s~o uma armadilha, uma faca na garganta.). Isso! Ele ser| um filantropo. Mas, por outro lado... (Certo, senhor; de que adiantaria? Pergunte aos esqueletos no cemitrio!).

    Neste esprito ilusrio e ftil, idia aps idia, valor aps valor so apanhados, desejados e abandonados. No final, o cavalheiro brinca com uma quest~o sria: O que seria bom? Sua prpria resposta nos apanha de surpresa: Quebrar o pescoo, o meu e o teu, jogar os dois no rio, isto seria bom. claro que ele muda de idia: ele vai quebrar apenas o pescoo do seu servo e mand-lo na frente.

    6 Traduzido, por exemplo em ANET, pg 438

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    Como j era de se esperar, o servo tem a ltima palavra: como poderia o senhor sobreviver por trs dias que fossem, sem ningum para tomar conta dele?

    Talvez apreciemos esta conversa de acabar com tudo em um pacto de morte. um final interessante para a comdia. Mas a verdade mais real do que parece, pois quando aprendemos a rir de tudo, logo descobrimos que no temos mais nada que valha a pena uma risada. A trivialidade mais asfixiante do que a tragdia, e a indiferena o comentrio mais desesperado de todos.

    A funo de Eclesiastes levar-nos ao ponto de comearmos a temer que esse comentrio seja o mais honesto. o que acontece, quando tudo morre. Enfrentamos a espantosa concluso de que nada tem significado, nada vale a pena debaixo do sol. ento que podemos ouvir a boa nova de que tudo vale a pena, porque Deus h| de trazer a juzo todas as obras at as que esto escondidas, quer sejam boas, quer sejam m|s.

    assim que o livro termina. Sobre esta rocha podemos at ser destrudos: mas uma rocha, e no areia movedia. Pode ser que tambm possamos edificar.

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    Segunda Parte

    O que o livro diz! - um breve comentrio

    Eclesiastes 1:1-11 - O autor, o tema e o reconhecimento do cenrio

    Apresentando o autor

    1:1 Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalm: Existe na forma Omo este escritor se anuncia um qu de mistrio e este toque curioso

    no parece ser involuntrio. Primeiro, ele chega quase ao ponto de se chamar Salomo, mas no o faz. Este nome mo aparece no livro, ao passo que tanto Provrbios quanto Cantares declaram abertamente a sua autoria. Depois vem a curiosidade do ttulo duplo, eclesistico e real, 7 quase como se algum falasse de O Vig|rio, Rei da Inglaterra! Veremos uma outra observa~o enigm|tica no versculo 16, com a reivindica~o de uma sabedoria que sobrepujava a todos os que antes de mim existiram Jerusalm. Isto exclui qualquer sucessor do incomparvel Salomo, mas quase exclui tambm o prprio Salomo, que teve apenas um predecessor israelita. 8

    Se acrescermos a isto o fato de que todos os sinais de realeza desaparece depois dos dois primeiros captulos,9 torna-se evidente que devemos considerar o ttulo que no real como sendo o ttulo do autor, e o real como um simples meio de dramatizar a busca por ele descrita nos captulos ume dois. Ele nos descreve um super-Salomo (como d a entender como termo sobrepujei em 1:16) para demonstrar que o homem mais dotado que posssamos imaginar, que ultrapasse qualquer outro rei que j tenha ocupado o trono de Davi, ainda retornaria com as mos vazias na busca da auto-satisfao.10

    Da descrio mais completa do autor em 12:9ss. temos o retrato de um mestre cuja vocao ensinar, pesquisar, editar e escrever. O que o seu livro como um todo nos ensina indiretamente que ele to sensvel quanto corajoso, eu m mestre do estilo.

    O tema

    1: 2 Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo vaidade. Um pouquinho de fumaa, uma rajada de vento, um simples sopro nada que se possa

    pegar com as mos, a coisa mais prxima do zero. Isto a vaidade que se trata este livro. O que nos perturba esta leitura sobre a vida que tal nulidade no considerada como

    uma simples chamuscada sobre a superfcie das coisas, ainda que tenha um certo charme. a soma total das coisas.

    Se este o caso, como argumenta no resto do livro, vaidade acaba tornando-se uma

    7 Veja a nota de rodap { p|g 1, quanto ao significado de Coelet (O Pregador). 8 Tambm o sentido e um longo retrospecto nesta frase parece ter surgido devido forma aparentemente avanado do hebraico neste livro, o qual parece ser um estgio no meio do caminho entre o hebraico clssico e o rabnico. Contudo, isto no conclusivo, uma vez que se pode argumentar que muitos dos seus aspectos so do dialeto fencio, no indicando data. Sobre isto, veja os comentrios feitos pod M.J. Dahood em Biblica 33 (1952), pg 32-52 e 191-221; tambm em Bibliba 39 (1958), pg 302-318; e por G.L. Archer em Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969) pg 167-181. Este ltimo argumenta em favor da autoria de Salomo, chamando a ateno para os seus laos ntimos com os fencios. 9 Apenas o ttulo Coelet (O Pregador) ser| usado daqui em diante (7:27; 12:8-10), e a postura do escritor se tornar a de um simples observador, no a de um governante.Veja, por exemplo, 3:16; 4:1-3 5:8ss. 10 Veja tambm o comentrio e anota de rodap sobre 1:12

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    palavra desesperadora. Ela deixa de significa simplesmente o que banal e passageiro e passa a descrever, desastrosamente, aquilo que no tem sentido. O autor dobra e redobra esta palavra amarga, usando-a duas vezes na mesma frase, como se fosse uma pardia do conhecido superlativo santo dos santos. A nulidade completa apresenta-se aqui em mudo contraste com a santidade completa, aquela realidade poderosa que deu forma e caracterstica tradicional piedade de Israel. Finalmente ele conclui de maneira sucinta: Tudo vaidade. Em termos atuais a concluso poderia ser:

    Futilidade total... futilidade total. Tudo isso n~o passa de futilidade Porm o que tudo isso ser| que inclui a divindade ou mesmo o prprio Deus? Ou ser

    que todas as coisas esto desprovidas disso? O autor no tem pressa de responder. Antes de dar alguns toques sobre o seu prprio

    ponto de vista, ele quer que examinemos muito de perto o mundo que vemos e as respostas que este parece nos dar. A primeira destas leves indicaes vem logo a seguir na frase debaixo do sol (1:3), que vai se transformar em uma espcie de tnica do livro, repetindo-se cerca de trinta vezes em seus doze pequenos captulos. A menos que isto no passe de um hbito (se bem que este autor no de desperdiar palavras) , fica bem claro que o quadro que ele tem em mente exclusivamente o mundo que podemos ver, e que o nosso ponto de vista est ao nvel do cho.

    Neste caso n~o s a exclama~o Vaidade de vaidades!, mas todos os coment|rios sobre a vida que se lhe acrescentam j tm seus limites, seu sistema de coordenadas, esboados nessa frase. No final do livro sero traadas linhas muito firmes, e Coelet se revelar um homem de f. At l, elas so introduzidas co o mais leve dos toques, e suas implicaes sero descobertas posteriormente. Podemos tradicionalmente chamar este homem de o Pregador; mas ele coloca-se to perto de seus ouvintes que suas palavras poderiam lhes parecer a personificao de seus pensamentos mais radicais. A diferena que ele segue essas trilhas de pensamento para muito alm do que eles se disporiam a ir. Caminho aps caminho, todos so incansavelmente explorados at chegar ao ponto do nada. No final, apenas um caminho ficar.

    O processo foi to admiravelmente descrito por G.S. Hendry que seria uma pena no cit-lo neste ponto:

    Coelet escreve a partir de premissas ocultas,e o seu livro na realidade uma grande obra de apologtica... Seu aparente mundanismo ditado pelo seu alvo: Coelet dirige-se ao pblico em geral, cuja viso limitada pelos horizontes deste mundo; ele vai ao encontro desse pblico no seu prprio espao, e prossegue convencendo-o de sua inerente vaidade. Isto se confirma ainda mais CPOR sua express~o caracterstica debaixo do sol, com a qual ele descreve o que o Novo Testamento chama de o mundo... Seu livro de fato uma crtica ao secularismo e { religi~o secularizada.11

    A rotina 1: 3 Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol? 4 Gerao vai e gerao vem; mas a terra permanece para sempre. 5 Levanta-se o sol, e pe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. 6 O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e

    retorna aos seus circuitos. 7 Todos os rios correm para o mar, e o mar no se enche; ao lugar para onde correm os rios,

    para l tornam eles a correr. 8 Todas as coisas so canseiras tais, que ningum as pode exprimir; os olhos no se fartam

    de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. 9 O que foi o que h de ser; e o que se fez, isso se tornar a fazer; nada h, pois, novo

    debaixo do sol. 10 H alguma coisa de que se possa dizer: V, isto novo? No! J foi nos sculos que foram

    antes de ns. 11 J no h lembrana das coisas que precederam; e das coisas posteriores tambm no

    haver memria entre os que ho de vir depois delas.

    11 G.S. Hendry, Introdu~o ao artigo Eclesiastes, em The New Bible Commentary Revised (IVP, 1970) pg 570

  • 12

    J demos uma olhada nesta passagem para observar a frase debaixo do sol, que arma o cenrio para o livro como um todo de acordo com esta introduo, a seqencia considera a vida dentro dos limites mundanos que so iguais para todos os homens.

    Que proveito tem o homem...? uma pergunta prtica e caracterstica. A palavra aqui traduzida como proveito extrada do mundo dos negcios, s se encontra neste livro nas Escrituras.12 Mas antes de a excluirmos como cnica ou mercenria, lembremo-nos de uma pergunta parecida no Evangelho: Que aproveita ao homem... ?13 Esta no a nica passagem em que Cristo e Coelet falam a mesma linguagem. uma pergunta justa. Qualquer idia romntica que pudssemos ter, enfrentado uma situao desesperadora, ela logo se evaporaria se no houvesse um outro tipo de situao. Mas quem nos garante que um dia a situao ser outra? A gente gasta a vida trabalhando, se esforando, e a final que vantagem leva em tudo isso?14 esta poderia ser uma traduo livre deste versculo.

    Ah! Mas existe quem ache que pode transformar o mundo em um lugar melhor, ou pelo menos deixar alguma coisa para aqueles que viro depois. Como se j esperasse esta resposta, Coelet aponta para o constante fazer e desfazer na histria da humanidade: geraes aps geraes se levantam e caem, homens vm e logo so esquecidos; tudo isto tendo como impassvel cenrio a terra, que v todas as geraes passarem e continua existindo. Sem dvida ela ver o ltimo de ns que ficar em cena e o que homem lucrar com isso?

    Alm disso, por mais que a terra continue existindo, o prprio padro do mundo to intranqilo e repetitivo quanto o nosso. Tantas coisas que comeam bem voltam atrs. Tantas jornadas acabam onde comearam. Coelet destaca trs exemplos desta rotina infinita da natureza, comeando como mais bvio de todos, o sol, que percorre a sua grande curva no cu at o seu declnio; e, tendo concludo, apressa-se15 em repetir o que fez dia aps dia. Os outros dois exemplos parecem a princpio oferecer uma vlvula de escape do crculo vicioso pois o que seria mais livre do que o vento ou menos reversvel do que uma torrente? Mas acompanhe o processo at o fim e voc retornar| ao comeo. O vento volve-se e revolve-se; e as |guas, como dito em J 36:27ss, so recolhidas para regar a terra novamente. Assim as coisas mais regulares do mundo, que nos falam em nome de Deus e de suas misericrdias que se renovam a cada manh~, dar-nos-o uma resposta muito diferente se buscarmos algum significado nelas mesmas. O versculo 8 resume esse infindvel ciclo taxando-o de indizvel canseira.16

    Tudo isto apresenta um espelho para o cenrio humano. Como o oceano, os nossos sentidos so alimentados mais e mais, mas nunca se satisfazem. Como o ciclo da natureza,a nossa histria est sempre retornando, deixando de cumprir a sua promessa. E a jornada continua, sem nunca chegarmos ao destino. Debaixo do sol no existe um lugar para onde ir, nada que satisfaa completamente ou que seja realmente novo. Quanto a colocarmos as nossas esperanas na posteridade, no final a posteridade ter perdido qualquer lembrana dos que ficaram no passado (v.11).

    A esta altura, temos que fazer uma pausa para esclarecer duas coisas. Primeiro, o que vamos fazer com o famoso ditado: No h nada novo debaixo do sol? At que ponto ele verdadeiro? Talvez a prpria forma como costumamos us-lo nos d a melhor resposta. Ns o enunciamos como um comentrio geral sobre o cenrio da humanidade, e no como um pronunciamento sobre as invenes. Ningum muito menos Coelet h de negar a capacidade inventiva do homem. Mas plus a change, plus cest La mme chose: quanto mais as coisas mudam, mais se revelam as mesmas. As coisas antigas prosseguem em seu novo disfarce. Como raa, jamais aprendemos.

    12 A BLH fora um pouco a tradu~o do v.12 dizendo: Ser| que um rei pode fazer alguma coisa que seja nova? N~o. S pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele 13 Mc 8:36 14 1:3 (BLH) 15 A palavra aqui traduzida como volta (v.5) literalmente o verbo ofegar, se de avidez ou de cansao o autor no diz. Em outras passagens o termo tem quase uma conotao de avidez (p.e. J 5:5; 7:2; Sl 119:131), mas o contexto sombrio (cf. v.8) e a palavra pode indicar tambm desespero (Is 42:14) 16 Uma outra traduo do versculo 8a, favorecida por alguns comentaristas seria: Todas as palavras s~o fr|geis, isto , a cena est| alm da descri~o. Mas o adjetivo em outras passagens significa cansado (Dt 25:18; 2Sm 17:2) e a passagem como um todo no est enfatizando a complexidade, mas o ciclo incessante da natureza.

  • 13

    A segunda pergunta sobre quanto abrange o tema do crculo vicioso. Para alguns escritores esta idia lembra os esticos e sua viso totalmente circular do tempo, atravs da qual toda a trama da existncia deve tecer o seu prprio padro repetidas vezes, at os mnimos detalhes, a intervalos predeterminados, infinitamente. Desta forma todo o futuro estaria destinado a voltar mesma situao na qual voc, leitor, encontra-se agora; e isto no uma s vez, mas vezes incontveis.

    Por si mesmos, os versculos 9 e 10 (O que foi, o que h de ser...) significariam exatamente isso. Mas eles se encontram em um livro que apresenta escolhas morais genunas usando palavras tais como justo e perverso, e que aponta para um julgamento futuro que no teria sentido caso fssemos apanhados em um processo que no nos desse alternativas. O que vemos aqui a fadiga de se lutar e no conseguir nada; e, embora seja muito diferente do fatalismo que estivemos considerando, tambm est muito longe do sentido de peregrinao que domina o Antigo Testamento.

    Seria isto um sinal de falta de convico? Gerhard vol Rad comenta que com este autor a literatura da Sabedoria perdeu o ltimo contato coma antiga maneira de pensar de Israel em termos de histria conservadora e, muito consistentemente, retrocedeu ao modo cclico de pensar comum no Oriente... apenas... de uma forma total secular.17 Este um comentrio correto, se o modo cclico de pensar significa apenas uma preocupa~o com a sucesso das estaes e com os ritmos da vida.18 Mas fcil esquecer que, se Coelet est assumindo a posio do homem do mundo para mostrar no que isto implica, justamente o ponto de vista que ele tem que expor. E se assim o faz para denunciar tal posio e despertar o desejo de alguma coisa melhor, como os ltimos captulos vo mostrar, ento no deve ser identificado com ela a no ser por causa de sua solidariedade e de sua profunda viso interior.

    Eclesiastes 1:12-2:26 - Em busca de satisfao

    O investigador

    1: 12 Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalm. 13 Apliquei o corao a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede

    debaixo do cu; este enfadonho trabalho imps Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir. O poema que acabamos de considerar estabelece a tnica do livro atravs do seu tema e do

    quadro que apresenta de um mundo infinitamente ocupado e desesperadamente inconclusivo. Agora o foco se define. Voltamo-nos de analogias e impresses para o que podemos

    conhecer diretamente atravs da experincia. Vamos esquadrinhar uma vastido de ocupaes humanas, indagando se existe na terra alguma coisa que tenha valor duradouro. O autor nos impressiona coma urgncia da investigao: acabamos fazendo parte dela. Mas a sua curiosa mescla de ttulos, Coelet e Rei, alerta-nos para o carter duplo com que ele se apresenta, como j vimos no incio.19 Nesta passagem, o pregador torna-se um segundo Salomo, para que em nossa imaginao possamos fazer o mesmo. Armados de tais vantagens, nossa pesquisa ir muito alm de uma experincia simples e limitada: ser algo grandioso, explorando tudo o que o mundo possa oferecer a um homem de gnio e de riqueza ilimitados. Nesta rea de conhecimento, podemos aceitar suas descobertas como definitivas. Cotando suas palavras (2:12): Que far| o homem que seguir ao rei?

    17 G. Von Rad, Old Testsament Theology (trad. Inglesa Oliver e Boyd, 1962), I, Pg 455 18 O. Loretz, Qohelet und der Alte Orient (Herder, 1964), pg 247ss, critica von Rad e outros por descreverem o pensamento do antigo Oriente ou de Coelet como cclico. Mas com cclico quer dizer o firme determinismo do sistema estico (Lonretz, pg 251), que Von Rad no est discutindo neste ponto. 19 Veja os coment|rios acerca de 1:1. Compare a express~o: Eu venho sendo rei (ou me tornei rei, que seria a tradu~o mais natural), no versculo 12, com Zc 11:7ss: Apascentei as ovelhas (ou, tornei-me pastor)... Dei cabo de trs pastores..., etc.... que usam igualmente uma linguagem autobiogr|fica, que n~o deve ser tomada literalmente, ou com a inteno de enganar, mas que visa apresentar-nos uma sequncia iluminadora dos acontecimentos com muita vivacidade.

  • 14

    Talvez possamos, de passagem, comparar este reconhecimento superficial com outra passagem escrita na primeira pessoa: o exame do corao humano que Paulo descreve no final de Romanos 7. Cada uma destas duas confisses tem uma referncia mais ampla do que o homem que est falando. Entre elas, Coelet e Paulo exploram para ns o mundo exterior e o interior do homem, sua busca por um significado e sua luta por uma vitria moral.

    Com sua habitual franqueza, Coelet logo nos declara o pior: sua pesquisa resultou em nada. Para nos poupar do desapontamento de nossas esperanas, ele nos adverte do resultado (1:13b-15) antes de nos levar consigo em sua jornada (1:16-2:11); e finalmente compartilha conosco as concluses a que chegou (2:12-26).

    O Resumo

    1: 13 Apliquei o corao a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do cu; este enfadonho trabalho imps Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir.

    14 Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrs do vento.

    15 Aquilo que torto no se pode endireitar; e o que falta no se pode calcular. Discreta, mas significativamente, Coelet resume suas descobertas em termos que por um

    breve momento saem do campo de viso do secularista. Ele v a inquietao da vida que qualquer observador poderia perceber; no entanto, relaciona-a coma vontade divina: foi Deus que a imps aos filhos dos homens. Isto talvez parea mais amargura do que f, mas na verdade uma indicao de algo positivo que ser retomado nos captulos finais. Na pior das hipteses, implicaria que, por detrs da nossa situao, existe sempre algum sentido (e no o contra-senso do acaso), mesmo que este nos parea totalmente desanimador. Mas bem que poderia tambm fazer parte da justa disciplina que Deus nos imps como seqela da Queda. Foi assim que Paulo (com uma evidente perspectiva de Eclesiastes) interpretou o sofrimento do mundo: Pois a criao est sujeita vaidade... por causa daquele que a sujeitou, na esperana...20

    Essa esperana, contudo, fica totalmente alm do nosso prprio alcance, como veremos adiante. E o versculo 15 traz mais dois lembretes das nossas limitaes, coma conciso de um provrbio. A ER capta bem o sentido: O que torto n~o se pode endireitar; o que falta n~o se pode enumerar. Se esta tortuosidade e esta falta significam as nossas prprias falhas de car|ter ou as circunstncias que no podemos alterar,21 deparamo-nos novamente com o que podemos fazer. Com esta advertncia, juntemo-nos agora a Coelet em suas diversas experincias.

    Experimentando a vida

    1: 16 Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de mim existiram em Jerusalm; com efeito, o meu corao tem tido larga experincia da sabedoria e do conhecimento.

    17 Apliquei o corao a conhecer a sabedoria e a saber o que loucura e o que estultcia; e vim a saber que tambm isto correr atrs do vento.

    18 Porque na muita sabedoria h muito enfado; e quem aumenta cincia aumenta tristeza. 2: 1 Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas tambm

    isso era vaidade. 2 Do riso disse: loucura; e da alegria: de que serve? 3 Resolvi no meu corao dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-

    me loucura, at ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do cu, durante os poucos dias da sua vida.

    4 Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. 5 Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei rvores frutferas de toda espcie. 6 Fiz para mim audes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as rvores.

    20 Rm 8:20 21 A segunda alternativa parece ser a mais provvel, vista de 7:13 com 7:29, que falam de Deus como sendo o autor das coisas tortas no sentido de fatos estranhos e irreversveis, mas n~o moralmente maus.

  • 15

    7 Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; tambm possu bois e ovelhas, mais do que possuram todos os que antes de mim viveram em Jerusalm.

    8 Amontoei tambm para mim prata e ouro e tesouros de reis e de provncias; provi-me de cantores e cantoras e das delcias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres.

    9 Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalm; perseverou tambm comigo a minha sabedoria.

    10 Tudo quanto desejaram os meus olhos no lhes neguei, nem privei o corao de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas.

    11 Considerei todas as obras que fizeram as minhas mos, como tambm o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrs do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol.

    Para um pensador to famoso, a investigao tinha naturalmente de comear com a

    sabedoria, a qualidade mais louvada em seus crculos. Contudo, ele nada diz sobre seu primeiro princpio, o temor do Senhor, e podemos presumir que a sabedoria da qual ele fala (segundo o seu mtodo) o melhor pensamento que o homem pode ter por si mesmo. A sabedoria esplndida em toda a sua extenso: nada se pode comparar a ela (2:13); mesmo assim, ela no d respostas s nossas dvidas acerca da vida. Apenas as agua ainda mais com sua perspiccia.

    Assim Coelet considera a sabedoria com a devida seriedade, como uma disciplina que se ocupa de questes mximas, e no simplesmente como um instrumento para realizar as coisas. Se isto fosse tudo, nada poderamos esperar dela alm do sucesso material. Mas a sabedoria preocupa-se coma verdade,e a verdade nos compele a admitir que o sucesso nos faz mal e que nada no mundo permanece. Ele ainda vai dizer algo mais sobre isto; por enquanto, seu primeiro ponto sobre o descanso foi apresentado.

    Ento ele mergulha na frivolidade. Mas uma parte dele se retrai regendo-me, contudo, pela sabedoria para ver a que a frivolidade como estilo de vida conduz, e o que faz ao homem. Imediatamente ele percebe o paradoxo do hedonismo: quanto mais se busca o prazer, menos ele encontrado. De qualquer forma, a pessoa est buscando algo alm do prazer e atravs dele, pois isto mais que uma simples indulgncia. uma fuga deliberada da racionalidade, para chegar a um segredo da vida AL qual a razo talvez tenha bloqueado o caminho. Nisto reside a fora do versculo 3b: entregar-me loucura at ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens...

    Neste ponto nos aproximamos muito do nosso prprio tempo com o seu culto irracional em suas variadas formas, desde o romantismo at a nsia que manifestam os diferentes estados de conscincia, e da ao niilismo, que cultiva o feio, o obsceno e o absurdo, no por divertimento, mas como um ataque aos valores racionais. Embora nada disso aparea em Coelet, sua avaliao das experincias com a loucura prova que ele est perturbado e igualmente desapontado com o veredito ainda mais forte acerca do riso ( loucura); e nas Escrituras tanto a loucura como a estultcia pressupem mais perversidade moral do que desarranjo mental.22 Para merecer tal observao, o riso que acompanha este tipo de vida tem de ser cnico e destrutivo. Neste caso, no estamos muito longe de nossas comdias trgicas e do humor negro.

    Como que reagindo fortemente aos prazeres fteis, agora se entrega s alegrias da criatividade. Dedica suas energias a um projeto digno de seus talentos estticos, de seu domnio das artes e das cincias, e de sua habilidade para comandar um grande empreendimento. Ele cria um pequeno mundo dentro do mundo: multiforme, harmonioso e extico, um Jardim do den secular, cheio de deleites civilizados e deliciosamente no civilizados (v.8),23 sem frutos

    22 Por exemplo, em 9:3, maldade est| associada a mal e, em 10:13, a palavra usada para estultcia considerada como um passo na dire~o da loucura perversa. Da mesma forma, agir estultamente (usando uma palavra relacionada com estultcia) geralmente implica em uma atitude fatalmente voluntariosa; cf 1Sm 13:13; 26:21; 2Sm 24:10). 23 A palavra sidda, que aparece apenas aqui, tem sido aceita como significando instrumento musical (ERC). Mas em uma carta de Fara Amenofis III ao prncile Milkilu de Gezer, em que so exigidas quarenta concubinas, a palavra egpcia para concubina est acompanhada de uma palavra cananita explicatria de sidda. Concubina usada ent~o corretamente na ER. A BJ traz a palavra cofres (isto , arcas de tesouro), mas sugere em suas anotaes princesas ou concubinas e a ERAB, n~o erra, ent~o, com a tradu~o mulheres.

  • 16

    proibidos ou algo que ele assim considere (v.10). para tanto, ele resolve fugir do tdio dos ricos atravs de uma atividade constante, desfrutada e valorizada por seu prprio bem (v.10); e mantm um olho crtico sobre os seus projetos, mesmo enquanto os executa. Perseverou tambm comigo a minha sabedoria, ele nos diz (v.9). no perde de vista busca, a investigao do significado da vida, que constitua o motivo principal de tudo.

    No final qual foi o resultado? Um esprito menos exigente do que Coelet teria encontrado muita coisa positiva para contar. As realizaes foram brilhantes. No nvel material, a ambio perene do lavrador de fazer (com nossas palavras) duas folhas de capim crescerem onde antes s havia uma foi indiscutivelmente atingida; esteticamente falando, ele criou um paraso nico. Se a beleza produz alegria, ele n~o buscou em vo pelo que infinito e absoluto.

    Assim pensamos ns. Coelet no pensa assim. Chamar tais coisas de eternas no passa de retrica, e nada que

    seja perecvel vai satisfaz-lo. Nos termos coloquiais da BLH, ele diz: Compreendi que tudo aquilo era iluso, n~o tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atr|s do vento.

    A avaliao

    2: 12 Ento, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultcia. Que far o homem que seguir ao rei? O mesmo que outros j fizeram.

    13 Ento, vi que a sabedoria mais proveitosa do que a estultcia, quanto a luz traz mais proveito do que as trevas.

    14 Os olhos do sbio esto na sua cabea, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi que o mesmo lhes sucede a ambos.

    15 Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Ento, disse a mim mesmo que tambm isso era vaidade.

    16 Pois, tanto do sbio como do estulto, a memria no durar para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sbio, e da mesma sorte, o estulto!

    17 Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo vaidade e correr atrs do vento.

    18 Tambm aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim.

    19 E quem pode dizer se ser sbio ou estulto? Contudo, ele ter domnio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; tambm isto vaidade.

    20 Ento, me empenhei por que o corao se desesperasse de todo trabalho com que me afadigara debaixo do sol.

    21 Porque h homem cujo trabalho feito com sabedoria, cincia e destreza; contudo, deixar o seu ganho como poro a quem por ele no se esforou; tambm isto vaidade e grande mal.

    22 Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu corao, em que ele anda trabalhando debaixo do sol?

    23 Porque todos os seus dias so dores, e o seu trabalho, desgosto; at de noite no descansa o seu corao; tambm isto vaidade.

    24 Nada h melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi tambm que isto vem da mo de Deus,

    25 pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se? 26 Porque Deus d sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao

    pecador d trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar quele que agrada a Deus. Tambm isto vaidade e correr atrs do vento.

    O rpido e brusco veredito do versculo 11 precisava ser explicado detalhadamente, pois

    ao se aprofundar nas possibilidades da vida, Coelet no estava agindo puramente por conta prpria. Se ele, dentro todas as outras pessoas, regressou de mos vazias, mesmo no manto de Salomo, que esperana resta para os demais (v.12)?24 Ento ele retorna s grandes alternativas, a sabedoria e a loucura, comparando-as e avaliando-as radicalmente. Teria alguma delas uma

    24 A BLH fora um pouco a tradu~o do v.12 dizendo: Ser| que um rei pode fazer alguma coisa que seja nova? N~o. S pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele.

  • 17

    resposta para esta busca de alguma coisa final? Eram estes os dois modos de vida que ele estivera testando nas suas experincias dos versculos 1:17-2:10, pois ele inclui na loucura n~o apenas a insensatez da auto-indulgncia e do cinismo, mas tambm a busca do prazer em qualquer nvel, mesmo no mais elevado, como uma fuga dos pensamentos dolorosos que se deve enfrentar. Isto estava bastante claro na sequncia de 1:18, onde aparece o coment|rio: quem aumenta cincia, aumenta tristeza, o que leva { firma resolu~o: Vamos! eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade.

    A simples comparao entre sabedoria e a loucura despretensiosa, mas a avaliao final avassaladora. Nada poderia ser mais bvio do que as duas serem comparadas com a luz e as trevas (vs 13, 14a); mas Coelet tem a sagacidade de lembrar que estas no passam de abstraes e que ns somos homens. De nada adiantaria nos recomendar o valor mximo da sabedoria, se no fim nenhum de ns capaz de exerc-la, e muito menos de avali-la. por isso, naturalmente, que as realizaes puramente humanas que ns chamamos de duradouras no so nada disso. Como humanos ns podemos reverenci-las deste modo, mas isto apenas porque nos falta a honestidade de Coelet em ver que passados alguns dias, tudo cai no esquecimento (v.16). ele no tem iluses, sem bem que ns que no deveramos t-las, ns que ouvimos dos prprios secularistas que o nosso planeta est morrendo.

    Assim, pela primeira vez no livro (mas no a ltima, naturalmente), o fato da morte leva a pesquisa a uma sbita pausa. Se o mesmo (destino) lhes sucede a ambos (v.14b), e o destino a extino, todo o homem fica privado, de sua dignidade e todo projeto, de sua finalidade. Vemos estes dois resultados nos versculos 14-17 e 18-23.

    Quanto dignidade do homem, o que mais mortificante (que palavra apropriada!) quanto ao fato de que todos os homens, tanto sbios tanto tolos (ao que poderamos acrescentar bons e maus, santos e s|dicos Ou quaisquer outros antnimos) h~o de finalmente se igualar na morte, que, se isto verdade, a ltima palavra acaba ficando com um fato brutal que arrasa qualquer juzo de valores que possamos fazer. Tudo pode nos dizer que a sabedoria no est no mesmo nvel que a loucura, nem o bem com o mal. Mas tanto faz: se a morte o fim da linha, a alegao de que no existe escolha alguma entre elas ter a sua ltima palavra. No final, as escolhas que positivamente sabemos ser significativas sero postas de lado como irrelevantes.

    Pelo que aborreci a vida. Se h uma mentira no centro da existncia, e falta de sentido no final da mesma, quem tem a coragem de fazer alguma coisa? Se, como poderamos dizer, todas as cartas em nossa mo esto trunfadas, que importa como jogamos? Por que tratar um rei com maior respeito do que um velhaco?

    A propsito, esta amarga reao um testemunho de nossa capacidade de avaliar a nossa condio desobrigando-nos dela. Sentir-se ultrajado diante do que universal e inevitvel d a idia de um descontentamento divino, uma indicao do que 3:11 vai sabiamente chamar de eternidade na mente do homem. De fato, o versculo 16 usa esta palavra a fim de lamentar a falta de qualquer lembrana duradoura do sbio.

    Os versculos 18-23 consideram um mal menor, mas um mal que pode solapar o esprito do seu jeito: a frustrante incerteza de todos os nossos empreendimentos quando escapam ao nosso controle, como acontece mais cedo ou mais tarde. O homem do mundo dificilmente objetaria isto, com base em seus prprios princpios, contanto que eles durem toda a vida; mas ainda assim ele se importa, pois compartilha do nosso anseio ntimo pelas coisas permanentes. Quanto mais ele lutar durante a sua vida (e os versculos 22ss. mostram como essa luta pode ser obsessiva), mais incmoda ser a idia de seus frutos irem parar nas mos de outras pessoas e, muito provavelmente em mos erradas. Este um outro golpe, j percebido antes no captulo, contra a esperana de encontrar realizao no trabalho duro e nos grandes empreendimentos. O prprio sucesso acentua o anticlmax.

    Finalmente uma nota mais alegre se faz ouvir. Talvez nos tenhamos esforado demais. O trabalhador compulsivo dos versculos 22ss., sobrecarregando os seus dias com trabalho e as suas noites com preocupaes, esqueceu-se das alegrias simples que Deus colocou sua disposio. A questo principal para ele no era decidir entre o trabalho e o repouso mas, se ele soubesse, entre as atividades sem sentido e as significativas. Como o versculo 24 destaca, o prprio trabalho que o tiraniza seria um presente potencialmente cheio de prazer vindo de Deus

  • 18

    (e a prpria alegria um outro presente, v.25),25 bastando apenas que ele se dispusesse a aceit-los como tal.

    Eis a outro lado deste enfadonho trabalho [que] imps Deus aos filhos dos homens (1:13), pois em si mesmas e corretamente usadas, as coisas bsicas da vida so doces e boas. O alimento, a bebida e o trabalho so exemplos delas, e Coelet nos faz lembrar ainda de outras.26 O que as estraga a nossa nsia de extrair delas mais do que podem dar; um sintoma do anseio que nos diferencia dos animais, mas cujo uso deturpado um tema subjacente deste livro.

    Assim por um momento, no versculo 26 o vu levantado para nos mostrar uma outra coisa alm da futilidade. O livro vai terminar com forte nfase sobre esta nota positiva; mas, at l, nesses vislumbres vemos o suficiente para ter a certeza de que h uma resposta, e que o autor no um derrotista. Ele nos desilude para nos chamar realidade.

    O que ele est dizendo neste versculo final poderia ser lido descuidadamente como uma clusula de revogao para os favoritos de Deus, poupando-os dos riscos materiais que acabam de ser descritos. A BLH esfora-se para n~o dar esta impress~o, retirando a palavra pecador (sem motivo), substituindo-a por os maus e descrevendo aqueles que agradam a Deus como simplesmente aqueles de quem ele gosta ou de quem ele gosta mais. Mas mesmo sem esta distoro gratuita seria fcil passar por cima do vital contraste neste versculo, de um lado os dons espirituais de Deus que trazem satisfao (sabedoria, conhecimento, alegria) e que s aqueles que lhe agradam podem desejar ou receber, e do outro a frustrao27 de acumular o que no se pode guardar, que a poro escolhida por aqueles que o rejeitam. O fato de que o estoque do pecador vai parar finalmente nas mos do justo apenas uma ironia final daquilo que no passava de vaidade e correr atrs do vento. E para o justo uma reivindicao final, nada mais que isso. Tal como acontece com os mansos, que tm a promessa de herdar a terra, o tesouro deles est em outra parte e de outro tipo.

    Eclesiastes 3:1-15 - A tirania do tempo

    3: 1 Tudo tem o seu tempo determinado, e h tempo para todo propsito debaixo do cu: 2 h tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se

    plantou; 3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; 4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; 5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraar e tempo de

    afastar-se de abraar; 6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; 7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; 8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz. 9 Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga? 10 Vi o trabalho que Deus imps aos filhos dos homens, para com ele os afligir. 11 Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; tambm ps a eternidade no corao do

    homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princpio at ao fim. 12 Sei que nada h melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada; 13 e tambm que dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo

    o seu trabalho. 14 Sei que tudo quanto Deus faz durar eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada

    lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele. 15 O que j foi, e o que h de ser tambm j foi; Deus far renovar-se o que se passou.

    25 As palavras, separado deste (v.25) s~o um acrscimo apoiado pela LXX. O TM diz separado de mi, que daria um bom sentido apenas se Deus estivesse falando na primeira pessoa. A traduo da ER e da ERC, melhor do que eu, inteligvel, mas dificilmente uma tradu~o aceit|vel. 26 Cf 9:7-10; 11:7-10 27 Trabalho, neste versculo a mesma palavra que aparece na frase de 1:13, este enfadonho trabalho impes Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir.

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    Talvez tirania seja uma palavra forte demais para o moderado fluxo e refluxo descrito com essas palavras o qual nos leva durante a vida inteira de uma atividade para outra oposta, e de volta novamente quela. A descrio agradvel, com uma variedade de humor e de ao revelando diferentes ritmos em nossas ocupaes. Agrada-nos o ritmo, pois quem gostaria de uma primavera perptua (tempo de plantar, mas nunca colher), ou quem invejaria o homem de negcios que no dorme, que ns ficamos conhecendo no captulo anterior?

    No contexto de uma busca de finalidade, no entanto, este movimento de c para l e de l para c no nada melhor do que o crculo vicioso do captulo primeiro; e, alm disso, traz consigo suas prprias conseqncias perturbadoras. Uma delas que ns danamos ao som de uma msica, ou de muitas delas, que no foram compostas por ns; a segunda que nada do que buscamos tem alguma permanncia. Atiramo-nos a uma atividade qualquer que nos d satisfao, mas com que liberdade a escolhemos? Dentro de quanto tempo estaremos fazendo exatamente o oposto? Talvez as nossas escolhas nem sejam mais livres do que as nossas reaes diante do inverno e do vero, ou da infncia e da velhice, ditadas pela marcha do tempo e por mudanas espontneas.

    Vista desta forma, a repeti~o tempo... e tempo comea a tornar-se opressiva. Seja qual for a nossa capacidade e iniciativa, o nosso verdadeiro senhor parece ser a inexorvel mudana das estaes: no apenas as que se encontram no calendrio como tambm aquela mar de acontecimentos que ora leva a um determinado tipo de ao que nos parece adequado, ora a um outro que coloca tudo de maneira inversa. Obviamente, pouco temos a dizer das situaes que nos levam a chorar, a rir, a prantear e a saltar de alegria; mas os nossos atos mais deliberados tambm podem ser condicionados pelo tempo, mos do que supomos. Quem diria, falamos {s vezes, que chegaria o dia em que eu acabaria fazendo tal ou tal coisa, e achando que o meu dever! Assim, a na~o pacifista prepara-se para a guerra; ou o pastor de ovelhas pega a faca para matar a criatura que ele antes cuidou para que no morresse. O colecionador distribui o seu tesouro; amigos tm desavenas amargas; a necessidade de falar vem depois da necessidade de guardar silncio. Nada do que fazemos parece, fica livre desta relatividade e desta presso, quase uma imposio, vinda de fora.

    Nossa reao natural seria buscar a realidade em algo alm das mudanas, tratando a esfera das experincias cotidianas como um mero passatempo. Para nossa surpresa, no versculo 11 Coelet nos faz ver que essas perptuas mudanas no so algo desordenado, mas um padro deslumbrante e revelador, uma ddiva de Deus. O problema no que a vida se recuse a ficar parada, mas sim que ns s percebemos uma frao do seu movimento e do seu plano sutil e intricado. Em vez da ausncia de mudanas, temos ma coisa melhor: um propsito dinmico e divino, com um princpio e um fim. Em vez de uma perfeio congelada temos o movimento caleidoscpico de inmeros processos, cada um com seu prprio carter e com seu perodo de florescer e amadurecer, formoso no seu devido tempo, contribuindo para a obra-prima total que obra do Criador. Ns captamos estes momentos brilhantes, mas mesmo parte das trevas com que se entremeiam, eles deixam-nos insatisfeitos devido falta de um significado total que possamos entender. Diferentemente dos animais, absorvidos pelo tempo, ns queremos v-los em seu contexto pleno, pois conhecemos um pouco da eternidade: o suficiente pelo menos para comparar o efmero com o eterno.28 Parecemos algum desesperadamente mope, percorrendo centmetro por centmetro uma grande tapearia ou pintura na tentativa de entender o todo. Vemos o suficiente para reconhecer um pouco de sua qualidade mas o grande desenho se nos escapa, pois nunca podemos nos afastar o suficiente para v-lo como o Criador o v, completo e por inteiro, desde o princpio at o fim.

    Esta incompreensibilidade desanimadora para o secularista pensante, mas no para o crente. Ambos podem refugiar-se na vida aproveitando-a ao mximo, mas o homem que no tm f age no vazio. O versculo 12 no to frvolo como talvez parea em algumas verses,l como na ER a frase final, enquanto viverem, lana uma sombra sobre qualquer empreendimento. Se 28 Eternidade (v.11) a mesma palavra traduzida por eternamente no v.14, mas usada aqui como substantivo. A LXX a traduz aqui e em outras passagens por aion, o substantivo que d lugar ao adjetivo eterno no NT. Embora possa ser usada simplesmente em rela~o ao tempo passado ou futuro (cf a BLH), ou em relao a uma poca, o contraste com a palavra tempo (isto , estao) no v.11a aponta para um sentido mais forte do que fraco neste versculo. A ERC menciona aqui o mundo, usado no sentido arcaico de uma dispensa~o (cf. a frase mundo sem fim).

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    nada permanente, muito embora grande parte do nosso trabalho v sobreviver a ns, estamos apenas enchendo o tempo; e disso vamos nos dar conta mais cedo ou mais tarde.

    O crente, por outro lado, pode aceitar o mesmo tipo de programa despretensioso, no como um tapa-buraco mas como uma tarefa. um dom de Deus (v.13), uma poro distribuda em nossa vida cujo propsito conhecido pelo Doador e parte de sua obra eterna; pois Deus no faz nada em vo. Como o versculo 14 destaca, os planos divinos so diferentes dos nossos e em nada precisam ser corrigidos ou acrescidos: eles perduram. O eternamente deste versculo combina com a eternidade colocada no corao do homem (v.11). Participar um pouco disto, por mais modestamente que seja, um escape da vaidade de vaidades.

    Assim todo o par|grafo fala coma bondade e a severidade simult}neas que encontramos na conhecida frase de Romanos 11:22: ... para com os que caram, severidade; mas para contigo, a bondade de Deus... O homem ligado {s coisas da terra, { luz dos versculos 14 e 15 e de toda essa seo prisioneiro de um sistema que ele no consegue quebrar nem sequer vergar; e por trs disso est Deus na meio de fuga, e nenhum jeito de alijar-se da carga que o estorva ou incrimina. Mas o homem de Deus ouve estes versculos sem tais receios. Para ele o versculo 14 descreve a fidelidade divina que transforma o temor de Deus em um relacionamento filial e frutfero;29 e o versculo 15 lhe assegura que Deus conhece todas as coisas de antemo, e nada fica esquecido.30 Deus no tem empreendimentos abortivos, nem homens que ele tenha esquecido. Novamente Coelet demonstra, de passagem, que o desespero que ele descreve no o seu prprio, e nem precisa ser o nosso.

    Mas h muitos outros fatos acerca do mundo que ele precisa destacar. Agora ele volta-se para o cenrio da sociedade humana e a maneira de como ns exercemos o poder.

    Eclesiastes 3:16-4:3 - A aspereza da vida

    3: 16 Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juzo reinava a maldade e no lugar da justia, maldade ainda.

    17 Ento, disse comigo: Deus julgar o justo e o perverso; pois h tempo para todo propsito e para toda obra.

    18 Disse ainda comigo: por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam que so em si mesmos como os animais.

    19 Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos tm o mesmo flego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo vaidade.

    20 Todos vo para o mesmo lugar; todos procedem do p e ao p tornaro. 21 Quem sabe se o flego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais

    para baixo, para a terra? 22 Pelo que vi no haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque

    essa a sua recompensa; quem o far voltar para ver o que ser depois dele? 4: 1 Vi ainda todas as opresses que se fazem debaixo do sol: vi as lgrimas dos que foram

    oprimidos, sem que ningum os consolasse; vi a violncia na mo dos opressores, sem que ningum consolasse os oprimidos.

    2 Pelo que tenho por mais felizes os que j morreram, mais do que os que ainda vivem; 3 porm mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda no nasceu e no viu as ms

    obras que se fazem debaixo do sol. No temos aqui propriamente uma mudana de assunto, pois a idia de tempos

    29 Conf Sl 130:4, onde repousa sobre o perdo divino. 30 O que se passou considero uma referncia ao passado. O renovar-se implica na a~o de Deus para julgar ou para restaurar, dependendo da natureza do que renovado. Outras interpretaes consideram o que se passou como uma referncia quele que foi perseguido, traduo esta possvel em muitos casos, mas que dificilmente seria apropriada aqui; ou consideram toda a frase como uma expresso da incans|vel busca de Deus dos acontecimentos no passado e, novamente, no futuro. A ERC diz: Deus pede conta do que passou.

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    estabelecidos e do seu poder sobre ns continua presente no versculo 17. Mas o problema da injustia demasiadamente comovente para ser tratado como simples ilustrao desse tema. Transforma-se num assunto parte por um breve espao de tempo no captulo 4, e vai retornar de vez em quando em passagens posteriores.31

    Primeiramente, entretanto, podemos v-lo na apresentao das inverses e sbitas mudanas de direo da vida, que so predominantes no captulo 3. Pois se j uma coisa que clama por uma reviravolta a injustia. Eis a finalmente alguma coisa obviamente proveitosa nas voltas e viravoltas de nossos negcios. O fato de que tudo na terra obedece periodicidade promete um fim ao longo inverno do mal e do desgoverno. Refora convico puramente moral de que Deus julgar (v.17), sabendo que para este acontecimento, como para tudo o mais, ele j designou uma poca adequada.

    Isso muito bom, achamos ns; mas por que a demora? Por que agora ainda no o tempo adequado para a justia universal? A essa pergunta no enunciada, os versculos 18ss. do uma resposta tipicamente dura, considerando que a nossa primeira necessidade no ensinar a Deus o que ele deve fazer, mas aprender a verdade acerca de ns mesmos, uma lio que ns somos muito lentos em aceitar. (Mesmo o sculo vinte nos encontra ainda muito inclinados a negar a nossa maldade inata.) Portanto, quando o versculo 18 diz para que Deus os prove (ou melhor, os desmascare)32 e eles vejam que so em si mesmos como animais, ficamos profundamente chocados. verdade que o como os animais da ERAB question|vel.33 Mas temos de admitir que totalmente parte de nossas tendncias par a crueldade e para a sordidez, que nos colocam em uma categoria ainda mais inferior, h pelo menos dois fatores que do respaldo acusao: a inclinao para a ganncia e para a esperteza em nossos negcios (que o assunto em discusso, versculo 16), e a mortalidade que os homens partilham com todas as criaturas da terra. O primeiro destes tristes fatos reaparece no prximo captulo; o segundo ocupa o restante deste e recebe influncias de outras partes do Antigo Testamento. o versculo 20, que nos apresenta o homem em sua caminhada do p para o p, como em Gnesis 3:19, confronta-nos com a Queda e coma ironia de que morremos como os animais porque nos imaginvamos deuses.

    Mas existe em ns alguma coisa que sobreviva a morte? Do seu ponto de vista privilegiado, Eclesiastes s pode responder: Quem sabe?34 O flego de vida, ou o esprito,35 nestes versculos a vida que Deus d tanto aos animais quanto aos homens, e cuja retirada resulta na morte, como diz o Salmo 104:29ss. Est claro que pelo menos isso temos em comum com os animais; mas se esprito implica em alguma coisa eterna para ns, ningum pode chegar a uma conclus~o apenas pela observao do texto aqui.36

    Mas o eco do Salmo49, aquele que faz a mesma comparao entre os homens e os animais, nos faz lembrar que h| uma resposta. O homem de f pode dizer: Mas Deus remir| a minha

    31 Veja 5:8ss; 8:10-15; 9:13-16; 10:5-7; 10:36ss 32 A palavra para provar j| parece ter o seu sentido posterior de trazer { luz (conf McNeile pg 64) 33 O texto no precisa dizer nada mais alm disso, que os homens agem como os animais, ou que so animais em certos sentidos indicados pelo contexto. Este versculo, um tanto difcil diz: ... para que Deus os prove (ou os exponha, veja nota anterior), e eles vejam que s~o em si mesmos como os animais. No Sl 14:2 quem v a situa~o dos homens Deus; aqui, ao contr|rio, o sujeito s~o as pessoas envolvidas (e eles vejam); mas uma mudana de vogal daria mostrar (como diz a BJ e a maioria das tradues modernas seguindo a LXX ET AL.). As palavra em si mesmos foram interpretadas como erro de copista, uma vez que animais e eles s~o palavras semelhantes; ou significando entre si (denunci|-los e mostrar que s~o animais uns para os outros, BJ); ou, de sua parte; ou em si mesmos (Delitzsch). Eu me inclino a aceitar Delitzsch ou a BJ. 34 H| verses, como a ERAB, que traduzem o versculo 21 como sendo uma afirma~o implcita: Quem sabe que o flego de vida (ou o esprito) dos filhos dos homens se dirige para cima, etc. A vogal hebraica no comeo de se dirige favorece esta vers~o (embora n~o de maneira exclusiva: veja o hebraico de, por exemplo, Nm 16:22; Lv 10:19), mas o hi que vem a seguir comprova o contrrio. O ponto de vista geralmente defendido por Coelet, e o presente contexto em particular, apiam a tradu~o da ER: Quem sabe se... ? 35 Ambas so tradues de ruah aqui (19, 21). Em Gn 2:7 foi usada uma palavra diferente para o hlito da vida que foi soprado nas narinas do homem no ato da criao. 36 primeira vista, Ec 12:7 responde a esta pergunta. Mas no preciso dizer mais do que foi dito em Sl 104:29ss., que Deus d e retira o hlito da vida de suas criaturas quando quer.

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    alma do poder da morte, pois ele me tomar para si (Sl 49:15). o homem em sua ostenta~o, o homem sem entendimento, que como os animais, que perecem;37 e este o homem com o qual Eclesiastes se preocupa.

    Para tal pessoa o versculo 22 oferece o melhor que pode dar: a satisfao temporria de executar bem o seu trabalho. No coisa de se desprezar. A possibilidade um legado de um mundo bem criado, como esclarece o versculo 13. Tudo o que est faltando (mas virtualmente tudo) ser a satisfao de aceitar esse trabalho como um dom do Criador (veja acima, versculo 13), e oferec-lo a ele.

    Com o captulo 4:1-3 retornamos s opresses que se fazem debaixo do sol, assunto abordado em 3:16. A passagem to curta quanto dolorosa, pois se no h um meio de acabar com estas coisas (como na verdade ao existe, no tempo presente), pouco se pode acrescentar aos amargos fatos do versculo 1 alm do lamento dos versculos 2 e 3. Talvez achemos que esta atitude seja derrotista, pois sempre h muita coisa que pode ser feita pelos que sofrem, quando queremos faz-lo. Mas esta objeo dificilmente seria honesta. Coelet est observando a cena como um todo, e ele pode muito bem retrucar que aps cada interveno concebvel ainda restariam inumer|veis bolses de opress~o nas moradas de crueldade38 o suficiente para fazer os anjos chorarem, se no os homens. Ele poderia acrescentar que no h coincidncia alguma no fato de o poder se encontrar do lado do opressor, uma vez que o poder que mais rapidamente desenvolve o hbito da opresso. Paradoxalmente, ele limita a possibilidade de uma reforma, porque quanto mais controle o reformador tiver, maior a tendncia para a tirania.

    Assim um outro aspecto da vida terrena foi apresentado; e nada h mais triste em todo o livro do que a melanclica aluso, nos versculos 2 e 3, aos mortos e aos que ainda no nasceram, que so poupados da viso de tanta angstia. Isto apropriado, pois embora de um modo geral Eclesiastes esteja preocupado com a frustrao, aqui ele se ocupa como reino do mal, e como mal em sua chocante forma de crueldade. Se a melancolia de Coelet nos choca excessivamente neste ponto, talvez devamos nos perguntar se a nossa viso mais otimista brota da esperana e no da complacncia. Se ns, os cristos, vemos mais alm do que ele se permitiu, no h motivos para nos pouparmos das realidades do presente.

    Eclesiastes 4:4-8 - Corrida desenfreada

    4: 4 Ento, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provm da inveja do homem contra o seu prximo. Tambm isto vaidade e correr atrs do vento.

    5 O tolo cruza os braos e come a prpria carne, dizendo: 6 Melhor um punhado de descanso do que ambas as mos cheias de trabalho e correr atrs

    do vento. 7 Ento, considerei outra vaidade debaixo do sol, 8 isto , um homem sem ningum, no tem filho nem irm; contudo, no cessa de trabalhar,

    e seus olhos no se fartam de riquezas; e no diz: Para quem trabalho eu, se nego minha alma os bens da vida? Tambm isto vaidade e enfadonho trabalho.

    Nesta pequena amostra de atitudes para com o trabalho somos lembrados de alguns

    extremos, estranhos mas familiares. Primeiro, a nsia competitiva. O versculo 4 no deve sofrer tanta presso, pois este escritor, como qualquer outro, deve ter a liberdade de apresentar os seus pontos com vigor. Poderemos tergiversar, se quisermos, lembrando-nos de pessoas tais como os prias solitrios ou os lavradores necessitados, que lutam simplesmente pela sobrevivncia, ou aqueles artistas que realmente amam a perfeio por amor a ela; mas permanece o fato de que grande parte de nosso trabalho rduo e de nosso grande esforo est misturada nsia de eclipsar os outros ou de no ser eclipsado. At mesmo na rivalidade entre amigos isto exerce um papel maior do que possamos imaginar, pois podemos at agentar se

    37 Veja Sl 49:12,14,15 e 20. A ER e a BLH roubam do salmo o seu clmax, fazendo o versculo 20 simplesmente repetir o v.12, quando no texto hebraico (e tambm na ERAB) h| a frase: O homem... sem entendimento. 38 Cf. Sl 74:20 (ERC)

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    ultrapassados por algum tempo e por determinadas pessoas, mas no com tanta regularidade nem to profundamente. Sentir-se um fracasso descobrir na alma a inveja que Coelet detecta aqui, em sua pattica forma de ressentimentos acalentados e queixumes autopiedosos.39

    O segundo retrato (v.5) pequeno e apresenta o extremo oposto: o indolente. Ele despreza essas rivalidades frenticas. Mas recebe o seu verdadeiro nome, tolo, pois a sua inrcia igual e oposta ao erro dos outros. Ele o quadro da complacncia e da autodestruio inconsciente, pois este comentrio sobre ele destaca um prejuzo mais profundo do que o desperdcio do seu capital. Sua preguia, alm de acabar com o que ele tem, acaba tambm com o que ele : destri o seu autocontrole, o seu senso de realidade, a sua capacidade de se cuidar e, finalmente, o seu auto-respeito.

    A estas duas formas infelizes de viver o versculo 6 apresenta uma alternativa sadia. A bela expresso um punhado de descanso consegue transmitir a dupla idia de desejos modestos e paz interior: uma atitude to distante da indolncia egosta do tolo quanto da luta desordenada do diligente em busca da preeminncia.

    D-me a minha concha de quietude, Meu cajado de f para me apoiar, Minha dieta imortal de alegria,

    Meu cntaro de salvao, Minha veste de glria, real penhor da esperana,

    E assim vou iniciar A minha peregrinao40

    Mas se que existe algo mais opressor do que a inveja, o hbito, quando este se transforma em fixao. Os versculos 7e 8 descrevem o manaco ganhador de dinheiro como algum completamente desumanizado, que se entregou mera ganncia e ao processo infindvel de aliment-la. Subitamente o escritor identifica-se com tal homem, e nos leva a fazer o mesmo, atravs da pergunta: Para quem trabalho eu...? estas palavras aparecem sem serem anunciadas, como se expressassem o que a vida toda desse homem est dizendo. Embora, a bem da clareza, estejamos examinando aqui a vida de um homem sem famlia, podemos imaginar que a sua solido no seja acidental e que, alm disse, ele no tenha amigos, vivendo como vive na sua rotina. Mesmo que tenha esposa e filhos, ele tem pouqussimo tempo para lhes dedicar, convencido de que est lutando em benefcio deles, embora o seu corao esteja em outro lugar, dedicado e enredado em seus projetos.

    semelhana da rivalidade invejosa descrita no versculo 4, este quadro de uma vida de negcios solitria e sem sentido pe em cheque qualquer argumentao quanto s bnos do trabalho duro. No aqui que jaz a resposta para a frustrao,e muito menos na indolncia do versculo 8. Neste ponto Coelet parece fazer uma pausa em sua busca das coisas duradouras da vida, o que nos d oportunidade de olhar para trs e tornar a examinar o caminho que j percorremos com ele.

    Primeiro Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8

    At agora, em nossa perspectiva o cenrio terreno, examinamos o que o mundo pode oferecer em quatro ou cinco diferentes nveis. Comeamos com uma impresso de sua total inquietude, as repeties infinitas e inconclusivas que se acham na natureza e no cenrio humano (1:1-11). Depois consideramos as satisfaes dos diferentes estilos de vida, racionais e irracionais, frvolos e austeros: os prazeres da arte e do trabalho, da construo para o futuro (1:12-2:26). Se alguns deles tm alguma coisa para dar, nenhum sobrevive ao teste decisivo da morte. Para encontrar alguma coisa que o tempo no desfaa, temos de procurar em outro lugar.

    39 McNeile destaca que o Heb. Deste versculo simplesmente faz da inveja o predicado do trabalho e da destreza, isto : Ent~o vi que... correspondia { inveja, etc. Sendo incitado por ela e sendo um resultado dela. Muitas tradues modernas (tais como a ERAB, a ER e a BLH) fazem da inveja o incentivo para o sucesso; e outras (como a ERC) fazem dela o efeito das realizaes sobre os outros; o Heb. Deixa em aberto essas duas possibilidades. 40 Sir Walter Raleigh, His Pilgrimage (Sua Peregrina~o)

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    Mas o tempo, como foi apresentado no captulo 3, alm de ser inexorvel, tambm nos faz flutuar ao sabor de mars e correntezas que so mais fortes do que ns. No somos donos de nossas circunstncias: nem sequer podemos nos orientar dentro delas.

    Uma nota mais sinistra insinua-se em 3:16 com o tema da tirania humana e sua crueldade. o fato amargo que faz da morte, mesmo no momento de maior desespero, no mais o ltimo inimigo, como a vimos no captulo 2, mas o ltimo amigo que nos resta.

    Finalmente vimos, em 4:4-8, no os perdedores nesta luta humana, mas os aparentes ganhadores e sobreviventes: aqueles que conseguiram ser por ela ou em si mesmos totalmente absorvidos. Ao que parece, estes entraram em um acordo com a vida. Mas ser que receberam um prmio duradouro? E ser que a sua maneira de obt-lo poderia enfrentar uma inspeo? A express~o corrida desenfreada resume a idia principal destes versculos: uma rivalidade frentica em um dos extremos, uma desastrosa escolha no outro; e para os poucos que obtm sucesso, uma vida dedicada consecuo de prmios e mais prmios sem significado algum.

    Aps esta avaliao inclemente, ser um alvio voltarmo-nos um pouco de nossa busca desesperada por algo duradouro, para assuntos mais corriqueiros, pois a vida continua enquanto buscamos, e h maneiras melhores e piores de viv-la. Pelo menos neste ponto podemos ser sbios!

    Para comear, podemos ser mais sensveis do que os solitrios e obsessivos ganhadores de dinheiro que acabamos de considerar; e um padro mais sbio do que o deles ser o primeiro assunto dos comentrios que se seguem acerca da vida.

    Eclesiastes 4:9-5:12 - Interldio: Algumas reflexes, mximas e verdades

    Companheirismo 4: 9 Melhor serem dois do que um, porque tm melhor paga do seu trabalho. 10 Porque se carem, um levanta o companheiro; ai, porm, do que estiver s; pois, caindo,

    no haver quem o levante. 11 Tambm, se dois dormirem juntos, eles se aquentaro; mas um s como se aquentar? 12 Se algum quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistiro; o cordo de trs dobras no

    se rebenta com facilidade. Tendo examinado a pobreza do solit|rio, por maior que seja o seu sucesso exterior,

    agora vamos refletir sobre algo melhor; e melhor aqui ser uma palavra-chave (4:9,13; 5:1,5), o que acontece com muita freqncia na avaliao de valores pelos escritores da Sabedoria.

    As idias so simples e diretas; aplicam-se a muitas formas de companheirismo, inclusive (embora no explicitamente) ao casamento. Com uma brevidade graciosa elas descrevem o proveito, a elasticidade, o conforto41 e a fora que existem em uma verdadeira aliana; e por isso vale a pena aceitar suas exigncias. Embora tais exigncias no estejam explcitas aqui, dificilmente teramos de expor os benefcios do companheirismo se este no envolvesse algum custo. Um preo bvio a independncia da pessoa: uma vez comprometida, ela tem de consultar os interesses e a convenincia da outra, ouvir-lhe as idias, ajustar-se ao seu modo de andar e estilo de vida, e cumprir com as promessas. Quanto s recompensas, so todas benefcios conjuntos: um parceiro nunca haver de explorar o outro.

    O cordo de trs dobras talvez seja um lembrete de que o verdadeiro companheirismo tem mais de uma forma. Embora os nmeros, quando erradamente entendidos, possam ser divisivos e desastrosos (veja o versculo 11), na sua forma certa, alm de acrescentarem algo aos benefcios da unio, tambm se multiplicam. Um exemplo bvio deste enriquecimento, e o predileto dos pregadores, a fora de um casamento, ou de qualquer aliana humana, quando Deus o fio mestre que faz com eles o cordo triplo. Mas talvez o escrit