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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PS GRADUAO EM LINGUSTICA
APLICADA
MARCUS RODNEY PORTELA CYSNE
A MONOTONGAO DO
DITONGO /ej/ NO FALAR POPULAR DE FORTALEZA
FORTALEZA CEAR
2016
MARCUS RODNEY PORTELA CYSNE
A MONOTONGAO DO
DITONGO /ej/ NO FALAR POPULAR DE FORTALEZA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Lingustica Aplicada (PosLA)
da Universidade Estadual do Cear, como
requisito parcial para a obteno do grau de
Mestre em Lingustica Aplicada.
rea de Concentrao: Linguagem e Interao
Orientadora: Prof. Dr. Aluza Alves de
Arajo.
FORTALEZA CEAR
2016
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
Universidade Estadual do Cear
Sistema de Bibliotecas
Cysne, Marcus Rodney Portela.
A monotongao do ditongo /ej/ no falar popular de
Fortaleza [recurso eletrnico] / Marcus Rodney Portela Cysne.
2016.
1 CD-ROM: il.; 4 pol. CD-ROM contendo o arquivo no
formato PDF do trabalho acadmico com folhas, acondicionado
em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).
Dissertao (mestrado acadmico) Universidade Estadual
do Cear. Programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada,
Fortaleza, 2016.
Orientao: Prof. Dra. Aluiza Alves de Arajo.
1. Monotongao. 2. Socioligustica Variacionista. I. Ttulo
Ao meu filho Arthur Amorim Portela Cunto.
minha esposa Lacia Gretha Amorim
Portela.
Aos meus pais Luiz Carlos Cysne e Maria do
Rosrio de Ftima Portela Cysne.
A todos os meus familiares que torceram por
mim.
AGRADECIMENTOS
Ao meu bom Deus, que me guiou e me acalmou nos momentos em que pensei no conseguir
vencer.
Aos meus pais, Luiz Carlos Cysne e Ftima Portela Cysne, por terem sempre me instrudo no
bom caminho, incentivando-me e proporcionando-me as condies para a conquista dos meus
objetivos.
A minha adorvel, dedicada e incentivadora esposa, Lacia Amorim Portela, que mesmo
trabalhando e fazendo o seu doutorado, assumiu muitas responsabilidades da casa e do nosso
filho para que eu tivesse a tranquilidade e a dedicao impostas pelo mestrado.
Ao nosso filho Arthur Amorim Portela Cunto, que desde de novinho, com seu sorriso, sua
motivao de criana e seu interesse pelas letras e nmeros me ensinou a ser pai dedicado,
assim como incentivou cada dia que dediquei a esse trabalho.
A minha profa. orientadora Dra. Aluza Alves de Arajo, com quem tive o primeiro contato
ainda na disciplina de sociolingustica na graduao, que acreditou em minha capacidade e me
deu a oportunidade de prosseguir nos estudos ps-graduados e com quem pude contar em
todos os momentos do mestrado, disponibilizando-me material de estudo, auxiliando-me na
reviso de texto e no manuseio do programa estatstico GoldVarb X, pois sem sua ajuda eu
no teria conseguido avanar, tudo sempre com muito humor, seriedade e dedicao.
Aos professores Dr. Valdecy de Oliveira Pontes da IES/UFC e Dr. Wilson Jnior de Arajo
Carvalho da IES/UECE, por aceitarem participar da banca de defesa e contriburem com suas
anlises, observaes e sugestes para a concluso exitosa desta dissertao,
Aos professores Dr. Mrcio Santiago, da Universidade Federal do Cear, e Prof. Dr. Expedito
Elosio Ximenes do Posla/UECE pelas valiosas contribuies na minha qualificao.
coordenao do Programa de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada, em nome do Prof.
Dr. Wilson Jnior de Arajo Carvalho e aos funcionrios sempre solcitos.
Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (FUNCAP).
A minha irm, Carla Portela Cysne, que, na distncia do Canad, torce, reza e confia na minha
conquista deste ttulo.
minha av paterna, Ivincia Cunto Cysne, por poder presenciar a minha vitria e aos meus
avs que j se foram, mas que me deixaram o legado de seus ensinamentos.
Aos meus tios e padrinhos Jaime Cunto Machado e Maria Aparecida Damasceno, por estarem
sempre preocupados e interessados no meu xito profissional e intelectual.
Esperei ansiosamente pelo SENHOR, e ele se
inclinou para mim e ouviu o meu
clamor." (Salmo 40:1)
Toda lngua muda e varia. O que hoje visto
como certo j foi erro no passado. O que
hoje considerado erro pode vir a ser
perfeitamente aceito como certo no futuro da
lngua. (MARCOS BAGNO 2000, p.143)
O servio mais til que os linguistas podem
prestar hoje varrer a iluso da deficincia
verbal e oferecer uma noo mais adequada
das relaes entre dialetos padro e no
padro1. (WILLIAM LABOV, 1972, p. 202)
(Traduo nossa).
1 The most useful service which linguists can perform today is to clear away the illusion of verbal deprivation and to provide a more adequate notion of the relations between standard and nonstandard dialects.
RESUMO
A monotongao um fenmeno lingustico muito produtivo no portugus oral brasileiro, em
que ocorre a reduo de um ditongo a uma vogal simples. No intuito de contribuir com a
descrio do portugus atual, este estudo teve o objetivo de descrever e analisar a realizao
varivel do ditongo oral decrescente /ej/ no falar popular do fortalezense, como observado
em: peixe~pexe, com base na abordagem terico-metodolgica da Sociolingustica
Variacionista (LABOV, 2008; WEINREINCH; LABOV; HERZOG, 2006). Para averiguar-se
como ocorre a monotongao do ditongo /ej/ na norma popular da cidade de Fortaleza -
Cear, recorreu-se a uma amostra de 54 informantes, extrada do corpus do banco de dados do
Projeto Norma Oral do Portugus Popular de Fortaleza (NORPOFOR) (ARAJO, 2011).
Deste banco de dados, analisamos, dentre os seus trs tipos de registro: Dilogo entre
Informante e Documentador (DID), Dilogo entre dois informantes (D2) e Elocuo Formal
(EF), apenas o primeiro tipo. Para a anlise estatstica dos dados, foi utilizado o programa
computacional GOLDVARB X (2005), responsvel pelo clculo da influncia de fatores
lingusticos e extralingusticos. Do total de 1491 dados analisados, 1020 (68%) favoreceram a
monotongao de /ej/, ao passo que 471 (32%) mantiveram o ditongo. Foram selecionados
para serem analisados pelo programa estatstico nove fatores: seis lingusticos (contexto
fontico seguinte, contexto fontico precedente, tonicidade da slaba, extenso do vocbulo,
natureza morfolgica e classe de palavras) e trs sociais (sexo, escolaridade e faixa etria).Os
resultados da quarta rodada (melhor anlise) mostraram serem os seguintes fatores
lingusticos que mais favorecem a regra: classe de palavras (nomes), extenso do vocbulo
(disslabas), tonicidade (tnica) e a varivel social: escolaridade (0-4 anos). A quinta rodada
foi efetuada para os menos escolarizados e o resultado indica a manuteno dos mesmos
fatores lingusticos. A ordem desses fatores, porm, foi alterada, passando a ser: tonicidade
(tnica), extenso do vocbulo (disslabas) e classe de palavras (nomes). As anlises dos
dados demonstram que o comportamento varivel do fenmeno da monotongao de /ej/,
aps se isolar e avaliar, separadamente, cada fator que influencia a ocorrncia do fenmeno,
que so os substantivos e adjetivos disslabos tnicos na fala dos informantes com baixa
escolarizao.
Palavras-chave: 1. Monotongao. 2. Socioligustica Variacionista
ABSTRACT
The monophthongization is a very productive linguistic phenomenon in oral Brazilian
Portuguese, due to the phonological process in which there is a reduction of a diphthong to a
simple vowel. In order to contribute to the description of the current Portuguese, this study
aimed to describe and analyze sociolinguistically the variable realization of oral decreasing
diphthong /ej/ in the popular speaking of Fortaleza, as noted in: Peixe ~ Pexe, based on the
theoretical and methodological approach of the Variationist Sociolinguistics (LABOV, 2008;
WEINREINCH; LABOV; HERZOG, 2006). In order to check how the monophthongization
of the diphthong /ej/ in the popular standard speaking of Fortaleza community occurs, a
sample of 54 informants extracted from a corpus called Popular Oral Standard Portuguese
Database Project of Fortaleza/Ce-Brasil (NORPOFOR) (Arajo, 2011) was used. The
distribution of NORPOFOR informants have based the variables of gender, age, education
and out of the three types of voice records: Dialogue between Informant and Documenter
(DID), Dialogue between two Informants (D2), and Formal Elocution: EF, we used only the
(DID). For the statistical analysis of description of variable phenomena, we used the computer
program GOLDVARB X (2005), responsible for calculating the influence of linguistic and
extralinguistic factors. From a total of 1491 data analyzed, 1020 (68%) favored the
monophthongization of /j/, whereas 471 (32%) kept the diphthong. Nine factors were selected
and tested after the submission of data to the analysis of the statistical program GOLDVARB
X. The results of the fourth round (better analysis) showed the linguistic factors which best
favor the monophthongization, such as: word class (names), word extension (two syllables),
stress (tonic) and the social variable schooling (0-4 years). A fifth round was taken for the less
educated people and the result indicates the maintenance of the same linguistic factors.
However, the order of these factors has been amended to be: stress (tonic), word extension
(two syllables) and word class (names). The Analyses of the data collected show the variable
behavior of the monophthongization phenomenon of /j/ after isolating and evaluating
separately each factor influencing the occurrence of the phenomenon, that are the two syllable
stressed nouns and adjectives in the speech of the informants with low schooling.
Keywords: 1. monophthongization. 2. sociolinguistic variationist
LISTA DE ILUSTRAES
Grfico 1 - Frequncias gerais do uso de /ej/ e /e/ nos estudos variacionistas 33
Grfico 2 - Frequncia de uso das variantes analisadas 73
Figura 1 - Distribuio dos estudos variacionistas no territrio brasileiro 35
Figura 2 - Distribuio dos informantes nas regionais de Fortaleza 62
Quadro 1 Distribuio dos informantes do NORPOFOR 55
Quadro 2 Distribuio dos bairros de Fortaleza por Regionais no NORPOFOR 55
Quadro 3 Distribuio dos informantes em nossa amostra por gnero/sexo, idade
e escolaridade
58
Quadro 4 Distribuio dos informantes da amostra por n do inqurito, sexo,
idade, escolaridade, bairro, Secretaria Executiva Regional (SER) e
atividade exercida
59
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuio das ocorrncias com nocaute no grupo contexto
fontico seguinte
74
Tabela 2 - Distribuio das ocorrncias com nocaute no grupo contexto
fontico anterior
74
Tabela 3 - Distribuio das ocorrncias com nocaute no grupo natureza
morfolgica
75
Tabela 4 - Distribuio das ocorrncias com nocaute para o grupo classe de
palavras
75
Tabela 5 - Distribuio das ocorrncias com nocaute para o grupo extenso do
vocbulo
76
Tabela 6 - Atuao das variveis contexto fontico seguinte, contexto fontico
anterior, extenso do vocbulo e classe de palavras
76
Tabela 7 - Atuao das variveis contexto fontico seguinte, classe de palavras,
extenso do vocbulo e tonicidade
78
Tabela 8 - Atuao da varivel classes de palavras sobre a monotongao de [ej] 80
Tabela 9 - Atuao da varivel extenso do vocbulo 82
Tabela 10 - Atuao da varivel tonicidade 83
Tabela 11 - Atuao da varivel escolaridade 83
Tabela 12 - Atuao das variveis tonicidade, extenso do vocbulo e classe de
palavra sobre os pouco escolarizados
84
Tabela 13 - Atuao das variveis tonicidade, extenso do vocbulo e classe de
palavra para os pouco escolarizados
85
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CVC Consoante, vogal, consoante
PCNs Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa
NORPOFOR Norma Oral do Portugus Popular de Fortaleza
DID Dilogo entre Informante e Documentador
D2 Dilogo entre dois informantes
EF Elocuo Formal
VARSUL Variao Lingustica Urbana do Sul do Pas
PORCUFORT Projeto Portugus Oral Culto de Fortaleza
ALIPA Atlas Geo Sociolingustico do Estado do Par
VALPB Projeto Variao Lingustica do Estado da Paraba
PROCOTEXTO/
UNISUL
Projeto de Coleta de Textos/Universidade do Sul de Santa Catarina
GoldVarb X Programa estatstico - pacote Varbrul para Mac e Windows
desenvolvido por David Sankoff
P.R. Peso Relativo
LISTA DE SMBOLOS
[p] : bilabial oclusiva
[b] : bilabial oclusiva
[m] : bilabial nasal
[t] : oclusiva, dental, surda
[d] : oclusiva, dental, sonora
[v] : fricativa, labiodental, sonora
[s] : oclusiva, dental, sonora
[z] : fricativa, alveolar, sonora
[l] : lateral, alveolar, sonora
[n] : nasal, alveolar, sonora
[k] : oclusiva, oral, velar, surda
[] : fricativa, palato-alveolar, sonora
[] : tepe (ou flepe) alveolar
[] : fricativa, oral, palato-alveolar, surda
[h] : fricativa, glotal
[f] : fricativa lbio-dental
[g] : oclusiva velar
[] : nasal palatal
SUMRIO
1 INTRODUO 14
2 A VARIAO DO DITONGO ORAL DECRESCENTE /ej/ 20
2.1 ESTUDOS VARIACIONISTAS 20
3 A TEORIA DA VARIAO E DA MUDANA LINGUSTICA 36
4 METODOLOGIA 50
4.1 TIPO DE PESQUISA 50
4.2 COMUNIDADE DE FALA: A CAPITAL CEARENSE 51
4.3 O CORPUS 54
4.4 AS ENTREVISTAS 56
4.5 A AMOSTRA E OS INFORMANTES 58
4.6 DEFINIO DAS VARIVEIS 62
4.6.1 Varivel dependente 62
4.6.2 Variveis independentes 63
4.6.2.1 Variveis lingusticas 63
4.6.2.2 Variveis extralingusticas 66
4.7 COLETA E CODIFICAO DOS DADOS 67
4.8 O PROGRAMA ESTATSTICO: GOLDVARB X 68
5 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS 73
5.1 RODADAS EXPERIMENTAIS 73
5.1.1 Primeira Rodada 73
5.1.2 Segunda Rodada 77
5.1.3 Terceira Rodada 79
5.2 QUARTA RODADA (MELHOR ANLISE) 81
5.2.1 Classe de Palavras 81
5.2.2 Extenso do vocbulo 82
5.2.3 Tonicidade 83
5.2.4 Escolaridade 84
5.3 RODADA S PARA OS POUCO ESCOLARIZADOS 84
6 CONCLUSO 86
REFERNCIAS 88
APNDICES 93
APENDICE A - CHAVE DE CODIFICAO DA MONOTONGAO 94
ANEXOS 97
ANEXO A - TABELA DOS SMBOLOS FONTICOS UTILIZADOS
NESTA PESQUISA (2005)
98
ANEXO B - PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMIT DE TICA
(CEP) DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE
99
14
1 INTRODUO
Com o surgimento da Sociolingustica, ainda nos anos de 1960, protagonizada por
William Bright e sistematizada por William Labov, muitos estudos sobre as descries das
lnguas naturais com suporte de dados de fala foram produzidos, levando os linguistas a um
novo modo de encarar as regras variveis das lnguas2, alm do modelo normativo, e a
oferecer outras maneiras de se fazer anlise lingustica que trouxeram contribuies valiosas
ao desenvolvimento da teoria lingustica.
Labov (2008) analisou a relao entre lngua e sociedade e observou que h
inmeras variantes3 na lngua falada e, por meio de estudos que consideram fatores
extralingusticos (alm dos lingusticos), como classe social, idade, sexo, escolaridade etc,
remeteu-nos interdependncia do contedo lingustico dos falantes em relao ao meio
social em que vivem.
Com as suas ideias, o autor nos forneceu uma das grandes contribuies para o
avano dos estudos sociolingusticos, ao verificar a importncia de estudar a lngua como
objeto de elaborao social, sem os estigmas de "certo" e "errado", considerando as variaes
nela encontradas, s quais estamos expostos e utilizamos na lngua em uso.
Na perspectiva de Tarallo (2007), a lngua um veculo de comunicao e
informao entre as pessoas que denota variantes diversas e o fato de ela ser varivel nos
proporciona distintas formas de dizer uma determinada coisa com o mesmo valor de verdade4
(LABOV, 1978); e isso um fator muito importante na identificao de grupos em sua
configurao e na demarcao das diferenas sociais de uma dada comunidade de fala, cuja
caracterstica principal o compartilhamento de normas e atitudes sociais em relao a uma
lngua ou variedade lingustica (LABOV,1972) .
Dentre os inmeros fenmenos lingusticos em variao na lngua portuguesa do
Brasil, a forma varivel como os ditongos orais decrescentes se mostra nos motivou a iniciar
esta investigao. A reduo desses ditongos est to disseminada e recorrente nas
2 Categorizao de regras lingusticas proposta por Labov - variveis e semicategricas - que se constituram em
meio facilitador da proposio de perfis que caracterizariam o que costuma ser tratado, independentemente do
quadro terico adotado, como parmetros gramaticais ou tipos lingusticos diversos. (LABOV, 2003) 3 Variantes "[...] so diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor
de verdade. A um conjunto de variantes d-se o nome de varivel lingustica (TARALLO 1986, p. 8). O uso de
uma ou de outra variante influenciado por fatores lingusticos (estruturais) ou sociais (extralingusticos). 4 Comunidade de fala, segundo Labov (1972 [2008]): [...] pela participao no conjunto de normas compartilhadas; estas normas podem ser observadas em tipos de comportamentos avaliativos explcitos e pela
uniformidade de padres abstratos de variao que so invariantes no tocante a nveis particulares de uso.
15
variedades do portugus, por ser uma regra por demais produtiva, que j se configura como
parte do vernculo mais geral do brasileiro (BAGNO, 2007).
O interesse para a realizao desta pesquisa surgiu da nossa inquietude e de nosso
interesse pessoal em saber como ocorre a monotongao do ditongo /ej/ no portugus popular
falado na cidade de Fortaleza-CE. A monotongao a simplificao do ditongo a uma
simples vogal, como nas formas (beijo-bejo), (deixe-dexe), (enfermeira-enfermera), sendo
este um fenmeno varivel e muito produtivo na fala dos brasileiros, mas que ainda carece de
descrio em muitas regies do Pas, a exemplo do Centro-Oeste, onde no se verificou
estudos dessa natureza.
Esse fenmeno, que tem origem ainda no latim, como atesta Coutinho (1976),
manteve-se no portugus de Portugal, como possvel constatar na maior obra pica
portuguesa, Os Lusadas5, de Cames, que denotava palavras com apagamento de
semivogais, como um fenmeno natural e espontneo, ou seja, Cames j apagava, em uma
srie de palavras, as semivogais /j/ e /w/ em ditongos orais no portugus do sculo XVI
(PEREIRA, 2004).
Portanto, intrigante saber que a monotongao date da poca do latim vulgar e
que o pocesso ainda carea tanto de estudos. H, ento, uma lacuna preocupante a respeito do
conhecimento da regra varivel do ditongo /ej/ nas regies brasileiras, principalmente no
Nordeste do Brasil, j que os trabalhos reunidos no captulo seguinte desta pesquisa no
cobrem todas as capitais brasileiras, pelo simples fato de elas no existirem.
Os estudos variacionistas sobre a monotongao de /ej/, cuidadosamente,
selecionados por ordem cronolgica para embasar esta pesquisa foram: Veado (1983), para
Minas Gerais; Meneghini (1983), para o Rio Grande do Sul; Ribeiro (1990), para o Paran;
Bisol (1994), para Porto Alegre; Coelho e Naumann (1994) para as capitais da regio Sul
(Curitiba - PR, Florianpolis - SC e Porto Alegre RS); Paiva (1996), para o Rio de Janeiro;
Cabreira (1996), para Santa Catarina, Paran e Rio Grande do Sul; Silva (1997), para o Rio de
Janeiro; Arajo, M. (1999), para o Maranho; Arajo, A. (2000), para o Cear; Lopes (2002),
para o Par; Farias e Oliveira (2003), para o Par; Silva (2004), para a Paraba; Pereira (2004),
para Santa Catarina; Amaral (2005), para o Rio Grande do Sul; Carvalho (2007), para Recife;
Farias (2008), para o Par; Brescancini (2009), para Santa Catarina; Santos e Chaves (2010),
5 A obra Os Lusadas, publicada em 1572, um poema pico dividido em dez cantos, que tem por temas a
viagem de Vasco da Gama em busca do caminho martimo para as ndias e a histria portuguesa, desde a luta
contra os mouros invasores at a consolidao do Estado luso e as grandes navegaes (PEREIRA, 2004).
16
para o Acre; Toledo (2011) para o Rio Grande do Sul e Arajo, A. (2013) para as regies
Norte e Sul do Projeto Atlas Lingustico do Brasil (ALiB).
Embora Arajo (2000) tenha produzido um estudo sobre o ditongo em questo na
norma oral culta da capital cearense, no se sabe sobre o seu comportamento varivel na
norma oral popular de Fortaleza. Portanto, esta pesquisa pretende suprir, nesta comunidade de
fala (LABOV, 2008), a lacuna na norma popular, que a realizao do ditongo /ej/ em
contexto CVC (consoante, vogal, consoante). Esta pesquisa junta-se aos estudos da regio
Nordeste (ARAJO, M., 1999; ARAJO, A.; 2000; SILVA, 2004; CARVALHO, 2007).
Com a descrio sistemtica da variao/mudana lingustica do fenmeno em pauta,
conhecemos melhor, cada vez mais, o falar do fortalezense, contribumos com a descrio do
portugus oral brasileiro e fornecemos uma fotografia sociolingustica atualizada desse
processo da lngua portuguesa.
De acordo com Hora e Henrique (2013), as pesquisas de base sociolingustica
variacionista, sobre o uso varivel do ditongo /ej/, demonstram resultados categricos em
favor da sua monotongao, revelando mudanas na lngua dignas do diagnstico e da
sistematizao.
Assim sendo, um estudo desta natureza na Capital cearense mandatrio e
tambm relevante, j que o monotongo to recorrente e antigo no portugus oral e pouco se
conhece sobre essa regra na regio Nordeste, onde so registradas apenas quatro pesquisas:
Arajo, M. (1999), Arajo, A. (2000), Silva (2004) e Carvalho (2007).
Mesmo com a publicao de trabalhos sobre variao lingustica, uma vasta
literatura crtica demonstra que o ensino do portugus brasileiro ainda visa tradicionalmente a
reformar ou consertar a lngua adquirida pela pessoa no meio social, o que deve,
provavelmente, resultar do pouco uso dos estudos sobre variao lingustica no mbito
educacional, como parte das polticas lingusticas e das concepes de lngua.
Consoante Bagno (2007), desprezar o conhecimento da lngua que a pessoa
adquire em sua atividade lingustica com a famlia e com o grupo social desconsiderar o uso
intuitivo, eficaz e criativo dos seus recursos, propiciando, assim, a alienao social da pessoa
e fomentando o preconceito lingustico. Alm disso, a falta de explicao e orientao clara e
direcionada sobre os fenmenos variveis de fala ensejam dificuldades no letramento.
Camacho (2001) tambm sugere, como pressuposto da Pedagogia da lngua
materna, que o professor deve valorizar e respeitar o contexto social do educando e ensinar-
lhe a utilizar o registro mais adequado em cada situao comunicacional, propiciando o seu
17
acesso aos bens simblicos mais variados, como as variedades padro e no padro,
cumprindo assim o seu papel scio-poltico-educacional.
O que poderia mais aproximar os estudantes de lngua portuguesa do uso real da
lngua seriam os livros didticos, as gramticas, uma melhor qualificao dos professores e as
condies de trabalho. De acordo com Coelho (2007), entretanto, os livros didticos pouco se
preocupam em demonstrar um panorama descritivo mais atual do portugus falado no Brasil,
o que indica desarticulao editorial com a proposta lingustica educacional que interfere,
diretamente, na publicao desses livros. O mesmo ocorre com as gramticas, intituladas
novas ou modernas, que ainda restringem o estudo dos ditongos orais a encontros voclicos.
Nestas circunstncias, os estudantes ficam prejudicados, por no possurem um
material que realmente descreva o portugus falado em seu pas. Parece haver um
distanciamento entre o que est prescrito sobre a lngua e como esta realmente se manifesta
nas situaes reais de uso, como no caso da monotongao.
Ademais, os estudos de variao lingustica possuem previso legal nos
Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa - PCNs (BRASIL, 1998). Este
documento acentua que o domnio da lngua materna envolve o desenvolvimento da
competncia comunicativa da pessoa, de forma a convergir tal competncia ao pleno domnio
e uso da lngua(gem), que, na modalidade oral, implica o conhecimento das variedades
lingusticas, as quais, quando negligenciadas, tornam a lngua vazia como meio de interao.
Dell Hymes (1972a) apud Bortoni-Ricardo (2005, p. 61) explica o conceito de competncia
comunicativa: [...] um membro de uma comunidade de fala tem de aprender o que dizer e
como diz-lo apropriadamente, a qualquer interlocutor e em quaisquer circunstncias.
, portanto, com origem em trabalhos como o desta pesquisa que alunos e
professores podem conhecem melhor a diversidade lingustica brasileira para lidar com as
inmeras situaes de heterogeneidade da lngua que se deparam cotidianamente.
Deste modo, este estudo pretende trazer contribuies para os estudos de
Sociolingustica Variacionista, alm de prover subsdios para o ensino de Lngua Portuguesa
no Brasil, pois, ao descrever como a monotongao do ditongo /ej/ se manifesta na cidade de
Fortaleza, possvel conhecer-se melhor a realidade lingustica local, o que permite fornecer
dados importantes para uma educao lingustica mais heterognea, que compreenda tanto a
tradio gramatical quanto as descries baseadas no uso real da lngua por seus falantes.
Nosso objetivo principal analisar o comportamento varivel do ditongo /ej/ em
contexto CVC (consoante, vogal, consoante) no falar popular de Fortaleza. Como hiptese
geral, assumimos o argumento de que o fortalezense monotonga mais nesse contexto diante
18
de tepe no contexto fontico seguinte e que essa monotongao condicionada por outros
fatores lingusticos e sociais. (WEINREINCH, LABOV; HERZOG (2006); LABOV (1994;
2008, 2010). Como hipteses secundrias, elaboradas com base nos estudos de autores a
quem recorremos nesta pesquisa, acreditamos que a supresso da semivogal [j] seja
favorecida, principalmente por
fatores lingusticos (tepe) nos contextos fonticos anterior e posterior,
extenso do vocbulo (trisslabas e polisslabas), classe de palavras (verbos e
no verbos), tonicidade da slaba (slaba tnica), natureza morfolgica
(radical); e
a) fatores extralingusticos, como escolarizao (0-4 anos); idade (15-25 anos) e
sexo (homens).
Alm dessas hipteses, ainda acreditamos que estamos diante de um caso de
mudana lingustica6 em curso a favor do monotongo.
Para isso, utilizamos uma amostra do corpus do projeto Norma Oral do Portugus
Popular de Fortaleza - NORPOFOR, de onde foram retiradas entrevistas do tipo Dilogo entre
Informante e Documentador (DID) para anlise. O NORPOFOR um banco de dados do falar
popular de Fortaleza, coordenado pela professora Aluza Alves de Arajo, que teve suas
entrevistas realizadas no perodo de 2003 a 2006 (ARAJO, 2011). Esta data-base utilizada
no Projeto Fotografias Sociolingusticas de Fortaleza, vinculado ao Programa de Ps-
Graduao em Lingustica Aplicada da Universidade Estadual do Cear, do qual esta
dissertao faz parte. Os 54 informantes selecionados foram estratificados de acordo com as
variveis sociais: sexo (homens e mulheres), escolaridade (0-4 anos; 5-9 anos e 9-11 anos) e
faixa etria (15-25 anos; 26-49 anos e 50 em diante).
Esta investigao foi organizada em seis captulos: o primeiro refere-se
introduo e apresenta o objeto de estudo, as hipteses, os objetivos de pesquisa, os motivos
pelos quais decidiu-se pesquisar este objeto, alm de sua relevncia. O segundo segmento
prov a descrio dos estudos variacionistas sobre a monotongao do ditongo /ej/ no
portugus do Brasil. O terceiro mdulo destina-se a apontar a Teoria da Variao e Mudana
Lingustica, como aporte terico e metodolgico dessa investigao. O quarto captulo traz a
6 Sobre mudana lingustica, Weinreich, Labov e Herzog ([1968]2006) indicam que ela ocorre quando h uma diferenciao ordenada em uma generalizao de uma alternncia particular, num determinado subgrupo da
comunidade de fala, no havendo associao entre estrutura e homogeneidade, pois a estrutura lingustica inclui
exatamente essa diferenciao ordenada dos falantes e dos estilos. Toda mudana lingustica, para os autores,
implica que ocorrem variabilidade e heterogeneidade, embora o contrrio nem sempre suceda. Como explicam, a
generalizao da mudana lingustica envolve a covariao de mudanas associadas durante, nas mais das vezes,
longos perodos, que se refletem na distribuio de isoglossas por reas geogrficas.
19
metodologia de pesquisa adotada; ao passo que o quinto privilegia a descrio dos dados e a
discusso dos resultados. Por fim, no sexto captulo so apresentadas as concluses do
trabalho.
20
2 A VARIAO DO DITONGO ORAL DECRESCENTE /ej/ NO PORTUGUS
BRASILEIRO
2.1 ESTUDOS VARIACIONISTAS
Dentre os autores que j estudaram a reduo do ditongo /ej/ sob a perspectiva
variacionista, o maior nmero de trabalhos produzidos sobre esse fenmeno est na regio
Sul, onde encontramos quatro artigos, Bisol (1994), Coelho e Naumann (1994), Amaral
(2005) e Brescancini (2009), e cinco dissertaes de mestrado, Meneghini (1983), Ribeiro,
(1990), Cabreira (1996), Pereira (2004) e Toledo (2011). No norte do Pas, h quatro
trabalhos, sendo dois artigos, Farias e Oliveira (2003) e Santos e Chaves (2010), e duas
dissertaes de mestrado, Lopes (2003) e Farias (2008), todos produzidos no incio deste
sculo. No Nordeste, h tambm quatro estudos, a saber: Arajo, M. (1999), Arajo, A.
(2000), Silva (2004) e Carvalho (2007). No Sudeste, encontramos os trabalhos pioneiros de
Veado (1983), de Paiva (1996) e de Silva (1997). Arajo, A. (2013) produziu mais um estudo,
comparando as capitais brasileiras das Regies Norte e Sul do Projeto Atlas Lingustico do
Brasil (ALiB).
A seguir, estes estudos sero brevemente descritos, de acordo com a ordem
cronolgica e conforme a regio, destacando-se apenas os resultados mais importantes para o
ditongo [ej].
Na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, Veado (1983) produziu um estudo
acerca da reduo dos ditongos /ej/7 e /ow/ no portugus brasileiro. A autora avalia a
realizao varivel de /ej/ em amostras de variadas situaes de fala na Capital Mineira. A
amostra foi dividida em trs partes, cada uma delas apresentando uma situao de fala
diferente, tais como: fala coloquial, fala cuidada e leitura de palavras e de texto. Na fala
coloquial, de 737 dados, apenas sete palavras no foram monotongadas, deduzindo-se que a
fala casual altamente favorecedora da reduo de /ej/ e que a reduo desse ditongo nesse
tipo de fala no est ligada a fatores lingusticos nem a fatores sociais, ou seja, encontrou-se
nesse contexto de fala um alto ndice de reduo, quase 100% para a realizao de [e],
independentemente da influncia de quaisquer fatores.
A acentuao, posio do ditongo na palavra e segmento consonantal seguinte
foram fatores que atuaram em relao alternncia de [ej] em relao a [e]. Sobre o primeiro
7 Esta a forma de apresentar o ditongo da prpria autora. Sempre usaremos o modo de transcrio escolhido pelos autores.
21
fator, o trao + acento foi mais favorecedor da monotongao do que o trao - acento.
Relativamente posio do ditongo no item lexical, em posio interna, a reduo de quase
50%.
O segmento consonantal posterior, como o tepe alveolar, denotou o maior nmero
de ocorrncias e foi o que teve o maior percentual de reduo. Em situaes de leitura, os
informantes se comportaram de maneira semelhante ao registro na fala de noticirios e
entrevistas. Os altos ndices percentuais de reduo nos nveis de fala mais rebuscada,
incluindo a leitura, demonstram para a autora a estabilidade e a consistncia da reduo em
lngua portuguesa.
Em Ibia-RS, Meneghini (1983 apud TOLEDO, 2011; AMARAL, 2005) estudou
todos os ditongos orais decrescentes do Portugus, com o objetivo de identificar quais deles
estavam sujeitos perda da semivogal e quais variveis lingusticas e sociais influenciariam o
seu uso. Destes ditongos, o autor descreveu a monotongao somente de trs, que se
mostraram sujeitos ao apagamento da semivogal, [aj], [ej] e [ow].
A amostra, constituda por 115 informantes de nvel fundamental completo ou
incompleto, foi estratificada segundo a escolaridade, o sexo, a idade e a zona urbana ou zona
rural (TOLEDO, 2011). Foram controlados os fatores: contexto fontico posterior e
tonicidade.
Foram analisados 9.233 dados (AMARAL, 2005) e os fatores lingusticos
favorecedores da monotongao do ditongo /ej/ foram: o tepe e a fricativa palatal, no contexto
fonolgico seguinte e, quanto tonicidade, somente a slaba tona se mostrou um fator
relevante para aplicao da regra. No houve varivel social selecionada como relevante sobre
o fenmeno em estudo.
Ribeiro (1990) analisou a supresso dos ditongos [aj], [ej] e [ow] na fala do
Sudoeste paranaense, em cinco municpios: Santo Antnio do Sudoeste, Marmeleiro,
Renascena, Clevelndia, Chopinzinho e Nova Prata do Iguau. No total, foram colhidos
6902 dados, oriundos de 22 informantes do Projeto Fontes Culturais para o Ensino, sendo
3864 de /y/8 e 3038 de [w], resultando em 2338 itens monotongados, estratificados de acordo
com a faixa etria (30 a 59 anos e acima de 60 anos) e o sexo.
Sobre o volume vocabular, percebe-se que a supresso do ditongo /ej/ entre
monosslabos categrico. Outro fato que a levou a questionar a relevncia do fator extenso
8 Fonte fontica utilizada pela autora.
22
da palavra na reduo do ditongo foi a quantidade de palavras polisslabas em que o iode
aparece seguido de flape.
Sabe-se que, no caso do /y/, o flap se mostra categrico no apagamento da
semivogal. O subfator extenso do vocbulo est sujeito ao contexto fonolgico seguinte
semivogal na maior parte dos dados analisados. O estudo tambm revela que os adjetivos tm
caractersticas idnticas aos substantivos por serem classes prximas.
No contexto fonolgico precedente, /y/ suprimido quando precedido de /e/,
considerando, ento, esse apagamento como um fenmeno de assimilao. J, para o contexto
fonolgico posterior, os subfatores que mais influenciaram a supresso de /y/ foram o flap e o
palato-alveolar. Nenhum fator social interferiu na supresso do iode.
Na cidade de Porto Alegre - RS, Bisol (1994) avaliou a realizao do ditongo /ej/
na fala de sete informantes, controlando apenas a varivel contexto seguinte, que expressa os
seguintes resultados: palatal, tepe, labial, velar, alveolar, vogal para o apagamento de [j]. Com
esses dados, a autora assegura que, diante de consoante palatal e de vibrante simples, a
variante sem glide a de uso geral, fazendo com que ela defenda a ideia de que, nestes
contextos, o ditongo denote apenas uma vogal na forma implcita, configurando o falso
ditongo.
Para Bisol, h duas vogais no verdadeiro ditongo, que sempre aparecem na fala.
Nesta anlise, demonstra-se que tanto a insero do glide quanto o seu apagamento
constituem um processo que ocorre variavelmente na estrutura de superfcie, por derivar da
expanso de traos secundrios da consoante. A autora assinala que, na realizao de /ej/,
considerando o contexto pr-consonntico em palavras com consoante palatal e de vibrantes
simples, a semivogal /j/ quase totalmente suprimida.
Sobre a metodologia de coleta de dados e a respeito da composio da amostra
nesse estudo, nele no encontramos maiores esclarecimentos, contudo parece que no era
objetivo de Bisol fazer uma anlise propriamente quantitativa dos dados, pois, na verdade,
estes so apenas indcios para uma discusso a respeito da origem do glide diante da
consoante palatal.
Coelho e Naumann (1994) investigaram a realizao do ditongo [ej] nas capitais
do Sul (Curitiba - PR, Florianpolis - SC e Porto Alegre - RS), com origem em 36
informantes do Projeto VARSUL (Variao Lingustica Urbana do Sul do Pas)9, sendo
9 O projeto VARSUL tem por meta descrever o portugus falado e escrito de reas socioculturalmente
representativas do Sul do Brasil, constituindo-se de: Banco de Dados VARSUL (Formado por 288 entrevistas de
zonas urbanas, distribudas igualmente entre quatro cidades de cada um dos trs estados da regio Sul do Brasil),
23
estratificados de acordo com a localidade (12 de cada municpio), idade (menos de 50 anos e
mais de 50 anos) e escolaridade (ginasial, primrio e colegial).10 A natureza do segmento
seguinte (/r/, flap e /s/, palato-alveolar) e a extenso da palavra (trisslabos) foram os
condicionamentos lingusticos mais relevantes na supresso do [y]. Dentre as variveis
sociais, foi selecionada a regio geogrfica (Florianpolis) como aliada da regra.
Quanto ao segundo, os informantes de menos de 50 anos beneficiam a
monotongao, ao contrrio dos que possuem idade acima disso. E, com relao ao ltimo, os
falantes do colegial, os mais escolarizados, empregam menos a variante monotongada,
enquanto os do ginsio e do primrio, os menos escolarizados, empregam mais a reduo do
ditongo. As autoras concluem que a supresso de [j] um processo fontico determinado pela
natureza do segmento seguinte.
Cabreira (1996) analisou a monotongao dos ditongos [aj], [ej] e [ow] nas
capitais do Sul do Brasil, Curitiba- PR, Florianpolis- SC e Porto Alegre- RS, partindo de
uma amostra constituda por 36 informantes do Projeto VARSUL, estratificada de acordo com
a idade (25-50 anos e de 51 anos em diante); grau de escolaridade11 (primrio, ginsio e 2
grau); sexo (masculino e feminino) e variedade geogrfica (Porto Alegre, Florianpolis e
Curitiba).
As variveis lingusticas levantadas foram: vogal do ditongo, sonoridade do
elemento seguinte, posio do elemento seguinte quanto a slaba, tonicidade e natureza
morfolgica. De um total de 1.512 dados, foram obtidas 483 ocorrncias da monotongao do
ditongo [ej], o que equivale a 32%. Seu estudo mostra que a semivogal [j] dos ditongos [aj] e
[ej] s suprimida quando seguida por fricativa palato alveolar ou tepe.
Em razo desse ltimo segmento, a regra de monotongao quase categrica.
Em face disso, o autor realiza duas anlises: uma para os ditongos [ej] e [aj], seguidos por
fricativa palatal surda e sonora, e outra somente para o ditongo [ej], seguido por tepe. Os
fatores selecionados como condicionadores da regra de monotongao na primeira anlise
foram: posio do elemento seguinte, a escolaridade, a sonoridade do elemento seguinte, o
sexo e a variedade geogrfica.
Amostra Digital VARSUL (constituda por trechos de udio entre 5 e 15 minutos de 40 entrevistas) e Banco
de Dados Diacrnico (composto por textos de fontes diversas). A sua finalidade de oferecer: 1. subsdios para a
descrio do portugus falado e escrito no Brasil; 2. condies para teste e desenvolvimento de teorias
lingusticas; 3. condies para formao de novos pesquisadores; 4. subsdios para programas educacionais,
promovendo o conhecimento e o respeito s variedades lingusticas. (COELHO; NAUMANN, 1994) 10 A nomenclatura utilizada sobre os graus de escolaridade a citada pelas autoras. Primrio, ginsio e 2 grau
representam, nos dias de hoje, respectivamente, quatro, nove e onze anos de estudo. 11 As expresses primrio, ginsio e 2 grau utilizadas pelo autor equivalem respectivamente a fundamental 1,
fundamental 2 e ensino mdio.
24
Na segunda anlise, os fatores mais relevantes foram: a natureza morfolgica
(radical), o grau de escolaridade (primrio), o sexo (feminino) e a variedade geogrfica
(Curitiba). Nas duas avaliaes, a pouca escolaridade (primrio) e o sexo feminino so
representativos para a monotongao. Para o autor, os falantes de Florianpolis so os que
mais aplicam a regra, comparados aos falantes de Porto Alegre e de Curitiba.
Paiva (1996) abordou a supresso de [y] no Rio de Janeiro e categrica ao
afirmar que esse fenmeno em determinadas condies fonticas na fala do carioca quase
norma. Foram utilizados dados de 44 entrevistas do Projeto Censo da Variao Lingustica
do Rio de Janeiro, dos quais 2111 itens consistem de ditongo /ej/ em interior de palavra.
Considerando que, em final de palavra, a ocorrncia deste ditongo indica a manuteno de [y],
visto que esta posio se mostrou categrica, tal contexto foi descartado da pesquisa.
Para a autora, a supresso da semivogal do ditongo decrescente /ej/ um
fenmeno sistmico que no recebe influncia de fatores externos e que tambm no
demonstra diferena diastrtica. Foram examinados os seguintes fatores: o contexto seguinte
semivogal quanto ao ponto de articulao e ao modo de articulao, a tonicidade da slaba do
ditongo, a extenso da palavra e a estrutura interna da palavra. Os fatores ponto e modo de
articulao do segmento subsequente so os que influenciam a supresso de [j], seguidos por
extenso e estrutura interna do vocbulo. A tonicidade mostrou-se irrelevante no processo. Os
segmentos velares e palato-alveolares favorecem a reduo de /ej/.
O flap se mostrou o segmento que mais aplica a monotongao, seguido das
consoantes fricativas. As palavras polisslabas, trisslabas e disslabas so aliadas do
fenmeno. A supresso de [j] ocorre com maior frequncia no sufixo. Vale frisar, no entanto,
que a supresso de [j] em eiro, que est diante de flap (contexto favorecedor do
cancelamento de [j]), pode ocorrer em virtude da influncia do segmento seguinte ao ditongo
/ej/ e no morfologia deste sufixo. As variveis sociais foram pouco significativas nesta
pesquisa, ratificando a hiptese da autora de que a reduo desse ditongo quase no
influenciada por elementos externos.
Silva (1997) investigou a monotongao de /ej/ e /aj/ nos falares fluminenses, com
base nos dados do Projeto Atlas Etnolingustico dos Pescadores do Estado do Rio de
Janeiro12, cuja coleta se deu com suporte no recolhimento de questionrios aplicados a
12 O Projeto do Atlas Etnolingustico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) possui um corpus
com 178 horas de gravao no Norte-Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, correspondente a entrevistas com 78
informantes, realizadas em 13 localidades daquela regio. O corpus vem sendo ampliado para atingir as regies
das Lagunas Litorneas, Metropolitana e Sul do Estado do Rio de Janeiro, prevendo-se a incluso de 36 outras
comunidades. O Projeto est sendo desenvolvido no s por meio da recolha sistemtica de dados (constituio
25
informantes dilogos entre locutores e documentadores da pesquisa, estratificados de acordo
com o sexo (masculino), grau de escolaridade (baixo nvel ou analfabetos) e faixa etria A
(18-35 anos), B (36-55 anos) e C (56-70 anos).
Foram controladas as variveis: localidade de origem do pescador, faixa etria,
tonicidade da slaba do ditongo, extenso do vocbulo, posio do acento na palavra,
qualidade do segmento imediato semivogal; como modo e ponto de articulao e posio do
ditongo no radical ou no sufixo em palavras derivadas. Para o ditongo /ej/, das 4072
ocorrncias analisadas, 1354 (33%) mantm o ditongo, ao passo que 2718, (67%) do total
reduzem a semivogal, predominando a variante monotongada.
Observou-se que os fatores mais relevantes para a ocorrncia do fenmeno so o
modo e o ponto de articulao do segmento posterior semivogal. Em seguida, a autora
menciona as variveis tamanho da palavra e acentuao como favorecedoras na primeira
rodada, porm, posteriormente, Silva informa que tais grupos de fatores no se mostraram
realmente significativos, e, por fim, a faixa etria (faixa C) dos informantes. No contexto
ponto de articulao, as pr-palatais so altamente favorecedoras da monotongao, assim
como as labiais.
Arajo (1999) descreveu a monotongao do ditongo [eI] no portugus falado em
Caxias, no Maranho, com base em 801 dados de gravaes de 24 entrevistados. Os fatores
selecionados pelo programa, conforme a ordem de importncia foram: o segmento seguinte, a
velocidade de fala, a escolaridade, a tonicidade da slaba e a idade. A estratificao foi feita
com base no sexo (A- masculino e B- feminino), no grau de instruo (C- analfabetos e D- de
nove a dez anos) e na idade dos falantes (de 15 a 25 anos e mais de 50). No possvel dizer
nada sobre a implementao desse fenmeno no dialeto da cidade, segundo os resultados da
pesquisa.
Para o grupo de fatores segmento seguinte, a monotongao do ditongo [eI] est
bastante avanada nos contextos [r] e [a]. Quanto varivel velocidade de fala, o segmento
semivoclico mais facilmente perdido nas sequncias de falas produzidas mais rapidamente.
No tocante escolaridade, os falantes escolarizados aplicam menos a monotongao. Para a
tonicidade da slaba, conclui-se que o glide mais apagado nas slabas tnicas. Com relao
faixa etria, os falantes mais velhos aplicam mais a regra.
do Arquivo Sonoro referente fala de 49 localidades do Estado) e pela elaborao de cartas lingusticas, mas
tambm pela realizao de estudos nas linhas sociolingustica variacionista e especificamente dialetolgica,
visando descrio e anlise de aspectos fontico-fonolgicos, morfossintticos e lxicos da fala popular do Rio
de Janeiro. (SILVA, 2009).
26
Quanto ao sexo, no h diferenas significativas entre o comportamento de
homens e mulheres. Os falantes de classe baixa so os que mais usam a forma monotongada
do ditongo [eI]. A autora acentua que a regra demonstra diferena diastrtica, podendo ser
objeto de restries em relao modalidade-padro e a no-padro.
Arajo (2000) analisou a monotongao dos ditongos [aj], [ej], [ow] nos dados do
Projeto Portugus Oral Culto de Fortaleza PORCUFORT. As entrevistas ocorreram no
perodo de agosto de 1993 setembro de 1995. Nesta pesquisa, foi utilizada uma amostra
constituda por 74 informantes. Das 2181 ocorrncias para [ej], 1476 aparecem
monotongadas, o que equivale a 68% de aplicao da regra.
Foram testadas as variveis lingusticas: contexto fontico posterior, contexto
fontico anterior, dimenso da palavra, tonicidade da slaba, natureza morfolgica do ditongo
e as extralingusticas: sexo (homens e mulheres), faixa-etria (22 a 35 anos), (36 a 50 anos) e
(51 anos em diante), e tipo de registro (DID - Dilogos entre Informante e Documentador, D2
- Dilogo entre Dois Informantes e EF - Elocuo Formal).
Desses fatores, os que se revelaram relevantes na monotongao do ditongo [ej]
foram: contexto fontico posterior (a fricativa palatal e o tepe), natureza morfolgica do
ditongo (morfema lexical e morfema derivacional), tonicidade da slaba (slaba tnica),
dimenso da palavra (disslabos, trisslabos e polisslabos), tipo de registro (DID e D2) que
possuem o menor grau de formalidade e sexo (homens).
Lopes (2002) investigou a realizao dos ditongos [ej] e [ow] no portugus falado
na cidade de Altamira-PA. Sua amostra foi retirada do banco de dados do Projeto ALIPA
(Atlas Geo-Sociolingustico do Estado do Par)13, sendo constituda por 40 informantes,
estratificados de acordo com as variveis: idade (15-25 anos, 26-45 anos e 46-70 anos) sexo,
nvel de escolarizao (no escolarizado, ensino fundamental e ensino mdio) e renda (baixa e
mdia). Do total de dados coletados, 1456 pertencem ao ditongo /ej/, dos quais 54%
favorecem a reduo de /ej/ a /e/.
13 O ALIPA um projeto de pesquisa da Universidade Federal do Par, cuja finalidade a construo do Atlas Geo-Sociolingustico do Estado e vem sendo ampliado na identificao, anlise e mapeamento da variao
sociolingustica do portugus da regio. O estado foi dividido em 57 pontos de inqurito que foram agrupados
em 6 mesorregies. A pesquisa possui uma metodologia que divide o estudo em rea urbana (Belm, Bragana,
Camet e Abaetetuba) e rea rural. A estratificao dos informantes na zona urbana se d de acordo com o sexo
(masculino e feminino), a faixa etria (15 a 25, 26 a 49, +50 anos), a escolaridade (analfabetos, 1 grau completo
e 2 grau) e a renda (baixa, mdia e alta), no total de 42 indivduos. Na zona rural, de cada municpio, sero
selecionados 2 homens e 2 mulheres, todos alfabetizados at a 4 srie e distribudos, igualitariamente, em duas
faixas etrias (18a 30 anos e 40 a 70 anos). (LOPES, 2002).
27
Das variveis lingusticas testadas (classe morfolgica do vocbulo em que ocorre
o ditongo, posio do ditongo no vocbulo, natureza morfolgica, tonicidade, contexto
fontico seguinte, contexto fontico precedente, tipo de vocbulo e status fonolgico do
ditongo) e sociais (sexo, idade, escolaridade e renda), foram relevantes para a monotongao
de [ej]: contexto fontico seguinte (reduo categrica diante de tepe e favorecimento diante
das fricativas palato-alveolares desvozeada e vozeada), a localizao do ditongo na estrutura
morfolgica da palavra (radical), a natureza da origem do vocbulo (palavras comuns) e a
escolaridade (menos escolarizados).
Farias e Oliveira (2003) examinaram a reduo dos ditongos [ej] e [ow] no
Nordeste do Par, na zona rural, tomando, para anlise, dados da fala de 22 informantes do
Projeto ALIPA (Atlas Geo Sociolingustico do Estado do Par) que se caracteriza pela
aplicao do questionrio Semntico-Lexical, que est dividido em treze campos semnticos,
distribudo em 256 perguntas.
Foram selecionados cinco municpios (Vigia, Capanema, Bragana, Baio e
Camet) da mesorregio do Nordeste Paraense. De cada localidade, foram extrados quatro
informantes, estratificados, igualitariamente, de acordo com o sexo (masculino e feminino) e a
faixa etria (A: 18 a 30 anos; B: 40 a 70 anos). Os resultados obtidos para o ditongo [ej]
evidenciam que
a) o tepe e as fricativas palatais em contexto posterior ao ditongo favorecem o
apagamento do glide;
b) a varivel extenso da palavra tambm se mostrou favorecedora (polisslabos),
ou seja, quanto maior a palavra mais chances de monotongao, bem como
c) a varivel posio do ditongo no item lexical (no meio da palavra tem mais
chances de ser monotongado).
Nenhum fator social relevante para a aplicao da regra. As autoras no
exprimem a frequncia de uso geral da aplicao da regra pois, o que elas fornecem so os
ndices para cada fator individualmente, como, por exemplo: das 352 ocorrncias de [ej]
diante da consoante tepe alveolar localizada aps a varivel, 97,7% tiveram a semivogal
apagada.
Silva (2004) analisou a monotongao de: [aj], [ej] e [ow] no falar da comunidade
de Joo Pessoa- PB. A amostra utilizada faz parte do corpus que integra o Projeto VALPB14,
14 O VALPB um banco de dados de 1993 que apresenta uma amostragem do portugus falado na Paraba,
colhida na perspectiva variacionista, com base nas entrevistas de 60 informantes. Nele encontram-se
armazenados dados de fala em fitas de udio estratificados, conforme as variveis: 1) Sexo (30 informantes do
28
estratificada de acordo com o sexo, anos de escolarizao e faixa etria dos informantes, que
so as variveis sociais controladas, alm dos fatores lingusticos: contextos fonolgicos
seguinte e precedente, valor fonemtico do ditongo, posio do elemento seguinte quanto
slaba, vogal do ditongo, natureza morfolgica e tonicidade. Das 4902 ocorrncias de [ej],
houve 2150 aplicaes, correspondendo a 44%. Dentre os fatores controlados, os segmentos
condicionadores da regra foram: contexto fonolgico seguinte (vibrante, fricativa [] e [])15.
Novamente, temos que o tepe e as palatais condicionam o apagamento quando em
contexto seguinte, por assimilao. O ditongo [ej], tambm quando pretnico, se mostrou
favorecedor da monotongao. Quanto escolaridade, os falantes com menor grau de
escolarizao so os mais inovadores da regra. Segundo a autora, de acordo com os ndices de
reduo, este provavelmente um caso de mudana lingustica consumado.
Pereira (2004)16 realizou um estudo sobre o apagamento dos ditongos /aj/, /ej/ e
/ow/ na fala dos habitantes de Tubaro, em Santa Catarina. A autora discute os resultados de
sua pesquisa em quatro corpora, no entanto, traremos apenas dados do primeiro, que atende o
propsito desta pesquisa por exprimir textos recolhidos da fala espontnea. Deste corpus, a
autora analisa textos orais de 14 informantes tubaronenses estratificados de acordo com o
sexo, a faixa etria e a escolaridade, pertencentes ao PROCOTEXTO/UNISUL. De um total
de 1220 dados, ocorreram 573 monotongos para /ej/.17, ou seja, 47%.
As variveis lingusticas escolhidas pelo programa foram: classe de palavra, tipo
de vogal do ditongo (a, e, o), contexto anterior (anterior ao ditongo), contexto posterior (ou
contexto seguinte ao glide /j/). As variveis extralingusticas controladas foram: localizao
geogrfica, idade (12-16 anos, 25-49 anos e mais de 50 anos) e escolaridade (1 a 4 sries
iniciais, 5 a 8 srie ginasial e 1 a 3 srie do ensino mdio)18. A anlise deste corpus
expressou o contexto fontico seguinte (palatal e tepe) como o nico favorecedor da variante
monotongada do ditongo [ej] e revelou tambm que nenhum fator social condiciona a regra.
Amaral (2005) abordou a reduo do ditongo [ej] em trs municpios do Rio
Grande do Sul - So Borja, Panambi e Flores da Cunha - utilizando dados da fala de 42
informantes do VARSUL. As variveis lingusticas controladas foram:
sexo masculino e 30 informantes do sexo feminino); 2) Faixa etria (20 informantes de 15 a 25 anos, 20
informantes de 26 a 49 anos e 20 informantes com mais de 50 anos); e 3) Anos de escolarizao (12 informantes:
nenhum; 12 informantes: 1 a 4 anos; 12 informantes: 5 a 8 anos; 12 informantes: 9 a 11 anos; 12 informantes:
mais de 11 anos). (HORA; PEDROSA, 2001). 15 A fonte fontica utilizada da prpria autora. 16 No houve percentual geral de /ej/, pois a autora fez uma anlise dos trs ditongos em conjunto. 17 O total de dados tambm inclui ocorrncias de /aj/ e /ow/. 18 A autora utilizou a nomenclatura sobre a varivel escolaridade vigente na poca de sua pesquisa.
29
a) classe de palavras;
b) contexto fontico seguinte;
c) posio do ditongo e tonicidade; alm das
d) variveis extralingusticas,
- faixa etria (menos de 50 anos e mais de 50 anos);
- grupo geogrfico (Flores da Cunha, Panambi e So Borja),
- de etnias diferentes, sendo a primeira cidade de colonizao italiana, a
segunda de colonizao alem e a ltima uma cidade fronteira com a
Argentina, razes pelas quais foram selecionadas; e
- a escolaridade (primrio, ginsio e 2 grau).
Neste estudo, so apontadas como relevantes aplicao da regra as seguintes
variveis: contexto fonolgico seguinte (fricativa palato alveolar e o tepe), tonicidade (slabas
tonas) e classe de palavra (formas no verbais). A nica varivel social selecionada como
relevante foi a faixa etria (menos de 50 anos), que indicou os mais jovens como aliados da
regra, em oposio aos mais velhos (mais de 50 anos). De acordo com a autora, a
monotongao condicionada mais por fatores lingusticos (contiguidade do segmento) do
que por fatores sociais.
Carvalho (2007)19 pesquisou o apagamento dos ditongos decrescentes orais /aj, ej,
oj, aw, ew, ow na comunidade de fala do Recife, dos quais levaremos em conta apenas os
dados e resultados relativos ao ditongo /ej/. A autora entrevistou 48 pessoas, divididas em
dois grupos: falantes do subrbio e falantes de bairros centrais da Capital pernambucana,
metade dos quais com escolaridade de nvel superior e metade com baixo grau de
escolaridade (at quatro anos e mais de quatro anos), todos devidamente distribudos em trs
faixas etrias (a-17-25; b-26-49 e c- de 50 em diante). O corpus exprimiu o total de 1135
ocorrncias, das quais 659 com o glide /j/.
As variveis estruturais testadas foram: posio do ditongo, tonicidade, contexto
precedente, contexto seguinte e classe gramatical e as sociais: sexo, idade, escolaridade e
local de moradia. A autora aponta os seguintes fatores lingusticos como motivadores do
apagamento do glide /j/ no ditongo /ej/ na fala do recifense: contexto fonolgico precedente
(vogal posterior), que se destacou em relao aos outros fatores; contexto fonolgico seguinte
(tepe e palatais) e classe de palavras (nomes, verbos e outros).
19 A pesquisadora no traz a frequncia geral de uso de /ej/, apenas a taxa de /ej/ em relao a /ow/.
30
Para a pesquisadora, as variveis sociais no so condicionantes para do glide do
ditongo /ej/, ou seja, os condicionantes do processo de apagamento so de ordem estrutural.
Os resultados alcanados na pesquisa levaram a autora constatao de que a supresso do
glide foi praticamente categrica diante de palatal e tepe.
Farias (2008) investigou a variao do ditongo [ej] na fala do Estado do Par,
partindo de uma amostra constituda por dados extrados de questionrios do ALiB (Atlas
Lingustico do Brasil)20. Ao todo, foram utilizados 20 informantes, sendo dez homens e dez
mulheres, estratificados de acordo com o sexo, a faixa etria (1 e 2), o grau de escolaridade
(ensino fundamental e ensino superior) e a localidade (Belm, Bragana, Soure e
Jacarecanga).
Foram selecionados oito informantes da Capital, Belm, e quatro de cada uma das
outras cidades. Os condicionadores lingusticos analisados foram: segmento fontico seguinte,
tonicidade da slaba, estrutura silbica da palavra, posio do ditongo na palavra e classe de
palavra que contm o ditongo. Do total de 869 dados, 58% pertencem monotongao de
21. Das variveis controladas, a mais relevante reduo do ditongo foi o segmento
seguinte ao ditongo (tepe e oclusiva velar sonora).
Tambm exercem papel importante no condicionamento da regra: o tamanho da
palavra (polisslabos e trisslabos, principalmente o primeiro), posio do ditongo no interior
da palavra (meio), classe de palavra (adjetivo e substantivo). Os fatores sociais favorecedores
da monotongao foram: a escolaridade (nvel fundamental) e a localidade (Bragana e Soure,
principalmente, a primeira) mostraram-se favorecedoras do processo, enquanto o sexo
(masculino) e a faixa etria (jovens) apresentaram resultados pouco significativos.
Brescancini (2009) investigou a monotongao dos ditongos decrescentes
seguidos por fricativa em coda na comunidade de Florianpolis. Para isso, utilizou uma
amostra de 48 informantes do VARSUL, 22 homens e 26 mulheres, distribudos pelas faixas
etrias (15-20 anos, 25-40 anos, 41-60 anos, 61 anos ou mais) e anos de escolarizao (0-5
anos, 6-9 anos, 11 anos, 14 anos ou mais).
Os fatores lingusticos testados foram: a posio do /S/ no vocbulo: final absoluta
ou final diante de vocbulo; contexto seguinte ao /S/ (coronal, labial, dorsal ou zero);
20 Em 1996, teve incio o Projeto Atlas Lingustico do Brasil (ALiB), cujo objetivo a descrio do portugus no
Brasil, a partir dos dados de 250 pontos de inquritos de vrias partes do pas. A estratificao dos informantes
se d de forma homognea de acordo com a faixa etria (1. De 18 a 30 anos e 2. de 50 a 65 anos de idade) e o
sexo (masculino e feminino). Nas capitais, a varivel escolaridade possui 08 informantes, sendo 04 com nvel superior e 04 com grau fundamental, j nos outros municpios, so 04 respondentes, todos de nvel fundamental. Os questionrios ainda esto sendo aplicados aos informantes dessas cidades brasileiras. (FARIAS, 2008). 21 Forma de apresentar o ditongo da autora.
31
sonoridade da fricativa ([+ voz], [- voz]); papel morfolgico do /S/ (parte do radical, flexo
nominal, flexo verbal). Do total de 875 ocorrncias obtidas com o auxlio do programa
computacional Varbrul 2S, a reduo do ditongo diante de /S/ no aoriano-catarinense ocorre
em 27%, dos dados, ao passo que 73% so de manuteno da regra.
Os resultados revelaram como estatisticamente relevantes pelo programa as
variveis: papel morfolgico do /S/ (flexo verbal) e sexo (feminino). Para a autora, tal
resultado parece indicar que, embora a fricativa palato alveolar favorea a reduo do ditongo
que a antecede, h de fato outros condicionamentos estruturais e lexicais que intervm no
processo, ou seja, a reduo do ditongo decrescente diante de /S/ um processo condicionado
lexicalmente, mas que ainda denota resqucios de condicionamento estrutural,
especificamente o de cunho morfolgico. Quanto ao sexo, tanto para homens quanto para
mulheres, h ausncia de correlao entre reduo e prestgio.
Santos e Chaves (2010) pesquisaram sobre a monotongao dos ditongos /ey/ e
/ow/ por meio de questionrio especfico de entrevista aplicado na zona urbana do Municpio
de Plcido Castro, no Acre. A amostra foi constituda por 33 informantes, distribudos
segundo o sexo (masculino e feminino), a faixa etria (de 20 a 45 e de 46 a 74 anos) e a
escolaridade (nveis fundamental, mdio e superior). As variveis estruturais observadas
foram:
a) modo ou maneira de articulao da consoante seguinte;
b) ponto de articulao da consoante seguinte;
c) nmero de slabas das palavras em que ocorre o ditongo;
d) tonicidade da slaba em que o ditongo se encontra e a ambincia pr-voclica
do ditongo /ey. O corpus foi composto por 1.501 produes, das quais 519
foram de [ey], tendo sido eliminado 1 vocbulo contendo /ey/ por ser
inadequado para os objetivos da pesquisa.
Do total das ocorrncias de /ey/, com todos os contextos correlacionados, 55%
foram de favorecimento da monotongao, contra 45% de realizao do ditongo.
So fatores favorecedores da reduo de [ey]:
a) quanto ao modo e ao ponto de articulao, o tepe, aps o ditongo, o maior
favorecedor da regra; e
b) quanto ao nmero de slabas da palavra em que ocorre o ditongo, os vocbulos
polisslabos tambm atuam no sentido de condicion-la.
As autoras constatam que o apagamento de [j] parece no ser alvo de motivaes
de natureza social e concluem que o fenmeno condicionado por fatores internos.
32
Toledo (2011) investigou a regra de monotongao de [ej] na fala da cidade de
Porto Alegre RS, com esteio na seleo de 14 informantes de nvel superior, oito homens e
seis mulheres do banco de dados do Projeto NURC (Projeto de Estudo da Norma Lingustica
Urbana Culta)22, entrevistados nos anos de 1970 e recontatados no final de 1990 pelo Projeto
VARSUL.
A amostra, que de recontato, foi estratificada segundo as variveis sociais sexo
(masculino e feminino) e idade (A: 20-29 anos (NURC); 47-56 anos (VARSUL) B: 30-39
anos (NURC); 57-66 anos (VARSUL) C: 40-49 anos (NURC); 67-76 anos (VARSUL) D:
mais de 50 anos (NURC); mais de 77 anos (VARSUL). Do total de 28 entrevistas, foram
coletados 179123 dados (760 do Projeto NURC e 1031 retiradas do Projeto VARSUL), dos
quais apenas 667 (37%) favoreceram a monotongao de [ej].
Os fatores lingusticos favorveis a monotongao de [ej] no sul do Brasil foram:
o contexto fonolgico seguinte (tepe e fricativa palatal), constituindo-se o principal motivador
da reduo do ditongo; a natureza morfolgica (radical) e a classe de palavra (no verbos).
Para o autor, nenhum fator social favoreceu a regra e, ao comparar os dois bancos de dados,
constata que no h indcio de mudana lingustica em progresso referente reduo de [ej],
concluindo que o fenmeno analisado um caso de variao estvel. Aps essas anlises, o
autor comparou os seus resultados aos estudos de Cabreira (1996) e Amaral (2005),
concluindo que estes trabalhos convergem parcialmente.
Arajo (2013) tratou do comportamento varivel do ditongo [ej] para as capitais
brasileiras da Regio Norte (Manaus, Belm, Macap, Boa Vista, Porto Velho, Rio Branco) e
Sul (Curitiba, Florianpolis e Porto Alegre) do Projeto Atlas Lingustico do Brasil (ALiB). A
amostra, estratificada em funo: da faixa etria (I 18 a 30 anos e II- 45 a 60 anos), sexo
(masculino e feminino), escolaridade (at a 8 srie do fundamental e ensino superior),
constituda por 56 informantes, oriundos destas nove capitais.
De cada uma destas localidades, foram coletados dados de oito informantes.
Foram analisados, do Questionrio Fontico-Fonolgico (QFF) do ALiB, os seguintes itens
lexicais: prateleira, travesseiro, torneira, peneira, manteiga, teia, peixe, prefeito, bandeira,
22 Em 1969, comeou a ser desenvolvido em cinco capitais brasileiras (Porto Alegre, So Paulo, Rio de Janeiro,
Recife e Salvador), o projeto Norma Lingustica Urbana Culta (NURC), com o objetivo de descrever o falar
culto brasileiro. Com um total de 1870 gravaes de 1570 Horas, o corpus, constitudo por informantes com
nvel superior completo e est estratificado de acordo com as variveis sociais: monitoramento estilstico
(Dilogo entre Dois Informantes, Dilogo entre Informante e Documentador e Elocuo Formal), faixa etria
(22-35 anos, 36-55 anos e 56 anos ou mais) e sexo (masculino e feminino). (TOLEDO, 2011). 23 A frequncia de Toledo (2011) no grfico 1 engloba o total dos dois corpora, por ser amostra composta dos
mesmos informantes reduplicados.
33
correio, companheiro, peito, meia e beijar. Foram realizadas duas anlises: a primeira,
composta de 956 ocorrncias, das quais apenas 377 demonstram a variante monotongada.
A segunda rodada resultou em 825 ocorrncias, das quais 377 foram
monotongadas. Os grupos de fatores controlados neste trabalho foram: contexto fonolgico
seguinte, tamanho da palavra, sonoridade do segmento seguinte, sexo, escolaridade, faixa
etria e localidade. A reduo do ditongo [ej] recebe interferncia dos seguintes fatores:
contexto fonolgico seguinte (o tepe), escolaridade (os menos escolarizados), localidade
(Florianpolis e Manaus) e sexo (homens). Os resultados obtidos indicam que a reduo do
ditongo [ej] um caso de variao estvel nessa amostra.
A seguir, no grfico 1, est a frequncia geral do uso de /ej/ dos estudos reunidos
neste captulo que nos forneceram os percentuais de aplicao e no aplicao da regra
varivel.
Grfico 1 Frequncias gerais do uso de /ej/ e /e/ nos estudos variacionistas
Fonte: elaborado pelo autor
Com esse panorama, possvel observar como o fenmeno se comportou nos
ltimos 30 anos em mbito nacional. Esses resultados preliminares confirmam que a
supresso de [j] configura um caso de variao estvel, embora Veado (1983) tenha
demonstrado haver uma mudana lingustica em curso que favorece a queda do glide, j que
em seu estudo a regra categrica, com 99% de monotongao.
Os resultados posteriores, contudo, como os de Ribeiro (1990), Silva (1997),
Arajo (1999), Arajo (2000), Lopes (2002) e Santos e Chaves (2010) divergem da
34
constatao de Veado (1983) e mostram que h uma disputa entre a aplicao da regra
varivel e a manuteno do ditongo, com percentuais variando de 61% a 68%, em favor da
aplicao da regra, ao passo que as taxas de Lopes (2002) e Santos e Chaves (2010) revelam
uma disputa mais acirrada entre as duas variveis, tendo o primeiro estudo um percentual de
54% de monotongao contra 46% de manuteno do ditongo,
J os resultados das outras cinco pesquisas demonstram percentuais que
desfavorecem a queda do glide, como pode ser conferido ainda no grfico 1, com: Cabreira
(1996) 68%, Amaral (2005) 67%, Brescancini (2009) 73%, Toledo (2011) 63% e
Arajo (2013) 54%. Destaca-se a noo de que o estudo de Toledo (2011) foi produzido
com amparo em amostras de recontato dos bancos de dados do NURC E VARSUL e os
percentuais obtidos formam o somatrio das duas amostras.
Em relao ao trabalho realizado por Arajo (2013), sobre a conduta de /ej/ nas
regies Norte e Sul do Brasil, com suporte nos dados do ALIB, de nove capitais, o ditongo se
mantm resistente na batalha, embora a diferena de uso seja apenas de 8% tambm, mas em
favor do ditongo, ao contrrio do que aconteceu em Lopes (2002).
A reviso da literatura do estudo sob relatrio serviu para reunirmos as nossas
variveis, alm de nos proporcionar uma viso panormica do fenmeno em estudo no
Territrio Brasileiro. Tambm vimos que os grupos mais relevantes para a monotongao
foram: contexto fontico seguinte (tepe e palatais) como confirmados por Lopes (2002), Faria
e Oliveira (2003), Silva (2004), Carvalho (2007), Farias (2008) e Toledo (2011); extenso do
vocbulo (disslabos e trisslabos), por Ribeiro (1990), Paiva (1996), Arajo, A. (2000), Farias
e Oliveira (2003) e Farias (2008); localizao do ditongo na estrutura morfologia da palavra
(radical), por Cabreira (1996) e Toledo (2011); classe de palavras (no verbos), por Amaral
(2005) e Toledo (2011); escolaridade (baixo nvel escolar), por Coelho e Naumann (1994),
Cabreira (1996) e Arajo, M. (1999); faixa etria (mais jovens) por Amaral (2005) e sexo
(homens) Arajo, A. (2000), Arajo (2013).
O conhecimento destas pesquisas propiciou-nos melhor entendimento sobre a
regra em foco, demonstrando-nos que tanto fatores lingusticos quanto sociais influenciam na
aplicao da monotongao e tambm nos revelou a carncia de um estudo descritivo sobre a
regra na fala popular do fortalezense. Com base nisto e no intuito de contribuir com a
descrio do portugus atual, este experimento teve como objetivo principal descrever e
analisar, com base na Sociolingustica Variacionista (LABOV, 2008), a realizao varivel do
ditongo oral decrescente /ej/ no falar popular do habitante de Fortaleza, cuja contribuio
35
cientfica desta pesquisa se mostra no desvelamento de como ocorre a monotongao do
ditongo citado na norma popular da Capital cearense.
A seguir, na Figura 1, encontra-se a distribuio dos estudos variacionistas no
Territrio Brasileiro selecionados para esta pesquisa.
Figura 1. Distribuio dos estudos variacionistas no Territrio Brasileiro.
No captulo seguinte, delineamos a teoria que embasou as pesquisas referidas em
nossa reviso de literatura e consequentemente serviu de pilar para fundamentar esta pesquisa
de base variacionista.
Estudo comparativo: Arajo (2013)
Regio Norte
Farias e Oliveira (2003); Santos e Chaves
(2010); Lopes (2003); Farias (2008).
Regio Nordeste:
Arajo, M. (1999),
Arajo, A. (2000), Silva
(2004) e Carvalho (2007).
Regio Sudeste
Veado (1983); Paiva
(1996); Silva (1997).
Regio Sul
Bisol (1994), Coelho; Naumann (1994), Amaral (2005) e Brescancini (2009);
Meneghini (1983); Ribeiro, (1990);
Cabreira (1996); Pereira (2004) e Toledo
(2011).
Regio Sudeste
Veado (1983); Paiva
(1996); Silva (1997).
36
3 A TEORIA DA VARIAO E DA MUDANA LINGUSTICA
O conceito de variao/mudana lingustica mais bem compreendido, ao
fazermos um breve histrico das vises de lngua que a Lingustica j viu desfilar em seu
campo. A Lingustica se estabelece como cincia, ao ter seu objeto de estudo e mtodo
investigativo pelo pesquisador suo Ferdinand de Saussure, do final do sculo XIX ao incio
do sculo XX, o qual delimitou o objeto, a lngua e desenvolveu um mtodo de investigao
lingustica, o estruturalismo. Como resultado desses estudos de Ferdinand Saussure e marco
da Lingustica como cincia, em 1916, foi publicado o Curso de Lingustica Geral, pelos
alunos do autor Bally e Sechehave, tornando-se um modelo terico reproduzido por vrias
correntes durante dcadas.
Saussure (2009) tinha como objeto de investigao a lngua dos membros de uma
comunidade lingustica, independentemente da pessoa e abstrada da sua existncia histrico-
social, sendo estudada como algo homogneo, pois no era a lngua falada no dia a dia, ou
seja, a lngua real. Em seu legado, o Linguista suo props a distino entre langue (lngua) e
parole (fala). A primeira, unitria e homognea, a parte essencial para a Lingustica,
contrapondo-se segunda, a fala (varivel e heterognea), manifestada como linguagem
individual e, consequentemente, recheada de variao. Saussure (2009) props a segunda
dicotomia: sincronia vs. diacronia. Desta forma, o Pesquisador v a lngua como abstrao em
que ela imobilizada num certo momento, opondo-se ideia de considerar as suas mudanas
ou sua histria.
Saussure, ao explicitar o seu recorte metodolgico, o delimita e o define, clara e
objetivamente, idealizando-o ao mesmo tempo em que o cria. Na sua abordagem, percebe-se
que a lngua apresentada como uma essncia em que h a subordinao do objeto a uma
determinada perspectiva metodolgica. A metodologia saussureana de distino da lngua da
fala, separa o que geral e social do que particular e, exclusivamente, individual. Essa
inequvoca idealizao, complementada na noo de sistema de relaes, que cria um objeto
cientfico, ao mesmo tempo em que possibilita separar o essencial, prprio da lngua, do que
acessrio e acidental, prprio da fala, os chamados aspectos externos, Saussure cria um objeto
de estudos de natureza estritamente lingustica, a langue, como o objeto da Cincia
Lingustica.
Para Saussure, a langue constitui-se como um sistema de signos valioso e
essencial, por ser homognea e social, que vai se acumulando no crebro dos falantes com
procedncia das suas prticas da fala, diferente da parole que heterognea, acessria e
37
acidental, sendo um ato individual de vontade, consistindo em uma manifestao concreta da
langue.
Alm dos estudos pioneiros do Genebrino sobre a langue, outro linguista que
buscou demonstrar que a pessoa j nasce dotada de estruturas mentais que sustentam a
competncia para o desempenho lingustico foi Chomsky (1980), pesquisador estadunidense,
ainda nos anos 1950, inspirado no racionalismo e na tradio lgica dos estudos da
linguagem. Ele exprime uma teoria a que chama de Gramtica, cuja funo no ditar regras,
mas envolver todas as frases gramaticais que pertencem lngua.
dessa maneira que surge a Gramtica Gerativa, uma gramtica universal, com
escopo na qual, por meio de estruturas cognitivas, as pessoas concebem a estrutura da lngua
(qualquer lngua) e assim a aquisio da linguagem acontece. Nesse sentido, os estudos da
linguagem parecem ainda enfocar o inatismo24.
Na verdade, a obra de Chomsky, embora tenha sido intitulada de gerativista (gerar
criar frases) porque permite, desde um nmero limitado de regras, ensejar um nmero
infinito de sequncias, no se afastou do estruturalismo, haja vista o estudo das estruturas de
superfcie e bases profundas, ou seja, estudo da sintaxe e exame da semntica das lnguas.
Chomsky retoma a dicotomia saussureana langue x parole, quando distingue competence x
performance, por considerar a competncia o conhecimento lingustico interiorizado por um
falante ideal, oriundo de uma comunidade de fala homognea, negando, ento, que neste
objeto de estudo da Lingustica seja observada a linguagem dentro da sociedade.
Portanto, mesmo com ideias que o levaram a ser reverenciado em mbito
acadmico como o pai da Lingustica moderna, a relao entre sistemas heterogneos ainda
no havia ocorrido, se levadas em conta a histria da lngua amplamente, a interao do seu
processo constitutivo e a sociedade, as ideologias e a cultura. Um sistema heterogneo,
constitudo por unidades e regras variveis, um mecanismo (modelo) da Sociolingustica
24 O inatismo uma concepo psicolgico-filosfica, defendida pelo linguista Noam Chomsky nos anos de 1950 (1980) sobre o desenvolvimento da linguagem com objetivo de explicar as manifestaes lingusticas
decorrentes dos primeiros anos de vida. Na sua tese, Chomsky (1981) afirma que o ser humano dotado de uma
gramtica inata, nascendo programado biologicamente para determinados conhecimentos e que assinala que as crianas possuem um dispositivo de obteno da linguagem conatural (DAL) que ativado com trabalhos que
vem a partir de sentenas (input), e que a gramtica deriva da lngua na qual as crianas esto expostas.
Chomsky defende a existncia da mente e argumenta que que para se explicar e entender como ocorre dado
processo de aquisio da linguagem necessrio ir alm dos mecanismos fisiolgicos; assim, a linguagem no
resultado da conveno, mas uma caracterstica da herana gentica humana. Para mais informao consultar:
CHOMSKY, Noam. Reflexes sobre a linguagem. Lisboa: Edies 70, 1975.
. Regras e representaes. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
______. O conhecimento da lngua: sua natureza, origem e uso. Trad. de A. Gonalves e A. T. Alves. Lisboa:
Editorial Caminho, 1994. v.2. (Original publicado em 1986).
______. Aspects of the theory of sintax. Cambrige, Massachussetes: M.I.T Press, 1965.
38
para formalizar analiticamente os estudos dos padres de comportamento lingustico
observveis ocorrente em uma comunidade de fala. Seu objetivo buscar respostas referentes
mudana lingustica e que tem base em dois princpios tericos fundamentais:
a) para desempenhar plenamente as suas funes, tanto a comunidade quanto o
sistema lingustico que a serve devem ser heterogneos e plurais, o que os
difere com a abordagem tradicional de identificao entre funcionalidade e
homogeneidade; e
b) a variao ocorrida em cada momento nos padres de comportamento
lingustico observados em uma comunidade de fala que atualizam os
processos de mudana que se verificam nessa comunidade, ressaltando-se que
se ocorrer variao (cf. LABOV, 1972, 1974 e 1982 e 1994; e WEINREICH,
LABOV e HERZOG, 1968). LABOV, 1972, 1974 e 1982 e 1994; e
WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968) motivada por mudana, a variao
no implica necessariamente mudana em curso.
Estudos sociolingusticos variacionistas tm como interesse central descrever, de
modo fundamentado e estatisticamente, um fenmeno varivel, para analisar, apreender e
sistematizar variantes lingusticas usadas por uma comunidade de fala. Para isto, toma em
considerao a influncia de fatores, interno ou externo ao sistema lingustico, que tem uma
ou outra variante. Pela anlise de variveis sociais, a Sociolinguista intenta definir o quadro
de variao observado em uma comunidade de fala, identificando a dicotomia entre variao
estvel e mudana em progresso.
Embora tal heterogeneidade no tivesse surgido ainda, Coelho (2007) argumenta
que uma das grandes preocupaes do Crculo Lingustico de Praga (de 1926) era o de
relacionar os estudos das funes da lngua com a sociedade, objetivando dar mais solidez
compreenso fictcia que os estruturalistas/gerativistas tinham da lngua, ou seja, um conceito
de lngua mais relacionado com sua funo social, seu funcionamento real e a sua existncia
concreta.
Sendo assim, o avano nos postulados estruturalistas de lngua da poca urgia,
passando ao binmio lngua e sociedade, sinalizando assim que a Lingustica comeava a se
preocupar com a lngua em uso, ou seja, com as manifestaes dela em sociedade e, sendo
esta ltima, objeto de interesse da Sociologia, a ligao entre essas duas reas nos anos de
1950 e 1960 deu origem Sociolingustica, ramo da Lingustica que se interessa pelas
relaes entre as variaes da lngua e as sociolgicas (COELHO, 2007).
39
Considera Coelho (2007) ser nesse momento que a mudana25 retoma o seu lugar
dentro da Lingustica, pois a Escola de Praga contribuiu muito para isso, desenvolvendo uma
teoria estrutural para a diacronia, buscando superar assim o postulado saussureano da
incongruncia: histria X estrutura.
Um dos estudiosos que tenta conceituar e definir a Sociolingustica nesse perodo
foi William Bright (1966), quando ministrou uma conferncia nos Estados Unidos, em maio
de 1964, na Universidade de Los Angeles (UCLA), ao defender um trabalho sob o ttulo
Sociolinguistics. Nessa poca, o californiano se encarrega da publicao das atas dessa
reunio, que contou com a presena de William Labov, Dell Hymes, John Gumperz, Charles
Ferguson, entre outros, todos unidos pela vontade generalizada de oferecer a alternativa ao
crescente prestgio e predomnio mundial de uma Lingustica cada vez mais formal,
representada pelas pesquisas de Chomsky (SALOMO, 2011).
Foi nesse contexto que Bright buscou formalizar e sintetizar uma escola terica
sociolingustica, cujo objeto de estudo a diversidade lingustica26, em que fatores
condicionantes esto relacionados identidade social27 do falante, identidade social do
destinatrio e ao contexto.
Apesar do esforo de Bright, contudo, em delimitar o campo de atuao da
sociolingustica, suas teorias tiveram menor impacto do que as pesquisas desenvolvidas por
25 Mudana lingustica diz respeito a conceitos tericos sobre os diversos processos pelos quais mudam os
elementos e sistemas lingusticos na dimenso diacrnica e que indicam haver trs diferentes formas de
desequilbrio ou rupturas da continuidade lingustica a substituio de uma variedade, a unio de variedades e a
ciso de uma variedade. A teoria da mudana lingustica trata das condies gerais da estrutura para que a
mudana inerente ao sistema possa se realizar, do processo de transio com suas fases intermedirias, do
encaixamento de uma inovao no sistema lingustico e no contexto sociolingustico, da importncia da
avaliao para o processo de generalizao das variaes e da anlise do problema de como se inicia um
processo de mudana. 26 Os termos variao lingustica ou diversidade lingustica, introduzidos na literatura lingustica,
principalmente a partir da dcada de 1960 e que se constituram em objeto de estudo da Sociolingustica,
definida [...] como o fenmeno que envolve mltiplos e concomitantes usos de formas com o mesmo significado lingustico, marcado por diferentes significados sociais, segundo o contexto em que ocorrem
(COSTA, 2012 p.5), com base no conceito de variao Consequncia da propriedade da linguagem de nunca ser
idntica em suas formas atravs da multiplicidade do discurso (COSTA, 2012 p.5). Mais detalhes ver:
COSTA, Catarina de Sena Sirqueira Mendes da. Variao/diversidade lingustica, oralidade e letramento:
discusses e propostas alternativas para o ensino de lngua materna. In: SIELP. Anais do... Uberlndia: EDUFU,
2012. v.2, n. 1.Disponvel em:
http://www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wpcontent/uploads/2014/06/volume_2_artigo_062.pdf 27 A identidade uma relao social cuja definio - discursiva e lingustica - est sujeita a vetores de fora, a
relaes de poder. Ochs (1996, p. 289) define identidade social, como um termo que pode abranger uma
gama de personas sociais que um indivduo pode reclamar para si ou atribuir aos outros ao longo da vida, no
sendo, portanto, fixa nem categrica, pois um indivduo pode evidenciar aspectos diferentes de sua identidade
social, como faixa etria, sexo, profisso etc., dependendo com quem se est interagindo e da situao comunicativa na qual se encontra.
http://www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wpcontent/uploads/2014/06/volume_2_artigo_062.pdf
40
Labov, pois, ao persistir na inovao, formulou apenas vagas ideias sobre a relao entre
lngua e sociedade e concebe a Sociolingustica como uma abordagem subordinada aos
fatores da lngua, que viria apenas complementar a Lingustica ou a Sociologia e a
Antropologia, mas esta subordinao foi aos poucos sendo superada por Labov.
Em 1961, o pesquisador de Nova Jersey, William Labov, aps dez anos
trabalhando como qumico, decidiu investigar sobre a lngua inglesa e retornou
universidade, onde percebeu, ao se aproximar da Lingustica, que os pesquisadores da rea
tiravam das suas cabeas os resultados de suas pesq