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7/25/2019 A Natureza Inacabada
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A Natureza Inacabada
Caos, Acaso, Tempo
Contribuio ao SimpsioA Cr ise da Razo, FUNARTE, Rio de Janeiro, 1995,
por
Luiz Alberto Oliveira,
Fsico, doutor em Cosmologia, pesquisador do Laboratrio de Cosmologia e Fsica Experimental de Altas Energias e professor
de Histria e Filosofia da Cincia do Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas - CBPF/CNPq, consultor cientfico do Programa
Transdisciplinar de Estudos Avanados - IDEA - da Escola de Comunicao da UFRJ e do Museu de Astronomia e Cincias
Afins - MAST/CNPq, conferencista da Universidade Livre do Rio de Janeiro.
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A Natureza Inacabada
Caos, Acaso, Tempo
De forma brevssima, poder-s e-ia dizer que a imagem tradicional da operao de conhecimento apia-se, no Ocidente,
sobre a trade clssica Eu - Mundo - Deus: o procedimento de conhecer envolve um sujeito conhecedor que, legitimado por um
Deus verossimilhante, apreende um objeto a ser conhecido; vale dizer, um observador cognoscente, sancionado por um
princpio de ordem, que representa - faz presente uma segunda vez, em seu interior - as substncias do mundo, como em
Descartes. O campo da representao constituiria assim o domnio em que o mundo objetivo se submete ao ato de
conhecimento; na separao entre sujeito e objeto repousaria o mago do paradigma maior, o paradigma-Ocidente. Pensar,
ento, identifica-se a representar.
Todavia, a passagem da Modernidade para a Contemporaneidade seria assinalada, precisamente, pela infirmao
dessas trs figuras do pensamento clssico. A ruptura com o esquema cartesiano se daria de maneira particularmente enftica
no mbito das cincias naturais, a partir da apreciao de que os saberes contemporneos produziram um novo tipo de objetodo conhecimento - o objeto complexo. Sua apario implicaria a destituio de certos resduos da representao , noes
tardias tais como as de tempo global, indivduo finalizado e eu unvoco- que teriam como trao em comum uma aspirao
unitariedade, atributo de sistemas encerrados em si mesmos. Do ponto de vista da constituio de uma viso-de-mundo
renovada, trata-se da substituio de todo um plexo de categorias usualmente empregadas na elaborao e operao do que
concebemos por realidade, colocando simultaneamente em questo o entendimento quotidiano sobre o significado de existir.1
Para investigar o percurso dessa conjetura, conveniente remet-la profunda renovao da cosmoviso moderna
sucedida a partir do comeo de nosso sculo, quando foram superados diversos operadores conceituais associados Fsica
clssica ou Newtoniana, fundamento da concepo termo -mecanicista at ento vigente. Procuraremos assim explorar um
campo de problemas propriamente pertinente Filosofia Natural contempornea - mas que afeta variados domnios da cultura edas prticas - em que tm importncia decisiva as transformaes experimentadas, dentre outras, pelas noes de Caos,Acaso e
Tempo.
A cosmoviso clssica pode ser resumida a partir da considerao de um cenrio bsico no qual corpos materiais
massivos deslocam-se - no mbito de um espaocontinente absoluto (inafetado pelas vicissitudes que porventura sucedam a
seu contedo) e identificado a um espao tridimensional euclidiano (volume) ilimitado - sob a ao mtua de foras , causas
eficientes analticas (expressas por relaes de infinitsimos), que modificam o movimento inercial livre, compondo - ao longo
de um tempo Newtoniano absoluto global, linearizado (geometrizado) e instantaneizado - sucessivas configu raes cujo
encadeamento encarnaria todo o desenrolar da existncia: a biografia do universo.2 As leis da Mecnica prescrevem os
movimentos que os corpos - concebidos como conjuntos de pontos materiais - devero desempenhar (determinismo),
relacionando-os de maneira unvoca s foras ali presentes; contudo, essas leis no exigem uma orientao definida do
parmetro identificado ao tempo, ou seja, so intrinsecame nte reversveis. Tal caracterstica engendra um problema curioso:
como conciliar a evidente direcionalidade (ou flecha do tempo) exibida por uma variedade de fenmenos - por exemplo, as
trocas de calor - com a presumida reversibilidade dos processos elementares que constituiriam todo e qualquer sistema fsico?
1M. Novello, Cosmos e Contexto, Ed. Forense Universitria (Rio de Janeiro, 1988), Cap. 6.
2G. Szamosi, Tempo e Espao: as Dimenses Gmeas, J. Zahar Ed. (Rio de Janeiro, 1988), Cap. 6.
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Para lograr a descrio de tais processos irreversveis, Boltzmann argutamente lanou mo de consideraes de carter
estatstico: uma vez que os movimentos reais das molculas de um gs, digamos, no so na prtica acessveis ao investigador
(embora o sejam em princpio), tudo se passaria como se uma certa aleatoriedade fizesse por se tornar aparente escala
molecular; se, por um lado, essa casualidade microscpica implica na inviabilidade de um conhecimento bem determinado dos
comportamentos dos componentes individuais, por outro assegura a validade de uma descrio estatstica de propriedades
globais - como temperatura, presso, volume, etc - do sistema. Assim a equivalncia entre ignorncia e acaso permitiria
compreender o segundo princpio da Termodinmica (todo sistema isolado tende homogeneidade, isto , decresceprogressivamente seu teor de organizao), bem como a flecha do tempo a ele associada, em termos de argumentos
probabilst icos .3
Deve-se aqui mencionar ainda um importante aspecto pertinente ao esquema Newtoniano, a saber, a identificao da
pequena parte (partcula) de um corpo com um pequeno corpo (corpsculo). Deste modo, assegura -se partcula os atributos
de elementaridade e localizabilidade (individualizao) habitualmente concedidos aos corpos macroscpicos, aos quais se
acrescentar ainda a sujeio a movimentos instantaneizados, r emetidos mobilidade linear do momento-presente (cronalidade).
Bem mais que uma vindicao do atomismo (que, desde meados do Sec. XIX, seria j a doutrina dominante na qumica4), afirma-
se nesta proposio a crena numa simplicidade essencial da Natureza: quer ao nvel elementar, quer no de sistemas compostos,
quer no do Todo, um mesmo esquema explicativo - o mecanicismo - se aplicaria com idntica eficcia. Em correspondncia
constituio de um tal objeto simples , que transpassa as diferentes escalas de ocorrncia de fenmenos, o gnero de
causalidade analtica conferida ao mundo fsco no mbito deste Determinismo Cronal resulta na eliminao cabal do problema
da natureza do tempo (durao). Firma -se o reducionismo como doutrina epistemolgica, atendendo eficientemente
necessidade, conforme tradio cartesiana, de introduzir-se na matria dispersa do mundo a ordenao inequvoca do
pensamento matemtico. No admira que haja se instalado e difundido, na cultura do Ocidente, uma cosmoviso qualitat iva e
reducionista segundo a qual o Universo fsico seria o anlogo de um vasto mecanismo, rigorosamente concatenado, analisvel
com ilimitada preciso e, por conseguinte, plenamente controlvel e predizvel, opondo a imagem de um Cosmos mecnico de
um Caos concebido como limite da desordenao espacial (carncia de forma). Reflete-se aqui uma ambiciosa aspirao por
uma totalizao maqunica da realidade fenomenal que, como se sabe, logo vir a encontrar sua hybris.
De fato, o sculo XX testemunhou a realizao de uma srie de experimentos decisivos e teorizaes audaciosas que
acabaram por demonstrar a inadequao das abordagens clssicas no que tange tanto escala dos componentes microscpicos
quanto do universo astronmico. Para que se pudesse lograr uma correta descrio dessas classes de fenmenos inabituais,
alheios percepo costumeira, verificou-se ser necessrio proceder a uma reviso radical dos prprios princpios que haviam
fundamentado a elaborao do paradigma termo -mecanicista, delimitando-se portanto seu domnio de validade observacional.
Com efeito, a Cosmologia relativstica nos revela um Universo dinmico, histrico e ativo; a Microfsica quntica delinea uma
matria dessubstancializada, elusiva, eivada de indeterminao, configurando-se uma realidade no-objetiva,
fundamentalmente incerta, em relao qual o observador se torna um participador; e ainda, o estudo dos Sistemas Dinmicos
longe do equilbrio conduz concepo de estados caticos marcados pela imprevisibilidade, mas aptos a engendrar
hierarquias sofisticadas de organizao bem como comportamentos ricos em potenciais de evoluo. A revoluo cientfica
contempornea - para usar a bem conhecida denominao de Kuhn5- veio assim motivar toda uma nova compreenso acerca da
realidade fsica bsica, que contribuiu de modo decisivo para a instalao de Imagens de Mundo profundamente originais 6.
Poder-se-ia talvez resumir as consequncias de tal inovao sobre a moldagem do panorama epistemolgico vigente na
3P. Coveney & R. Highfield,A Flecha do Tempo, Ed. Siciliano (Rio de Janeiro, 1993), Cap. 5.
4J. Rosmorduc, Uma Histria da Fsica e da Qumica, J. Zahar Ed. (Rio de Janeiro, 1988), Cap. 5.
5T. S. Kuhn,A Estrutura das Revolues Cientf icas, Ed. Perspectiva (So Paulo, 1975), Cap. 9. 6E. Morin, O Mtodo , Vol. I, Publicaes Europa-Amrica (Lisboa, 1987), Parte I.
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atualidade associando-as introduo de uma nova concepo de objeto de conhecimento - o objeto complexo . Para explorar
essa hiptese conveniente problematizar, em particular, os campos ideativos pertinentes s noes de Substncia, de
Totalidadee de Temporalidade.
A descoberta do carter quntico do mundo microfsico, para muitos a mais bem verificada observao produzida pela
Cincia, refere-se dupla descontinuidade que se manifesta entre os componentes microscpicos da matria: matria e energia,
corpo e movimento, so ambos atomizados, ou seja, tm por elementos nmeros inteiros de unidades discretas (no caso de
trocas energticas, os quanta de ao). Uma vez que a perturbao mnima que se pode exercer sobre um dado sistema
corresponder absoro ou emisso de uma unidade de ao - um quantum - dever doravante ser levada em conta a
inevitvel interveno exercida sobre o sistema durante o processo de conhecimento, abandonando-se a pressuposio de que
o ato experimental possibilitaria a descrio simultnea, com preciso ilimitada, de todas as suas variveis fisicamente
relevantes. Mesmo o mais sofisticado dos aparatos de medida no poderia extrair seno uma parcela limitada da informao
necessria para determinar, maneira clssica, a evoluo do sistema 7. A introduo desta indeterminao - ou, mais
exatamente, incerteza - na instncia, assaz fundamental para nossa apreenso do mundo natural, dos micro -objetos, resulta
equivalente (ou poderamos dizer, expressa?) apario de uma aleatoriedade bsica inerente a todosos eventos em escala
microscpica. Esse aspecto de indeterminao - bem como a consequente previsibilidade limitada, to somente estatstica - do
comportamento dos sistemas qunticos so fatos da natureza na medida em que constituem caractersticas essenciais e
incontornveis de nosso conhecimentoda natureza 8.
Na perspectiva quntica , portanto, os objetos elementares sob considerao - quer sejam molculas, tomos, ncleos
ou outros componentes - no possuiro propriedades definidas seno a posteriori do procedimento experimental; s se poder
prever a probabil idade de que um dada configurao, dentre uma variedade de potencialidades ou estados virtuais, atualize-se
ao cabo da medio9. A realidade quntica no exibe objetos com atributos continuamente estveis e definidos; por exemplo,
de acordo com a pergunta (isto , o tipo escolhido de aparato de medida) que um observador dirigir a um eltron, este se
apresentar ora como um corpsculo (evento localizado), ora como uma onda (padro extenso)10.A partcula quntica no se
reduz a um corpsculo. No h sentido em procurar conceber o que seria o eltron em si, independentemente da perturbao
ocasionada pela observao; as formas tornam-se precrias, as essncias, imprecisas - assim, convem aposentar o conceito,
venerandamente aristotlico, de substncia como o substrato bsico de que so compostas as coisas do mundo
(Hilemorfismo)11.
O que chamamos de mundo objetivo seria ento a expresso macroscpica de uma trama de relaes microscpicas
qunticas que no padecem, elas mesmas, de objetividade12. Uma vez que as leis qunticas incidem sobre as possibilidades
de uma dada configurao vir a serefetivada, verifica-se como que um espessamento do presente, pois a passagem da potncia
ao ato no ser imediata nem autnoma com respeito ao observador. Segundo Heisenberg, a concepo aristotlica depotent ia
sofrer um deslocamento, de idia qualitativa para idia quantitativa13
: a teoria quntica procurar explicar a variedadequalitativa em termos de variaes de quantidades; generalizaes abstratas cedero o lugar para morfologias empricas; e
sobretudo, graas noo quntica de metaestabilidade, o foco da pesquisa do princpio de individuao se transferir do
7H. Pagels, O Cdigo Csmico, Ed. Gradiva (Lisboa, s/d), Parte I.
8N. Bohr,Fsica Atmica e Conhecimento Humano, Ed. Contraponto (Rio de Janeiro, 1995), Cap. 4. 9N. Herbert,A Realidade Quntica, Ed. Francisco Alves (Rio de Janeiro, 1989), Cap. 8.
10M. Paty,A Matri a Roubada , EDUSP (So Paulo, 1995), Cap. 5.
11W. Heisenberg,Fsica e Filosof ia, Ed. UnB (Braslia, 1981), Cap. 5.
12J. Gribbin, Procura do Gato de Schrd inger, Ed. Presena (Lisboa, s/d), prlogo.
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indivduo terminado, caracterstico do esquema hilemrfico, para o processo de individuao14. Doravante, para as cincias
fsicas a noo de Rea l se desdobrar em duas modalidades, a saber, uma referente Realidade existente, outra Pr-
Realidade potencial. Por detrs - ou aqum - da realidade atual, efetiva, regras matemticas governam o possvel.15Extingue-se,
no domnio quntico - repita-se, a mais bem testada teoria fsica j elaborada - a utilidade de certas metforas tradicionais; a
contradio entre ser e no-ser no mais poder ser representada pela oposio entre cheio e vazio... O vazio quntico, com
efeito, se identificar menos com uma nulificao por carncia de acontecimentos, por privao de ser, do que com uma matriz
labirntica em que subexistem todos os possveis mundos - virtualidades singulares pr-individuais que um lance de dadosconverter em atualidades necessrias16.
A teoria quntica implica uma transformao radical da teoria da observao (operao de medida), e foi motivada por
uma inconsistncia entre as teorias clssicas sobre a estrutura da matria e a natureza da luz - que recebeu a potica
denominao de catstrofe ultravioleta da radiao do corpo negro 17. Todavia, no seria este o nico eixo segundo o qual a
revoluo cientfica contempornea veio a suceder. Aps considerar longamente certas incongruncias entre as prescries da
Mecnica e do Eletromagnetismo, no anno mirabili de 1905 Einstein apresentou uma nova fundao conceitual para regular a
comparao de medidas obtidas por diferentes observadores, centrada no mais na invarincia galileana dos intervalos
temporais (o que permitia a absolutizao da noo de simultaneidade de eventos) e sim no carter invariante agora conferido a
uma razo entre medidas de espao e de tempo - a velocidade de propagao da radiao luminosa18. Esta nova teoria da
relao entre observadores resultou no que Szamosi chama de ruptura da fundao mamfera da apreenso da estrutura
geomtrica do mundo fsico.19Com efeito, o cenrio clssico de um espao tridimensional Euclidiano no qual corpos macios,
estveis e impassveis coordenam-se pela ao instantnea, distncia, de foras mecnicas ao longo do transcurso de um
tempo universal e absoluto cede lugar, no mbito da teoria da relatividade Einsteiniana, ao continuum espao-tempo
quadridimensional de Minkowski, inaugurando-se do mesmo modo a possibilidade de converso mtua entre massa e energia:
as distines entre tempo e espao e entre corpo e movimento tornam-se fisicamente irrelevantes.20
J em 1917 Einstein, a partir exclusivamente de princpios primeiros e independentemente de quaisquer evidncias ou
dados sugestivos, completou a elaborao da teoria da Relatividade Geral - para Max Born, o maior feito do pensamento
humano sobre a natureza, a mais impressionante combinao de penetrao filosfica, intuio fsica e habilidade matemtica.21
Procurando generalizar, para observadores em estado arbitrrio de movimento, uma forma operacional do princpio de
invarincia das leis fsicas (ou seja, tais leis devem ser expressas por relaes matemticas que manifestamente exibam
independncia com respeito ao particular procedimento de etiquetao dos eventos fsicos, por meio de um dado sistema de
13W. Heisenberg, A Descoberta de Planck e os Problemas Filosficos da Fsica Atmica, inProblemas da Fsica Moderna,
Ed. Perspectiva (So Paulo, 1969).14
G. Simondon, LIndividu et sa Gense Physico-Biologique, Presses Universitaires de France (Paris, 1964), Introduo.15W. Heisenberg,Fsica e Filosof ia, op. cit., Cap. 3; The development of the interpretation of the quantum theory, in W.
Pauli, L. Rosenfeld e V. Weisskopf, Eds.,Nie ls Bohr and the Development of Physics , McGraw-Hill (New York, 1955).16C. Chevalley, La Fsica Cuntica y los Griegos , in B. Cassin, Ed.,Nuestros Griegos y Sus Modernos, Ed. Manantial (Madrid,1995). 17Heisenberg,Fsica e Filosofia, op. cit., Cap 2.
18A. Einstein, Sobre a eletrodinmica dos corpos em movimento, in H. A. Lorentz, A. Einstein e H. Minkowski, O Princpio da
Relatividade, Fundao Calouste Gulbenkian (Lisboa, 1983); E. Speyer, Seis Caminhos a partir de Newton, Ed. Campus (Rio deJaneiro, 1995), Cap. 5.19Szamosi, op. cit., Cap. 7.20H. Minkowski,Espao e Tempo, in O Princpio da Relatividade, op. cit.; R. Rucker, The Fourth Dimension, Houghton
Mifflin Co. (Boston, 1984), Cap. 1.21M. Born,Einsteins Theory of Relativi ty, Dover (New York, 1965), Introduo.
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rguas e relgios, adotado por um observador especificado 22), Einstein termina por promover uma imprevista e fecunda
combinao entre as caractersticas de observadores sob acelerao (no-inerciais), a interao gravitacional (a fora universal
de atrao entre as massas, descoberta por Newton) e a estrutura geomtrica do espao-tempo (que agora constitui, como
vimos, o cenrio bsico global para a descrio dos eventos fsicos).23Deste modo, os campos gravitacionais gerados por uma
dada distribuio de matria-energia sero associados, de maneira no-linear, a tenses elsticas do tecido espaciotemporal,
deformaes da estrutura geomtrica. A gravidade (for a) se identifica curvatura do espao -tempo (geometria).24A
caracterizao da estrutura do espao-tempo como uma geometria no-Euclidiana dos espaos curvos de Riemann permitirconferir um contedo operacional noo fundamental de intervalo entre dois quaisquer eventos.25Os notveis sucessos da
teoria no que tange a fenmenos escala do sistema solar garantiram-lhe o estatuto de quadro conceitual de fundo para a
investigao do Cosmos, do universo astronmico; coube-lhe sobretudo assimilar a extraordinria observao de Hubble
acerca do afastamento uniforme das galxias 26(ou seja, que o Universo encontra -se num estado dinmico de expanso global),
que assinala o nascimento da atual Cosmologia Relativstica.27
A investigao da peculiar entidade fsica que denominamos de Cosmos realizada, no escopo da Relatividade Geral,
atravs da elaborao de modelos matemticos presumivelmente capazes de representar a estrutura geomtrico-gravitacional
Riemanniana que, de acordo com as equaes de Einstein, estaria associada ao contedo material do Universo em larga escala.
Este contedo, segundo a astronomia profunda nos revela hoje, se assemelharia a um fluido ou gs (composto por
superaglomerados de galxias) notavelmente homogneo e submetido a um processo expansivo - caractersticas que induziram
a adoo da geometria espacialmente homognea e isotrpica de Friedman-Robertson-Walker como o modelo cosmolgico
padro .28Em conjuno com as teorias de unificao da Fsica de Altas Energias, o modelo FRW permitiu a elaborao de uma
histria trmicado material csmico, desde uma exploso primordial, um prodigioso instante cosmognico (Big-Bang)que
assinalaria a entrada em existncia do prprio Universo.29
O que nos interessa aqui a apario no domnio das cincias fsicas, graas aos modelos cosmolgicos relativsticos,
de uma nova figura de totalidade: o espao-tempo Riemanniano da Relatividade Geral, que pelas equaes geometrodinmicas
de Einstein se articularia no-linearmente com a distribuio de matria-energia em escala-csmica. O carter universal (ou seja,
o alcance infinito) da atrao gravitacional lhe assegura a funo de organizar essa totalidade de modo a constituir um Cosmos
(quase que em seu sentido grego original de todo ordenado ). Espao-tempo -matria-energia: eis a nova face do Todo, de
Tudo-o-que-existe. Particularmente notvel o fato de dispormos de evidncias acerca de caractersticas globais dessa
entidade, como sua homogeneidade e sua mutabilidade, seu estado dinmico de expanso Friedmaniana; a Totalidade pode ser
observada. Todavia, ainda que legtimo do ponto de vista epistemolgico, o TodoEvolutivo, foco do estudo da Cosmologia,
ser um objeto fsico deveras notvel.
De fato, desde os trabalhos pioneiros de Einstein, Lemitre, Eddington e outros o projeto cosmolgico contemporneo
de construo de uma racionalidade matematizada para o Universo fsico convergiu para a tentativa de conceitualizao de uma
totalidade unitria, fechada, auto-referente e (de acordo com o preceito relativista) organizada to-somente pela gravitao.30
Tal concepo, contudo, envolve dificuldades tcnicas, filosficas e mesmo lgicas (como indicado pelo Teorema de Gdel
22P. C. W. Davies, Space and Time in the Modern Universe, Cambridge University Press (London, 1977), Cap. 4.
23F.Durham & R. D. Purrington,Frame of the Universe , Columbia University Press (New York, 1983), Cap. 13.24N. Calder, O Universo de Einstein, Ed. UnB (Braslia, 1988), Cap. 16.
25Novello, op. cit., Cap. 2.
26T. Ferris, O Despertar na Via-Lctea , Ed. Campus (Rio de Janeiro, 1990), Cap. 11.27H. Reeves, Um Pouco Mais de Azul, Ed. Martins Fontes (So Paulo, 1986), Parte I.28Durham & Purrington, op. cit.,Cap. 14; Ferris, op. cit., Cap. 11.
29S. Weinberg, Os Primeiros Trs Minutos, Ed. Gradiva (Lisboa, 1988), Cap. 5.30A. Wilden, System and Structure , Tavistock Publications (London, 1984), Introduo.
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sobre sistemas formais privados de contexto31). Por exemplo, se o cosmos relativstico se identifica totalidade dos eventos
fsicos, parece razovel definir-se existir por acontecer no espao e no tempo. Mas a prpria teoria prev a ocorrncia de
situaes paradoxais em que entidades bizarras elidem toda possibilidade de representao espaciotemporal - buracos negros,
buracos brancos, horizontes causais, circui tos cronolgicos fechados (viagens no tempo), torpezas topolgicas... Qual o
estatuto de existncia dessas configuraes peculiares, que embora postas em cena pela prprias regras do jogo, acabam por se
evadir de nosso domnio de representao? Seria talvez necessrio invocar uma modalidade ainda mais abrangente de
realidade, que subsumisse igualmente a essas entidades exticas?
32
Essa crise da representao espaciotemporal sugere umimpasse nos prprios fundamentos metacosmolgicos em que se apia a cosmologia clssica, que parece demandar por uma
profunda crtica da raz o cosmolgica.33
Presentemente, os cosmlogos consideram ultrapassada a verso simplista, muito popular nas ltimas dcadas, que
atribui a origem do Universo a uma singular idade inicialclssica, isto , no-quntica (Big Bangno sentido estrito), em que
todas as grandezas fsicas relevantes seriam divergentes, teriam valor infinito. Limite absoluto para o conhecimento do mundo
fsico, a concepo de um tal momento indescritvel de criao vem sendo abolida a partir dos esforos recentes de construo
de um modelo cosmognico no qual convergiriam as duas grandes teorias fsicas do sculo XX, a Relatividade e a teoria
quntica.34 Delinea-se aqui uma nova proposta de matriz para o cosmo: o vazio quntico, estado fundamental dos campos
fsicos que, tendo por motor a aleatoriedade da incerteza, se atualizaria num multiversodo qual a estrutura clssica que hoje
identificamos seria apenas uma das possibilidades de expresso. Os esboos at aqui elaborados de uma tal cosmologia
quntica so ainda eivados de dificuldades; por exemplo, a equao de Wheeler-DeWitt, que presidiria o engendramento e
apario de estruturas mtricas, parece dispensar inteiramente qualquer parmetro temporal - levando Penrose a observar que o
grande problema que a fsica dever proximamente enfrentar seria precisamente o da gnese da temporalidade.35De todo modo,
a introduo de uma tal matriz csmica - estado primordial no qual ainda no se desdobraram as dimenses mtricas nem se
distinguiram as linhagens de matria - vem renovar o estudo das caractersticas da totalidade: o Todo Evolutivo, que tem
histria, tem tambm uma pr-Histria, ou seja, um contexto .36Dada a incerteza inerente aos processos qunticos, a gerao de
formas, a produo de ordem, tero aqui um carter impredizvel - mas ainda assim, dizvel.Que este estado pr-individualizado
tenha o carter de uma complicatio , em que esto em dobradura todas as possveis dimenses ou fases do ser, e que odisparador da atualizao dos mundos seja o puro acaso, so aspectos que apenas dramatizam a entrada em cena do conceito
de um Universo contextualizado, incorporado a um plexo ulterior de relaes que o abrange e ultrapassa - enfim, de uma
totalidade aberta. Poder-se-ia especular aqui acerca de uma possvel metamorfose a que se submeteria a noo de
singularidade, que de anomalia extensa estourando de divergncias pareceria se aproximar de um caos intensivo, campo de
intensidades pr-individuais.37
Talvez o legado mais duradouro de Newton seja no uma particular teoria ou hiptese, mas sim a separao do
problema da descrio do comportamento de um sistema fsico qualquer em dois termos, a saber, a especificao da
configurao do sistema numa certa ocasio (fixao de condies iniciais), seguida pelo estabelecimento de relaes que
governem a sucesso de seus estados (leis de evoluo).38Por exemplo, a noo de trajetria, na mecnica clssica, remete a um
31D. R. Hofstadter, Gdel, Escher & Bach, Vintage Books (New York, 1980), Cap. 14; Wilden, op. cit., Cap. 5.
32Novello, op. cit., Cap. 6.
33Ver o artigo de Mario Novello no presente volume.
34Novello, op. cit., Cap. 7.
35R. Penrose,A Nova Mente do Rei , Ed. Campus (Rio de Janeiro, 1995), Cap. 7.
36Novello, op. cit., Cap. 13.
37G. Deleuze,Diferena e Repetio, Ed. Graal (Rio de Janeiro, 1988), Cap. V.
38F. Balibar,Einstein: uma Leitura de Galileu e Newton, Edies 70 (Lisboa, 1988), Cap. 2.
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conjunto de posies referidas a uma linha de instantes, de modo a encarnar, atravs de equaes diferenciais infinitesimais,
uma forma matemtica particular. O carter estritamente determinista atribudo s equaes diferenciais pareceria implicar um
poder de previso limitado to somente pela qualidade dos dados iniciais. curioso observar que, embora tenha sido
precisamente esta a vertente pela qual veio a se instalar a doutrina mecanicista, a previsibilidade irrestr ita no um atributo
necessrio dos sistemas dinmicos; com efeito, deriva menos do carter explicitamente determinista das leis de evoluo que da
pressuposio implcita de linearidade das relaes dinmicas.39 Os processos f sicos caracterizados por equaes lineares
podem ser descritos pela soma simples de partes elementares, onde cada uma guarda sua individualidade inalterada; assim, cadaconfigurao pode ser entendida como consequncia da justaposio de outras.40Deste modo, estruturas simples s podem
exibir comportamentos simples. Processos no-lineares, ao contrrio, acarretam uma concepo diferente de sistema ,
envolvendo uma composio recorrente entre o todo e a parte: o todo serve como meio para o elemento agir sobre si mesmo, e
vice-versa.41
O fato de os sistemas lineares serem muitssimo menos abundantes que os no-lineares no impediu a entronizao do
dogma clssico, como vimos anteriormente; contudo, o continuado fracasso das abordagens redutivas - que buscavam tratar os
fenmenos no-lineares como aproximaes, pequenos desvios, da estimada simplicidade linear - conduziu enfim reviso da
postura oriunda do mecano-determinismo. Hoje se sabe que mesmo sistemas mecnicos bastante simples, regidos por leis
estritamente deterministas, podem manifestar comportamentos muito complexos - e at mesmo cabalmente impredizveis - merc
de uma forte sensibilidade a variaes das condies iniciais.42 A no-linearidade explorada por essas teorias do caos
determinstico permite que minsculas flutuaes dos dados iniciais acumulem-se e amplifiquem-se at engendrar
significativos efeitos globais (como o caso do famoso efeito borboleta 43). A distino entre sistemas simples e complexos
com base na ocorrncia de imprevisibilidades no mais ter validade genrica. Um exemplo de teoria fsica explicitamente no-
linear, como j mencionamos, a Relatividade Geral, em cujo escopo admissvel a apario de um notvel processo de
autocatlise pelo qual a gravitao gera gravitao - ou seja, modelos em que campos gravitacionais (ou deformaes da
geometria) cosmolgicos alteram suas caractersticas interagindo consigo prprios. Em consequncia, pode-se at me smo gerar
uma configurao no-determinista em que a evoluo do Universo apresentar bifurcaes.44Outro exemplo de renovao dos
fundamentos conceituais da linearidade oferecido pela moderna Termodinmica, em que os atributos de equilbrio ereversibilidade - indissoluvelmente ligados ao axioma da simplicidade linear - no mais dispem do valor de paradigmas para a
descrio de processos complexos, aptos a exibir irreversibilidade.45A filosofia natural da temporalidade - o estudo do problema
da gnese e da constituio das diversas formas de temporalizao, cronais e no-cronais, que testemunhamos na natureza -
pde assim ser examinada a partir de pontos de vista originais.46
Embora a profunda transformao da cosmoviso moderna implicada pela revoluo cientfica ps-Newtoniana a que
aludimos acima (correspondente, como vimos, instalao no mbito da Fsica doparadigma quntico -relativstico -complexo )
esteja ainda longe de ser inteiramente compreendida, suas consequncias sobre a modelagem da interpretao de mundo
vigente so extremamente vvidas, por colocarem em questo o prprio entendimento sobre o significado de existir. Se, como
39I. Prigogine & I. Stengers, A Nova Aliana, Ed. Gradiva (Lisboa, 1986), Introduo.
40Novello, op. cit., Cap 2; Wilden, op. cit., Cap. 12.
41G. Simondon,LIndividuation Psychique et Collective, Editions Aubier (Paris, 1989), Introduo.
42I. Stewart, Ser que Deus joga dados? , Ed. J. Zahar (Rio de Janeiro, 1991), Cap. 9.
43J. Gleick, Caos, Ed. Campus (Rio de Janeiro, 1990), Cap. 1.
44Novello, op. cit., Cap. 10.
45I. Prigogine & I. Stengers, Entre o Tempo e a Eternidade, Ed. Gradiva (Lisboa, 1990), Cap. 4.
46L. A. Oliveira, O Tempo e suas Imagens (em preparo).
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sugere Jorge Luis Borges47, a histria do conhecimento a histria da produo e reiterao de umas tantas imagens, torna-se
imperioso discutir a extraordinria preeminncia adquirida pelos saberes da Cincia na elaborao dos planos ideativos que
fundamentam a concepo de mundo das sociedades contemporneas e suas prticas tcnicas, sociais e ambientais.
Deste ponto de vista, trs das contribuies oferecidas pela Cincia de nossos dias parecem ser de uma importncia
indiscutvel: referimo -nos aos campos conceituais aqui reunidos sob os ttulos de Totalidade,Complexidade eIndividuao.
Pode-se afirmar que esses campos conceituais atravessam a maior parte dos saberes atuais sobre a natureza, em
correspondncia produo de uma nova noo de objeto do conhecimento - o objeto complexo. O engajamento dos conceitos
associados temtica do objeto complexo e sua ressonncias francamente transdisciplinares privilegiaria, precisamente, a
pluralizao de potencialidades conect ivas, atendendo assim ao desafio de identificar e expor as intersees mais significativas
de diferentes campos especficos de saber com os planos ideativos referentes trade Totalidade-Complexidade-Individuao.
A noo quntica de metaestabilidade, por exemplo, permitir conceber a proliferao de assimetrias temporais como
propriedades cole tivas de sistemas , desdobrando-se a part ir de operaes transdutivas, integraes dspares que tm por
motor um Acasoestruturante. A imanncia desta aleatoriedade conduz a uma inteligibilidade paradoxal - todavia, apta a traduzir
o engendramento de novas composies formais a partir da defasagem de uma multiplicidade pr-individual metaestvel ou
Caos, correspondente em ltima anlise ao prprio reino da complexidade. Da uni tar iedade substanciali sta complexidade
multifria: mltiplas temporalidades, caos cosmgeno, individuao interminvel. Elementos de um materialismo renovado,
rumo ultrapassagem do cartesianismo, antecipando um novo problema, o da matria pensante . Complementar apario do
objeto complexo, assiste-se a emergncia de um sujeito acentrado, praticante de uma Razo transdutora da qual no esto
ausentes a corporeidade, a paradoxalidade e o mpeto artstico.48A imagem de umaNatureza Inacabada : eis o novo mbito no
qual se poder refletir sobre a constituio da matria, o comportamento dos seres vivos, as formaes psquicas pessoais e
coletivas, e a elaborao de uma tica da - ou melhor,para a - complexidade.
47J. L. Borges,A Esfera de Pascal, inNova Antologia Pessoal, Ed. Difel (So Paulo, 1982), parte IV.
48Deleuze, op. cit., Introduo.
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Agradecimentos:Esta contribuio devida ao estmulo sempre bem-vindo de Adauto Novaes; tampouco se realizaria
sem a longa colaborao com os Professores Mario Novello e Jos Martins Salim do Grupo de Cosmologia e Gravitao do
CBPF/CNPq. Agradecimentos so igualmente devidos aos Professores Roberto Moreira Xavier, Cludio Ulpiano e Mrcio
Tavares DAmaral, bem como a mu itos outros colegas e alunos. Procurou -se, nas citaes bibliogrficas, indicar sempre que
possvel referncias desprovidas de carter tcnico, e portanto acessveis ao leitor no especializado. Enfim, este trabalho
dedicado memria de Stella Goulart Marinho.