107

Click here to load reader

A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

1

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

Rio de Janeiro

2008

Maj Art JORGE ROBERTO DOS SANTOS SOUZA

A Nova Ordem Mundial, os Novos

Conflitos Internacionais e o Brasil.

Page 2: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

1

Maj Art JORGE ROBERTO DOS SANTOS SOUZA

A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos

Internacionais e o Brasil.

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Escola de Comando e

Estado-Maior do Exército, como requisito

parcial para a obtenção do certificado de

Especialização em Ciências Militares.

Orientador: Maj Cav AMARO SOARES DE OLIVEIRA NETO

Rio de Janeiro

2008

Page 3: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

2

Maj Art JORGE ROBERTO DOS SANTOS SOUZA

A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos

Internacionais e o Brasil.

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Escola de Comando e

Estado-Maior do Exército, como requisito

parcial para a obtenção do certificado de

Especialização em Ciências Militares.

Aprovado em 10 de setembro de 2008.

COMISSÃO AVALIADORA

______________________________________________________

Amaro Soares de Oliveira Neto – Maj Cav – Dr. Presidente

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

______________________________________________________

Marco José dos Santos – Maj Inf – Dr. Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

______________________________________________________

Raphael Moreira do Nascimento – Maj MB – Dr. Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

Page 4: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

3

À minha esposa Claudinéa e aos meus filhos

Arthur e Letícia pelo amor, carinho e

compreensão.

Page 5: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

4

RESUMO

O presente trabalho explora as transformações ocorridas no mundo após a implosão

da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Tal fato, determinou o fim

do confronto Leste – Oeste que vigorava no mundo desde o fim da Segunda Guerra

Mundial, quando o mundo foi dividido em duas áreas de influência. Para tanto, a

Nova Ordem Mundial é analisada de acordo com os quatro principais Campos do

Poder, verificando as mais importantes tendências mundiais, buscando-se

caracterizar a multiplicidade de níveis de conflitos, bem como os novos tipos de

crises internacionais, que ganharam espaço com o novo sistema mundial. Neste

contexto, são identificados aspectos relativos a ONU, seu Conselho de Segurança e

as pretensões do Brasil em relação ao principal organismo internacional, bem como

suas respectivas funções nesse novo cenário. Diante desse novo cenário, são

abordados os possíveis reflexos do re-ordenamento internacional para o Brasil. O

desenvolvimento nacional deve ser facilitado em função das oportunidades surgidas

com o novo sistema, entretanto, a soberania nacional pode ser limitada, de acordo

com os novos interesses internacionais. Finalmente, conclui-se que a Nova Ordem

Mundial projeta condicionantes que advertem sobre a necessidade de o Brasil

desenvolver políticas e estratégias que limitem esses óbices e permitam a

consolidação de seus Objetivos Nacionais Permanentes no início do novo milênio.

Palavras-chave: A Nova Ordem Mundial, os novos conflitos e Brasil.

Page 6: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

5

RESEÑA

El actual trabajo explora las transformaciones ocurridas en el mundo después de la

implosión de la Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Tal hecho,

determinó el final de la confrontación Este - Oeste que exisitió en el mundo desde

el final de la Segunda Guerra Mundial, cuando el mundo fue dividido en dos áreas

de influencia. De tal manera, el Nuevo Orden Mundial és analizado de acuerdo con

los cuatro campos principales de el poder, verificando las tendencias mundiales más

importantes. Luego, si busca caracterizar la multiplicidad de niveles de conflictos, así

como los nuevos tipos de crisis internacionales, que han ganado espacio con el

nuevo Sistema Mundial. En este contexto, se identifican los aspectos relativos a la

Organización de Naciones Unidas, el Consejo de la Seguridad y las pretensions del

Brasil en lo referente al principal organismo internacional de estos días, así como

sus funciones respectivas en este nuevo escenario. Delante de esta nueva escena,

se aborda los posibles efectos del reordenamiento internacional para el Brasil y

como el desarrollo nacional debe ser facilitado en función de las oportunidades que

van a surgir con el nuevo sistema, sin embargo, la Soberanía Nacional puede ser

limitada, de acuerdo con los nuevos intereses internacionales. Finalmente, se

concluye que el Nuevo Orden Mundial proyecta condicionantes que advierten la

necesidad de que el Brasil debe desarrollar políticas y estratégias que limiten esos

óbices y permitan la consolidación de sus Objetivos Nacionales Permanentes en el

incio del nuevo milenio.

Palabras clave: El Nuevo Orden Mundial, los nuevos conflictos y el Brasil.

Page 7: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

6

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Guerra Fria – Otan x Pacto de Varsóvia ................................... 16

Figura 2 – Presença dos EUA no mundo .................................................... 22

Figura 3 – Blocos Econômicos .................................................................... 30

Figura 4 – Países industrializados .............................................................. 33

Figura 5 – A pobreza no mundo .................................................................. 36

Figura 6 – Divisão Norte Sul ....................................................................... 39

Figura 7 – Imigração - Europa .................................................................... 40

Figura 8 – A guerra ao terror....................................................................... 59

Figura 9 – Estrutura orgânico-funcional da ONU ....................................... 64

Figura 10 – A participação do Brasil em Missões de Paz ........................... 69

Figura 11 – Principais parceiros comerciais do Brasil ................................. 76

Page 8: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

7

LISTA DE ABREVIATURAS

ALCA Área de Livre Comécio das Américas

ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio

ALADI Associação Latino-Americana de Integração

BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

CSCE Conferência de Segurança e Cooperação Européia

CEE Comunidade Econômica Européia

CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas

CSN Comunidade Sul-Americana de Nações

CDH Comissão de Direitos Humanos

DEA Força Administrativa de Narcóticos do Departamento de Justiça

dos EUA.

FMI Fundo Monetário Internacional

NOM Nova Ordem Mundial

Mercosul Mercado Comum do Cone Sul

ONU Organização das Nações Unidas

OMC Organização Mundial do Comércio

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

OEA Organização dos Estados Americanos

ONG Organização Não-Governamental

PIB Produto Interno Bruto

UE União Européia

ZPCAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

EUA Estados Unidos da América

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Page 9: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

8

SUMÁRIO

1 . INTRODUÇÃO................................................................................. 09

1.1 TEMA............................................................................................... 15

1.2 PROBLEMA..................................................................................... 15

2 . A NOVA ORDEM MUNDIAL........................................................... 15

2.1 ANTECEDENTES............................................................................ 15

2. 2 O NOVO SISTEMA POLÍTICO INTERNACIONAL.......................... 21

2. 3 AS CONSEQÜENCIAS ECONÔMICAS DA GLOBALIZAÇÃO...... 28

2. 4 AS CONSEQÜENCIAS SOCIAIS DA GLOBALIZAÇÃO............... 34

2. 5 AS AMEAÇAS INTERNACIONAIS E O NOVO PAPEL DAS FORÇAS

ARMADAS.................................................................................... 41

3 . OS NOVOS CONFLITOS INTERNACIONAIS E A ONU............... 50

3.1 A GUERRA ASSIMÉTRICA............................................................. 50

3.2 A GUERRA DE QUARTA GERAÇÃO............................................ 56

3.3 A ONU, O CONSELHO DE SEGURANÇA E O BRASIL................ 63

3.3.1 Considerações Introdutórias....................................................... 63

3.3.2 O CSNU e o Brasil........................................................................ 66

4 . REFLEXOS DA NOVA ORDEM MUNDIAL PARA O BRASIL.... 72

5 CONCLUSÃO................................................................................. 87

REFERÊNCIAS............................................................................. 101

Page 10: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

9

1 INTRODUÇÃO

1.1 TEMA

As transformações ocorridas no cenário mundial a partir do fim da União

Soviética fizeram surgir uma Nova Ordem Mundial caracterizada pela multiplicidade

de níveis de conflitos. Assim, descobriu-se na década de 1990 um mundo bem mais

complicado a combinar de maneira inédita unilateralismo e negociações

multilaterais. Diante desse cenário, o Brasil, considerado potência emergente

necessita reavaliar os possíveis rumos de sua inserção internacional.

A partir desse ponto de vista, será objeto do presente estudo apenas o

período histórico a partir do último quartel do século XX. Além disso, este trabalho se

propõe a apresentar os possíveis reflexos para a nação brasileira e para a Defesa

Nacional das profundas transformações políticas, econômicas, sociais e militares,

ocorridas no referido período, quando o mundo experimentou, novamente, a

possibilidade real de mais um império global.

Foi a necessidade de financiamento das guerras que esteve na origem desta convergência entre o poder e a riqueza. Mas desta vez, o encontro dos “príncipes” com os “banqueiros” produziu um fenômeno absolutamente novo e revolucionário: o nascimento dos “estados-economias nacionais”. Verdadeiras máquinas de acumulação de poder e riqueza que se expandiram a partir da Europa e através do mundo, numa velocidade e numa escala que permitem falar de um novo universo, com relação ao que havia acontecido nos séculos anteriores. (J.L.F. , “O PODER AMERICANO”, Editora Vozes, 2004, P. 34).

Esse tema é clássico na geografia política, na geopolítica, na ciência política

e nos estudos de relações internacionais. Um dos mais importantes teóricos a

abordar esse tema foi o geógrafo e geopolítico inglês Halford J. MacKinder, que

produziu várias obras sobre o assunto no final do século XIX e no início do século

XX.

A idéia de uma Ordem Mundial pressupõe um espaço mundial unificado,

algo que só ocorreu a partir da expansão marítimo-comercial européia dos séculos

XV e XVI. Daí os autores clássicos, em especial aqueles do século XIX, terem

cunhado a expressão grande potência ou potência mundial, indissociavelmente

ligada à idéia de Ordem Mundial. Esta, normalmente é vista como uma situação de

equilíbrio de forças entre os Estados. Afinal é o Estado quem atua nas relações

internacionais e executa tanto a diplomacia quanto a guerra.

Page 11: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

10

O conceito de soberania, historicamente, esteve vinculado à racionalização

jurídica do Poder, no sentido de transformação da capacidade de coerção em poder

legítimo. Ou seja, na transformação do Poder de Fato em Poder de Direito.

Bobbio1 indica que o conceito de soberania pode ser concebido de maneira

ampla ou de maneira estrita. Em sentido lato, indica o poder de mando de última

instância, numa sociedade política e, conseqüentemente, a diferença entre esta e as

demais organizações humanas, nas quais não se encontra este poder supremo.

Este conceito está, assim, intimamente ligado ao poder político. Já em sentido

estrito, na sua significação moderna, o termo soberania aparece, no final do Século

XVI, junto com o Estado Absoluto, para caracterizar, de forma plena, o poder estatal,

sujeito único e exclusivo da política.

Com a superação do Estado Absoluto e o conseqüente surgimento do

Estado Moderno, a soberania foi transferida da pessoa do soberano para a Nação,

seguindo a concepção racional e liberal defendida por pensadores como Emanuel

Joseph Sieyès2, expressa em sua obra A Constituinte Burguesa e sistematizada

através da sua teoria do Poder Constituinte.

Sieyès estabeleceu a doutrina da Soberania da Nação, dizendo que “em

toda Nação livre – e toda Nação deve ser livre – só há uma forma de acabar com as

diferenças que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se

deve recorrer, é à própria Nação” Foi com essa posição que Sieyès concebeu,

racionalmente, o princípio da Soberania da Nação como instrumento de legitimação

para a instituição do Estado Moderno.

Assim, a proclamação da Soberania como independência ante qualquer

poder externo tornou-se uma manifestação característica e essencial do Estado

Moderno desde seu início. A consolidação do princípio democrático supôs a

reafirmação da soberania com relação ao exterior, passando a ser proibida

qualquer interferência nas decisões internas da comunidade, adotadas livremente

por esta. Em muitos casos, como nos movimentos pela independência colonial,

estavam unidas aspirações pelo estabelecimento do sistema democrático e a

consecução da independência nacional.

1 BOBBIO, Norberto et alii. Dicionário de política. p. 1179.

2 SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa. p. 113.

Page 12: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

11

A Soberania Nacional, nos tempos atuais, debate-se para conciliar-se com

um fato inegável: que as comunidades políticas – os Estados – fazem parte de uma

sociedade internacional, que é regida por normas próprias. O Estado Soberano

encontra-se, forçosamente, vinculado a obrigações externas junto com os demais

Estados, obrigações estas que podem ter origens muito diversas. Podem ser

resultado de tratados bilaterais, de convenções multilaterais ou podem ser resultado

da existência, reconhecida e consolidada, de uma prática costumeira no âmbito

internacional3.

É exatamente essa hierarquia que vai dos grandes Estados, as grandes

potências até os pequenos, esse sistema de países onde na prática há o exercício

do poder pela diplomacia ou, no caso extremo, pela força militar e pelas relações

cotidianas comerciais, financeiras e culturais, o que se convencionou denominar

ordem mundial. Por esse motivo, via de regra se define uma Ordem Mundial pela

presença de uma ou mais potências mundiais.

A relevância desta temática deve-se à necessidade de se refletir a cerca das

possíveis conseqüências, para o Brasil, dos novos parâmetros internacionais

surgidos após o fim da Guerra Fria. Cabe ressaltar que depois da queda do Muro de

Berlim, o bombardeio de Bagdá, em 1991, cumpriu um papel equivalente ao

bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, definindo a nova estrutura

de poder e a hierarquia do sistema mundial e ao mesmo tempo, reafirmando a

condição hegemônica dos EUA. Contudo, dessa vez, não houve um acordo de paz,

nem havia outra potência com capacidade de negociar ou limitar o poder unilateral

dos Estados Unidos.

Nesse cenário, no qual a definição da política externa norte-americana torna-

se central para definir os próprios limites do sistema internacional, e os

constrangimentos e oportunidades a que estão dispostos os outros atores

internacionais, o tema revela-se fundamental para a compreensão das relações

internacionais do pós-Guerra Fria.

1.2 PROBLEMA

3 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 247.

Page 13: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

12

Em uma rápida análise pode-se afirmar que a Nova Ordem Mundial surgiu

com a vitória do capitalismo e da democracia, particularmente, em função da vitória

dos Estados Unidos sobre a União Soviética, numa disputa de estados rivais com

sistemas políticos e militares diferentes. Sem dúvidas, foi exatamente a partir do

triunfo norte-americano que começou, em 1990, a grande transformação geopolítica

do sistema mundial, que segue em pleno curso, no início do século XXI.

Assim, com o fim da Guerra Fria, a democracia liberal teria superado os

totalitarismos e triunfado como o regime mais adequado ao progresso e à liberdade

humana. Por outro lado, os conflitos ocorridos já sob a égide da NOM, mostraram ao

mundo outra realidade. Assim, depois de vencer a Guerra do Afeganistão, os

Estados Unidos lideraram e venceram a Guerra do Iraque, em 2003, e após essas

duas vitórias, as forças norte-americanas não conseguiram reconstruir os dois

países, mostrando que suas intervenções militares não expandiram a democracia

nem os mercados livres.

A reedição do nacionalismo, em diversas regiões do mundo, parece ser a

característica mais marcante deste começo de século e está reorientando a

mudança de desenho da Ordem Internacional no presente. O que se imaginou num

certo momento em que a queda da União Soviética marcava o fim do mundo bipolar

e abria uma perspectiva de maior cooperação e descentralização de poder nas

relações internacionais, foi superado pela atitude dos EUA em busca da reafirmação

de sua hegemonia na cena mundial.

Além disso, não se pode esquecer que os países subdesenvolvidos, nos

quais vivem mais de três quartos da humanidade, são, com exceção de Cuba,

Coréia do Norte e Vietnã, todos democracias, ao menos formais. Desse modo, existe

uma série de problemas no mundo, grande parte deles criados pelo próprio sistema

político e econômico ocidental, que, ao invés de serem solucionados, estão se

agravando cada vez mais.

A solução desses problemas fundamentais passa, necessariamente, pelo

entendimento correto de como funciona o sistema político internacional e deve ser

buscada de forma perene pelos países em desenvolvimento, particularmente o

Brasil, uma vez que o atolamento militar americano no Oriente Médio, e a velocidade

gigantesca do expansionismo econômico chinês, estão provocando, em conjunto,

Page 14: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

13

uma rápida fragmentação do sistema mundial, e a volta da luta pelas supremacias

regionais.

O referencial teórico, do presente trabalho, se concentra no movimento de

expansão e nas transformações estratégicas do poder global dos Estados Unidos e

tem por base bibliográfica, o desenvolvimento dos seguintes assuntos: o projeto

norte-americano de construção de um império global; a Nova Ordem Mundial; o

reaparecimento e a universalização dos estados nacionais; as novas ameaças

internacionais do pós-Guerra Fria; a estrutura e o papel da Organização das Nações

Unidas; o novo papel das Forças Armadas; os conflitos assimétricos e a política

externa brasileira.

Ao terminar o século XX, a distribuição geopolítica das novas bases militares

norte-americanas não deixa dúvidas sobre a existência de um novo “cinturão

sanitário”, separando a Alemanha da Rússia, e a Rússia dos países do Oriente

Médio, e sobre a existência de um novo poder militar global, com o controle

centralizado de uma infra-estrutura mundial de poder, com mais de 700 bases ao

redor do mundo, com acordos de apoio militar recíproco com cerca de 130 países,

com o controle soberano de todos oceanos, e com a capacidade de intervenção

quase instantânea, em qualquer ponto do espaço aéreo mundial.

O Brasil sempre teve um caráter não confrontacionista. Defende o princípio

da autodeterminação e seu corolário, a não-intervenção. Sempre foi a favor da

solução pacífica de contenciosos e sempre condenou o uso da força para a

obtenção de resultados externos.

Art. 4º (Constituição da República Federativa do Brasil ) A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Page 15: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

14

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

As modificações decorrentes de seu crescimento e dos novos parâmetros

mundiais exigem que se explicite, agora, uma nova postura, por ter sido o País

alçado a um plano de poder mais alto do que os seus vizinhos, o que o colocou em

um espaço menos tranqüilo da nova arena internacional.

As amplas bases demográfica e territorial, bem como a disponibilidade de

recursos naturais, assentadas na diversificada fisiografia nacional, conformam

cenários diferenciados que demandam, ao mesmo tempo, uma política geral e

integrada e uma abordagem específica para cada região brasileira, em face dos

novos desafios que se apresentam.

Certamente, um país com características deste tipo, tem um importante

papel a desempenhar no sistema internacional, ou mesmo no contexto regional.

Destarte, devem-se analisar os desenvolvimentos brasileiro e internacional, com

vistas a melhor compreender a inserção internacional do Brasil além das

interferências externas na formação do Estado e da sociedade brasileira.

Nesse contexto, o presente trabalho pretende: 1) verificar os parâmetros

internacionais surgidos com a Nova Ordem Mundial; 2) verificar os principais

conflitos internacionais do periodo pós-Guerra Fria; 3) verificar a Politica Externa

brasileira adotada em face da nova conjuntura internacional; 4) verificar as possíveis

conseqüências, para o Brasil, dos novos parâmetros internacionais surgidos após o

fim da Guerra Fria; e 5) concluir sobre os modelos alternativos de interpretação do

papel do Brasil como âncora regional na América do Sul e suas relações com os

atuais centros mundiais de poder.

Page 16: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

15

2 A NOVA ORDEM MUNDIAL

2.1 ANTECEDENTES

O relacionamento soberano entre as nações, ao contrário do que faz

aparentar a retórica diplomática, são pautadas pelo interesse e poder dos Estados.

Quando fatos novos fazem modificar interesses ou uma relação de poder entre

países, modificam-se as suas alianças, alterando o conseqüente equilíbrio de forças.

A história dos últimos cinqüenta anos do século vinte foi inteiramente

condicionada pelos resultados da Segunda Guerra Mundial. Ao final dela, depois de

ter-se dissipado a fumaça e em meios aos escombros que cobriam 50 milhões de

mortos, os Estados Unidos conquistaram o título de única superpotência mundial. As

bombas atômicas, lançadas sobre o Japão, produziram um impacto psicológico

muito maior que material, direcionando o mundo à aquisição desta nova tecnologia,

que se tornou o marco divisor entre os EUA e os demais países.

Contudo, o título de única superpotência, o qual colocava os EUA em uma

posição ímpar, durou poucos anos. Em 1949 a então União Soviética explodiu sua

primeira bomba atômica e um novo episódio político teve início na história da

civilização, o capítulo histórico chamado de Guerra Fria, iniciado em 1945, ganha os

ares ameaçadores da corrida nuclear. Neste mesmo ano inicia a Revolução

Comunista na China. Agora, os EUA possuíam dois potenciais rivais grandes e

distantes.

No sábado, 3 de setembro de 1949, enquanto a maior parte dos EUA se preparava para gozar o feriado do dia do trabalho, um bombardeiro B-29 adaptado fazia um vôo rotineiro de reconhecimento meteorológico entre o Japão e o Alasca. Mas a meteorologia não era o único objetivo: por mais de um ano, a força aérea dos EUA vinha retirando amostras da atmosfera em busca de traços de radioatividade, para ajudar os cientistas americanos a avaliar o progresso da pesquisa de armas atômicas da URSS. Era uma precaução desnecessária, na opinião de muitos, convencidos de que faltava aos soviéticos a tecnologia para fazer uma bomba e de que o monopólio nuclear da América duraria anos. No entanto, 5.500 metros acima da península Kamchatka, vestígios de um estranho pó fizeram os contadores geiger dispararem. As amostras recolhidas pelo bombardeiro iriam estragar o fim de semana do governo americano, de sua Comissão de energia Atômica (CEA) e de suas equipes militares. É que os isótopos recolhidos eram a prova de que a União soviética havia explodido uma bomba atômica de tipo avançado, melhor do que o próprio trabalho inicial americano. A liderança dos Estados Unidos tinha durado exatamente 49 meses. Agora, também seu maior inimigo dispunha da terrível arma que destruíra Hiroshima e Nagasaki em 1945. Para a União Soviética, os Estados Unidos

Page 17: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

16

ameaçavam a paz mundial; a bomba russa simplesmente restaurava o equilíbrio entre as grandes potências; a política norte-americana de contenção e repressão aparecia como “exclusão” e “intimidação”. (Adaptação do artigo de DAVID REYNOLDS4).

Nesse ambiente, instalou-se no mundo um sistema bipolar de forças, ficando

o bloco ocidental sob o regime capitalista, capitaneado pelos EUA e o bloco oriental

organizado sob regime comunista, liderado pela URSS. Esses dois países trataram

de armar-se, lançando-se na mais perigosa e custosa corrida armamentista de todos

os tempos.

Figura 1 – Guerra Fria – Otan X Pacto de Varsóvia

Fonte: http://www.arikah.net/enciclopedia-espanola/Guerra_Fr%C3%ADa

A chamada Guerra Fria se iniciou quando as duas superpotências tentaram

influenciar outros países acerca de seus sistemas políticos, econômicos e militares.

A União Soviética buscava implantar o socialismo em outros países para que

pudessem, supostamente, expandir a igualdade social e econômica, enquanto os

Estados Unidos tentavam influenciar outros países com o sistema capitalista que se

baseava na democracia e na economia de mercado.

Com esse propósito, as duas superpotências começaram a disputar

parceiros estratégicos por todo o planeta, financiando intervenções, criando

4 David Reynolds é membro e diretor de Estudos de História da Faculdade Christ – Universidade de

Cambridge.

Page 18: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

17

organizações e fomentando guerras onde um tinha, de forma indireta, o outro como

rival. Enquanto isto, na Europa, iniciava-se o plano de contenção do socialismo,

pelo apoio ao Plano Marshal5 e, na Ásia, houve a intervenção americana, através do

Plano Colombo e participação nas guerras do Vietnã e Coréia.

Com tais condições, esse período histórico teve características peculiares e

paradoxais, pois, apesar da ausência de confronto, já que num eventual embate

pouco sobraria do planeta, a corrida armamentista não tinha fim, porque cada salto

tecnológico exigia renovação dos arsenais.

Em 1949, os Estados Unidos juntamente com seus aliados criam a OTAN

(Organização do Tratado do Atlântico Norte) que tinha como objetivo manter

alianças militares para que estes pudessem se proteger em casos de ataque. Em

contra partida, a União Soviética assina com seus aliados o Pacto de Varsóvia que

também tinha como objetivo a união das forças militares de toda a Europa Oriental.

Em 1973, após uma longa fase de provocações de ambos os lados, as

superpotências concordam em desacelerar a corrida armamentista, fato conhecido

como Política da Détente. Posteriormente, em 1985, com a subida ao poder do líder

soviético Mikhail Gorbatchov, a tensão e a guerra ideológica entre as superpotências

começam a diminuir.

Às vésperas do ano de 1990, ainda existiam duas Alemanhas e continuava

de pé o Pacto de Varsóvia, a aliança militar do bloco socialista da qual a Alemanha

Oriental fazia parte. Inicialmente, a proposta de reunificação não foi bem recebida

pela França, Grã-Bretanha e outros países europeus, que temiam o ressurgimento

da grande potência germânica, berço do nazismo e de ambições históricas de

hegemonia sobre a Europa. Dentro da própria Alemanha Ocidental, a oposição

argumentava que o lado capitalista teria de arcar com um preço muito alto para

modernizar as empresas obsoletas e adaptar as estruturas sociais da Alemanha

Oriental.

5 O Plano Marshall, também conhecido como O Programa de Reconstrução da Europa – foi anunciado pelo secretário de Estado americano George C. Marshall em 5 de junho de 1947. Dezesseis Estados Europeus – Áustria, Bélgica, Dinamarca, Irlanda, França, Grécia, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Suíça, Suécia, Turquia e Inglaterra – se tornaram beneficiários do dinheiro norte-americanos. Embora as 16 nações (Mais a Alemanha Ocidental, representada pelas forças aliadas), inicialmente tivessem requisitado $ 29 bilhões de dólares pra cobrir o déficit de cada país, durante o período de 1948-52, somente $12.5 bilhões de dólares foram enviados.

Page 19: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

18

Em 7 de junho de 1990, o Pacto de Varsóvia anunciou que deixaria de

exercer suas funções militares, o que representava, na prática, o fim da aliança

socialista. Acabava, assim, o único grande obstáculo geopolítico à reunificação das

duas Alemanhas. Exatamente em 3 de outubro daquele ano, a Alemanha Oriental

deixava de existir.

Com o apoio dos Estados Unidos, a potência germânica renascia no coração

de uma Europa perplexa e preocupada. Nessa época, a União Soviética atravessava

uma das piores crises de sua história. O líder Mikhail Gorbatchev era acusado de

traidor por seus adversários. Além disso, ganhavam força os movimentos de

independência nas 15 repúblicas soviéticas. O país estava politicamente paralisado,

ao passo que uma crise econômica sem precedentes afetava o nível de vida da

população. A União Soviética ainda era uma potência militar, mas já não possuía a

estatura de uma superpotência.

Ainda nesse mesmo ano de 1990, a Conferência de Segurança e

Cooperação Européia ( CSCE ), encerrada com o Acordo de Paris, assinalou

oficialmente o fim do confronto entre a Otan e o Pacto de Varsóvia e iniciou o

processo de afirmação da Comunidade Econômica Européia ( CEE ), como pólo de

poder sob a liderança Franco-alemã.

O término do conflito reduziu a intensidade do aspecto político-militar no

relacionamento entre as nações, deixando de ser decisivos e passando a atuar mais

como elemento de dissuasão ou persuasão. Por outro lado, o domínio da ciência e

da tecnologia, o poderio econômico e a cultura, passam a ser fundamentais no novo

cenário mundial.

De acordo com esses novos parâmetros, o fim da Guerra Fria e o colapso da

URSS acarretaram uma profunda transformação no cenário internacional, com os

EUA assumindo a condição de única superpotência, apesar de certas limitações

políticas e econômicas que restringem, sem dúvida, a sua atuação imperial e os

levam a procurar, em alguns casos, o apoio da comunidade internacional e do

Conselho de Segurança da ONU. É, porém, a sua incontrastável superioridade

militar que assegura a sua hegemonia.

Ao ocupar tal posição hegemônica, os EUA passaram a adotar o combate ao

narcotráfico como a nova bandeira de luta do "bem contra o mal". Em nome dela, os

norte-americanos procuravam justificar ingerências na América Latina,

Page 20: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

19

especialmente no Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru e Equador. Enfim, nos países da

região da Amazônia internacional, uma reserva natural estratégica que, sem dúvida,

seria de importância crucial no próximo século.

A invasão do Panamá foi uma das primeiras ações internacionais norte-

americanas depois da queda do muro de Berlim. Naquele momento, já estava

evidente que a Casa Branca tinha nas mãos o poder de articular todas as iniciativas

na defesa de seus interesses.

Mas foi durante a crise do Golfo Pérsico que os Estados Unidos

consolidaram seu novo papel no cenário mundial. Em agosto de 1990, o ditador

iraquiano Saddam Hussein ordenou a invasão e ocupação do vizinho Kuwait, sob a

alegação de que historicamente o pequeno país fazia parte do Iraque.

O presidente norte-americano, George Bush, reagiu energicamente. Exigiu

que a Organização das Nações Unidas, a ONU, adotasse uma série de medidas

punitivas, incluindo um amplo boicote econômico ao Iraque. Hussein recebeu um

ultimato: teria de sair do Kuwait até o dia 15 de janeiro de 1991. A crise no Golfo

Pérsico evidenciava a nova postura diplomática dos Estados Unidos.

Foi dessa forma que os norte-americanos pretenderam convencer o mundo de que os Estados Unidos, a grande potência vencedora da Guerra Fria, era também a guardiã dos valores democráticos, dos valores ocidentais.( José Arbex Jr. - Jornalista).

Nos tempos da Guerra Fria, as principais questões mundiais eram decididas

pelo Conselho de Segurança da ONU, um âmbito de decisões em que Moscou e

Washington exercitavam seu poder de veto de acordo com o vai-e-vem das tensões

entre as superpotências. Na crise do golfo, esse jogo já não existia. Os Estados

Unidos tomavam todas as iniciativas. Entre o a invasão do Kuwait, em agosto de

1990, e o fim do prazo para a retirada dos iraquianos, em janeiro de 1991, o

presidente Bush enviou 500 mil soldados americanos ao Golfo Pérsico.

Nesse ambiente de mudanças estruturais, os Estados alteram seus

interesses, na medida que se alteram suas demandas internas. A nova Ordem

Internacional imposta pelo fim da Segunda Guerra, influenciada inicialmente pela

Guerra Fria e depois pelos efeitos da derrocada do comunismo, viu seu equilíbrio ser

gradativamente alterado do pólo da competição militar para o da competição

econômica.

Page 21: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

20

Na realidade, o fim da Guerra Fria deu lugar a duas tendências

diametralmente opostas, a da integração, nas regiões centrais e desenvolvidas,

caracterizada pela formação de blocos econômicos e a de desintegração advinda da

exacerbação de nacionalismos e de movimentos separatistas em diversas regiões

do mundo, particularmente nas periféricas.

Em função dessas tendências, a Nova Ordem Mundial apresentou, desde a

sua implantação, uma faceta geopolítica e outra econômica. Na geopolítica, houve

uma mudança para um mundo multipolar, no qual as potências se impõem mais por

seu poder econômico de que bélico. Na economia, o que aconteceu de novo foi o

processo de globalização e a formação de blocos econômicos supranacionais, os

quais passaram a ditar os novos rumos da humanidade.

De acordo com esses novos rumos, a partir da desintegração da própria

URSS, em 1991, o conflito entre capitalismo e comunismo cedeu lugar às

contradições existentes entre o hemisfério norte, que reúne os países desenvolvidos,

e o hemisfério sul, onde está a maioria dos subdesenvolvidos, nos quais se

encontram as maiores reservas naturais do planeta.

Assim, o fim da Guerra Fria deu ao neoliberalismo a hegemonia, econômica,

política, ideológica e militar do Planeta. O Século XXI começou com o mundo

economicamente globalizado e dividido por muros que separam as economias dos

mais pobres das dos países mais ricos. O conflito Norte X Sul ocupou o espaço

antes ocupado pela visão ideológica do mundo. Dois fundamentalismos ocuparam o

espaço global: o religioso e o de mercado.

Com o desaparecimento do conflito ideológico, as novas conjunturas

trouxeram novos desafios e ameaças aos países do hemisfério sul, sobretudo para

as nações sul-americanas que já possuíam antigos e variados problemas.

Entretanto, trouxeram também novas oportunidades políticas e econômicas que

criaram a possibilidade de uma ação conjunta para atender a interesses e a

problemas comuns.

Entre 1989 e 1991 os acontecimentos precipitaram-se de forma acelerada, reformulando toda a estrutura das relações de poder no sistema internacional, tendo a ordem unipolar substituído a bipolar (ALMEIDA e RATO, 2004, P.39).

Page 22: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

21

2.2 O NOVO SISTEMA POLÍTICO INTERNACIONAL

No início do século XXl, um dos maiores desafios que ainda permanece no

campo das relações políticas internacionais é compreender as transformações que

foram e vem sendo produzidas desde 1989 pelo fim da Guerra Fria.

Apesar de se ressaltarem as inúmeras tendências de transformação

presentes, continua-se a denominar este período como pós-Guerra Fria. Até hoje,

não foi criada uma nova denominação para o cenário e muitas foram às hipóteses

levantadas para explicá-lo, alternando-se fases de otimismo e pessimismo na

avaliação dos rumos da política mundial.

A partir dessas transformações, o Sistema Político Internacional pós-

bipolaridade tem apresentado como principal característica a dinamicidade e a

interdependência nas relações entre os Estados soberanos, decorrente do atual

processo de regionalização e globalização. Tal processo tem sido responsável pela

constante integração dos países mais desenvolvidos, formando verdadeiros pólos

econômicos concentradores da riqueza mundial.

Diante dessa conjuntura, ao mesmo tempo conflituosa e cooperativa, as

normas internacionais refletem sua fragilidade ou mesmo incapacidade de

acompanhar o poder intrínseco dos países que apresentam uma influência direta e

imediata nas relações internacionais.

No início da década de 1990, havia um relativo consenso sobre o poder

acumulado pelos EUA, tanto militar e político, quanto econômico e cultural. De fato,

o fim da União Soviética eliminava o que, durante décadas, foi considerada a

principal ameaça à segurança nacional norte-americana e de seus aliados

ocidentais.

Em função de sua alongada duração, a Guerra Fria projetou os EUA para a

linha de frente das crises internacionais em escala global. Assim, após o final da

Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos descartaram de vez a sua tradicional

política isolacionista quanto aos assuntos internacionais, adotando uma nítida

política de comprometimento intervencionista em nível mundial.

Page 23: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

22

Figura 2 – Presença dos EUA no mundo

Fonte:http://content.answers.com/main/content/wp/en/thumb/3/30/300px US_military_bases

Em decorrência dessa proeminência mundial, os EUA, praticamente,

assumiram, desde a Guerra do Golfo de 1991, o papel de polícia do mundo,

particularmente, nas áreas onde seus interesses diretos poderiam ser ameaçados.

Ao ocupar essa posição, os norte-americanos vêm desenvolvendo atitudes

visivelmente unilateralistas. De fato, ao longo das últimas décadas, suas políticas

começaram a parecer despóticas, auto-indulgentes e insensíveis com relação aos

interesses alheios, o que tem lhes conferido um alto preço a pagar.

Marca patenteada desse unilateralismo foi que as relações com grandes

potências como a China e a Rússia foram menosprezadas e a promoção da

democracia e dos direitos humanos fez-se de maneira desigual no âmbito regional.

O mesmo comportamento repetiu-se frente à negociação dos regimes internacionais

de baixa política, como o Protocolo de Kyoto ou a negativa norte-americana em

ratificar o Tribunal Criminal Internacional.

Page 24: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

23

De acordo com Samuel Huntington6, os principais interesses dos EUA num

mundo não mais bipolar, seriam: primeiro, preservar a posição de única potência

global7; segundo, evitar o surgimento na Eurásia de outra potência que viesse a

desafiar ou ameaçar o poder norte-americano; e por último, proteger os interesses

econômicos norte-americanos, principalmente no Golfo Pérsico e América Central8.

De acordo com Francis Fukuyama9, na fase inicial desse novo período,

predominou o otimismo gerado pela queda do império comunista soviético e o

suposto desaparecimento desta ideologia, substituída pelos valores universais do

liberalismo e da democracia. Fortalecidos pela interdependência e globalização, os

princípios ocidentais consolidavam-se como a regra de comportamento político e

estratégico, indicando o fim da história e a emergência de um pensamento único.

Mesmo a Guerra do Golfo10 indicando que as motivações normais da política e do

confronto permaneciam.

Na verdade, esse conflito, ocorrido entre 1990 e 1991, foi percebido como

uma prova da disposição renovada da comunidade internacional em repudiar

violações às normas existentes. A eficiência da coalizão liderada pelos americanos

via Nações Unidas e materializada na Operação Tempestade do Deserto refletia um

consenso em direção à construção de um mundo unido.

Todavia, a questão Iraquiana não foi a única exceção para a comunidade

internacional. Logo depois da Guerra do Golfo, novas intervenções na África, Oriente

6 Nascido em 18 de abril de 1927, Samuel Phillips Huntington é cientista político, professor da Harvard University. Ganhou notoriedade no meio acadêmico nos anos 1960, com a publicação de Political Order in Changing Societies. 7 A definição de potência global atribuída aos Estados Unidos não desconsidera a ascensão de novas grandes potências no pós Guerra Fria. Mas em meados da década de 1990, quando o cenário se tornaria mais claro, observa-se que nenhuma tinha capacidade de rivalizar com os Estados Unidos em todas as áreas, e em todas as regiões do mundo.

8 HUNTINGTON, Samuel P. “A Mudança nos Interesses Estratégicos Americanos”. Política Externa, v.1, n.1, São Paulo: Paz e Terra, junho, 1992, pp.16-30.

9 O artigo de Fukuyama, com o título "The end of history” apareceu em 1989, na revista norte-americana The national interest. Em 1992, Fukuyama lançou o livro The end of history and the last man, editado no Brasil com o título “O fim da história e o último homem”, trad. Aulyde Soares Rodrigues, Rocco, Rio de janeiro, 1992.

10 A Guerra do Golfo foi um conflito militar iniciado em 2 de agosto de 1990 na região do Golfo Pérsico, com a invasão do Kuwait por tropas do Iraque. Esta guerra envolveu uma coalização de forças de países ocidentais liderados pelos Estados Unidos da América e Grã Bretanha e países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita e o Egito, contra o Iraque.

Page 25: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

24

Médio, ex-Iugoslávia e ex-repúblicas soviéticas vieram demonstrar que essas ações

se tornariam freqüentes.

Para as grandes potências tal procedimento tem vantagens evidentes. Por

um lado, atenua-se o estigma associado à ação unilateral arbitraria e

freqüentemente cruenta. Por outro, amplia-se a efetividade e o escopo do controle

sobre a conduta dos países menores. Sanções diplomáticas ou econômicas, por

exemplo, têm sua eficácia reduzida quando não são adotadas coletivamente.

Deve-se destacar que a premissa do declínio se manteve até o início da

década de 1990, tendo surgido em meados da década de 1980, baseada nos

crescentes déficits públicos e comerciais. Como os soviéticos, os americanos

haviam desviado muitos recursos de sua sociedade e economia para a Guerra,

ainda que ela fosse “fria”, e se encontravam esgotados depois do encerramento do

conflito não sendo possível reformar sua sociedade.

Assim, entre 1992 e 1993 tem início um período pessimista do pós-Guerra

Fria, na qual acumularam-se tentativas de contestar e transformar a ordem ocidental

que supunha-se intocável. Neste período, as hipóteses centrais foram as do choque

entre civilizações e a do declínio americano. Elaborada por Samuel Huntington, a

idéia do choque defendia a fragmentação do sistema, sustentando que o conflito

capitalismo / socialismo seria substituído pelas disputas civilizacionais, orientadas

segundo linhas culturais, étnicas e religiosas.

Por outro lado, as avaliações sobre o declínio, como as de Paul Kennedy11,

indicavam o desaparecimento no curto prazo da hegemonia americana e a sua

substituição por um equilíbrio de poder. Apesar de ainda participarem deste

equilíbrio, no qual também estariam presentes mais outras quatro potências a

Rússia (representante da ex-União Soviética), a China, o Japão e a União Européia

(ou a Alemanha), os EUA haviam encerrado a sua era de domínio. Ou seja, as

relações internacionais estavam inevitavelmente caminhando novamente para a

instabilidade.

Porém, o declínio não se tornou real, predominando a visão dos que

defendiam a possibilidade de recuperação da potência hegemônica, conhecida

11 Paul Kennedy : historiador inglês, Professor da Universidade Yale e autor do best-seller

Ascensão e Queda das Grandes Potências. Conhecido pela tese que desenvolveu na década de 1980 sobre a “superextensão imperial” dos Estados Unidos.

Page 26: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

25

como renovacionistas. De fato, os EUA passavam por uma retração de poder, mas

poderiam facilmente se recuperar por meio de uma nova articulação de políticas

domésticas e externas, inexistindo desafiadores reais a seu poder global.

Com isso, a partir de 1994 inicia-se a última fase da década inicial de

transição, conciliando análises otimistas e pessimistas. Desmistificaram-se as

premissas do fim da história, da nova ordem ou desordem, mostrando sua

importância para entender o contexto como interpretações parciais, retomando-se os

debates sobre o futuro da estratégia e do poder dos EUA.

Em relação à desordem, passou-se a compreender que o encerramento da

bipolaridade havia provocado o descongelamento e não o fim da política

internacional, pois haviam sido eliminados os elementos que sustentaram o

equilíbrio do terror soviético / americano, os riscos da aniquilação mútua e também

os constrangimentos do alinhamento obrigatório Leste / Oeste.

Em decorrência disso, as relações internacionais retomaram seu curso

natural de cooperação, conflito e os enfrentamentos a sua natureza própria. Ao lado

das ameaças convencionais, perigos transnacionais foram ampliados, destacando-

se proliferação do domínio da tecnologia para produção de armas nucleares, o

terrorismo e o crime internacional.

Além dessas novas ameaças, tornou-se imperioso reconhecer que o

comunismo como fator de oposição sistêmica ao capitalismo havia se esgotado, mas

isso não significou o seu desaparecimento ou a consolidação do modelo liberal-

democrático. Desse modo, o comunismo é ainda uma ideologia presente e pode,

sofrendo adaptações, recolocar-se como uma alternativa viável.

De acordo com essa realidade, mesmo após o colapso da URSS, duas

novas vias de esquerda estariam ganhando força: a chinesa do socialismo de

mercado que concilia reformas econômicas graduais a uma estrutura política

tradicional e a propagada pela moderna esquerda européia liderada por Tony Blair12,

mesclando social-democracia e neoliberalismo.

12 Anthony Charles Lynton Blair é um político britânico, tendo ocupado o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido de 2 de maio de 1997 a 27 de junho de 2007, de líder do Partido Trabalhista de 1994 a 2007 e de membro do Parlamento Britânico de 1983 a 2007.

Page 27: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

26

Por outro lado, em algumas regiões do mundo, ainda continua existindo uma

grande resistência e oposição às idéias ocidentais, assim como existem, dentro do

capitalismo, diversas formas de ação. Não há, portanto, uma homogeneização dos

Estados em torno de um referencial único, apesar da supremacia alcançada pelos

EUA, em 1989 com o fim da Guerra Fria.

Neste quadro, também passaram a ser percebida sem ilusões a transição

das ex-sociedades socialistas. Na ausência de instituições domésticas, somadas às

dificuldades das crises econômicas e políticas, as nações do centro e leste europeu,

e mesmo a russa, não conseguiram completar suas reformas, assistindo-se ao

desmanche do Estado anterior sem a sua substituição por outro arranjo.

Globalmente, o debate recuperou uma dimensão negligenciada: a da

continuidade das instituições políticas, econômicas e de segurança criadas pelos

EUA no pós-1945. Apesar de ajustes serem necessários, as estruturas de

cooperação e negociação haviam sobrevivido e o mundo não se encontrava imerso

na desordem ou totalmente desprovido de referenciais, bastando-se lembrar da

ONU, FMI, Banco Mundial, cujas atividades permaneceram e, até mesmo ganharam

força.

De fato, os norte-americanos, como organizadores do sistema capitalista

moderno, podem ser identificados como a autoridade máxima que rege o processo

de globalização através de sua política externa. Esta, atualmente, pode ser

identificada a partir do documento dado a conhecer em 20 de setembro de 2002 e

intitulado de “Estratégia para a Segurança nacional dos Estados Unidos”.

Por outro lado, a China, vem mantendo sua unidade nacional e preservando

suas altas taxas de desenvolvimento. Com isso, esse país vem alcançando um nível

de eqüipolência com os EUA, com enormes possibilidades de se tornar outra

superpotência. Da mesma forma, a Rússia, se persistir na linha de recuperação

nacional instituída por Vladimir Putin13 tende, dentro de algumas décadas, a

recuperar, em nível tecnológico muito mais alto, sua antiga posição de potência.

Dentro dessa perspectiva, uma possível nova polarização, em meados do

século XXI, pode se defrontar, como no caso da precedente polarização americano-

13 Vladímir Vladímirovitch Putin, foi diretor para assuntos externos da KGB da União Soviética. Em 1991 renuncia ao cargo da KGB e prossegue na carreira política. é o atual presidente da Rússia.

Page 28: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

27

soviética, com a inviabilidade de um desfecho nuclear, iniciando-se, assim, um

perigoso e longo período de uma hostil coexistência. Esse equilíbrio poderá ser, da

mesma forma, rompido, como no precedente caso americano-soviético, pela

desarticulação de um dos novos blocos de poder que estão tomando forma.

Enquanto isso não acontece, o poderio econômico vem configurando um

regime de estratificação internacional que situa os países em três níveis. Na cúpula,

situa-se, como país dominante, os EUA, seguidos, em menor escala, pelo Japão e

pela União Européia. Na base, encontram-se quase todos os demais países, na

condição de países dependentes.

Dentro dessa estratificação internacional, encontram-se, em posição

intermediária os países que se poderia denominar de emergentes. Assim, além da

China, outras nações como a Rússia, a Índia e o Brasil, tendem a ocupar um espaço

no cenário internacional condizente com a situação de potências regionais.

Evitando-se, dessa forma que os EUA consigam converter sua atual

unimultipolaridade14 numa incontrastável unipolaridade, instituindo, por longo prazo,

uma Pax Universalis, como previra Kant15, em fins do século XVIII.

2.3 AS CONSEQÜÊNCIAS ECONÔMICAS DA GLOBALIZAÇÃO

A intensificação do processo de globalização, caracterizado pelo aumento do

comércio mundial, evidencia, cada vez mais, que essa realidade não é apenas mais

um desdobramento na ordem econômica mundial. Sua abrangência tem sido muito

maior e sua ascendência histórica se mostra diversificada e de grande riqueza. Seu

14 A expressão "unimultipolaridade" de refere-se ao sistema híbrido em que a potência hegemônica articula com potências regionais menores no exercício de sua liderança coercitiva atualmente. Cf. HUNTINGTON, Samuel. A superpotência solitária. Política Externa. São Paulo, Paz e Terra, março de 2000. p. 18-19.

15 Immanuel Kant: estudou no Colégio Fredericianum e na Universidade de Königsberg. Em 1755, doutorou-se em filosofia. Em 1770, tornou-se catedrático em matemática e lógica na Universidade de Königsberg.

Page 29: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

28

impacto alcança quase todas as atividades humanas. Seu rumo está orientando os

destinos da humanidade.

O atual processo se distingue da mundialização da economia à maneira do

século XVI, com a expansão marítima e comercial liderada por Portugal. Difere,

também, da segunda ou terceira onda do colonialismo no final do século XIX.

Ultrapassa a revolução do fordismo industrial da primeira metade do século passado.

É substancialmente mais complexa e mais profunda que esses importantes

antecedentes históricos, mas com eles guarda inegável grau de afinidade ou

parentesco.

Ainda está por ser completada a análise da globalização como uma segunda

onda da transnacionalização, onda acelerada pela revolução tecnológica e tornada

politicamente possível pelo vácuo deixado pelo colapso da URSS. O fim do

socialismo burocrático criou as condições necessárias à inauguração de nova etapa

do sistema mundial de mercado.

Com o fim do comunismo, os antigos países socialistas abriram suas

fronteiras e seus mercados. No ocidente, os países detentores de tecnologias

avançadas, como Alemanha e Japão, já não precisavam se submeter à lógica da

Guerra Fria e à liderança dos EUA. O resultado foi o início de uma feroz disputa pelo

mercado mundial. Em junho de 1991, os norte-americanos lançaram uma ofensiva

em seu comércio exterior com a "Iniciativa Para as Américas", um plano que

pretendia criar um mercado unificado do Alasca à Terra do Fogo.

No momento em que tais condições se materializavam, os países da

América Latina passavam por uma grave crise econômica, caracterizada por elevada

dívida externa, estagnação econômica, inflação, recessão e desemprego; em parte

causado pelo choque do preço do petróleo16 (1973 e 1979). Nesse quadro, a região

aparecia como um mercado consumidor atraente e poderoso. Apenas o Brasil,

sozinho, com todos os seus problemas, representava um mercado potencial de 140

milhões de habitantes, com o décimo Produto Interno Bruto do mundo, algo em torno

de 500 bilhões de dólares.

16 Embargo lançado pela Opep em 1973 pela Arábia Saudita e acompanhado pelos países árabes, aos mercados dos EUA e da Europa.

Page 30: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

29

Na realidade, não apenas os grandes aumentos do preço do petróleo

causaram o abalo na economia mundial. Na ocasião, estava sendo impulsionada a

última fase da Revolução Industrial, ou Revolução Tecnocientífica, caracterizada

pelo surgimento de inovações na área da informática, transmissão de informações,

da automação e da robotização dos processos produtivos, reduzindo o uso intensivo

de mão-de-obra, valorizando a qualificação do pessoal, adotando novos

procedimentos gerenciais e privilegiando a produtividade.

Em função dessas importantes inovações, o panorama internacional ao final

da década de 1990 apresentava um caráter paradoxal. Por um lado, predominava a

sensação de se estar vivendo uma profunda desordem econômica internacional.

Acontecimentos tais como a atual crise financeira, afetando a Ásia e a Rússia

geraram novas propostas para a regulamentação do sistema financeiro

internacional, e encontros internacionais tais como o Fórum Econômico Mundial

tornaram-se palcos de debate sobre a chamada “ordem internacional” e as

possibilidades de uma reforma que viesse disciplinar o pânico e o caos causado pela

instabilidade dos fluxos econômicos internacionais. Sob tal ótica, o sistema mundial

parecia cada vez mais fragmentado e desregulado.

Tal situação era o resultado de regimes internacionais desenvolvidos no seio

de instituições, tais como o G-7, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a

Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial, a União Européia e a

Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, desde o

início, são dominadas por alguns Estados apenas: os EUA, o Reino Unido, a

Alemanha, a França e o Japão.

Por outro lado, a essa época, outra característica marcante do atual sistema

internacional ganhava espaço, a formação de blocos de integração regional. Esta se

apresentou como uma tendência contrária a desregulação e fragmentação, levando

não só a um maior ordenamento e a uma institucionalização crescente das relações

econômicas internacionais como também, em alguns casos, a um processo gradual

de integração e cooperação política.

O tema comércio exterior é razão de uma clara clivagem entre os países

ricos e as nações em desenvolvimento. Como decorrência dessa situação, passou a

ser do interesse do Brasil e de seus parceiros sul-americanos avançar o quanto

Page 31: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

30

antes em direção à integração continental para assegurar o maior número de aliados

possível, movimento gerador de tensão em suas relações com os EUA.

Em função desse processo, antagonistas no passado, Brasil e Argentina

passaram a ser países que, sem menosprezarem suas diferenças e divergências, se

percebem mutuamente como parceiros essenciais para seus respectivos projetos

nacionais e internacionais. De fato, cada um dos dois países passou a conceber e a

projetar o seu futuro em associação com o outro.

No âmbito global, na América do Norte, os EUA atraem o Canadá e o

México, formando o North American Free Trade Agreement (NAFTA). Na Europa, a

União Européia (UE) se consolida, sob a liderança da Alemanha e, finalmente na

Ásia, o Japão e a China polarizam vasta área de influência. Aos países do Terceiro

Mundo restam as opções de se integrarem a esses núcleos ou formarem suas

próprias associações.

Figura 3 – Blocos Econômicos

Fonte: staticblog.hi-pi.com/.../gd/1188467378.gif

Como conseqüência desses núcleos, a riqueza e o poder são, atualmente,

cada vez mais gerados por transações privadas que acontecem além das fronteiras

nacionais mais do que dentro delas. Com isso, torna-se difícil manter a imagem do

Estado como o ator principal a nível global, e as relações internacionais distanciam-

Page 32: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

31

se da imagem de relações de poder entre os Estados, trata-se da lógica privada da

economia global.

Em função dessa lógica privada, existe uma intensa reestruturação das

relações de poder, da divisão internacional do trabalho e da riqueza, das regulações

que determinam o grosso das relações entre países, regiões ou blocos de países. As

estruturas da época da Guerra Fria desapareceram e são substituídas por um novo

ordenamento, em nível mundial e em nível interno de cada país.

Estes acontecimentos revelam o potencial de desordem da dinâmica que se

vem implantando, nas últimas décadas, sob o impulso da competição entre grandes

grupos multinacionais e o patrocínio da hegemonia das grandes potências e

corporações na difusão das políticas de desregulamentação dos mercados.

Por outro lado, o fantasma de um colapso semelhante ao de 1929, segundo

CORSI17 (1997), passou a rondar a economia mundial tendo sido evitado até agora,

em grande medida, pelo fato de os bancos centrais, das principais nações do

mundo, continuarem a garantir, em última instância, o sistema, e pela coordenação

das políticas dos países ricos.

É importante destacar que o processo de globalização da economia mundial

vem sendo imensamente acelerado e disseminado por todos os continentes pelos

novíssimos sistemas de telecomunicação por satélite, a microeletrônica e as novas

tecnologias de processamento de informações. Conforme observa Chesnais18.

... tais avanços dos meios de comunicação, monitoramento e controle,

permitem a expansão, praticamente ilimitada da propensão representada

pela capacidade de investir e desinvestir, empregar e desempregar,

contratar e destratar. (In: Martins19, 1992, P.02).

De modo geral, nota-se então que o efeito mais evidente da globalização é

seguramente a interdependência dos sistemas financeiros nacionais num contexto

17 Francisco Luiz Corsi é Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de economia, com ênfase em História Econômica. Atuando principalmente nos seguintes temas: Estado Novo, Política Externa, Nacionalismo, Projeto Nacional e Economia Brasileira.

18 François Chesnais, professor de economia internacional da Universidade de Paris. No Brasil, Chesnais é conhecido, sobretudo pelo seu livro A Mundialização do Capital - lançado em 1994 na França e em 1996 no Brasil.

19 MARTINS, C.E. Da globalização da economia à falência da democracia.

Page 33: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

32

de crescente internacionalização dos mercados. Em razão disso, nações em

desenvolvimento, como o Brasil, em razão da grande dependência econômica,

financeira e tecnológica, acabaram perdendo parte considerável do poder de

manobra de suas políticas financeiras.

Do ponto de vista comercial, a inserção internacional dos países

corresponde a padrões muitos distintos. Enquanto uns são protagonistas ativos na

expansão do comércio internacional, mantendo taxas de crescimento de suas

exportações acima da média mundial, outros se ajustam passivamente e com

lentidão, perdendo participação nos mercados e conseqüentemente retardando sua

expansão econômica.

Em razão dessa nova realidade, atualmente, no mundo multipolar pós-

Guerra Fria, o poder é medido pela capacidade econômica do país, que envolve

disponibilidade de capitais, avanço tecnológico, mão-de-obra qualificada e elevado

nível de produtividade. Tais fatores tem colocado a China, o país de maior

população do planeta, como a locomotiva do crescimento mundial há mais de três

décadas.

Page 34: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

33

Figura 4 – Países industrializados

Fonte: www.umicore.com.br/.../umicorenomundo_mapa.jpg

Da mesma forma, isso explica a emergência de Japão e Alemanha como

potências, e ao mesmo tempo, a decadência da Rússia. Embora esta seja dona de

um poderoso arsenal nuclear, o setor industrial é obsoleto e pouco produtivo, e o

país se encontra em crise social, política e econômica.

Assim, no mundo pós-Guerra Fria, pode-se afirmar que os países mais

poderosos do mundo são os Estados Unidos, Japão e Alemanha, os quais lideram o

G820. Em torno dessas grandes potências, formaram-se os megablocos econômicos,

os quais se constituem nos centros mundiais do poder.

Por tudo isso, pode-se inferir parcialmente que a hegemonia semimundial

americana é decisivamente beneficiada pelo atual processo de globalização. Este,

não é projetado por nenhum país ou grupo econômico. Tal processo se iniciou, não

apenas em função do fim da Guerra Fria, mas principalmente pelo extraordinário

progresso comercial, cientifico e tecnológico, bem como pela universalização dessas

inovações. Em função disso, o Brasil tem-se empenhado na construção de um

espaço econômico integrado na América do Sul, como forma de contribuir para a

formação de uma área de prosperidade compartilhada.

20 Grupo das sete maiores potências econômicas: EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá. A Rússia participa como convidado especial.

Page 35: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

34

2.4 AS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DA GLOBALIZAÇÃO

O conceito de globalização entrou em moda em meados da década de 1980,

seu uso saiu do campo da administração para inundar os demais campos de estudo.

No enfoque social, servindo-se da base tecnológica desenvolvida, redes de

comunicação e informação, expandiu-se com tendências homogeneizadoras dos

estilos de vida, o que aumentou a consciência dos particularismos culturais locais.

Isso findou por promover o surgimento de uma série de conflitos étnicos e religiosos

que estavam abafados até a Guerra Fria, tais como Bósnia, Angola e Timor Leste.

As condições concretas da cena política internacional, impregnadas da

lógica da Guerra Fria, acarretaram um determinado grau de ineficácia de várias

Convenções Sociais. Entretanto, a modificação estrutural das relações políticas

iniciadas com desmoronamento do bloco soviético recolocou na agenda

internacional não apenas novas Conferências Mundiais sobre direitos humanos,

como também aperfeiçoaram a aplicação e a prática desses instrumentos.

Foi nesta perspectiva que a ONU reuniu em Viena, em junho de 1993, na

conferência mundial sobre direitos humanos, um tabuleiro estatal com nova

geometria política. Essa conferência sucedeu a uma outra, sobre o meio-ambiente e

o desenvolvimento sustentável (Rio 9221), igualmente representativa de uma

alteração substantiva do quadro das relações interestatais, no qual doravante a

qualidade da vida individual e social tornou-se um fator de primeira ordem e não

mais uma variável secundária.

A conferência de Viena buscou sistematizar a agenda internacional na

passagem do longo itinerário teórico para uma prática enfim considerada urgente,

vale dizer, um valor normativo a ser observado como pauta comportamental de

indivíduos e de governantes. A generalidade dos direitos – que se pretendem

21 A ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra são nomes pelos quais é mais conhecida a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada em 1992 no Rio de Janeiro.

Page 36: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

35

universais e que como tais são reafirmados em acelerado movimento globalizante –

ganha uma roupagem particularizada, na medida em que a cada Estado é posta a

exigência moral pública de os realizar, independentemente de questões de

soberania.

Essa certeza coletiva, advinda com a NOM, passa a incluir a concepção de

que o homem em sociedade tem, no respeito dos demais, a garantia da

consideração por sua dignidade própria. Além disso, o entendimento mútuo na

defesa da vida, da liberdade, da honra, da imagem, da educação, da saúde, do

trabalho e do lazer é penhor de vigência, na justa relação social e política, do valor

superior do ser humano e de sua comunidade.

Com efeito, constata-se que com o fim dos mais importantes regimes

socialistas totalitários, comuns durante a fase da guerra fria e do mundo ‘bipolar’ a

invocação de princípios morais, o apelo ao direito internacional – e a sua vigência

supranacional – e os argumentos éticos na prática jurídica se tornaram mais

freqüentes.

O desequilíbrio foi introduzido nas relações internacionais ao longo da

década de 1990, pela prevalência, doravante sem concorrentes notáveis, dos EUA.

Essa assimetria contrasta com a inércia política do cenário internacional. Tal cenário

está acostumado – se não treinado – a lidar com opções simples do gênero: quem

não está comigo está contra mim, desde o término da Segunda Guerra Mundial.

Por outro lado, a chamada NOM, até bem pouco tempo atrás, era vista com

enorme otimismo. Acreditava-se que o novo Sistema Internacional abriria múltiplas

perspectivas de desenvolvimento social e cultural e a humanidade estaria no umbral

de uma nova era da historia da sociedade moderna.

No entanto, essa visão otimista dissolveu-se no ar. Na última década do

século vinte, a situação mundial parecia bem distante desse quadro. Atualmente,

observa-se uma profunda desigualdade entre as diversas regiões do planeta, sendo

Page 37: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

36

que muitas delas encontram-se à margem do processo de globalização, intensificado

com o novo sistema.

Figura 5 – A pobreza no mundo

Fonte: www.aeroglide.com/images/global_map.gif

A NOM representou a vitória do capitalismo e da democracia. Mas, até

mesmo os vencedores ainda apresentam vários problemas econômicos, tais como

elevado déficit público e elevado endividamento interno e externo. Tudo isso em

parte se deve a corrida armamentista desenvolvida durante a Guerra Fria.

É bem claro que o capitalismo é mais dinâmico e competitivo. Porem, não se

pode esquecer que os países subdesenvolvidos, com exceção da Coréia do Norte,

Cuba e Vietnã são todos capitalistas. Muitos problemas no mundo foram criados

Page 38: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

37

pelo sistema capitalista, como o aumento da pobreza, desemprego e concentração

de renda, e estes aumentam em todo mundo.

Essas inseguranças e a necessidade de novas soluções, ignoradas pela

abordagem estatocêntrica, e que resultam de aspectos essenciais de

interdependência ecológica, econômica, entre outras, conduziram ao aparecimento

de novos conceitos, como o de segurança humana.

Este novo tipo de segurança, que tem como preocupação central à

dignidade humana, foi popularizado pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano

do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 1994.

Um dos problemas mais sérios é a desigualdade social. Este problema vem

se agravando até mesmo em países desenvolvidos. Com o aumento da

incorporação de novas tecnologias no processo produtivo, a oferta tem diminuído e

isso contribui e muito para se empobrecer a população. Também é cada vez maior o

buraco que separa os países ricos dos pobres. Esse é o chamado conflito Norte x

Sul, que é de natureza econômica, é não geopolítica, como era o caso do conflito

Leste x Oeste.

O mundo que emergiu da Segunda Guerra tinha pouca semelhança com o

cenário precedente. A derrocada européia e a emergência das superpotências

antagônicas anunciavam o conflito Leste/Oeste. A disparidade entre as economias

industriais e a periferia agromineral refletia a tensão Norte/Sul. A geografia procurou

captar a nova organização econômica e geopolítica do planeta formulando a

concepção da divisão do sistema internacional em três macro áreas. Nasciam o

Primeiro Mundo, o Segundo Mundo e o Terceiro Mundo.

O Primeiro Mundo correspondia ao grupo de países que, tendo realizado a

Segunda Revolução Industrial, dispunha de um parque industrial complexo, formado

pelos setores de produção de bens de capital e de bens de consumo duráveis.

Englobava, na Europa, na América do Norte e no Pacífico, os aliados políticos dos

Estados Unidos - potência líder do Ocidente.

O Segundo Mundo correspondia à União Soviética - que entrara em ruptura

com a economia mundial capitalista no período anterior- e sua zona de influência no

Leste europeu. Abrigava os países que optaram pela modernização industrial

acelerada, com base no monopólio estatal dos meios de produção e na Planificação

Page 39: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

38

central da alocação de recursos. Era o mundo do "socialismo real" ou, ainda, do

socialismo totalitário.

O Terceiro Mundo correspondia aos países que não acompanharam a

arrancada industrial, cuja economia dependia da produção de bens primários

agrominerais. Em contraste com os países industrializados, apresentava fraca

urbanização, concentração demográfica no meio rural, elevado crescimento

vegetativo e alarmantes índices de pobreza.

O conflito entre o mundo capitalista e o mundo socialista (a disputa Leste-

Oeste) refletia a ruptura da economia mundial em sistemas econômicos

contrapostos e o isolamento acentuado dos países socialistas em relação aos fluxos

internacionais de capitais e mercadorias. Refletia, ainda, a rivalidade geopolítica das

superpotências nucleares e a constituição de esferas de influência diplomática e

militar.

As relações entre o Primeiro e o Terceiro Mundo refletiam a subordinação

econômica derivada da desigual distribuição do capital e da tecnologia. A troca de

mercadorias industriais por matérias-primas agrícolas ou minerais modelava as

estruturas econômicas dos países do Terceiro Mundo de acordo com as

necessidades dos mercados consumidores dos países do Primeiro Mundo. A

prosperidade social dos países desenvolvidos contrastava com a persistência da

pobreza e da miséria nos países subdesenvolvidos. Nisso consistia a tensão Norte-

Sul.

Entretanto, a emergência das empresas transnacionais remodelava os

antigos laços de dependência baseados no comércio de manufaturados e matérias-

primas. O deslocamento de filiais das empresas transnacionais para determinados

países do Terceiro Mundo - entre eles Brasil, México, Argentina, Chile e África do

Sul - provocava uma tendência à desconcentração geográfica da indústria. A

presença de vantagens comparativas (principalmente o baixo custo da força de

trabalho) e a formação de mercados internos consumidores de bens duráveis nesses

países constituíam atrativos para os investimentos diretos dos capitais

transnacionais.

Page 40: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

39

Figura 6 – Divisão Norte Sul

Fonte: www.geoeconomia.net/.../mapas/spyk/spyk03.gif

De acordo com essa nova divisão, o bloco do Norte é composto por países

industrializados, desenvolvidos e produtores de novas tecnologias; é onde localizam-

se as matrizes das maiores multinacionais do mundo globalizado. Já no bloco Sul,

encontram-se países subdesenvolvidos, industrializados ou agrícolas, e

dependentes das tecnologias desenvolvidas pelos países do bloco do norte.

A principal arena de disputa entre estes dois blocos é a OMC, onde os

países do sul lutam pelo fim dos subsídios agrícolas, que consideram altamente

prejudiciais aos seus interesses no comércio internacional. Os países do norte têm

no G7 os seus principais representantes, enquanto os países do sul estão

representados no G20 22.

Um problema decorrente do conflito entre Norte x Sul é a migração em

massa. Milhões de pessoas a cada ano tem emigrado, principalmente para a Europa

Ocidental. Isto se deve ao aumento de desemprego, baixos salários, fome, que

estão aliados ao crescimento populacional, além de conflitos e guerras nos países

subdesenvolvidos.

22 O G-20 (grupo dos 20) é um grupo que consiste nas 19 maiores potências do mundo, junto com a União Européia.

Page 41: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

40

Figura 7 – Imigração - Europa

Fonte: static.flickr.com/32/61409553_ca2590cf02.jpg

Na tentativa de solucionar o problema, são feitas cada vez mais exigências

para diminuir a entrada de imigrantes e até mesmo de turistas nos países ricos.

Contudo, tais medidas não resolverão o problema, pois esse, é resultante de

desigualdade entre as citadas regiões, portanto, a solução definitiva pode ser

complexa e bem mais demorada.

A prioridade do Estado que, inicialmente, era o bem-estar, nas últimas

décadas, modificou-se, no sentido de adaptar as economias nacionais às exigências

da economia mundial, e o Estado tem se tornado meramente uma ponte entre a

economia mundial e a economia nacional, através da qual os grandes

conglomerados transnacionais são os beneficiados.

Deste modo, é inegável que o processo de globalização fragiliza o Estado-

nação, não apenas no que se refere à capacidade de implementar políticas

Page 42: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

41

específicas relativas aos mercados, mas também, e talvez principalmente, a

determinadas capacidades "estruturais" relativas à questão social.

Estes acontecimentos revelam o potencial de desordem da dinâmica que se

vem implantando, nas últimas décadas, sob o impulso da competição entre grandes

grupos multinacionais e o patrocínio da hegemonia das grandes potências e

corporações na difusão das políticas de desregulamentação dos mercados.

Pelo exposto, é possível concluir parcialmente que com a instauração de

uma nova ordem política e econômica, o mundo passou a vislumbrar perspectivas

concretas de desenvolvimento social e cultural. Por outro lado, várias questões

internacionais adormecidas durante a Guerra Fria vieram à tona e com estas, novas

tensões. Assim, na vigência da NOM a capacidade financeira e tecnológica passa a

definir o poder, cristalizando as diferenças sociais entre ricos e pobres, o que

aumentou ainda mais a instabilidade e a desordem em diversas regiões do mundo.

2.5 AS AMEAÇAS INTERNACIONAIS E O NOVO PAPEL DAS FORÇAS

ARMADAS

A catástrofe humana resultante das duas grandes guerras mundiais,

ocorridas na primeira metade do século passado, não logrou êxito em desencorajar

ou mesmo abolir o "animus belligerandi" – o instinto agressor nato da humanidade.

A história é recheada de exemplos para comprovar que o mundo sempre

girou em torno dos mais fortes, que esse modelo se reproduz hoje, e que ainda

durante muito tempo comportamento desta natureza será observado entre os

diversos Estados. As diferenças de poder nunca deixaram de existir, ora de maneira

mais suave, ora mais acentuada, fazendo com que acordos e tratados sejam

escritos e cumpridos, na maior parte das vezes, segundo a concepção dos mais

poderosos, mesmo no contexto da interdependência, da globalização e dos regimes

internacionais, quando proliferam organizações internacionais e organizações não-

governamentais.

O sistema internacional, desta forma estruturado, é considerado legítimo,

porque existe um consenso entre as grandes potências que, ao ditar as regras de

funcionamento deste jogo, obrigam que as mesmas sejam seguidas por todos os

Page 43: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

42

demais membros da comunidade. O Estado que se sentir prejudicado e desejar a

mudança de tais regras, usando o recurso da força, sabe que poderá pagar elevado

preço pela tentativa.

Dentro dessa lógica, percebe-se que o arcabouço do mundo pós-

bipolaridade tem-se revelado ainda mais sangrento, instável e imprevisível diante

das diversas áreas de turbulência herdadas com o fim da Guerra Fria em 1991 com

a implosão do Império Soviético.

Em face desse quadro, a manutenção dos EUA como única potencia global,

com sua rede de segurança, tornou-se fundamental para a segurança e estabilidade

da ordem internacional ao evitar novos conflitos entre as demais potências,

insatisfeitas com a ordem internacional, recorrendo unicamente ao uso de seu poder.

Desse modo, a ação externa dos norte-americanos tem priorizado evitar

competições entre Estados em regiões estratégicas ao promover uma ordem

benéfica a todos.

Nesse sentido, o ataque ao Iraque em 2003 teve como objetivo não apenas

evitar que o regime de Saddam Hussein continuasse a ameaçar a estabilidade da

região ou interrompesse o fornecimento de petróleo, mas principalmente evitar

futuras interferências de rivais potenciais (como China, Rússia, Europa e Japão) no

Oriente Médio. Os EUA ao garantirem a segurança da região evitariam que rivais

potenciais se armem para buscar tal objetivo.

Para apreciar porque nós estamos tendo tanto progresso, você precisa

entender as vantagens extraordinárias que nossas forças têm sobre as

Iraquianas. É uma questão de poder devastador. Nosso poder no ar é

inexorável. E o nosso poder na terra tem capacidade massiva de destruir o

inimigo com um mínimo de perda para nós. ( Harlan Ullman, um dos

autores da política de ‘choque e medo' para física e psicologicamente

destruir qualquer inimigo do imperialismo dos EEUU, exclamou no dia

3 de abril ao jornal New York Post ).

Além disso, ao invadir e ocupar o Iraque, os EUA deram um passo

importante para estabelecer o controle das rotas comerciais e de comunicação entre

a Europa e o Extremo Oriente, bem como possibilitou aos norte-americanos uma

excelente posição estratégica para um acerto de contas com o Irã, país vizinho do

Page 44: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

43

Iraque. Não se pode esquecer que a Revolução Xiita, que derrubou o falecido Xá

Reza Parlevi em 1979 e elevou ao poder o Aiatolá R. Komehini, representou um

sério golpe nos interesses políticos, militares e econômicos dos EUA naquela região

do planeta, além, é claro, de ter sido um profundo golpe no orgulho norte-

americano23.

De acordo com esse objetivo, as principais ameaças à segurança dos EUA,

e também à estabilidade de diversas regiões do mundo, identificadas pelo país no

novo cenário passaram a ser: a proliferação de armas de destruição em massa e a

proliferação de mísseis balísticos e de cruzeiro; os chamados Estados parias, mais

especificamente Iraque, Irã e Coréia do Norte; e o terrorismo internacional.

O terrorismo é uma forma violenta de protesto (e de tentativa de

desestabilizar algum regime) conhecida desde a antiguidade. Existem referências a

atos terroristas desde a Grécia antiga, passando pelo Império Romano e por

inúmeros outros momentos da história.

Entretanto, o terrorismo atual, chamado de pós-moderno ou de global, é

diferente das formas anteriores. Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001

simbolizam muito bem este novo terrorismo, em especial pelo planejamento e pelos

objetivos, pela natureza globalizada e pelo uso inteligente da mídia. O velho

terrorismo, em especial aquele do final do século XIX e inícios do XX, era formado

por organizações anarquistas ou nacionalistas que tinham propostas políticas bem

definidas e em geral assumiam os seus atos.

Desde 1945, a confrontação Leste-Oeste, - centrada em contraposições

militares, político-ideológicas e de organização social -, constituía a expressão

máxima da alta política e estratégia internacionais. Em toda a guerra fria, o grande

jogo estratégico mundial girou em torno do equilíbrio de terror nuclear, da

descontrolada carreira armamentista e da articulação de blocos rivais em múltiplas

áreas, inclusive no chamado Terceiro Mundo. As questões centrais eram, em

primeiro lugar, a da hegemonia e dominação globais e, com a exacerbação da

corrida nuclear e missilística, a própria sobrevivência da humanidade.

23 A Revolução Xiita criou profundos ressentimentos nos altos círculos do poder político e militar norte-americanos, ressentimentos esses que ainda não foram totalmente absorvidos ou esquecidos por segmentos importantes do governo americano. Some-se a isto o fato de que o Irã, desde a derrubada do Xá, adotou uma notória política de apoio a grupos extremistas islâmicos em todo o mundo árabe, bem como, mais recentemente, pôs em prática a construção de usinas nucleares e o desenvolvimento da tecnologia de enriquecimento do urânio, o que pode, num futuro muito próximo, dar àquele país o acesso a armas nucleares.

Page 45: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

44

Entretanto, nas últimas décadas, as proporções inverteram-se. A integração

mundial das comunicações e a conseqüente reorganização da militância

revolucionária em redes de extensão planetária permitiu reduzir ao mínimo a função

bélica das armas e ampliar ao máximo a da guerra de informações. O princípio

subjacente a essa mudança é simples e baseia-se na regra clássica da arte militar

que mede a eficácia da ação armada segundo a relação custo-benefício que ela

guarda com os resultados políticos visados.

Quanto mais ampla a repercussão política que se pode obter com um

esforço militar reduzido, tanto melhor. Nesse sentido, batalhas inteiras da II Guerra

Mundial, com centenas de milhares de mortos, foram politicamente menos

relevantes do que alguns ataques terroristas comparativamente modestos realizados

nas últimas décadas, pela simples razão de que neste caso havia meios de alcançar

repercussão jornalística mais vasta e mais imediata, determinando decisões de

governo que em outras épocas necessitariam de um estímulo sangrento muito mais

eloqüente.

A NOM se caracterizou pelo surgimento de um esquema de

desenvolvimento das relações internacionais que substitui o sistema bipolar vigente

até então, o qual girava em torno do confronto entre duas superpotências, cuja

capacidade de destruição mútua garantia, paradoxalmente, que entre elas não se

produziria um enfrentamento cuja conseqüência seria seguramente a destruição ou

um custo intolerável mesmo para a potência supostamente vencedora.

Ressalve-se, desde logo, que a Guerra Fria, embora global em suas

ramificações, não esgotava o espectro político e estratégico, circunstância esta que

tem conseqüências importantes. Por exemplo, mesmo com o fim da Guerra-Fria,

nem tudo é mudança na esfera política, econômica e estratégica.

Christopher Coker,24 ao discutir o tema das mudanças internacionais,

apresenta a hipótese de que, com o fim da Guerra Fria, a guerra haja sido eliminada

da cena internacional observa sucintamente que:

As potências ocidentais, como garantes de sua própria "pax mundi", desejarão afirmar um droit de regard (para não mencionar o devoir d'ingérence - RMS) - sobre as nações menores, as lesser nations , o direito de policiar as áreas de intranqüilidade, de implementar acordos de não-

24 Coker, Christopher, - "Post modernity and the end of the Cold War: has war been disinvented ?" Review of International Studies (1992).

Page 46: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

45

proliferação, de intervir nos casos em que o direito internacional possa parecer estar sob ameaça.

Vale a pena deixar registrado que o fortalecimento do Estado com todos os

seus atributos, entre eles a necessidade de manter um sistema de defesa próprio,

diante das tendências que avançam para seu enfraquecimento, sem dúvida é um

elemento que contribui para paliar as conseqüências negativas que a nova realidade

impõe ao mundo.

Por outro lado, a nova situação internacional, junto com outros fatores que

também irrompem no cenário e não são necessariamente conseqüências diretas da

queda do muro de Berlim, contribuem para que se produza uma mudança

substantiva nas relações que unem os países situados no Cone Sul da América.

Em conseqüência disso, as políticas de defesa de um Estado enquadram-se

no que constituem as linhas mestras de sua política exterior, de maneira que os

movimentos ou as mudanças que nela ocorram vão influir decisivamente na

configuração das mesmas.

Cabe destacar que o atual ambiente estratégico internacional caracteriza-se

pela sua complexidade, evolução permanente e pelo aparecimento de novas

ameaças, das quais se realça o terrorismo transnacional. Estes fatores provocaram

uma mudança na atitude dos Estados relativamente às questões de Segurança e

Defesa, impactando diretamente em potencias emergentes, particularmente o Brasil.

Assim sendo, persistência de entraves à paz mundial requer a atualização

permanente e o reaparelhamento progressivo das Forças Armadas, com ênfase no

desenvolvimento da indústria de defesa, visando à redução da dependência

tecnológica e à superação das restrições unilaterais de acesso a tecnologias

sensíveis.

Diante desse cenário, em qualquer nação moderna, a indústria bélica e o

aparato militar são considerados setores estratégicos e diretamente relacionados

com a soberania do Estado. Assim sendo, nenhum país pode deixar de produzir os

próprios recursos de defesa, os quais devem ser compatíveis com sua realidade

política, econômica e social.

De acordo com essa realidade, após a Guerra Fria, houve um intenso

debate sobre a importância das Forças Armadas, particularmente, para a nação

brasileira, pois estava se cumprindo a última etapa da transição democrática,

Page 47: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

46

coroada com a promulgação da Constituição e a retomada das eleições diretas para

Presidente da República. Assim, com ênfases distintas ou assemelhadas foi

produzido um número significativo de variações sobre o mesmo tema, tendo sido

elaborado o estatuto das Forças Armadas na América Latina e no Brasil (Oliveira

1987 e 1994).

Entretanto, é necessário um aprofundamento do problema, pois vale a pena

lembrar que desde a emergência dos Estados-nação seja qual for o regime

implantado, sempre houve e haverá Forças Armadas. A citação de Maquiavel25,

afirmando que “boas leis se fazem com boas armas” é básica para entender a

legitimidade do Estado no uso da força.

Diante disso, é importante considerar que, uma vez mantendo uma estrutura

política, as nações vão continuar necessitando das Forças Armadas seja na guerra,

seja na paz. Desse modo, mesmo com a discussão sobre a globalização e a queda

de barreiras entre os países, não há uma proposta efetiva de extinção das estruturas

militares nacionais.

Dentro deste quadro, surgem propostas de rediscussão do emprego das

Forças Armadas estendendo a sua utilização para a proteção da segurança pública.

Combater a criminalidade tradicional cada vez mais crescente e a sua nova

modalidade, o narcotráfico é clamar pela vigência “da lei e da ordem” como

justificativa necessária.

Nota-se também as pressões externas para que os militares lutem contra as

drogas como no caso do governo dos Estados Unidos através do Departamento de

Estado e da “Drugs Efforcement Agency” (DEA). Esta pressão abrange todo o

continente latino-americano por ser fornecedor de produtos do narcotráfico para os

Estados Unidos.

A questão do uso das Forças Armadas no combate ao narcotráfico se

deslocou do campo da segurança pública para o campo da defesa não somente por

causa da possível perda do monopólio do uso legítimo da força e da violência, com

jurisdição e códigos próprios, mas porque atinge o monopólio do uso exclusivo de

armamento militar das forças que executam a violência legítima em nome do Estado.

25 Nicolau Maquiavel, foi um historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pela simples manobra de escrever sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser.

Page 48: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

47

Isto não é apenas uma questão técnica, mas, sim uma questão simbólica e

política. Os narcotraficantes passaram a ter um poder de fogo semelhante aos

militares, guardadas as devidas proporções. Este é um aspecto crucial para a

legitimidade do Estado e daqueles que são responsáveis por sua defesa. A

emergência desta situação afeta o caráter do Estado, enquanto Estado de Direito,

tornando o processo de construção da democracia mais difícil.

O Brasil é um país guiado por um sentimento de paz. Não abriga nenhuma

ambição territorial, não possui litígios em suas fronteiras e, tampouco, inimigos

declarados. Toda ação por ele empreendida nas esferas diplomática e militar busca,

sistematicamente, a manutenção da paz. Porém, tem interesses a defender,

responsabilidades a assumir, e um papel a desempenhar, no tocante à Segurança e

Defesa, em níveis hemisférico e mundial, em face de sua estatura político-

estratégica no concerto das nações.

Neste diapasão, o primeiro objetivo da Política de Defesa do Brasil, portanto,

deve ser a de assegurar a defesa dos interesses vitais da Nação contra qualquer

ameaça forânea. Não se pode precisar, a priori, a fronteira entre os interesses vitais

e os interesses estratégicos. Os dois devem ser defendidos com ênfase e

determinação. Essencialmente, os interesses estratégicos residem na manutenção

da paz no continente sul-americano e nas regiões que o conformam e o rodeiam,

bem como os espaços essenciais para a atividade econômica e para o livre

comércio (Setentrião Oriental, Costão Andino, Cone Sul e Atlântico Sul).

Fora deste âmbito, o Brasil tem interesses que correspondem às

responsabilidades assumidas nos Fóruns Internacionais e Organismos Multilaterais

e ao seu status na ordem mundial. Este é conformado por uma combinação de

fatores históricos, políticos, estratégicos, militares, econômicos, científicos,

tecnológicos e culturais.

Sem uma Defesa adequada, a Segurança Nacional e a perenidade desses

interesses estarão seriamente comprometidas e, conseqüentemente, não poderão

ser assegurados. Daí, ressalta-se a imperiosa necessidade de se contar com Forças

Armadas preparadas, suficientemente poderosas e aptas ao emprego imediato,

capazes de desencorajar qualquer intenção de agressão militar ao País, pela

capacidade de revide que representam.

Page 49: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

48

Esta estratégia é enfatizada para evitar a guerra e exige, como corolário, o

fortalecimento da Expressão Militar do Poder Nacional, além de impor um excelente

grau de aprestamento e prontidão das Forças Armadas, desde o tempo de paz,

através da realização de treinamentos, exercícios operacionais dentro de cada Força

Singular, não sendo excluída a necessidade de Planejamento e do treinamento de

Operações Conjuntas e Combinadas no âmbito das Forças Armadas.

Indubitavelmente, para a consecução dessa tarefa, mister se faz uma

conjunção de esforços. Nesse sentido, somam-se, num processo sinérgico, o

imprescindível apoio do Presidente da República, a compreensão do Congresso

Nacional, a efetiva colaboração do Ministério da Defesa e de outras áreas do

Governo, a confiança e o respaldo dos Comandantes de Forças e a ativa

participação de todas as forças vivas da Nação.

Por outro lado, não se pode justificar a hipertrofia das Forças Armadas em

prejuízo do processo de desenvolvimento da Nação, mas não se pode admitir, por

ilógico e temerário, que a Expressão Militar do Poder Nacional seja colocada em

plano inferior – vivenciando um processo gradual de sucateamento e de

desmantelamento, devido à crônica insuficiência de recursos financeiros –, na falsa

concepção de que a prioridade absoluta deve ser dada ao Desenvolvimento.

Apesar de reconhecer que muito foi tentado e feito nos últimos cinqüenta ou

sessenta anos para se construir uma ordem política e social internacional mais justa,

a triste verdade é que não existe, na prática, uma motivação jurídica supra-estatal

que permita soluções eficazes e coerentes para os graves problemas internacionais

existentes neste início do século XXI.

Em conformidade com o discorrido, não existem nações desarmadas,

porque nenhuma delas seria capaz de desfazer-se de sua Expressão Militar para

merecer, por esse ato ingênuo, o respeito e a simpatia de todos os países. Não há

fórmula miraculosa capaz de manter a paz sem ameaças de conflitos internos ou de

guerra entre os povos.

Os mecanismos políticos e jurídicos criados após o fim da Segunda Guerra

Mundial em 1945 para a solução dos conflitos militares, manter a paz internacional,

bem como para reprimir a prática de crimes de guerra e do terrorismo internacional

Page 50: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

49

em larga escala, se mostraram totalmente impotentes. Assim sendo, é importante

lembrar das sábias palavras do insigne Barão do Rio Branco26 – o Chanceler da Paz

–, que, de modo contumaz, enfatizava a imperiosa necessidade de o País possuir

um bom sistema de armas para respaldar as suas proposições no concerto das

nações.

Apesar do otimismo daqueles que entendem ser as organizações

internacionais o fórum indicado para resolver controvérsias, impedindo que as

demandas sejam atendidas através de meios violentos, o que a História tem

mostrado é que as políticas de poder têm sido utilizadas quotidianamente.

Pode-se então concluir parcialmente que as principais ameaças no âmbito

da Segurança e Defesa, resultam do cruzamento entre estados iníquos ou párias

com acesso a armas de destruição maciça e os grupos não estatais com acesso

potencial a essas armas. Essa conjuntura de instabilidade e assimetria internacional,

fator de estímulo para as beligerâncias, tem constituído focos de tensões

internacionais. Diante desse cenário, o papel que caberá às Forças Armadas

brasileiras, nas próximas décadas, deverá ser multifacetado, o que torna imperativo

racionalizar, modernizar e fortalecer o aparato defensivo brasileiro.

26 José Maria da Silva Paranhos Júnior (Rio de Janeiro, 20 de abril de 1845 — Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1912) foi um diplomata, ministro e historiador brasileiro. Era conhecido pelo título nobiliárquico de barão do Rio Branco.

Page 51: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

50

3 OS NOVOS CONFLITOS INTERNACIONAIS E A ONU

3.1 A GUERRA ASSIMÉTRICA

As transformações ocorridas no cenário mundial a partir do fim da União

Soviética fizeram surgir uma Nova Ordem Mundial caracterizada pela multiplicidade

de níveis de conflitos. Desse modo, descobriu-se na década de 1990 um mundo

bem mais complicado a combinar de maneira inédita unilateralismo e negociações

multilaterais.

O fim da União Soviética e da bipolaridade em 1991 abriu espaço para

novas iniciativas em política de desarmamento e limitação de conflitos regionais

através da solução negociada. No entanto, à medida que o “perigo comunista”

retrocedia como ameaça global, novas crises foram ganhando espaço.

Existem muitas divergências entre os estudiosos, quanto à afirmação de que

com fim da Guerra Fria uma revolução em assuntos militares vem se processando.

Contudo, há uma concordância nos estudos estratégicos modernos, no que diz

respeito ao aparecimento de novas causas de insegurança no cenário internacional,

decorrentes de um novo tipo de guerra, que tem se expressado claramente nos

grandes atentados terroristas e nos últimos conflitos deflagrados pelo mundo e que

vem sendo nomeada como Guerra Assimétrica.

O inimigo, empregando suas pequenas forças contra um país vasto, só pode ocupar algumas cidades grandes, as principais linhas de comunicações e parte das planícies. Portanto, existem áreas extensas no território sob a sua ocupação que ele tem que deixar desocupadas e que se constituem uma enorme arena para a nossa guerra de guerrilha (Mao Tse-tung).

Mao Tse-tung é um dos praticantes de assimetria mais estudados. Na

citação acima, ele explica de que maneira grupos guerrilheiros podem tirar vantagem

do tempo e do espaço. Portanto, a guerra assimétrica não é um conceito novo; tem

origens tão antigas quanto a ocupação romana da Espanha e dos países do

mediterrâneo oriental.

Page 52: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

51

A história apresenta muitos exemplos de fracassos de grandes potências no

contexto de conflitos assimétricos: os romanos na floresta da Teutoburg, os

britânicos na Revolução Americana, os franceses na Guerra Peninsular, na

Indochina e na Argélia, os norte-americanos no Vietnã e na Somália, os russos no

Afeganistão e na Chechênia.

No entanto, duas explicações são necessárias quando se generaliza o

fracasso de grandes potências em pequenas guerras. Primeiro, grandes potências

não perdem, necessariamente, pequenas guerras; elas simplesmente deixam de

vencê-las. Na verdade, elas conseguem, com freqüência, muitas vitórias táticas no

campo de batalha. Contudo, na ausência de uma ameaça à sua sobrevivência, a

incapacidade das grandes potências em obter rápida e decisivamente seus objetivos

estratégicos, fazem com que percam o apoio doméstico. Segundo, o oponente mais

fraco tem sido estrategicamente cauteloso e evitado o confronto simétrico em

guerras convencionais contra as grandes potências.

Nessas condições, a guerra assimétrica tem servido para anular a distância

entre nações ricas e pobres. Assim, países como a Coréia do Norte e Irã se providos

de armas de destruição em massa podem se colocar tão forte como os EUA, a

Rússia, ou a China. Desse modo, se tiver vontade e capacidade de conduzir uma

guerra assimétrica, pequenos países podem vir a se contrapor com êxito contra a

pretensa múltipla superioridade de uma potência ou mesmo de coalizões das

nações mais ricas do mundo.

Uma luta assimétrica implica que a guerra é total para os insurretos

autóctones, mas é inerentemente limitada para a grande potência. Esse fato ocorre

porque os insurretos não apresentam uma ameaça direta à sobrevivência da grande

potência.

Além disso, para a grande potência em uma situação assimétrica, uma

mobilização militar completa não é politicamente prudente nem necessária, do ponto

de vista militar. A enorme disparidade das capacidades militares e a certeza de sua

predominância em poder bélico fazem com que a grande potência espere a vitória.

Page 53: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

52

Contudo, embora a força inferior possua meios limitados, seu objetivo é, de

qualquer forma, a expulsão da grande potência. A única opção para o Estado

oprimido é, literalmente, a vitória ou a morte.

Esse novo tipo de conflito tem se caracterizado não apenas pela radical

superioridade de forças, como aconteceu no Iraque e na Iugoslávia, mas pela

ausência de pelo menos um Estado constituído do outro lado. Assim, os EUA e a

Grã-Bretanha se valeram apenas da confissão do governo afegão de que Osama

Bin Laden estava no país e da negativa de entregá-lo para iniciar as operações com

bombardeios similares aos das duas guerras anteriores.

A ironia das novas ameaças internacionais é que as principais potências do

mundo nos últimos cinqüenta anos preparam-se no nível tecnológico nuclear mais

sofisticado prevendo o ataque de um inimigo global territorial-estatal. Esses ataques

poderiam vir dos soviéticos, chineses ou dos chamados estados delinqüentes (rogue

states), como se costumam chamar países hostis como Líbia, Síria, Cuba, Iraque,

Irã, Iraque, Sudão ou Coréia do Norte.

Tais ataques não aconteceram e, provavelmente, não acontecerão.

Entretanto, o que menos podiam prever os países do primeiro mundo é que ataques,

que Samuel Huntington poderia denominar com justa razão de civilizacionais, viriam

do nível não-estatal, originando-se de simples indivíduos armados de facas, estiletes

e canivetes, e com uma eficácia estarrecedora.

A questão torna-se mais dramática porque não existe independência entre

as variáveis política e econômica. A globalização liderada pelos EUA supõe a venda

de um modelo aberto de economia mundial que tem suas implicações para a

segurança nacional das nações mais poderosas do mundo.

De fato, a consolidação de uma sociedade democrática e aberta aos

capitais, aos imigrantes, às idéias criam, por sua vez, as condições ideais para que o

país seja agredido por inimigos assimétricos inteligentes e determinados, sugerindo

uma importante dicotomia entre atingir um equilíbrio razoável entre fronteiras abertas

e segurança nacional.

Esse é um equilíbrio difícil de se atingir na medida em que a globalização

promovida pelos países ricos não é percebida no exterior como um processo mais

amplo, produto de uma dinâmica secular de modernização, mas como um reforço do

próprio unilateralismo. Assim, se o objetivo de modernização não for atingido nos

Page 54: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

53

países não-ocidentais, é muito provável que as nações mais poderosas, suas

empresas e cidadãos sejam culpados pelos custos sociais e políticos da integração

econômica.

O dilema é que atingir o equilíbrio segurança-globalização significará

também que os países ricos não se poderão furtar de intervir militarmente em teatros

de operações externos a seus territórios. Por outro lado, está cada vez mais claro,

como aconteceu nas recentes intervenções, que a sociedade nega-se a sacrificar a

vida de seus filhos em operações militares nas quais não esteja claro qual é e de

que maneira está em jogo o interesse nacional em termos de segurança nacional.

Paradoxalmente, isso tem trazido uma conseqüência inesperada na lógica

da guerra, como anotado recentemente por Eric Hobsbawn27: o soldado nega-se a

morrer e aquele que deveria ser protegido pela ação e pelo sacrifício deste, a

população civil, é quem mais está morrendo.

Na falta de uma autoridade global efetiva, conflitos armados no final do século 20 embaralharam a distinção entre combatentes e não-combatentes e fizeram dos civis as principais vítimas [...]. Por mais que seja verdade que o armamento de alta tecnologia tenha tornado possível em alguns casos restabelecer uma distinção entre alvos civis e militares e, portanto, entre combatentes e não-combatentes, não há razão para duvidar de que as principais vítimas da guerra continuarão a ser os civis (HOBSBAWN, 2002).

Além desses conflitos assimétricos, envolvendo as principais potências

mundiais, as décadas de 1980 e 1990 ficaram marcadas por profundas alterações

nas referências de análises de conflitualidade internacional. As chamadas novas

guerras, que ocorrem com maior incidência em estados colapsados, vêm contrastar

com um tipo de conflitualidade de matriz vestefaliana, que correspondeu, sobretudo

à construção do Estado moderno, territorial, centralizado e hierarquicamente

ordenado.

De fato, essas novas guerras correspondem a um novo tipo de violência

organizada que é diferente porque fazem com que não se vejam as diferenças entre

guerra (geralmente definida como violência entre Estados ou grupos organizados

27 Eric John Earnest Hobsbawm: nasceu no Egipto ainda sob o domínio britânico. Considerado um dos mais importantes historiadores atuais. Um dos seus livros, em especial, rendeu-lhe reconhecimento e prestígio: "A Era dos Extremos", lançado em 1994, na Inglaterra, tornou-se uma das obras mais lidas e indicadas sobre a história recente da humanidade.

Page 55: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

54

por motivos políticos), crime organizado (violência conduzida por grupos de

organização privada) e violações massivas de direitos humanos (geralmente por

parte de Estados ou por grupos politicamente organizados contra indivíduos).

Estas novas guerras, também denominadas “conflitos de baixa intensidade”,

guerras privatizadas ou guerras informais têm características substancialmente

distintas das guerras “tradicionais”. De fato, nestas novas guerras não é fácil de

estabelecer na prática a distinção entre o privado e o público, o estatal e o não

estatal, o informal e o formal, o que se faz por motivos econômicos ou políticos, ou

até mesmo, religiosos.

O Brasil é um exemplo claro de um país que vive este novo tipo de

conflitualidade. Trata-se de um país que não está envolvido em nenhuma guerra

oficial, mas que apresenta, não obstante (em algumas regiões), uma das taxas mais

elevadas de homicídio provocadas por armas ligeiras do mundo.

À semelhança das guerras irregulares e informais da segunda metade do

século XX, que não se ajustavam a uma determinada concepção de guerra, mas

que constituíram, no entanto, o prelúdio das novas guerras típicas dos anos 90, está

a emergir, agora à margem destas novas guerras, e ao nível global, um novo tipo de

conflitualidade violenta, que, por não se ajustar a nenhuma das concepções de

guerra já existentes, não é ainda considerada prioritária ou relevante.

Estes novos conflitos correspondem a uma dinâmica de disseminação física

da violência armada, a uma escala cada vez mais micro, e têm como cenários

privilegiados as periferias de grandes centros urbanos. Estas manifestações de

novíssimas guerras ocorrem em países que vivem formalmente em paz: seja em

sociedades que vivem processos de reconstrução pós-conflito, onde facilmente se

opera uma transferência da violência militar anterior para uma violência social

disseminada associada ao uso de armas de fogo, seja em situações de hiper-

concentração territorial de violência armada em contextos de paz formal e

institucionalizada.

O tema das novas formas de guerra aparece também como decisivo. Desde

a Guerra do Golfo, em janeiro-fevereiro de 1991, motivada claramente pelo duplo

fator geostratégico da economia do petróleo e da rede de segurança representada

Page 56: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

55

pelas bases militares, vem-se encontrando – tanto no discurso como na ação – o

recurso à motivação humanitária.

Assim, o mundo esta presenciando o emergir de uma era de incertezas com

o advento de inúmeros conflitos étnicos, religiosos e nacionalistas e a formação e

expansão de muitos blocos econômicos. Dos escombros da Antiga Ordem Mundial

(Guerra Fria), nasce uma profunda insegurança nas relações internacionais.

O ambiente estratégico definido pelo fim do confronto bipolar sofreu uma

forte evolução devido a dois acontecimentos importantes, o 11 de Setembro de

200128 e a crise em torno da intervenção militar no Iraque, num contexto marcado

pela emergência das ameaças assimétricas e pela procura de novas formas de ação

estratégica para lhes fazer face. De acordo com Rodrigues Viana29, no novo

ambiente político-estratégico:

A probabilidade de ocorrência de um grande conflito entre as principais potências diminuiu consideravelmente (2003, P.98), em virtude das alterações na distribuição e natureza do poder mundial, reduzindo as ameaças tradicionais de natureza militar. Em contrapartida “num mundo marcado pela interdependência estrutural das relações internacionais e pelo fenômeno do transnacionalismo, assistiu-se a uma alteração qualitativa da natureza das ameaças e riscos.

As ameaças e os adversários do período da Guerra-Fria poderiam ser

caracterizados na descrição de Brian Jenkins 30 como:

...estáticos, previsíveis, homogêneos, rígidos, hierarquizados e resistentes à mudança. Os adversários que atualmente se enfrentam são dinâmicos, imprevisíveis, diversos, fluidos, em rede (networked) e em constante evolução (2004, P.18).

Estes adversários apesar de não ameaçarem a destruição total do planeta,

receio este que existiu durante o período da Guerra-Fria, já demonstraram

capacidades para causarem níveis de destruição elevados.

28 Os atentados de 11 de setembro foram uma série de ataques contra alvos civis nos Estados Unidos em 11 de Setembro de 2001.

29 Rodrigues Viana: nasceu em Lisboa, em 11 de Julho de 1952. É Mestre em Estratégia pelo ISCSP, tem

publicados vários trabalhos no âmbito técnico e nos domínios da História e da Estratégia.

30 Brian Jenkins, norte-americano, é um perito em terrorismo e estudioso do fenômeno da violência

política da Universidade Saint Andrews, da Escócia.

Page 57: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

56

Por outro lado, em função dessas ameaças, a “guerra ao terror”,

implementada pelos EUA aponta até o momento algumas oportunidades para

desenvolver as forças armadas norte-americanas e redistribuí-las pelo mundo: como

por exemplo, o remanejo de tropas da Alemanha e Coréia do Sul, a implantação de

forças de ataque leves e rápidas e o aproveito de desenvolvimentos tecnológicos

que materializam sua incontestável superioridade militar global.

Comandantes da Marinha dos EEUU disseram ao jornal Washington Post que antes mesmo de suas forças armadas atingirem as divisões Iraquianas ao redor de Bagdá 5000 ou mais dos 11000 soldados Iraquianos ali situados já haviam sido mortos ou feridos pelo ar, e 75% de seu equipamento já havia sido destruído. Um oficial do Pentágono disse ao jornal Guardian: ‘Eles estão sendo dizimados e nós os estamos eliminando tanque por tanque. Eles parecem patos na lagoa.

Além disso, o posicionamento das tropas norte-americanas pelo mundo,

herança da Guerra Fria, tem permitido a continuada projeção de poder dos Estados

Unidos, agora sob o manto da guerra contra o “eixo do mal”.

De acordo com o exposto, pode-se inferir parcialmente que com o fim da

Guerra-Fria, variadas tensões regionais, contidas pela estrutura de poderes bipolar,

transformaram-se em diversos conflitos conducentes a um ambiente de

fragmentação geopolítica, definindo aquilo a que alguns autores denominaram como

o “arco de crise”: Ásia Central, o Médio Oriente, o Golfo Pérsico e Ásia-Pacífico,

perdendo assim a Europa, a África e a América Latina a importância geoestratégica,

detida durante o período da Guerra-Fria. Assim, O ambiente global de segurança

estratégica mudou dramaticamente nos últimos anos, e o aspecto convencional da

Guerra Fria, com grandes forças dispostas pelas planícies, deu lugar a um ambiente

dinâmico de novas ameaças, repleto de adversários irregulares combatendo em uma

guerra de estilo assimétrico.

Page 58: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

57

3.2 A GUERRA DE QUARTA GERAÇÃO

Muito se tem falado sobre a chamada Guerra de Terceira Espécie ou de

Quarta Geração31. Aquela onde não haverá teatros de operações militares, senão

uma insólita e caótica violência na sociedade, principalmente nos centros urbanos.

Guerra para a qual os exércitos ainda não estão preparados e que hoje representa

um dos maiores desafios dos Estados Nacionais que, por sua vez, também não

estão preparados estruturalmente para enfrentá-la.

Estrategicamente, os pequenos Estados têm mudado de campanhas

militares apoiadas por operações de informação para campanhas de comunicações

estratégicas apoiadas por operações terroristas e guerrilheiras, utilizando todas as

redes disponíveis políticas, econômicas, sociais e militares para convencer os

líderes inimigos responsáveis pelas decisões políticas de que seus objetivos

estratégicos são inalcançáveis ou demasiadamente custosos quando comparados

aos benefícios percebidos.

Essa violência nasce e prospera em um ambiente social convulsionado. Por

isso, aqueles que se valem da “nova guerra” têm como chave para seu triunfo

estratégico a quebra de valores e a corrupção generalizada da sociedade, a par de

uma nefasta aliança com as estruturas políticas do Estado.

Sabe-se, também, que a Guerra de Quarta Geração se nutre das mazelas

que corroem os tecidos sociais. Dentre tantas, se destacam o baixo nível cultural, as

disparidades sócio-econômicas dentro da mesma sociedade e a corrupção

generalizada. Todas essas mazelas são alimentadas, dia após dia, pela mesma

sociedade organizada, pode-se dizer, pelo próprio Estado, que deveria combatê-las,

formando um nefasto vicioso.

31 Guerra de Quarta Geração. Esta teoria da guerra foi desenvolvida por William S. Lind e quatro oficiais do Exército e do Corpo de Fuzileiros dos Estados Unidos (USMC). O Sr. Lind, que foi assessor legislativo de dois senadores, é o diretor de um think tank conservador e autoridade em guerra de movimento. A guerra de quarta geração é, primordialmente, uma teoria em nível tático que, ocasionalmente, incursiona no nível operacional, e se situa na era moderna que vai da época do Tratado de Westfália, em 1648, até o presente.

Page 59: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

58

Diante desse quadro e, tomando essa realidade como algo inexorável, já

reconhecida por muitos estudiosos dos tempos atuais, fica claro que somente

combater o terrorismo doméstico com forças tradicionais as mais diversas e não

resolver os problemas estruturais que estão carcomendo os Estados, não vai

contribuir para a vitória nessa guerra, que já está em curso.

Os conceitos referentes à Guerra de Quarta Geração vem sendo empregados

para explicitar o tipo de conflito multidimensional, o qual envolve ações em terra, no

mar, no ar, no espaço exterior, no espectro eletromagnético e no ciberespaço. De

acordo com esse novo contexto estratégico, o inimigo pode não ser um Estado

organizado, mas um grupo terrorista ou outra organização criminosa qualquer.

Para se contextualizar esse novo tipo de guerra, é possível associar o novo

tipo de conflito à transição da morfologia bélica registrada no século XX,

identificando os grandes acontecimentos que marcaram o final e o início de três

gerações de conflitos. Dessa forma, como primeiro evento, destaca-se o ganho do

poder do fogo, associado ao desenvolvimento da arte tática, registrando que o poder

de fogo massivo substitui o poder humano massivo taticamente pobre.

Posteriormente, e como segundo, ao poder de fogo se adiciona uma maior

mobilidade. Assim, na seqüência, cada uma das três gerações identificadas amplia o

campo de batalha e a capacidade de manobra do antagonista.

Por outro lado, pode-se atribuir aos conflitos periféricos do período da Guerra

Fria a responsabilidade pelo desenvolvimento da Guerra de Quarta Geração. De

fato, o surgimento das armas nucleares em 1945 contribuiu para tornar a guerra

entre grandes potências demasiadamente perigosa. Desde então, os conflitos locais

ou regionais, envolvendo inclusive atores não-estatais, vêm se proliferando,

tornando-se cada vez mais comuns.

Nesta forma de pensamento, as Guerras de Quarta Geração reconhecem

como o campo de batalha o conjunto de uma sociedade, inclusive sua cultura,

buscando implodi-la. Assim, esses eventos não reconhecem limites claros entre a

guerra e a paz ou entre combatentes ou não-combatentes, nem permitem identificar

com precisão as frentes de batalha. Dessa forma, são eventos assinalados por uma

grande dispersão geográfica e valorizam em maior proporção do que em gerações

Page 60: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

59

anteriores o papel das operações psicológicas e o controle dos meios de

comunicação social.32

A Guerra de Quarta Geração é também marcada por uma volta a um mundo

de culturas, não meramente de países, em conflito. Sob este enfoque, o mais antigo

e obstinado oponente do cristianismo ocidental, o Islã, vem se materializando como

um poderoso inimigo a enfrentar. De fato, após cerca de três séculos na defensiva

estratégica, seguindo-se ao fracasso do segundo cerco turco de Viena em 1683, o

Islã tem retomado a ofensiva estratégica, expandindo-se para fora em todas as

direções. Em função disso, na Guerra de Quarta Geração, a invasão de imigrantes

pode ser tão perigosa quanto a invasão do exército inimigo.

Neste cenário, o terrorismo fundamentalista pode ser encarado como uma

das manifestações do novo fenômeno bélico. Com efeito, os ataques ao World Trade

Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, constituiram um ponto de

virada fundamental, na trajetória dos conflitos de quarta geração. Desde então, o

mundo tem vivido uma espécie de conflito de baixa intensidade permanente, sujeito

a surtos periódicos de média ou alta intensidade.

Figura 8 - A Guerra ao terror

Fonte super.abril.com.br/imagem/esp_todasasguerras

São exemplos desses surtos, as invasões do Afeganistão e do Iraque, por

coalizões lideradas pelos EUA. Nessas invasões, o emprego massivo e mal-

32 LIND, William; SCHMITT, John; SUTTON, Joseph e WILSON, Gary: “The Changing Face of War: into the Fourth Generation”, Marine Corps Gazette (outubro de 1989): pp. 22-26.4.

Page 61: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

60

sucedido das Forças Armadas contra ameaças terroristas, teve como conseqüência

a perenização dos combates irregulares e o agravamento das tensões não somente

nas regiões dos conflitos, mas no mundo como um todo.

Vale lembrar que ao invadir esses países e destruir completamente a

estrutura de seus Estados, eliminando o precário equilíbrio de forças interno, a

superpotência hegemônica e seus aliados estabeleceram o caos no território desses

países e criaram condições propícias à proliferação de grupos insurgentes de quarta

geração em toda a região, na qual o Estado, ainda que em condições precárias de

funcionamento, deveria ter sido preservado, pois historicamente sempre funcionou

como uma barreira entre a civilização e a barbárie.

Nessa linha de raciocínio, pode-se supor que a Guerra de Quarta Geração

traz no seu fundamento a crise universal da legitimidade do Estado. Assim, a

destruição de um Estado pode ser conseguida, intencionalmente ou não, por outros

meios que não os militares. Ou seja, a fim de "conquistar" um país, é possível

destruir sua economia e seu sistema político, assim como sua coesão interna e sua

identidade cultural, sem necessidade de empregar força militar.

De fato, no contexto da Guerra de Quarta Geração, os ataques à segurança

de um Estado podem partir de outros Estados, mas também de conglomerados

multinacionais, organizações terroristas ou cartéis de narcotraficantes. Desse modo,

uma coalizão de facções ideológicas ou criminosas, com ramificações internas e

externas, podem declarar guerra a qualquer Nação, inclusive ao Estado brasileiro.

Na América do Sul, nos últimos anos, os conceitos da Guerra da Quarta

Geração têm sido empregados intensivamente para explicar a conduta do

Presidente venezuelano Hugo Chávez em assuntos de defesa e segurança. Tais

conceitos, de acordo com seus partidários, servem para explicar a natureza da

agressão que a nação caribenha enfrenta, assim como as medidas preventivo-

dissuasivas que o seu Poder Executivo adota ao enfrentar essa contingência.

Não obstante, uma nova ameaça, contra a qual a força militar é inócua, é a da

guerra irregular ou Guerra de Quarta Geração praticada por agentes não-estatais,

como o aparato internacional de organizações não-governamentais (ONGs)

ambientalistas e indigenistas, cujas campanhas têm se revelado bastante eficazes

para obstaculizar iniciativas de desenvolvimento e utilização dos recursos naturais

pelos países-alvo. O Brasil tem sido um alvo especial dessa campanha

antidesenvolvimentista.

Page 62: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

61

Exércitos convencionais têm se engajado em combates de Quarta Geração

ao longo da História. Entretanto, o desafio atual das forças militares é lutar através

de todo o espectro de conflito, no qual a tecnologia, embora não seja uma solução

tem se mostrado bastante útil. Sobretudo, pelo fato dos oponentes neste tipo de

conflito não reconhecerem, ao menos, as Convenções e os Protocolos de Genebra.

Sob o enfoque tecnológico, a nova idéia de Guerra centrada em redes

internacionais é uma atualização ultradispendiosa do velho conceito soviético de

centralização do planejamento e controle, exigindo bilhões de dólares em avançados

sistemas C4 (comando, controle, comunicação e computação).

Neste sentido, a Guerra de Quarta Geração vem adquirindo uma

complexidade cada vez maior, caracterizando-se não somente pelas grandes

mudanças em como o inimigo combate, mas também pela ampla abrangência de

quem está lutando e para que. Tais mudanças, tornam difícil, em combate,

diferenciar o amigo e o inimigo. Um bom exemplo é a mulher bomba-suicida. Além

disso, a mudança na forma de combater do inimigo tem inviabilizado as concessões

políticas que são necessárias para terminar a guerra.

De acordo com o escritor Lorenzo Carrasco33, o Brasil passou a ocupar uma

posição privilegiada nessa estratégia de guerra irregular a partir do final da década

de 1980, após o assassinato de Chico Mendes, cuja transformação em um fato de

proporções mundiais constituiu uma evidência cabal da intenção de apresentar o

País como o vilão ambiental número um do planeta.

Segundo Lorenzo Carrasco, o Brasil se viu no centro de uma inédita

campanha internacional de preocupações com a Amazônia, em particular, cuja

devastação passou a ser apresentada como iminente à opinião pública mundial,

acompanhada de fortes pressões políticas e diplomáticas para que o País aceitasse

os princípios de soberania restrita sobre a região.

Nessa estratégia de quarta geração, para se justificar a ingerência externa,

um modo de operar começa a se tornar evidente e repetitivo. Inicialmente, os meios

de comunicação internacionais desfecham um poderoso bombardeio de fatos

sensacionalistas sobre a opinião pública mundial, tentando evidenciar a

33 O jornalista mexicano Lorenzo Carrasco é dirigente do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e coordenador do livro "Máfia verde: o ambientalismo a serviço do governo mundial”.

Page 63: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

62

incapacidade e o descontrole dos governantes locais. Tudo isso ocorre,

desafortunadamente, com o apoio freqüente e acrítico dos principais meios de

comunicações nacionais.

Posteriormente, entram em campo as ONGs como autênticas forças de

ocupação territorial, ao interferir diretamente nas políticas governamentais referentes

à definição de grandes reservas naturais e indígenas e, igualmente, promovendo

ruidosas campanhas de propaganda contra projetos de infra-estrutura energética e

viária, além de tecnologias de ponta, tais como a energia nuclear e a biotecnologia.

Vale lembrar que o conceito de ONG foi desenvolvido dentro da Fundação

da Comunidade Britânica (Commonwealth Foundation), criada em 1966, com o

propósito explícito de desconstruir os Estados nacionais. Com esse propósito, a

explosão das ONGs, em âmbito mundial, pode ser vista como a expressão de um

novo pensamento sobre o papel dos governos, que devem ser mais gestores de

políticas do que fornecedores de bens e serviços.

Ainda envolvendo o Brasil, outra manifestação recente e emblemática

dessas pressões externas foi o assassinato da missionária norte-americana Dorothy

Stang, em fevereiro de 2005, ocorrido no Pará. Esse episódio motivou a implantação

imediata de um pacote verde pelo Governo Federal, o qual implicou na virtual

esterilização de mais de 12 milhões de hectares de terras no Estado do Pará, sem

qualquer consideração ou discussão com as populações diretamente afetadas.

A essa altura, fica bem claro que as ameaças de quarta geração não podem

ser enfrentadas por meios militares convencionais. Contudo, as Forças Armadas não

devem ser excluídas da resposta a elas, muito pelo contrário, terão um papel cada

vez mais preponderante. Mas o fato é que a batalha crucial deve ser travada no

terreno da inteligência, tomando-se a expressão no sentido mais amplo, tanto de

inteligência tática, no sentido de conhecer as reais intenções do inimigo, como de

inteligência estratégica, referente às idéias mais profundas desenvolvidas pelas

potenciais forças adversas.

O escritor Lorenzo Carrasco aponta que para se analisar a atuação do

movimento ambientalista e indigenista mundial como um instrumento geopolítico a

serviço de interesses hegemônicos, nas últimas décadas, é preciso enquadrá-lo em

um contexto estratégico mais amplo. De fato, a expressiva mobilização desse

aparato intervencionista de guerra irregular ocorreu no âmbito do fim da Guerra Fria

Page 64: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

63

e da emergência da globalização financeira, como instrumentos eficazes para a

almejada consolidação da hegemonia unipolar norte-americana.

Essa nova ordem mundial, estrategicamente anunciada ao mundo pelo

presidente norte-americano George Bush por ocasião da primeira Guerra do Golfo

em 1991, tinha como um das suas principais premissas a debilitação e neutralização

dos Estados nacionais soberanos e a ascensão de atores não-estatais, como as

organizações não-governamentais (ONGs), na orientação e determinação das

políticas públicas internas e externas, estabelecendo as bases para regimes de

soberania restrita ou limitada.

Pode-se dizer que um desdobramento recente dessa estratégia foi o

reconhecimento da independência da província do Kosovo, a revelia do governo

sérvio e transformado em um protetorado da OTAN, com base em critérios étnicos.

Tal situação, representa um precedente perigoso para nações que têm

concentrações de populações culturalmente diferenciadas em certas áreas

geográficas, tais como determinadas tribos indígenas no Brasil.

Assim sendo, tem sido comum, entre as Forças Armadas dos países mais

desenvolvidos, designar o Conflito de Quarta Geração como o vale-tudo bélico do

terceiro milênio, o qual assimila e ultrapassa, por exemplo, a “blitzkrieg”, Guerra de

Terceira Geração desencadeada por Hitler, baseada não no poder de fogo, mas na

velocidade, surpresa e no deslocamento mental e físico do exército invasor, que

anula o monopólio da exploração do Estado sobre a guerra, hoje, a olhos vistos,

inquestionavelmente ordenada não mais pelos exércitos convencionais, mas por

forças e entidades em alguns casos transnacionais.

De acordo com tudo isso, a maior ameaça que as nações podem enfrentar

não é apenas o terrorismo, que é apenas uma opção tática na guerra. A real ameaça

é a chamada Guerra da Quarta Geração, um conflito bem mais amplo, contra o qual,

nenhuma força armada estatal, por mais bem equipada e adestrada que seja,

consegue derrotar militarmente seus oponentes. Esta realidade, torna a maior parte

dos Estados vulneráveis a este tipo de conflito.

3.3 A ONU, O CONSELHO DE SEGURANÇA E O BRASIL

Page 65: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

64

3.3.1 Considerações Introdutórias

Tendo originalmente 51 Estados-fundadores que estiveram presentes na

Conferência de São Francisco de 25 de abril a 25 de junho de 1945 e com o total

hoje de 191 Estados-membros, sendo a Suíça e o Timor Leste os últimos a

ingressarem em 2002, a ONU atrai críticas ácidas, hesitantes elogios e dúvidas

concretas sobre sua real capacidade de efetivar os princípios e propósitos de sua

Carta.

Com sede em Nova Iorque, é o centro de um amplo conjunto de Organismos

Internacionais e agências especializadas em todos os continentes que, juntos,

compõem o Sistema da ONU. É um organismo internacional de segunda geração já

que a Liga das Nações (SDN) seria um organismo internacional de cunho político

global de primeira geração.

Figura 9 – Estrutura orgânico-funcional da ONU

Fonte: http://www.tareas-ya.com/web_anterior/www/recursos/h2_p_205.gif

Seu principal documento jurídico é a Carta da ONU, com 111 artigos, e o

Estatuto da Corte Internacional de Justiça, com 70 artigos – texto ipso jure à Carta –

que ambos delineiam suas funções, propósitos, missão e composição de seus

órgãos internos bem como disciplinam o relacionamento os Estados-membros,

Page 66: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

65

organismos internacionais e agências especializadas atrelados ao Sistema da ONU

e o próprio Secretariado.

A ONU teve seus princípios, propósitos e sua estrutura política formulada

ainda durante a vigência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pelos Aliados em

uma séria de encontros de Cúpula, conferências internacionais e articulação direta

entre EUA, URSS e Reino Unido, a partir da assinatura do marco da Carta do

Atlântico de 1941.

Ao longo de seus sessenta anos, a ONU vem cativando o imaginário político

coletivo de forma imponente pelo seu histórico de acertos, erros, letargia e inanição

decisória, especialmente durante a Guerra Fria (1945-1991).

O principal objetivo da ONU, criada ainda em meio aos escombros humanos

e materiais da Segunda Guerra Mundial é, dessa forma, evitar nova guerra em

escala mundial que por duas vezes trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade,

como consta no Preâmbulo da Carta da ONU.

Em que pese essa finalidade, tanto na guerra do Vietnã, quanto na invasão

da Checoslováquia, ou no Afeganistão na década de 1980, a voz da instituição não

se fez ouvir, porque o assunto sequer foi discutido no âmbito da ONU. Nem

adiantaria fazê-lo, sabendo-se de antemão os resultados.

Essas limitações sempre se constituíram em motivos para que críticas

intensas fossem feitas contra a capacidade da ONU para resolver conflitos, quando

os interesses das grandes potências estavam em jogo. Nesses casos, nada podia

ser feito, porque o controle do Conselho de Segurança pelos cinco grandes sempre

inviabilizou a tomada de medidas adequadas para atender a todas as demandas de

maneira favorável a contentar os agentes envolvidos.

Apesar dessas freqüentes críticas sobre a ineficácia da ONU para colocar

ordem no mundo, quando se encontram no centro das discussões, os interesses das

grandes potências, não resta dúvida de que ela é, até o presente momento, o maior

experimento já visto, em termos de instituições internacionais. Sua antecessora, a

Liga ou Sociedade das Nações, não teve sequer igual sorte mostrando-se, desde o

início, impotente para manter a paz e a segurança mundiais, frente a um cenário que

sempre se lhe apresentou pouco favorável.

Page 67: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

66

Certamente, a ONU com seu papel nas Relações Internacionais pós-

bipolaridade e pós-11 de setembro de uma pesada carga de doutrinarismo antiterror

não deve se limitar, exclusivamente, a evitar ocorrência de novos flagelos bélicos em

escala mundial como os que ocorreram em 1914-1918 e entre 1939-1945. Ela deve

ter um papel bem maior e mais incisivo nos planos sócio-econômico, cultural,

comercial e humanístico.

3.3.2 O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) e o Brasil

Durante a maior parte de sua existência a ONU cumpriu papéis que

derivavam diretamente da ordem internacional resultante da Guerra Fria. Entre suas

principais funções estava a de constituir um fórum de convivência pública entre as

duas superpotências. Nele, os EUA e a URSS, diretamente ou por intermédio de

seus aliados, protagonizaram a bipolaridade que caracterizou o período, vivendo

momentos de rivalidade e confrontação, mas também de cooperação.

A notável expansão das Nações Unidas em organizações setoriais, a

universalidade de sua agenda e o constante aumento do número de seus Estados-

membros, indicam o quanto a dimensão cooperativa sobreviveu, apesar de todo o

caráter polarizado da Guerra Fria. Assim, todas as tentativas de torná-la um

instrumento para a derrocada de um dos lados, ou para aprisionar ambas as

superpotências à chantagem dos não-alinhados, conheceram um sucesso apenas

mitigado. De modo que é possível sustentar a hipótese de que a ONU, no período

da Guerra Fria, manteve-se essencialmente a serviço da mútua contenção das

superpotências.

Esse conjunto de circunstâncias contribuiu para simultaneamente expandir a

agenda das Nações Unidas e inflar as expectativas com relação ao seu papel, sem

que a isso correspondesse um aumento proporcional de sua capacidade de

resolução. Precipitou-se, assim, uma grande insatisfação com a Organização, tanto

em seu aspecto político quanto administrativo. Tal insatisfação se manifestou em

termos de uma demanda de reforma.

Neste sentido, desde o fim da Guerra Fria vem se defendendo uma reforma

do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Vale destacar que mesmo na sua

criação, já houve uma desproporção entre o poder relativo de cada membro

Page 68: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

67

permanente do Conselho de Segurança, pois, comparativamente aos Estados

Unidos e à União Soviética, a França tinha uma relação muito inferior, entrando

nessa categoria somente por pressão do Primeiro Ministro britânico Winston

Churchill34.

Existem várias propostas de ampliação do órgão, que abrangem diferentes

posições quanto ao número de assentos, à qualidade destes assentos (permanentes

ou não-permanentes), ao direito de veto aos possíveis novos membros

permanentes, dentre outros aspectos. A comissão está considerando dois modelos:

aumentar o número de assentos permanentes de cinco para onze e os não-

permanentes de dez para treze; aumentar nove assentos não-permanentes.

Muito se tem comentado na imprensa escrita e televisiva sobre a

candidatura do Brasil a membro permanente do CSNU. Historicamente, a primeira e

única reforma ocorrida até a agora no Conselho foi em 1965 quando 2/3 dos países,

incluindo os permanentes (EUA, URSS, França, Reino Unido e China), ratificaram a

emenda que aumentava de 11 para 15 os países rotativos.

Em 1995, uma comissão foi nomeada pelo Secretário-Geral da Organização

da ONU, Kofi Annan para estudar a reforma da estrutura do Organismo, inclusive do

Conselho de Segurança. Atualmente, o órgão conta com 15 membros, dos quais

cinco são permanentes e dez, rotativos, eleitos pela Assembléia Geral, por período

de dois anos, cuja função primordial é manter a paz e a segurança internacional, em

conformidade com os propósitos e princípios das Nações Unidas.

O Brasil defende a adição de cinco novos postos permanentes, sendo que

três seriam ocupados por Estados em desenvolvimento da África, Ásia e América

Latina e Caribe (África do Sul, Índia e Brasil, respectivamente – apesar de a África

do Sul não ter manifestado sua intenção de ocupar a função) e os outros dois seriam

ocupados por Estados industrializados (Alemanha e Japão).

Participar do Conselho de Segurança demonstra particular importância no

cenário internacional, na medida em que as decisões deste órgão são as únicas que

têm caráter obrigatório, e não recomendatório, como as da Assembléia Geral e as

34 Sir Winston Leonard Spencer Churchill foi um estadista britânico, escritor, jornalista, orador e historiador, famoso principalmente por ser o primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.

Page 69: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

68

dos demais organismos internacionais. Isto é, todos os Estados-membros da

organização estão obrigados a aceitar e cumprir as decisões do Conselho.

Neste sentido, tomar parte no Conselho de Segurança significa tomar parte

das decisões mais relevantes no âmbito internacional e ter aumentado seu poder.

Daí o interesse do Brasil e de outros países de integrar o corpo permanente do

órgão – e a explicação da oposição da Itália, Argentina, México e Paquistão: ela se

configuraria como uma tentativa de evitar a expansão do escopo de poder da

Alemanha, Brasil e Índia.

Para justificar sua candidatura ao possível assento permanente no Conselho

de Segurança, o Brasil vem participando de várias missões de paz internacionais,

como a missão do Timor Leste, em que participou ativamente da criação do novo

Estado, e a do Haiti, em que lidera a missão de paz da ONU (MINUSTAH), a fim de

aumentar sua visibilidade e importância na arena internacional. Com isso,

demonstraria liderança e capacidade de lidar com assuntos da agenda internacional.

Figura 10 – A participação do Brasil em Missões de Paz

Fonte: www.batalhaosuez.com.br/mapaMissoesBrasForcas...

Page 70: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

69

É importante frisar que se de fato, o Brasil conseguir assumir um dos

assentos do Conselho de Segurança, é inegável que seu peso no cenário

internacional deve aumentar exponencialmente, pois o País vai passar a ter voz

mais ativa nas principais deliberações internacionais e, conseqüentemente, mais

poder, facilitando a conquista e a manutenção dos Objetivos Nacionais Permanentes

brasileiros.

Além disso, argumenta-se que com a reforma se diminuiriam as

disparidades de representação no Conselho de Segurança, aumentando sua

legitimidade, pois, sua composição reflete, ainda hoje, a ordem política internacional

da década de 1960, a qual pouco tem a ver com a instaurada no mundo após o fim

da Guerra Fria.

Neste sentido, a reforma da ONU e do Conselho de Segurança serviria

como adaptação à nova configuração mundial, em que se observam um aumento

considerável no número de países independentes (de 51, em 1963 para 191, em

2004), o fim da Guerra Fria, o fortalecimento de atores não-estatais e a ampliação da

agenda internacional.

Entretanto, não bastaria o aumento do número de países com assentos

permanentes no Conselho de Segurança para conseguir superar esses problemas.

É necessário modificar outros órgãos da Organização e as interações entre eles,

como defendeu Sérgio Vieira de Mello35 em artigo de jornal, quando da sua

nomeação para o cargo de representante do Secretário-Geral para o Iraque.

Para ele, seria necessário que no Conselho de Segurança os debates

fossem além da visão tradicional de que questões de segurança estivessem

limitadas às armas de destruição em massa, e na Comissão de Direitos Humanos

(CDH) se pudessem discutir os direitos humanos quando eles estivessem ligados

aos assuntos de segurança. Contudo, esse debate está sendo atropelado por novas

circunstâncias.

Ainda na perspectiva na análise do plano político-diplomático, um elemento

de enfraquecimento da candidatura é que o Brasil passou mais de duas décadas

35 Sérgio Vieira de Mello (Rio de Janeiro, 15 de março de 1948 — Bagdá, 19 de Agosto de 2003) foi um diplomata brasileiro, funcionário da Organização das Nações Unidas por 34 anos. Morreu em um atentado terrorista à sede local da ONU em Bagdad, juntamente com outros 21 membros de sua equipe.

Page 71: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

70

sem contribuir, em termos militares, para missões de paz e, somente na década de

noventa, voltou participar nas operações da paz da ONU e a defender reforma do

CSNU durante a primeira gestão de Celso Amorim36 no Itamaraty.

Por outro lado, o Japão e a Alemanha, por exemplo, há uma década vêm

sendo o segundo e o terceiro maior contribuidores para o orçamento regular da ONU

e preservam uma plataforma político-diplomática à vaga permanente do CSNU bem

mais coesa e alinhada com os EUA.

Em síntese parcial, pode-se concluir que dificilmente uma mera reforma de

composição venha a democratizar e legitimar o órgão que tem a principal função de

manter o “statu quo” da ordem mundial. Além disso, é necessário avaliar

criteriosamente, os custos políticos, militares e sociais de ser membro permanente

do CSNU.

36 Celso Luís Nunes Amorim é um diplomata brasileiro de carreira. Foi ministro das Relações

Exteriores por duas vezes: de 1993 a 1994, durante o governo de Itamar Franco, e desde 2003 até atualmente, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Page 72: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

71

4 REFLEXOS DA NOVA ORDEM MUNDIAL PARA O BRASIL

A intensificação do processo de globalização e as novas configurações do

quadro internacional criaram a necessidade de uma discussão e de uma reavaliação

dos caminhos até agora trilhados para a inserção do Brasil no cenário mundial.

Uma das conseqüências do novo quadro estratégico mundial foi que as

questões de segurança passaram a ser vistas menos sob o enfoque geopolítico, isto

é, decorrentes de fatores geográficos ou históricos, e mais sob o enfoque

geoeconômico, que envolve aspectos econômicos e sociais, tais como a situação

geral da economia do Brasil, o nível de coesão social e a capacidade brasileira de

enfrentar a competição econômica decorrente da globalização.37

A preocupação política internacional concentrou-se nos chamados “interesses

coletivos da humanidade”, como a proteção dos direitos humanos; a preservação do

meio-ambiente; a eliminação da miséria; o combate ao crime organizado, em

especial ao narcotráfico; o controle da proliferação das armas da destruição em

massa; a eliminação do terrorismo como instrumento de ação política; e assim por

diante.

Ora, embora em princípio essas questões sejam reconhecidas por todos como

relevantes, elas criam focos de tensão nas relações entre países desenvolvidos, em

desenvolvimento, dos quais o Brasil é um dos mais importantes representantes e

dos subdesenvolvidos, sobretudo porque as respectivas visões sobre elas são

divergentes, como é fácil perceber.

No que se refere ao tráfico de drogas, os países desenvolvidos, onde, sem

dúvida, estão os grandes consumidores, julgam que a solução para o problema está

na repressão policial ao plantio e refino da droga nos países do hemisfério Sul , que

são os grandes produtores; na avaliação destes, porém, a questão é mais social do

que policial, exigindo vultosos recursos que deveriam vir dos países ricos, os

grandes beneficiados com a erradicação do problema.

37 ALY, Abdel Monem Said. “From Geopolitics to Geo-Economics – Egyptian National Security

Perceptions”. In: Research Paper, New York/Geneve, United Nations Institute for Disarmament

Research (Unidir), (37): 109, 1995. O autor é diretor do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos

da Fundação Al-Ahran, no Cairo (Egito).

Page 73: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

72

A questão ambiental também gera antagonismos: os países industrialmente

mais avançados, indubitavelmente os maiores poluidores e consumidores dos

limitados recursos do planeta, estão impondo aos mais atrasados e aos emergentes

como o Brasil – aonde estão os recursos ainda disponíveis e o que resta para ser

preservado (as florestas tropicais, por exemplo) – medidas de proteção ao meio

ambiente que criam obstáculos adicionais ao desenvolvimento; para os

subdesenvolvidos, a maior poluição é a miséria, devendo ser procuradas fórmulas

que, sem agredir a natureza, não retardem o progresso.

Por outro lado, as crescentes dificuldades criadas pelos países mais

avançados para transferência de tecnologia de ponta para países do Terceiro

Mundo, sob a alegação de que essas tecnologias levam ao desenvolvimento de

armas de destruição em massa, representam um óbice para estes, já que, em geral,

essas tecnologias são de duplo uso, sendo muito importantes para acelerar o

desenvolvimento: a mesma tecnologia usada para a fabricação do veículo lançador

de satélites, de enorme importância para um país de dimensões continentais como o

Brasil, é a necessária para a produção de mísseis de longo alcance; o domínio da

tecnologia nuclear, que envolve o ciclo completo do combustível nuclear, serve tanto

à fabricação de armamento nuclear como a um número considerável de atividades

pacíficas significativas para o desenvolvimento.

Os países do Primeiro Mundo, premidos por crescentes custos dos encargos

sociais e às voltas com uma crise de desemprego de grandes proporções, estão

modificando as leis sobre imigração, tornando-as cada vez mais restritivas; o

imigrante, em geral proveniente de um país subdesenvolvido, passa a ser visto como

um intruso; as conseqüências têm sido o ressurgimento do racismo, o fortalecimento

dos partidos políticos de extrema direita nos países desenvolvidos – é o caso do

partido de Le Pen na França – e o aumento da má vontade para com os países em

desenvolvimento, fatores que agravam as tensões entre os dois grupos de países.

A globalização da economia, tendendo a criar um único mercado mundial,

beneficia os países detentores de capital e tecnologia, alargando o fosso já existente

entre ricos e pobres e, portanto, contribuindo para o agravamento das relações entre

eles.

Page 74: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

73

Além disso, a NOM, enquanto fenômeno sócio-histórico, possibilitou a

introdução de novos atores no Sistema Internacional e modificou o escopo das

relações internacionais, influindo no papel dos Estados-nações. Este processo

constituiu um novo objeto de estudo em face das Teorias das Relações

Internacionais, estimulando a consecução de importantes adaptações pelo Estado

brasileiro.

A recente reformulação nas concepções estratégicas em segurança e

defesa que adveio de significativas mudanças nos contexto político mundial após-

Guerra Fria refletiu regionalmente na América do Sul e nacionalmente na introdução

de uma série de condicionantes à transformação da autonomia política e institucional

das Forças Armadas.

Em um cenário essencialmente dinâmico das relações internacionais, repleto

de mudanças que surgem e variam de magnitude e de características diante da

emergência de ameaças transnacionais, tornou-se impreciso interpretar a divisão

das ameaças entre as de origem externa e as de origem interna, uma vez que, em

um mundo globalizado, é cada vez mais difícil traçar uma linha divisória com este

critério, pois há uma presença latente e contínua de temáticas entre os países.

Além disso, com a formação da “Aldeia Global”, a circulação de pessoas e,

principalmente, a arrecadação e circulação de recursos financeiros para os grupos

terroristas a fim de tentar evitar o rastreamento dos serviços de inteligência, tornou-

se uma realidade, podendo se dar em qualquer parte do planeta, inclusive no Brasil.

Em face dessa nova ameaça, países como o Brasil passaram a ter que

desenvolver sua própria política antiterrorismo, não porque sejam alvos no momento,

mas porque muito possivelmente estarão na segunda categoria de países e,

portanto, passarão a sofrer pressões cada vez maiores se não adotarem medidas

efetivas para combater essa ameaça que agora se apresenta em escala global.

Pela Constituição Brasileira os princípios de autodeterminação e não-

intervenção ainda regem a política externa do País. Entretanto, se a maior ameaça

militar a países como o Brasil vem das grandes potências, cujo poder militar é

incomensuravelmente superior, a dissuasão passa a ser o principal objetivo

estratégico para o Brasil e para os países do Terceiro Mundo. Assim, suas Forças

Page 75: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

74

Armadas passaram a ser desenvolvidas e preparadas levando essa realidade em

consideração.

É importante destacar que a capacidade de dissuasão de um país depende de

todas as expressões do seu Poder Nacional, e não apenas do seu poder militar. A

força de sua política, tanto no campo interno como no externo, a pujança da sua

economia, o caráter do seu povo e de seus dirigentes; o nível do seu

desenvolvimento científico-tecnológico, sua coesão social, são apenas alguns dos

muitos fatores que contribuem para uma maior ou menor capacidade de dissuasão.

Por outro lado, o Brasil, assim como toda América Latina, desde sua

independência se debatem para encontrar seu modelo de desenvolvimento completo

se encontram agora no "olho do furacão" da economia globalizada e se depararam

com dificuldades para vislumbrar alternativas de desenvolvimento, pelo menos a

curto e médio prazo.

Nas duas últimas décadas do século XX, o Brasil passou por um processo

paralelo de transformações. Enquanto, no plano político, os anos 1980 marcaram a

transição para os governos civis. No plano econômico o Brasil assistiu à exaustão do

modelo essencialmente autárquico de desenvolvimento. De fato, em conjunto com a

turbulência financeira, a estratégia de inserção à economia mundial sob controle do

Estado tornou-se crescentemente mais difícil.

De acordo com essas imposições, procurou-se construir um novo perfil para

o poder público brasileiro como no caso das privatizações das empresas estatais e

os cortes nos gastos, principalmente nos setores de infra-estrutura energética, viária,

transportes e comunicações. Pouco mais tarde, em 1994, a adoção do Plano Real

possibilitou a tão almejada estabilidade monetária da economia brasileira.

No campo político, a diluição das fronteiras e a “internalização” da economia

mundial como um novo fato, suscitaram conseqüências que representaram

importantes lições para a condução da Política Externa Brasileira. Embora no

passado o país tivesse buscado a autonomia possível através de um relativo

distanciamento do mundo, na virada do milênio a autonomia possível e necessária

para o desenvolvimento somente pode ser construída através de uma ativa

Page 76: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

75

participação na formulação das regras e normas de conduta para o gerenciamento

da Ordem Mundial38.

Do lado econômico, com o objetivo de o país manter uma relativa margem

de manobra no plano externo, a distribuição diversificada da estrutura brasileira de

comércio exterior não só foi percebida como uma vantagem, como se procurou

mantê-la. Entretanto, o desafio de ampliação da participação do país no mercado

mundial impôs a necessidade de ações promocionais nos diversos continentes.

Figura 11 – Principais parceiros comerciais do Brasil

Fonte: www.faap.br/.../rel_03/images/img_04.jpg

38 A. HAMILTON, Report on the Subject of Manufactures, 1791. F. LIST, The National System of Political Economy, 1841. Um dos argumentos contidos nessas obras era a idéia de que o livre comércio pode ser benéfico para as economias situadas nas duas extremidades: as industrializados e as de base primária.

Page 77: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

76

Esse objetivo de universalização ou de diversificação de parcerias mostrou-

se constante nas bases da Política Externa Brasileira, representando um traço do

estilo diplomático brasileiro, o qual favoreceu a flexibilidade no processo decisório e

o alargamento das possíveis opções internacionais, de forma que a possibilidade de

escolhas futuras seja mantida em aberto.

Assim, em seu atual projeto de inserção internacional, o Brasil delegou à

região asiática, africana e sul-americana, um espaço especial, considerando-se a

grande demanda por investimentos e por acesso a tecnologias de ponta, bem como

por um mercado com alta capacidade de consumo.

Como em outros momentos da economia internacional, agora de novo, as

economias exportadoras sul-americanas estão acompanhando o ciclo expansivo da

economia mundial, liderado pelos Estados Unidos e a China.

Entretanto, existe uma grande novidade neste novo ciclo de crescimento sul-

americano: o peso decisivo das exportações, importações e investimentos asiáticos

no continente, em particular da China, que tem sido a grande responsável pelo

aumento das exportações sul-americanas, de minérios, energia e grãos. Ao mesmo

tempo, as exportações chinesas para a América Latina aumentaram 52%, em 2006,

enquanto as dos Estados Unidos só aumentaram 20%.

De acordo com essa nova dinâmica comercial, somente para o Brasil, as

vendas chinesas cresceram 53%, enquanto as exportações brasileiras para a China

cresciam um 32% no mesmo ano. Em 2006, o Brasil já importou mais da Ásia do

que de seus parceiros tradicionais, os EUA e a Europa, e a China já superou o Brasil

como maior fornecedor de produtos manufaturados, para os países da América

Latina.

Para comprovar a velocidade dessas mudanças, basta dizer que em 1990, o

Brasil fornecia 10% das importações de manufaturados do Chile, enquanto a China

fornecia 1%, e 15 anos depois, o Brasil fornece 13% e a China já chegou a 12%.

Mas, além do comércio, a China está ocupando um papel cada vez mais importante,

dentro da região, como investidor, competindo com as fontes tradicionais de capital

de investimento na América do Sul e no Brasil.

Page 78: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

77

Agora, do ponto de vista interno da economia sul-americana, os novos

preços internacionais dos minérios e da energia, têm fortalecido a capacidade fiscal

dos estados produtores, e estão servindo para financiar alguns projetos ambiciosos

de integração física e energética, dentro do próprio continente. Além disto, as

vultuosas reservas em moeda forte, da Venezuela, já lhe permitiram atuar, duas

vezes, como emprestador em última instância, da Argentina e do Paraguai, criando

um novo tipo de relacionamento e integração absolutamente original, na história da

América do Sul.

É imperioso destacar que na nova geopolítica das nações, não há lugar para

alianças baseadas apenas em médias estatísticas, semelhanças sociológicas ou

analogias históricas. Desse modo, as coincidências ideológicas só operam com

eficácia, quando coincidem com as necessidades dos países, do ponto de vista do

seu desenvolvimento e de sua segurança.

Sob este enfoque, a formação de um espaço econômico unificado por

grandes fluxos comerciais e financeiros, entre a China, a Índia, o Brasil e a África do

Sul, é um fato novo e muito importante, e pode vir a ser a base material de algumas

parcerias setoriais, e localizadas, entre todos ou alguns destes quatro países.

Por outro lado, é muito pouco provável que, este simples nexo econômico,

sustente ou justifique uma aliança estratégica entre eles, de tipo geopolítico, e de

longo prazo. Por isto, a construção de uma agenda comum, entre China, Índia, Brasil

e África do Sul, deve partir do reconhecimento das diferenças existentes entre suas

distintas inserções e interesses, dentro do sistema mundial. São quatro países que

ocupam posição de destaque, nas suas respectivas regiões, devido ao tamanho de

seu território, de sua população, e de sua economia. Entretanto, esta semelhança

esconde diferenças muito grandes de interesses, de perspectivas estratégicas e de

capacidade de implementação autônoma de decisões, no campo internacional.

Além disso, existe uma convergência muito importante entre estes países, a

despeito das diferenças de suas estratégias econômicas, que é a prioridade que

vem sendo atribuída pelos seus atuais governos, à promoção da inclusão e da

eqüidade social. E neste sentido, se pode dizer que existe uma agenda de

preocupações sociais comuns, entre estes países, com o combate à fome e a

pobreza, e com a garantia da segurança alimentar, da saúde, do emprego, da

educação, dos diretos humanos e de proteção ao meio ambiente.

Page 79: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

78

Dentro dessa perspectiva de Cooperação Sul-Sul, a política externa

brasileira nitidamente envolveu-se mais profundamente. Essa política claramente

representou, enquanto emblema, o envolvimento brasileiro com as perspectivas de

geração de uma nova ordem econômica internacional ou com sua política de

Terceiro Mundo39.

Assim, a mudança das relações econômicas entre a Ásia, a África e a

América Latina, lideradas pela China e pela Índia, é um fato de enorme importância

no redesenho econômico do sistema mundial. Pela primeira vez, na história do

sistema econômico mundial, as relações “Sul-Sul” adquirem uma densidade material

importante e expansiva, com capacidade de gerar interesses concretos, no mundo

do capital e do poder. Quase no mesmo espaço onde floresceram, no século XX, às

ideologias terceiro-mundistas, e o movimento dos países não alinhados”.

Na geopolítica das nações, não há lugar para alianças baseadas apenas em

médias estatísticas, semelhanças sociológicas ou analogias históricas. E as

coincidências ideológicas só operam com eficácia, quando coincidem com as

necessidades dos países, do ponto de vista do seu desenvolvimento e de sua

segurança.

Deste ponto de vista, a formação de um espaço econômico unificado por

grandes fluxos comerciais e financeiros, entre a China, a Índia, o Brasil e a África do

Sul, é um fato novo e muito importante, e pode vir a ser a base material de algumas

parcerias setoriais, e localizadas, entre todos ou alguns destes quatro países.

Independentemente das discussões sobre o momento inicial da tendência da

política externa brasileira de relacionamento com os países em desenvolvimento, aí

incluídos os também denominados de emergentes, como a China, Índia, África do

Sul e Rússia, não se têm dúvidas de que os governos brasileiros, na sua proposta

39 A Teoria dos Três Mundos contrapunha-se ao conceito de Zonas Intermediárias. No

conceito de Zonas Intermediárias, o mundo estaria dividido em três zonas, sendo a primeira composta pelos países capitalistas, a segunda pelos países socialistas e a terceira pelos países em desenvolvimento e pelos pequenos países capitalistas. Já a Teoria dos Três Mundos contrapunha-se à divisão do mundo na perspectiva ideológica Leste-Oeste, considerando a divisão em termos de níveis de desenvolvimento. Assim, o primeiro mundo seria composto pelos Estados Unidos e pela União Soviética, o segundo pelos países desenvolvidos da Europa, mais o Japão, Austrália e Canadá, sendo que o terceiro mundo seria composto pelos países em desenvolvimento.

Page 80: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

79

de universalização, têm privilegiado, de maneira especial, o contato com esses

Estados.

De um lado, pode-se aventar a hipótese de que a principal motivação

decorre do fato de essas parcerias corresponderem a mercados emergentes, com

amplas possibilidades de absorção de produtos brasileiros e de fornecimento de

insumos ou de investimentos requisitados pelo Brasil. De outro lado, no entanto,

compreendem espaços políticos, com forte expressão regional e, precipuamente,

com perspectiva de atuação conjunta em organismos internacionais.

Essa última proposição reveste-se de significância a partir da percepção de

que, desde o final da Guerra Fria, desenvolve-se um processo de redefinição do

Sistema Internacional e similarmente de re-ordenamento internacional, com um

impasse contínuo na definição das regras que possam reger o comércio

internacional.

Nesse sentido, em adequação ao atual momento conjuntural das relações

internacionais, o que se busca é a formação de uma frente, entendida como um

processo de Cooperação Sul-Sul, para discussão e defesa conjunta de interesses

relativamente mútuos entre esses países frente aos desenvolvidos.

Sob nenhuma proposta, pode-se raciocinar que se tenha o objetivo de

constituição de um movimento em oposição ou de repulsa ao relacionamento com os

países desenvolvidos. O que se visa é uma estratégia de posicionamento comum

frente ao atual estágio de negociação nos diferentes fóruns multilaterais.

É oportuno destacar que a redefinição dos rumos e dos eixos que organizam

a política externa nem sempre é o resultado de estratégias racionalmente definidas

ou de intencionalidade previamente selecionadas. Freqüentemente, as condições

concretas nas quais um país está inserido, determinam a trajetória e a alternativa

aparece mais como algo imposta pela própria realidade.

É nestas condições que pode ser entendida a aproximação ocorrida entre a

Argentina e o Brasil, concretizada nos primeiros acordos assinados em 1986, e dos

quais resultou o Mercosul. O isolamento de cada um empurrou os dois para a

aproximação. Tal aproximação vem, desde o início enfrentando uma forte oposição

dos EUA que, além das pressões diplomáticas e da tentativa de isolamento, lançou a

Page 81: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

80

proposta de uma área de livre-comércio das Américas, a ALCA, uma iniciativa que,

se concretizada, resultaria em desaparecimento da união aduaneira sul-americana,

Desde então, tornou-se claro que a inserção internacional do Brasil

dificilmente poderia ocorrer a partir de processos puramente internos. Foi necessária

a construção de uma política de alianças no plano externo para que a configuração

do quadro diplomático brasileiro pudesse começar a se inverter de modo mais

favorável, o que acabou ocorrendo de modo mais definitivo com os acordos que

criaram o Mercosul.

O Mercosul não é simplesmente um bloco econômico ou uma pura área de

livre comércio. Ele é também, e a importância disto não é menor, um pacto de

manutenção de uma institucionalidade democrática, entre os países que o integram,

agregando a isto uma cláusula de pleno restabelecimento de um Estado de direito

para que outros países possam integrá-lo de forma mais definitiva.

Outro ponto essencial refere-se à questão das tensões dentro do Mercosul,

e o modo mais adequado para enfrentá-las. Algumas conclusões precisam ser

tiradas a este respeito. Antes de qualquer coisa é preciso compreender que o Brasil

não é o dono do Mercosul, não obstante ser o país mais forte desta associação. Isto,

evidentemente, implica em assumir um certo número de responsabilidades.

Estas responsabilidades aumentam na medida em que, do ponto de vista de

sua ação externa, o Brasil está vivendo uma situação nova. Em meio século de

atividade diplomática passa por diferentes momentos; alinhamento automático,

política externa chamada independente, tentativa de quebrar o círculo do poder

mundial de modo a permitir o seu ingresso e o isolamento.

A atual fase de autonomia da política externa brasileira se, por um lado,

persegue com maior determinação objetivos que contribuam para a realização dos

interesses nacionais, por outro lado não pretende assumir uma posição de desafio à

hegemonia norte-americana. O pêndulo não se sustenta em suas situações

extremas, transitando quase todo o tempo por um estado intermediário.

Se a rigidez hierárquica do sistema internacional é um mito, a política

externa brasileira não tem por que se constituir como um desafio à potência

hegemônica dessa ordem instável, bastando agir com clarividência para aproveitar

as oportunidades que se abrem. Percebe-se aqui uma clara diferença entre a

posição brasileira e aquela da Venezuela sob a liderança de Hugo Chaves. Desse

Page 82: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

81

modo, o Brasil jamais vai adotar um discurso antiimperialista à semelhança de seu

vizinho sul-americano.

Entretanto, para se chegar a uma avaliação mais global dos possíveis

reflexos da NOM para o Brasil, é importante considerar que mesmo na hipótese de

uma ampliação na América do Sul do Mercosul, este não é capaz de absorver ou de

esgotar todo o potencial da ação externa brasileira na era da globalização. Assim, é

preciso considerar outras possibilidades e trajetórias que estão se abrindo para o

País no cenário internacional pós Guerra Fria.

Nesse contexto, a União Européia é um campo de ação diplomática que tem

que ser explorado até o limite máximo de suas potencialidades. O processo de

globalização intensificou os fluxos de capital para o Brasil, e ao lado de investidores

tradicionais, como a Alemanha, a França, e a Suíça, novos investidores chegaram,

como é o caso da Espanha, cujos investimentos cresceram exponencialmente.

Todavia, a Europa tem os seus próprios problemas, que não são poucos. A

união monetária, que resultou na criação do Euro40, ainda tem um longo caminho a

percorrer, para sua consolidação. O ingresso de países do leste europeu na UE tem

provocado o surgimento de novas dificuldades para a plena integração destes

mesmos países.

Por enquanto, as parcerias fundamentais da Europa se dão dentro dela

mesmo, o que diminui e limita as possibilidades de uma inserção brasileira que

tenha como um dos seus eixos a Europa. Dessa forma, o Brasil tem negociado com

europeus, o que é diferente de lidar com a UE.

Limitações de outro tipo ocorrem quando se examina a alternativa que foi

colocada já há algum tempo, com países considerados estratégicos e que seriam, no

caso a Índia, a China e a Rússia. Existe, em relação a esses países, um elemento

potencial que deve ser aproveitado em benefício do Brasil, e que se situa no terreno

da cooperação científica e tecnológica.

Tanto a Rússia, como a Índia e a China, ainda que em termos desiguais,

seja em termos nacionais ou setoriais, tem tecnologias de ponta em algumas áreas

40 O euro (€) é a moeda oficial de 15 dos 27 países da União Europeia. O euro existe na forma de notas e moedas desde 1 de Janeiro de 2002, e como moeda escritural desde 1 de Janeiro de 1999.

Page 83: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

82

assim como um desenvolvimento científico que não pode ser ignorado. Em se

tratando de transferência de tecnologia em setores sensíveis, onde não há boa

vontade das grandes potências, acordos com estes países podem ser extremamente

profícuos. Mas é também evidente que não se pode basear uma política externa em

acordos de cooperação neste terreno.

Ganha relevo também, no final, a grande questão: o papel que tem os EUA e

o projeto que vinha sendo desenvolvido desde o governo Reagan, apoiado por Bush

e impulsionado por Clinton relativo a ALCA. É necessário, ter uma visão ao mesmo

tempo cautelosa e pragmática, uma vez que esse novo bloco pode estimular os

fluxos comerciais e de capitais no hemisfério americano, mas pode também destruir

segmentos inteiros da indústria dos países latino-americanos, incluindo-se aí o

Brasil.

Se a História ensina alguma coisa, ela tem mostrado que a postura norte-

americana frente à América Latina sempre se organizou em torno de duas vertentes:

do ponto de vista diplomático-estratégico, dentro dos parâmetros da Guerra Fria, a

negociação era coletiva, ou seja, os EUA percebiam a América Latina como uma

totalidade.

Do ponto de vista econômico a negociação era bilateral, o que significava

uma relação tête-à-tête entre os EUA e cada país interessado nesta negociação.

Esta postura norte-americana sofreu algumas alterações, a situação internacional

mudou, e os norte-americanos não precisam mais manter frente à América Latina

um multilateralismo estratégico. Mas, eles continuam preferindo um bilateralismo

econômico.

Neste contexto, o Mercosul é um obstáculo, porque do ponto de vista norte-

americano, a ALCA não deveria ser implantada nos quadros de uma negociação

com o Mercosul enquanto bloco. Nesta lógica, a estratégia dos EUA é clara: o

enfraquecimento e a eventual dissolução do Mercosul ajudam a ALCA. O

fortalecimento do Mercosul não impediria a implantação da ALCA, mas imporia

regras que talvez não fossem as melhores para a grande potência da América do

Norte.

Assim, a ALCA como projeto, não é senão uma outra maneira, mais

adaptada aos tempos atuais, de reestruturar um sistema interamericano sob a

Page 84: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

83

hegemonia dos EUA, eliminados os parâmetros estratégicos que serviram para o

tempo quente da Guerra Fria. Mantém-se a hegemonia, só que em outros termos: a

dimensão estratégica seria substituída pela vertente econômica. A ALCA talvez seja

inevitável, mas o impacto negativo dela poderá ser, em alguma medida, neutralizado

pelo fortalecimento do Mercosul.

Em face disso, o Brasil tem e deverá ter uma política externa de natureza

global, ainda que a vertente que o empurra para o Mercosul e a América do Sul seja

predominante. Estas duas vertentes não são conflitantes e menos ainda

excludentes. Elas podem, inclusive, trazer benefícios recíprocos. O que é certo é

que o Brasil não poderá ser parceiro de um só país ou de um só bloco. A

diversificação globalizante da política externa brasileira é um imperativo do potencial

da ação externa do país. E esta dimensão global não pode ser abandonada sem

graves conseqüências para a presença brasileira no cenário internacional.

No complexo cenário político internacional, redesenhado após o fim da

Guerra Fria, o Brasil tem buscado consolidar sua posição de potência média. Dada a

sua condição atual de maior potência sul-americana, ele alcançou a liderança no

desenvolvimento de um espaço econômico forte e competitivo na América do Sul.

Mantendo sua primazia em face dos demais países sul-americanos, terá

possibilidades não só de sustentar, mas de ampliar essa liderança na região.

A Política Externa Brasileira tem sido coerente com o perfil de potência

média desejado pela nação e consoante com seu objetivo maior de liderar o

processo de integração regional, desde que este não implique em custos e nem em

riscos para a estabilidade política sul-americana. Desse modo, nos assuntos

referentes à Defesa, a diplomacia nacional tem procurado destacar, acima de tudo, o

perfil de uma potência pacífica.

Apelando para certos princípios, tais como não-intervenção,

autodeterminação e solução pacífica dos conflitos, a Política de Defesa Nacional só

admite explicitamente o emprego da força militar fora do território nacional, nas

operações de manutenção da paz. Procura-se, de certo modo, sustentar a

credibilidade internacional do Brasil pelo compromisso com tais princípios.

Entretanto, é imperioso considerar que um país só é reconhecido como

grande potência se tiver a determinação de afirmar sua autonomia estratégica no

contexto das relações de força, que lhe permita articular e comandar alianças

Page 85: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

84

militares, criar e manter área de influência própria, repelir alinhamentos indesejáveis

– e, acima de tudo, defender seus interesses com a força militar, se necessário,

além de sua fronteiras. A autonomia estratégica é basicamente a luta constante pela

liberdade de ação no cenário internacional.

Neste cenário, a possibilidade de o Brasil vir a ser uma grande potência

regional é uma possibilidade real. Assim, tanto a política quanto a estratégia de

defesa devem ser formuladas considerando essa possibilidade. Nesse sentido, a

inserção político-estratégica do Brasil no plano regional, como potência média ou

grande potência regional, será na condição de ator principal, mantendo a primazia

sobre os demais países sul-americanos.

Cabe destacar que o Brasil como potência média está excluído do processo

de decisão mundial – mas, como grande potência regional, poderá ser convidado a

participar dele. Participar desse processo é deter parte do poder concreto que

resolve as grandes questões internacionais – aquelas questões que trazem

subjacente a perspectiva da guerra. Perspectiva que impõe a prontidão da força e

indica a possibilidade de seu emprego.

Por outro lado, a emergência do Brasil como país industrializado,

desenvolvido e socialmente resolvido não é motivo de colisão com os EUA. O que

não é desejável para eles é o Brasil liderar a integração sul-americana como grande

potência regional – com uma dimensão estratégica regional, não global, mas

significativa. Não há dúvida de que eles procurarão impor uma agenda para a

segurança hemisférica e estabelecer novos mecanismos de controle, antes que o

Brasil, mesmo com o atual perfil, consolide sua liderança e venha a ser bem-

sucedido na obtenção de um consenso estratégico sul-americano.

Não há dúvida de que para os EUA, preocupa a possibilidade de regressão

autoritária, que venha a configurar um quadro de instabilidade político-institucional

na América do Sul. Mas o que preocupa mais é a emergência de uma grande

potência regional fora de controle. É claro que essa preocupação não decorre da

possibilidade de o Brasil adquirir capacidade militar que possa desafiá-los. Crer

nisso seria pensar o impensável. Mas decorre do precedente criado na única região

onde eles exercem efetivamente a hegemonia. O Brasil com autonomia estratégica

seria um mau exemplo. Assim, os EUA devem ser vistos como ameaça a essa

autonomia, à liberdade de ação do Brasil nas relações de força regionais.

Page 86: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

85

Pelo exposto pode-se concluir parcialmente que a NOM provocou

substanciais modificações à nação brasileira. Essa nova realidade impôs ao País

uma necessidade premente ao redesenhar o Estado, refazendo seus limites e

atribuições nos planos econômico, administrativo e social. Assim, sob a égide da

globalização, foi implementado o plano de abertura da economia brasileira ao

comércio internacional, ao mesmo tempo em foram introduzidas mudanças

significativas na estrutura econômica nacional, viabilizando sua adaptação às

transformações do Sistema Internacional.

Page 87: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

86

5 CONCLUSÃO

O ambiente internacional caracteriza-se pela mudança contínua. Na década

de 1960, a corrida armamentista entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia ocupava lugar

de destaque, ao lado de focos de tensão condicionados pela Guerra Fria nos vários

continentes. Entretanto, as forças que formatavam o cenário mundial tiveram um fim

abrupto e inesperado, o que promoveu um cenário ainda indefinível, no qual

predomina a disjunção na concentração de elementos nos centros de poder.

No período da Guerra Fria, Washington e Moscou concentravam várias

dimensões de poder (político, econômico, tecnológico e militar), todavia, hoje tais

centros encontram-se pulverizados pelo globo em se tratando da concentração

dimensional do poder. Atualmente pode-se apontar, por exemplo, a Costa Pacífica

da Eurásia, a Costa Atlântica Americana e a Costa Pacífica Americana como centros

de poder econômico, a Comunidade Européia como centro de poder político e

econômico, ao passo que a Rússia, ainda que não mais um centro de poder

econômico, continua a ser militarmente forte.

Neste inicio de século, a cenário mundial se apresenta muito diferente. O

Sistema Internacional bipolarizado deixou de existir e novos temas, como meio

ambiente, narcotráfico, as novas bases da competitividade internacional, direitos

humanos e conflitos étnico-religiosos passaram a ocupar lugar de destaque.

As relações internacionais passaram a conviver com um constante embate

entre a mais intensa participação de atores não-governamentais, tais como

empresas multinacionais e organizações não-governamentais, e dos Estados,

levando ao surgimento de novas formas de relacionamento tanto internacional

quanto entre o Estado e sua população, e, de outro lado, conservam formas antigas

de relacionamento, como o cristalizado CSNU ou mesmo da OTAN que, a despeito

da expansão do número de membros, possui uma estrutura rígida de poder.

O ambiente mundial, no cenário mais recente, se encontra muito distante da

constituição de uma Nova Ordem Mundial equilibrada e multipolar. Ao contrário,

permanecem, no início do século XXI, a verticalização das hierarquias de poder, a

disputa acirrada entre as nações, bem como as relações estratégicas e militares que

Page 88: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

87

aprofundam os conflitos internacionais, como bem o demonstram os conflitos

assimétricos do Afeganistão, do Iraque e os atentados de 11 de setembro de 2001.

Com efeito, o desmantelamento da União Soviética em 1991 inaugurou uma

época de transição de ordem mundial ainda indefinida e grávida de crises, que pode

ser sucintamente resumida em forma de alternativa: ou a supremacia norte-

americana - nos campos econômico, militar e tecnológico - consolida-se em

hegemonia e unilateralismo nas relações internacionais, ou configura-se um mundo

multipolar, com diversos centros de poder, embora díspares.

Neste novo cenário, as questões relativas à segurança estratégica não

deixaram de ocupar posição de destaque, mas passaram a ser vistas de modo cada

vez mais integrado a esses novos temas da agenda internacional. De fato, toda uma

série de questionamentos de natureza política, econômica ou social, antes tratados

sem a mesma prioridade, ou mesmo inexistentes na agenda diplomática

internacional, ganharam em relevância, e passaram a ocupar o centro das atenções.

Em função desses novos temas, os primeiros anos do novo milênio têm se

caracterizado pela alta intensidade de mudanças de relevante importância e

impactos econômicos, políticos e sociais. Em épocas de transformações tão radicais

e abrangentes como essa, caracterizada pela transição de uma era industrial para

uma baseada no conhecimento, aumenta-se, em muito, o grau de indefinições e

incertezas.

Há algumas décadas, a maioria das análises produzidas nos anos 1990

sobre as relações internacionais sempre destacava a importância central do fim da

Guerra Fria como condicionante da política internacional. As razões eram muitas,

pois, sem dúvida, esse fato constituiu um evento central do final do século XX e

marcou mudanças importantes na maneira de se ver e conduzir a política

internacional.

No entanto, o fim da Guerra Fria não deve ser interpretado como um

episódio e sim como parte de um amplo processo de mudança. Eventos como a

queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética devem ser vistos por seu

sentido emblemático, como um referencial importante, que deixa claro o fato de que

o mundo passava a viver uma nova época.

Page 89: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

88

Na condição de processo histórico, os eventos associados ao fim da Guerra

Fria formaram, na verdade, o epílogo de uma longa sucessão de fatos. De um lado,

porque, tanto a queda do muro de Berlim quanto o colapso da URSS, não teriam

acontecido se as bases políticas e econômicas que davam sustentação ao bloco

socialista não estivessem já deterioradas a ponto de tornarem inócuas quaisquer

tentativas de reforma do sistema.

Enquanto, por outro lado, também a disputa por áreas de influência pelos

dois pólos de poder já vinha perdendo impulso desde a segunda metade dos anos

1970 quando, não apenas a détente passou a marcar a política externa das grandes

potências, mas também, visivelmente, muitos eventos de destaque no cenário

internacional passaram a ter cada vez menos relação direta com a disputa

bipolarizada, típica da Guerra Fria.

Assim sendo, a análise das mudanças ocorridas no sistema internacional

deve considerar vários desenvolvimentos que ocorreram ao longo de, pelo menos,

duas décadas. Esses desenvolvimentos estavam associados a mudanças

tecnológicas e econômicas e, até mesmo, a transformações no quadro de valores

sociais, que faziam emergir um novo conjunto de referenciais para a política exterior

dos países.

Apesar de tudo, a Guerra Fria foi, ao longo de quatro décadas, ao mesmo

tempo, produto de uma época e também justificativa para a ação política. Estratégias

de segurança, programas internacionais de cooperação técnica e econômica e até

mesmo disputas políticas dentro dos países geralmente eram consideradas a partir

do entendimento da Guerra Fria como um referencial importante, às vezes central,

nos processos de tomada de decisão. Em conseqüência, o seu desaparecimento

trouxe também, para os analistas, a tarefa de encontrar novas explicações para as

possíveis forças que moveriam a política internacional.

É nesse contexto que se deve analisar a inserção brasileira no cenário

internacional em gestação. Entender o Brasil não é entender somente suas

características internas, é entender o Mercosul, a América Latina, o Ocidente, enfim,

o complexo relacionamento, dimensão estrutural, e posicionamento, dimensão

sistêmica, que forma as relações internacionais contemporâneas.

Page 90: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

89

O século XX assistiu ao apogeu dos EUA como Estado predominante no

cenário internacional, seja no campo econômico, no político ou no militar. O Brasil,

com projeção geográfica privilegiada e nevrálgica no subcontinente sul-americano,

dotado de reservas biológicas e minerais estratégicas e grande população,

historicamente se constituiu como uma fonte de interesse na formação e

implementação da política externa norte-americana.

Quanto às questões de poder relativo, o desmantelamento do ex-império

soviético liquidou com o sistema de equilíbrio de poder militar e nuclear da época da

Guerra Fria. Os EUA, com apenas cinco por cento do seu PIB acumula mais de

quinhentos bilhões de dólares para despesas militares, o que o torna líder isolado e

capaz de operar autonomamente pelo menos dois conflitos regionais em partes

diferentes do mundo. Assim, em termos militares, trata-se de uma hegemonia

mundial norte-americana indiscutível e assim deverá permanecer por um bom

tempo.

A redefinição das relações de força no sistema internacional, decorrente do

esgotamento do arranjo bipolar, teve implicações significativas para as principais

alianças militares do mundo. Pautadas por um modelo de defesa coletiva que

privilegiava variáveis estratégicas que haviam desaparecido, essas Alianças não

davam mais conta dos imperativos de segurança da nova configuração sistêmica

internacional.

Em função desses novos parâmetros internacionais, durante o período da

Guerra Fria havia diversas regiões do planeta que possuíam importância militar e

estratégica e que eram constantemente disputadas pelas forças bipolarizadas

ideologicamente, com seu fim, essas questões praticamente deixaram de existir em

razão do surgimento de poderosas forças econômicas e da supervalorização dos

assuntos comerciais.

Ainda no enfoque desses embates protagonizados agora pelo poder

econômico, é possível notar uma menor assimetria entre os Estados Unidos, a nova

União Européia e a Ásia. Contudo, ainda assim, a predominância norte-americana

continua sendo insofismável, especialmente quando nela se engloba as corporações

transnacionais e o domínio tecnológico.

Page 91: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

90

Outra consideração não trivial a fazer sobre a relativização das assimetrias

de poder tem a ver com o domínio completo do ciclo nuclear e a posse de arsenais

atômicos. Claro está que essa condição, embora problemática e discutível sob o

ponto de vista estratégico e moral, estabelece saltos relativos nos degraus do poder

mundial para aqueles países que a obtêm, como aconteceu com China e Índia e,

mais recentemente, com a Coréia do Norte.

O discurso hegemônico do pós-guerra fria, que garantia aos grandes países

da periferia como o Brasil, uma nova era de prosperidade a partir das políticas de

abrir, privatizar e estabilizar mostrou-se ineficaz. Os resultados foram, em geral,

decepcionantes e têm exigido orçamentos públicos muito apertados justamente no

momento em que os efeitos sociais perversos aparecem com toda força, reduzindo

ainda mais a legitimidade dos governos e das classes políticas.

Quanto à implantação do processo de globalização, releva notar que, em

face do novo Sistema Internacional, países como o Brasil vêem-se pressionados em

duas frentes: de um lado pelas exigências de um Estado minimalista, onde a

autonomia se reduz a opções restritas à aplicação das normas neoliberais; de outro,

pela desregulação dos mercados, pela privatização dos serviços e pela deterioração

progressiva do quadro social, que exigem um Estado forte e um aparato regulador

muito eficiente.

É necessário notar ainda, que, no campo social, o trabalho foi o maior

prejudicado na prevalência das novas dinâmicas globais. A abertura econômica

permitiu a circulação livre de todos os fatores de produção, exceto a mão-de-obra,

que permaneceu prisioneira formal de seus territórios originais. Os processos

radicais de automação e das novas tecnologias da informação reduziram empregos

e aumentaram a informalidade via intensa terceirização dos processos de produção,

que se espalharam pelo mundo afora em busca de mão-de-obra de baixo custo.

Com base nisso, pode-se afirmar que o contexto econômico da NOM

expressa uma crescente interdependência das economias nacionais e a emergência

de um sistema transnacional (financeiro, produtivo e comunicativo) que é dominante,

e cujo fortalecimento coincide com o enfraquecimento da soberania, particularmente

dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil.

Page 92: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

91

O afunilamento do mundo das ideologias e o rompimento tecnológico das

tradicionais barreiras impostas à informação proporcionaram, na conjuntura

internacional, um ambiente favorável à sonhada integração econômica entre os

diversos mercados. Neste ínterim, o processo tecnológico foi fundamental para

viabilizar essa mundialização, onde se instalou o ambiente da livre competição entre

os países, entre empresas, e entre indivíduos.

Na nova lógica que forma relações do mundo atual, as fronteiras deixam de

ser indicadores políticos-burocráticos de limites territoriais e passam a ser um ponto

específico de contato e destarte transição. Por ter desempenhado durante toda a

existência do Estado-nação a idéia de limite nacional, passa a merecer um cuidado

especial a fim de se tornar um ponto de interação ativa e não mais defensiva,

acentuando as tendências integradoras.

Em função desse processo, não foram só as fronteiras brasileiras que

ficaram mais porosas, as novas tecnologias de rede abriram espaços virtuais para

um comércio internacional que o Estado não consegue mais controlar. O comércio

eletrônico eliminou distâncias e introduziu uma nova forma de mobilidade. E a trans-

nacionalização da produção deixou de ser uma decisão política voluntária, passando

a ser uma obrigação imposta pela lógica global.

Nos anos 60, o general De Gaulle, então presidente da França, se recusou a receber o primeiro-ministro do Japão, dizendo que ele, o japonês, não passava de um vendedor de transistores. Naquela época, a política era vista como algo elevado, a política se referia à guerra. Muita água passou por debaixo daquela ponte e hoje todos os estadistas, sem exceção, são vendedores de transistores. Todos fizeram da economia, do comércio internacional, um dos aspectos centrais de suas estratégias políticas. Há algo muito irônico no fato de que o maior vendedor de transistores seja o líder da principal potência militar do mundo, Bill Clinton. é Bill Clinton seguindo uma trajetória de George Bush, que procura impor o comércio administrado ao Japão, obrigando-o a comprar produtos americanos até uma determinada cota limite. Na linguagem do governo dos Estados Unidos, a segurança nacional é hoje, em grande parte, segurança econômica. Isso significa abertura de mercados para produtos norte-americanos. O Brasil não está fora da guerra comercial, nem o Mercosul. Ao Brasil interessa evitar que os Estados Unidos consigam muito rapidamente rebaixar tarifas de importação nas Américas, que é o projeto da Alca - Área de Livre Comércio das Américas. A Alca foi lançada em 1990 por George Bush, e é outro projeto a que Bill Clinton dá seqüência. (Demétrio Magnoli geógrafo, doutor em Geografia Humana).

Page 93: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

92

Diante dessa nova realidade, os organismos internacionais mais

importantes, tais como a ONU, o FMI, o Bird e a OMC, pouco pode contribuir para o

surgimento de uma nova ordem de legitimidade e poder. Assim, os Estados

nacionais tendem a se transformar em meros instrumentos a serviço do fluxo de

capitais e das cadeias produtivas e de consumo.

No ambiente pós Guerra Fria, se a capacidade bélica russa, maior herdeira

do legado militar soviético, ainda assombra os países vizinhos dado seu potencial

destrutivo, a partícula motivadora subjacente à manipulação com propósitos

ofensivos de um aparato de tal magnitude em uma investida contra os países

europeus dissipa-se. Permanecem os meios para realizar a ação, porém desvanece

o elemento capaz de dar sentido lógico à ação, de justificá-la. Devido a esta perda

da essência do ato de agressão, o problema da violação territorial perde

significativamente sua importância.

Reservar o uso da força para a autodefesa significa não contemplar a

possibilidade de intervir militarmente em ocasiões em que nem as ações preventivas

nem as negociações sejam bem sucedidas em findar uma crise. Além disso, há falta

de especificação com relação ao que se consideram momentos de instabilidade

capazes de interferir no interesse dos países aliados.

Em função disso, os governos brasileiros têm atribuído uma prioridade maior

para a estabilização da economia e ao atendimento dos problemas sociais, em

detrimento das necessidades de re-equipamento das Forças Armadas, ocasionado

em parte pela paz construída em torno das fronteiras brasileiras, pelo fortalecimento

da integração proporcionado pelo Mercosul, pelo estreitamento das relações com os

países vizinhos à região amazônica, pela consolidação da Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul41 (ZPCAS) e pela intensificação da cooperação com os

países africanos de língua portuguesa.

Entretanto, é necessário reconhecer que o cenário internacional, desde o

término da Guerra Fria, nunca se encontrou tão distante da constituição de uma

41 Estabelecida em 1986 pelos países da costa ocidental da África e os banhados pelo Atlântico Sul, na América Latina (24 países). Ao Brasil, atende aos interesses de ampliar o espaço para a cooperação econômica, comercial, científica e técnica; e para iniciativas de caráter político-diplomático. Sítio do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/grupos/zona_paz/zona.asp>.

Page 94: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

93

Nova Ordem Mundial equilibrada e multipolar. Ao contrário, permanecem, no início

do século XXI, a verticalização das hierarquias de poder, a disputa acirrada entre as

nações, bem como as relações estratégicas e militares que aprofundam os conflitos

internacionais, como bem o demonstram os conflitos assimétricos do Afeganistão, do

Iraque e os atentados de 11 de setembro de 2001.

No plano econômico, entretanto, durante as últimas décadas o Brasil vem

experimentando um incremento vigoroso das suas relações internacionais. Alguns

acontecimentos ajudam a explicar esse avanço. Em primeiro lugar, o processo de

integração envolvendo Brasil e Argentina no último quartel do século passado que,

ampliado, deu lugar ao Mercosul; em segundo lugar, a estabilidade econômica,

particulamente o controle do processo inflacionário e o ajuste gradual das contas

nacionais, que favoreceu a formulação de políticas externas em bases mais sólidas;

e, em terceiro lugar, o próprio processo de globalização / regionalização.

Como costuma acontecer em tempos de transição profunda, o País passou

a aspirar um papel de maior relevo no cenário internacional. Para tanto, passou a

expandir sua atuação em missões de paz patrocinadas pela ONU, o que pode

viabilizar sua reivindicação a uma vaga como membro cativo do CSNU. Tal objetivo

visa a aumentar seu grau de credibilidade no mundo, alçando o Brasil ao seu espaço

como potência media.

O Brasil não cultiva ambições de grandeza no plano político-estratégico. Ao

buscar um tratamento positivo para temas como democracia, direitos humanos, meio

ambiente, não-proliferação, integração comercial ou abertura econômica, em

sintonia com valores universais amplamente compartilhados, a diplomacia brasileira

atuou em sintonia com aquilo que a sociedade nacional deseja para o País e para o

mundo.

Após décadas marcadas pelo desenvolvimentismo e várias experiências de

política heterodoxa, o clima internacional na década de 1990, principalmente na

América Latina, foi marcado pela adoção generalizada do Consenso de Washington

Page 95: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

94

42e de políticas de ajuste estrutural, com o objetivo de obter o apoio dos países

desenvolvidos, centros mundiais do poder e dos organismos internacionais.

A construção de um mundo multipolar e de instituições internacionais

capazes de assegurar um mínimo de ordem e segurança, com o respaldo da maioria

das nações, pressupõe também a existência de uma União Européia, que, além de

potência econômica, desenvolva uma política externa e de defesa comum, bem

como de outros centros de poder, como a China e a Rússia, e, igualmente, de blocos

regionais, como o Mercosul.

Nesse contexto, o Estado brasileiro, que juntamente com a China, Rússia e

Índia, ocupa uma posição intermediaria de potência emergente na estratificação

internacional não pode, simplesmente, negar sua participação no processo de

integração econômica, porque esta pode ser uma saída viável para cumprir os

objetivos de erradicar a pobreza e garantir o desenvolvimento social. É o momento

de aproveitar o movimento de redimensionamento da economia mundial.

Isso não significa, porém que a inserção brasileira no mercado global deva

ser imediata, obrigatória, de maneira apressada e sem considerar a liderança

regional sul-americana que o País ocupa naturalmente. Neste particular, é que

reside a importância da Soberania Nacional e da capacidade de articulação

internacional, que asseguram a independência política e econômica brasileira entre

as nações.

Pode-se afirmar que o processo de globalização em curso não esta

conduzindo o mundo em direção a uma sociedade global regulada, entretanto, ele

não também não significa que o Estado brasileiro esteja sendo superado. Assim

sendo, embora cresça a importância e o papel da onda globalizante, o Estado deve

permanecer no coração da política sócio-econômica, ademais, o nível nacional da

política continua a ser o centro insubstituível da legitimidade coletiva e dos projetos

da sociedade de cada país.

42 O Consenso de Washington pode ser definido como um conjunto de políticas

macroeconômicas, reformas estruturais liberalizantes, tais como a liberalização do comércio, a privatização das empresas estatais, desregulamentação dos mercados, reformas fiscais, promoção de investimentos estrangeiros, assim como regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizada em vários países e regiões.

Page 96: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

95

Mesmo porque, apesar de um discurso globalizante e liberal, a grande

maioria dos países tem feito o uso intenso de políticas que visem a desenvolver o

mercado local, a geração de tecnologia e a expansão das exportações. Logo, as

transformações e limites de uma economia globalizada implicam enormes desafios

para países que pretendem ampliar as suas condições de desenvolvimento

baseadas em uma inserção internacional ativa. Em muitos casos, isso significa

caminhar na contramão do consenso. É preciso, portanto, combinar as estratégias

de proteção ao mercado interno e fazer da globalização algo a favor dos objetivos

firmados pela sociedade brasileira.

É imperativo considerar que a análise das relações do Brasil com países

aspirantes a uma posição de proeminência na ordem mundial, como Rússia, China,

Índia e África do Sul, tem implicações teóricas importantes. A globalização gerou

espaços para a projeção de potências regionais, líderes de blocos econômicos, o

que contribui para reforçar a possibilidade de formação de um sistema mundial

multipolar, em lugar de uma neo-hegemonia norte-americana.

Por outro lado, graças ao ambiente de entendimento e harmonia que hoje

prevalece entre os países sul-americanos, o desafio do desenvolvimento passa a ser

visto como um objetivo a ser buscado de forma conjunta, em benefício de todos.

Generalizou-se a percepção de que a paz e o desenvolvimento em cada uma das

nações da América do Sul dependerão, em boa medida, da expansão da rede de

interesses recíprocos que as unem.

O projeto da integração sul-americana remonta às idéias de Simon Bolivar,

na primeira metade do século XIX. Contudo, a construção do mercado comum

regional começou na década de 1960, com a criação da Associação Latino-

Americana de Livre Comércio (ALALC), e teve dois momentos decisivos, com a

criação da Comunidade Andina, em 1969, e com a criação do Mercosul, em 1991.

Por fim, no dia 8 de dezembro de 2004, os países do Pacto Andino e do Mercosul,

assinaram a Declaração de Cuzco, lançando as bases da Comunidade Sul-

Americana de Nações(CSN).

Atualmente, a Política Externa Brasileira vem incentivando o

aprofundamento deste projeto de integração, mas enfrenta algumas limitações

importantes, pois o Brasil não é considerado um modelo de desenvolvimento de

sucesso a ser seguido pelo resto dos países do sub continente, sobretudo pela

Page 97: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

96

pouca capacidade de atender às necessidades materiais dos seus vizinhos, como

acontece com a China e a Índia, no Sudeste e no Sul da Ásia.

Ainda assim, a especificidade geográfica da América do Sul vem

conduzindo, de modo natural, à definição de uma agenda comum de desafios e

oportunidades. Em uma série de temas, a adoção de um enfoque específico sul-

americano mais estruturado aportará um enriquecimento para o processo mais

amplo de integração. A articulação da América do Sul é, em suma, um jogo em que

todos têm a ganhar. O Brasil, portanto, deve trabalhar com prioridade nessa direção,

em parceria com os demais países da região.

Consoante às idéias colocadas, a América do Sul tornou-se, assim, a região

do mundo em que convergem, com graus de intensidade bastante equilibrados, as

duas prioridades que resumem a essência da tradição diplomática brasileira: a

defesa da paz e da estabilidade e a busca de parcerias externas que contribuam

para o desenvolvimento nacional.

Assim, em última instância, além do cenário sul-americano, sobressai para o

Brasil a importância da relação com os EUA. Trata-se de aspecto essencial da

política externa brasileira, pela posição daquele país como a única Superpotência do

cenário internacional, por seu papel na condução de assuntos hemisféricos (entre os

quais as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas),

por sua projeção em áreas geográficas contíguas ao Brasil, e, no plano estritamente

bilateral, por sua relevância para o desenvolvimento nacional.

Levando em conta esses imperativos, inserir-se no mundo globalizado não

implica em abrir as portas para a exploração do mercado nacional pelos principais

pólos econômicos mundiais, sem qualquer instrumento eficaz que proteja o produto

e o trabalhador brasileiro, tendo em vista as suas desvantagens competitivas. Para

competir, é preciso, antes, se preparar e criar os meios próprios e necessários, para

depois, levar adiante uma competição sadia e benéfica, sobretudo para as nações

em desenvolvimento.

O Brasil, de sua parte, tem ampla consciência de que o desenvolvimento é,

primordialmente, uma tarefa nacional, a ser levada a cabo com recursos próprios. A

complexidade do mundo atual exige, portanto que seja dada a devida atenção à

infra-estrutura e ao apoio macroeconômico, com vistas conseguir uma integração

Page 98: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

97

entre as diversas regiões do Brasil e entre essas e as diversas regiões externas.

Tais mudanças promovem o melhoramento e o aparecimento de uma série de novos

centros de referência que podem, por si só, canalizar positivamente os fluxos

globais.

Dessa maneira, é vital persistir no caminho da estabilização e das reformas.

Não há inserção internacional, por mais favorável que seja, que possa compensar

atrasos internos nessas duas frentes. O País não mais se dedica a exercícios de

transferência de culpa para justificar seus próprios desacertos. Mas a conjuntura

externa continua a ser, evidentemente, fator importante para complementar os

esforços domésticos.

A globalização da economia é, hoje, uma tendência mundial real e

crescente. A tentativa de criar um único mercado no globo terrestre pressupõe a livre

competição entre todos os atores intervenientes, o que, desde logo, põem em

evidência as dificuldades dos países não desenvolvidos para enfrentarem a

competição com os mais desenvolvidos que possuem tecnologia e capacidade de

gerenciamento superiores e um acesso mais fácil ao capital.

Por outro lado, a não aceitação do processo deixaria o país fora da

economia mundial e condenado ao isolamento. O Brasil, gostando ou não, deve se

ajustar a esse novo modelo, procurando aproveitar as suas boas coisas e encontrar

soluções que representem o autêntico interesse nacional, para resistir aos seus

maus princípios e às ingerências abusivas das grandes potências.

Além dessas ingerências abusivas, o Brasil deve estar atento, ainda, a

outras práticas lesivas, tais como a utilização de resoluções da ONU para legalizar

intervenções de caráter pretensamente humanitário. O protocolo de Washington, que

modifica a carta da OEA, consagra intervenções em países com a finalidade de

preservar a democracia. Sabe-se que as palavras “democracia” e “direitos humanos”

ficam muito ao critério e ao sabor de quem as interpreta; na prática, acabam

servindo aos interesses daqueles que querem promover, com a intervenção, a sua

ingerência. Os Organismos Internacionais estão, como se pode observar, cada vez

mais a serviço dos países mais ricos e desenvolvidos.

Em face dessa realidade, a Amazônia, ao contrário do que se pensava, em

passado não muito distante, é, hoje, sim, objeto de grande preocupação face à

cobiça internacional. Existe uma campanha sistemática, insidiosa e permanente

buscando convencer a opinião pública mundial de que os brasileiros são

Page 99: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

98

destruidores da flora e da fauna e que as questões da Amazônia são do interesse da

humanidade e não do Brasil.

Nessa atual conjuntura, as Forças Armadas Brasileiras vivem uma situação

peculiar. Ao mesmo tempo em que se tornaram alvos dos mecanismos e da

propaganda globalizante, de forma a torná-las inertes diante do processo, elas são

mantidas como réus da história e permanentemente questionadas, diante da opinião

pública, sobre seu papel, quer nas últimas intervenções históricas, que a vontade

nacional forçou-as a realizar, quer na sua própria destinação constitucional.

Nos últimos anos, essas Forças Armadas, prioritariamente voltadas para as

funções de defesas da Pátria e de fiel intérprete das aspirações do povo de onde se

originam, passaram a sofrer pressões externas para se direcionarem para os

problemas internos do País, assumindo missões policiais que, constitucionalmente,

não lhes cabem. A lógica da tese parece irretorquível; não existindo ameaças

externas, é necessário repensar o papel do segmento militar, tradicionalmente

voltado para segurança externa.

Entretanto, em que pese a existência de todas essas mazelas, pode-se

afirmar que a globalização veio para ficar e o Brasil não pode satisfazer-se com um

papel subalterno no Jogo de forças dessa Nova Ordem Mundial. Portanto, o desafio

brasileiro, neste momento, é saber, de forma patriótica, colocar os interesses

nacionais acima de tudo, aproveitar as oportunidades se criam e combater a lógica

perversa do sistema de relações de poder, que rege um mercado elaborado pelo

privilegiado “Grupo dos 8” e não por consenso de todos os povos.

Dessa maneira, as estratégias de inserção do Brasil têm que ser definidas

pela sociedade brasileira, levando em conta a sua realidade, seus valores e ideais.

Contudo, uma coisa é aceitar a incidência da globalização na economia, outra é

admitir que, por isso, o Estado Nacional deve abrir mão de seus valores

fundamentais.

No quadro global, fica evidente que soberania e autodeterminação são

princípios que passam a ser desconsiderados progressivamente, dando lugar aos

chamados Interesses Coletivos da Humanidade, que acabam representando os

interesses dos países do Primeiro Mundo.

Page 100: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

99

Finalmente, o atual processo de globalização, ou integração econômica de

mercados, desloca fronteiras, despedaça a força política dos Estados e põe em

xeque o tradicional princípio da soberania nacional. A inclusão desse princípio na

Ordem Econômica e Financeira da Constituição de 1988 evidencia, porém, a

preocupação com a identidade nacional e com a realização dos fins do Estado e da

própria sociedade, a julgar pela coerência sistemática das disposições

constitucionais relativas aos processos de integração econômica, política, social e

cultural da sociedade brasileira com outros povos.

Esses compromissos internacionais, bem como, as alianças e acordos

constituem evidentemente limitações de soberania e limitações da autonomia da

vontade do Estado brasileiro, mas não constituem necessariamente limitações do

Poder Nacional, pelo contrário, o Poder Nacional de um Estado pode fortalecer-se e

ampliar-se com a conclusão de tais acordos e alianças, sobretudo por essas

potencializarem os meios e recursos disponíveis para a consecução de Objetivos

Nacionais do País, a despeito de antagonismos existentes.

Pelo exposto, pode-se concluir que em função da maior relevância atribuída

ao viés econômico, a inserção do Brasil na Nova Ordem Mundial está

inexoravelmente condicionada à adequação das instituições e empresas brasileiras

às demandas e particularidades do mercado global, o que vai tornar o País um

competidor plenamente qualificado. Além disso, o País precisa ocupar no cenário

internacional um espaço condizente com sua condição de país continente e líder

regional sul-americano. Tais conquistas devem ocorrer sem a submissão da

nacionalidade brasileira a outras, muito menos, com priorização de qualquer

interesse externo em detrimento de benefícios coletivos para a sociedade brasileira.

____________________________________

Jorge Roberto dos Santos Souza – Maj Art

Page 101: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

101

REFERÊNCIAS

ABDENUR, Roberto. O Brasil e a nova realidade asiática: uma estratégia de aproximação. Política Externa, 2 (3), p. 43-69, 1994.

ALVES, Francisco. Henry Kissinger: A diplomacia das grandes potencias. 3.ed., Rio de Janeiro: Univercidade editora, 2001.

AMIN, S. Capitalismo, imperialismo e mundialização, in SEOANE, J. e TADDEI, E. (ORGS.) Resistências mundiais. Petrópolis: Vozes/Clacso/Lpp, 2001.

AMORIM, Celso. O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU. Política Externa. São Paulo: Paz e Terra, março de 1995.

ANDERSON, B. As promessas do Estado-nação para o início do século. In: HELLER Agnes [et al.]. A crise dos paradigmas em Ciências Sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. p. 154-170.

AUGUST, Ray. Public International Law: text, cases and readings. Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1995.

A CARTA DA ONU E O ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Nova Iorque, Departamento de Informações Públicas, 1993.

A MORE SECURE WORLD: OUR SHARED RESPONSIBILITY: Report of the Secretary-General´s High Level Panel on Threats, Challenges and Change. Disponível em http://www.un.org/secureworld. Acesso em dezembro de 2007.

A PALAVRA DO BRASIL NAS NAÇÕES UNIDAS (1945-1995). Brasília, FUNAG, 1995.

BARBOSA, Gibson. Depoimento em Reflexões sobre a Política Externa Brasileira. Brasília: Funag, 1993.

BAHADIAN, Adhemar. A Tentativa do Controle do Poder Econômico das Nações Unidas. Brasília, IPRI/FUNAG, 1992.

BERTRAND, Maurice. A ONU. Petrópolis: Vozes, 1995.

Page 102: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

102

BOBBIO, Noberto et alii. Dicionário de Política. 4ª ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992.

BOBBITT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: O impacto dos grandes conflitos e da política na formação das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

BRAGA, J. Economia e Fetiche da Globalização Capitalista. Setembro de 2001.

CARRASCO, Lorenzo. Máfia verde: o ambientalismo a serviço do Governo Mundial. Rio de Janeiro: EIR, 2001.

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

CAMARGO, Sônia de. Economia e Política na Ordem Mundial Contemporânea. In Contexto Internacional. Vol. 19, n° 1, janeiro/junho 1997.

CASTRO, Thales. O Brasil e a ONU. Jornal do Comércio. Recife: 11 de janeiro de 2005.

COCCO, G. Trabalho e Cidadania: Produção e direitos na era da globalização. São Paulo: Cortez, 2002.

CORSI, F.L.. Globalização e a crise dos Estados Nacionais. In: DOWBOR L, IANNI, O. e RESENDE, P.E. A. (Orgs). Desafios da Globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. p. 102-108.

COSTA FERREIRA, L. e VIOLA, E. (orgs.). Incertezas de Sustentabilidade. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2000.

CERVO, Amado. “MERCOSUR, ALCA y OMC: una perspectiva actual de las políticas exteriores de los países sudamericanos”. III Jornadas Latinoamericanas de Historia de las Relaciones Internacionales. Valparaíso e Viña del Mar, 23 a 25 de noviembre (Clase Magistral), 2005.

CEPAL. América Latina e Caribe: políticas para melhorar a inserção na economia mundial. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. São Paulo: Record-CEPAL, 2000.

Page 103: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

103

CHOMSKY, N. Uma nova geração define o limite: os verdadeiros critérios das potências ocidentais para suas intervenções militares. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.

FERON, B. 1999. Iugoslávia : a guerra do final do milênio. Das origens do conflito aos bombardeios da OTAN. Porto Alegre : L&PM.

FONSECA JR., Gelson: A Legitimidade e outras questões internacionais - Política e ética entre as nações. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1998.

FONSECA Jr., Gelson. O Brasil no Conselho de Segurança da ONU, 1998-1999. Brasília: FUNAG, 2002.

GUEDES, Marcos. Repensando a unimultipolaridade: uma análise modelística das Relações Internacionais contemporâneas. Brasil e EUA no Novo Milênio. Recife: NEA/UFPE, 2004.

HABERMAS, Jürgen. O Estado-Nação Europeu Frente aos Desafios da Globalização. In Novos Estudos CEBRAP, n° 43, novembro de 1995.

HOBSBAWN, E. 2002. A epidemia da guerra. Folha de S. Paulo, 14 Abr, caderno Mais, p. 4-10.

HIRANO, Sedi. A América Latina dentro da hierarquização do mercado mundial. In: SOLAR V. América Latina e Caribe e os desafios da nova ordem mundial. São Paulo: PROLAM-USP, 1998, p. 139-150.

HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997.

IBANEZ, N. Globalização e Saúde. In: DOWBOR L, IANNI, O. e RESENDE, P.E. A. (Orgs). Desafios da Globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. p. 215-230.

International Relations, Old and New. In GOODIN, Robert & KLINGEMANN, Hans-Dieter. A New Handbook of Political Science. Oxford, Oxford University Press, 1998.

KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1989.

Page 104: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

104

KAUFMANN, J.N. Mundialização e globalização: desafios éticos-políticos. In: Ser Social- Revista semestral do Programa de Pós-Graduação em Política Social. Brasília: Ser/UNB, v.1, n.4, jun/1999. p. 09-42.

KEOHANE, Robert. International Institutions and State Power: Essays in International Relations Theory. Boulder, Colorado Westview Press, 1993.

LAFER, Celso. “As novas dimensões do desarmamento: os regimes de controle das armas de destruição em massa e as perspectivas para eliminação das armas de destruição em massa". In "O Brasil e as Novas Dimensões da Segurança Internacional", DUPAS, Gilberto; VIGEVANI, Tullo. Orgs. São Paulo: Alfa-Omega, 1999.

LIMA, Maria Regina Soares de. Teses Equivocadas sobre a Ordem Mundial Pós-Guerra Fria. In Dados. Revista de Ciência Sociais. Rio de Janeiro: Vol. 39, nº 3, 1996, p. 393-421.

MARTINS, C.E. Da globalização da economia à falência da democracia. In: Economia e Sociedade. Capinas: Universidade Federal de Campinas – UNICAMP. Instituto de Economia. n.1, agosto / 1992. p. 03-22.

MALONE, David, org. The UN Security Council: from the Cold War to the 21st century. Boulder, Lynne Rienner Publishers, 2004.

MANDUCA, Paulo & MIYAMOTO, Shiguenoli. Segurança Hemisférica: uma agenda inconclusa. GUEDES, Marcos (org). Brasil e EUA no Novo Milênio. Recife, NEA/UFPE, 2004.

MAZZUOLI, Valério. Coletânea de Direito Internacional. 2 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004.

MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. 14a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

MORGENTHAU, Hans J. A política entre as nações. A luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora UnB, 2003.

MURPHY, Alexander B. International Law and the Sovereign State System: challenges to the Status Quo. In: DEMKO, G.J. e WOOD, W.B. (org.). Geopolitical Perspectives on the 21st Century. Oxford, Westwiew Press, 1999, pp.227-245

Page 105: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

105

NAU, Henry - O mito da decadência dos Estados Unidos. A liderança americana na economia mundial na década de 1990. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

NYE JR., Joseph- O paradoxo do poder americano – porque a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

REIS VELLOSO, J.P. & MARTINS, Luciano (orgs.) - A nova ordem mundial em questão. Rio de Janeiro: José Olympo,1993.

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 9a. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

RICÚPERO, Rubens. Rio Branco: O Brasil no mundo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.

RICUPERO, Rubens: Visões do Brasil-Ensaios sobre a história e a inserção internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Record, 1995.

ROSATI, Jerel. The Politics of the United States Foreign Policy. Fort Worth: Harcourt Brace, 1993.

ROURKE, John. International Politics on the World Stage. 5a ed. Hartford Northeastern Publishing Co., 1995.

RYAN, Stephen. The United Nations and International Politics. Nova Iorque: St Martin´s Press, 2000.

SARAIVA, José Flávio Sombra, org. Relações Internacionais: Dois Séculos de História. 2 volumes. Brasília: FUNAG, 2001.

SARAIVA , José Flávio S. (org.) - Relações internacionais contemporâneas. Da construção do mundo liberal à globalização. Brasília: Paralelo 15, 1997.

SANTOS, Milton et allii (orgs.) - Fim de século e globalização. São Paulo: Hucitec/ANPUR. 1993.

SATO, E. 2000. A agenda internacional depois da Guerra Fria : novos temas e novas percepções. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília: ano 43, n. 1, p. 138-169.

Page 106: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

106

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 2 ed. Porto Alegre: 2000.

SIQUEIRA, H. S. G. Globalização e Autonomia - os limites e as possibilidades. In: Extensão Rural - Revista do Mestrado em Extensão Rural. Santa Maria: UFSM, n8, jan-dez/2002. p. 99-122.

TAVARES, Maria. C. A retomada da hegemonia norte-americana. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 5, n. 2, abr./jun. 1985. UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Disponível em http://www.un.org/sc. Acesso em setembro de 2007. VIZENTINI, Paulo G. F. (org.) - A grande crise. A nova (des) ordem mundial. Petrópolis: Vozes, 1993.

VILLA, Rafael Antonio Duarte – Da crise do realismo à segurança global multidimensional. São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999.

VESENTINI, José William. Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica global. Editora Papirus, 2003.

VESENTINI, José William. Novas geopolíticas. Editora Contexto, 2000.

VESENTINI, José William. A nova ordem mundial. Editora Ática, 1996.

WEISS, T. et al. The United Nations and Changing World Politics. 3a. ed. São Francisco: Westview, 2000.

WALTZ, Kenneth N. "Teoria das Relações Internacionais". Lisboa: Gradiva, 2002.

WINES, Michael. Tragédia remodela as alianças no planeta. In: O Estado de S.Paulo, 07 de outubro de 2001. (Disponível no site do jornal: www.estado.com.br).

WANDERLEY, L.E. Conjuntura: desafios e perspectivas. In: Revista: Serviço Social & Sociedade. São Paulo, Cortez, 2001. p. 5-33.

Page 107: A Nova Ordem Mundial, os Novos Conflitos Internacionais e o Brasil

107

WIGHT, Martin. "A Política do Poder". Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

ZAVERUCHA, Jorge. Frágil Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2000.