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A OBRA MUSICAL* Airton Coelho** Contatos: [email protected] A pretensão deste modesto trabalho limita-se ao delineamento do percurso que normalmente percorre um compositor/cantor para ter sua obra gravada. Inicialmente, e até para o melhor entendimento da matéria ora focalizada, cumpre-nos versar sobre algumas particularidades do direito de autor, especialmente no que respeita a seus reflexos de ordem moral e material, tendo em vista que, em eventual gravação de obra musical, esses aspectos adquirem fundamental importância. Os direitos de autor desdobram-se em direitos morais e direitos patrimoniais. Os morais referem-se, exclusivamente, aos de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; ao de ter o seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado na utilização da obra; ao de conservá-la inédita, ao de assegurar sua integridade, opondo-se a quaisquer modificações que possam prejudicá-la ou atingir o autor em sua honra ou reputação; ao de modificá-la antes ou depois de utilizada; ao de retirá-la de circulação, mesmo depois de autorizada, e ao de ter acesso a exemplar único e raro da obra, em poder de terceiro e para o fim de preservar sua memória. Neste ponto, é importante destacar que os direitos morais são insuscetíveis de alienação. Os direitos patrimoniais, por seu turno, consubstanciam-se no direito exclusivo que tem o autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra, sendo relevante destacar que a utilização desta, por qualquer meio ou processo, depende de sua prévia e expressa autorização. Dentre as modalidades de utilização estão previstas a reprodução, a edição, a adaptação e a inclusão em fonograma ou produção audiovisual da obra musical. Os direitos patrimoniais, diferentemente dos morais, podem ser total ou parcialmente cedidos ou licenciados, obedecidas as limitações previstas nos incisos do art. 49, da Lei 9.610/98. Via de regra, as obras musicais, quando fixadas em suporte mecânico (CDs/DVDs,etc.), são previamente autorizadas pelo seu criador diretamente, ou, o que é mais comum, pela editora musical que o represente, sendo que nessa hipótese, esta o faz na qualidade de cessionária dos direitos patrimoniais. A conveniência de ceder ou editar esses direitos a uma editora musical fundamenta-se na maior possibilidade desta em explorar economicamente a obra divulgando-a, o

A OBRA MUSICAL

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A OBRA MUSICAL*Airton Coelho**

Contatos: [email protected]

A pretensão deste modesto trabalho limita-se ao delineamento do percurso que normalmente percorre um compositor/cantor para ter sua obra gravada.

Inicialmente, e até para o melhor entendimento da matéria ora focalizada, cumpre-nos versar sobre algumas particularidades do direito de autor, especialmente no que respeita a seus reflexos de ordem moral e material, tendo em vista que, em

eventual gravação de obra musical, esses aspectos adquirem fundamental importância.

Os direitos de autor desdobram-se em direitos morais e direitos patrimoniais. Os morais referem-se, exclusivamente, aos de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; ao de ter o seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado na utilização da obra; ao de conservá-la inédita, ao de assegurar sua integridade, opondo-se a quaisquer modificações que possam prejudicá-la ou atingir o autor em sua honra ou reputação; ao de modificá-la antes ou depois de utilizada; ao de retirá-la de circulação, mesmo depois de autorizada, e ao de ter acesso a exemplar único e raro da obra, em poder de terceiro e para o fim de preservar sua memória. Neste ponto, é importante destacar que os direitos morais são insuscetíveis de alienação.

Os direitos patrimoniais, por seu turno, consubstanciam-se no direito exclusivo que tem o autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra, sendo relevante destacar que a utilização desta, por qualquer meio ou processo, depende de sua prévia e expressa autorização.

Dentre as modalidades de utilização estão previstas a reprodução, a edição, a adaptação e a inclusão em fonograma ou produção audiovisual da obra musical. Os direitos patrimoniais, diferentemente dos morais, podem ser total ou parcialmente cedidos ou licenciados, obedecidas as limitações previstas nos incisos do art. 49, da Lei 9.610/98.

Via de regra, as obras musicais, quando fixadas em suporte mecânico (CDs/DVDs,etc.), são previamente autorizadas pelo seu criador diretamente, ou, o que é mais comum, pela editora musical que o represente, sendo que nessa hipótese, esta o faz na qualidade de cessionária dos direitos patrimoniais. A conveniência de ceder ou editar esses direitos a uma editora musical fundamenta-se na maior possibilidade desta em explorar economicamente a obra divulgando-a, o que é feito através de diversos procedimentos, tais como, autorizar a sua gravação em disco, a sua sincronização em película, a inclusão dela em outra obra, negociando com os respectivos produtores fonográficos, cinematográficos, etc. as condições dessa utilização, inclusive e, especialmente, no tocante à remuneração, controlando e cobrando esses direitos.

Para a fixação da obra, as gravadoras, na qualidade de produtoras fonográficas e atentas aos dispositivos legais, normalmente e antes mesmo de efetuar a gravação da obra musical, solicitam às editoras ou ao autor diretamente, quando for o caso, a devida autorização para essa gravação, estabelecendo no instrumento respectivo as condições de utilização, especialmente quanto à retribuição devida pela utilização. Sobre esta questão a remuneração para inclusão de obra musical em

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disco, saliente-se que, como não há determinação legal sobre o “quantum” a ser pago ao autor, vige a regra estabelecida no acordo, há tempos existente, celebrado entre a associação que congrega as principais editoras musicais e sua congênere dos produtores fonográficos (Convênio ABEM/ABPD). A remuneração básica do autor corresponde a 8,4% do preço praticado pelo produtor fonográfico junto ao mercado atacadista, dividido pelo número de faixas contidas no disco. Essa praxe, que é, inclusive, internacional, pode variar em determinados casos.

É oportuno salientar que o direito do autor (compositor ou letrista), enquanto criador da obra, não se confunde com os direitos dos artistas intérpretes ou executantes ( cantores e músicos), porque os destes são chamados direitos conexos aos de autor, recebendo um tratamento diferenciado inclusive no tocante à remuneração ( varia de caso a caso, com percentual incidente sobre venda do disco, dependendo do renome do intérprete).

Numa mesma obra musical podem concorrer diversos outros direitos, como por exemplo o do arranjador, o do versionista e o do adaptador, para os quais também é prevista a proteção autoral. A remuneração nestes casos é livremente pactuada entre os titulares e os promotores artísticos ou produtores fonográficos.

Os direitos patrimoniais calculados sobre as vendas dos suportes em disco são, no caso dos autores, comumente chamados direitos fonomecânicos e, no caso dos intérpretes, direitos artísticos.

No caso da obra fixada, têm ainda o autor e o intérprete, os chamados direitos de execução pública. Esses direitos são aqueles que lhes cabem cada vez que um fonograma é executado seja por meios de comunicação como Radio, TV, Internet, etc., seja em decorrência de apresentações públicas de qualquer natureza (shows ao vivo, bailes, etc.), ou ainda por meio de sonorização ambiental com a finalidade de captação de clientela.

Esses direitos, os de execução pública, são no mundo todo controlados e arrecadados pelas respectivas sociedades de gestão coletiva de direitos, sendo que no Brasil, desde a antiga Lei 5.988/73, a tarefa coube ao Escritório Central de Arrecadação de Direitos de execução pública musical, o ECAD.

O ECAD, para efeitos de controle e distribuição dos direitos de execução pública de obras gravadas, utiliza-se de um número de identificação para cada fonograma, o chamado ISRC, o qual é normalmente obtido pelo produtor fonográfico junto a algumas associações de titulares que o integram. É com base nas informações contidas nesse ISRC que se faz o controle das execuções e a distribuição dos direitos a eles relativos.

Não obstante todo o aparato legal, o sistema de arrecadação e fiscalização dos direitos de execução pública no Brasil, tem sofrido críticas por parte de seus titulares, tendo em vista que, salvo raríssimas exceções, pouco recebem a este título, quando recebem, mesmo que suas obras sejam largamente executadas.

* Artigo publicado no periódico TRIBUNA DO DIREITO** Advogado em São Paulo, especializado em Direito Autoral.