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A ontologia neomaterialista de Deleuze e Guattari como fundamento
para a nova economia evolucionária
Emmanoel de Oliveira Boff (UFF)∗∗∗∗
1. Introdução
Desde o estouro da crise financeira de 2008 a ciência econômica mainstream
vem sendo duramente criticada com relação à capacidade de seus modelos preverem e
explicarem empiricamente os movimentos dos mercados financeiros globais. Dentro
deste contexto, alguns autores e formuladores de políticas vêm sugerindo uma mudança
de abordagem por parte dos grandes bancos centrais do mundo. Esta nova abordagem
deveria abandonar o tradicional modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico e
adotar uma abordagem com base em agentes (ver a revista The Economist, 22.07.2010).
Esta mudança de foco no estudo da economia sublinha a heterogeneidade dos
agentes que atuam nos mercados bem como o caráter complexo e instável das
economias de mercado modernas. Um livro que já antes da crise propunha esta mudança
de foco é “The Origin of Wealth”, de Eric Beinhocker (2006). Nesse livro, o autor
critica a abordagem de equilíbrio do mainstream, apontando para a necessidade de se
estudar a economia de forma evolucionária e complexa.
A ideia de que a economia deve ser estudada como ciência evolucionária não é
nova (vide os trabalhos de Marshall, Veblen até Nelson e Winter).No entanto, poucas
discussões têm sido realizadas até hoje quanto à compatibilidade desta abordagem
evolucionária com as ontologias neomaterialistas desenvolvidas por filósofos
continentais europeus do século XX.
Tentando preencher esta lacuna, este trabalho tem como objetivo principal
verificar se a abordagem da economia evolucionária tal como proposta por Beinhocker
pode ser fundamentada na ontologia neomaterialista de Deleuze e Guattari. Como a
ontologia social neomaterialista de Deleuze e Guattari se encontra no projeto
∗
O autor é economista (UFRJ), com mestrado em Comunicação e Cultura (UFRJ) e doutorado em economia (UFF). É professor adjunto da área de Pensamento Econômico do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
“Capitalismo e Esquizofrenia” (que contempla dois volumes: “O Anti-Édipo” (1972) e
“Mil Platôs” (1980)), nosso trabalho se baseará principalmente nestes dois volumes.
Dado o espaço limitado deste trabalho, delimita-se o objeto deste artigo ao livro
de Beinhocker, pois ele faz um apanhado abrangente e recente de diferentes autores que
trabalham com economia evolucionária. A hipótese de que há compatibilidade da
ontologia de Deleuze e Guattari com a abordagem da economia evolucionária se baseia
na ênfase de ambos em: 1. A heterogeneidade dos entes existentes no mundo; 2. A
importância da história para entender a transformação destes entes; e 3. O compromisso
central com a existência material e concreta dos entes.
Se verificada, esta compatibilidade apontará para a possibilidade de fundamentar
a ciência econômica na heterogeneidade concreta dos agentes e em seu devir na história.
Desta forma, o trabalho está dividido em 5 partes, incluindo esta Introdução e as
Considerações Finais. Na segunda seção, a ontologia neomaterialista de Deleuze e
Guattari é apresentada, ao lado de uma breve discussão sobre o papel da ontologia na
economia. Na terceira seção, apresenta-se a ideia de evolução em economia para
Beinhocker, bem como os agentes são modelados e as implicações em termos de
política econômica desta nova visão de economia. Na quarta seção verifica-se a
compatibilidade entre os conceitos levantados dentro da ontologia deleuzo-guattariana e
os conceitos de agente e evolução da economia evolucionária. A seção cinco conclui o
trabalho.
2. A Ontologia Neomaterialista de Deleuze e Guattari
2.1 Os Princípios Fundamentais do Sistema de Deleuze
Antes de introduzir os princípios fundamentais do sistema de pensamento de
Deleuze, algumas ressalvas devem ser feitas. Primeiramente, deve-se deixar claro que o
estilo de escrita de Deleuze é um empecilho para sua compreensão. O próprio papel da
linguagem dentro de sua filosofia é maior do que descrever uma realidade externa
3
objetiva para um sujeito do tipo cartesiano ou kantiano. Desta forma, nossa leitura de
Deleuze (e de Guattari) teve de ser mediada por uma série de intérpretes de sua obra.1
Em segundo lugar, o que apresentaremos aqui é uma versão resumida e parcial
(mas, espera-se, não distorcida) de pontos-chave do sistema filosófico de Deleuze. A
razão para este resumo e parcialidade é centrar fogo nos pontos relevantes da ontologia
de Deleuze para nosso objeto de estudo – a economia evolucionária.
Por fim, além das dificuldades apontadas acima, o trabalho de pesquisa que se
apresenta aqui têm um caráter experimental – não há ainda estudos que se propuseram a
aplicar a ontologia de Deleuze e Guattari à economia em geral, e à economia
evolucionária em particular. Isto implica em dizer que as conclusões que serão tiradas
serão parciais e sujeitas à discussão e revisão.
Para compreender a ontologia social proposta por Deleuze e Guattari no projeto
“Capitalismo e Esquizofrenia”, é necessário antes compreender os dois princípios que
sustentam a ontologia geral de Gilles Deleuze. Estes princípios são o da Univocidade
do Ser e o de Devir (GUALANDI, 2003: 18). Embora esta explicação pareça, em
princípio, muito distante de discussões sobre a ontologia da economia, veremos que, no
correr do artigo, ela será importante.
O primeiro princípio, da Univocidade do Ser, diz respeito à realidade última
daquilo que existe. Em que, afinal, consiste nossa realidade última? Para Deleuze, nossa
realidade última consiste em uma única e mesma substância, e isto é o que caracteriza o
princípio da univocidade do Ser. Embora única, esta substância pode se expressar de
diversas formas: na forma de ideias, de estrelas, de palavras, de homens etc.
O segundo princípio que rege a ontologia de Deleuze diz respeito ao modo de ser
desta substância única multiforme: ela é Devir, ou seja, mudança permanente – daí o
fato de ela se apresentar sempre na forma de entes distintos (como cavalos, homens,
plantas, livros etc). Seria errôneo, todavia, afirmar que a substância única é
simplesmente a composição dos entes particulares dela derivados. Antes disso, a
substância única é a própria força que causa mudanças, composições, recomposições e
1 Foram usados os seguintes livros: Due (2007), Badiou (1999), Zourabichvili (2009), DeLanda (2002,
2006, 2010), Zizek (2003), Hardt (1996), Stivale (2005) e Gualandi (2003).
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decomposições entre os entes particulares. Todas estas mudanças são realizadas com
graus diferentes de intensidade – umas mais rápidas e outras mais lentas que outras.
Duas consequências emergem dos dois princípios que acabamos de apresentar:
A primeira nos diz que, como vimos no parágrafo anterior,esta substância única é
caracterizada por um princípio diferenciador. Este princípio promove a transformação
detudo que existe. Deleuze associa o conceito de força à velocidade com que as formas
desta substância única se diferenciam tanto de si mesmas quanto umas das outras.
Quanto mais intensa a força, mais rápida a transformação da forma.
A segunda consequência é que a filosofia de Deleuze tenta fazer do pensamento
algo que está no mesmo plano de existência de tudo mais que existe – ou seja, sua
filosofia é imanente. Em outras palavras, como consequência da univocidade do Ser,
não há privilégio ontológico entre as diversas formas da substância única: ideias (tanto
as que vêm da arte, como da ciência e da filosofia), objetos, seres vivos – todos têm o
mesmo status ontológico. Seria um equívoco, portanto, pensar a multiplicidade das
formas que existem como subordinadas a ideias platônicas ou essências aristotélicas:
estas teriam um status ontológico superior ao das demais coisas do mundo, já que ou o
mundo concreto é cópia de ideias perfeitas (Platão) ou ele é categorizado segundo
gêneros e espécies que comporiam a essência dos indivíduos concretos (Aristóteles).
Para Deleuze, o próprio pensamento – que faz igualmente parte da substância
única – deveria ser uma atividade diferenciadora e identificadora. Mas diferenciadora e
identificadora de que? Ora, de processos e forças que, por sua vez, caracterizam a
substância única em suas formas múltiplas combinantes. Ou seja, a atividade própria do
pensamento é mais ampla do que a tentativa de um sujeito representar uma realidade
que lhe é externa. Antes, o pensamento é uma prática concreta interna à realidade. Ele
ocorre nos sujeitos, mas é autônomo em relação a eles. Sua principal missão é rastrear
na realidade as forças que operam o Devir do Ser Unívoco. Ou, em termos mais
simples, o pensamento tem como missão rastrear pontos singulares de força onde a
transformação – o Devir – da substância única ocorre.E, já que também faz parte da
substância única, o próprio pensamentose transforma neste rastreamento diferenciador e
identificador de forças. Assim, o pensamento será tanto mais intenso e forte quanto mais
for capaz de rastrear as singularidades que marcam os pontos de mudança (os devires)
das formas através das quais a substância única se apresenta.
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2.2 A Ontologia Social De Deleuze e Guattari
Quais seriam as implicações da visão de mundo brevemente delimitada acima
para o estudo das sociedades humanas?
Para nosso objetivo aqui, será suficiente tomar a ideia atrás da teoria dos
agenciamentos ou das montagens. Deleuze e Guattari já falavam de montagens em “O
Anti Édipo” (1972), mas elaboram com mais rigor uma definição no segundo volume de
“Mil Platôs” (1980).
Como poderíamos analisar as sociedades humanas na forma de montagens ou
agenciamentos? De modo geral, o quadro abaixo pode explicar o que se trata:
Figura 1: A teoria dos agenciamentos (ou montagens)
Como podemos entender a figura acima? Primeiramente, observamos que temos
dois eixos, cada um deles com dois polos. No eixo horizontal, temos montagens
(materiais e de enunciação), e no eixo vertical, temos processos de territorialização e
desterritorialização. Cada um desses eixos se relaciona a um princípio fundamental da
ontologia geral de Deleuze: o eixo horizontal trata da multiplicidade de formas em que
se apresenta o Ser Unívoco e o eixo vertical do Devir da Ser Unívoco.
Vamos tratar primeiro do eixo horizontal. Lembremos que a substância única
que existe – o Ser Unívoco -- se apresenta na forma de vários entes distintos que podem
se combinar e recombinar de diversos modos. Já que são“partes” desta mesma única
Materialidade: montagem de coisas materiais, isto é, de corpos, máquinas, animais, plantas etc.
Expressividade: montagem coletiva de enunciação, onde sons, textos, gestos, olhares etc, expressam a identidade das montagens materiais
Territorialização e reterritorialização
(codificação e recodificação): estratifica as montagens materiais bem como sua identidade, permitindo sua duração no tempo.
Desterritorialização (descodificação): desacopla as peças das montagens materiais, retirando suaidentidade no tempo.
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substância existente, estas formas particulares podem se combinar e recombinar para
formar entes mais complexos. Ao mesmo tempo, cada ente complexo é também
composto por entes mais simples. É exatamente esta combinação de “peças” que
formam os entes materiais que Deleuze e Guattari chamam de montagem (ou
agenciamento) maquínico.
No entanto, o que significaria uma montagem maquínica aplicada à ontologia
social? Em linhas gerais, as “peças” materiais que formam o que entendemos por
sociedade são os seres humanos e suas relações, tanto entre si como com o meio em que
vivem. No entanto, esta base material -- este agenciamento maquínico-- não é o único
que deve ser levando em conta na ontologia social. No reino social há também a esfera
do sentido, e é preciso entender seu papel dentro da montagem maquínica da sociedade.
O pensamento de Deleuze e Guattari não pressupõe que conceitos como “sociedade”,
“sujeito”, “natureza” ou “cultura” tenham um sentido imediato. Isto não significa que
não haja seres humanos concretos no mundo, nem que estes seres humanos concretos
não se relacionem entre si e com o meio que os cerca. Muito pelo contrário: como
vimos acima, estas relações materiais que os homens estabelecem entre si e com o meio
formam, segundo Deleuze e Guattari, um agenciamento ou montagem maquínica social.
Ela está exposta no polo direito do eixo horizontal da figura 1 acima. Estas montagens
maquínicas formam um dos blocos básicos da ontologia social deleuzo-guattariana.
No entanto, para que estas montagens adquiram uma identidade e possam ser
expressas em conceitos como os que usamos – “sociedade”, “sujeito” etc., elas devem
possuir certa estabilidade. Esta estabilidade é garantida por uma determinada estrutura
de poder que codifica os tipos de relações que é permitido aos homens travarem entre si
e com o meio circundante. Esta codificação é realizada através de regimes discursivos:
estes não apenas regularizam e estabilizam o escopo possível de ações das montagens
materiais como também mostram como um sentido coletivo pode ser atribuído a elas. O
conjunto de enunciados (mais do que proposições) de um determinado regime
discursivo forma uma montagem coletiva de enunciação. Esta montagem constitui um
segundo bloco básico da ontologia social deleuzo-guattariana: coladas às montagens
materiais há regimes discursivos concretos que codificam e dão sentido aos gestos,
ações, sons, objetos materiais e relações que os homens engendram entre si e o mundo.
Esta montagem coletiva de enunciação constitui o polo esquerdo do eixo horizontal da
figura 1 acima.
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Temos aí então um primeiro modo como a ontologia geral de Deleuze se
relaciona com a ontologia social de Deleuze e Guattari: a sociedade é um modo
específico de a substância única se apresentar. Neste modo particular de apresentação, a
substância única surge na forma de seres humanos e das relações que eles possuem entre
si e o meio. No mesmo nível da montagem maquínica social, há uma montagem
coletiva de enunciação. Esta última montagem dá sentido à própria existência concreta
dos seres humanos, aos objetos que eles produzem e às relações que eles entretêm entre
si e o meio. Podemos assim compreender o significado do eixo horizontal na figura 1.
Cabe agora explicar o segundo modo como a ontologia geral de Deleuze se
relaciona com a ontologia social de Deleuze e Guattari. Este segundo modo diz respeito
ao Devir do Ser Unívoco, e é representado pelo eixo vertical da figura 1.
Ora, se é verdade que a característica central do Ser Unívoco é a força do Devir,
então deve-se levar em conta também como as montagens maquínicas ou as montagens
coletivas de enunciação se modificam no tempo. Algumas destas montagens possuem
certa estabilidade (por exemplo, o Estado brasileiro, as regras gramaticais da língua
portuguesa, a Cia. Vale etc.). Na terminologia de Deleuze e Guattari, podemos dizer que
estas montagens estáveis estão segmentarizadas. Por estarem segmentarizadas, elas
podem adquirir uma identidade específica, ganhar um sentido social dominante e durar
no tempo em um processo de territorialização. A velocidade de mudança é baixa nestas
montagens e sua identidade se mantém no tempo.
No entanto, outras montagens possuem velocidade de mudança alta. De fato, a
mudança pode ser veloz a ponto de minar a identidade da montagem. O exemplo dado
por Deleuze e Guattari, no Volume 2 de “Mil Platôs” é incidentalmente econômico: no
dia 20.11.1923 o velho reichmark, totalmente desterritorializado pela alta inflação, foi
expulso do corpo monetário da Alemanha e substituído pelo rentenmark. Neste caso,
houve um processo de desterritorializaçãoque vinha durando já cinco anos eque
provocou a decomposição das diversas partes que compunham o sistema monetário
alemão. Na linguagem de Deleuze e Guattari, a segmentaridade que caracterizava o
sistema monetário alemão foi tomada por uma linha de fuga que o desterritorializou. A
partir daí, as “peças” decompostas do sistema – os banqueiros, o Banco Central
Alemão, a população alemã em geral -- puderam ser recompostas de modo distinto para
formar novos entes (no caso, o rentenmarke um novo sistema monetário).
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É importante perceber que os regimes discursivos que formam montagens
coletivas de enunciação estão no mesmo eixo das montagens materiais e, assim como
elas, também são coletivos. Ou seja, a esfera de sentido que atribuímos às coisas
materiais tem o mesmo status ontológico das próprias coisas materiais, embora sejam
entes de qualidades diferentes. Aqui se atesta a importância da doutrina da univocidade
do Ser em Deleuze: a esfera de sentido não se encontra num plano ontológico superior
que serve como formas para as coisas materiais (como na teoria das ideias de Platão). A
esfera de sentido também não comporta gêneros ou espécies universais e imutáveis
capazes de categorizar os entes concretos (como em Aristóteles). Ela tampouco é
similar ao “Verbo Divino” que criou as criaturas, como para os filósofos/padres
medievais. A esfera de sentido faz parte da substância única, e teve um processo de
origem e devir como todas as demais coisas que estão no mundo. Este processo se
origina nas características biológicas e físicas dos seres humanos que os permitem criar
e manipular símbolos através de palavras, signos, gestos etc.
É importante reforçar mais uma vez que a esfera do sentido não é constituída
propriamente de proposições, mas de enunciados. Diferentemente das proposições, os
enunciados não estão em um nível acima do mundo concreto visando representa-lo
adequadamente. Como colocado acima, os enunciados são produtos sociais dos seres
humanos e se mesclam, influenciam e coordenam as demais práticas sociais.
Ou seja, estudar a esfera de sentido não consiste em verificar quão logicamente
corretas são as proposições produzidas dentro de certa sociedade. Também não consiste
em verificar se tal representação é adequada ou não ao mundo externo. Estudar a esfera
de sentido significa antes estudar o processo que permitiu que certos enunciados fossem
usados, em determinada época e lugar, para recortar a realidade material de certa
maneira.
2.3 Desejo e Poder
Esta descrição da ontologia socialdeleuzo-guattariana estaria incompleta se não
mencionássemos ao menos como poder e desejo entram no tecido social. Na verdade,
um dos objetivos de “O Anti-Édipo” é mostrar como desejo e poder entram na
constituição do sujeito edipianoque veio a popular as sociedades industriais avançadas
da Europa Ocidental e dos EUA a partir do fim do século XVIII.
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Até agora, pouco falamos sobre a força que faz as pessoas transformarem o meio
em que vivem, a si mesmas e os relacionamentos em que elas entram. Ora, se os seres
humanos são manifestações particulares da substância única, eles também são
caracterizados pela força do devir que os perpassa. Como podemos explicar a atuação
desta força nos humanos?
Seguindo a tradição de Hume e Spinoza (mas também Adam Smith), Deleuze e
Guattari supõem que a energia que move as pessoas são as paixões.Mais
especificamente, na linguagem psicanalítica dos autores, os seres humanos são movidos
por energias libidinais inconscientes presentes em sua psique. Estas energias perpassam
os seres humanos, mas não pertencem a eles – analogamente a uma corrente elétrica que
produz calor e luz em um fio de tungstênio, mas não pertence a ele. Na infância, estas
energias não tem um objeto específico que as satisfaça. Deste modo, nada indicaria que
as paixões que movem os seres humanos devessem atravessá-los e organiza-los
primariamente na forma social de família nuclear (pai, mãe e filhos): esta seria apenas
uma possibilidade de territorializar socialmente o desejo que é produzido e circula pela
psique dos seres humanos. Deste modo, deve haver uma razão que explique a
predominância desta forma moderna de organização dos seres humanos e daprodução e
circulação sociaissegmentarizadas de suas energias libidinais. Como Deleuze e Guattari
explicam isto?
Seguindo uma linha de pensamento que visava unir as ideias de Freud e Marx2
Deleuze e Guattari explicam que o fluxo livre do desejo presente no bebê é bloqueado
na medida em que a criança se desenvolve. Este bloqueio, contudo, não ocorre hoje
como no passado: por exemplo, nas sociedades absolutistas europeias, havia uma série
de proscrições sobre quais objetos e comportamentos seriam dignos de valor, e era isto
que regulava o desejo (ver HOLLAND, E. (2007)). Ou seja, era possível a um poder
central codificar certos objetos e comportamentos, de modo a regular a produção e
circulação social de desejo. Ora, não é isto que viam Deleuze e Guattari nas sociedades
capitalistas americanas e europeias ocidentais ao fim dos anos 1960. Seguindo Freud,
2 Pode-se dizer que Deleuze e Guattari são herdeiros do Freudo-Marxismo, movimento intelectual surgido
na Alemanha nos anos 1920 e que visava unir a teoria psicológica de Freud à análise da economia política e alienação em Marx. Seus principais representantes foram Wilhelm Reich, Herbert Marcuse e Erich Fromm.
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era necessário que a autoridade repressora fosse internalizada pela criança quando
crescia, gerando, desta forma, o complexo de Édipo. Isto era necessário devido à
especificidade da montagem maquínica capitalista.
Mais precisamente, o que há de especial no capitalismo é que sua instituição
central – o mercado, acompanhado da circulação monetária –produz fluxos
desterritorializados de desejo, mercadorias e pessoas. Estes fluxos
desterritorializadosnão proíbem nem restringem a circulação ou produção deste ou
daquele bem, como nas sociedades absolutistas. Como consequência, a sociedade
capitalista é aquela que, sob o signo abstrato da forma-dinheiro, libera o desejo de uma
repressão externa explícita que antes o impedia de circular livremente. No limite, a
produção de desejo nas sociedades capitalistas não poderia ser codificada, gerando o
que Deleuze e Guattari conceituam como “esquizofrenia”. Em tal situação, a produção e
consumo de mercadorias seria veloz a ponto de desacoplar a própria montagem
maquínica capitalista. Nos termos da figura 1, podemos dizer que é necessário manter a
estabilidade das “peças” que compõem as sociedades capitalistas (no polo direito do
eixo horizontal), embora não tenhamos mais uma autoridade central que possa codificar
e dar sentido a estas “peças” (no polo esquerdo do eixo horizontal).
É para se contrapor ao risco de desmontagem do agenciamento maquínico
capitalista que surge o sujeito edipiano. Através de instituições como a família nuclear,
a escola, a fábrica, o Estado e o mercado, o sujeito internaliza a autoridade bloqueadora
do livre fluxo do desejo. Em outras palavras, estas instituições são exemplos de
instâncias de poder que permitem recodificar os fluxos de desejo, produção e consumo
desterritorializados pelo capital. Isto permite que a montagem capitalista perdure no
tempo, apesar de seu caráter desterritorializante.
Por fim, é deste modo que o desejo humano (que originalmente, como vimos,
não possui um objeto definido), é canalizado para a produção, o consumo e a
manutenção de uma família nuclear. Com a internalização da autoridade pelas
instituições mencionadas acima, não é mais necessária a interdição de um poder central
absoluto: o “sujeito edipiano” impede em si mesmo o livre fluxo do desejo. Atente-se
aqui que o “sujeito edipiano” é fruto de um processo e de uma conjuntura social e
histórica específica – a Europa Ocidental e os EUA a partir do fim do século XVIII.
Deste modo, o estudo da formação deste sujeito é coerente com a ontologia social de
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Deleuze: ele surge dentro de uma montagem maquínica historicamente formada (o
capitalismo) e só pode ganhar sentido dentro de uma determinada montagem coletiva de
enunciação. Nesta montagem coletiva de enunciação a psicanálise cumpre papel central,
pois permitiria a liberação do desejo retido dos sujeitos, ao mesmo tempo em que
visaria adaptá-los à montagem maquínica capitalista. Por fim, devemos lembrar mais
uma vez que os conceitos de “sujeito edipiano” e “sociedade capitalista” não
correspondem a essências ou ideias usadas para compreender ou categorizar
determinados entes do mundo concreto. Antes disso, estes conceitos são também entes
do mundo concreto produzidos historicamente, fazendo parte de uma montagem
coletiva de enunciação específica. Esta última, por sua vez, é igualmente formada
historicamente e é sancionada por certa estrutura de poder.
Em resumo: uma das novidades do trabalho de Deleuze e Guattari em “O Anti-
Édipo” consistiu em mostrar, através de uma teoria das montagens, como subjetividade,
economia e poder político coevoluem no tempo. Seu objetivo era mostrar como os
discursos que dão sentido às montagens maquínicas que compõem a sociedade
capitalista – a economia e a psicanálise – não captam adequadamente o processo em que
poder político, economia e subjetividade se unem para produzir a realidade social. O
estilo de escrita do projeto “Capitalismo e Esquizofrenia” visa igualmente produzir uma
desterritorialização no modo como conceitualizamos a economia, o poder político e a
subjetividade. Esta característica é, ao mesmo tempo, sua dificuldade e sua inovação.
2.4. O Virtual e o Atual
Dado o que vimos na subseção anterior, cabe-nos perguntar: se o desejo não
precisa ser canalizado para o consumo, a produção e a manutenção de uma família
nuclear, como podemos liberar seus fluxos sem desterritorializar as montagens que
compõem nossos corpos físicos e nosso psiquismo? Da mesma forma, como podemos
realizar uma montagem maquínica diferente daquela que caracteriza as sociedades
capitalistas? E como podemos criar sentidos distintos para estes novos desejos e
montagens maquínicas?
Deleuze e Guattari imaginam que há inúmeros modos de fazer fluiro desejo, de
“montar” uma sociedade, de criar sentido. Como pensar nesses modos alternativos de
desejar, produzir, criar sentido? Isto é, como podemos criar, a partir da realidade
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concreta em que nos inserimos, outros modos de fazer circular o desejo, a produção e o
sentido?
Um modo possível para pensar estas alternativas é o materialismo aristotélico:
embora o que exista de fato sejam os entes materiais que povoam o mundo, a
inteligibilidade destes entes materiais depende do conhecimento de sua essência. O
conhecimento da essência é feito descobrindo o que há de comum na multiplicidade dos
entes concretos, podendo assim categorizá-los em gêneros e espécies estáticos que se
encontram em um nível diferente de existência – o nível de inteligibilidade -- que os
entes concretos.
Como vimos, a doutrina da Univocidade do Ser nega que haja um status
ontológico distinto para gêneros e espécies. Para Deleuze, gêneros e espécies não são
estáticos e imutáveis, mas são também parte da substância única – ou seja, como tudo o
mais que existe, eles são também formados historicamente por processos dinâmicos de
diferenciação.
Para dar conta da mulitiplicidade e mudança no tempo dos entes concretos, o
materialismo aristotélico faz uso da ideia de causa final, de um télos. Para explicar as
possibilidades de mudança por que podem passar os entes no mundo, Aristóteles faz uso
de um deus, que, agindo à distância, levaria a mudança aos seres concretos, fazendo
com que eles se aproximassem cada vez mais de sua essência imutável.
Deleuze também tenta se livrar da ideia de que há uma causa final que “puxa” os
entes concretos do mundo rumo à sua essência imutável. Ora, se o Ser Unívoco é
caracterizado pela força do Devir, o que caracteriza sua essência não é o que há de
comum e imutável na diversidade dos entes, mas a própria dinâmica imanente que gera
a diversidade dos entes.
Para manter a coerência da doutrina da Univocidade do Ser, Deleuze precisa
eliminar a ideia de um campo transcendente superior onde estariam as essências dos
entes concretos do mundo. Para isto, Deleuze cria a ideia do plano de imanência.3
3 O plano de imanência ganha vários nomes na obra de Deleuze (e Guattari): quando falam do desejo, ele
é chamado de “Corpo sem Órgãos (CsO)”; no campo da filosofia, é o plano de consistência; na ciência, é chamado de plano de referência; e, finalmente, em se tratando de arte, é o plano de composição. Ver HOLLAND, D. (2005: 60). DeLanda, entretanto, define o plano de referência como aquele composto de entes concretos (2009: 104) ao qual a ciência pode referir. Badiou (1999: 46) aponta que a ciência tem a
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Assim como o campo transcendental (onde podemos encontrar ideias platônicas,
essências aristotélicas, o Deus cristão, o cogito cartesiano, o sujeito transcendental
kantiano etc.) este plano não é empírico. Contudo esta é a única semelhança entre os
dois: a diferença do plano de imanência para o campo transcendental é que o primeiro
não é composto de nenhuma espécie de essência imutável, mas da totalidade variável
de processos dinâmicos que compõem a realidade concreta em que estão os entes
empíricos. Este plano é dito virtual, pois ele carrega em seu bojo o conjunto de
processos de mudança por que podem passar os entes concretos. É importante ressaltar
que este conjunto de processos, embora limitado, não é imutável – se o fosse,
estaríamos lidando apenas com uma versão distinta de um campo transcendental, e este
não é o objetivo de Deleuze.
Ou seja, embora o plano de imanência não nos seja dado empiricamente, ele é –
como seu próprio nome diz --imanente ao mundo concreto. Mas como? Ora, isto é
possível porque os próprios entes concretos são processos dinâmicos de atualização e
de virtualização. Tomemos, por exemplo, um corpo físico humano adulto: pelas marcas
deixadas pelo tempo em seus órgãos é possível compreender os processospassados que
o levaram a assumir, desde sua infância, sua formaatual. Por outro lado, a partir de sua
forma atual, este corpo pode atravessar, no futuro, inúmeros processos de virtualização:
ele pode perder massa até se decompor, ou ganhar massa a ponto de seus órgãos não
mais funcionarem; pode sofrer intervenções cirúrgicas que o modifiquem, ou pode
simplesmente envelhecer e falecer. Logo, os entes concretos são atualizações de
processos dinâmicos específicos entre os inúmeros processos dinâmicos que perfazem o
plano de imanência, assim como x = 1 e y = 2 é uma solução concreta para a equação
indeterminada x + y = 3. Não há, portanto, diferença ontológica entre o plano de
imanência e os entes concretos, e isto é coerente com a doutrina da Univocidade do Ser.
Deste modo, compreende-se porque a ontologia de Deleuze e Guattari é dita
neomaterialista: ao enfatizar a diferença, a multiplicidade e os processos de mudança
que afetam os entes concretos, esta ontologia evita fazer referência a um plano de
inteligibilidade ontologicamente superior ao dos entes concretos. Ao mesmo tempo, ela
funciona como uma crítica aos pressupostos básicos da metafísica ocidental, pois deixa
missão de ordenar os entes segundo funções, o que é compatível com a própria definição que Deleuze dá de ciência em “O Que é a Filosofia?” (1991).
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de valorizar a busca de uma identidade estática para a multiplicidade dos entes
concretos – “o Um nos Muitos, e os Muitos no Um”, como diria o economista inglês
Alfred Marshall. Não há necessidade de ideias ou categorias imutáveis e transcendentais
para compreender os entes concretos. Em vez disso, a ontologia neomaterialista de
Deleuze busca compreender a identidade como fruto da dinâmica imanente das
diferenças que caracterizam a multiplicidade dos entes concretos.
3. A Economia Evolucionária Retratada por Beinhocker (2006)
Com a discussão acima, chegamos ao ponto central deste artigo: seria possível
afirmar que a ontologia neomaterialista de Deleuze serve de fundamento para a
economia evolucionária que hoje se propõe a substituir os modelos de equilíbrio geral?
Os modelos de equilíbrio geral pressupõem uma ontologia bastante diferente da
de Deleuze e Guattari: a economia ideal descrita pelo modelo de Arrow-Debreu parece
se adequar ao mundo das ideias platônico, enquanto os mercados concretos seriam
apenas cópias imperfeitas daquele ideal. Ao mesmo tempo, apenas choques exógenos
estocásticos podem alterar a trajetória de equilíbrio das variáveis que compõem o
modelo. Ou seja, a economia do modelo de equilíbrio geral de Arrow-Debreu se
comporta como um sistema fechado de equilíbrio, ainda que dinâmico.
Em que a economia evolucionária difere desta visão? Primeiramente, segundo
Beinhocker, a economia é um sistema adaptativo complexo, e não um sistema fechado
de equilíbrio (2006: 18). Sistemas adaptativos complexos são caracterizados pela
presença de agentes heterogêneos que processam informação e interagem entre si
gerando um padrão emergente macro distinto do comportamento individual. Em
particular, o sistema econômico é compreendido como um sistema aberto cuja dinâmica
é dada internamente (e não através de choques exógenos, como no modelo de equilíbrio
geral). A “fórmula” interna que guia esta dinâmica é dada pelo algoritmo da evolução:
Primeiro, temos a diferenciação dos entes que compõem o sistema; em seguida, seleção
dos mais aptos para dado ambiente; e, por fim, reprodução destes últimos.
15
A discussão sobre a aplicabilidade ou não de um “darwinismo generalizado” às
ciências sociais não nos concerne neste artigo.4 Todavia, dada que a ontologia social de
Deleuze e Guattari é materialista, cabe perguntar em que medida o algoritmo da
evolução se aplica aos entes concretos. Primeiramente, contudo, vamos verificar como
Beinhocker compreende a ideia de evolução e sua aplicação à economia. Faremos esta
verificação de modo a poder, na seção 4, comparar com o que dizem Deleuze e Guattari.
Assim, primeiramente definiremos o algoritmo da evolução para depois aplica-lo à
economia. Em seguida verificaremos como o modelo analisa o agente econômico e
como vê o papel do Estado. Apenas depois dessa compreensão poderemos fazer a
comparação com a ontologia social de Deleuze e Guattari apresentada na seção anterior.
3.1 Os Passos Básicos da Evolução segundo Beinhocker
Logo no começo de seu livro, Beinhocker (2006:12) observa que não se deve
usar a ideia de evolução como se fosse uma “metáfora” aplicada da biologia à
economia. O que ocorre é que “sistemas biológicos e econômicos são subclasses de uma
classe mais geral e universal de sistemas evolucionários”. Logo, haveria leis gerais dos
sistemas evolucionários (o que nos levaria a leis gerais da economia e da biologia), mas
as leis da biologia não necessariamente se aplicariam à economia. Desta forma,
Beinhocker poderia elaborar argumentos para rebater críticas como as de Lawson.
E quais seriam as características dos sistemas evolucionários gerais?
Descrevamos as condições necessárias para que tenhamos sistemas evolucionários
complexos (como, por exemplo, a economia do Brasil, o bioma do cerrado brasileiro, o
sistema imunológico humano): primeiro, podemos imaginar que temos um espaço
abstrato onde todos os planos (designs) possíveis para um dado sistema evolucionário
complexo estão presentes. Podemos chamá-lo de espaço de planos (design space).
Todos os planos que fazem parte deste espaço podem ser codificados em um
sistema que armazena os esquemas para realização dos diversos planos do espaço de
planos. Também deve haver um leitor de esquemas que possa decodificar a informação
dos esquemas nos entes concretos de determinado sistema evolucionário complexo.
4 O artigo de Vromen (2008) esclarece o debate entre a hipótese ontológica de Hodgson e Knudsen e a
hipóteses de continuidade de Ulrich Witt.
16
Esta decodificação permite que se montem “interadores” (interactors). Os
interactors possuem a capacidade de se reproduzir no ambiente através de um
mecanismo de replicação. Desta forma, os interactors são então colocados em um
ambiente que impõe restrições a eles. As restrições do ambiente formam a função de
aptidão (fitness function) que os interactors devem enfrentar para se
reproduzir.Devemos também observar que os esquemas sofrem variação no tempo, de
modo que as informações contidas em um esquema podem se misturar às de outro.
Dadas estas condições, temos que a decodificação de um esquema produz uma
população de interactors que, então, sofre a pressão das restrições do ambiente. A partir
desta seleção, os interactors que possuem os replicadores com maior aptidão
reproduzem-se com mais facilidade na população. Deste modo, os interactors que
possuem tais replicadores acabam ganhando espaço frente a outros interactors e
realimentando o ciclo dinâmico do sistema.
3.2 A Aplicação da Evolução à Economia, segundo Beinhocker
O modelo apresentado acima é o modelo geral de evolução. Contudo, se é
verdade que a economia é uma subclasse deste modelo geral, devemos ter
correspondências entre os pontos delineados acima e a economia. Beinhocker faz este
trabalho de correspondências nos capítulos 10, 11 e 12 do livro:
Evolução em Geral Evolução na Economia
Espaço de planos (“Biblioteca de
Borges”)
Espaço de planos de negócios (“Biblioteca
de Smith” – seção da “Biblioteca de
Borges)
Esquemas Informações codificadas sobre os planos
de negóciosda “Biblioteca de Smith”
“Esquematas” Estudos, textos, discussões, ideias
memorandos etc. onde constam os planos
de negócios – dependem do contexto de
implementação
Leitores dos Planos Equipes Administrativas das Empresas
Interactors Negócios (não necessariamente firmas)
Replicadores Módulos, definidos como possíveis
17
tecnologias sociais e físicas capazes de
gerar diferenciação nos negócios
Composição dosinteractors Tecnologias Físicas + Tecnologias Sociais
unidos pelo compromisso com uma
estratégia determinada
Ambiente onde ocorre a diferenciação,
seleção e ampliação dos interactors
Mercado
Tabela 1: Analogias entre o algoritmo geral de evolução e a economia.
Como podemos aplicar este modelo à economia concreta? Podemos
compreender a economia concreta como populações de indivíduos e de negócios
heterogêneos que interagem entre si. “Negócios” são definidos por Beinhocker como
“uma pessoa ou grupo organizado de pessoas que transformam matéria, energia e
informação com o objetivo de lucro” (2006: 280). Os negócios possuem equipes
administrativas que atualizam negócios abstratos do espaço do plano de negócios
(chamados de “Biblioteca de Smith” por Beinhocker), os decodificam e implementam.
Observe-se, no entanto, que uma firma pode possuir vários negócios (como ocorre, por
exemplo, com uma firma que possui vários produtos) e, por isso, um negócio não
necessariamente é idêntico a uma firma.
Os negócios, além disso, são compostos de tecnologias físicas (“métodos e
planos para transformar matéria e energia de um estado a outro com um objetivo”) e de
tecnologias sociais (“métodos e planos para organizar pessoas com um objetivo”). Uma
vez escolhida certa tecnologia social e certa tecnologia física, o negócio adota uma
estratégia que vai unir estas duas tecnologias. Com esta estratégia, o negócio tenta
enfrentar o processo de seleção imposto pelo mercado, tentando comandar cada vez
mais recursos frente a outros negócios – o que caracterizaria, no campo da economia, o
processo de amplificação do negócio (processo análogo à reprodução biológica).
Um problema na definição de Beinhocker é com os replicadores no mundo
econômico. Enquanto na biologia os replicadores são identificados aos genes, não há
consenso sobre qual seria sua definição na economia (VROMEN, 2008). Deste modo,
Beinhocker cria o conceito de módulo. Entretanto, seu conceito também não é preciso:
ele módulo ora como “um componente do plano de negócios que pode prover uma base
18
para diferenciação para os negócios”, ora como as tecnologias sociais e físicas que
podem comandam mais recursos com o passar do tempo.
Por fim, a adoção de uma estratégia envolve uma decisão irreversível que terá
impactos no desempenho futuro do negócio. Dependendo do desempenho da firma no
tempo, as expectativas e crenças dos agentespodem mudar. Como os agentes são
“peças” básicas da tecnologia social do negócio, esta mudança pode afetar seu
desempenho. Deste modo, cabe entender como podemos modelar os agentes e como
isto impacta no desempenho das firmas em geral.
3.3. Os Agentes Econômicos sob Uma Perspectiva Evolucionária
A Economia Evolucionária não faz uso dos pressupostos de informação e
racionalidade perfeitas, como na Economia Tradicional. No capítulo 6 de seu livro,
Beinhocker aponta que na economia evolucionária as decisões são tomadas
indutivamente por regras práticas (“rules of thumb”). Além disso, os agentes cometem
erros sistemáticos e possuem vieses, mudando e adaptando seu comportamento com o
tempo. Beinhocker faz uso da psicologia evolucionária para tentar entender como os
agentes agem.
Outra característica que diz respeito aos agentes é com relação à sua psicologia.
Fazendo uso dos achados da economia experimental, Beinhocker observa, no capítulo
15, que seres humanos são caracterizados por reciprocidade forte. Isto significa que
humanos possuiriam uma predisposição inata para cooperar com outros humanos e de
punir aqueles que violam regras de cooperação (mesmo que isto acarrete custo pessoal).
Ou seja, a hipótese de que os agentes cooperariam sempre em virtude de seu próprio
auto-interesse não vale sempre.
No capítulo 14 do livro, Beinhocker trata das preferências dos agentes,
compreendendo-as como sendo também formadas por um processo evolucionário
universal. É este processo que seria responsável pelo gosto que humanos, no mundo
inteiro, teriam por gorduras e açúcares, por exemplo, e pela sua predisposição em
cooperar. A razão para a suposta universalidade destas preferências está na
probabilidade maior de seus detentores vencerem o processo evolucionário de seleção –
afinal, gorduras e açúcares são alimentos que possuem maior poder calórico, ao passo
que a cooperação promove o crescimento do excedente, como mostrou Adam Smith.
19
As características propostas por Beinhocker mudam, portanto, a maneira de
modelar o agente econômico da Economia Tradicional. Na verdade, pode-se afirmar, de
acordo com a argumentação de Mirowski (2002), que os agentes da economia
evolucionária são como processadores de informações. Dado um conjunto total de
informações sobre planos de negócios, o processo evolucionário opera e seleciona
apenas as informações úteis – que Beinhocker denomina conhecimento. Este
conhecimento é o substrato das crenças que os agentes formam e, a partir das quais, eles
agirão de acordo com suas preferências. É deste modo que equipes administrativas das
empresas escolhem, montam e implementam planos de negócios da “Biblioteca de
Smith”.
Nada assegura, todavia, que o processo de seleção das informações do meio
pelos agentes seja perfeito: como se mencionou, há erros e vieses no processo de
tomada de decisão dos agentes. Beinhocker sugere, então, no capítulo 16, que as firmas
internalizem o processo de evolução que ocorre no mercado, formando uma arquitetura
social que minimize tais erros e vieses. São três os modos de realizar esta
internalização: 1. uso de hierarquia para diminuir o processo de tomada de decisões; 2.
montagem de planos de negócios flexíveis que permitam a realocação de recursos
dentro da organização; e 3. Fomento de uma cultura que adote normas de desempenho,
cooperação e inovação. Desta forma, a coevolução entre o montante de recursos
controlado pelo negócio, as preferências dos agentes e sua estratégia garantirão uma
maior probabilidade de amplificação do negócio.
3.4 O Papel do Estado na Economia Evolucionária de Beinhocker
Dadas todas as diferenças entre a Economia Tradicional e a Economia
Evolucionária, cabe-nos perguntar ainda qual é o papel do Estado neste novo modelo.
Este papel é analisado no capítulo 18 do livro de Beinhocker. Neste capítulo, o autor
critica tanto as concepções de esquerda e direita quanto ao papel do Estado. Da
perspectiva evolucionária, a diferença entre uma economia capitalista e socialista diz
respeito ao último árbitro da aptidão econômica: capitalistas apostariam no mercado
como último árbitro, enquanto socialistas apostariam no poder central do Estado.
Ambas as perspectivas são errôneas, segundo Beinhocker: a esquerda não levaria
em conta o “problema de coordenação da informação” apontado por Hayek. Ou seja, o
Estado não teria como coordenar, processar e julgar a aptidão (fitness) de toda a
20
informação usada e espalhada pelo tecido social. Por seu turno, a direita não admite que
os mercados podem ser ineficientes – embora a Economia Evolucionária tenha
mostrado os mercados operam com agentes imperfeitos, em condições imperfeitas e
sempre fora do equilíbrio. Além do mais, a direita não levaria em conta que seres
humanos são caracterizados por reciprocidade forte e que, portanto, deveria haver um
equilíbrio entre a competição e cooperação entre os agentes nos mercados. Para cumprir
estes papeis, a presença do Estado seria necessária na economia.
A postura de Beinhocker é de que o Estado não deveria intervir diretamente no
processo de diferenciação, seleção e amplificação das empresas no mercado. Ou seja, o
mercado competitivo continua sendo o melhor mecanismo para gerar inovações que
aumentem a riqueza das nações.
Entretanto, o Estado teria o papel central de modelador do ambiente de mercado
(environment fitness shaper). Ou seja, caberia ao Estado criar um conjunto de
instituições que permita aos mercados operarem, provendo incentivos para a inovação
nos planos de negócios. Além disso, o Estado deve garantir um equilíbrio entre
competição e cooperação entre os agentes econômicos, garantindo igualdade de
oportunidades a todos e protegendo aqueles que não conseguem se sustentar neste
sistema. Não faria, portanto, sentido em separar, de um lado, Estado, do outro mercado
e, por fim, agentes com suas preferências: o importante seria compreender como as
ações dos três se mesclam nas economias concretas.
4. A Compatibilidade entre a ontologia social de Deleuze e Guattari e a
Economia Evolucionária definida por Beinhocker
Tendo apresentado a ontologia social de Deleuze e Guattari na seção 2 e a
Economia Evolucionária de Beinhocker na seção 3, cabe-nos agora verificar sua
compatibilidade, segundo o objetivo central deste artigo. Dado que a ontologia de
Deleuze e Guattari é materialista, esta compatibilidade poderia fornecer credenciais
materialistas à economia evolucionária.
4.1 Pontos Compatíveis: A analogia entre a “Biblioteca de Borges” e o Plano de
Imanência
O primeiro ponto compatível entre a economia evolucionária e a ontologia de
Deleuze e Guattari diz respeito à analogia entre a “Biblioteca de Borges” e o plano de
21
imanência. Da mesma forma que o plano de imanência, a “Biblioteca de Borges” traz
em si possibilidades limitadas e mutáveis de planos (de negócios ou outro qualquer) que
podem ser codificados e depois transformados em entes concretos. Não se trata,
portanto, de algo como um reino das ideias platônico ou essências aristotélicas. Trata-se
de um plano abstrato mas imanente, que fornece um espaço de possíveis atualizações
para os entes concretos.
4.2 A ênfase no caráter processual e mutável da realidade econômica
No projeto “Capitalismo e Esquizofrenia”, Deleuze e Guattari analisam não
apenas a economia como mesclada à política e à subjetividade como fazem (em “O
Anti-Édipo”) uma “história universal” de como os três coevoluem. Desta forma, é
provável que Deleuze e Guattari aprovassem o caráter processual e mutável com que a
economia evolucionária compreende a economia. Particularmente, a ideia de que o
próprio sistema econômico gera diferenciações internas a partir de sua própria dinâmica
é coerente com a ideia de Devir do Ser Unívoco. A coevolução de Estado, mercado e
das preferências dos agentes pode ser também entendida como compatível com a
abordagem de Deleuze e Guattari.
4.3 Pontos Incompatíveis: A esfera do sentido versus a esfera da informação
Um ponto de incompatibilidade entre a abordagem de Deleuze e Guattari e a
economia evolucionária tal como definida por Beinhocker parece estar na diferença
entre o conceito de informação e de sentido. Enquanto o primeiro parece estar
desvinculado do poder político e ter conexão apenas instrumental com outras práticas
sociais, o segundo é abertamente político e tem uma ligação ontológica com outras
práticas sociais. Em outros termos, a informação, segundo Beinhocker,parece ser apenas
um instrumento que possibilita a aplicação do algoritmo da evolução na economia,
gerando conhecimento, crenças e ideias usadas pelos agentes.
Por outro lado, o sentido em Deleuze e Guattari é desde o início vinculado a
certa estrutura de poder. O sentido, além do mais, é parte da realidade humana tanto
quanto os entes materiais (lembremos que as montagens maquínicas e as montagens
coletivas de enunciação se encontram sobre o mesmo eixo horizontal na figura 1). Ou
seja, o sentido não se resume aum instrumento que agentes usam visando amplificar
negócios ou replicar seu genoma: ele é uma esfera da realidade humana que, embora
22
dependente de um substrato material, possui um caráter próprio não redutível a esta
esfera nem ao algoritmo da evolução.
4.4 A subjetividade do agente: desejos, crenças, preferências
Beinhocker menciona Freud apenas incidentalmente quando discorre sobre as
preferências dos indivíduos (2006: 309), descartando uma possível contribuição do
criador da psicanálise à economia evolucionária. Em comparação, hipóteses sobre o
psiquismo sendo constituído por desejos inconscientes de natureza sexual e sua
repressão por internalização de autoridade são centrais em “O Anti-Édipo”. Este ponto
representa uma das maiores incompatibilidades entre a ontologia social de Deleuze e
Guattari e as ideias de Beinhocker. Enquanto as preferências são dadas universalmente
pela evolução, o desejo é inconsciente e não obedece ao mecanismo da evolução (o
desejo humano não se vincula necessariamente à reprodução).
De um ponto de vista evolucionário/informacional, as crenças que um indivíduo
constrói podem ser erradas ou viesadas, ou seja, podem não contribuir para fazer rodar o
algoritmo da evolução. Contudo, isto pode não ocorrer do ponto de vista do sentido:
certas crenças podem ser compatíveis com uma estrutura de poder e uma montagem
maquínica, sem necessariamente serem “erradas” ou “viesadas”.
Por fim, enquanto a subjetividade em Deleuze e Guattari possui um caráter
processual e histórico (o “sujeito edipiano” é formado especificamente dentro do
capitalismo), para Beinhocker o sujeito parece se constituir a partir de uma função de
utilidade universal e da capacidade de processar informações. Como esta capacidade
não é perfeita, Beinhocker sugere, como vimos, que as firmas internalizem o algoritmo
da evolução, criando uma hierarquia e uma cultura empresarial, de forma a formar uma
“sociedade de mentes”.
4.5 Seleção e Amplificação na Economia?
Embora Deleuze e Guattari provavelmente aprovassem a ideia de estudar
economia como um sistema que se autotransforma, não há razões claras para que eles
cressem que há mecanismos de seleção e amplificação atuando de forma imanente e
integral na economia. Por exemplo, há inúmeras comunidades tradicionais em todo
mundo que não promoveram a ampliação de seus “negócios” nos últimos séculos. Por
23
outro lado, os seres humanos podem criar um meio que seja hostil ao aumento da
aptidão da sua própria espécie (gerando problemas como a poluição ou a obesidade).
Para explicar estes fatos, Deleuze e Guattari poderiam argumentar que há
montagens maquínicas específicas que, uma vez territorializadas, não permitem a
acumulação de excedente (como nas comunidades tradicionais). Por outro lado, como
seu conceito de “esquizofrenia” deixou claro, é uma tendência do modo de produção
capitalista a desterritorialização constante do desejo, das pessoas e objetos. Como foi
visto, esta tendência desterritorializante tende a desestabilizar a própria montagem
maquínica capitalista.
Desta forma, Deleuze e Guattari não apelam para leis gerais da evolução, nem
leis gerais da economia ou da biologia. O trabalho da ciência, na sua visão, é investigar
padrões imanentes de transformação: em que ponto específico da história de certo
grupo humano começa a haver acumulação de excedente? Qual é o nível de poluição em
uma determinada área e clima a partir do qual pode haver comprometimento da
capacidade respiratória humana? E qual o nível de ingestão calórica diária associada a
qual estilo de vida leva à probabilidade de obesidade?
Desta forma, o último ponto de discordância da ontologia deleuzo-guattariana
com relação à economia evolucionária diz respeito ao caráter geral das leis da evolução.
Certamente há fenômenos econômicos que obedecem aos princípios de seleção,
diferenciação e ampliação. Estes fenômenos, contudo, devem ser estudados sempre de
forma imanente, sem fazer apelo a leis gerais que podem ter caráter transcendental.
5. Considerações Finais
O que podemos afirmar, por fim, sobre a possibilidade de a ontologia
neomaterialista de Deleuze e Guattari servir de base para a economia evolucionária
delineada por Beinhocker?
Pelo que vimos na seção 4, ela poderia servir de base, sim. No entanto, ela pode
servir de base apenas na medida em que a economia evolucionária substitua a idéia de
que há leis gerais da evolução operando integralmente na economia pela idéia de
rastrear padrões imanentes de seleção, diferenciação e amplificação específicos entre os
entes concretos da economia. Estes padrões devem existir, e deve-se compreender os
processos históricos que os levam a operar em certos entes econômicos e não em outros.
24
Neste sentido, a vertente de economia evolucionária defendida por Witt (2004) pode ser
de grande valia, pois admite que a evolução cultural não obedece aos princípios da
evolução biológica.
Deste modo, controvérsias na economia evolucionária (como achar a unidade de
replicação na economia) poderiam ser recolocadas de outra forma: quais seriam as
montagens materiais historicamente determinadas que, em conjunto com outras
montagens maiores, são capazes de serem codificadas e durar no tempo? Este seria um
modo de colocar o problema da amplificação de negócios no tempo sem apelar para leis
gerais da evolução.
Por fim, sendo uma ontologia materialista, Deleuze e Guattari provavelmente
insistiriam na investigação empírica dos limites em que os fenômenos econômicos
podem ser explicados pelo algoritmo da evolução. Consoante sua teoria das montagens,
os autores entenderiam que a própria ideia de “evolução” visa dar sentido a uma série de
fenômenos materiais concretos. Como bons materialistas, Deleuze e Guattari
provavelmente apoiariam a economia evolucionária na medida em que ela fosse capaz
de identificar os padrões imanentes de transformação que ocorrem nas relações
econômicas. Ou seja, que ela fosse capaz de identificar como mudam no tempo os
padrões de relação entre os seres humanos e o meio em que vivem quando produzem,
distribuem e consomem objetos que surgem a partir destes padrões de relação.
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ZOURABICHVILI, F. O Vocabulário de Deleuze. 2ª Edição. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 2009.
27
RESUMO:
O artigo tem como objetivo verificar a compatibilidade entre a ontologia social
delineada por Deleuze e Guattari no projeto “Capitalistmo e Esquizofrenia” (1972,
1980) e a economia evolucionária tal como definida por Beinhocker (2006). Verifica-se
que há dois pontos de compatibilidade entre os dois: 1. a noção de plano de imanência
vis-à-vis a “Biblioteca de Borges”; e 2. a visão da economia como sistema que se
autotransforma. Por outro lado, há três pontos de divergência: 1. com relação à
subjetividade do agente; 2. à noção de informação evolucionária vis-à-vis a noção de
sentido de Deleuze e Guattari; e 3. à ênfase nas leis gerais evolucionárias vis-à-vis o
rastreamento de padrões imanentes de transformação.
PALAVRAS-CHAVE: Deleuze e Guattari; economia evolucionária, ontologia social,
Eric Beinhocker.