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A Pedagogia Espírita e a construção dos valores do educando: relato de experiência com crianças do bairro Álvaro Weyne – Fortaleza-Ce

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O presente trabalho resulta, de nossas angustias enquanto educadores em meio ao quadro desolador em que se encontra a educação em nossos dias: obedecendo às lógicas perversas da assimilação irracional e/ou do vazio ético onde a sociedade mergulha nas últimas décadas. Embasados nos pressupostos da Pedagogia Espírita apresentamos duas de nossas experiências com o grupo de crianças e adolescentes onde desenvolvemos nosso trabalho no Grupo Espírita Renascendo com Jesus (GERJ) – situado no Bairro Álvaro Weyne, em Fortaleza-CE. Busca-se, dessa forma, mostrar que é possível conceber novos contornos para o processo de ensino/aprendizagem, no qual educador e educando, escola e comunidade tenham suas posições (re)produzidas infinitamente.

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Page 1: A Pedagogia Espírita e a construção dos valores do educando: relato de experiência com crianças do bairro Álvaro Weyne – Fortaleza-Ce

A PEDAGOGIA ESPÍRITA E A CONSTRUÇÃO DOS VALORES DO EDUCANDO: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM CRIANÇAS DO BAIRRO

ÁLVARO WEYNE – FORTALEZA-CE

Francisco Jahannes dos Santos Rodrigues1

Edson Oliveira de Paula2

Resumo

O presente trabalho resulta, de nossas angustias enquanto educadores em meio ao

quadro desolador em que se encontra a educação em nossos dias: obedecendo às

lógicas perversas da assimilação irracional e/ou do vazio ético onde a sociedade

mergulha nas últimas décadas. Embasados nos pressupostos da Pedagogia Espírita

apresentamos duas de nossas experiências com o grupo de crianças e adolescentes

onde desenvolvemos nosso trabalho no Grupo Espírita Renascendo com Jesus (GERJ)

– situado no Bairro Álvaro Weyne, em Fortaleza-CE. Busca-se, dessa forma, mostrar

que é possível conceber novos contornos para o processo de ensino/aprendizagem, no

qual educador e educando, escola e comunidade tenham suas posições (re)produzidas

infinitamente.

Palavras-chaves: Pedagogia Espírita, Crise Educacional, Escola, Educação Integral.

Introdução

No turbilhão de acontecimentos em que a sociedade mergulha, principalmente

nas três últimas décadas, materializado sob a forma de ajustes sociais e reestruturações

de toda sorte, assiste-se ao aprofundamento da crise educacional, que se funda sobre os

aspectos (i)pedagógico e (ii)valorativo.

No que concerne ao primeiro aspecto pode se apontar como um dos principais

vetores do insucesso da prática docente o distanciamento do contexto sócio-espacial que

deixa amplas lacunas tanto no campo teórico-metodológico, quanto na dimensão do

cotidiano do educando (CAVALCANTI, 2004). Nas perspectivas clássicas das ciências

1 Graduando do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará – UFC e integrante do Instituto de Pedagogia Espírita do Ceará – IPE-CE. E-mail: [email protected]

2 Graduando do curso de Geografia da Universidade Federal do Ceará – UFC e integrante do Instituto de Pedagogia Espírita do Ceará – IPE-CE. E-mail: [email protected]

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sociais é possível encontrar diversos teóricos como Durkheim (1973) que concebe a

educação como um fato social, ou seja, impõe-se coercivamente. Sob a mesma óptica,

Parsons (1965), aponta que a educação é o mecanismo basilar de manutenção da

sociedade.

No plano das modificações teórico-metodológicas, acompanha-se a algumas

tentativas exemplares que vêem na dialética o fundamento da realidade e, portanto, do

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, compreendido em sua dimensão

complexa. Nessa perspectiva, Colom (2004) aponta que o referido processo ocorre de

modo caótico, ou seja, que a realidade e, por extensão, a educação não se explica pela

simples mediação dos dispositivos da lógica formal, de causa e efeito, mas a partir da

sucessão contínua entre ordem e desordem, simplicidade e complexidade, seguindo uma

escalada evolutiva não-linear.

Parece-nos interessante a forma como se processa tal movimento, posto que

grande parte das teorias clássicas resvala, quase sempre, sobre máximas deterministas, a

estabelecer preconceitos de toda sorte. No entanto, adentrar sobre o campo do dito “pós-

modernismo” não traz solução aos conflitos educacionais, pelo contrário desconstrói

valores como a cooperação e a solidariedade reforçando o segundo aspecto supracitado,

uma vez que a ordem, as certezas e os valores perdem o seu sentido.

Dessa forma, percebe-se atualmente que a escola é “requalificada” pelas

transformações tecnológicas, exigindo mais e mais mão-de-obra qualificada, nos

diversos setores econômicos no menor tempo possível. Assim a formação dos

educandos se vê submetida às “necessidades” do império consumista. Nesse sentido a

formação cultural se torna uma espécie de “semiformação”, com o objetivo de oferecer

informações para a obtenção de índices de aprovação em concursos e vestibulares. Sob

essa (i)racionalidade, a educação perde o seu significado, transformando-se em

mercadoria negociada pelas escolas através de exorbitantes mensalidades, excluindo a

maioria da sociedade. (NERY, 2005)

A escola não pode reduzir-se a um adestramento para a conversão do aluno em mercadoria. O desenvolvimento humano não é sinônimo de mercado nem de crescimento econômico. [...] Desenvolvimento implica eqüidade como resultado do exercício dos direitos sociais — e a promoção da eqüidade é uma tarefa pública, por excelência. Não é possível promover a equidade sem a democracia [...]. Por isso, como dizia Paulo Freire, “estudar não é um ato de consumir idéias”. A democracia exige cidadãos capazes de criá-las e recriá-las. (FALCÂO, 2008)

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Imbuídos dessas premissas lançamos mão de apresentar a Pedagogia Espírita

como proposta ao desenvolvimento integral do indivíduo. Cabe antes de tudo

demonstrar em que se baseia o trabalho em mãos. Partimos de uma revisão bibliográfica

acerca do quadro hegemônico da educação hoje e do horizonte vislumbrado pela

Pedagogia Espírita; bem como a observação de um grupo de crianças residentes no

bairro Álvaro Weyne (Fortaleza-CE).

A Pedagogia Espírita como uma resposta a (des)ordem educacional vigente: por

uma Educação Integral!

A Pedagogia Espírita é apresentada como uma nova proposta que alia teoria e

prática, buscando a construção contínua de uma educação integral relevada pela

interexistencialidade do Ser3.

Pauta-se, então, no fato de que o ensino não seja meramente instrutivo, mas

contemple a necessidade de uma atuação mais ativa e critica no processo de

(auto)educação do educando. A implantação de pesquisas, produções artísticas,

estimulação das potencialidades do educando, tendo como alicerce a concepção

“pansófica” de Comenius, a abolição dos métodos tradicionais de avaliação (notas,

provas e recuperações) deve dar abertura a auto-avaliação e avaliações contínuas,

desenvolvidas através de trabalhos individuais e em grupo estimulando a formação

plena e não a aquisição de conhecimentos memoristicos (INCONTRI, 2006).

Nessa perspectiva, a Educação deve ser baseada na tríade: liberdade, ação e

amor. A formação estética, moral e intelectual do educando se dá através de um

processo autônomo. Outras pessoas poderão ajudá-lo, orientá-lo, influenciá-lo, mas é

ele (educando) que irá pesquisar, debater, observar, vivenciar, criar, cooperar e amar.

Assim, educar é antes se auto-educar. Além disso, é de extrema importância pautar a

relação educando-educador sob o âmbito da afetividade. Educadores como Pestalozzi,

Korczak e Neill, dão exemplos de afetividade na educação, pois vivenciaram o que se

define como amor pedagógico. Esse amor respeita a liberdade e a individualidade do

educando chegando a influenciar o seu crescimento (INCONTRI, 2004; 2006).

Vivência pedagógica no Grupo Espírita Renascendo com Jesus

3 Entende-se por Ser interexistente aquele que existe além das dimensões físicas.

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Expomos aqui o que nos motivou a realizar o artigo em mãos, ou seja, alguns

resultados preliminares decorrentes do ensejo de utilização da Pedagogia Espírita em

um grupo com cerca de 50 crianças e jovens, situados na faixa etária de 4 a 14 anos no

Grupo Espírita Renascendo com Jesus (GERJ), situado no Álvaro Weyne, típico bairro

periférico de Fortaleza, que sofre com a ação da violência e do tráfico de drogas. Vale

ressaltar que as raízes desse trabalho educativo já existiam, mas sob uma ótica

“evangelizadora”, ou seja, grande parte dos conhecimentos se dava ao nível dos

pressupostos basilares da Doutrina Espírita, numa espécie de catecismo espírita. As

mudanças no caráter do ensino estão acontecendo processualmente nesse último ano,

resultando de nosso maior envolvimento com as teorias e práticas educacionais quando

da entrada de alguns integrantes do grupo nas Universidades Federal e Estadual do

Ceará, nos cursos de Pedagogia e Geografia. Tal fato nos possibilitou ainda o

conhecimento e o diálogo com o instituto de Pedagogia Espírita do Ceará (IPE-CE),

formado por pessoas que compartilham de ideais semelhantes aos nossos, de construir

um mundo melhor a partir da elaboração de uma consciência autônoma, mediada por

um processo infindo de constituição do saber.

Nesse sentido Pedagogia Espírita não se pretende enquanto catecismo espírita,

mas visa estabelecer um diálogo inter-religioso. O que parece como uma necessidade

real, uma vez que, em termos quantitativos, cerca de 90% dos educandos atendidos por

nosso não são espíritas. São católicos, evangélicos e pessoas sem religião definida.

Do ponto de vista metodológico, as aulas consistem no debate sobre as temáticas

próprias da comunidade em que se inserem, tendo como pano de fundo as relações

sociais desenvolvidas nesse contexto e as respectivas formas de produção cultural.

Figuram com maior relevância, a partir dessa mudança conceitual duas

experiências. A primeira delas resultou na campanha de preservação do Meio ambiente,

onde fomos às ruas do bairro e coletamos seletivamente materiais como aço, vidro,

papel, plástico, etc.

Caminhando pelas ruas, alternavam-se entre a coleta e o trabalho de

conscientização junto à comunidade. Dessa forma, a escola tem suas funções

reinventadas, passando de “reprodutora” da sociedade em sentido restrito para assumir

uma conotação ampla do termo. Nesse sentido, reproduzir não significa apenas copiar

os padrões vigentes, mas produzir novos elementos de maneira contínua.

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Ao fim, as turmas do 3° Ciclo (crianças entre 10 e 12) e a Juventude (crianças

que variam entre 12 anos até os 14) reuniram o material que posteriormente foi doado

para pessoas do bairro, que trabalham em oficinas de reciclagem, representando uma

significativa inclusão da comunidade na instituição escolar e vice-versa.

A segunda experiência é fruto de um estudo do capítulo 7 da terceira parte do

Livro dos Espíritos4 que trata da Lei de Sociedade. Nesse estudo abordamos temas

como o papel do homem na sociedade, vida social, família, cidadania, ética, justiça,

amor e caridade. Para o desenvolvimento deste trabalho utilizamos dinâmicas de grupo

e organizamos ciclos de discussão, com vistas à produção artística – leia-se cinema e

fotografia.

Essas discussões acerca do tema duraram dois encontros. Anotamos em um

quadro tudo que era dito pelos educandos e a partir das inúmeras questões levantas

debatemos e construímos novas concepções sobre as relações humanas e suas

influências na construção de uma sociedade mais justa.

No terceiro e quarto encontro oferecemos aos educandos oficinas de vídeo e

fotografia. As crianças de 4 a 9 anos ficaram com a oficina de fotografia e os jovens de

10 aos 14 anos com a oficina de vídeo. As crianças construíram uma câmera pinhole5 e,

saindo das quatro paredes da sala, fomos fotografar o que nos chamava mais atenção na

comunidade. Cada educador acompanhou uma dupla de crianças pelas ruas e praças do

bairro deixando-os livres para escolher o local a ser fotografado: estabelecimentos

comerciais, árvores, famílias sentadas nos bancos da praça, crianças brincando pela rua,

nada passou despercebido. Ao terminar o trabalho de campo, voltamos à sala e

discutimos quais foram as nossas sensações diante o trabalho e o que aprendemos de

novo com tal experiência.

Os adolescentes trabalharam na confecção de um vídeo que demonstrasse como

era a vida dos habitantes do bairro. Para isso, dividimo-nos em cinco grupos onde cada

grupo ficou responsável em atender os seguintes aspectos da comunidade: saúde,

4 Livro que contém os Princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da humanidade (segundo o ensinamento dos Espíritos superiores, através de diversos médiuns, recebidos e ordenados por Allan Kardec.).

5 A câmera pinhole é uma máquina fotográfica que não usa lente. A pinhole consiste numa maneira de ver uma imagem real, através de uma câmara escura.

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trabalho, lazer, associações comunitárias e o cidadão. Antes de irmos a campo

organizamos o trabalho definindo as ocupações de câmera-man e repórter, elaborando

os roteiros semi-estruturados para a realização das entrevistas. Tudo era decidido por

eles (educandos), a nós (educadores) éramos apenas mediadores do processo de

aprendizagem e acompanhantes nas filmagens, para ajudar em qualquer eventualidade.

No setor da saúde os jovens escolheram visitar o posto de saúde do bairro a fim

de averiguar os serviços oferecidos e o seu atendimento ao público. Para isso, foram

entrevistados o diretor do posto e a população assistida pelo órgão no dia da entrevista.

O grupo responsável em apresentar as atividades vinculadas ao Trabalho visitou uma

empresa de marketing, pondo em relevo a importância da imprensa e sua função

comunicativa. No que diz respeito ao lazer o grupo responsável por este setor visitou

praças, ciberespaços, campos e quadras de futebol entrevistando seus freqüentadores

procurando entender a importância desses equipamentos. Visitamos também uma

associação comunitária e descobrimos sua utilidade no bairro, quem eram seus

membros e quais os seus pressupostos ideológicos. Por último, um grupo ficou

responsável em saber da própria população como era viver naquele bairro. Foram

entrevistados alguns moradores, dentre eles, idosos, que compararam o bairro de hoje

com o de ontem.

No final de um mês concluímos o trabalho e reunimos todas as filmagens em um

DVD que foi distribuído, primeiramente, entre as famílias dos educandos e

posteriormente aos que se interessaram pela temática. Além das entrevistas, o vídeo

contém a opinião dos próprios educando sobre a temática e o que foi apresentado nas

filmagens.

Conclusão

Estes dois trabalhos (campanha de preservação do meio ambiente e o estudo da

sociedade) propiciaram a nós, educadores, e aos educandos a oportunidade de

compreender e aprender qual o nosso papel diante a sociedade. Deve-se ressaltar que a

mudança mais eficaz aconteceu com os educadores, pois alguns colegas não

acreditavam na eficácia da proposta alegando que as crianças e adolescente não iriam

aceitar um trabalho onde eles teriam que, em dado momento coletar latinhas, papel e

plástico, etc., ou realizar entrevistas. Felizmente, os resultados superaram as

expectativas. Todos os envolvidos sentiram-se a vontade e entusiasmados durante o

processo de aprendizagem. Como o trabalho foi estruturado pelos próprios educandos

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não houve nenhuma rejeição. Percebemos que as relações afetivas foram fortalecidas,

pois o projeto exigiu trabalho em grupo, aceitação das diferenças e o respeito à

individualidade de cada membro.

Temos a certeza que foi iniciado um projeto pedagógico que respeita a liberdade

e a autonomia do educando oferecendo a este a oportunidade de desenvolver sua moral,

aspecto fundamental na formação humana. Assim, a proposta pedagógica espírita é uma

resposta eficiente à crise moral, pois apresenta um novo conceito de Educação e de

educando, objetivando a formação integral do homem.

Bibliografia

CAVALCANTI, L. S . Geografia, Escola e Construção de Conhecimentos. ed. Campinas/SP: Editora Papirus, 2001.

COLOM, Antoni J. A (Des)Construção do Conhecimento Pedagógico: Novas perspectivas para a educação. Porto Alegre: ARTMED, 2004.

DURKHEIM, Emile. (1973). Educação e Sociologia. Buenos Aires, Editorial Shapire.

FALCÃO, Rui. A revista Veja e a educação como mercadoria. Disponível em < http://www.eeducador.com.br/index.php/artigos-mainmenu-100/2620-veja> 27 de agosto 2008.

INCONTRI, Dora. Educação Segundo o Espiritismo. São Paulo, Editora Comenius. 2006.

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KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução: Salvador Gentile. Araras: IDE, 2008.

NERY, Flávia Maria Teixeira de Medina. A escola hoje: formação, informação, diálogo e diversidade cultural. In: V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 2005.

PARSONS, Talcott. (1965). The Social Sistem. London, The Free Press of Glencoe