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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL UNESP CAMPUS DE FRANCA EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERÍODO 1964-1979: O PAPEL DO ITAMARATY, DAS FORÇAS ARMADAS E DO MINISTÉRIO DA FAZENDA FRANCA 2009

A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERÍODO 1964-1979: …livros01.livrosgratis.com.br/cp129015.pdf · ADESG - Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra ADMs - Armas

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  • 1

    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

    FACULDADE DE HISTRIA, DIREITO E SERVIO SOCIAL

    UNESP CAMPUS DE FRANCA

    EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ

    A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERODO 1964-1979: O

    PAPEL DO ITAMARATY, DAS FORAS ARMADAS E DO

    MINISTRIO DA FAZENDA

    FRANCA

    2009

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  • 2

    EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ

    A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERODO 1964-1979: O PAPEL DO

    ITAMARATY, DAS FORAS ARMADAS E DO MINISTRIO DA FAZENDA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Histria da Faculdade de Histria,

    Direito e Servio Social, da Universidade Estadual

    Paulista Jlio de Mesquita Filho, como pr-requisito

    para obteno do Ttulo de Mestre em Histria. rea

    de Concentrao: Histria e Cultura poltica

    Orientadora: Prof Dr Suzeley Kalil Mathias

    FRANCA

    2009

  • 3

    Cruz, Eduardo Lucas de Vasconcelos

    A poltica externa brasileira no perodo 1964-1979: o papel do

    Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da Fazenda / Eduardo

    Lucas de Vasconcelos Cruz. Franca : UNESP, 2009.

    Dissertao Mestrado Histria Faculdade de Histria,

    Direito e Servio Social UNESP

    1. Relaes internacionais Histria Brasil, 1964-1979. 2. Di-

    tadura militar Poltica exterior. 3. Ministrio da Fazenda Regime

    militar Poltica econmica.

    CDD 327.0981

  • 4

    EDUARDO LUCAS DE VASCONCELOS CRUZ

    A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA NO PERODO

    1964-1979: O PAPEL DO ITAMARATY, DAS FORAS ARMADAS

    E DO MINISTRIO DA FAZENDA

    Dissertao apresentada ao Programa de Psgraduao em Histria da Faculdade de Histria,

    Direito e Servio Social, da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, como pr-

    requisito para obteno do Ttulo de Mestre em Histria. rea de Concentrao: Histria e

    Cultura poltica

    BANCA EXAMINADORA

    Presidente: ___________________________________________

    Prof Dr Suzeley Kalil Mathias

    1 Examinadora: ______________________________________

    2 Examinadora: ______________________________________

    Franca, _____ de ___________________ de 2009

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Sempre tive, em toda a minha vida, determinada idia acerca do Brasil, idia que me

    incutida tanto pelo sentimento como pela razo.1 O que h em mim de emotivo imagina o Brasil,

    tal como os vares de Plutarco e heris de Gonalves Dias, votado a um destino eminente e

    grandioso. Instintivamente, tenho a impresso de que Deus o criou para os mais retumbantes

    xitos ou os mais rotundos malogros. Por isso, se acontece que a mediocridade marque seus atos

    e procedimentos, tenho a sensao de uma absurda anomalia, imputvel aos erros dos brasileiros,

    e no ao gnio da Ptria. Simultaneamente, o lado sereno de meu esprito convence-me de que o

    Brasil s na primeira fila verdadeiramente o Brasil; que apenas os grandes empreendimentos

    so capazes de compensar os fermentos de disperso peculiares ao seu povo; que o nosso Pas, tal

    como , entre os outros, tais como so, deve, sob risco de cair em perigo mortal, bater-se pela sua

    independncia e manter-se ntegro. Numa palavra: o Brasil no pode ser Brasil sem grandeza.

    Portanto, movido pelo propsito de dissecar um dos perodos mais ativos da poltica

    externa brasileira, empenhei-me na confeco deste modesto trabalho, cuja extenso no pude

    prolongar em virtude do parco espao disponvel. Ainda assim, procurei revesti-lo da maior

    qualidade possvel e, convicto de que pecaria pela vaidade se porventura me recusasse a

    compartilhar os louros da vitria, dediquei esse espao aos tributos de gratido reclamados pelo

    velho preceito romano: suum cuique tribuere.2

    Agradeo a Deus Todo-Poderoso por dar-me a fibra moral e a determinao sem as quais

    eu no lograria superar os supremos sacrifcios que me foram impostos nos ltimos sete anos.

    Agradeo minha amada famlia e, em especial, a ti me, que foi, acima de tudo, a minha

    Educadora: aos seus rigores devo os valores morais que me forjaram o carter. Meu pai, por sua

    vez, ergue-se como o exemplo de abnegao e nobreza ao qual devoto a mais intensa admirao,

    sobretudo quando o vejo vestir-se de branco para lutar contra a morte. Finalmente, eu jamais

    esqueceria de mencionar minha av, cujo zelo cercou-me durante toda a infncia, meu irmo,

    confidente que nunca me faltou.

    1 Parafraseando De Gaulle.

    2 A cada um o que lhe devido.

  • 6

    Agradeo minha orientadora, Prof Dra. Suzeley Kalil Mathias, que foi meu fio de

    Aridiane no labirinto das dvidas e escolhas acadmicas, mostrando-se extremamente solcita

    em retificar meus escritos, inclusive sob as condies de sade mais adversas possveis.

    Devo elencar quatro instituies no regao das quais forjei e continuo a aprimorar

    minha formao. Portanto, agradeo:

    Unesp-Franca, onde me foi dado adquirir conhecimentos e desenvolver minha vocao

    para as Relaes Internacionais, tomando conscincia de quo imprescindvel a manuteno e

    defesa da Universidade Pblica. Ao longo de dcadas, a Unesp tem consagrado seus esforos aos

    mais genunos interesses nacionais, contribuindo para o progresso cientfico e tecnolgico do

    Pas. Por isso, orgulho-me de freqentar as salas desta instituio, cujas muralhas resistem,

    tradicionalmente, s restries oramentrias de que padece.

    Ao Exrcito Brasileiro, em cujas fileiras tive a honra de marchar quando de meu ingresso

    na maioridade. O Exrcito uma grande Escola (com E maisculo) de patriotismo, lealdade,

    cavalheirismo e disciplina, pois no quartel, obedecendo que se aprende a comandar e

    praticando que se aprende a fazer. Apesar das carncias materiais a que esto sujeitas, as Foras

    Armadas prestam inestimveis servios segurana e ao desenvolvimento do Pas, seja na defesa

    vigilante de nossas fronteiras, seja na assistncia social ao povo sofrido dos confins mais remotos

    do territrio nacional.

    Faculdade de Direito de Franca, bero ilustre de magistrados, promotores e advogados

    reputados os mais doutos, condio que lhe permite ser alada todos os anos com justia pela

    OAB seleta constelao que agasalha as melhores instituies de ensino do Brasil. Tal como a

    Roma Antiga, a hoje cinqentenria FDF teve um humilde comeo e, tal como aquela cidade

    latina, conquistou fama que ecoa muito alm dos vales que a cercam, o que se reflete na origem

    regional crescentemente diversificada e longnqua de seus discentes, atrados que so dos confins

    pelo seu renome.

    Tambm devo fazer justia a numerosos amigos e amigas que, na alegria e na tristeza, na

    sade e na doena, na tranqilidade e na adversidade, estiveram ao meu lado. Por todas essas

    razes, agradeo:

    Ao meu grande amigo do curso de Direito, Digenes, sem cujo amparo eu no teria

    conseguido freqentar simultaneamente duas faculdades. No foram poucos os episdios em que

  • 7

    tive o valioso auxlio de suas anotaes e explicaes. Marchando ombro a ombro comigo, tem

    sido um verdadeiro companheiro de batalha nesses anos.

    Ao meu amigo David, de cujo profcuo convvio fui privado quando de sua transferncia

    para o curso de Relaes Internacionais da PUC-SP. Apesar de nossas freqentes e no raro

    inflamadas discusses sobre economia e poltica externa, esse autntico puro-sangue da estirpe

    liberal jamais hesitou em perfilar-se ao meu lado nos debates da Academia.

    Ao meu amigo da ps-graduao em Histria, Anderson Dedo, com quem pude contar

    em diversas ocasies de alegria e de tristeza. Com seu carter ponderado, prprio dos mineiros,

    muitas vezes dissuadiu-me de gestos precipitados nos momentos de exasperao.

    s minhas amigas Luciana, Roberta, Raquel, Carla, Vanessa, Paula, Melise, Ana Paula e

    Lvia que com seus dotes de pianista encanta a todos. No fosse a companhia destas graciosas e

    inteligentes mulheres, a minha existncia em Franca teria sido sobremaneira penosa.

    Aos meus leais amigos Fernando Varginha, Jonas Argentino, Rafael Panda, Edson

    Mex, Flvio Batata, Clber Lorde, Mrio Henrique Chacal, Gustavo Oliveira, Andr

    Guzzi, Fernando Palmeira, Bachir Fayad e Rafael Deveras. Lembro, como se ontem fosse, dos

    inmeros churrascos partilhados na boa e velha roda de homens, sobretudo na Repblica do

    Feudo e na Saudosa Maloca, espao de congraamento e companheirismo.

    Ao ilustre casal Eliseu-Bia, que, com seu notrio bom-humor, preencheu meus fins de

    semana com sesses de cinema e longas conversas regadas a caf. Jamais esquecerei do dia em

    que Eliseu, com os atributos de hacker que lhe so prprios, salvou meu PC de um pane iminente.

    Meus compatriotas! As chagas da saudade se abatero com violento furor sobre ns no

    alvorecer de 2008, mas felizmente sero cicatrizadas com o blsamo de nossa eterna amizade. A

    todos vocs, a minha mais profunda gratido.

  • 8

    SUMRIO

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................................................... 11

    RESUMO...................................................................................................................................... 17

    INTRODUO........................................................................................................................... 19

    CAPTULO I A POLTICA EXTERNA DO REGIME MILITAR: QUADRO GERAL,

    RUPTURAS E CONTINUIDADES .......................................................................................... 24

    1. As cises no Movimento Contra-Revolucionrio de 1964 ................................................... 24

    2. O Governo Castelo Branco (1964-1967) ............................................................................... 26

    3. O Governo Costa e Silva (1967-1969) ................................................................................... 54

    4. O Governo Mdici (1969-1974) ............................................................................................. 92

    5. O Governo Geisel (1974-1979) ............................................................................................. 155

    CAPTULO II - O ITAMARATY E A SECRETARIA-GERAL DO CONSELHO DE

    SEGURANA NACIONAL: A VERTENTE NACIONALISTA ........................................ 201

    1. A Casa do Baro do Rio Branco: atribuies, estrutura, formulao e prtica de uma

    doutrina no-escrita de poltica externa ................................................................................. 201

    1.1. O Itamaraty e a poltica de desenvolvimento econmico: comrcio exterior, negociaes na

    UNCTAD, transferncia de tecnologia, debates sobre meio ambiente e natalidade .................. 205

    1.2. O Itamaraty e a poltica de segurana nacional: combate s guerrilhas, debates sobre

    desarmamento, salvaguarda da independncia nacional e relaes interamericanas ................. 234

  • 9

    2. A Secretaria-Geral do Conselho de Segurana Nacional: o canal de expresso das Foras

    Armadas .................................................................................................................................... 274

    2.1. Surgimento, formao, funes e competncias da SG/CSN (1934-1958): a progressiva tutela

    militar........................................................................................................................................... 274

    2.2. Geopoltica, DSN e poltica externa: independncia econmica, colonizao do territrio e

    cenrios de guerra ....................................................................................................................... 284

    2.3. A SG/CSN enquanto instncia decisria da poltica externa (1958-1979): o crivo do

    Estabelecimento Militar .............................................................................................................. 334

    CAPTULO III - O MINISTRIO DA FAZENDA: A NOTA DISSONANTE ................. 355

    1. A Fazenda e a poltica externa em 1945-1964: origens do "feudo" institucional ........... 355

    2. A Fazenda e a poltica externa em 1964-1979: da ortodoxia como condicionador decisrio

    ao keynesianismo improvisador .............................................................................................. 366

    3. Conflitos entre o Ministrio da Fazenda e o Itamaraty: endividamento externo,

    negociaes comerciais e questo luso-africana ..................................................................... 383

    4. Conflitos entre o Ministrio da Fazenda e os militares: papel das empresas estrangeiras,

    integrao nacional e controle de natalidade ......................................................................... 400

    4.1. Tecnocratas na mira dos jovens oficias: o vespeiro da caserna ....................................... 400

    4.2. Ministrio da Fazenda vs. SG/CSN e EMFA: capital estrangeiro nos setores de minrios,

    petrleo e telecomunicaes ....................................................................................................... 415

  • 10

    4.3. Ministrio da Fazenda vs. militares da burocracia civil: patentes e tecnologia importada,

    controle de natalidade, integrao nacional, capital estrangeiro na engenharia civil, nos

    transportes martimos e areos, na agricultura e nas indstrias petroqumica, naval, aeronutica,

    farmacutica e informtica ......................................................................................................... 448

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 509

    FONTES E BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 513

  • 11

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ABERT - Associao Brasileira de Emissoras de Rdio e Televiso

    ABIFARMA - Associao Brasileira da Indstria Farmacutica

    ABIN - Agncia Brasileira de Inteligncia

    ABRAFET - Associao Brasileira dos Fabricantes de Equipamentos Telefnicos

    ACBS - Associao Chileno-Brasileira de Solidariedade

    ACFA - Alto Comando das Foras Armadas

    ADESG - Associao de Diplomados da Escola Superior de Guerra

    ADMs - Armas de Destruio Massiva

    AERP - Assessoria Especial de Relaes Pblicas

    AFL-CIO - American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations3

    AIEA - Agncia Internacional de Energia Atmica

    AIFLD - American Institute for Free Labour Development4

    ALALC - Associao Latino-Americana de Livre Comrcio

    ALN - Aliana Libertadora Nacional

    AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras

    AP - Ao Popular

    ARENA - Aliana Renovadora Nacional

    BB - Banco do Brasil

    BC - Banco Central

    BEFIEX - Programas Especiais de Exportao

    BIC - Bussines International Corporation5

    BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIRD - Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento

    BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CACEX - Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil

    CAN - Correio Areo Nacional

    CAPRE - Coordenao das Atividades de Processamento Eletrnico

    CBTN - Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear

    CDE - Conselho de Desenvolvimento Econmico

    CDI - Conselho de Desenvolvimento Industrial

    CECLA - Comisso Especial de Coordenao Latino-Americana

    CEE - Comunidade Econmica Europia

    CEESI - Comisso Especial de Estudos do Sistema Interamericano

    CEF - Caixa Econmica Federal

    CEME - Central de Medicamentos

    CEMPEX - Comisso de Emprstimos Externos

    CEN - Conceito Estratgico Nacional

    CENIMAR - Centro de Informaes da Marinha

    CETI - Comisso de Estudos Tributrios Internacionais

    CEXIM - Carteira de Exportao e Importao do Banco do Brasil

    3 Federao Americana do Trabalho e Congresso de Organizaes Industriais

    4 Instituto Americano para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre.

    5 Corporao de Negcios Internacionais

  • 12

    CIA - Central Intelligence Agency6

    CIAP - Comisso Interamericana para a Aliana para o Progresso

    CIC - Comit Intergovernamental Coordenador da Bacia do Prata

    CID - Colgio Interamericano de Defesa

    CIE - Centro de Informaes do Exrcito

    CIECC - Conselho Interamericano de Educao, Cincia e Cultura

    CIEFMAR - Comisso Interministerial sobre a Explorao e Utilizao do Fundo dos Mares

    CIES - Conselho Interamericano Econmico e Social

    CIEx - Centro de Informaes do Exterior

    CIJ - Corte Internacional de Justia

    CISA - Centro de Informaes e Segurana da Aeronutica

    CJI - Comisso Jurdica Interamericana

    CLC - Comisso Nacional para Assuntos da ALALC

    CMG - Capito de Mar-e-Guerra

    CMM - Comisso de Marinha Mercante

    CMMBEU - Comisso Militar Mista Brasil-EUA

    CMN - Conselho Monetrio Nacional

    CNA - Confederao Nacional da Agricultura

    CNC - Confederao Nacional do Comrcio

    CNEN - Comisso Nacional de Energia Nuclear

    CNI - Confederao Nacional da Indstria

    CNMC - Comisso Nacional de Moral e Civismo

    CNP - Conselho Nacional do Petrleo

    CNPq - Conselho Nacional de Pesquisas7

    CNPV - Conselho Nacional de Portos e Vias Navegveis

    COBAP - Comisso Nacional da Bacia do Prata

    COBRA - Computadores Brasileiros S/A

    COFIE - Comisso de Fuso e Incorporao de Empresas

    COLESTE - Comisso de Comrcio com a Europa Oriental

    COLINA - Comando de Libertao Nacional

    CONCEX - Conselho Nacional de Comrcio Exterior

    CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicaes

    COPREDAL - Comisso Preparatria para a Desnuclearizao da Amrica Latina

    COTAP - Conselho de Cooperao Tcnica da Aliana para o Progresso

    CPA - Conselho de Poltica Aduaneira

    CPCFA - Comisso Permanente de Comunicaes das Foras Armadas

    CPDOC - Centro de Pesquisas e Documentao da FGV

    CPA - Central de Comutao Telefnica por Programa Armazenado

    CPqD - Centro de Pesquisas e Desenvolvimento

    CPI - Comisso Parlamentar de Inqurito

    CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais

    CSN - Conselho de Segurana Nacional

    CTA - Centro Tcnico Aeroespacial

    6 Agncia Central de Inteligncia.

    7 Renomeado como Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolgico pela Lei n 6.129 de 6 de

    novembro de 1974.

  • 13

    CTB - Companhia Telefnica Brasileira

    CTN - Companhia Telefnica Nacional

    CVRD - Companhia Vale do Rio Doce

    DFSP - Departamento Federal de Segurana Pblica

    DGI - Direccin General de Inteligencia8

    DGP - Departamento Geral de Pessoal do Ministrio do Exrcito

    DINA Direccin de Inteligencia Nacional9

    DNPI - Departamento Nacional de Propriedade Industrial

    DNPM - Departamento Nacional de Produo Mineral

    DOI - Destacamento de Operaes Internas

    DOPS - Departamento de Ordem Poltica e Social

    DPC - Departamento de Promoo de Comercial do Itamaraty

    DSG - Diretoria do Servio Geogrfico do Exrcito

    DSI/MME - Diviso de Segurana e Informaes do Ministrio das Minas e Energia

    DSI/MRE - Diviso de Segurana e Informaes do Ministrio das Relaes Exteriores

    DSI/MTE - Diviso de Segurana e Informaes do Ministrio do Trabalho e Emprego

    DSN - Doutrina de Segurana Nacional

    EAMA - Estados Africanos e Madagascar Associados

    ECEMAR - Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronutica

    ECEME - Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito

    EBD - Eletrnica Digital Brasileira

    EGN - Escola de Guerra Naval

    ELN - Ejrcito de Liberacin Nacional10

    EMA - Estado-Maior da Armada

    EMAER - Estado-Maior da Aeronutica

    EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicaes

    EME - Estado-Maior do Exrcito

    EMFA - Estado-Maior das Foras Armadas

    EMGEPRON - Empresa Gerencial de Projetos Navais

    ERP - Ejrcito Revolucionrio del Pueblo11

    ESAO - Escola de Aperfeioamento de Oficiais

    ESG - Escola Superior de Guerra

    ESNI - Escola Nacional de Informaes

    FAB - Fora Area Brasileira

    FAIBRAS - Destacamento Brasileiro da FIP

    FBI - Frente Brasileira de Informaes

    FEB - Fora Expedicionria Brasileira

    FGV - Fundao Getlio Vargas

    FIP - Fora Interamericana de Paz

    FIRCE - Fiscalizao e Registro de Capitais Estrangeiros

    FLN - Frente de Libertao Nacional

    FMI - Fundo Monetrio Internacional

    8 Direo Geral de Inteligncia (servio de inteligncia de Cuba)

    9 Direo de Inteligncia Nacional (servio de inteligncia do Chile)

    10 Exrcito de Libertao Nacional (guerrilha boliviana)

    11 Exrcito Revolucionrio do Povo (guerrilha argentina)

  • 14

    FMM - Fundo da Marinha Mercante

    FNDCT - Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    FNLA - Frente Nacional de Libertao de Angola

    FUNAI - Fundao Nacional do ndio

    GATT - General Agreement on Tariffs and Trade12

    GDF - Guyana Defense Force13

    GEBAM - Grupo Executivo do Baixo Amazonas

    GEICOM - Grupo Executivo Interministerial de Componentes e Materiais

    GEIFAR - Grupo Executivo da Indstria Farmacutica

    GEIQUIM - Grupo Executivo da Indstria Qumica

    GEIPOT - Grupo Executivo de Integrao Poltica dos Transportes

    GEMF - Grupo de Exportao de Minrio de Ferro

    GEP - Grupo de Estudos e Planejamento

    GETAM -Grupo Executivo de Telecomunicaes na Amaznia

    GTE - Grupo Tcnico Especial

    GTINAM - Grupo de Trabalho para a Integrao da Amaznia

    G-2 2 Seccin del Estado-Mayor de las Fuerzas Armadas14

    G-77 - Grupo dos 77 pases do Terceiro Mundo

    IBC - Instituto Brasileiro do Caf

    IFPCW - International Federation of Petroleum and Chemical Workers15

    IMBEL - Indstria de Material Blico do Brasil

    INPI - Instituto Brasileiro de Propriedade Industrial

    IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPD/CTA - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Tcnico Aeroespacial

    IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

    IR - Imposto de Renda

    ITA - Instituto Tecnolgico da Aeronutica

    JCR - Junta de Coordenao Revolucionria

    JID - Junta Interamericana de Defesa

    KGB - Komityet Gosudarstvennoy Bezopasnosty16

    LIDER - Liga Democrtica Radical

    MDB - Movimento Democrtico Brasileiro

    MEC - Ministrio da Educao e Cultura

    MECOR - Ministrio Extraordinrio de Coordenao dos Organismos Regionais

    MIR - Movimiento Izquierda Revolucionaria17

    MMDC - Movimento Militar Constitucionalista Democrtico

    MME - Ministrio das Minas e Energia

    MNC - Movimento Nacionalista dos Coronis

    MOSSAD - Ha-Md le-Md`n -le-Tafqdm Meyhadm18

    MPDR - Movimento Popular de Defesa da Revoluo

    12

    Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio. 13

    Fora de Defesa da Guiana. 14

    2 Seo do Estado-Maior das Foras Armadas do Paraguai (servio de inteligncia do Paraguai) 15

    Federao Internacional dos Trabalhadores da Indstria Qumica e Petrolfera. 16

    Comit de Segurana do Estado (servio de inteligncia da URSS) 17

    Movimento Esquerda Revolucionria (guerrilha chilena) 18

    Instituto para Inteligncia e Operaes Especiais (servio de inteligncia de Israel)

  • 15

    MPLA - Movimento Popular de Libertao de Angola

    MRA - Movimento Revolucionrio Autntico

    MRE - Ministrio das Relaes Exteriores

    MRT - Movimiento Revolucionario Tupamaro19

    MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego

    NBM - Nomenclatura Brasileira de Mercadorias

    OEA - Organizao dos Estados Americanos

    OIC - Organizao Internacional do Caf

    OLAS - Organizao Latino-Americana de Solidariedade

    OLP - Organizao para a Libertao da Palestina

    ONP - Objetivos Nacionais Permanentes

    ONU - Organizao das Naes Unidas

    OPA - Operao Pan-Americana

    OTAN - Organizao do Tratado do Atlntico Norte

    PAEG - Plano de Ao Econmica do Governo

    PBDCT - Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    PCB - Partido Comunista Brasileiro

    PCBR - Partido Comunista Revolucionrio Brasileiro

    PCdoB - Partido Comunista do Brasil

    PDVSA - Petrleo da Venezuela S/A

    PED - Plano Estratgico de Desenvolvimento

    PEI - Poltica Externa Independente

    PETROQUISA - Petrobrs Qumica S/A

    PIB - Produto Interno Bruto

    PF - Polcia Federal

    PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

    PNUD - Programa de Desenvolvimento da ONU

    PQU - Petroqumica Unio S/A

    PROCAP - Programa de Apoio Capitalizao da Empresa Privada Nacional

    PVP - Partido por la Vitoria del Pueblo20

    RCMRE - Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores dos Estados Americanos

    RENAME - Relao Nacional de Medicamentos Essenciais

    RFFSA - Rede Ferroviria Federal S/A

    SELA - Sistema Econmico Latino-Americano

    SERPRO - Servio de Propaganda e Expanso Comercial

    SFICI - Servio Federal de Informaes e Contra-Informaes

    SG/CSN - Secretaria-Geral do Conselho de Segurana Nacional

    SGP - Sistema Geral de Preferncias Comerciais

    SICIE - Servio de Informaes e Contra-Informaes do Exrcito

    SICTEX - Sistema de Informao Cientfica e Tecnolgica do Exterior

    SID - Servicio de Inteligencia de Defensa21

    SIDE - Secretaria de Informaciones del Estado22

    19

    Movimento Revolucionrio Tupamaro (guerrilha uruguaia) 20

    Partido pela Vitria do Povo (Uruguai) 21

    Servio de Inteligncia de Defesa (servio de inteligncia do Uruguai) 22

    Secretaria de Informaes do Estado (servio de inteligncia da Argentina)

  • 16

    SIE - Servicio de Inteligencia del Estado23

    SITT - Secretaria de Informaes e Transferncia de Tecnologia do INPI

    SNI - Servio Nacional de Informaes

    SOBENA - Sociedade Brasileira de Navegao

    SPI - Servio de Proteo ao ndio

    SSN - Seo de Segurana Nacional

    SSN/MJ - Seo de Segurana Nacional do Ministrio da Justia

    SSN/MRE - Seo de Segurana Nacional do Ministrio das Relaes Exteriores

    STASI - Ministerium fr Staatssicherheit24

    SUBIN - Subsecretaria de Cooperao Econmica e Tcnica Internacional

    SUDAM - Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia

    SUDENE - Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste

    SUNAB - Superintendncia Nacional do Abastecimento

    SUNAMAM - Superintendncia de Marinha Mercante

    SUMOC - Superintendncia da Moeda e do Crdito

    TCA - Tratado de Cooperao Amaznica

    TIAR - Tratado Interamericano de Assistncia Recproca

    TNP - Tratado de No-Proliferao de Armas Nucleares

    UAW - United Auto Workers25

    UDN - Unio Democrtica Nacional

    UFF - Universidade Federal Fluminense

    UFPB - Universidade Federal da Paraba

    UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

    UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development26

    URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    USAID - United States Agency for International Development27

    USP - Universidade de So Paulo

    USTR - United States Trade Representative28

    VAR-Palmares - Varguarda Armada Revolucionria Palmares

    VPR - Vanguarda Popular Revolucionria

    23

    Servio de Inteligncia do Estado (servio de inteligncia da Bolvia) 24

    Ministrio para a Segurana do Estado (servio de inteligncia da Alemanha Oriental) 25

    Sindicato dos Trabalhadores da Indstria Automobilstica dos EUA 26

    Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento. 27

    Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. 28

    Representao Comercial dos Estados Unidos.

  • 17

    CRUZ, Eduardo Lucas de Vasconcelos. A poltica externa brasileira no perodo 1964-1979: o

    papel do Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da Fazenda. 2009. 532 f.

    Dissertao de mestrado apresentada Faculdade de Histria, Direito e Servio Social,

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Franca, 2009.

    RESUMO

    Este trabalho analisa o processo decisrio da poltica externa brasileira no transcorrer do

    perodo 1964-1979, especificamente no tocante ao papel de trs instituies envolvidas na

    confeco da estratgia de atuao internacional do Pas: o Itamaraty, as Foras Armadas e o

    Ministrio da Fazenda. Para tanto, busca-se - mais do que descrever as atribuies de cada um

    destes rgos envolvidos na elaborao da poltica externa - dissecar as instncias decisrias, as

    formas extra-oficiais de interferncia e as concepes dos atores envolvidos, no intento de

    determinar qual deles dispunha da ltima palavra na conduo das relaes exteriores do Pas. A

    pesquisa utiliza fontes primrias oficiais e extra-oficiais. Dentre as primeiras, so examinadas

    Exposies de Motivos, relatrios, memorandos e outros documentos da SG/CSN, do Itamaraty e

    do Ministrio da Fazenda, bem como as leis e decretos que regulamentavam a competncia destas

    instituies. Dentre as segundas, recai nfase nas entrevistas, memrias, depoimentos e obras

    prescritivas deixados por lideranas do Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da

    Fazenda, com a finalidade de analisar o processo de planejamento e execuo da poltica externa

    brasileira durante o perodo examinado e decompor o peso relativo de cada um destes atores. Para

    tanto, o Captulo I descreve a poltica externa adotada pelos governos de 1964-1979, com suas

    sucessivas alteraes, ao passo que os captulos seguintes dissecam o papel desempenhado por

    aquelas trs instituies, bem como os conflitos burocrticos que entre elas se sucederam.

    Palavras-chave: diplomacia, geopoltica, estratgia, nacionalismo

  • 18

    CRUZ, Eduardo Lucas de Vasconcelos. La poltica externa brasilea en el periodo 1964-1979:

    el rol de Itamaraty, de las Fuerzas Armadas y del Ministerio de Hacienda. 2009. 532 f.

    Dissertao de mestrado apresentada Faculdade de Histria, Direito e Servio Social,

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Franca, 2009

    RESUMEN

    Este trabajo analiza el proceso decisorio de la poltica externa brasilea en el transcurrir

    del periodo 1964-1979, especficamente en el tocante al papel de tres instituciones envueltas en la

    confeccin de la estrategia de actuacin internacional del Pas: el Itamaraty, las Fuerzas Armadas

    y lo Ministerio de Hacienda. Para tanto, bsqueda-se - ms que describir las atribuciones de cada

    uno de estos rganos envueltos en la elaboracin de la poltica externa - disecar las instancias

    decisorias, las formas extraoficiales de interferencia y las concepciones de los actores envueltos,

    en el intento de determinar cul de ellos dispona de la ltima palabra en la conduccin de las

    relaciones exteriores del Pas. La investigacin utiliza fuentes primarias oficiales y extraoficiales.

    De entre las primeras, son examinadas Exposiciones de Motivos, informes, memorandos y otros

    documentos de la SG/CSN, de Itamaraty y del Ministerio de Hacienda, bien como las leyes y

    decretos que reglamentaban la competencia de estas instituciones. De entre las segundas, recae

    nfasis en las entrevistas, memorias, declaraciones y obras prescritivas dejadas por lideratos de

    Itamaraty, de las Fuerzas Armadas y del Ministerio de Hacienda, con la finalidad de analizar el

    proceso de planificacin y ejecucin de la poltica externa brasilea durante el periodo

    examinado y descomponer el peso relativo de cada uno de estos actores. Para tanto, el Captulo I

    describe la poltica externa adoptada por los gobiernos de 1964-1979, con sus sucesivas

    alteraciones, a medida que los captulos siguientes disecan el papel desempeado por aquellas

    tres instituciones, bien como los conflictos burocrticos que entre ellas se sucedieron.

    Palabras-clave: diplomacia, geopoltica, estrategia, nacionalismo

  • 19

    INTRODUO

    O propsito deste tabalho consiste em analisar o processo decisrio da poltica externa

    brasileira no transcorrer do perodo 1964-1979, averiguando o papel determinante ou

    secundrio de trs instituies envolvidas na confeco da estratgia de atuao internacional

    do Pas: o Itamaraty, as Foras Armadas e o Ministrio da Fazenda.

    Dentre as facetas do Regime Militar, a sua poltica externa a menos estudada pela

    historiografia nacional, que tradicionalmente volta-se com mais ateno para os aspectos

    relativos poltica econmica e represso interna. Somente nos anos recentes a conduta

    internacional dos governos autoritrios tem sido objeto de anlises mais isentas e aprofundadas,

    conforme nos atestam as obras de Paulo Vizentini, Moniz Bandeira e Amado Luiz Cervo.

    Todavia, em que pese essa evoluo no sentido de uma interpretao mais acurada dos fatos,

    poucos estudos foram consagrados dissecao do processo decisrio, ou seja, pouco se

    averiguou acerca da identidade e do poder real (no apenas formal) dos atores que determinavam

    as aes tticas e estratgicas do Estado brasileiro no tocante s suas relaes exteriores.

    Empreender um estudo desta natureza exigir, alm da mera descrio das atribuies de

    cada um dos rgos envolvidos na elaborao da poltica externa, a dissecao das instncias

    decisrias, das formas extra-oficiais de interferncia, das convices e interesses dos atores

    envolvidos, dos grupos de presso alojados no aparelho de Estado, etc.

    Cabe observar de antemo que, mesmo no perodo 1945-1964, afigurava-se marginal a

    participao, ainda que indireta por meio do Congresso , da sociedade civil na arquitetura da

    poltica externa, fenmeno que pode ser creditado tanto prioridade conferida aos embates

    domsticos como s peculiaridades do Estado Brasileiro. A partir de 1964, com o advento do

    regime de exceo, acentuou-se a entropia do processo decisrio, agora restrito ao Itamaraty, ao

    Ministrio da Fazenda e s Foras Armadas, por intermdio da Secretaria-Geral do Conselho de

    Segurana Nacional.

    Faz-se necessrio justificar a escolha do ano de 1979 para delimitar a extenso

    cronolgica abarcada pela pesquisa: h certo consenso entre os estudiosos do Regime Militar em

    considerar a administrao do general Geisel como o perodo em que a poltica externa brasileira

    atingiu seu mais elevado grau de autonomia. Em linhas gerais, a conduta internacional do Brasil

  • 20

    transitou de uma postura de sintonia ttica com as diretrizes da Casa Branca, na gesto Castelo

    Branco, para uma progressiva diversificao de parcerias polticas e comerciais, desembocando

    no pragmatismo responsvel do penltimo governo militar. Portanto, importa investigar as

    origens dessa evoluo dentro do aparelho de Estado, tarefa que se afigura desafiadora, tendo em

    vista as peculiaridades de uma conjuntura marcada pela baixa transparncia para no dizer

    obscuridade das lides relacionadas coisa pblica.

    A pesquisa partiu da premissa de que a poltica externa brasileira era elaborada, em suas

    linhas gerais, pelo Itamaraty, em consonncia com as teses do embaixador Joo Augusto de

    Arajo Castro, para quem o objetivo fundamental da diplomacia seria romper o congelamento

    internacional de poder, removendo quaisquer obstculos que se contraponham ao

    fortalecimento e afirmao do nosso Poder Nacional.29

    Em virtude da convergncia de vises

    entre o Itamaraty e as Foras Armadas, estas fiadoras do Regime Militar, o corpo diplomtico

    desfrutava daquilo que foi denominado autonomia institucional tacitamente concedida.

    Todavia, as decises estratgicas sobretudo as relacionadas atuao do Brasil em sua

    circunvizinhana sul-americana e sul-atlntica estavam sujeitas apreciao da SG/CSN, que

    detinha a ltima palavra. Ademais, h fortes indcios de que o Ministrio da Fazenda, salientando

    o imperativo de manter estvel o afluxo de capitais externos, atuava no sentido de refrear a

    orientao nacionalista da burocracia diplomtico-militar e mantinha seus prprios canais de

    interlocuo com governos e instituies estrangeiras.

    Segundo Oliveiros Ferreira, as linhas mestras da conduta internacional brasileira foram

    traadas desde 1958 pela SG/CSN, e no se alteraram at 1985, quando do advento dos governos

    civis. Em palestra proferida nos primeiros meses da administrao Geisel, afirmou o cientista

    social que:

    A poltica externa brasileira , h anos, na sua linha estratgica, orientada pelo

    Estabelecimento Militar, que ocupa a Secretaria-Geral do Conselho de

    Segurana Nacional. Por ser fundada em consideraes estratgicas e inspirada

    na Geopoltica, as diretrizes de longo prazo so sempre as mesmas, quaisquer

    que sejam as inflexes tticas ditadas pelas personalidades dos chanceleres ou

    chefes de governo, ou pelas variaes da poltica interna.30

    29

    CASTRO, Joo Augusto de Arajo. O congelamento do Poder Mundial. Revista Brasileira de Estudos Polticos,

    no 33, janeiro/1972, p. 22.

    30 FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 43.

  • 21

    Oliveiros Ferreira atribui orientao da poltica externa adotada durante o Regime

    Militar trs caractersticas centrais que lhe permitem embasar a hiptese da continuidade. A

    primeira delas diz respeito ao papel predominante das Foras Armadas no processo de

    formulao das diretrizes de atuao no perodo. Sob responsabilidade nica dos Estados-

    Maiores, e com completa autonomia de deciso, a poltica externa desses anos refletiu

    singularmente a compreenso que o estamento militar detinha da situao brasileira nas relaes

    de poder. Essa leitura utilizava como interlocutor o paradigma geopoltico, que oferece contornos

    definidos de objetivos a serem conquistados pela Grande Estratgia e de meios disponveis para

    alcan-los.31

    Reconhecendo o Estado como ator prevalecente no sistema internacional, a

    perspectiva geopoltica considera as relaes interestatais determinantes; subjacente a estas

    encontra-se a problemtica da guerra, que aparece como recurso ltimo na redistribuio de

    perdas e ganhos.

    Examinando o desenvolvimento das relaes exteriores nos 15 anos que se seguiram

    Contra-Revoluo de 1964, constatamos fortes indcios que conferem credibilidade tese de

    Ferreira, pois embora distintos segmentos polticos das Foras Armadas tenham governado o Pas

    ao longo do perodo estudado, certas linhas de ao externa foram invariavelmente mantidas: (1)

    recusa em subscrever quaisquer tratados que pudessem limitar a progresso da capacidade

    nacional no tocante s tecnologias sensveis tais como o Tratado de No Proliferao de Armas

    Nucleares e o Regime de Controle de Tecnologia Missilstica; (2) persistente conduta de

    expresso terceiro-mundista nos foros internacionais, pleiteando, em coalizes com outros pases

    subdesenvolvidos, melhores termos de troca no comrcio internacional; (3) manuteno e

    ampliao das relaes comerciais com os pases da chamada Cortina de Ferro, respeitadas as

    ressalvas impostas pela segurana nacional; (4) acmulo progressivo de condies destinadas a

    viabilizar a conquista do status de potncia regional na Amrica do Sul, no sentido mais amplo do

    31

    Segundo Oliveiros Ferreira, toda Grande Estratgia deve ter em mente os reais interesses nacionais e a gradao

    de sua importncia, isto , a clara definio de quais interesses obrigam ao emprego da fora, quais exigem a ameaa

    de seu emprego e quais recomendam a negociao a partir de uma posio de fora, acrescentando que so

    interesses nacionais: (a) a defesa das fronteiras nacionais, tenham sido demarcadas por guerras de conquista, acordos

    internacionais, laudos arbitrais ou sentenas de tribunais internacionais; (b) a defesa do status quo territorial no

    sistema regional em que o Estado se insere, nem que tal defesa se faa para mascarar sua eventual alterao em favor

    do Estado em questo; (c) a defesa das rotas das quais depende o comrcio internacional do Pas preciso ter

    presente que o grau de dependncia absoluta de um pas aumenta medida que maior a relao comrcio

    exterior/PIB e a defesa do prprio comrcio internacional e do acesso do Estado s grandes correntes comerciais e

    quelas de inovao tecnolgica; (d) a defesa dos interesses nacionais em outros Estados. Esses interesses so

    privados ou so privados com repercusso estatal. (Cf. FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de

    Janeiro: Revan, 2001, pp. 142-143).

  • 22

    termo (econmico e militar), com emprego simultneo embora nem sempre dotado de unidade

    de comando institucional da diplomacia, da dissuaso e de operaes encobertas para conter o

    surgimento de coligaes hostis e regimes ideologicamente adversos na regio.

    Outros autores, como Vizentini, desposam a tese de que a poltica externa do perodo tem

    sua matriz no Itamaraty e sua concepo antecede aos governos militares. Ela consistiria,

    sobretudo a partir da administrao Costa e Silva, na retomada dos postulados que nortearam a

    Poltica Externa Independente nas administraes de Jnio Quadros e Joo Goulart. Tal

    conduta visava libertar a diplomacia brasileira da camisa de fora ideolgica da Guerra Fria,

    deslocando-a do eixo Leste/Oeste para uma perspectiva universalista das relaes internacionais,

    acentuando a emergncia e importncia do eixo Norte/Sul. Como conseqncia, assistiu-se

    multilateralizao das frentes de ao, seja no tocante aos principais temas constantes da agenda

    (descolonizao, desarmamento, desenvolvimento e autodeterminao), seja pelos foros nos

    quais estas questes passariam a ser enfrentadas (OEA e, especialmente, agncias da ONU).

    Simultaneamente, consolidou-se uma nova percepo da articulao entre as demandas

    econmicas internas e a atuao internacional do Pas, valorizado em sua dimenso latino-

    americana e nas suas aspiraes de potncia. No processo de confeco e reciclagem desse

    paradigma, certos membros do primeiro escalo da Chancelaria desempenharam papel

    fundamental, tais como Francisco Clementino San Thiago Dantas, Joo Augusto de Arajo

    Castro, Ramiro Elysio Saraiva Guerreiro e outros. O alto grau de institucionalizao,

    enclausuramento e profissionalizao do Itamaraty teria contribudo para consolidar seu

    progressivo monoplio sobre a formulao e a implementao da poltica externa, agora apartada

    das disputas domsticas e guiada exclusivamente pelos interesses nacionais, dos quais os

    diplomatas consideravam-se, naturalmente, os melhores intrpretes.

    Independentemente da tese apoiada na controvrsia descrita, cumpre recordar a influncia

    do Ministrio da Fazenda na forja da poltica externa, cabendo acrescentar que a referida pasta

    no apenas atuava no sentido de orientar as aes diplomticas propriamente ditas, como tambm

    reservava para si determinados canais de interlocuo com governos e organismos estrangeiros,

    sobretudo instituies financeiras. Semelhante fenmeno, adiante-se, trouxe repercusses graves,

    uma vez que os emprstimos externos eram contrados sob critrios puramente tcnicos e, por

    conseguinte, no eram examinados em suas possveis conseqncias polticas, tarefa esta que

    caberia ao Itamaraty. Posteriormente, com o advento da crise da dvida em 1982, o Pas teve

  • 23

    sua margem de manobra seriamente comprometida pelo imperativo de equilibrar o balano de

    pagamentos, atrelado que estava dependncia do Tesouro norte-americano e dos bancos

    internacionais.32

    Alm de desfrutar da aludida autonomia institucional quanto modelagem das

    relaes econmicas com o exterior, a Fazenda procurava ora de maneira velada, ora ostensiva

    alterar os contornos polticos da conduta internacional do Pas. Essa desenvoltura foi

    particularmente visvel no governo Mdici, essencialmente delegativo.

    As fontes primrias utilizadas so oficiais e extra-oficiais. Dentre as primeiras, figuram

    Exposies de Motivos, relatrios, memorandos e outros documentos da SG/CSN, do Itamaraty e

    do Ministrio da Fazenda, bem como as leis e decretos que regulamentavam a competncia destas

    instituies. Dentre as segundas, recai nfase nas entrevistas, memrias, depoimentos e obras

    prescritivas deixados por membros do Itamaraty, das Foras Armadas e do Ministrio da

    Fazenda, com a finalidade de analisar o processo de planejamento e execuo da poltica externa

    brasileira durante o perodo examinado e decompor o peso relativo de cada um destes atores. Para

    tanto, o Captulo I ser destinado descrio da poltica externa adotada pelos governos de 1964-

    1979, com suas sucessivas alteraes, ao passo que nos captulos seguintes procurar-se- dissecar

    o papel desempenhado por aquelas trs instituies, bem como os conflitos burocrticos que entre

    elas se sucederam.

    32

    A esse respeito Gilda Portugal Gouva nos fornece uma descrio detalhada em Burocracia e elites burocrtica no

    Brasil (So Paulo, Ed. Paulicia, 1994), obra que analisa a atuao do Ministrio da Fazenda, do Banco do Brasil, do

    BNDES e do Conselho Monetrio Nacional ao longo do perodo 1930-1985, com particular nfase para os dois

    decnios posteriores a 1964.

  • 24

    CAPTULO I - A POLTICA EXTERNA DO REGIME MILITAR: QUADRO

    GERAL, RUPTURAS E CONTINUIDADES

    1. AS CISES NO MOVIMENTO CONTRA-REVOLUCIONRIO DE 1964

    Para compreender a evoluo da poltica externa brasileira entre 1964 e 1979,

    necessrio salientar que o Pas encontrava-se sob regime de exceo, instaurado em virtude da

    Contra-Revoluo de 1964, sob liderana das Foras Armadas. Estas, a partir de ento no poder,

    se dividiam em grupos, cada qual com uma concepo diferente de projeto nacional. O formato

    da poltica externa e a aplicao do modelo econmico variaram conforme este ou aquele setor

    estivesse frente do governo; os fatores externos, decorrentes das mudanas na dinmica da

    Guerra Fria, tambm tiveram seu peso. Assim como os militares, as elites empresariais

    encontravam-se divididas quanto ao projeto nacional a ser implementado, embora tenham sido

    unnimes em apoiar a deposio do governo Joo Goulart.

    Em sua maioria, os estudos sobre o papel poltico das Foras Armadas no perodo

    classificam os militares em duas categorias: os castelistas e a linha dura. Segundo Paulo

    Fagundes Vizentini33

    e Elizer Rizzo Oliveira,34

    o grupo castelista constitua um setor mais

    intelectualizado e minoritrio. Seus membros atribuam carter meramente provisrio ao Regime

    Militar, cuja durao deveria ser limitada ao tempo necessrio para neutralizar a oposio

    comunista e reformar o Estado Brasileiro em moldes liberais. No tocante economia, os

    castelistas desposavam teorias ortodoxas, dando nfase iniciativa privada e aos investimentos

    estrangeiros. Quanto poltica externa, defendiam a aproximao do Brasil com os EUA no

    contexto da Guerra Fria, enfatizando o imperativo de manter unido o bloco ocidental. Por

    conseguinte, tendiam a equiparar as fronteiras ideolgicas s fronteiras nacionais, asseverando

    que nenhum pas americano seria capaz de defender-se sozinho contra o comunismo. Alguns

    representantes desta ala militar eram Juarez de Tvora, Juracy Magalhes, Antonio Carlos

    Muricy e o prprio Humberto de Alencar Castelo Branco.

    33

    VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do Regime Militar Brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.

    78. 34

    OLIVEIRA, Eliezer Rizzo. Conflitos militares e decises polticas sob a presidncia do General Geisel. In:

    ROUQUI, Alain (Org.). Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1980, pp. 119-120.

  • 25

    A linha-dura, por sua vez, constitua o segmento nacionalista e autoritrio das Foras

    Armadas, posto que seus membros defendiam o prolongamento e o aprofundamento da

    Revoluo no intento de levar a cabo o projeto Brasil Potncia, para o qual seriam

    necessrios o fortalecimento do Estado e o endurecimento do regime. Nacionalistas, advogavam

    o protecionismo como instrumento de viabilizao da indstria autctone e a estatizao dos

    setores estratgicos da economia como meio de defesa da soberania nacional energia,

    telecomunicaes, minerao, siderurgia, aviao, indstria blica, etc. Investimentos

    estrangeiros eram bem-vindos, desde que feitos sob superviso do governo e oferecessem

    contrapartidas. Conseqentemente, preconizavam uma poltica externa mais independente,

    embora anticomunistas radicais e favorveis a mtodos mais violentos no combate s esquerdas.

    Alguns expoentes dessa ala militar eram generais como Jayme Portella de Mello, Arthur da Costa

    e Silva, Emlio Garrastazu Mdici, Joaquim Justino Alves Bastos, Newton Arajo de Oliveira e

    Cruz, etc.

    Em ltima anlise, salienta o socilogo Jos Murilo de Carvalho, a controvrsia entre

    estes dois grupos no opunha esquerdistas e direitistas; era uma disputa entre a direita liberal e a

    direita nacionalista no seio das Foras Armadas, que em 1964 uniram-se para depor Joo Goulart

    e liquidar o projeto comuno-sindical.35

    Essa dualidade perpassou o Regime Militar durante as

    suas duas dcadas de durao, ressalta o cientista poltico Elizer Rizzo Oliveira:

    Os governos militares foram marcados por um conflito permanente entre, de um

    lado, a orientao poltica da ESG (abertura ao capital estrangeiro, alinhamento

    com os EUA quanto poltica externa, manuteno do Poder Legislativo e dos

    partidos polticos tradicionais), principal apoio da candidatura do Marechal

    Castelo Branco Presidncia da Repblica em 1964, e, de outro lado, as

    presses dos setores militares duros, partidrios da represso sistemtica aos

    movimentos sociais em nome do combate ao comunismo e da adoo de uma

    poltica econmica nacionalista, em particular no ramo das riquezas naturais.

    Estas diferenas tticas apareceram imediatamente aps o golpe de Estado, para

    o qual estas foras haviam estabelecido um acordo poltico precrio mas

    condicionaram decisivamente o desenrolar o processo poltico e institucional do

    Pas.36

    Embora correta em linhas gerais, essa leitura dualista das cises no estamento fardado

    peca pela excessiva generalizao, pois dentro da ala castelista havia uma significativa corrente

    35

    CARVALHO, Jos Murilo. Vargas e os militares. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo.

    Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 344. 36

    OLIVEIRA, Eliezer Rizzo. Conflitos militares e decises polticas sob a presidncia do General Geisel. In:

    ROUQUI, Alain (Org.). Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1980, pp. 119-120.

  • 26

    nacionalista formada pelos generais Ernesto Geisel, Orlando Geisel, Aurlio de Lyra Tavares,

    Carlos de Meira Mattos, Ayrton Pereira Tourinho, entre outros. O prprio Marechal Castelo

    Branco, apesar de sua manifesta averso ao estatismo econmico, atribua parceria com os EUA

    carter essencialmente instrumental e imediatista.37

    Postura idntica era desposada pelo general

    Golbery do Couto Silva embora o fato de ele haver presidido a americana Dow Chemical o

    tenha transformado em alvo de repdio entre oficiais da linha dura.38

    Esta ltima, observam

    Moniz Bandeira39

    e Joo Roberto Martins Filho,40

    tambm no era monoltica, pois abrigava uma

    dissidncia ultranacionalista abertamente refratria ao capital forasteiro, formada por militares

    que em 1967 fundaram uma associao informal denominada Centelha Nativista,41

    cujo vrtice

    eram generais como Affonso Augusto de Albuquerque Lima, Hlio Duarte Pereira de Lemos,

    Rodrigo Octvio Jordo Ramos, Antonio Carlos de Andrada Serpa, Hugo Abreu e Euler Bentes

    Monteiro. Em sntese, a tradicional interpretao dualista acerca das divises polticas

    existentes nas Foras Armadas, embora essencialmente correta, no esgota as contradies ento

    existentes na instituio castrense.

    2. O GOVERNO CASTELO BRANCO (1964-1967)

    O primeiro governo militar teve o Marechal Humberto Alencar Castelo Branco sua

    frente, sendo que sua base de apoio no meio civil era constituda pelos segmentos empresariais

    associados ao capital estrangeiro e estratos mais liberais da UDN.

    Por fora da situao em que assumiu a chefia do Estado inflao, dficit pblico,

    reservas internacionais esgotadas e dbitos externos vencidos , o governo Castelo Branco fez do

    saneamento econmico sua prioridade mais premente, opo que repercutiu na moldagem tanto

    da poltica interna como da poltica externa. No tocante a esta ltima, buscou normalizar as

    relaes com os EUA, de modo a obter apoio para a renegociao das dvidas do Pas junto ao

    FMI e ao BIRD. O acesso do Brasil a estas fontes de financiamento nas quais Washington

    detinha voto decisivo para a aprovao de qualquer emprstimo esteve bloqueado durante a

    37

    FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, p. 114. 38

    MDICI, Roberto Nogueira. Mdici: o depoimento. Rio de Janeiro: Mauad, 1995, p. 22. 39

    BANDEIRA, Moniz. O nacionalismo latino-americano no contexto da Guerra Fria. Revista Brasileira de

    Poltica Internacional, no 2, julho-dezembro/1994, p. 67.

    40 MARTINS FILHO, Joo Roberto. O Palcio e a Caserna: a dinmica militar das crises polticas na ditadura

    (1964-1969). So Carlos: UFSCar, 1995, pp. 119-120. 41

    KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. So Paulo: Contexto, 2001, p. 59.

  • 27

    administrao de Joo Goulart em virtude dos contenciosos Washington-Braslia (1961-1964) e,

    tambm, pela perspectiva cada vez mais provvel de um calote, haja vista o agravamento da crise

    econmica. Diante dessa situao, o governo de 1964-1967 abrandou as restries legais s

    remessas de lucros para readquirir a confiana dos investidores estrangeiros e implementou uma

    severa poltica anti-inflacionria, mediante conteno dos gastos pblicos, com o fito de

    recuperar a credibilidade do Pas perante os bancos multilaterais, com o que seria possvel

    renegociar os dbitos pendentes e obter novos financiamentos. Essa linha de ao foi gestada

    pelos Ministrios da Fazenda e do Planejamento, encabeados pelos economistas Otvio Gouveia

    Bulhes e Roberto Campos, elementos de ntida orientao liberal. O programa de reformas foi

    consubstanciado no PAEG, cujas linhas gerais so descritas pelo economista Andr Lara Resende

    nos seguintes termos:

    Tratava-se de um programa que acentuava a importncia da manuteno, ou da

    recuperao, das taxas de crescimento da economia. O combate inflao

    estava sempre qualificado no sentido de no ameaar o ritmo da atividade

    produtiva. A restrio do balano de pagamentos era diagnosticada como sria

    limitao ao crescimento. Para super-la, o PAEG propunha uma poltica de

    incentivos exportao, uma opo pela internacionalizao da economia,

    abrindo-a ao capital estrangeiro, promovendo a integrao com os centros

    financeiros internacionais e o explcito alinhamento com o sistema norte-

    americano da Aliana para o Progresso. A manuteno, ou a promoo, da

    capacidade de poupana da economia associada em todos os nveis ao sucesso

    na luta contra a inflao.42

    Alm do combate ao dficit pblico, reduzido de 4,2% para 1,1% do PIB em 1964-1966,

    figuravam como principais medidas anti-inflacionrias a conteno dos reajustes salariais e a

    centralizao da arrecadao tributria. De fato, o governo logrou reduzir a taxa anual de inflao

    de 103% para 38% em 1964-1966, mas com significativos custos, gerando impactos recessivos

    sobre a produo, particularmente nos setores de alimentos, vesturio e construo civil,

    dependentes que eram do mercado interno. Nestas condies, em que a retrao do consumo

    reduzia o espao disponvel, atrair investimentos de fora e estimular a competio concedendo

    tratamento idntico a empresas nacionais e estrangeiras equivalia a favorecer estas ltimas.

    Durante o binio 1965-1966, diversas companhias autctones sucumbiram concorrncia,

    vendendo total ou parcialmente seus acervos acionrios a similares forneas. Esse processo de

    42

    RESENDE, Andr Lara. Estabilizao e reforma. In ABREU, Marcelo Paiva (Org.). A ordem do progresso: cem

    anos de poltica econmica republicana. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 215.

  • 28

    desnacionalizao ganhou as pginas dos jornais,43

    tornou-se objeto de uma CPI44

    e de

    reclamaes pblicas de entidades patronais,45

    s quais se somaram militares da linha-dura e

    inclusive alguns generais e almirantes do prprio gabinete governamental, como Peri Constant

    Bevilaqua,46

    Chefe do EMFA, Ernesto Geisel, Secretrio-Geral do CSN,47

    e Ernesto de Mello

    Baptista,48

    Ministro da Marinha. voz deles somou-se a de Paulo Egydio Martins, Ministro da

    Indstria e Comrcio, que no se pronunciou publicamente, mas manifestou sua apreenso

    durante a 37 Sesso do Conselho de Segurana Nacional, realizada a 10 de maio de 1966,

    quando advertiu o Presidente de que o problema da desnacionalizao das empresas brasileiras

    se apresenta como sumamente crtico.49

    A linha-dura se agrupou progressivamente em torno do

    Ministro da Guerra, Marechal Arthur da Costa e Silva, que tornou-se porta-voz das demandas por

    uma conduta internacional mais autnoma, por uma poltica econmica mais desenvolvimentista

    e nacionalista em oposio ortodoxia liberal da dupla Campos-Bulhes e, tambm, por um

    combate mais violento s esquerdas.

    Apoiado nos radicais, o Marechal Costa e Silva emparedou o Presidente em outubro de

    1965, impondo-se como seu sucessor, episdio que no cabe aqui dissecar. O aspecto a sublinhar

    reside no papel subsidirio que Castelo Branco, seus tecnocratas e alguns dos militares prximos

    a ele como Juarez Tvora e Juracy Magalhes atribuam ao Estado no processo de

    desenvolvimento do Pas. Sem chegar a propor um livre mercado puro, Castelo Branco

    propugnava que o Estado deveria agir como indutor e no promotor do crescimento

    econmico, garantindo a segurana jurdica e a estabilidade poltica. No mximo, investiria em

    infra-estrutura para viabilizar a atividade privada, sem fazer quaisquer discriminaes. Neste

    ltimo ponto o Marechal era particularmente avesso s demandas de empresrios brasileiros que,

    incapazes de competir com os estrangeiros, reclamavam proteo e privilgios do governo.

    Em dezembro de 1966, durante palestra em Manaus, o Presidente defendeu-se das acusaes

    43

    PEREIRA, Osny Duarte. Multinacionais no Brasil: aspectos sociais e polticos. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, 1974, p. 66. 44

    GALEANO, Eduardo. Veias abertas da Amrica Latina. So Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 237. 45

    VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do Regime Militar Brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.

    78. 46

    LEMOS, Renato. Justia fardada. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004, p. 23. 47

    Para um exame detido da atuao do general Geisel como Secretrio-Geral do Conselho de Segurana Nacional

    em 1964-1967, ver Seo desta dissertao intitulada: Conflitos entre o Ministrio da Fazenda e os militares. 48

    CONTREIRAS, Helio. Militares: confisses. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p. 33. 49

    ALBERTI, Verena, FARIAS, Ignez Cordeiro & ROCHA, Dora (Org.). Paulo Egydio conta. So Paulo: Imprensa

    Oficial do Estado de So Paulo, 2007, p. 288.

  • 29

    levantadas pela oposio civil e militar. A citao, embora extensa, mostra-se de grande valia ao

    dar exata noo dos critrios que orientavam suas decises sobre o tema:

    Dos empresrios temos exigido maior fidelidade no pagamento de tributos,

    maior esforo de produtividade, maior disciplina no acesso ao crdito, maior

    aceitao da concorrncia como instrumento de defesa do consumidor. Muitos

    tm encontrado dificuldade de adaptao a um mercado mais exigente, menos

    aodado. Outros perderam fontes ilegtimas de capital de giro, antes

    encontradas na evaso ou postergamento de tributos, no crdito subvencionado

    em benefcio de grupos privilegiados, nas tarifas irrealistas de energia e

    transportes (...). Mas, ao alinharem suas queixas, esquecem-se alguns

    empresrios das inmeras medidas de fortalecimento empresarial adotadas pelo

    governo. A modernizao do sistema fiscal ora completada com os recentes

    decretos-leis sobre os impostos de renda, consumo e importao, e com a

    implantao do novo Cdigo Tributrio, d outro alento ao empreendedor,

    extingue a tributao sobre lucros fictcios e sobre a manuteno do capital de

    giro, encoraja a subscrio de aes, substitui o obsoleto imposto do selo por

    uma tributao moderada sobre operaes financeiras e, finalmente, elimina a

    incidncia em cascata dos impostos estaduais e municipais. A reconstruo do

    crdito internacional do Pas permite ao empresrio brasileiro, pela primeira vez

    em anos, obter emprstimos externos em condies razoveis (...). O

    empresrio no mais trabalha sob permanente ameaa de confisco, pode

    calcular seus custos salariais e no enfrenta a perspectiva de contnuas greves

    de inspirao poltica (...). Nesta oportunidade h outro tema que quero tratar.

    Refiro-me aos falsos nacionalistas, que querem consumir e no poupar (...), que

    defendem intransigentemente privilgios e recusam tenazmente deveres, que

    deblateram contra o capital estrangeiro mas no oferecem nenhuma receita para

    aumentar a poupana nacional. Fala-se irresponsavelmente em

    desnacionalizao de empresas, citando-se exemplos pouco numerosos e s

    vezes falsos. Esquece-se, porm, que em setores fundamentais como

    eletricidade, telecomunicaes e minrios, foram nacionalizados, nos ltimos

    dois anos, acervos no valor de meio trilho de cruzeiros e que, continuamente,

    empresas estrangeiras se abrem participao acionria nacional, premidas pela

    legislao tributria que discrimina em favor das companhias de capital aberto.

    Exemplo verdadeiro de nacionalismo o planejamento austero das despesas de

    governo, que nos permitiu, em pouco mais de dois anos, dobrar a percentagem

    votada a investimentos na infra-estrutura econmica e social do Pas,

    comparativamente s despesas de custeio (...). Exemplo verdadeiro de

    nacionalismo a recuperao de vrias empresas estatais que, de ninhos de

    corrupo e empreguismo, passaram a ser eficientemente geridas. Exemplo

    verdadeiro de nacionalismo a restaurao cambial do Pas, que nos dispensa

    da humilhao de mendigar emprstimos e nos permite negociar com

    independncia e altivez (...). Num pas de dimenses continentais como o

    Brasil, de regies j altamente desenvolvidas, o receio de colonialismo

    econmico revela injustificvel complexo de inferioridade e subestimao do

    nosso prprio valor. Podemos e devemos atrair a colaborao do capital

    estrangeiro, sem dar-lhe privilgios e exigindo-lhe o cumprimento de nossas

    leis, mas tambm sem ressentimentos e sem medo, pois a nossa histria revela

    que So Paulo, regio do Brasil que mais absorveu capital estrangeiro, longe de

    se desnacionalizar, transformou-se em fator de poupana nacional e hoje

  • 30

    exporta investidores e tecnologia para o Nordeste e a Amaznia (...). O sadio

    nacionalismo, que convm aos empresrios, que convm ao governo, que

    convm ao Pas, aquele que busca a racionalidade e eficcia dos

    investimentos, quer internos, quer externos.50

    Evidentemente, essa postura destoava daquela desposada por amplos setores das Foras

    Armadas, onde predominava a percepo de que o governo deveria impulsionar ativamente o

    desenvolvimento do Pas, sem se limitar criao de um ambiente fiscal e monetrio propcio

    ampliao dos investimentos privados. Tambm era quase consenso nos quartis que o Estado

    deveria restringir a presena do capital estrangeiro na economia, fosse mediante estatizaes,

    fosse mediante reservas de mercado para firmas brasileiras, fosse atravs de privilgios

    creditcios e tributrios s empresas nacionais, fosse ainda por meio de limitaes legais de

    qualquer ordem. Esse foi um dos fatores que contriburam isolar o grupo castelista mais

    precisamente sua corrente liberal , impedindo-o de conduzir o processo de sucesso

    presidencial, na medida em que o Ministro da Guerra capitalizou o descontentamento do

    empresariado e dos militares com a poltica econmica, erigindo-se em porta-voz do

    nacionalismo. Tambm pesaram em favor da derrota do Presidente as demandas da linha-dura

    por uma represso mais intensa aos comunistas e pelo prolongamento do Regime, reivindicaes

    estas que igualmente foram endossadas pelo Marechal Costa e Silva. Por fim, outro flanco que

    exps o governo aos ataques da oposio civil e militar residiu na poltica externa.

    Conforme visto, a necessidade urgente de sanear a economia levou o governo de 1964-

    1967 a reaproximar o Brasil dos EUA, de modo a reunir com mais facilidade as condies

    indispensveis ao equilbrio do balano de pagamentos, sem o que jamais seria possvel sair da

    moratria que inviabilizava qualquer horizonte mais ambicioso de crescimento econmico. Essa

    reaproximao atravs da qual se obteve a renegociao dos dbitos junto aos bancos

    multilaterais, assim como novos emprstimos destes ltimos e da USAID no era gratuita, na

    medida em que o Brasil pagou um preo pelo apoio da Casa Branca. No campo econmico, esse

    pedgio foi consubstanciado nas concesses do governo s empresas estrangeiras, notadamente

    as norte-americanas, haja vista o Acordo Bilateral de Garantia de Investimentos firmado em

    1965. No campo poltico, residiu no atenuamento da postura contestadora e terceiro-mundista que

    marcara a atuao dos governos de 1961-1964 no mbito da OEA e da ONU, bem como na

    50

    CONFEDERAO NACIONAL DA INDSTRIA. A indstria brasileira e a Amaznia. Rio de Janeiro:

    Edio do Servio Social da Indstria Departamento Nacional, 1969, pp. 36-38.

  • 31

    adeso parcial s teses norte-americanas sobre a segurana do Hemisfrio. Nesse sentido,

    quando exps ao Itamaraty, em 31 de julho de 1964, as diretrizes que norteariam sua poltica

    externa, Castelo Branco asseverou que:

    No presente contexto de uma confrontao de poder bipolar, com radical

    divrcio poltico-ideolgico entre os dois centros, a preservao da

    independncia pressupe a aceitao de um certo grau de interdependncia,

    quer no campo militar, quer no econmico, quer no poltico (...). A poltica

    externa no pode esquecer que fizemos uma opo bsica, da qual decorre a

    fidelidade cultural e poltica ao sistema democrtico ocidental.51

    Esse excerto do pronunciamento presidencial, somado s caractersticas do PAEG e

    escolha do diplomata Vasco Leito da Cunha para o cargo de Chanceler, levou muitos a

    interpretarem todos os traos de anticomunismo da poltica externa castelista como sintomas do

    alinhamento automtico com os EUA. Nessa linha de anlise, teriam sido inspirado pela Casa

    Branca o rompimento de relaes diplomticas com a China e Cuba, em 1964. Tambm atribui-

    se presso americana as decises de fornecer tropas Fora Interamericana de Paz que ocupou

    a Repblica Dominicana e defender a transformao da FIP em instrumento permanente e no

    apenas temporrio, restrito ao caso dominicano da OEA, destinado a intervir em outros pases

    americanos ameaados pelo comunismo. Todavia, um exame mais detido demonstra que a

    ruptura com Pequim e Havana foi ditada por razes prprias, internas. Apenas o envio de

    contingentes Repblica Dominicana e a defesa da institucionalizao da FIP podem ser

    imputadas ao esforo de reaproximao Brasil-EUA, ainda assim com ressalvas.

    O rompimento com a China em 1964 decorreu da priso, sob acusao de espionagem, da

    misso comercial que viera ao Brasil em abril daquele ano, numa operao policial que sequer

    fora iniciativa da administrao federal, e sim do governador Carlos Lacerda. Sensvel ao clima

    de anticomunismo exacerbado que marcou os meses posteriores Contra-Revoluo, a Justia

    Militar endossou a tese de Lacerda e sentenciou os emissrios chineses a 10 anos de priso.

    Todavia, note-se, eles no chegaram a cumprir pena, pois foram indultados pelo Presidente e

    deportados em fevereiro de 1965,52

    deciso esta embasada em critrios de longo prazo, segundo

    Oliveiros Ferreira: A priso e condenao dos membros da misso chinesa foram variaes

    tticas da poltica externa, ditadas pela presso da situao poltica interna, mas a soltura deles,

    51

    FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 111. 52

    VIZENTINI, Paulo Fagundes. A poltica externa do Regime Militar Brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.

    78.

  • 32

    um ano depois, foi um ato que obedeceu conduta estratgica, e que rendeu frutos nove anos

    depois53

    [o reatamento das relaes diplomticas, em 1974].

    A ruptura com Cuba, em 13 de maio de 1964, tampouco parece ter sido inspirada por

    Washington. Ao esclarecer a deciso, o Chanceler Vasco Leito da Cunha apontou a interferncia

    de Havana nos assuntos internos do Pas mediante assistncia a grupos marxistas brasileiros

    fato incontroverso desde 1962 e citou as concluses a que havia chegado uma comisso

    investigadora da OEA, convocada pela Venezuela quando foras cubanas desembarcaram armas

    clandestinamente no seu litoral, em auxlio aos guerrilheiros locais.54

    Anos depois, a abertura de

    alguns arquivos revelou que o governo cogitara tomar medidas mais drsticas durante a reunio

    do Conselho de Segurana Nacional convocada para discutir o assunto, durante a qual o Chefe do

    Estado-Maior da Armada, almirante Levy Penna Aaro Reis, advogou o envio de uma fora-

    tarefa da Marinha Brasileira para participar de um cerco a Cuba, em virtude da possvel

    utilizao da ilha para lanamento de msseis de longo alcance contra nosso Pas. A sugesto foi

    rejeitada pelos demais membros do Conselho ali presentes: o Presidente Castelo Branco, o

    Ministro da Guerra, Marechal Arthur da Costa e Silva, o Ministro dos Transportes, Marechal

    Juarez Tvora, e o Secretrio-Geral do CSN, general Ernesto Geisel.55

    Decidiu-se que bastaria

    romper relaes com Havana, que desde o 31 de maro recusava-se a reconhecer o novo governo

    brasileiro. Ademais, com exceo da Venezuela, seria difcil obter apoio militar dos pases latino-

    americanos para a aventura naval proposta por Aaro Reis os EUA no entravam na equao,

    pois era-lhes proibido atacar Cuba por fora do acordo Kennedy-Kruschev, que encerrou a Crise

    dos Msseis de 1962.

    Por outro lado, a exportao da revoluo, antes clandestina, tornou-se poltica oficial

    do regime cubano com a realizao da Conferncia Tricontinental de Havana, entre 3 e 16 de

    janeiro de 1966. Do evento participaram organizaes de 82 pases, sendo a delegao brasileira

    composta por Alusio Palhano e Excelso Ridean Barcelos, enviados pelo ex-governador gacho

    Leonel Brizola (exilado no Uruguai), Ivan Ribeiro e Jos Bastos, enviados pelo PCB, Vincius

    Caldeira Brandt, enviado pela AP, e Flix Atade, assessor do ex-governador pernambucano

    Miguel Arraes, tambm exilado. Ao trmino da Conferncia, as 27 delegaes latino-americanas

    53

    FERREIRA, Oliveiros. A crise da poltica externa. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 44. 54

    Revista Brasileira de Poltica Internacional, n 27, setembro-dezembro/1964, pp. 591-598: Entrevista do

    Chanceler Vasco Leito da Cunha sobre poltica exterior brasileira. 55

    Folha de S. Paulo, 5 de maio de 2009, p. A-7: Brasil cogitou mandar barcos para fazer cerco a Cuba na Guerra

    Fria.

  • 33

    fundaram a OLAS, sediada em Havana e encarregada de coordenar a luta revolucionria.56

    Seus primeiros frutos amadureceram no Brasil semanas depois, durante as festas do 2

    aniversrio da Contra-Revoluo, em 31 de maro de 1966, no Recife (PE), quando uma bomba

    explodiu na residncia do Comandante do IV Exrcito, general Francisco Damasceno Portugal.57

    No houve feridos. A segunda exploso ocorreu em 25 de julho, no Aeroporto de Recife, e tinha

    como alvo o Marechal Costa e Silva, recm-indicado pela ARENA para a Presidncia da

    Repblica. Como o artefato explodiu antes da hora, matou dois membros da comitiva de

    recepo, o almirante Nelson Passos Fernandes e o jornalista Edson Rgis de Carvalho. O mentor

    dos ataques, Alpio de Freitas, militante da AP que acabara de regressar de seu treinamento em

    Cuba, admitiu ter recrutado cinco estudantes para auxili-lo.58

    Dcadas depois, justificou-se:

    Morreu gente, ns lamentamos, mas era uma guerra, tinha que haver vtimas.59

    A percepo de

    guerra no era s dele, conforme se nota no Relatrio Anual do Estado-Maior do Exrcito de

    1966, que dedicou extenso captulo OLAS.60

    Inserem-se no contexto da reaproximao Brasil-EUA, de fato, duas decises do governo

    Castelo Branco em matria de poltica externa: o fornecimento de tropas FIP formada para

    intervir na Repblica Dominicana em 1965 e a adeso proposta de se institucionalizar aquela

    Fora, dando-lhe carter permanente, para liquidar outras crises revolucionrias que porventura

    surgissem no continente. Os dois episdios merecem comentrio detido, porquanto se inscrevem

    no quadro mais amplo dos debates que conduziram reforma da Carta da OEA em 1967.

    A crise na Repblica Dominicana se arrastava desde 1961, quando do assassinato do

    general Rafael Trujillo, que governara o pas por trs dcadas. Em dezembro de 1962, as eleies

    deram vitria ao escritor reformista Juan Bosch, empossado em fevereiro de 1963. Alegando

    infiltrao comunista no governo, os militares o depuseram em setembro do mesmo ano,

    substituindo-o pelo general Donald Reid Cabral. Este, por sua vez, foi deposto por coronis

    esquerdistas em abril de 1965, desencadeando uma guerra civil entre os contingentes dos dois

    autoproclamados governos, um sob liderana do coronel Francisco Caamao (pr-Bosch),

    outro pelo coronel Pedro Bartolome Benoit (anti-Bosch), ambos reivindicando reconhecimento

    56

    Essa nfase na estratgia guerrilheira viria a provocar o surgimento da ALN, formada pelos radicais do PCB que,

    sob liderana de Carlos Marighella, romperam com a direo do Partido, por discordarem de seu mtodo pacfico e

    gradualista de luta pelo socialismo. 57

    DEL NERO, Augusto Aguinaldo. A grande mentira. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001, p. 182. 58

    Jornal do Commercio, 23 de junho de 1995: Atentado a bomba no Guararapes tem nova verso 29 anos depois. 59

    Jornal do Commercio, 26 de julho de 1995: Bomba dos Guararapes foi ato de guerra. 60

    ESTEVES, Diniz. Documentos histricos do Estado-Maior do Exrcito. Braslia: Edio do EME, 1996, p. 406.

  • 34

    internacional. No terceiro dia de combate, em 28 de abril, o governo de Bernoit informou ao

    embaixador dos EUA, Tapley Bennet, que suas foras no teriam condies de garantir a

    integridade fsica dos 40.000 cidados norte-americanos ali residentes, diante do que a Casa

    Branca determinou o desembarque de 23.000 fuzileiros navais no pas latino, em 1 de maio.

    Chile, Mxico, Colmbia e Venezuela condenaram publicamente a interveno. A pedido do

    Chile, a OEA convocou a X Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores dos

    Estados Americanos RCMRE, que na sua 1 sesso plenria, a 1 de maio de 1965, determinou

    ao Secretrio-Geral da OEA, Jos Mora, que fosse Repblica Dominicana para persuadir os

    contendores a assinar um cessar-fogo. Cumprida essa misso, a X RCMRE aprovou uma nova

    resoluo, em sua 3 sesso plenria, a 6 de maio de 1965, por 14 votos a 3. Nela, determinou a

    formao de uma FIP, com tropas a serem fornecidas pelos governos dos pases americanos que

    desejem e estejam em condies de faz-lo. Seis naes se prontificaram: EUA, Brasil, Costa

    Rica, Honduras, Nicargua e Paraguai. A FIP, segundo o texto da mesma resoluo, funcionar

    sob autoridade desta RCMRE, com o objetivo de:

    Colaborar na reestruturao da normalidade democrtica na Repblica

    Dominicana, na garantia da segurana de seus habitantes, na inviolabilidade dos

    direitos humanos e no estabelecimento de um clima de paz e conciliao que

    permita o funcionamento das instituies democrticas.61

    A resoluo tambm disps que a dissoluo da FIP ocorreria quando a X RCMRE

    determinasse. Dada a necessidade de um comando militar unificado, a Secretaria-Geral da OEA

    solicitou que o Brasil e os EUA fornecessem oficiais para exercer a chefia do contingente. O

    general brasileiro Hugo Panasco Alvim, veterano da FEB, foi designado Comandante da FIP, e o

    general norte-americano Bruce Palmer Junior, Subcomandante. Os marines j presentes na

    Repblica Dominicana foram absorvidos na FIP. J o destacamento brasileiro da FIP, com 1.500

    homens, recebeu a sigla FAIBRAS e seu comando foi atribudo ao coronel Carlos de Meira

    Mattos, tambm veterano da FEB, que acumulou o cargo de Chefe do Estado-Maior da FIP. Os

    outros quatro pases forneceram contingentes menores. Assim, a interveno unilateral na

    Repblica Dominicana se tornava multilateral e remendava uma situao que, a princpio, feria os

    princpios contidos na Carta da OEA, conforme notou em suas memrias o general Tcito

    61

    MATTOS, Carlos de Meira. A experincia do FAIBRAS na Repblica Dominicana. Rio de Janeiro: Fundao

    IBGE, 1967, p. 13.

  • 35

    Tephilo Gaspar de Oliveira, veterano da FEB62

    que chefiou a Seo de Operaes do Estado-

    Maior da FIP:

    O desembarque dos norte-americanos ferira frontalmente a proibio de

    qualquer Estado interferir nos assuntos internos de outro. Mas uma vez criada a

    FIP, a tropa desembarcada a ela se incorporava e deixava de ser de um pas para

    ser da OEA. Uma maneira diplomtica de contornar um fato consumado.63

    Assim equacionada a faceta militar emergencial do problema, a X RCMRE voltou-se

    para os aspectos polticos propriamente ditos e aprovou, na sesso plenria de 2 de junho, a

    criao de uma Comisso de Paz formada por trs diplomatas Ilmar Penna Marinho (Brasil),

    Ellsworth Bunker (EUA) e Ramn Clairmont Dantas (El Salvador) , incumbindo-a de mediar o

    dilogo entre os dois partidos contendores e estabelecer um roteiro para a normalizao da

    situao poltica no pas. Aps demoradas negociaes, em 3 de setembro a Comisso logrou

    costurar um acordo: (1) formao de um governo provisrio sob presidncia do deputado Garcia

    Godoy; (2) regresso dos lderes exilados; (3) entrega de todas as armas OEA; (4) volta dos

    militares aos quartis; (5) realizao de eleies em junho de 1966. Tanto a Comisso de Paz

    (brao poltico) como o Comando da FIP (brao militar) prestavam contas RCMRE, mas nem

    sempre agiram de forma harmnica, pois, segundo o Chanceler Vasco Leito da Cunha, o

    general Hugo Panasco Alvim estava alucinado, dizia que o delegado americano da Comisso de

    Paz, Ellsworth Bunker, era comunista porque no fazia o que ele queria.64

    Outro ponto de atrito

    dizia respeito ao prazo de permanncia da FIP na Repblica Dominicana, segundo relata o

    general Tcito Tephilo Gaspar de Oliveira:

    Durante sua estada em Washington, em julho de 1965, Ellsworth Bunker

    conferenciara com o Presidente Lindon Johnson, que estava mais preocupado

    com a Guerra do Vietn do que com o caso dominicano. Na sua viso poltica

    global, no havia urgncia em solucionar o problema, contanto que a FIP

    permanecesse na ilha. Era como se dissesse vamos deixar para ver como fica,

    na linguagem popular. Tal orientao no interessava ao Brasil, que desejava ver

    a questo solucionada o mais breve possvel, por razes bvias.65

    62

    A expressiva presena de veteranos da FEB em diversos cargos polticos e militares do Regime chamou bastante a

    ateno durante esta pesquisa e teria que ser objeto de um mapeamento mais amplo. De antemo, deve-se ressaltar

    que um tanto frgil a tese que faz uma ligao entre a corrente liberal do castelismo e os febianos, pois estes

    ltimos tambm estavam presentes na linha-dura, sobretudo entre os ultranacionalistas da Centelha, podendo-se citar

    Hugo Abreu, Affonso Augusto de Albuquerque Lima, Antonio Carlos de Andrada Serpa, Amerino Raposo, Helio

    Duarte Pereira de Lemos, etc. 63

    OLIVEIRA, Tcito Tephilo Gaspar. Rasgando papis: reminiscncias. Fortaleza: UFC, 1998, p. 92. 64

    CUNHA, Vasco Leito. Diplomacia em alto-mar. Rio de Janeiro: FGV, 1994, p. 289. 65

    OLIVEIRA, Tcito Tephilo Gaspar. Rasgando papis: reminiscncias. Fortaleza: UFC, 1998, p. 96.

  • 36

    A questo veio a ser suscitada em 22 de abril de 1966, quando o Presidente Garcia Godoy

    afirmou que o Exrcito dominicano j estava em condies de substituir a FIP. Em 24 de maio,

    declarou que, caso as eleies transcorressem num clima de tranqilidade, seu governo

    oficializaria junto OEA o pedido de retirada da fora multinacional. Realizado o pleito em 1 de

    junho, as urnas deram vitria a Joaquim Balaguer, e no dia 24 do mesmo ms a RCMRE aprovou

    por unanimidade uma resoluo determinando FIP que deixasse o pas caribenho.66

    Os

    contingentes norte-americanos e brasileiros foram os ltimos a sair, tendo o FAIBRAS sido

    extinto pelo Decreto n 59.276 de 23 de setembro de 1966. Embora muito se especule acerca de

    quanto pesou a influncia americana na deciso de enviar as tropas, um testemunho de primeira

    mo permite avali-la. Formalmente, o pedido veio da OEA, informalmente, foi feito pelo

    coronel Vernon Walters, adido militar da Embaixada dos EUA, e Averell Harriman,

    Subsecretrio de Estado dos EUA, dois dias aps a aprovao da resoluo de 6 de maio de 1965

    na RCMRE.67

    Relata Vernon Walters que:

    Segui para Braslia e consegui uma audincia com o Presidente Castelo Branco.

    Ele me ouviu atentamente e se mostrou favorvel idia, perguntando-me qual o

    efetivo do contingente previsto para o Brasil. Eu no recebera de Washington

    informaes acerca desses detalhes, mas o Presidente insistiu para que eu desse

    minha opinio. Respondi-lhe que imaginava ser da ordem de milhares de

    homens. Ele disse que enviaria mensagem ao Congresso, solicitando autorizao

    para que o Brasil participasse da FIP. Depois, olhou-me bem de frente e

    esclareceu: Walters, quero deixar uma coisa bem clara. Se concordei com isso,

    no foi para agradar os Estados Unidos, mas to somente porque uma nao-

    irm americana est ameaada de perder sua liberdade, assim como ns

    estivemos, no faz muito tempo. exclusivamente por essa razo que pedirei ao

    Congresso autorizao para enviar tropa brasileira Repblica Dominicana. No

    fim desse mesmo dia fui ao aeroporto de Braslia receber Averell Harriman,

    encarregado de percorrer os pases americanos em busca de contribuio para a

    FIP. Entreguei-lhe um bilhete: No force a barra. O caminho est aberto. Com

    autorizao do Congresso, o Brasil enviou um contingente de quase 1.500

    homens, todos transportados em avies da FAB.68

    A presena da FIP na Repblica Dominicana ensejou um debate mais amplo sobre as

    relaes hemisfricas, que teve lugar na II Conferncia Interamericana Extraordinria, convocada

    para discutir uma possvel reforma da Carta da OEA. Durante o evento, realizado no Rio de

    66

    MATTOS, Carlos de Meira. A experincia do FAIBRAS na Repblica Dominicana. Rio de Janeiro: Fundao

    IBGE, 1967, pp. 58-61. 67

    CARDOSO, Ney Eichler. O desentulho de Gri. Niteri: Edio do Autor, 2002, p. 111. 68

    WALTERS, Vernon. Misses silenciosas. Rio de Janeiro: Bibliex, 1978, p. 362.

  • 37

    Janeiro, em novembro de 1965, o Chanceler Vasco Leito da Cunha e o Subsecretrio de Estado

    Averell Harriman sugeriram que, aps cumprir sua misso na Repblica Dominicana, a FIP

    poderia adquirir carter permanente, ficando disponvel para ser acionada quando novas crises

    eclodissem no continente. Na ocasio, o Ministro brasileiro explicou que:

    A OEA deve estar aparelhada para uma cooperao mais estreita, na defesa

    externa e interna, diante dos novos processos de infiltrao e subverso (...) No

    se trata de nos afastarmos do princpio de no-interveno, pilar do sistema

    interamericano. O que se tem em vista , se for necessrio, usar a ao coletiva

    que um dos nossos muitos colegas mostrou ser perfeitamente compatvel com a

    no-interveno, para restabelecer a plena vigncia deste, quando solapado por

    processos de infiltrao e subverso.69

    A idia foi rejeitada por vrios governos Chile, Mxico e Venezuela, por exemplo ,

    que encaravam a posio brasileira como legitimadora e legalizadora do intervencionismo norte-

    americano no continente, mas a diplomacia castelista fazia uma leitura distinta: uma vez que o

    acionamento da FIP estaria sujeito aprovao da OEA e portanto de ao menos dois teros dos

    Estados membros , ele jamais ocorreria apenas com base nos critrios da Casa Branca. A FIP, ao

    disciplinar juridicamente o recurso interveno armada nas relaes interamericanas, reduziria a

    margem de manobra dos EUA para empreender aes militares unilaterais, aumentando o custo