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A responsabilidade objetiva no novo Código Civil "Na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, regra geral no direito brasileiro" Para a caracterização do dever de indenizar devem estar presentes os requisitos clássic os: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e, finalmente, culpa. No tocante especificamente à culpa, lembramos que a tendência jurisprudencial cada vez mais marcante é de alargar seu conceito. Surgiu, daí, a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar. Esse fundamento fez também nascer a teoria da responsabilidade objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que desconsidera a culpabilidade, ainda que não se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva. Daí por que a insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade levou à criação da teoria do risco, com vários matizes, a qual sustenta que o sujeito é responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. Em síntese, cuida-se da responsabilidade sem culpa em inúmeras situações nas quais sua comprovação inviabilizaria a indenização para a parte presumivelmente mais vulnerável. A legislação dos acidentes do trabalho é o exemplo marcante que imediatamente aflora como exemplo. Nesse aspecto há importante inovação no novo Código Civil, presente no parágrafo único do artigo 927. Por esse dispositivo, a responsabilidade objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei, também "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Por esse dispositivo o magistrado poderá definir como objetiva, ou seja, independente de culpa, a responsabilidade do causador do dano no caso concreto. Esse alargamento da noção de responsabilidade constitui, na verdade, a maior inovação do novo código em matéria de responsabilidade e requererá, sem dúvida, um cuidado extremo da nova jurisprudência. Nesse preceito há, inclusive implicações de caráter processual que devem ser dirimidas, mormente se a responsabilidade objetiva é definida somente no processo já em curso. A legislação do consumidor é exemplo mais recente de responsabilidade objetiva no ordenamento. Portanto, o âmbito da responsabilidade sem culpa aumenta significativamente em vários segme ntos dos fatos sociais. Nesse diapasão, acentuam- se, no direito ocidental, os aspectos de causalidade e reparação do dano, em detrimento da imputabilidade e culpabilidade de seu causador. Daí porque, por exemplo, o novo código estampa a responsabilidade do incapaz; a possibilidade de seu patrimônio responder por danos por ele causados, ainda que de forma mitigada (artigo 928). Na responsabilidade objetiva, há pulverização do dever de indenizar por um número amplo de pessoas. A tendência prevista é de que no contrato de seguro se encontrará a solução para a amplitude de indenização que se almeja em prol da paz social. Quanto maior o número de atividades protegidas pelo seguro, menor será a

A Responsabilidade Objetiva No Novo Codigo Civil

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  • A responsabilidade objetiva no novo Cdigo Civil

    "Na ausncia de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilcito ser subjetiva, regra geral no direito brasileiro"

    Para a caracterizao do dever de indenizar devem estar presentes os requisitos clssic os: ao ou omisso voluntria, relao de causalidade ou nexo causal, dano e, finalmente, culpa. No tocante especificamente culpa, lembramos que a tendncia jurisprudencial cada vez mais marcante de alargar seu conceito. Surgiu, da, a noo de culpa presumida, sob o prisma do dever genrico de no prejudicar. Esse fundamento fez tambm nascer a teoria da responsabilidade objetiva, presente na lei em vrias oportunidades, que desconsidera a culpabilidade, ainda que no se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva. Da por que a insuficincia da fundamentao da teoria da culpabilidade levou criao da teoria do risco, com vrios matizes, a qual sustenta que o sujeito responsvel por riscos ou perigos que sua atuao promove, ainda que coloque toda diligncia para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefcio. O sujeito obtm vantagens ou benefcios e, em razo dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. Em sntese, cuida-se da responsabilidade sem culpa em inmeras situaes nas quais sua comprovao inviabilizaria a indenizao para a parte presumivelmente mais vulnervel. A legislao dos acidentes do trabalho o exemplo marcante que imediatamente aflora como exemplo.

    Nesse aspecto h importante inovao no novo Cdigo Civil, presente no pargrafo nico do artigo 927. Por esse dispositivo, a responsabilidade objetiva aplica-se, alm dos casos descritos em lei, tambm "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implic ar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Por esse dispositivo o magistrado poder definir como objetiva, ou seja, independente de culpa, a responsabilidade do causador do dano no caso concreto. Esse alargamento da noo de responsabilidade constitui, na verdade, a maior inovao do novo cdigo em matria de responsabilidade e requerer, sem dvida, um cuidado extremo da nova jurisprudncia. Nesse preceito h, inclusive implicaes de carter processual que devem ser dirimidas, mormente se a responsabilidade objetiva definida somente no processo j em curso.

    A legislao do consumidor exemplo mais recente de responsabilidade objetiva no ordenamento. Portanto, o mbito da responsabilidade sem culpa aumenta significativamente em vrios segme ntos dos fatos sociais. Nesse diapaso, acentuam-se, no direito ocidental, os aspectos de causalidade e reparao do dano, em detrimento da imputabilidade e culpabilidade de seu causador. Da porque, por exemplo, o novo cdigo estampa a responsabilidade do incapaz; a possibilidade de seu patrimnio responder por danos por ele causados, ainda que de forma mitigada (artigo 928).

    Na responsabilidade objetiva, h pulverizao do dever de indenizar por um nmero amplo de pessoas. A tendncia prevista de que no contrato de seguro se encontrar a soluo para a amplitude de indenizao que se almeja em prol da paz social. Quanto maior o nmero de atividades protegidas pelo seguro, menor ser a

  • possibilidade de situaes de prejuzo restarem irressarcidas. Ocorre, porm, que o seguro ser sempre limitado ou tarifado; optando-se por essa senda, indeniza-se sempre, mas certamente indenizar-se- menos.

    o que ocorre, por exemplo, na indenizao por acidentes do trabalho, nos acidentes areos e em vrias outras situaes. Sob esse prisma, o novo Cdigo Civil apresenta, portanto, uma norma aberta para a responsabilidade objetiva no pargrafo nico do artigo 927. Esse dispositivo da lei nova transfere para a jurisprudncia a conceituao de atividade de risco no caso concreto, o que talvez signifique perigoso alargamento da responsabilidade sem culpa. discutvel a convenincia de uma norma genrica nesse sentido. Melhor seria que se mantivesse nas rdeas do legislador a definio das situaes de aplicao da teoria do risco. Reiteramos, contudo, que o princpio gravitador da responsabilidade extracontratual no novo Cdigo Civil o da responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade com culpa, pois esta tambm a regra geral traduzida no caput do artigo 927.

    No nos parece, como apregoam alguns, que o novo estatuto far desaparecer a responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize. Portanto, na ausncia de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilcito ser subjetiva, pois esta a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poder concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explicita que somente pode ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de "atividade normalmente desenvolvida" por ele. O juiz deve avaliar, no caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e no uma atividade espordica ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento ou por uma circunstncia possa ser considerada um ato de risco. No sendo levado em conta esse aspecto, poder-se- transformar em regra o que o legislador colocou como exceo.

    A teoria da responsabilidade objetiva no pode, portanto, ser admitida como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o no novo aspecto enfocado pelo novo cdigo. Levemos em conta, por outro lado, que a responsabilidade civil matria viva e dinmica na jurisprudncia. A cada momento esto sendo criadas novas teses jurdicas como decorrncia das necessidades sociais. Os novos trabalhos doutrinrios da nova gerao de juristas europeus so prova cabal dessa afirmao. A admisso expressa da indenizao por dano moral na Constituio de 1988 tema que alargou os decisrios, o que sobreleva a importncia da constante consulta jurisprudncia nesse tema, sobretudo do Superior Tribunal de Justi a, encarregado de uniformizar a aplicao das leis. Desse modo, tambm em relao definio da responsabilidade objetiva no caso concreto, h que se aguardar o rumo dos julgados nos prximos anos.

    Este o sexto de uma srie de 20 artigos sobre o novo Cdigo Civil a ser publicada nesta pgina.

    (Valor Econmico, 26.02.2002, p. E2)