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1 Cassia Bianca Lebrão Cavalari Ferreira A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O DIREITO Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2006

A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O DIREITO RSE e o... · 6 RESUMO A responsabilidade social empresarial embora fundada na ética, mereceu nesse trabalho uma leitura sob o prisma

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Cassia Bianca Lebrão Cavalari Ferreira

A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O

DIREITO

Mestrado em Direito

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2006

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Cassia Bianca Lebrão Cavalari Ferreira

A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O

DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Direito das Relações Sociais, sub-área

de concentração em Direito Civil, sob a

orientação do Professor Doutor Rui

Geraldo Camargo Viana.

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Banca Examinadora

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Aos meus queridos avós, com profunda

saudade, Antonio e Lourdes, que

dentre tantas coisas, ensinaram-se o

respeito ao ser humano; à minha mãe e

irmãs, Suely, Claudia, Cecília e

Cynthia, com imensa gratidão pelo

apoio de todas as horas; e, aos meus

amados Henrique e Sofia, pela

paciência e compreensão, dedico o

presente trabalho com todo o meu

coração.

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Rendo especiais agradecimentos ao

meu mestre e orientador, Professor Rui

Geraldo Camargo Viana, que sagrou-me

com sua vivacidade na abordagem da

relação humana aqui tratada. Não

posso deixar de render tantos outros

agradecimentos aos mestres dos quais

pude embebedar-me de saber durante

minha jornada acadêmica, assim como,

ao estimulador de tantos debates,

Doutor Paulo Nicolellis Junior.

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RESUMO

A responsabilidade social empresarial embora fundada na

ética, mereceu nesse trabalho uma leitura sob o prisma do Direito.

Para tanto, mister se fez o estudo dos princípios

constitucionais da função social e da solidariedade. A terminologia de

responsabilidade também foi abarcada, sugerindo-se a sua substituição por

solidariedade.

O objetivo foi encontrar identidade da responsabilidade social

empresarial no ordenamento jurídico, haja vista que a qualificação dos institutos é

fundamental para a sua compreensão.

A partir de então, fez-se a análise da possibilidade ou não da

regulamentação do conteúdo da responsabilidade social. Apontou-se os benefícios

obtidos pelo comportamento socialmente responsável e o seu abuso.

Tratou-se ainda das hipóteses de responsabilização civil por

dano ocorrido nos projetos sociais.

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ABSTRACT

The social liability of the companies although is based in ethics, on this

paper it will be seen under a legal view.

To accomplish it the study of the constitutional principles, of the social

liability, and solidarity is necessary. The terminology of liability was also treated,

suggesting the substitution of it to solidarity.

The focus was to find the identity of the social liability of the companies

in the legal system, due to the fact that the qualification of the institutes is

fundamental to its comprehension.

From this point, the possibility of regulation of the social liability has

been analyzed. The benefits obtained by the social liability behavior and its

abuse were also pointed.

The hypothesis of civil labialization for an injury on social projects was

also considered on this paper.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................

CCaappíí ttuulloo II – ÉTICA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL...................

11..11.. AA cc iiêênncc iiaa ddaa ccoonndduuttaa.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

11..22.. NNoorrmmaass mmoorraaiiss ee nnoorrmmaass jjuurr ííddiiccaass.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

11..33.. OO eexxeerrccíícc iioo ddaa cc iiddaaddaanniiaa.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

11..44.. EE aa jjuusstt iiççaa ssoocc iiaa ll??.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

11..55 .. AA rreessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee ssoocc iiaa ll eemmpprreessaarr ii aa ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

CCaappíí ttuulloo II II – A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL........... ..................................................

22 ..11 .. AA oorrddeemm eeccoonnôômmiiccaa ccoonnss tt ii tt uucc iioonnaa ll ee oo ddeesseennvvoo ll vv iimmeennttoo

ssoocc iiaa ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

22..22 .. DDeevveerreess ppooss ii tt ii vvooss ee ddeevveerreess nneeggaatt ii vvooss .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

22..33 .. AA ccoonnccrreeççããoo ddooss pprr ii nncc íípp iioo ccoonnss tt ii ttuucc iioonnaa iiss ee aass nnoorrmmaass

pprrooggrraammáátt ii ccaass .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

CCaappíí ttuulloo II II II – FUNÇÃO SOCIAL..... ...........................................

33 ..11 .. AAssppeecc ttooss hh iiss ttóórr ii ccooss ddaa ffuunnççããoo ssoocc iiaa ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

33..22 .. HHaarrmmoonn ii zzaaççããoo eenntt rree dd ii rree ii tt ooss ii nndd ii vv iidduuaa ii ss ee ffuunnççããoo ssoocc iiaa ll ..

33..33 .. FFuunnççããoo ssoocc iiaa ll ee ll uuccrroo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

33..44 .. FFuunnççããoo ssoocc iiaa ll ee sseegguurraannççaa jj uurr íídd iiccaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

33..55 .. AA ffuunnççããoo ssoocc iiaa ll ddaa eemmpprreessaa nnoo CCóódd iiggoo CCiivv ii ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

CCaappíí ttuulloo IIVV – SOLIDARIEDADE SOCIAL............ .......................

44 ..11 .. SSoo ll ii ddaarr ii eeddaaddee ccoommoo vvaa lloo rr .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

44..22 .. PPrr iinncc íípp iioo ccoonnss tt ii tt uucc iioonnaa ll ddaa ssoo ll ii ddaarr ii eeddaaddee.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

44..33 .. AA iimmppooss ii ççããoo ddaa ssoo ll ii ddaarr iieeddaaddee.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

CCaappíí ttuulloo VV – RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL......

55 ..11 .. TTeerrmmiinnoo lloogg iiaa ddee rreessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55 ..11 ..11 .. O termo “responsabil idade”............... ..................

55 ..11 ..22 .. “Responsabil idade” civi l . . .............. ......................

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55..11 ..33 .. Um novo termo: solidariedade social....................

55..22 .. FFaattoorreess hh iiss ttóórr ii ccooss ddaa RReessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee SSoocc iiaa ll

EEmmpprreessaarr ii aa ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55..33 .. CCoonntteeúúddoo ddaa RReessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee SSoocc iiaa ll EEmmpprreessaarr iiaa ll .. .. .. .. .. .. .. ..

55..44 .. QQuueemm ssããoo ooss rreessppoonnssáávvee ii ss??.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55..55 .. OO ppaappee ll ddoo eemmpprreessáárr iioo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55..66 .. EEmmpprreessaa ssoocc iiaa llmmeennttee rreessppoonnssáávvee ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55..77 .. II ddeenntt ii ff ii ccaaççããoo ddaa RReessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee SSoocc iiaa ll EEmmpprreessaarr ii aa ll

nnoo oorrddeennaammeennttoo jj uu rr íídd ii ccoo.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55 ..77 ..11 .. Função Social e Responsabil idade Social

Empresarial. ................... ..................................

55 ..77 ..22 .. Solidariedade e Responsabil idade Social

Empresarial. ................... ..................................

55..88 .. RReegguu llaammeennttaaççããoo ddaa RReessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee SSoocc iiaa ll

EEmmpprreessaarr ii aa ll .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55 ..88 ..11 .. Planejamento da atividade econômica..................

55 ..88 ..22 .. Normalização da Responsabil idade Social

Empresarial. ................... ..................................

55 ..88 ..33 .. Casuística........................................ ..................

55..99 .. PPrroo jj ee ttooss ssoocc iiaa iiss .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55 ..99 ..11 .. Os diversos públicos...................... .....................

55 ..99 ..22 .. Os resultados........ ...................... .......................

55..1100.. OOss bbeenneeff íí cc iiooss ddaa RReessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee SSoocc iiaa ll EEmmpprreessaarr ii aa ll

ee oo sseeuu aabbuussoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

55..1111.. RReessppoonnssaabb ii ll ii ddaaddee cc ii vv ii ll nnoo ccoommppoorr ttaammeennttoo ppooss ii tt ii vvoo.. .. .. .. .. .. ..

CONCLUSÃO............. ........................ ...................... ................BIBLIOGRAFIA.......... ........................ ...................... ................

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“’Lutar com palavras é a luta mais vã’, escreveu

nosso grande poeta. E é a luta mais vã não

apenas porque ‘o inútil duelo jamais se resolve’.

Também porque, para os juristas, as palavras

constituem perigosos instrumentos de trabalho,

como os bisturis os são para o cirurgião, e a pá é

o meio que tem o pedreiro para cimentar

solidamente uma parede. Para nós, as palavras

são instrumentos de precisão. Se manejados

deficientemente, estes nossos bisturis produzem

danos, pelo menos os danos da incompreensão e

da qualificação. Porque qualificar é

compreender.” JUDITH MARTINS-COSTA1

INTRODUÇÃO

O presente trabalho integra a avaliação de curso de

mestrado em Direito das Relações Sociais, subárea de Direito Civil, e tem por

escopo trazer a lume o tema responsabilidade social empresarial para a

reflexão, sob o prisma do Direito, dos seus atores – empresários e sociedade

civil.

No fito de buscar o ponto de partida e o ponto de

chegada da responsabilidade social empresarial, em especial no que ela

interessa ao Direito, buscou-se analisar a motivação da adoção de uma

gestão voltada para o bem comum, o objeto desse comportamento, a sua

natureza jurídica e as conseqüências desse agir. Assim como, os benefícios

advindos dessa postura e a utilização adequada destes.

1 A Reconstrução do Direito Privado, p. 622.

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A presente obra não abordou a análise jurídica de regras

de mercado (de capitais) que atrai investidores pela segurança – embora elas

importem para o empresário na medida em que a responsabilidade social

empresarial também tem sido instrumento para atrair um público

determinado de investidores –, nem as formas de administração de projetos

sociais e suas atribuições ou a crescente atividade do terceiro setor.

Tampouco se objetivou adentrar as regras do direito societário, mas sim,

buscar na gênese dessa responsabilidade, suas conseqüências,

repercussões, limites, posicionando-a no ordenamento jurídico.

Buscou-se explorar a natureza dessas regras

pertencentes a uma ética empresarial que embora não cogentes produzem

efeito similar, quando impostas por determinados fundos, por exemplo, como

condição de investimento.

Inconteste que a adoção de padrões éticos e

comportamentais por parte das empresas, ligados a princípios diferentes

daqueles que até então norteavam a atividade empresarial voltada para o

lucro, se reflete no campo jurídico, sobretudo, em razão da sociedade

contemporânea ser extremamente informada, o que a qualifica como

exigente.

Vislumbrando-se uma ação social por uma empresa,

alguns aspectos jurídicos se evidenciam, tais como: possibilidade de obter

benefícios institucionais pela divulgação dos projetos e ações de

responsabilidade social – marketing institucional, os parâmetros dessa

divulgação; benefícios fiscais/tributários; ônus decorrentes da verificação de

eventuais danos, decorrentes, inclusive, da interrupção dos projetos sociais;

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e, ainda, os critérios de avaliação desse comportamento em cotejo com os

direitos da empresa.

Talvez seja essa a utilidade prática desse trabalho, ainda

que pretensiosamente, propiciar uma adequada qualificação jurídica da

responsabilidade social empresarial, a fim de corrigir distorções na sua

aplicação.

Para tanto, estudamos a ordem econômica

constitucional, o princípio da função social da empresa, a solidariedade

social, o princípio constitucional da solidariedade tudo em vista da justiça

social, além de questões fora do Direito Positivo relacionadas ao

comportamento humano, em especial a ética. Tratou-se também do instituto

da responsabilidade civil decorrente de eventuais danos advindos desse

comportamento.

Em suma, o trabalho aqui delineado tem por objetivo

enfrentar de forma crítica e investigativa os aspetos jurídicos da

responsabilidade social empresarial supra mencionados.

Sem a pretensão de executar um trabalho científico, a

dissertação pretendida visa ser útil a toda a comunidade, permitindo, ao

menos, a correta identificação de ações e a qualificação da responsabilidade

social empresarial.

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“(...) a disputa existente atualmente no Brasil

traduz-se no seguinte: quem deve ficar mais rico

e quem deve ficar mais pobre? Se nossa

perspectiva for individualista e conservadora a

resposta será: os de sempre. O seu de cada um

é o que hoje temos: aos pobres sua pobreza e

cada vez mais de sua pobreza; aos ricos sua

riqueza e cada vez mais de sua riqueza.” JOSÉ

REINALDO DE LIMA SOARES2

CAPÍTULO I

ÉTICA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL

1.1. A Ciência da Conduta. 1.2. Normas morais e Normas jurídicas. 1.3. O

Exercício da Cidadania. 1.4. E a justiça social? 1.5. A Responsabilidade

Social Empresarial.

1.1. A Ciência da Conduta.

Ética, em geral, pode ser definida como ciência da

conduta. Dessa ciência, em suas diversas concepções, nos interessa mais

aquela que a considera a ética como um móvel da conduta humana,

ocupando-se, ainda, da disciplina dessa conduta.3

2 Professor de História do Direito e de Sociologia Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 3 Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 380. Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª a que considera como ciência fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que considera como a ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta.”

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Parte dessa disciplina do comportamento humano

encontra-se positivada e o seu conteúdo, em princípio, existe abstratamente,

sem que se exija concreção da conduta.

Sabe-se que a filosofia moderna tem buscado

compreender a moral – uma das categorias da ética – através da virtude, a

chamada Ética das Virtudes.

Para ALASDAIR MACINTYRE, “a virtude é uma qualidade

humana adquirida, cuja posse e exercício costuma nos capacitar a alcançar

aqueles bens internos às práticas e cuja ausência nos impede de alcançar tais

bens.”4

Inspirado pelo “homo economicus” dos economistas,

GIORGIO DEL VECCHIO5 disserta sobre as regras de conduta, asseverando que

pode-se construir várias figuras abstratas de “homens” determinados por um

só motivo, como por exemplo, um “homo moralis” ou um “homo juridicus”6.

Esses “homens” são figuras hipotéticas sendo um erro confundi-las com a

realidade, embora desempenhem uma certa função científica.

A par das vastas lições sobre os imperativos hipotéticos,

as várias espécies de normas técnicas e suas diversidades com as normas

morais e jurídicas, as normas do costume, nesse Capítulo o que nos

interessa é a parte final do trabalho, em que GIORGIO DEL VECCHIO traça um

paralelo entre o que denomina “as duas grandes categorias éticas”, a moral

4 Alasdair Macintyre. Depois da Virtude, p. 321. 5 O ‘Homo Juridicus’ e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 177/212. 6 Como típico representante desse exemplo o autor utiliza o personagem Shylock da comédia de Shakespeare – O mercador de Veneza -, colocando-o como “o homem que se decide a fazer valer o seu direito até o último extremo, sem se deixar dominar nem prender por alguma outra regra diferente da jurídica”. In: O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 180.

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e o direito, chamando-as de “dois pontos de vista distintos no considerar de

uma mesma matéria”7.

O mencionado autor recorda que as normas jurídicas

sempre têm caráter imperativo (mesmo as permissivas), cujo caráter é de

bilateralidade, ou seja, gera uma obrigação entre sujeitos, enquanto que o

imperativo moral tem caráter unilateral. Ambas são formas de avaliação ética

imprescindíveis para o sistema regulador de conduta dos indivíduos, como já

sinalizado no título do trabalho.

Importante, além do caráter unilateral já destacado, é o

elenco das características das regras morais, trazido por DEL VECCHIO, que

ressalta que de acordo com o grau ou forma de civilização de um povo, as

normas morais têm diferenças, mas que existe um “núcleo duro”, ou seja

identidades profundas que se verificam nesta matéria.

Conclui o doutrinador que, embora exista uma

expectativa de que o dever moral seja cumprido, por força até de sujeitar o

indivíduo a uma opinião pública (juízos e apreciações do seus atos) que

inclusive geram determinadas reações8, carece essa norma moral de

exigibilidade que é própria do direito. Ressaltando por fim, que direito e

moral têm raiz comum – caráter deontológico que se afirma e que se

mantém, e que “nenhuma destas categorias pode prescindir da outra, nem

7 O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 210. 8 “Assim, por exemplo, aquele que, sendo rico, nega a caridade aos pobres, encontrará naturalmente menor benevolência no dia em que, por ventura, cair êle próprio na pobreza; e inversamente na hipótese oposta. Aquele que é cortês para com todos será geralmente tratado com igual cortesia. E assim sucessivamente.” In: O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 204.

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substituir-se-lhe, sem totalmente deformar a complexa e viva harmonia do agir

humano e social.”9

A sociedade atual clama que a atividade empresarial seja

ética sob suas duas categorias: moral e direito. A esse clamor pode-se

chamar responsabilidade social empresarial.

As obrigações que derivam de uma manifestação de

vontade, tal como a atividade empresarial, são regidas pelo direito, mas

antes dessa manifestação – constituição da empresa – só a moral é hábil a

resolver. Assim como, alguns comportamentos que visem interesses

diversos do da atividade empresarial, somente à disciplina moral se

sujeitam.

A ofensa ao direito sempre implica na violação também

de uma norma moral. Mas a violação de uma norma moral nem sempre

implica numa ofensa ao direito. Daí dizer-se que o direito representa o

minimum ético, estabelecido positivamente, naquilo que seja possível

harmonizar os diversos direitos e deveres.

A ética abarca também os deveres que temos para com a

humanidade.10 Tais deveres ora estão positivados, ora derivam de normas

morais exteriorizadas pela livre manifestação de vontade. As primeiras são

por natureza exigíveis, enquanto que as segundas são voluntárias.

9 O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 212. 10 “Preceito fundamental da Ética é que nós devemos, nos limites da nossa existência, cumprir sempre os nossos deveres para comnosco, para com a família, para com a pátria, para com o género humano, desenvolvendo a espiritualidade ínsita em nós, para atingir um maior bem universal. Neste programa, certamente, entra também aquela forma sublime de actividade que consiste na luta contra a injustiça.” In: O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 209.

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A convenção entre seres humanos que vivem numa

sociedade estabelecendo o que deve ser tido como justo11 é chamada por

GOFFREDO TELLES JUNIOR, de contrato da ética social, que assim explica: “a

ética social se exprime por meio de normas, que são indicações e sinais da

normalidade vigente, para a necessária informação das pessoas, em sua vida

diária.”12

1.2. Normas Morais e Normas Jurídicas

As normas éticas podem se constituir em normas

religiosas, costumeiras, de civilidade, puramente morais e de direito ou

jurídicas, e se prestam a condicionar o comportamento humano em

sociedade. Originam-se de forma lógica e natural, obedecendo a intuição do

espírito humano com respeito ao conteúdo do “dever ser”.

Se as normas éticas também forem normas jurídicas,

quando violadas, autorizam os lesados a lançar mão dos meios que o Estado

dispõe para exigir o seu cumprimento das normas, a indenização do prejuízo

ou a imposição de pena aos infratores. Quando não jurídicas, as normas

éticas não viabilizam a exigência do seu cumprimento.

A ética, numa visão mais jurídica do que filosófica,

estuda os costumes e as formas de comportamento. “Ética é a ciência do

comportamento moral dos homens em sociedade. É uma ciência, pois tem

objeto próprio, leis próprias e método próprio. O objeto da Ética é a moral. A

11 Esse justo é o justo por convenção ou justo convencional, isto é, “aquilo que é justo por ser conforme a lei, ou por ser conforme o contratado, ou por ser conforme a arbitragem, ou por ser conforme o costume.” Goffredo da Silva Telles, Iniciação na Ciência do Direito, p. 362. 12 Ibidem, p. 361.

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moral é um dos aspectos do comportamento humano. A expressão deriva da

palavra romana ‘mores’, com o sentido de costumes, conjunto de normas

adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.”13

Essa diretriz do que a sociedade entende ser o

comportamento desejável pode caracterizar-se em costume. O costume

embora seja uma fonte do direito14, “não se promulga: ele se cria, se forma,

se impõe sem que neste processo se possa localizar um ato sancionador.”15

Além da ausência do ato sancionador, ou seja, não se

verifica num preceito moral uma sanção, não se pode confundir “fonte de

direito” com “fonte de obrigação”. Ainda que o costume, tido como norma

jurídica, ou seja, possa ser utilizado na solução de um conflito de interesses,

aplicando-se algo que se entende que “deve ser feito, e deve sê-lo porque

sempre o foi”16, esse costume não é hábil a gerar deveres.

Embora, para TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, normas

jurídicas e preceitos morais vinculem e estabeleçam obrigações

subjetivamente17, assim, como na obrigação natural não se confere o direito

de exigir o seu cumprimento. Uma obrigação moral é cumprida pelo impulso

da consciência.

Diga-se, porém, que a obrigação natural não deve ser

confundida com os deveres de índole não jurídica, isso porque, obrigação

13 José Renato Naline, Ética geral e profissional, p. 36. 14 O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil permite que o magistrado quando para a solução de um caso não encontrar norma que lhe seja aplicável, utilize de fontes supletivas para preencher essa lacuna ou defeito do sistema jurídico. Uma dessas fontes supletivas é o costume. Ver a esse respeito: Maria Helena Diniz. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, que assevera que “o costume é uma fonte jurídica, porém em plano secundário.” p. 116. 15 A esse respeito ensina Tercio Sampaio Ferraz Jr. Introdução ao Estudo do Direito, p. 240. E ressalta: “Por essa razão o costume, nos direitos positivados de nossos dias, tem, como fonte, uma importância menor que teve no passado.” 16 Ibidem, p. 240. 17 Ibidem, p. 357.

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19

implica na presença de credor e devedor, demandando uma relação pré-

constituída de crédito e débito.

Assim, “quem cumpre obrigação, mesmo natural, não faz

favor, porque dá ao credor o que lhe é devido, segundo um princípio geral do

direito. A diferença entre liberalidade e pagamento mostra-se, com clareza, no

confronto da esmola com a dívida de jogo. No primeiro caso, não existe dívida,

e o que inspira o indivíduo é a caridade, que se situa exclusivamente no

campo da moral. Vale dizer: não há vinculo algum do “devedor” com o

“credor”, ao passo que a dívida de jogo se apóia numa fonte civil – o contrato

de jogo (C.C., art. 1477)-, atende a um interesse preciso do ganhador, que

ficará insatisfeito se não houver o cumprimento da obrigação, pois sofrerá o

prejuízo de ter perdido inutilmente seu tempo.”18

Se há devedor com relação a prover o bem comum, esse

é o Estado, e subsidiariamente o empresário.

1.3. O Exercício da Cidadania.

O exercício pleno da cidadania, ainda que utopicamente,

encontra hoje algum respaldo na sociedade civil organizada.

Refletindo sobre o preâmbulo da Constituição Federal,

ROGÉRIO GESTA LEAL19, aponta a cidadania como o fundamento primeiro da

República brasileira, na forma de Estado Democrático de Direito, dando a

concepção de “um direito a ter direitos” e de tê-los assegurados e

concretizados. 18 Sergio Carlos Covello, A Obrigação Natural, p. 76. 19 Rogério Gesta Leal, A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil, p. 101.

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20

Dentre tais direitos, os quais deve-se garantir o gozo aos

indivíduos, estão os direitos sociais, cuja concreção deve ser exigida com

relação não mais só ao Estado, mas também em relação ao indivíduo,

fundado, para tanto, na ética, em especial, dos detentores do poder

econômico.

Para exercer a cidadania plena, mister se faz viabilizar ao

indivíduo o gozo dos direitos sociais. O motor para que a empresa exerça

essa tarefa é a postura ética invocada pela sociedade.

Os direitos sociais, ou chamados direitos de segunda

geração20, são os instrumentos para garantir ao indivíduo condições

materiais indispensáveis à busca dos fins particulares. A sua efetivação

confere ao indivíduo um dos requisitos da cidadania, que vai além do outro

formal – título de eleitor21 - para caracterizá-la. Infelizmente, mas

acertadamente, conclui ROLF KUNTZ, que no Brasil poucos são os indivíduos

que preenchem esse duplo critério, porque a maioria deles, “da cidadania só

tem o título de eleitor, porque mal sabe ler, não ganha para alimentar a

família, não tem carteira assinada e só interessa à Justiça quando se

transforma em réu.”22

Essa exclusão social abre uma enorme vala entre as

classes sociais. O desenvolvimento econômico deve ser inversamente

proporcional ao desenvolvimento da desigualdade social. Ainda que pareça

discurso, é preciso conclamar que quanto mais desenvolvimento econômico,

20 Segundo os intitula José Celso de Mello. 21 Lembra ROLF KUNTZ que “o título de eleitor, porém, é só um dos papéis que vinculam o brasileiro ao sistema dos direitos.”. A Descoberta da Igualdade como Condição de Justiça, p. 154. 22 Ibidem, p. 155.

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21

menos desigualdade social. Esse equilíbrio pode ser chamado de

desenvolvimento sustentado.

Infelizmente essa relação não tem sido atendida, ao

contrário, cada vez mais, distanciam-se o desenvolvimento humano do

econômico. Visivelmente o Estado se mostra incapaz de promover o bem-

estar social, fazendo com que o exercício da cidadania plena demande ações

sociais dos particulares, movidos pela normas éticas que imprimem a busca

pela justiça23 social.

1.4. E a Justiça Social?

Justiça, de acordo com a história romana, consiste em

dar a cada um o que lhe pertence. Importante ressaltar que justiça não

significa caridade, nem essa pode se opor àquela. Elucida GOFFREDO TELLES

JUNIOR que “a justiça é mais urgente que a caridade.”24

Também vale dizer que a busca pela justiça, além de

requerer conceitos que não pertencem somente ao Direito, é relativa. Até

mesmo HANS KELSEN, no ensaio em que tenta responder “o que é justiça”,

satisfez-se com uma justiça que tivesse significado para ele, elegendo aquela

justiça sob cuja proteção a ciência do Direito pode prosperar, tomada como a

justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância.25

23 Ensina Tercio Sampaio Ferraz Júnior, que “a justiça, no seu aspecto formal, exige igualdade proporcional e exclui a desigualdade desproporcionada”. Introdução ao Estudo do Direito, p. 355. 24 E completa: “Primeiro, a justiça: dê-se aos outros o que lhes pertence. Isto é fundamental. Depois, se se quiser e se houver com quê, faça-se a caridade.” Iniciação na Ciência do Direito, p. 367. 25 Hans Kelsen. O que é justiça? p. 25.

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22

Parece-nos que a sociedade tem eleito como justiça para

a comunidade, o atendimento, entre outros, dos direitos sociais abarcados

no texto constitucional. Mas nada impede que dentro do próprio grupo social

ou em outros grupos a concepção de justiça buscada seja diversa, por isso,

diz-se relativa.

As excessivas desigualdades sociais e econômicas são

contrárias a qualquer justiça. Essa ausência de justiça social, fere,

especialmente, a dignidade da pessoa humana, lembrando JOSÉ AFONSO DA

SILVA26, que esta, “como fundamento do Estado Democrático de Direito27,

reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os

ditames da justiça social como fim da ordem econômica.”

E ilustra:

“É de lembrar que constitui um desrespeito à dignidade

da pessoa humana um sistema de profundas

desigualdades, uma ordem econômica em que

inumeráveis homens e mulheres são torturados pela fome,

inúmeras crianças vivem na inanição, a ponto de milhares

delas morrerem em tenra idade. “Não é concebível uma

vida com dignidade entre a fome, a miséria e a incultura”,

pois, a “liberdade humana com freqüência se debilita

quando o homem cai na extrema necessidade”, pois, a

26 A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, p. 93. 27 Tercio Sampaio Ferraz Júnior aborda o Estado Democrático de Direito exaltando a proposta de democratização da própria sociedade – “de um lado, nos tradicionais princípios do Estado de Direito (exercício de direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, igualdade etc.), mas, de outro, nas exigências de democratização da própria sociedade (que há de ser fraterna, pluralista, sem preconceitos, fundada na harmonia social etc.)” - que induz a passagem de uma Estado de Direito para um Estado Social no qual é possível reconhecer-se um conteúdo positivo da liberdade como participação. Solidariedade Social e Tributação, p. 208. O autor aponta uma desformalização da constituição e da interpretação da constituição com a sujeição das propostas jurídicas a critérios valorativos contidos na expressão social do Direito, desde 1930. Essa sujeição gera “um modelo constitucional de Estado com a função de legitimação das aspirações sociais, que foi, formalmente, próprio das Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967/69. Idem, p. 213.

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23

“igualdade e dignidade da pessoa exigem que se chegue

a uma situação social mais humana e mais justa.”

Outra dificuldade para atender o objetivo de

transformação do Estado, contemplado na Constituição especialmente nos

artigos 1º e 3º, é apontada por TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, e relaciona-se

com a concepção de Estado Democrático de Direito, destacando que a

medida em “que uma compatibilização do Estado de Direito com o Estado

Social traz dificuldades significativas. Seria preciso, de um lado, garantir em

cada caso uma situação de compromisso entre os grupos sociais que

assegurasse um mínimo de critérios comuns de valores que fossem admitidos

por todos. De outro lado, um quadro constitucional rigoroso sem o qual a

atuação do Estado, inevitavelmente sujeito a grupos de pressão e a interesses

estamentais e corporativistas da burocracia, pode ser tornar facilmente uma

espécie de exercício de arbitrariedade camuflado por supostos ditames de

princípios públicos relevantes.” Sendo que essa compatibilização se dá face a

dualidade apontada: um conceito formalmente jurídico – Estado de Direito; e

outro não – Estado Social.28

Em conclusão, o Professor invoca o sentido de justiça

social, destacando a necessidade de igualar os indivíduos pelas condições

de sobrevivência, com o imprescindível reconhecimento da cidadania para a

concretização dos objetivos da Constituição, que não deve ser ocupação

somente do Estado, mas também com relação aos particulares, asseverando

que “na relevância da sociedade civil deve-se ver o reconhecimento de que o

28 Ibidem, p. 210.

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24

controle da legitimidade constitucional não é só a expressão de uma

fiscalização formalmente orgânica, mas também uma tarefa comum, que deve

fazer da Constituição uma prática e não somente um texto ao cuidado dos

juristas; a participação, não apenas do Legislativo, do Executivo, do

Judiciário, mas também do cidadão em geral, na concretização e na efetivação

dos direitos, uma peça primordial do seu contexto democrático-social

legítimo.”29

1.5. A Responsabilidade Social Empresarial

A responsabilidade social pode ser vista como uma forma

de atendimento aos direitos sociais previstos na Constituição Federal, cujo

comportamento do particular é impulsionado por padrões éticos que

conduzem à valores de interesse da sociedade - bem-estar social.

Demanda-se que tais padrões éticos formem, no mundo

empresarial, um “costume” apropriado, baseado na solidariedade, resultando

em benefícios para a coletividade como forma de contribuição para um

mundo melhor com a redução das desigualdades sociais.

A formação desse “costume” requer também a

observância da ordem jurídica e constitucional vigente, a fim de criar um

ambiente de segurança para as empresas, estimulando a sua contribuição

para com o bem-estar social.

Certificados de que o ponto de partida da

responsabilidade social empresarial é mais amplo do que qualquer instituto

29 Ibidem, p. 221.

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do direito positivado – o que será ratificado mais adiante quando tratarmos

da sua terminologia e histórico – passaremos a buscar no Direito, qual o

possível sustentáculo da responsabilidade social empresarial.

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26

CAPÍTULO II

A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.1. A Ordem Econômica Constitucional e o Desenvolvimento Social. 2.2.

Deveres Positivos e Deveres Negativos. 2.3. A concreção dos princípios

constitucionais e as normas programáticas.

2.1. A Ordem Econômica Constitucional e o Desenvolvimento social.

Os princípios do sistema capitalista de produção

contemplados na Constituição Federal estão vinculados aos ditames da

justiça social elencada como objetivo fundamental da República no inciso I,

do artigo 3º30, da Carta Magna.

A par da observância dos primados da ordem econômica

constitucional na realização dos institutos de Direito privado, aplica-se,

ainda, o princípio da solidariedade social, gerando comportamentos em que

um grande número de empresas atua em prol da coletividade, por

intermédio da consecução de “projetos sociais”.

A leitura e a efetividade da Constituição Federal de 1988

deve ser feita levando em conta que todo o seu texto foi elaborado visando

uma reestruturação do Estado brasileiro para superar o subdesenvolvimento

através de transformações sociais.

Assim, mesmo o Título VII – Da Ordem Econômica e

Financeira da Carta Política, está pautado nessas bases, incluindo nos

princípios gerais da atividade econômica, a função social da propriedade e a

30 Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

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27

redução das desigualdades regionais e sociais, com o fim de assegurar a

todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170),

embora esses temas não estejam restritos a este capítulo do texto

constitucional.31

Nos demais artigos sobre a ordem econômica, em

especial os do Capítulo I, do Título VII, estão expressas disposições

estruturais da atividade econômica, seguidos de dispositivos que tratam da

ordem econômica no espaço (política urbana, política agrícola e fundiária e

reforma agrária) e no tempo (sistema financeiro nacional).32

A inserção da disciplina da ordem econômica na

Constituição, a caracteriza como uma Constituição Econômica. Essa

disciplina rejeita “o mito da auto-regulação do mercado” e acaba por positivar

“tarefas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para

atingir certos objetos”, o que permite qualificarmos a Constituição de

programática ou dirigente.3334

Cumpre recordar que já a Constituição de 1934 previa

que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da

justiça e as necessidades da vida nacional.

Nos ditames da Constituição atual (art. 170), a atividade

econômica tem a finalidade de assegurar a todos uma existência digna com

justiça social, observados princípios, tais como, a soberania nacional, a

31 Somente para ilustrar, no tocante ao direito comparado, vale lembrar de dispositivo da Constituição Portuguesa que enumera entre os princípios da organização econômico-social o da “subordinação do poder econômico ao poder político democrático” (art. 80, a). 32 Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 31. 33 Ibidem, p. 33. 34 Sobre Constituição dirigente e normas programáticas, ver Eros Roberto Grau. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 358/373.

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propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a

defesa do consumidor, do meio ambiente, redução das desigualdades

regionais e sociais, a busca do pleno emprego e tratamento favorecido para

as empresas de pequeno porte.

A atividade produtiva exercida pela empresa a insere na

ordem econômica, sujeitando-se ao princípio35 da função social, o que deriva

a função social da empresa.

Certo é que assim quis o constituinte, criando a noção

de “empresa social” ao condicionar o exercício da atividade econômica –

consistente na propriedade dos bens de produção – e a livre iniciativa, à

realização dos objetivos primários da ordem econômica: propiciar existência

digna a todos, segundo ditames da justiça social.

EROS ROBERTO GRAU, analisa a extensão da função social

para a empresa, distinguindo uma propriedade estática do dinamismo dos

bens de produção:

“O princípio da função social da propriedade, para logo se

vê, ganha sustentabilidade precisamente quando aplicado

à propriedade dos bens de produção, ou seja, na

disciplina jurídica de tais bens, implementada sob

compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre

a qual em maior intensidade refletem os efeitos do

princípio é justamente a propriedade, dinâmica, dos bens

de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função

35 Rogério Gesta Leal, clarifica que trata-se de um princípio informativo: “a função social da propriedade é, como consta nas Constituições, um princípio informativo do direito de propriedade que depende de melhor e constante explicitação (ampliativa e não limitativa) pelo legislador ordinário. A idéia do conteúdo fica saliente na própria expressão, porém seus limites são indefinidos e permitem interpretações não-coincidentes; neste sentido, devem-se buscar critérios de eleição da melhor hermenêutica e significação ao termo, tendo em vista, necessariamente, os objetivos e finalidades que se pretendem alcançar nesse país, matéria estampada no título primeiro da Carta Política de 1988.” A função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil, p. 117/118.

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social dos bens de produção em dinamismo, estamos a

aludir à função social da empresa.”36

O exercício do poder econômico será legitimo quando

não conflitar com os valores expressos nos incisos I a IX do artigo 170 da

Constituição Federal e com os objetivos sociais por ela visados – existência

digna, conforme os ditames da justiça social.

SERGIO VARELLA BRUNA37 ressalta que “o poder econômico

é tido como um dado da realidade, um fator estrutural, que faz parte de um

técnica de produção social, atribuindo-se a esse poder uma função (social), de

servir ao desenvolvimento e à justiça social. Na feliz expressão de Fábio

Konder Comparato, o poder econômico não só tem uma função social, mas é

uma função social, de serviço à comunidade.”

E conclui que,

“(...) o poder econômico não pode ser um empecilho ao

desenvolvimento social.

Mas o que se exige do titular do poder econômico não

é somente um comportamento negativo, uma abstenção de

fato, de não fazer mau uso de tal poder, mas sim um

comportamento positivo, de dar-lhe destino socialmente

útil. Há, portanto, não só o dever de não exercitar esse

poder em prejuízo de outrem, mas também, e

principalmente, o dever de exercitá-lo em benefício dos

demais. Aqui, o poder econômico, enquanto função que é,

denota um poder que não se exerce por interesse próprio,

ou exclusivamente próprio, mas também por interesse de

outrem ou por um interesse objetivo. Se esse poder não é

passível de ser exercido por todos, deve se exercido em

benefício comum.” 36 Elementos de Direito Econômico, p. 128. 37 O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso no seu exercício, p. 171/172.

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30

2.2. Deveres positivos e deveres negativos.

Verdade é que, antes de analisar o princípio da função

social, mister se faz investigar em que se traduzem ou deveriam traduzir-se,

os deveres sociais decorrentes da ordem econômica constitucional: em ações

positivas e ações negativas.

Na sua brilhante lógica, para deduzir o que é função

social, FABIO KONDER COMPARATO faz uma análise etimológica38, seguida da

análise institucional do direito, para concluir que, de forma abstrata, a

“função” para o direito pode ser entendida como a “atividade dirigida a um

fim e comportando, de parte do sujeito agente, um poder ou competência”,

ressaltando que esse “fim” é sempre alheio ao interesse do agente ou titular

desse poder e que o desenvolvimento da atividade não se dá só no sentido

negativo – de respeito aos limites legais – mas também na “acepção positiva,

de algo que deve ser feito ou cumprido.39

Assim, função social empresarial, pode ser entendida

como a competência conferida ao empresário de exercer a atividade

econômica em prol dos interesses da coletividade - pessoas indeterminadas.

Mas é possível vislumbrar o exercício da atividade

econômica concomitante com a consecução de deveres sociais positivos pelo

empresário com relação à sociedade?

38 “O substantivo functio, na língua matriz, é derivado do verbo depoente fungor (functus sum, fungi), cujo significado primigênio é de cumprir algo, ou desempenhar-se de um dever ou uma tarefa.” Estado, Empresa e Função Social, p. 40. 39 E exemplifica essa atividade com fim em interesse alheio, mas de pessoas determinadas, com a invocação do poder familiar, a tutela, a curatela. Estado, Empresa e Função Social, p. 41.

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31

Conforme constata EROS ROBERTO GRAU, deveres

negativos, na forma de limites impostos pelos princípios constitucionais,

facilmente reconhecidos, sendo que o Professor, inclusive, os concebe como

análogos às manifestações de poder de polícia. A problemática, de fato, está

na sua concepção positiva.

“A questão torna-se complexa, no entanto, quando, em

sua concreção, a função social é tomada desde uma

concepção positiva, isto é, como princípio gerador da

imposição de comportamentos positivos ao proprietário. A

lei, então – âmbito no qual se opera a concreção do

princípio – impõe ao proprietário (titular de um direito,

portanto de um poder) o dever de exercitá-lo em benefício

de outrem, e não, apenas, de não exercitá-lo em prejuízo

de outrem.”40

Também o Professor COMPARATO busca desmistificar o

conteúdo do dever positivo, analisando os dispositivos sobre função social da

propriedade no direito comparado. Recorda que embora a Constituição de

Weimar de 1919 (art. 153, última alínea) e Lei Fundamental de Bonn, de

1949 (art. 14) prevejam o uso da propriedade privada a serviço do interesse

da coletividade, “nenhuma autoridade alemã conseguiu explicar em que

consistiriam os deveres sociais positivos do proprietário em relação à

coletividade”.41 Assevera que, a mesma inaplicabilidade se dá também em

outros países tal como a Itália42 e a Espanha4344 em que se inseriu na

40 Ibidem, p. 244. 41 Estado, Empresa e Função Social, p. 41. 42 Que aliás frustou os seus doutrinadores na tentativa de alcançar os deveres positivos em razão de ter reduzido a função social à existência de certas restrições quanto ao uso dos bens, cabendo ao legislador delimitar tais restrições (art. 42, segunda alínea, da Carta de 1947). Estado, Empresa e Função Social, p. 42.

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32

Constituição dispositivo sobre função social da propriedade, à exceção do

Brasil que, no próprio texto constitucional, elencou dois deveres positivos do

proprietário de imóvel urbano: um de atender ao plano diretor (art. 182,

caput) e outro de promover o adequado aproveitamento do imóvel na forma

da lei (art. 182, § 2º).

EROS Roberto Grau, exemplificando a concepção positiva

da função social, reconhece a disciplina dos deveres sociais positivos nos

artigos 42 e 44 da Constituição Italiana, “que funcionam como fonte geradora

da imposição de comportamentos positivos ao proprietário,” entretanto, não

traz exemplos do que concretamente sejam tais comportamentos.

O autor, no âmbito da atividade empresarial consegue

mencionar a aplicação do Código da Propriedade Industrial (art. 49), que

atribui à empresa titular de uma marca, o ônus de explorá-la, tal qual ocorre

em relação aos direitos de lavra. Em se reconhecendo nessa exploração a

finalidade social, o exemplo vale para um dever positivo social que atenda a

coletividade.

43 Também a Constituição espanhola de 1978 limitou-se a estabelecer restrições legais ao uso da propriedade. 44 Os doutrinadores espanhóis denominam a contraposição entre o direito de propriedade e a função social (dimensión individualista e dimensión social) de “duplicidad de caras”do regime jurídico de propriedade, especialmente pela cotização da Constituição espanhola com o Código Civil espanhol. Em análise da aplicação da função social contemplada no Código Civil espanhol, RAFAEL COLINA GAREA, considera a influência da função social no exercício de direito de propriedade, apenas no sentido negativo, na forma de limitações, senão vejamos: “En el ambiente liberal en que nace el Código Civil español, la propriedad representa una esfera intangible de libertad reservada al ciudadano y, em consecuencia, toda restricción al ejercicio de los poderes dominicales del propietario, ya provenga de otros particulares o de los poderes públicos, es considerada negativamente. Se entiende que los limites al derecho de propiedad contrastan con los intereses privados de sus titulares, ya que potencialmente podrían constituir una vulneración de la innata e ilimitada libertad civil tan proclamada por el individualismo jurídico. Por consiguiente, las limitaciones son vistas como raras y aisladas excepciones al principio fundamental de libertad que se reconoce al proprietario en el ejercicio de su derecho. Desde este punto de vista, se procede a uma interpretación restrictiva del sentido de la expresión “sin más limitaciones que las estabelecidas en las leyes”.” La Función Social de La Propiedad Privada em la Constitución Espanõla de 1978, p. 238.

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33

Em ações sociais mais simples, ora nominadas de

filantropia - tais como projetos voltados para o acolhimento de menores,

educação, cultura, diversidade - é possível exigir essas ações (positivas)

invocando a função social da empresa ou outro princípio constitucional

voltado para o exercício pleno da cidadania? E para a propriedade de bens

de produção, em que consistiria o dever social positivo?

Também desconhecemos no ordenamento pátrio

instrumento e mesmo normas que abarquem tais deveres sociais positivos.

Obviamente tratamos de deveres positivos fora do elenco legal a que está

sujeito o empresário, tal como, de forma extrema exemplifica COMPARATO,

deixar de aumentar os preços dos produtos ou serviços de primeira

necessidade em prol do bem comum.

Para EROS ROBERTO GRAU há um comportamento positivo

integrado ao princípio da função social contemplado no próprio texto

constitucional, que é a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, da CF).

“O princípio informa o conteúdo ativo do princípio da

função social da propriedade. A propriedade dotada de

função social obriga o proprietário ou o titular do poder de

controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-

dever), até para que se esteja a realizar o pleno

emprego.”45

Assim como os princípios da defesa do consumidor, da

defesa do meio ambiente e a redução das desigualdades regionais e sociais, a

45 A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 253.

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34

busca do pleno emprego é classificada por JOSÉ AFONSO DA SILVA46, como

princípio de integração, haja vista que estão dirigidos a resolver problemas da

marginalização social.

Os dois primeiros – defesa do consumidor e do meio

ambiente – porque disciplinados por leis infraconstitucionais gozam de

exigibilidade, sendo que tal disciplina, por vezes, contempla comportamento

ativo.

Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA47 a expressão pleno

emprego de ser tomada na sua utilização mais abrangente, devendo ser

considerada a busca tanto quantitativa como qualitativa. Se, o inciso VIII, do

art. 170, da Constituição Federal, deve ser visto “no sentido de propiciar

trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade

produtiva”, certo é, que assim como, na função social, há a expectativa de

um comportamento positivo de colocar à disposição dos cidadãos tantos

quantos postos de trabalho forem possível, motivado apenas pela regra

moral.

De fato, direito subjetivo e função/dever não são

incompatíveis, mas a ausência de cogência, inibe o comportamento ativo. O

exercício da atividade econômica ou a propriedade dos bens de produção é

direito subjetivo48. Também uma ação social motivada por valores éticos com

o fim de atingir o bem social constitui “regra ética subjetiva” que, a par da 46 Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 770. 47 Idem, p. 771. 48 Segundo Eros Roberto Grau, “ser titular de um direito subjetivo é estar autorizado pelo ordenamento jurídico a praticar ou não praticar um ato – isto é, a transformar em ato a potência, ou seja, a aptidão para a prática de tal ato,” sendo que “O Direito pode, coerentemente, introduzir como elementos integrantes da autorização a alguém para o exercício de uma faculdade inúmeros requisitos, inclusive criando obrigações e ônus para o titular do direito subjetivo.” A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 242.

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eficácia imediata dos princípios constitucionais, não encontra na disciplina

infraconstitucional disposições impondo comportamentos positivos que

atendam ao interesse coletivo, razão pela qual à doutrina jurídica faltam

exemplos de tipificação de deveres positivos. Também, o direito subjetivo,

quando exercido, é hábil a gerar ônus e obrigações ao seu titular.

De fato, ao empresário atender aos deveres sociais

positivos, parece tão utópico e contrário ao objetivo empresarial – obter lucro

– que, por certo, nulifica o conceito de função social ou, ao menos, o limita

ao exercício de deveres negativos.

Ademais, certo é que a aplicação integral da função

social, incluída a execução de deveres positivos, acarretaria “sério risco de

servir como mero disfarce retórico para o abandono, pelo Estado, de toda

política social, em homenagem à estabilidade monetária e ao equilíbrio das

finanças públicas.”49

2.3. A concreção dos princípios constitucionais e as normas

programáticas.

A disciplina da ordem econômica é realizada por normas

denominadas programáticas, ou seja, “normas constitucionais através das

quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados

interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos

seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como

49 Fábio Konder Comparato, Estado, Empresa e Função Social, p. 46.

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programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais

do Estado”.50

GILBERTO BERCOVICI menciona que a concepção das

normas programáticas teve grande importância, mas em forte crítica, conclui

que sua aplicação prática foi decepcionante.

“Norma programática passou a ser sinônimo de norma

que não tem qualquer valor concreto, contrariando as

intenções de seus divulgadores. Toda norma incômoda

passou a ser classificada como ‘programática’,

bloqueando, na prática, a efetividade da Constituição e,

especialmente, da Constituição Econômica e dos direitos

sociais.”51

A adoção extremada, formal e teórica do texto

constitucional, implica num instrumentalismo no qual acredita-se que é

possível mudar a sociedade, transformar a realidade apenas com dispositivos

constitucionais.

Assim, a concretização dos direitos sociais ou, ainda, dos

princípios da ordem econômica dependem de ações do Estado, que muito

pouco realizam, escondidos no instrumentalismo de uma Constituição

dirigente.

A fixação no instrumentalismo constitucional, segundo

BERCOVICI, geram a ignorância do Estado e da política, asseverando que “a

Teoria da Constituição Dirigente é uma Teoria da Constituição sem Teoria do

50 José Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 138. 51 Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 40.

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Estado e sem política. E é justamente por meio da política e do Estado que a

constituição vai ser concretizada.”52

Mesmo os doutrinadores quem vêem nos dispositivos

constitucionais que tratam da propriedade, normas programáticas,

reconhece, entretanto, que ao juiz e ao administrador é facultado realizar a

concreção dessa norma, no exercício do poder-dever de integrar a ordem

jurídica, produzindo para o caso concreto a norma faltante.

“É preciso lembrar que as normas programáticas não se

reduzem a traçar um programa de ação, mas têm força

jurídica vinculante imediata. Não podem servir de

desculpa para o administrador ou para o juiz para deixar

de cumprir as imposições contidas na Constituição.”53

Para ilustrar o mencionado poder-dever, citamos como

exemplo, decisão proferida pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal

da 4ª Região, em julgamento de recurso de apelação em ação civil pública

movida pela Associação de Defesa e Orientação do Cidadão em face da União

Federal e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pleiteando

que os fabricantes de bebidas alcoólicas fossem obrigados a fazer constar

nos rótulos de seus produtos e em todas as publicidades por eles

patrocinadas, a advertência “O álcool pode causar dependência e em excesso

é prejudicial à saúde”. Uma vez não implementada a adequada política

pública na defesa do interesse à saúde, sentiu-se o judiciário gaúcho

52 Grifos nossos. Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 41. 53 João Bosco Leopoldino da Fonseca, Direito Econômico, p. 57.

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legitimado a condenar a União a exigir a ação pleiteada, assim

argumentando:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR.

CORRETA INFORMAÇÃO ACERCA DOS RISCOS E

POTENCIAIS DANOS QUE O CONSUMO DE BEBIDAS

ALCOÓLICAS CAUSA À SAÚDE. INSCRIÇÃO NECESSÁRIA

NOS RÓTULOS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS.

1. É possível e exigível do Judiciário, impor determinada

conduta ao fornecedor, sem que esta esteja

expressamente prevista em lei, desde que afinada com as

políticas públicas diretamente decorrentes do texto

constitucional e do princípio da plena informação ao

consumidor (art. 6º, II, III e IV, da Lei 8.078/90, pois

traduz-se em dever do Estado, do qual o Judiciário é

poder, de acordo com o art. 196 da Constituição.”

Também de forma individual, os direitos sociais são

exigidos. Existem instrumentos processuais para defesa de um direito social

e são perfeitamente concebíveis quando exercidos pelo indivíduo em relação

ao Estado.54 Exemplos são pleitos voltados para garantir vagas em escolas,

serviço hospitalar, fornecimento de medicamentos, etc..

Outra crítica repousa na questão relativa ao Judiciário,

como parte desse Estado Garantidor ou Estado Provedor, na medida em que 54 José Reinaldo de Lima Lopes, assim ensina: “As garantias dos direitos sociais podem, por isso, ser efetivadas hoje por alguns caminhos que variam em natureza: quando se falar em direito público subjetivo o cidadão está habilitado, creio, a exigir do Estado seja a prestação direta, seja a indenização; quando se tratar de garantia real os caminhos serão: por meio do Ministério Público (art. 129 da Constituição Federal), promover a responsabilidade de autoridades que não estejam dando andamento a políticas e ações já definidas em lei (orçamentárias e programas) e regulamentos ou atos administrativos; as leis orçamentárias, incluídos os orçamentos da previdência social, poderão ser impugnadas por ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I) toda vez que contrariarem dispositivos constitucionais, como o artigo 201, e seus parágrafos, ou o artigo 212, e sua respectiva hierarquia (lei complementar referida no art. 163 da Constituição Federal, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, orçamento anual); responsabilização do Presidente da República especialmente no caso do artigo 85, VI, e do artigo 167, § 1º.”., Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, p. 137.

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está autorizado a efetivar os princípios constitucionais, em especial aqueles

que dizem respeito aos direitos sociais como um todo. Alguns fatores, como

uma certa hesitação do Judiciário diante de situações que não sejam

rotineiras e a inaptidão ou incapacidade do Judiciário para assegurar a

efetivação dos direitos sociais, segundo critica JOSÉ EDUARDO FARIA, gera, na

prática, uma conivência com a sua violação.55

55 Direitos Humanos, Direitos Sócias e Justiça, p. 99.

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CAPÍTULO III

FUNÇÃO SOCIAL

3.1. Aspectos históricos da função social. 3.2. Harmonização entre direitos

individuais e função social. 3.3. Função social e lucro. 3.4. Função social e

segurança jurídica. 3.5. A função social da empresa no Código Civil.

3.1. Aspectos históricos da função social.

Cabe, em primeiro, breve histórico da escalada da função

social no ordenamento jurídico com relação ao instituto “propriedade”.

Cogitou-se sobre função social da propriedade na

legislação portuguesa de 1375 que obrigava os proprietários, os

arrendatários, os foreiros e outros à lavrarem e semearem suas terras, sob

pena de que as terras fossem entregues a terceiros que as lavrassem e

semeassem por tempo determinado. O Código Civil português de 1867

consagrou a função social do direito real.

Já no Brasil, os resquícios da função social da

propriedade encontram-se desde a Lei nº 601, de 1850, Lei das Terras,

embora o seu objeto fosse a regularização de posses, que autorizava a Coroa

Portuguesa a arrecadar as terras que haviam sido dadas em concessão e não

tivessem sido aproveitadas.

Mas a propriedade, na própria Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão de 1789 é vista como um direito natural inviolável e

sagrado (art. 12). Tal conceito individualista da propriedade se viu refletido

no Código Civil francês, de 1804, nas Cartas brasileiras – Imperial de 1824 e

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Republicana de 189156. Somente na Constituição de 193457 o exercício do

direito de propriedade foi condicionado a garantia de não afronta ao

interesse social ou coletivo (art. 113, § 17). Assim seguiu-se a Constituição

de 1946, ressalvando que “o uso da propriedade será condicionado ao bem-

estar social. A Lei poderá, com observância no disposto no art. 141, § 16,

promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para

todos”.

No pós Primeira Grande Guerra, a Constituição

mexicana de 1917 incluiu no seu texto inovações de caráter social, seguida a

pela Constituição de Weimar de 1919.

Na Constituição brasileira de 1967, a função social foi

disciplinada no art. 160, III, tendo sido concebida como princípio de ordem

econômica e social, adquirindo a ordem econômica e social uma valor

teleológico, tendo por finalidade o desenvolvimento nacional e a justiça

social.

56 Embora a questão social veio sendo sentida no Brasil desde a vigência da Constituição Federal de 1891, embora os reclamos da sociedade não tenham sido atendidos. Vê-se a presença da questão social, a partir dos comentários à Constituição feitos por Rui Barbosa e transcritos por João Bosco Leopoldino da Fonseca:

“Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que com seriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limites estritos do nosso direito constitucional?

Ante os nossos princípios constitucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista, o industrial, o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde iria ela buscar, legitimamente, autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitar horas ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir a tais reclamações têm ido esbarrar, por vezes, a título de inconstitucionalidade, em sentenças de tribunais superiores.

Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos: porque ora a opinião das classes mais numerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas em prejuízo da legalidade constitucional. Num caso é a justiça que se impopulariza. No outro, a Constituição que se desprestigia.” Direito Econômico, p. 69. 57 Destacando-se que no seu preâmbulo, a Assembléia Nacional Constituinte declarava que tinha a intenção de organizar um regime democrático, que assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico.

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Importante diferença no tratamento da função social na

Constituição Federal de 1967 com a atual, é que na Carta Política de 1988, a

função social tornou-se direito fundamental (art. 5º, inciso XXIII).

Não se pode deixar de mencionar os fatos sociais que

contribuíram para a formação de um constitucionalismo mais social, que

acolheu no texto constitucional valores perseguidos pela sociedade e

demandou do Estado um comprometimento com a justiça social. ROGÉRIO

GESTA LEAL58 ajuda-nos a fazer esse resgate histórico, partindo do

esfacelamento das economias européias com a Primeira Guerra Mundial

(1914 a 1918), seguido pelo Tratado de Versalhes, acarretando na formação

de um monopólio econômico e político dos Estados Unidos da América, da

França, da Itália e da Espanha. A resposta crítica dos trabalhadores ao

sistema capitalista com economia então fragilizada, traduzidas em

movimentos operários deu azo a propostas de descentralização de produção

e participação dos trabalhadores nos lucros. O constitucionalismo clássico

foi sepultado então com a Declaração dos Direitos do Homem, incluídos ai os

direitos sociais.

3.2. Harmonização entre direitos individuais e função social.

58 Pág. 103.

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43

Facilmente se discute, sob o prisma constitucional, a

concreção dos direitos fundamentais em face do poder público, também

chamadas de liberdades públicas.59

A fórmula genérica de função social esculpida no inciso

XXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, foi destacada como

princípio da ordem econômica (art. 170, III, CF), afastando de vez, a forma

individualista da propriedade, cedendo lugar a “propriedade-função”,

conferindo-lhe, ainda, alto grau de relativismo, no sentido de que, conforme

conclui KIYOSHI HARADA, “a propriedade privada só se justifica enquanto

cumpre a função social”.60

De qualquer forma o conteúdo essencial do direito de

propriedade continua a ser a possibilidade de sua utilização privada e o

poder de disposição pelo proprietário, que sob o prisma constitucional,

implica também numa limitação da esfera do Estado no campo econômico,

excepcionada somente na forma prevista na Constituição Federal. Ou seja,

as restrições ao direito de propriedade que a lei poderá trazer só serão

aquelas fundadas na própria Constituição.61

O Professor ARRUDA ALVIM defende tal limitação,

asseverando que:

“Onde não há liberdade para o legislador

infraconstitucional é em relação à área do direito

constitucional representativa do conteúdo essencial do

direito de propriedade, de tal forma que não é possível

59 Segundo Celso Ribeiro Bastos, “Dá-se o nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou individuais àquelas prerrogativas que tem o indivíduo em face do Estado.” Curso de direito constitucional, p. 165. 60 Desapropriação – doutrina e prática, p. 23. 61 Curso de Direito Constitucional, p. 208.

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que se suprima ex lege o direito de propriedade , como,

ainda, se se vier a vedar-se por lei o exercício do direito

de propriedade, ou se se vier a tornar inviável a

aquisição desse direito. Sobre a preservação desse núcleo

essencial manifesta-se, também, pela

inconstitucionalidade da lei Robert Alexy.”62

Certo é que, mesmo sobre as liberdades públicas

incidem limitações. Limitações essas consistentes em “assegurar a

coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia

pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos

direitos e garantias de terceiros.” 63

Analisando a hierarquização entre interesse público e

privado, GIORGIO OPPO64 chama à atenção para o fato de que a submissão do

direito privado ao direito público, pode resultar, como nos ensina a história,

não uma maior tutela, mas uma ameaça à própria existência dos mesmos.

O autor italiano lembra que a utilidade social

preconizada na Constituição Federal – qualificada como interesse geral -,

quando relacionada ao direito privado dos bens (propriedade), assume um

papel de função, que, por sua vez, é garantida pela lei, assim como a

propriedade, chegando a ser denominada “usufruto geral de bens” por parte

da coletividade, e que atinge até mesmo a propriedade pública. E invoca a

necessidade de dosar o relacionamento entre a propriedade privada e o

reconhecimento de seu papel social acarreta uma polivalência da instituição

62 A função social do contrato no Novo Código Civil, p. 77. 63 Conforme relatado pelo Ministro Celso de Mello em julgamento de Mandado de Segurança nº 23.452-1 impetrado em face de ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito. 64 Diritto Privato E Interessi Pubblici, p. 25.

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privada no atendimento aos interesses individuais e de interesse geral. Nessa

dosagem, se não pudermos considerar a propriedade (bem) como essencial à

liberdade (direito) e necessária à sua própria garantia (utilidade econômica

do bem), ao menos podemos dizer que ela contribui para o exercício e o

desenvolvimento da liberdade dos associados e, portanto, age também no

interesse geral. Esta é a escolha constitucional.

Assim, conclui o doutrinador, que o interesse geral não é

limite do direito privado, mas sim meio de solução do conflito entre a

propriedade e a atividade, que deverá refletir uma escolha de interesse geral.

Especificamente quanto à atividade, na mesma obra, o

Professor italiano frisa, ainda que esta deve ser mais que apenas ser e

ganhar. Os instrumentos65 e as ações também devem ter relação com o

interesse geral, que se estabelece na noção de mérito, exigindo-se

conformidade com a ordem jurídica e a consciência social. Tanto atividade

como contrato das empresas (públicas ou privadas) devem inspirar-se na

responsabilidade de suas ações, adequando as exigência de mercado às

orientações comunitárias. Explica que contrato e empresa são instituições de

direito privado, mas não necessariamente privados com relação ao indivíduo,

sugerindo-se uma privatização dos meios e não dos fins.

O mencionado autor finaliza a importante abordagem em

busca da harmonização entre o privado e o público, sem pretender defender

o setor privado, concluindo que o interesse público pode usar o direito

privado, mas não pode pedir ao direito privado mais do que este pode

oferecer, e deve aceitar do direito privado, o que lhe é essencial. 65 Os instrumentos gerais de ordem privada para uma ação juridicamente relevante, são essencialmente três; o contrato, a empresa e a sociedade.

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3.3. Função Social e Lucro

O poder-dever de perseguir o bem-estar social, imposto

pela função social da empresa, vem sendo paulatinamente exercido pelas

companhias, mas saltam aos olhos, especialmente dos juristas, duas

complexidades66: compatibilização da função social com o lucro; e a (in)

segurança jurídica ante a cláusula geral – função social.

A primeira diz respeito a possibilidade de compatibilizar

a essa teoria da função social das empresas com o seu objeto, qual seja,

obtenção de lucro.

Antes de cotizar a função social com o lucro, vale

enfatizar que o objetivo da empresa é obter lucros. Ou seja, a idéia da busca

do lucro na atividade empresarial é tomada como conduta finalista, embora

alguns doutrinadores entendam que pode existir uma atividade empresarial

cujos objetivos primordiais não sejam o lucro imediato.

Nesse sentido, OSCAR BARRETO FILHO, defende que

“muitos autores caracterizam a empresa privada como

tendo por finalidade específica o lucro, o que não afigura

correto. Esta conceituação está superada, porque o lucro é

antes um resultado da atividade empresarial, e não uma

finalidade em si. Decorre o lucro da diferença entre

rendimento auferido em determinado período e as

despesas oriundas dos fatores produtivos na realização

66 Sem falar, como lembrou Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, no temor de que venha “a teoria da função social da empresa ficar adstrita apenas àqueles pequenos mais facilmente tangíveis e, ao mesmo tempo, servir de discurso para os Estados descuidarem do trato dos assuntos sociais, como se estes não fossem mais a razão de sua existência.” Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 239.

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do processo econômico da criação de bens ou prestação

de serviços... O lucro constitui índice de vitalidade e

condição de eficiência e não uma característica inerente à

empresa. O espírito do lucro pode ser móvel psicológico do

empresário, não porém a finalidade da própria

empresa.”67

Outrossim, adotando-se a primeira posição, vê-se que

essa finalidade está contemplada em lei. Tomando como exemplo a sociedade

anônima, lembra o Professor COMPARATO que “a companhia não poderá,

jamais, renunciar à sua finalidade lucrativa (art. 2º), ainda que todos os

acionistas renunciem solenemente a receber dividendos e sejam movidos pelo

mais elevado intuito altruístico, ou pela intenção de participar de alguma

campanha pública de auxílio social”. Acrescenta, ainda, que o não

atendimento da finalidade lucrativa autoriza a dissolução judicial de uma

companhia (art. 206, II, b, da Lei nº 6.404). 68

Para CELSO RIBEIRO BASTOS, não existe incompatibilidade

entre a fruição individual da propriedade – no caso da empresa representada

pela busca do lucro – e o atingimento dos fins sociais.

Explica BASTOS que “o cerne do nosso sistema jurídico-

político repousa no fato de que não há uma oposição irrefragável entre o social

e o individual ou mesmo de que o social avança na medida em que se sufocam

os direitos individuais. A feição ainda predominantemente liberal da nossa

Constituição acredita que há uma maximização do atingimento dos interesses

67 A dignidade do direito mercantil. p. 18. 68 Estado, Empresa e Função Social, p. 45.

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sociais pelo exercício normal dos direitos individuais”69, concluindo que “há

uma perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e o atingimento da sua

função social”.70

BASTOS, entretanto, vê a utilização personalista e egoísta

da propriedade pelo seu titular, como um abuso do direito de propriedade

que o sujeita as restrições desta propriedade na forma da Constituição. Esse

abuso ou deformidade é coibido pela ordem jurídica, pela função social.

Assim, “a chamada função social da propriedade nada mais é do que o

conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de

grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal.”71

No mesmo sentido, para BRUNA, o exercício da atividade

econômica contrário à sua finalidade social é caracterizado quando há um

abuso nesse exercício. SÉRGIO VARELLA BRUNA72 através dos institutos do

“abuso de direito” e do “desvio de finalidade” ou “desvio de poder” chega ao

conceito de “abuso do poder econômico”. Nesse trabalho o citado autor

mostra a controvérsia de alguns doutrinadores com relação ao direito de

possuir uma finalidade social, que quando não observada e em

desconformidade com o equilíbrio dos interesses juridicamente protegidos,

deixa o ato de ser lícito, tornando-o reprovável. A manutenção desse

equilíbrio compete ao Estado.

69 Observa-se aqui, que o mencionado doutrinador, refere-se a exercício normal do direito individual. No presente caso, o direito de propriedade dos bens de produção teria seu exercício normal com a produção suficiente para atender ao seu mercado. Celso Bastos, assim justifica: “Sem produção abundante não há bem-estar social, mesmo porque todos os planos que interessam mais diretamente à qualidade de vida do cidadão dependem de grandes somas de dinheiro para implementação: desenvolvimento da educação, da saúde, da habitação, da ecologia...” Curso de Direito Constitucional, p. 212. 70 Ibidem, p. 209/210. 71 Ibidem, pág. 210. 72 O Poder Econômico e a Conceituação do abuso no seu exercício.

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Ao contrário, JOSÉ AFONSO DA SILVA não acredita na

possibilidade de conciliar o modelo capitalista com o objetivo social,

asseverando que “a história mostra que a injustiça é inerente ao modo de

produção capitalista, mormente do capitalismo periférico”73. O sistema

econômico da propriedade privada dos meios de produção é basicamente

capitalista, “que a vigente Constituição tenta civilizar, buscando criar, no

mínimo, um capitalismo social, se é que isso seja possível, por meio da

estruturação de um ordem social intensamente preocupada com a justiça

social e a dignidade da pessoa humana.”74

SERGIO VARELLA BRUNA faz forte crítica ao exercício da

atividade econômica com vistas ao lucro, denominando tal agir de usurpação

da renda social.

“Seu exercício, portanto, não deve ser pautado

exclusivamente por interesses de cunho egoísta, já que,

como visto, a maximização de lucros a que tais interesses

conduzem é forma de usurpação da renda social,

verdadeiro obstáculo à consecução do ideal de justiça

social, que somente se realiza mediante distribuição

eqüitativa de riqueza.”75

3.4. Função Social e Segurança Jurídica.

73 Tal conclusão é emanada ao tratar do fim da ordem econômica, qual seja, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Explica que tal declaração da finalidade não se efetiva por si só, bem como, que o sistema econômico, de base capitalista, é essencialmente individualista, no qual, a acumulação ou concentração do capital e da renda, “que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado de minoria afortunada.” Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 763. 74 Ibidem, p. 787. 75 O Poder Econômico e a Conceituação do abuso no seu exercício, p. 172.

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50

Essa segunda questão a ser compatibilizada com a

função social, e para a qual o Direito mais se interessa, diz respeito à

mitigação da segurança jurídica.

Embora a função social se apresente, na Constituição

Federal, como verdadeira norma jurídica nem sempre presente no mundo do

ser, está dotada de vigência, validez e obrigatoriedade.76

A cláusula geral - função social da empresa77, como as

demais cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados78, é geral e

extremamente vaga. O reconhecimento do segundo encontra na norma

determinada conseqüência, já para o primeiro – cláusula geral – não há

previsão da conseqüência na norma, propiciando “ao juiz a oportunidade de

criar a solução”79, exercendo papel de suma importância em razão dos

poderes que lhe são conferidos por essa função instrumentalizadora das

cláusulas gerais.

76 Rogério Gesta Leal, assim qualifica os direitos e garantias fundamentais. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos, p. 105. 77 “4. Sistema do Código Civil. Cláusulas gerais. O sistema do CC permeia-se por uma profusão de cláusulas gerais. No que interessa ao Direito de Empresa, as principais cláusulas gerais que informam seu regime jurídico são a da dignidade da pessoa humana (CF 1º III), da livre concorrência, da função social da propriedade, do direito do consumidor e do meio ambiente, da função social da empresa (CF 170 caput), da função social do contrato (CC 421 e 2035 par. ún.). Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 342. 78 “13. Conceitos legais indeterminados. Definição. Conceitos legais indeterminados são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal indeterminado (unbestimmte Gesetzbegriffe), a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora. Distinguem-se das cláusulas gerais pela finalidade e eficácia. A lei enuncia o conceito indeterminado e dás as conseqüências dele advindas.” Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 5. 79 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 7.

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51

Explica CLÓVIS DO COUTO E SILVA80, que com a edição

desses conceitos abertos, “a ordem jurídica atribui ao juiz a tarefa de adequar

a aplicação judicial às modificações sociais, uma vez que os limites dos fatos

previstos pelas aludidas cláusulas gerais são fugidios, móveis; de nenhum

modo fixos.”

Alguns doutrinadores espanhóis, ao interpretarem a

aplicação da função social esculpida no Código Civil espanhol, têm afastado

a interpretação que possa levar ao conceito aberto, entendendo que os

limites da sua aplicação no direito de propriedade devem estar descritos na

lei.

“Esta solución interpretativa podría aumentar la

discreccionalidad judicial, poniendo em peligro la mínima

certeza del Derecho que, em todo caso, resulta

aconsejable. Amparándose en la realidad social, el Juez

gozaria de un amplio margen de apreciación que,

posiblemente, podría suponer una lesión de la garantia de

la seguridad jurídica. Por esta y otras razones, se suele

indicar que es conveniente que las condiciones sociales a

tener en consideración encuentren reconocimiento – al

menos indirecto o en gérmen – em la ley.”81

Certo é também que, na prática, como ressalva já feita

anteriormente, os Juízes não têm conseguido dar efetividade às cláusulas

abertas, em especial quando se referem aos direitos humanos e sociais. Em

longa análise da atuação do Judiciário com relação a concretude dos

princípios constitucionais, GILBERTO BERCOVICI ressalta que “considerada a 80 Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: I Jornada Luso-Brasileira de Direito Civil, p. 50. 81 Rafael Colina Garea, La Función Social de La Propiedad Privada em la Constitución Espanõla de 1978, p. 233.

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partir de seu ethos cultural, corporativo e profissional, a magistratura

brasileira tem desprezado o desafio de preencher o fosso entre o sistema

jurídico vigente e as condições reais da sociedade, em nome da ‘segurança

jurídica’ e de uma visão por vezes ingênua do equilíbrio entre os poderes

autônomos. Apenas a base da magistratura brasileira, por meio de alguns

poucos – porém expressivos – juízes de primeira instância, é que tem tentado

promover certas mudanças.”82

Para o operador do Direito sempre foi difícil lidar, dentro

das teorias das fontes, com aquilo que pudesse ser considerado

metajurídico, como por exemplo, os princípios83. Ou seja, tudo aquilo, como

a exemplo das cláusulas gerais, que permite o ingresso no ordenamento

jurídico “de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos

legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares

de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas,

sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento

positivo”, não proporcionam conforto aos operadores.

Se, de um lado, a cláusula geral tem a vantagem da

maior mobilidade, abrandando a rigidez da norma casuística, propiciando ao

sistema atualização e longa aplicabilidade dos institutos jurídicos, assusta, o

novo papel conferido ao juiz pelo novo Código Civil, em razão do grau de

incerteza no preenchimento das cláusulas gerais com valores metajurídicos,

gerando insegurança jurídica.

82 Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 111. 83 Vale lembrar que “cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é norma jurídica, isto é, fonte criadora de direitos e de obrigações” Judith Martins-Costa apud Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 6.

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Ocorre, entretanto, que o relacionamento do Direito com

o “todo social”, em razão da demanda da própria sociedade moderna,

começou, como ressalta JUDITH MARTINS-COSTA, “a se movimentar em torno de

outro paradigma, o de sistema aberto, ou sistema de auto-referência

relativa”84, afastando-se do “mundo da segurança” com regras claras e

seguras, e em conseqüência, estáticas.

A formação de uma nova ordem jurídica constitucional,

na qual os institutos jurídicos85 migraram do direito privado, em especial o

Código Civil, para o texto constitucional, propiciaram a criação de cláusulas

abertas para os disciplinarem. MARCOS ALBERTO SANT’ANNA BITELLI faz um

curioso paralelo entre a operacionalização dessa nova ordem jurídica com a

evolução do sistema de informática do MS-DOS – limitado – para o windows,

apontando também como conseqüência dessa mudança, a insegurança

jurídica, arrematando que:

“Não foi só a derrubada da summa divisio que ocorreu (já

após muito custo reconhecida pelos juristas), mas sim a

ruptura de todos os cercadinhos que isolavam de forma

segura (pelo menos para o usuário do sistema jurídico) os

diversos institutos jurídicos.” 86

3.5. A Função Social da Empresa no Código Civil

84 A Boa-Fé no Direito Privado, p. 275. 85 Institutos tais como a propriedade, a família e a empresa são tutelados hoje na Constituição Federal. 86 Temas atuais do direito civil na Constituição Federal, p. 231.

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A propriedade está disciplinada no Código Civil, no artigo

1228, in verbis:

Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar

e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de

quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e

sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora,

a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o

patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a

poluição do ar e das águas.

§ 2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário

qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados

pela intenção de prejudicar outrem.

O artigo transcrito condiciona o exercício do direito

subjetivo de propriedade ao atendimento das finalidades econômicas e

sociais (§ 1º), sendo que essa função não está sujeita a derrogação por

vontade das partes, conforme lecionam NELSON NERYJUNIOR e ROSA MARIA DE

ANDRADE NERY:

“Função social da propriedade. Natureza jurídica. É

princípio de ordem pública, que não pode ser derrogado

por vontade das partes. O CC 2035 par. ún. é expresso

nesse sentido, ao dizer que nenhuma convenção pode

prevalecer se contrariar preceitos de ordem pública, como

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é o caso da função social da propriedade e dos contratos

(CC 421).”87

O legislador optou por não dar o conceito legal de

empresa, limitando-se a arrolam fatos que a qualificam. Entretanto,

conceitua-se empresário no artigo 966, in verbis:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce

profissionalmente atividade econômica organizada para a

produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem

exerce profissão intelectual, de natureza científica,

literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares

ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão

constituir elemento de empresa.

O art. 1142 do Novo Código Civil permite concluir que

empresa é a atividade exercida do empresário ou da sociedade empresária.

Unindo os arts. 966 e 1142, chega-se ao seguinte conceito de empresa:

empresa constitui o exercício profissional da atividade econômica organizada

para a produção ou circulação de bens e de serviços.

Da definição supra, deduz-se três elementos:

economicidade (criação de riquezas, lucro), organização (fatores da produção:

capital, trabalho e natureza) e profissionalidade (exercício habitual e

sistemático).

87 Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 418.

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Alguns outras importantes alterações na ordem então

vigente sobre empresa, veiculadas no Novo Código Civil são: (a) transposição

do fenômeno socioeconômico da empresa para o plano jurídico; (b)

manutenção de responsabilidade e proteção, através da obrigatoriedade de

registro, mantença de livros e escrituração, normas de concorrência e

outras; (c) exclui a profissão intelectual, os empresários rurais e pequenos

empresários; (d) estrutura das sociedades – simples e empresárias.

Acrescidas das leis específicas: sociedade anônima, comandita por ações e

sociedades cooperativas, sociedade limitada; (e) distingue a pessoa jurídica

de fins não econômicos (associações e fundações) e as de escopo econômico

(sociedade simples e sociedade empresária); (f) adota a possibilidade de

responsabilização pessoal do empresário, se usar maliciosamente a pessoa

jurídica para auferir lucro indevido em prejuízo de terceiro.

No tocante à disciplina legal da empresa, o Novo Código

Civil também sofre a interferência da ordem constitucional.

O diploma civilista manteve o princípio da autonomia de

vontade como elemento fundamental que possibilita a celebração livre de

negócios jurídicos, desde que não atentem contra manifestos interesses da

coletividade.

Os princípios fundamentais gerais esculpidos no Novo

Código Civil são: socialidade; eticidade; e concretude. Por serem gerais

devem guiar o intérprete. Assim, a não inserção pelo Novo Código Civil da

função social com referência ao empresário não sofre prejuízo, porque

socialidade e concreção condicionam todas as disposições civis à observância

da função social.

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Esse condicionamento é reforçado pelo fato de que o

Novo Código Civil vincula o empresário ao direito obrigacional unificado

(direito das obrigações das pessoas privadas) e não mais ao estatuto de

classe (Código Comercial).

Ora, nós que somos fortes, devemos suportar as

debilidades dos fracos, e não agradar-nos a nós

mesmos. Portanto cada um de nós agrade ao

próximo no que é bom para a edificação. Rm

15:1.2

CAPÍTULO IV

SOLIDARIEDADE SOCIAL

4.1. Solidariedade como valor. 4.2. Princípio constitucional da solidariedade.

4.3. A imposição da solidariedade.

4.1. Solidariedade como Valor.

Observando-se as diversas situações a que se depara

hoje, o homem, fixa-se, mais uma vez, a atenção à dignidade humana,

devendo ser destacado que o interesse geral do ser humano não requer

apenas respeito e isenção, como também requer ação – conforme o dever

constitucional de solidariedade – cuja aplicação direta é o dever de socorro,

sancionado também penalmente.

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Em trabalho sobre os Direitos Humanos e as Relações

Jurídicas Privadas, GUSTAVO TEPEDINO recorda diversos casos de conflito

entre a cláusula geral da tutela da dignidade da pessoa humana e a

atividade econômica asseverando que é possível “aduzir que as pressões do

mercado, especialmente intensas na atividade econômica privada, podem

favorecer uma conspícua violação à dignidade da pessoa humana,

reclamando por isso mesmo um controle social com fundamento nos valores

constitucionais.”88

A solidariedade sempre esteve presente em contextos

históricos em que de tentou explicar a relação entre Estado e o indivíduo,

ganhando diversas conotações até chegar ao status de princípio

constitucional.

Segundo a doutrina de FRANCESCO LUCARELLI89, a

solidariedade deveria constituir campo experimental para um juízo de

responsabilidade subjetiva e social, qualificando os deveres do indivíduo

para com a sociedade e, correlativamente, as obrigações do Estado no

confronto dos componentes do núcleo organizado.

RICARDO LOBO TORRES90, chama a atenção para que a

solidariedade por ser visualizada ao mesmo tempo como valor ético e jurídico

e como princípio positivado, mas é sobretudo uma obrigação moral ou um

dever jurídico. 88 Temas de Direito Civil, p. 66. E justifica o reclamo: “A Constituição da República, ponto de equilíbrio entre as diversas forças políticas nacionais, oferece parâmetros para o exercício do necessário controle da atividade econômica privada. Seja por seu caráter compromissório, seja pela maior estabilidade do processo legislativo necessário à sua revisão, seja por sua posição hierárquica no ordenamento jurídico, deve ser utilizada sem qualquer cerimônia pelo operador, aproveitando-se da opção do constituinte pela intervenção nos institutos do direito civil, como propriedade, família, atividade empresarial, relações de consumo.” 89 Solidarietá e Autonomia Privata, Napoli, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1970. 90 Solidariedade Social e Tributação, p. 198-199.

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O citado autor, recorda que a solidariedade é valor

fundante do Estado de Direito, sendo que “a reaproximação entre ética e

Direito nas últimas décadas trouxe, entre as suas inúmeras conseqüências, a

recuperação da idéia de solidariedade, que o liberalismo do século XIX e de

boa parte do século XX abandonara.”91

Essa retomada da idéia de solidariedade ganha vulto

com a afirmação da então qualificada pelo Professor português JOSÉ CASALTA

NABAIS de “quarta geração de direitos fundamentais, constituída justamente

pelos designados ‘direitos ecológicos’ ou ‘direitos de solidariedade’”,

considerado esse último em sentido amplo que cobre também direitos da

terceira geração ou direitos sociais.92

Em elucidativo trabalho, o doutrinador português,

traduz em que consiste a cidadania – na medida em que lhe são ou não

conferidos os direitos sociais – a fim de incluí-la nos deveres que a

solidariedade deve suportar.

Para tanto, em apertada síntese, podemos dizer que o

Professor, para a compreensão do sentido e alcance da idéia de

solidariedade, refere-se às seguintes distinções93: (a) solidariedade dos

antigos e solidariedade dos modernos, a primeira tida como virtude

indispensável na relação com os outros e a segunda como um “princípio

jurídico e político cuja realização passa quer pela comunidade estadual, seja

enquanto comunidade política, seja enquanto comunidade social, quer pela

91 Idem, p. 198. 92 Solidariedade Social e Tributação, p. 111. 93 A diversidade a que trata o Professor português pode ser vista na obra cit., p. 112-117.

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sociedade civil ou comunidade cívica”94; (b) solidariedade mutualista e

solidariedade altruísta, sendo essa última aquela em que “a ação solidária se

apresenta como uma dádiva, segundo uma regra de gratuidade, isto é, sem

esperar qualquer contrapartida da parte dos beneficiários da atividade

solidária”95 diferente daquela que era sustentada pela intenção de criar

riqueza comum; e, (c) solidariedade vertical e solidariedade horizontal, sendo

que na primeira a responsabilidade é do Estado de garantir aos membros da

comunidade um adequado nível de realização dos direitos sociais, enquanto

que na horizontal se caracteriza pelo voluntariado social “em que o Estado

convoca a colaboração economicamente desinteressada dos indivíduos e

grupos sociais, mobilizando-a para a realização daqueles direitos sociais ou

dos direitos sociais daqueles destinatários relativamente aos quais a atuação

estatal, ou mais amplamente a atuação de carácter institucional, não está em

condições de satisfazer”96, como no nosso contexto vislumbramos o

Programa Fome Zero, v.g..

O autor em questão coroa essa parte do seu trabalho,

destacando com respeito à cidadania, com os fenômenos da sobrecidadania e

da subcidadania, além das múltiplas e variadas formas de descidadania

configurada pela insuficiência ou ausência da capacidade de exercício da

cidadania, e que concebe como formas de exclusão social.

Nesse brilhante estudo de solidariedade e cidadania, o

autor conclui pela existência de importantes relações entre a solidariedade

social e a cidadania, a que condensa em cidadania solidária “em que o

94 Ibidem, p. 113. 95 Ibidem, p. 114. 96 Ibidem, p. 117.

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cidadão assume um novo papel, tomando consciência de que o seu

protagonismo ativo na vida pública já se não basta com o controle do exercício

dos poderes. Antes também passa pela assunção de encargos,

responsabilidades e deveres que derivam dessa mesma vida pública e que

não podem ser encarados como tarefa exclusivamente estadual”.97

Válida é, ainda, a transcrição da análise do termo

solidariedade feita por MARCIANO SEABRA DE GODOI, que também distingue

solidariedade de fraternidade98, embora afins, na medida em que essa última

possa envolver uma dose maior de afeto, de pessoalidade ou de comunhão.

“O termo solidariedade, apesar de plurívoco, aponta

sempre para a idéia de união, de ligação entre as partes

de um todo. Etimologicamente, solidariedade remonta a

termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro,

pleno. A solidariedade une ou integra duas ou mais

pessoas no seio de uma mesma obrigação jurídica (donde

devedores ou credores solidários), no seio de uma mesma

condição ou grupo social (por exemplo, a solidariedade

entre os trabalhadores, entre os empresários, entre os

acometidos pela mesma enfermidade), ou no seio de um

mesmo sentimento ou estado anímico (por exemplo, o

indivíduo que se solidariza com o semelhante que

sofre).”99

MARCO AURÉLIO GRECO melhor explica a distinção entre

fraternidade e solidariedade, conforme se vê:

97 Ibidem, p. 125. 98 Vale recordar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu preâmbulo, concebe todas as pessoas como membros da família humana, e no art. 1º determina que todos devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. 99 Solidariedade Social e Tributação, p. 142.

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“Fraternidade e solidariedade não são sinônimos,

mas conceitos que se completam, pois, enquanto a

segunda se exprime nos múltiplos modos de auxílio ao

semelhante e de agir ‘junto com o próximo’, a primeira

abrange, além disso, a tolerância, o amor e o respeito ao

outro, bem como outras formas de agir ‘em benefício do

próximo’, o que inclui, por exemplo, a filantropia.”100

4.2. Princípio constitucional da solidariedade.

Todos os ramos do direito tem seus fundamentos no

texto constitucional. Uma das áreas a primeiro de preocupar com o princípio

da solidariedade foi a tributária e financeira101, na medida em que a

tributação sujeita o proprietário a contribuir com o bem estar geral. Ou seja,

a solidariedade social é fundamento do tributo que reverte-se para suprir as

despesas púbicas destinadas a custear bens e serviços que devem ser

colocados a disposição de todos.

GRECO aponta a presença da solidariedade social no

debate tributário, em três momentos distintos: (a) na justificação da

exigência, ora como fundamento ora como objetivo, na medida em que o

Poder Público deve justificar os dispêndios estatais; (b) nos critérios de

congruência, que norteiam a atividade legislativa tributária; e, (c) no critério

100 Idem, p. 174. 101 Ver a respeito: Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godoi (coord.), Solidariedade Social e Tributação.

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de interpretação quando em debate normas positivas condicionadas aos

princípios constitucionais.102

Na forma de princípio, a solidariedade está contemplada

na Constituição Italiana, no artigo 2º segundo o qual

“A República reconhece e garante os direitos invioláveis

do homem, seja como indivíduo, seja nas formas pelas

quais se desenvolve a sua personalidade e exige o

cumprimento de deveres inderrogáveis de solidariedade

política, econômica e social.”

Também encontramos o princípio da solidariedade no

preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, entre os

valores em que se funda a União. Segundo a Carta Constitucional aprovada

em Roma, em 2004, os valores da União Européia são os “(...) da dignidade

humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e

do respeito aos direitos humanos. Estes valores são comuns aos Estados-

membros numa sociedade fundada no pluralismo, na tolerância, na justiça, na

solidariedade e na não-discriminação.”

A Constituição portuguesa de 1976, por sua vez, no art.

1º, declara o empenho da República em construir uma “sociedade livre, justa

e solidária”.

A solidariedade está reconhecida na Constituição

espanhola de 1978, que em seu artigo 2º determina para fazer efetivo o

princípio da solidariedade entre as regiões era constituído um Fundo de

Compensação destinado a promover investimentos regionais (art. 158.2). Ao

102 Idem, p. 168-169.

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regular a política econômica e social, a Constituição espanhola, ainda, apóia

a proteção da qualidade de vida e do meio ambiente na indispensável

solidariedade coletiva (art. 45.2).

No texto constitucional Brasileiro, o princípio da

solidariedade está expresso no inciso I, do artigo 3º, da Carta Política, in

verbis:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Segundo DOUGLAS YAMASHITA, a Constituição de 1988

sintetiza em seu artigo 3º, I, os mesmos princípios da Revolução Francesa:

liberte, egalité, fraternité.

“Trata-se de um compromisso do reequilíbrio harmônico

destes direitos fundamentais como reação ao privilégio da

liberdade em detrimento da igualdade material e da

fraternidade ou solidariedade durante o Estado liberal

burguês.”103

Alguns doutrinadores identificam a influência do

princípio da solidariedade, em nível infraconstitucional, especificamente no

Código Civil, na prevalência neste texto legal de valores sociais, como o

princípio da sociabilidade e a função social, nesse último, tal como a função

social do contrato (artigo 421) a limitar a própria autonomia de vontade v.g..

4.3. A imposição da solidariedade.

103 Solidariedade Social e Tributação, p. 53.

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Apesar da a vagueza semântica da expressão “sociedade

solidária”, JUDITH MARTINS-COSTA entende que as regras constitucionais que

primam pela solidariedade e valoração do bem-estar do indivíduo e impõem

fins a serem perseguidos, se constituem em “norma-objeto” e “não se

confundem com as chamadas “normas programáticas”, porque obedecem a

diverso critério classificatório: enquanto essas obedecem ao critério da

eficácia, as normas-objetivo são assim classificadas em vista do critério do

conteúdo.”104

A Professora lembra que “ao estatuir como objetivo

fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, a Constituição conformou um modelo de mercado assentado, de um

lado, na liberdade de iniciativa econômica, de outro, na valorização do

trabalho e na defesa do consumidor, princípios conducentes, todavia, à

consecução de um preciso fim – a construção de uma sociedade solidária –

livre, justa e solidária, como afirma o art. 3º.”105

Como ensina Judith Martins-Costa, política, norma-

objetivo, policy, é programa de ação, que na esfera privada implica também

em deveres – contidos em uma pauta -, em razão da sua

constitucionalização. Representam o instrumento de concretização das

normas constitucionais. Assim, a diretriz do artigo 3º da Constituição

Federal “configura ‘critério indiciário d(os) fins’, que devem ser implementados 104 Assim resume Judith Martins-Costa, a aplicação da expressão “norma-objetivo” por Eros Roberto Grau. E, apresenta, ainda, a expressão em inglês – policy – aplicada por Ronald Dworkin para indicar as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados, em regra referidos a aspectos econômicos, políticos ou sociais, e assim distinta dos princípios, porque estes têm conteúdo axiológico, voltando-se funcionalmente ao atingimento de imperativos de justiça, de honestidade ou de outras dimensões da moral.” A reconstrução do Direito Privado, p. 621. 105 A Reconstrução do Direito Privado. p. 620.

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pelas normas de conduta, nesta medida corolários imperativos, e

necessariamente incidentes nas relações de mercado, da diretriz que busca a

construção de uma sociedade solidária.”106

A autora ressalta esses imperativos, em especial na

atividade do intérprete do Direito, senão vejamos:

“Por certo, a existência de deveres decorrentes da

solidariedade social impõe-se ao intérprete da

Constituição, à medida que não seria admissível

considerar as suas normas como vazias de significado e

eficácia verdadeiramente normativos, devendo-se, por

isso mesmo, buscar sua concreção.”

Tais deveres instrumentais – que têm por escopo

permitir a implementação do objetivo posto no artigo 3º da Constituição

Federal – de fato, não estão restritos ao Estado, mas estendem-se também

para os detentores do poder econômico ou social. Deve-se então determinar

como que esses deveres passam do plano abstrato à concreta realidade das

relações intersubjetivas.

De certo parece-nos que somente via normas de conduta

de mercado107 ou de preceitos éticos108 é que é possível a concreção dos

direitos sociais, consubstanciado em responsabilidade social empresarial

que melhor veremos adiante.

106 Ibidem, p. 622. 107 Conforme já se transcreveu a assertiva de Judith Martins-Costa. 108 Segundo Eduardo Teixeira Farah, A Reconstrução do Direito Privado, p. 690.

“Para que a empresa possa justificar seus lucros em face da diretriz constitucional da solidariedade social, é curial que atenda a inúmeros preceitos éticos, tanto no âmbito interno como externo.” Ver a esse respeito e na seqüência, o autor analisa alguns dos deveres de cada um dos âmbitos. p. 690-709.

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Com respeito ao princípio constitucional aqui tratado,

para JUDITH MARTINS-COSTA, além do auxílio da lei para inserir a diretriz da

solidariedade social nas condutas reguladas pelo Direito, pode-se também

ensejar a sua construção por via da atividade judicial – por se tratar de

cláusulas gerais.

Para o princípio da solidariedade, assim como para o

princípio da função social, como já vimos, fácil é a aplicação do dever

negativo que o princípio gera, ou seja, a legislação não poderá nunca conter

preceito que conflite com o objetivo da construção de uma sociedade

solidária, bem como o princípio deve informar as interpretações

especialmente do Judiciário.

Mas como se verifica o dever de prover o mínimo dos

direitos ao cidadão para o particular – empresário -, na forma positiva? Ou

seja, a solidariedade quando vista entre particulares tem ou não

coercibilidade?

Segundo RAQUEL SZTAJN, “quando se fala em

solidariedade apela-se para um dever que não se impõe, especialmente de

forma coercitiva, mas em que se espera alguma cooperação entre pessoas

visando a aumentar o bem-estar coletivo.”109

NABAIS, em um primeiro momento também tende a

concordar que há incompatibilidade entre a solidariedade e a imposição –

cogência -, destacando que impor deveres exigíveis através da coação, em

109 E complementa: “Essa idéia de solidariedade é antiga, seja por resultar de práticas religiosas, seja pela sensação de que há dever de auxiliar os menos afortunados, de forma a restringir algumas das desigualdades sociais; o ‘novo’ é que chegue às atividades econômicas não voltadas à filantropia, a caridade.” A Responsabilidade Social das Companhias.

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última instância, seria negar a própria idéia de solidariedade. Salienta,

também, que se viável ao Estado impor deveres para a concretização da

cidadania, ante a sua incapacidade ou impossibilidade em realizar alguns

dos aspectos da cidadania, dispensável seria esse tipo de solidariedade.

Mas, reconhece que o Estado (legislador) pode atuar por

outras vias, a da promoção ou do incentivo110, nos mesmos moldes em que,

como veremos adiante, no direito pátrio, trata EROS ROBERTO GRAU das

normas de indução.

110 José Casalta Nabais, Solidariedade Social e Tributação, p. 125.

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CAPÍTULO V

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

5.1. Terminologia de Responsabilidade. 5.1. O termo “responsabilidade”.

5.1.2. “Responsabilidade” Civil. 5.1.3. Um novo termo: solidariedade social.

5.2. Fatores históricos da Responsabilidade Social Empresarial. 5.3.

Conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial. 5.4. Quem são os

responsáveis? 5.5. O papel do empresário. 5.6. Empresa socialmente

responsável. 5.7. Identificação da Responsabilidade Social Empresarial no

ordenamento jurídico. 5.7.1. Função Social e Responsabilidade Social

Empresarial. 5.7.2. Solidariedade e Responsabilidade Social Empresarial.

5.8. Regulamentação da Responsabilidade Social Empresarial. 5.8.1.

Planejamento da Atividade Econômica. 5.8.2. Normalização da

Responsabilidade Social Empresarial. 5.8.3. Casuística. 5.9. Projetos Sociais.

5.9.1. Os diversos públicos. 5.9.2. Os resultados. 5.10. Os benefícios da

Responsabilidade Social Empresarial e o seu abuso. 5.11. Responsabilidade

Civil no comportamento positivo.

5.1. Terminologia de Responsabilidade.

5.1.1. O termo “responsabilidade”.

A palavra responsabilidade não á unívoca111.

111 E sim equívoca, vez que significa várias coisas, comportando vários conceitos.

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Como ressalta PATRÍCIA ALMEIDA ASHLEY, a

“responsabilidade social significa algo, mas nem sempre a mesma coisa para

todos. Para alguns, ela representa a idéia de responsabilidade ou obrigação

legal; para outros, significa um comportamento responsável no sentido ético;

para outros, ainda, o significado transmitido é o de ‘responsável por’, num

modo causal. Muitos, simplesmente, equiparam-na a uma contribuição

caridosa; outros tomam-na pelo sentido de socialmente consciente.”112

Numa primeira conotação – a filosófica – o

comportamento humano responsável, pressupõe a “possibilidade de prever

os efeitos do próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal previsão”.

Responsabilidade, sob esse prisma, é diferente de imputabilidade, “que

significa a atribuição de uma ação a um agente, considerado seu

causador”113.

A par dessa distinção – responsabilidade e

imputabilidade, que exploraremos a seguir, mister se faz a transcrição de

grande parte do conteúdo filosófico de responsabilidade, chamando-se a

atenção para a “noção de escolha”:

“O primeiro significado do termo foi político, em

expressões como “governo responsável” ou “R. do

governo”, indicativas do caráter do governo constitucional

que age sob controle dos cidadãos e em função desse

controle. Em filosofia, o termo foi usado nas controvérsias

sobre a liberdade e acabou sendo útil principalmente aos

empiristas ingleses, que quiseram mostrar a

incompatibilidade do juízo moral com a liberdade e a

necessidade absolutas (cf. Hume, Inq. Conc. Underst., 112 Responsabilidade social e ética nos negócios, p. 7. 113Conforme Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 855.

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VIII; Stuart Mill, nota a Analysis of the Phenomena of the

Human Mind de J. Mill, 1869, II, p. 325). Na verdade, a

noção de R. baseia-se na de escolha, e a noção de escolha

é essencial ao conceito de liberdade ilimitada (v.

Liberdade). Está claro que, no caso da necessidade, a

previsão dos efeitos não poderia influir na ação, e que tal

previsão não poderia influir na ação no caso da liberdade

absoluta, que tornaria o sujeito indiferente à previsão.

Portanto, o conceito de R. inscreve-se em determinado

conceito de liberdade, e mesmo na linguagem comum

chama-se alguém de ”responsável” ou elogia-se seu

“senso de R.” quando se pretende dizer que a pessoa em

questão inclui nos motivos de seu comportamento a

previsão de possíveis efeitos dele decorrentes.”

A noção de escolha contida no conceito filosófica de

responsabilidade encontra respaldo no Direito, na autonomia de vontade

que se sujeita a atividade empresarial, representando o espaço de liberdade

do empresário que se faz necessário.

Assim, no contexto filosófico, pode-se, então concluir que

responsabilidade social se consubstancia na inclusão pelo empresário,

dentre os seus critérios de escolha no exercício da atividade empresarial –

expressados pela autonomia de vontade – , dos efeitos que tais escolhas

podem gerar para a coletividade. Consciência prévia do seu comportamento

tendo em vista o social114.

Dentro desse conceito se encaixa a definição de RACHEL

SZTAJN em que a responsabilidade social “consiste na tomada de decisões

114 Social. Que pertence à sociedade ou tem em vista suas estruturas ou condições. Neste sentido, fala-se em “ação S.”, “movimento S.”, “questão S.”, etc. Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 912.

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administrativas que levem em conta valores éticos, o respeito às pessoas, à

comunidade, o cumprimento das normas legais, o cuidado com o meio

ambiente. Quer dizer, responsabilidade social implica em administrar a

sociedade de forma a atender ou superar os anseios éticos, jurídicos e

negociais do público, tendo em vista as atividades exercidas.”115

5.1.2. “Responsabilidade” Civil

Por tratar-se de palavra equívoca e em razão da sua

utilização no Direito estar ligada a idéia de imputabilidade – civil e penal – e,

sobretudo que sobre o mesmo fato – ação social v.g. – pode implicar

responsabilidade social e responsabilidade civil, trataremos do termo e do

instituto “responsabilidade” para o Direito.

Derivado do latim respondere (responder), afirma-se que

a noção de responsabilidade é nata a qualquer ser humano, tendo-se em

vista os juízos de justo e injusto, certo e errado.

Com respeito ao juízo de justo e a responsabilidade civil,

o famoso princípio da Lei de Talião, da retribuição do mal pelo mal – “olho

por olho” –, já conota uma forma de reparação do dano. Todavia, sob tal

princípio, o dano permanecia irreparado, haja vista que ao invés de reparar

danos ocorridos, novos eram perpetrados.

115 A Responsabilidade Social das Companhias, p. 35.

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Bem por isso, o lesado passou a perceber que mais

interessante do que a represália é a composição com o lesador, através de

uma compensação econômica.

Cumpre ressaltar que essa reparação, fixada

arbitrariamente pelo próprio lesado, acarretou abusos, caracterizando

verdadeiros locupletamentos indevidos, também condenáveis pelo Direito.

Por tal razão, a composição para a reparação do dano passou a ser

fracionada (tarifada) entre o poder público e o lesado, mas ainda executada

pelo lesado (Lei das XII Tábuas – séc. V a.C.).

Percebendo que alguns atos lesivos - embora

pertencentes à seara particular, perturbavam diretamente a ordem social

pretendida pelo Império Romano, a justiça até então punitiva, passa a ser

distributiva, distinguindo-se, assim os delitos públicos: nos quais o poder

público intervém para manter a ordem social; dos delitos particulares: nos

quais o poder público somente funcionava para fixar a composição e evitar

conflitos e abusos.

Com a Lex Aquilia, surge a moderna concepção de

responsabilidade extracontratual, bem como o conceito de culpa punível,

traduzida pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo.

A Escola do Direito Natural (a partir do século XVII)

ampliou o conceito da Lei Aquilia, tendo os juristas equacionado o

fundamento da responsabilidade civil, situando-o na quebra do equilíbrio

patrimonial provocado pelo dano. Assim, explica SÍLVIO DE SALVO VENOSA que

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“transferiu-se o enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da

indenização, para a noção de dano”.116

Fora no direito francês que os princípios românicos de

responsabilidade civil ganharam contorno moderno, abandonando-se a

enumeração de casos sujeitos à composição, esculpindo-se o princípio geral

da responsabilidade civil, fundado na culpa (teoria da responsabilidade

subjetiva), para depois, se verificar uma retomada do objetivismo, em virtude

da complexidade das relações sociais modernas.

A teoria da responsabilidade objetiva, por sua vez,

atravessou duas fases: doutrina do risco: responsabilidade sem culpa de

todos os utentes de coisas perigosas; e socialização do risco ou do dano:

buscando assegurar ao lesado indenização, ainda que desconhecido o autor

da lesão, ou que embora conhecido, careça de meios necessários para

assegurar a reparação do dano.

Responsabilidade civil é indenizar ou reparar dano com

vertente patrimonial, ainda que o bem atingido pela ação não tenha

expressão patrimonial (dano à dignidade da pessoa, v.g.). Implica em

obrigação legal de ressarcimento de um dano causado a outrem.

Já aqui o primeiro motivo para a inadequação da

expressão responsabilidade, vez que se pressupõe um dever imposto pela lei

ou pelo contrato, como consagrado na responsabilidade civil, enquanto que

na responsabilidade social deve preponderar a voluntariedade e não a

imposição legal, sob pena, como já dissemos de descaracterizar a

solidariedade que a fundamenta.

116 Direito Civil: Contratos em espécie e responsabilidade civil, p. 503.

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Indenizar é substituir o bem lesado por pecúnia, quando

impossível a sua substituição por outro bem. Quando possível a substituição

ou reparação do bem, fala-se em reparação.

Mas a responsabilidade ai – civil de indenizar ou reparar,

além do nexo de causalidade, exige dano, que, por sua vez, é a diferença

entre situação patrimonial antes e depois da ocorrência do ato lesivo.

O que justifica a responsabilidade civil é um

determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica117 – ato

ilícito. A atividade empresarial não é contrária à ordem jurídica ou ilícita.

Ao contrário, assim como uma ação social, um projeto

social, espera-se que sempre resulte em saldo positivo entre a situação - não

necessariamente patrimonial - anterior do indivíduo e a pós comportamento

do empresário. Não havendo que se falar em indenização ou reparação.

De outro prisma, também uma atividade econômica lícita

e legal, por si só, não implica em decréscimo da situação patrimonial ou

social do individuo que demande a reparação ou indenização.

Aliás, em regra, toda a atividade econômica deve ser

vista como positiva para a sociedade, seja por criar empregos, desenvolver

produtos que facilitem a vida, promover o desenvolvimento econômico, etc..

Ao denominarmos a postura empresarial voltada para o

bem comum de “responsabilidade”, para o mundo jurídico, a conotação mais

117 Ao discorrer sobre os pressupostos essenciais da responsabilidade civil, Henrique Felipe Ferreira, elenca o ato lesivo, destacando que “o elemento primitivo de todo ato ilícito é uma conduta humana e voluntária do mundo exterior, não havendo responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica.” Fundamentos da responsabilidade civil. Dano injusto e ato ilícito, p. 119.

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forte implicaria na demonstração de prejuízo por aquela atividade econômica

para exigir-lhe uma compensação.

Vale lembrar que, muitos atores da responsabilidade

social partem desse pressuposto para discuti-la, ou seja, vêem a ação social

do empresário como uma forma de compensar o “prejuízo” ou o “mal” que

aquela atividade econômica provocou para a coletividade.

Se assim o for, estaremos limitando o comportamento

voltado para o bem-estar da sociedade àqueles empresários que de fato, em

razão de sua atividade, provocam dano – que muito já se vislumbrou com

respeito ao meio ambiente.

Desse modo, uma grande indústria de reciclagem de

papel, por exemplo, por, ao contrário, buscar minimizar qualquer eventual

dano, não seria demandada para atender ao interesse coletivo.

A responsabilidade social não pressupõe compensação

ou indenização, mas sim uma divisão de encargos com o ente público para a

construção de uma sociedade justa.

A responsabilidade civil constitui-se, ainda, num

elemento de punição118 ou de exemplaridade, com efeito repressivo e até

pedagógico. Na responsabilidade social, ao contrário, visa-se um efeito

estimular a atividade econômica a tomar posturas cada vez mais ativas e no

mesmo sentido.

118 A recomposição do dano sofrido, através da indenização, segundo APARECIDA AMARANTE, chamando a atenção para assertivas de ROBERTO BREBBIA, desempenha os seguintes papéis: (a) compensação: quando o dano pode ser avaliado de forma aproximadamente exata; (b)satisfação: quando a valoração do dano não é possível; e (c) punição: quando não se busca compensar o prejudicado e sim impor penalidade pelo infração da norma legal. Responsabilidade Civil por dano à honra.

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5.1.3. Um novo termo.

Após essa análise da terminologia de “responsabilidade”,

tomamos a liberdade de sugerir outro termo para designar o comportamento

do empresário voltado para o bem-estar social.

Segundo Carlos Nomoto, Superintendente de educação e

desenvolvimento sustentável do Banco Real, uma possível denominação

seria sustentabilidade, que ao seu ver englobaria a preocupação das

empresas com três aspectos:

“(...) pessoas, planeta e lucro. Hoje, o desafio para as

empresas é definir como trabalhar essas três dimensões

ao mesmo tempo. Só o social, por exemplo, não é

sustentável economicamente; só meio ambiente não leva

em conta entidades privadas, e visar apenas ao lucro,

abrindo mão de valores, resulta em escândalos,

problemas éticos, danos ambientais, agressões contra a

sociedade”.119

Pela definição da Organização das Nações Unidas ONU,

em 1987, sustentabilidade é o atendimento das necessidades das gerações

atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das

gerações futuras.

Tendo em vista que não acreditamos que o foco da

responsabilidade social empresarial seja a satisfação das necessidades das

gerações futuras, mas sim as atuais e, que também essa necessidade deve

ser tida no seu aspecto mais amplo para atendimento da cidadania,

descartamos o termo sustentabilidade.

119 Revista do Consumidor Moderno, p. 20.

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Anna Peliano, na palestra Compromisso social das

organizações: uma questão de solidariedade ou de sobrevivência”120, ensina

que, etimologicamente, filantropia121 significa “amor à humanidade” e aponta

as diferenças entre uma ação socialmente responsável e uma ação

filantrópica, destacando sete aspectos:

1. Na atuação filantrópica as motivações são

humanitárias, enquanto que no compromisso social o

sentimento é de responsabilidade. (...)

2. Na filantropia, a participação é reativa: se recebe o

pedido, se atende fazendo doações. No compromisso

social as ações são mais pró-ativas: as empresas fazem

projetos, focam sua ação, fazem parcerias e definem

melhor as atividades. Desenvolvem projetos mais

integrados e intersetorializados.

3. Na filantropia a relação com o público-alvo é de

demandante/doador. No compromisso social é de

parceria, e parceria não só entre empresas e órgãos

executoras mas, sobretudo, com os beneficiários.

4. Na filantropia a ação social decorre de uma opção

pessoal dos dirigentes. No compromisso social a ação é

incorporada à cultura da empresa e envolve todos os

funcionários; é uma ação onde há maior interatividade

entre direção e casa.

5. Na filantropia os resultados resumem-se à

gratificação pessoal de ajudar. No compromisso social os

resultados são pré-estalecidos e há preocupação com o

cumprimentos dos objetivos propostos.

120 Publicada na revista Oficina Social, Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania, 2002, p. 47-48. 121 O presidente do conselho de curadores da Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (FIDES), Peter Nadas, aponta como distorção da responsabilidade social a confusão feita com filantropia – “Assim como lucro, não sou contra filantropia, que é fundamental num País que tem as diferenças sociais que sabemos, mas responsabilidade social é muito maior que isso, não se resume a uma ação pontual. A ética,a busca do bem comum, é a base para se caminhar para a responsabilidade social”.

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6. Na filantropia não há preocupação em associar a

imagem da empresa à ação social. No compromisso social

busca-se dar transparência à ações realizadas. (...)

7. Na filantropia não há preocupação em relacionar-se

com o Estado. No compromisso social busca-se

complementar o Estado numa relação de parceria e

controle. (...)”

Pelo quadro comparativo supra, em especial com

respeito às características de filantropia, tais como, reativa, o público alvo,

os resultados obtidos e o papel da empresa perante o Estado, talvez também

filantropia seja insuficiente para a designação da então responsabilidade

social.

Ante essas curtas considerações e sem querer excluir

qualquer outro signo que não abarcado aqui e pelas análises da diretriz da

solidariedade e da responsabilidade civil, no contexto do Direito, a

substituição do termo “responsabilidade” por “solidariedade” parece a mais

adequada, por descontextualizar-se da compensação e da derivação de dever

legal de reparar ou indenizar.

5.2. Fatores históricos da Responsabilidade Social Empresarial.

A responsabilidade social é resultado de diversos fatores,

desde guerras civis até o fortalecimento das Organizações não

Governamentais, passando pelas ameaças de destruição ambiental.

O debate acerca da noção de responsabilidade social da

empresa, se originou nos Estados Unidos da América, tendo tido importante

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papel neste debate a guerra do Vietnã, a partir do questionamento do papel

das empresas. No Brasil, o debate surge na década de 70 com a criação da

Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresa (ADCE).122

Para abarcar empresários de todas as crenças, em 1986

expandiu-se a temática, nascendo a Fundação Instituto de Desenvolvimento

Empresarial e Social (FIDES).

Fortalecendo a idéia de responsabilidade social, depois

vieram fatores tais como: a reorganização econômica, com o surgimento da

competitividade mundial, regional e local o que exigiu adaptação das

empresas; a degradação ambiental e a realização da ECO 92; o aumento da

pobreza; a Campanha contra a Fome do Betinho; o fortalecimento dos

movimentos sociais; a instabilidade das organizações empresariais, disputa

pela sobrevivência no mercado internacional e a conquista e manutenção de

consumidores; a insuficiência do Estado com ausência de políticas públicas

e a privatização dos serviços sociais; o crescimento da violência urbana, etc..

5.3. Conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial.

Qual o conteúdo, o objeto da responsabilidade social

empresarial, sob o ponto de vista do Direito?

122 Em revistas da ACDE de 1973 já se encontravam artigos sobre o tema. Roberto Gonzalez - Assessor para assuntos de responsabilidade social da presidência da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e diretor de estratégia social da CorpGroup - lembra de uma discussão sobre o tema ocorrida em 1977: “Foi uma discussão teológica porque os movimentos da responsabilidade social empresarial, da ética empresarial, dos fundos de investimentos socialmente responsáveis, todos nasceram de uma vertente teológica, não só no Brasil. O dirigente da empresa se questionava sobre esses princípios e os levava para dentro das organizações.” –– Revista do Consumidor Moderno, p. 46.

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Se o que se busca com o comportamento socialmente

responsável é garantir um padrão mínimo de qualidade de vida ao cidadão,

no ordenamento jurídico esse patamar mínimo vem delineado no artigo 6º da

Constituição Federal que contempla os direitos sociais, in verbis:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.

O rol dos direitos sociais não é taxativo, o elenco do

artigo 6º é numeros aberto, até porque estes direitos se desdobram em

outros. O direito à saúde, por exemplo, engloba o direito ao meio ambiente

equilibrado (art. 225, CF). O direito à educação envolve o direito à cultura. E

os dispositivos se replicam no mesmo e nos demais capítulos da Carta

Magna.

Ainda que paire dúvidas quanto ao ponto de partida, os

direitos sociais representam, o mínimo que o Direito compreende como ponto

de chegada de uma postura socialmente responsável.

JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES divide os direitos sociais

em: (a) direitos à seguridade (saúde 6º, 196 a 200, CF, previdência social 6º,

201 e 202, CF assistência social) e (b) outros direitos (cultura, educação e

desporto 6º, 205 a 212, CF, ciência e tecnologia, comunicação social, meio

ambiente 225, CF família, criança 6º e 226 a 231, 7º, CF adolescente e

idoso e índios 6º e 194, CF). Em seguida faz distinção entre os direitos

fundamentais (5º, CF) e os direitos sociais (6º, CF), destacando os caracteres

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diversos. Os do artigo 5º representam mais “imunidade, não impedimento,

permissão para fazer algo ou não fazer” ou “limites constitucionais ao poder

do Estado (como Administração, Legislador ou Juiz) no que diz respeito à vida

privada dos cidadãos”123. Os do artigo 6º não tratam na sua maioria de

conservar uma situação de fato, mas sim de “situações que precisam ser

criadas.”124

Tais direitos sociais, contrariamente, ao que alguns

autores possam supor125, gozam de interdependência dos direitos

humanos126, devendo como aqueles beneficiar-se de aplicação imediata. Ou

seja, não se pode esperar que os direitos sociais sejam realizados

progressivamente, sem se exigir do Estado a sua concretização.

RUI GERALDO CAMARGO VIANA chama a atenção para essa

imediata cogência dos direitos sociais, ao invocar a realização do direito de

moradia, mencionando para tanto, vários autores, dentre eles, no tocante

aos Tratados Internacionais, cita Flávia Piovesan:

“Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais demandam aplicação imediata e, se por

sua vez, os tratados internacionais de direitos humanos

têm por objeto justamente a definição de direitos e

123 Pág. 126. 124 Pág. 127. 125 Se nos restringíssemos apenas à redação do artigo 2º -1 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais poderíamos encarar os direitos sociais como norma programática a ser implementada progressivamente. “Art. 2º. – 1- Cada Estado-parte no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio quanto pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos campos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.” 126 Sobre a interdependência dos direitos sociais e direitos humanos, veja Carlos Weis, O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, p. 295-303.

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garantias, conclui-se que estas normas merecem

aplicação imediata.”127

Lembremos, ainda, que o artigo 5º, § 2º, da Constituição

Federal, previu a integração de normas do Direito Internacional dos Direitos

Humanos à legislação interna, permitindo que a lei reiterando os direitos

constitucionalmente assegurados, gere novos direitos.

Como vimos, o texto constitucional contemplou

expressamente os direitos socais (art. 6º, da CF), cabendo então a análise da

eficácia e aplicabilidade não mais restrita ao tratado internacional, mas com

respeito a norma constitucional.

Reforçando a conclusão da cogência imediata trazida por

RUI GERALDO CAMARGO VIANA, ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA que “cada norma

constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa, até onde

seja suscetível de execução.”128

Até aqui falamos de um dever estatal de atender à

padrões mínimos de existência do cidadão. Certo é que ações positivas são

fundamentais para a concreção dos ditames da Constituição Federal, mas

como já vimos, ao particular não se concebe a cogência na forma ativa.

O particular quando divide a tarefa de prover o ebm

comum com o Estado, age em atenção a uma obrigação natural: quem

cumpre uma obrigação natural faz bem, quem não cumpre não sofre sanção

(art. 882 NCC e 970 do CC de 1916). Em conseqüência inexiste o direito de

127 Flávia Piovesan apud Rui Geraldo Camargo Viana, O Direito à Moradia, p. 11. 128 Aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais, p. 66.

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ação (conforme expressamente previsto no art. 75 do CC de 1916129, sem

dispositivo correspondente no CC de 2002). Daí a problemática de que os

direitos sociais, diferentemente dos direitos individuais, “não gozam,

aparentemente, da especificidade de proteção proposta no artigo 75 do Código

Civil: qual a ação, quem o seu titular, quem o devedor obrigado?”130

Os direitos sociais, conforme lembra JOSÉ REINALDO DE

LIMA LOPES têm característica especial, na medida em que “não são fruíveis,

ou exeqüíveis individualmente. Não quer isto dizer que juridicamente não

possam, em determinadas circunstâncias, ser exigidos como se exigem

judicialmente outros direitos subjetivos. Mas, de regra, dependem para sua

eficácia, de atuação do Executivo e do Legislativo por terem caráter de

generalidade e publicidade.”131

Bem por isso, alguns conteúdos mínimos dos direitos

sociais estão contemplados em lei que geram deveres não só entre o Estado e

o cidadão, mas também entre os cidadãos, como por exemplo, as leis

ambientais.

5.4. Quem são os responsáveis?

Importante problemática está centrada no sujeito ativo

para a realização do bem-estar e da justiça social. O que se espera é que o

Estado assuma a política social. A empresa tem por tarefa primária produzir

129 Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura. 130 José Reinaldo de Lima Lopes, Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, p. 129. 131 Ibidem, p. 129.

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e distribuir bens ou prestar serviços com máxima eficiência lucrativa, mas,

subsidiariamente, tem buscado suprir carências sociais.

Compete ao Estado, por si mesmo, ou através de

delegações ou mediante autorização, a realização e a consecução dos

direitos sociais.

Vale aqui destacar que, as ações de responsabilidade

social têm seu ponto de início delineado no artigo 6º, da Constituição

Federal, que descreve os direitos sociais, todavia, o rol não é taxativo.

Com efeito, o Estado, ou quem legitimamente o

represente, através das receitas que aufere mediante tributação que

impõe aos cidadãos, recolhe recursos necessários para prover e

implementar os denominados direitos sociais.

Nos países menos desenvolvidos, como o Brasil, muitas

pessoas e, em especial, empresas, acabam colaborando com a concretização

de tais direitos, já que o Estado não consegue realizá-los de forma

satisfatória.

A força e o poder da empresa, aliados à ineficiência do

Estado enquanto realizador do bem comum, têm levado alguns empresários

a redefinir e repensar seu papel e missão na sociedade, reconhecendo-se a

necessidade de ampliar suas responsabilidades sociais, substituindo um

Estado ineficiente e desorganizado que não consegue desempenhar o papel

que lhe foi designado na sociedade.

O primeiro responsável pela efetivação dos direitos

sociais é o Estado. Que deveria atendê-los através de políticas públicas

adequadas. Sendo a comunidade credora de sistemas de saúde, previdência

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social, geração de empregos, segurança pública, lazer, educação, assistência

aos desamparados, meio ambiente adequado, pode exigi-los a qualquer

momento.

Entretanto, a efetivação de políticas públicas passa

sobre a questão das finanças públicas. Além das legislações disciplinadoras

das atividades econômicas, cada vez mais freqüentes, o Estado deve

lembrar-se de que deve manejar adequadamente os gastos públicos, que

devem reverter-se para o bem estar social132, através de programas de

duração continuada (art. 165, § 1º, da CF).

BERCOVICI aponta outra questão a ser observada ainda,

para que o Estado venha a atender adequadamente aos direitos sociais, qual

seja, a falta de vontade política para implementar o planejamento estatal

previsto no artigo 174, caput, da CF, e assim afirma:

“Esta falta de vontade política em planejar é patente no

descumprimento da determinação constitucional de

estabelecimento de uma legislação sistemática do

planejamento, conforme o art. 174, § 1º, que, até hoje, não

foi elaborada. Ou seja, desde 1979, com a revogação dos

atos institucionais e complementares, o Brasil não possui

nenhuma lei que regule o planejamento nacional.”

E complementa:

132 José Reinaldo de Lima Lopes, ensina que para compreender as finanças públicas “elas precisam estar inseridas no direito que o Estado recebeu de planejar não apenas suas contas mas de planejar o desenvolvimento nacional, que inclui e exige a efetivação de condições de exercício dos direitos sociais pelos cidadãos brasileiros.” Direitos Humanos, direitos sociais e Justiça, p. 133.

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“Aliados a essa falta de vontade política, poderíamos,

ainda, elencar três obstáculos estruturais ao

planejamento na atual conjuntura histórica: a estrutura

administrativa brasileira, a redução do planejamento ao

orçamento e a reforma administrativa neoliberal.”133134

O Estado perdeu sua credibilidade mostrando-se inapto

para realizar suas funções, em especial a de promover o bem-estar social,

incapaz de criar políticas que garantam o pleno emprego e a seguridade

social.

O poder das empresas cresce, elas ganham

popularidade, passando a assumir o papel do Estado.

Mas não se pode perder de vista que a sociedade age de

forma supletiva para contribuir para melhorar a qualidade de vida da

população brasileira. Até porque o Estado Democrático de Direito, ao

comando estatal, não se restringe à condição de assegurador das regras

vigentes no mercado das relações sociais, econômicas e políticas, mas

estende-se à condição de garantidor de políticas públicas concretizadoras

dos princípios constitucionais.

Paralelamente, surgem Organizações não

Governamentais chamando para si essa responsabilidade. Essas “misturas

feitas nas costas de palavras desgastadas como ‘responsabilidade social’”

133 Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 77. 134 Nesse último obstáculo estrutural – reforma administrativa neoliberal, Bercovici chama a atenção para a separação de funções da administração pública com relação a formulação e planejamento de políticas públicas e a regulação e fiscalização dos serviços públicos, entendendo que não pode haver separação de políticas públicas e serviço público, sob pena de anular a concretização de tais políticas. Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 84.

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são criticadas pelo jornalista PAULO SAAB135, Presidente do Instituto Brasileiro

de Desenvolvimento da Cidadania, que aponta as formas como a sociedade

vem sendo explorada e o temor de que o Estado regulamente as ações sociais

“para transformar isso tudo em novo braço auxiliar do Estado, com todos os

vícios”. Esse último temor debateremos adiante.

Quanto a ser explorada, o jornalista ressalta que além do

pagamento dos impostos que deveriam reverter em favor do desenvolvimento

humano da população brasileira, a sociedade também está sendo explorada

pela privatização dessa obrigação constitucional do Estado, tudo auxiliado

pela proliferação de ONGs com finalidades desvirtuadas.

Assim explica o jornalista:

“Inventaram, também, uma forma de o Estado

transferir a responsabilidade de suas ações para a

sociedade, sem abrir mão dos impostos arrecadados

para tal. Pior, transferindo as responsabilidades sem a

necessidade de licitação pública, numa forma clara de

explorar duplamente essa mesma sociedade e burlar a

legislação a respeito da contratação e/ou execução de

serviços próprios do Estado.

Estão privatizando a obrigação constitucional do

Estado na forma de concessão sem regras

concorrenciais, para entidades criadas para tal fim,

onde não há fiscalização dos órgãos como Tribunal de

Contas e Receita, além de manter a arrecadação fiscal.”

5.5. O papel do empresário. 135 Responsabilidade “social”. Diário do Comércio. São Paulo, 3-1-2006, Caderno Opinião, p. 7.

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A busca incessante do lucro, por si só, não mais atende

às necessidades da sociedade. Na economia global, a empresa passa a ser

uma espécie de parceira do Estado na realização do bem comum.

“Indubitavelmente o principal dever da empresa, em face

da solidariedade social, é permanecer viva e operativa, ou

seja, manter-se econômica e financeiramente estável.

Para tanto, empenhar-se-á para gerar o maior superávit

possível, ao menos contábil, que de forma genérica se

denominaria como lucro justo ou justificável.”136

No mesmo sentido, mas indicando um “círculo vicioso”,

assevera NILSON LAUTENSCHLEGER JÚNIOR que “(...) os movimentos de

responsabilidade social têm sido colocados ainda sob a premissa da

maximização de lucros, pois que com a postura socialmente responsável o que

se procura, em realidade, também é uma promoção da empresa entre os

consumidores, em uma espécie de legitimação econômica, que determine um

aumento da lucratividade.”137

Ocorre que, a força e o poder da empresa, aliados à

ineficiência do Estado enquanto realizador do bem comum, têm levado

alguns empresários a redefinir e repensar seu papel e missão na sociedade.

As “responsabilidades” das empresas vão além do lucro

para os seus acionistas e das obrigações legais que lhes são impostas, inclui-

se, agora, a promoção do bem-estar da comunidade e agregar valor a todos

os seus parceiros.

136 Eduardo Teixeira Farah, A reconstrução do direito privado, p. 689. 137 Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro, p. 138.

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Assim, a empresa não pode mais se considerada mera

produtora ou transformadora de bens. É antes de tudo um poder em

expansão na sociedade moderna. Dela depende a subsistência da maior

parte da população ativa do país, tendo em vista sua capacidade de gerar

empregos. É dela que o Estado obtém a maior parte de suas receitas fiscais.

Somente por isso, sem que a empresa dê concreção aos direitos sociais

voluntariamente, vê-se a importância desta para o bem comum.

Então o que leva a empresa a ir além do deveres legais

para agir positivamente perante a comunidade? Ao nosso ver, o principal

móvel são as regras de mercado.

ANTÔNIO CARLOS MARTINELLI, diretor-presidente do

Instituto C&A de Desenvolvimento Social, lembra as regras de mercado

geradoras de lucro e responsável pela sobrevivência das companhias,

indicando que “a receita para a empresa se distinguir na renhida batalha do

mercado globalizado continua a conter os ingredientes clássicos: qualidade

total, reengenharia, relação custo-benefício, compromisso com o cliente, etc.

Entretanto, será mais ‘palatável’ a empresa que incorporar uma boa dose de

cumplicidade com seu entorno, evidenciada num programa de atuação

comunitária.”138

O mencionado diretor-presidente reconhece que:

“De uns tempos para cá, tem-se notado em ritmo

promissor uma crescente consciência de que a empresa

pode e deve assumir dentro da sociedade um papel mais

amplo, transcendente ao de sua vocação básica de

geradora de riquezas.”

138 Empresa-cidadã: uma visão inovadora para uma ação transformadora, p. 81.

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E mais adiante faz a elucidativa classificação das

empresas segundo as suas práticas voltadas para o interesse comum em três

estágios: (a) empresa somente como negócio; (b) empresa como organização

social; e, (c) empresa-cidadã139 – esse último mais elevado, dinâmico e que

“acaba por criar uma cadeia de eficácia, e o lucro nada mais é do que o prêmio

da eficácia.”140

Na empresa somente como negócio, busca-se “o lucro a

qualquer custo”. Clientes, funcionários, fornecedores são “usados” como

meio de aumentar os lucros. Tem uma atitude predatória, é exploradora do

bem comum. Na empresa como organização social busca-se a satisfação

total dos grupos de interesse – clientes, funcionários, governo, sociedade,

acionistas – cuidando para que todos participem do sucesso da operação e

tomando decisões que beneficiem a todos os grupos. A empresa assume um

papel de instrumento do desenvolvimento social. Tem posição de

neutralidade – recolhe impostos e remete ao governo a responsabilidade pela

eliminação das mazelas sociais.

Na empresa-cidadã, na concepção de MARTINELLI, o

empresário opcionalmente pode agir através da criação de uma fundação ou

instituto, contribuindo para a elevação do meio social em que se insere.

Assume compromisso e define políticas em relação a cada um de seus

parceiros. Cultiva e pratica livremente um conjunto de valores. Implica na 139 “Neste estágio, a empresa passa a adquirir uma característica inédita. Opcionalmente pode agir através da criação de uma fundação ou instituto, contribuindo de maneira transformadora para a elevação do meio social em que se insere. Assume compromisso e define políticas em relação a cada um de seus parceiros. Cultiva e pratica livremente um conjunto de valores, muitas vezes explicitados num código de ética, que formata consensualmente a cultura interna, funcionando como referências de ação para todos os seus dirigentes nas relações com os parceiros.” Idem, p. 83. 140 Ibidem, p. 83.

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adoção da concepção estratégica e compromisso ético que redunda na

satisfação das expectativas e respeito aos direitos dos parceiros. Não se atem

só a resultados financeiros, mas avalia sua contribuição à sociedade através

do balanço social. Adota posição pro-ativa de querer contribuir para

encaminhar soluções para os problemas sociais.

Obviamente as macroempresas – especialmente as

multinacionais – assumem mais facilmente essa postura, atendendo melhor

às expectativas da sociedade, haja vista estarem melhor organizadas e serem

demandadas também pela globalização – a criação de um mercado único

mundial e a menor durabilidade dos produtos requer do empresário atitudes

que representem um diferencial na concorrência pelo mercado.

Reitere-se, ainda aqui, que esse novo papel

desempenhado pela empresa de prover o bem-estar social, é subsidiário ao

dever estatal.

Bem por isso, vale ratificar que, o artigo 3º ao trazer o

rumo para chegar-se ao Estado Democrático e Social não exime o Estado de

suas atribuições, como lembra COMPARATO ao ensinar que “quando a

Constituição define como objetivo fundamental de nossa República ‘construir

uma sociedade livre, justa e solidária’ (art. 3º, I), quando ela declara que a

ordem social tem por objetivo a realização do bem-estar e da justiça social (art.

193), ela não está certamente autorizando uma demissão do Estado, como

órgão encarregado de guiar e dirigir a nação em busca de tais finalidades.”141

5.6. Empresa socialmente responsável.

141 Estado, empresa e função social, p. 46.

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Esse novo papel, que pode ser desenvolvido pela

empresa moderna, tenha por enfoque seus funcionários ou a comunidade,

tem suscitado inúmeros questionamentos.

Um dos principais, é a confusão com as obrigações legais

com “obrigações” sociais. O móvel de um comportamento social é essa

última.

A contribuição da empresa moderna para a efetivação

dos direitos sociais, há de ser voluntária, ainda que se valore positivamente

o comportamento consistente em cumprir a legislação.

Ao praticar a responsabilidade social, o empresário vai

além da responsabilidade legal, pois adota uma conduta comprometida com

o resgate da cidadania, assumindo uma posição de co-responsabilidade na

busca do bem-estar público, investindo parte de seus recursos na promoção

de políticas sociais fundamentais, visando a melhoria da saúde, meio

ambiente, educação, moradia, previdência social, assistência social e

segurança da comunidade em geral.

Vale ressaltar que a responsabilidade social não é um

instituto que pertence ao Direito – ao menos o positivado, tampouco dele

nasceu. A responsabilidade social reside, antes de mais nada, na moral do

empresário. Corresponde à obrigação de atender valores morais eleitos

sociedade. E a moral como é sabido carece de coerção.

Assim, fácil deduzir que não pode o ordenamento

jurídico contemplar regras que obriguem o empresário a tal agir. Se assim o

faz, adentramos à esfera do direito positivado, donde impera a imposição.

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Responsabilidade social não pertence ao Direito, mas o

Direito faz parte da responsabilidade social, na mesma medida em que o

Direito participa da moral.

Desse modo, é de admitir-se que a sociedade demande

do empresário o cumprimento da legislação. Ou seja, atender às normas

legais pode ser um requisito da responsabilidade social. Nesse particular,

embora a questão será tratada adiante, em face aos benefícios advindos da

postura socialmente responsável há de se valorar distintamente uma ação

que restringe-se a cumprir a lei, daquela que, voluntariamente, leva a efeito

dos direitos sociais.

Isso porque, ao assumir voluntariamente o papel do

Estado, a empresa se compromete com a sociedade profundamente, de modo

que deve ser séria a sua intenção de contribuir com o desenvolvimento, bem

estar e a melhoria de qualidade de vida da população.

A responsabilidade social é muito mais profunda do que

a legal, pois requer uma atuação voluntária, organizada e eficiente da

empresa em prol da comunidade, não se atendo ao estrito cumprimento da

legislação em vigor. Daí, a valoração distinta que se pretende.

Recordamos o que dissemos no primeiro Capítulo, de

que “a responsabilidade social pode ser vista como uma forma de atendimento

aos direitos sociais previstos na Constituição Federal, cujo comportamento do

particular é impulsionado por padrões éticos que conduzem à valores de

interesse da sociedade - bem-estar social”

Nessa esteira, a responsabilidade social, na verdade,

implica no gesto ou no ato, não imposto por lei, destituído de

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obrigatoriedade ou compulsoriedade, cujo descumprimento não acarreta

sanção e que tem por finalidade colaborar com qualquer daqueles direitos

sociais mencionados no aludido artigo 6º da Constituição Federal.

Ocorre que os padrões éticos, por vezes, estão repetidos

na legislação – trabalhista, ambientalista, v.g. – o que inibe a voluntariedade

que pode ser elemento caracterizador da responsabilidade social, mas não

exclui a responsabilidade legal.

NILSON LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, lembra que “algumas

preocupações estão incluídas, em forma de proteção mínima, em leis”, vendo-a

como instrumento da sociedade civil “capaz não só de viabilizar melhoria nos

padrões mínimos de proteção legal, como também incentivar o cumprimento

dos padrões mínimos.” 142

Por exemplo, a empresa que coloca à disposição das

funcionárias uma creche. Se a empresa contiver em seus quadros funcionais

o número de funcionárias suficientes para enquadrá-la na lei que a obriga a

tanto, a empresa atende a uma demanda da sociedade baseada também em

valores éticos, mas o faz também e acreditamos que prioritariamente movida

pelo dever legal.

Outro exemplo, a empresa que considera-se socialmente

responsável porque não utiliza de trabalho escravo. Ora, nenhum agir do

empresário poderá ferir os princípios e as disposições constitucionais, a fim

de manter-se a ordem jurídica. Tanto na análise da função social como da

diretriz da solidariedade destacamos essa premissa quanto a deveres

negativos. Não podemos valorar moralmente um ilícito legal. Para esse caso,

142 Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro, p. 85/86.

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somente se admitiria reconhecer uma postura socialmente responsável se,

além de não utilizar o trabalho escravo, o empresário contribuísse de algum

modo para que o trabalho forçado não ocorresse também fora do seu

negócio, da sua atividade empresarial.

Lembramos que mesmo a concepção filosófica do termo

responsabilidade, pressupõe escolha com relação ao comportamento a ser

seguido. Assim para que o empresário legitimamente se aposse do título de

responsável socialmente deve demonstrar que a escolha dessa postura, com

perdão da redundância, se deu voluntariamente.

Ocorre que, muitos estudiosos do tema e até mesmo

empresários têm alardeado que o cumprimento da legislação trabalhista, o

recolhimento dos tributos exigidos pelo fisco e, ainda, o respeito às normas

ambientais, constitui uma forma de realização da responsabilidade social.

A empresa que cumpre integralmente a legislação

trabalhista demonstra respeito e ética no trato com seus empregados. Ao

cumprir uma obrigação legal, sem dúvida, contribui para o bom

desenvolvimento da sociedade e até dá efetividade à cidadania solidária, vez

que os tributos devem se reverter em despesas com os serviços e bens

públicos. Sem dúvida, sua atuação ética, dentro da lei, também contribui

para o progresso do país.

Igualmente, a empresa que, em seu processo de

produção, cumpre a lei utilizando meio eficiente para evitar a poluição do

ambiente, demonstra respeito ao cidadão. Contribui, assim, para o

desenvolvimento de uma sociedade mais saudável, mas, a rigor, nada mais

faz do que obedecer a rigorosa legislação ambiental existente em nosso país.

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Denominar essa atuação de responsabilidade social ou

solidariedade social como sugerimos, por si só, não nos parece adequada, na

medida em que se constitui em estrito cumprimento da lei. Constitui, antes

de mais nada, uma obrigação legal.

A responsabilidade social é mais exigente, reclama um

comportamento positivo, voluntário, organizado e eficiente da empresa em

prol da comunidade, não se atendo ao estrito cumprimento da legislação em

vigor.

Não se trata de distinguir obrigação jurídica de obrigação

moral para concluir que somente à última sujeita-se a responsabilidade

social. Se quisermos criar essa dualidade para fundamentarmos a

responsabilidade social, esbarramos na problemática da efetividade das

normas constitucionais que recepcionam a atividade empresarial –

solidariedade (art. 3º, I, CF) e função social (art. 170, III, CF), tratadas nos

itens anteriores.

Lembramos que a concreção dos direitos sociais, assim

como dos princípios da função social e da solidariedade tem efetividade

imediata e não se restringe ao Estado. A diferença entre o Estado e o

particular é que para esse último não existe, ao menos para o Direito,

coerção.

Assim, não conseguimos separar ética de Direito, porque

o primeiro contém o segundo, entretanto, podemos indicar a distinção entre

eles, a imposição.

Quando a empresa extravasar o campo da lei em seus

comportamentos, com ações sociais positivas voltadas para atender aos

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direitos do artigo 6º da Carta Política, de fato há de se reconhecer um

comportamento socialmente responsável, não em razão do seu conteúdo,

mas sim em razão do seu móvel.

Conforme constatou RACHEL SZTAJN as relações das

companhias com o público externo passaram a incluir “’credores

involuntários’, ou seja, pessoas ou comunidades que sofrem os efeitos da

atividade, especialmente no que se refere a direitos de solidariedade, direitos

esses de ordem ética, moral, não legal, e que têm como contrapartida a

denominada responsabilidade social”.143

A empresa pode e deve ir além das obrigações legais144

promovendo ações que contribuam para o bem-estar social.

A empresa que se auto-denomina socialmente

responsável porque, exclusivamente, cumpridora das obrigações legais, peca

por falta de ética. Assim, mesmo que a responsabilidade social inclua valores

éticos em seu gênero, admitindo-se as espécies moral e Direito, a empresa

que atende somente àqueles valores que lhe são impostos por lei e conclama

essa qualidade não age com ética, ou seja, não atua da forma solidária que

se espera.

Essa foi uma tentativa de dar os parâmetros do

empresariado socialmente responsável. Outra tarefa difícil é encontrar uma

definição jurídica adequado para responsabilidade social empresarial.

O conceito de responsabilidade social tem aparecido

como um apelo de natureza ética e para a responsabilidade empresarial foi

143 A Responsabilidade Social das Companhias, p. 34. 144 “Não está, porém, só no Direito Positivo mas, também, nas regras de bem-viver, um fundamento para as ações sociais adotadas pelas sociedades, especialmente as grandes empresas.” Ibidem, p. 38.

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lançado no Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento

Sustentável em 1998, na Holanda, in verbis:

“Responsabilidade social corporativa é o

comprometimento permanente dos empresários de adotar

um comprometimento ético e contribuir para o

desenvolvimento econômico, simultaneamente, a

qualidade de vida de seus empregados e de seus

familiares, da comunidade local e da sociedade como um

todo.”

As diversas definições têm sempre um núcleo comum –

forma de gestão com atribuição de valor às ações (ou melhor ao

comportamento) da empresa pela sociedade civil, tendo como fonte padrões

éticos ou a moral.

A ética145 é que estabelece os critérios de julgamento das

ações das empresas.

Esse núcleo comum se completa com o preenchimento

do valor objeto da “responsabilidade social” que é sempre o de promover o

bem-estar de todos, complementado o papel do Estado.

Algumas definições de responsabilidade social

empresarial, ainda incluem os diversos públicos envolvidos (acionistas,

funcionários, fornecedores, consumidores, comunidade, governo, etc) e o

elenco dos direitos alcançados, como por exemplo, a adotado pelo Instituto

Ethos, na qual a Responsabilidade Social das Empresas é entendida “como a

145 Destaca Patrícia Almeida Ashlev que “a responsabilidade social é resultado dos questionamentos e das críticas que as empresas receberam, nas últimas décadas, no campo social, ético e econômico por adotarem uma política baseada estritamente na economia de mercado.”“Responsabilidade social e ética nos negócios, p. 7.

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forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa

com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de

metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da

sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações

futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das

desigualdades sociais.”146

Buscando uma definição no âmbito do Direito,

deparamo-nos com o trabalho da Comissão de Direito do Terceiro Setor da

Ordem dos Advogados de São Paulo, que distingue responsabilidade social

individual147 de responsabilidade social empresarial, definindo que esta

última deve ser vista como “o papel que cada organização/empresa na

construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. O desempenho desse

papel vai depender do quanto a organização quer vivenciar aquilo que está

escrito na Constituição Federal.

Entendemos que para o Direito não é relevante constar

da definição de responsabilidade social empresarial a forma de gestão, já que

essa classificação interessa mais a outras ciências humanas, tal como a

administração, a economia. Assim, parece-nos suficiente a definição trazida

à lume pelo colegiado de causídicos, na medida em que contempla os valores

da liberdade, da solidariedade e da justiça, suficientes para a escolha do

empresário em atender aos interesses coletivos.

146 http://www.ethos.org.br 147 “Responsabilidade Social Individual: o papel de cada indivíduo, enquanto cidadão, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” Responsabilidade Social e o Papel do Advogado. http://www.oabsp.org.br

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5.7. Identificação da Responsabilidade Social Empresarial no

ordenamento jurídico.

As atitudes de escolha e conteúdo de comportamentos

socialmente responsáveis são regidas por regras morais. Isso não significa

que a responsabilidade social empresarial não encontre identidade ou

correspondência em normas positivadas.

Exemplo disso, é que a legislação societária prevê que a

adoção de postura socialmente responsável é uma diretiva de

comportamento da administração, conforme exalta NILSON LAUTENSCHLEGER

JÚNIOR:

“(...) a primeira e mais simples questão que surge para o

jurista, aplicável em certa medida a toda a problemática

da governança corporativa, é: a responsabilidade social é

(ou deve ser) uma obrigação ou simples diretiva de

comportamento da administração?

Para o caso brasileiro a resposta parece estar na

própria lei que prescreve que o ‘administrador deve

exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem

para lograr os fins e no interesse da companhia,

satisfeitas as exigências do bem público e da função

social da empresa’ (art. 154 LSA). Dispõe ainda a lei que o

‘conselho de administração ou a diretoria podem autorizar

a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos

empregados ou da comunidade de que participe a

empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais’

(art. 154, § 4º, da LSA). Ora, mais clara não poderia ser a

lei brasileira. Ficam vedados, assim, como já o era à

época da legislação de 1940, os chamados atos de

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liberalidade (a lógica da administração como mandatária

dos proprietários), salvo se em favor dos empregados

e/ou comunidade e em sintonia com os interesses da

companhia e sua função social.”148

A constitucionalização dos direitos humanos e sociais

somente atende a um movimento histórico e político. Os mesmos fatos

históricos também refletiram no comportamento da sociedade, que passou a

exigir novas atitudes, consubstanciando o que se pode chamar de interesse

público ou coletivo. Essas expectativas da sociedade são móveis, mutantes,

de acordo com o momento histórico-social.

ROGÉRIO GESTA LEAL ilustra esse comportamento,

asseverando que “na medida em que as cidades vão crescendo, com elas

crescem também novos sujeitos sociais, que não se caracterizam pela

passividade ou aceitação do que lhes é imposto pelo ritmo de crescimento da

sociedade industrial estabelecida. Estes sujeitos criam um ethos diferenciado

e próprio da cultura oficial instituída, eis que procuram, cada vez mais,

cientificar-se dos direitos que possuem; e, mais, procuram e postulam o

estabelecimento de garantias mínimas às suas vidas. Diante dos interesses

privados da classe burguesa, sempre em ascensão, encontram-se outros

interesses que podem se chamar de públicos, pois pertencem à grande massa

de cidadãos-trabalhadores.”149

Como visto em capítulos anteriores, a empresa está

submetida aos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170 da

148 Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro – ensaio de uma reflexão crítica e comparada, p. 86/87. 149 Pág. 104.

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CF), que por sua vez, devem estar em harmonia com as diretrizes da

dignidade da pessoa humana e da solidariedade social (arts. 1º e 3º da CF),

com vistas na construção de uma sociedade justa e solidária. E é nesse

último princípio que vemos que a responsabilidade social empresarial

encontra seu ponto de partida para o Direito.

Antes de adentrarmos na identificação anunciada, para

certificarmo-nos de que a relação social nominada de responsabilidade social

não teve sua gênese, nem seu fundamento no ordenamento jurídico – porque

a própria lei dispõe que tal comportamento será determinado pela

administração – faremos algumas considerações quanto as prováveis causas

de seu nascimento.

Fato é que a empresa como instrumento propulsor da

economia, vez que detentora dos fatores de produção – capital, trabalho e

recursos humanos -, é impulsionada por alguns agentes do processo

econômico, em especial, o consumidor, a realizar o seu poder de

contribuição e formação da sociedade.

A empresa age de acordo com as forças de mercado, que,

modernamente, até como num modismo, as leva a atentar para as diretrizes

constitucionais. O propulsor para tal comportamento é, em princípio, a

própria manutenção do consumo. Afinal, produz-se para quem?

Mantida a autonomia da empresa, o empresariado tem

se direcionado para uma empresarialidade responsável movido pelas

próprias leis de mercado. Ou seja, a disciplina constitucional da ordem

econômica nada mais é do que uma interpretação econômica do direito, onde

deve se preservar os recursos de produção, a mão de obra desta produção e

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principalmente o consumidor dos produtos, sob pena de desaparecer a

própria empresa.

A esse propósito manifesta-se FARAH:

“Aliás, inexiste empresa que produza algo cujo consumo

não se dirija – direta ou indiretamente – ao homem,

portanto, pelo prisma antropocêntrico, é inconcebível que

sua atividade não seja balizada pela diretriz da

solidariedade social.”150

Trata-se de lógica muito simples: quanto mais homens

estiverem integrados no meio social, mais consumidores, e conseqüente

aumento na produção. Quanto mais conservar e utilizar de forma

sustentável os recursos naturais, mais produtos serão ofertados, em especial

para atender a demanda dos novos consumidores advindos do crescimento

populacional.

Atentar para os direitos sociais, visando a inclusão social

é atitude de auto-preservação que assegura a reprodução de relações

capitalistas151.

Em especial com relação aos recursos naturais que são

indispensáveis para a produção. Quantos produtos podemos citar que não

são obtidos a partir de recursos naturais? A utilização de recursos naturais,

sem a preocupação com a conservação, aliada ao crescimento

150 A reconstrução do Direito Privado. 151 Além do fato do empresário poder ser a própria vítima da exclusão social. Lembra Eros Roberto Grau que “a exclusão social se dá sob múltiplas modalidades – são excluídos, afinal, tanto a vítima do crime quanto ao criminoso.” Enfatiza que a insegurança fruto da ausência de condições mínimas de dignidade do ser humano está presente no nosso cotidiano, “mais trágica e cruel do que jamais se pudera imaginar, ela está às nossas portas; nas ruas e em nossas casas, onde já não vivemos mais tranqüilos, em segurança, em paz; em cada sinal de trânsito, onde nos esperam nossas pobres crianças assassinas.” A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 57-58.

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populacional152 sinalizam pela sua extinção, em conseqüência, a extinção do

mercado, senão da humanidade.

A responsabilidade social, repita-se, é regida por regras

de mercado que exigem o atendimento de valores éticos eleitos pela

sociedade.

As ações sociais podem ser vistas como a forma de “um

equilíbrio substantivo” entre os partícipes das relações econômico-sociais na

economia globalizada, na medida em que buscam minimizar as

desigualdades sociais.

Diferentemente dos contratos e das relações

consumeristas, aqui não se fala num desequilíbrio de uma relação jurídica

que necessariamente interessará ao Direito que cuidará de compensá-lo. O

que se tem é um desequilíbrio social, na qual não se identifica juridicamente

– tampouco se responsabiliza – o particular beneficiado, nem o prejudicado

com tal desequilíbrio. Também a atividade empresarial, por si só, não é uma

relação jurídica que entre seus atores se possa identificar um desequilíbrio –

porque se se verificar, o Direito também dele se ocupará. O desequilíbrio está

na sociedade para a qual o empresário deve atentar, tendo por motriz a

diretriz da solidariedade.

152 “Supõe-se que, dado o atual crescimento da população e sua distribuição no planeta, e levando em conta as tendências atuais do consumo dos recursos naturais e a emissão de agentes poluidores por parte dos países desenvolvidos, será impossível aos países subdesenvolvidos atingirem o nível de progresso daqueles. Se os ¾ da humanidade que vive nos países subdesenvolvidos desbaratarem seus recursos naturais, consumindo-os no mesmo ritmo (por habitante) que os EUA e os países da Europa Ocidental, por exemplo, não restará oxigênio para todos, nem haverá metais suficientes para a indústria, enquanto, por outro lado, haverá carbono, enxofre e dióxido de nitrogênio em tal quantidade que provocarão a extinção da humanidade”. Miguel A. O. de Almeida, Luta contra a poluição, p. 104.

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Não há relação jurídica obrigacional entre o empresário e

a coletividade, pelo simples exercício da atividade empresarial, mas há uma

diretriz constitucional que proporciona ações éticas.

Podemos tratar de um novo princípio: o princípio ético

da empresarialidade responsável que tem por finalidade a educação efetiva

do empresário como criador de oportunidades voltadas para a coletividade e

não para seus próprios interesses.

Essa comutatividade entre os atores, necessária ao

mercado é a mesma para toda e qualquer relação social. Mencionando texto

religioso para ancorar a solidariedade, RACHEL invoca uma faceta da fé

judaico-cristão: “se eu não for por mim, quem será? E se for só por mim, quem

sou eu? Se não agora, quando?”

E em resposta exalta o quanto ser consciente das

necessidades sociais é importante também para quem não é o carecedor:

“Se eu for só por mim, se for egoísta, quem serei? Como

serei visto pela comunidade, quem será meu amigo, quem

se importará comigo? O egoísmo é nefasto para as

relações sociais, notadamente em sociedades em que a

colaboração pode ser a diferença entre a vida e a

morte.”153

5.7.1. Função Social e Responsabilidade Social Empresarial.

Para clarificar nosso entendimento de que a

responsabilidade social empresarial encontra melhor guarida no prncípio da

153 A responsabilidade social das companhias, p. 35.

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solidariedade, mister se faz a cotização entre função social (da empresa) e

responsabilidade social empresarial, para a seguir, executarmos o mesmo

exercício com (princípio da) solidariedade e responsabilidade social

empresarial.

Essa cotização não objetiva identificar a

responsabilidade social empresarial com aqueles institutos de Direito, até

porque não se pode comparar ou obter subsunção de coisas diferentes, haja

vista, como já dito, a responsabilidade social empresarial é metajurídica e

interdisciplinar. O que buscamos é apontar os pontos de intersecção.

O que se tem constatado é um aumento vertiginoso do

anseio da sociedade pela “responsabilidade social empresarial”. Parece-nos

um caminho sem volta. Aumentam as carências e desigualdades

populacionais, mostrando-se o Estado cada vez mais ineficiente,

demandando a sociedade ação dos detentores do poder econômico.

Essa relação humana, assim como as demais são

verificadas antes e o Direito para discipliná-la é criado depois. Certo é

também que entendemos que no caso da responsabilidade social, o Direito

não deva se ocupar de disciplinar o relacionamento socialmente responsável,

deixando-o a cargo dos próprios atores sociais que dispõem de mecanismos

até mais hábeis para tanto.

A gênese da responsabilidade social empresarial como

visto, tem escopo na demanda social, apoiada nas regras de mercado, - e

continua fora do mundo das normas – entretanto, encontra pontos de

intersecção com a função social das empresas, que por sua vez deriva da

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função social da propriedade, haja vista, ser a empresa a forma

contemporânea do exercício das propriedades.154155

Função social e responsabilidade social diferem.

Responsabilidade social limita-se ao processo decisório e à solução do

processo decisório dos administradores. Reside na escolha de execução de

ação positiva. Função social refere-se à questão da solução de conflitos

sociais através da organização empresarial – empresa como catalisador

social de conflitos. Pressupõe conflito de interesses, ação que fira direitos

sociais.

A função social é condicionante – princípio -

constitucional para o exercício da atividade econômica (que continua tendo o

seu caráter de liberdade individual)156. Enquanto que, a responsabilidade

social é condicionante social (e até mercadológica) para o exercício da

atividade econômica.

Em conseqüência, sob o prima jurídico, fundamental

distinguir, que a função social – no caso do particular, em especial o dever

negativo - é cogente (uma vez que o detentor dos bens de produção resolve

desenvolver atividade econômica ele está obrigado a atender à função social).

154 Marcos Alberto SantÁnna Bitelli, Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 235-237. 155 Até porque, como define Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 207, sob o ângulo do direito civil, a propriedade consiste em “assegurar a uma pessoa o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer essa faculdade contra todos que eventualmente queiram a ela se opor.” 156 A ordem constitucional pressupõe uma utilidade social da liberdade de iniciativa empresarial. Ensina José Afonso da Silva:

“a iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no sistema da constituição econômica brasileira. Se ela se implementa na atuação empresarial, e esta se subordina ao princípio da função social, para realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional, assegurada a existência digna de todos, conforme ditames da justiça social, bem se vê que a liberdade de iniciativa só se legitima quando voltada à efetiva consecução desses fundamentos, fins e valores da ordem econômica.” Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 788.

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Já a responsabilidade social não pode ser imposta, haja vista que o seu

exercício pelo detentor dos bens de produção se dá em atendimento a uma

demanda da sociedade, ou seja responsabilidade social goza de caráter

voluntário.

Não se faça confusão com a cogência do conteúdo da

responsabilidade social. É possível admitir-se que essa expectativa da

sociedade com relação à uma empresa inclua o cumprimento das leis, que se

prestam a veicular um padrão mínimo, mas aqui trata-se de sujeição à

legislação, e não implica em imposição do comportamento socialmente

responsável.

Responsabilidade social é responder à sociedade,

atendendo às suas expectativas econômicas, legais, éticas e sociais num

determinado período de tempo.157 Enquanto que a função social não é

condicionante limitada a determinado período de tempo e de aplicação

imediata (art. 5º, § 1º, da CF). Enquanto durar a atividade econômica deverá

ser atendida a função social. No exercício da atividade empresarial o

empresário tem ou não tem comportamento socialmente responsável.

Façamos um parêntese com relação a “expectativa”. O

que venha a preencher essa expectativa é vago, depende dos valores

adotados pela sociedade. Na função social também está presente essa

vagueza que também poderá ser preenchida.

A concreção da função social pode ser exigida pelo

judiciário – até porque a função social é cláusula geral. Já o exercício da

157 Archie B. Carrol, apud Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, define que “a responsabilidade social das organizações toca às expectativas econômicas, legais, éticas e sociais que a sociedade espera que as empresas atendam, num determinado período de tempo.” Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 269.

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responsabilidade social somente tem por legitimado para cobrança da sua

observância, a sociedade de acordo com aquilo que ela entender como justo e

aceitável. Obviamente se estivermos tratando de uma expectativa legal dessa

sociedade outros poderão ser os agentes da coerção, inclusive o Estado.

Todavia, para a responsabilidade social, como já vimos não há “ação” que

reclame esse “direito”.

Uma fundamental cotização diz respeito aos resultados.

Embora fora do mundo das normas positivadas, a responsabilidade social

empresarial tem alcançado mais resultados concretos (efetivo atendimento

às necessidades sociais) do que a função social poderia alcançar. Isso porque

ações positivas (deveres positivos) têm sido realizadas não em atendimento à

função social, mas sim à expectativa da sociedade, como já dito, refletida

hoje em regras de mercado.

A função social, como estudado no Capítulo II, não tem

logrado êxito em exigir ações positivas das empresas, até porque estaria o

Estado desse modo transferindo sua função para o particular, e

desonerando-se.

Embora, reitere-se, quando se fale em função social não

se está falando em limitações negativas do direito de propriedade, sendo

mais amplo, devendo (ou ao menos deveria) abarcar ações promocionais do

interesse coletivo158. “A função social é mais que limitação. (...) A função é o

poder de dar à propriedade determinado destino, de vinculá-la a um objetivo.

158 Nesse sentido são também as assertivas de Pietro Perlingieri: “Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa (art. 2 Const.) o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento.” Perfis do Direito Civil, p.. 226.

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O qualificativo “social” indica que esse objetivo corresponde ao interesse

coletivo, não ao interesse do proprietário.”159

Um dever não exclui o outro. Tanto a função social não

exclui o dever do Estado, como a responsabilidade social não exclui a função

social nem o dever do Estado.

Em outro parêntese, vale ressaltar que o

comportamento socialmente responsável não está sujeito às políticas

públicas. Obviamente, também não há impedimento de elegê-las, até mesmo

porque possibilita a união de forças com o Estado na sua execução. Todavia,

a política pública não pode servir de limitador do comportamento do

empresário no campo social.

Nesse sentido, NILSON LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, assevera

que:

“Também é comum na doutrina brasileira haver confusão

entre função social e políticas públicas. Como elemento da

própria função social da empresa constituiriam, por

exemplo, políticas públicas relativas à obrigatoriedade de

creches ou médicos para os empregados e seus filhos,

posturas municipais de localização das empresas, entre

outras. Parece haver confusão entre atitude e resultado.

Tais posturas podem ser reflexos ou, até mesmo, admite-

se, conseqüência desta visão de função social da

empresa, porém não seu elemento constituinte. Se assim

fosse, não poderia a administração ir além das políticas

159 Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 147.

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112

públicas – e não parece ser esta a intenção do

legislador.”160

5.7.2. Solidariedade e Responsabilidade Social Empresarial.

Como regra hermenêutica, poderia o sinal lingüístico161

do texto constitucional contido no artigo 3º, inciso I, revelar a norma

relativa à responsabilidade social?

A responsabilidade social se revela na moral, entretanto,

no ordenamento jurídico, ou seja, como norma positivada, ela está muito

mais próximo do princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CF), do que da

função social da empresa (art. 170, III, da CF), até porque o último está

contido no primeiro.

Esse entendimento se funda no fato de que a

solidariedade, antes de ser princípio constitucional, já era concebida como

virtude indispensável nas relações sociais – considerada ai desde a sociedade

mais simples, a família -, traduzida pelo espírito de repartição, tolerância e

respeito ao próximo.

Quanto à gênese, instrumento condicionante de

comportamento, imposição (em especial de deveres positivos), formas de

160 Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro – ensaio de uma reflexão crítica e comparada, p. 87. 161 A respeito da interpretação dos princípios constitucionais, Eros Roberto Grau, ensina que “opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos e disposições, alcançamos a determinação de conteúdo normativo. O intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete produz a norma. Assim, texto é diferente de norma: o texto é o sinal lingüístico; a norma é o que se revela, designa.” A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 134.

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concreção do seu conteúdo e resultados, repita-se o quanto cotizado em

relação à função social.

Mais uma ressalva deve ser feita. Quando falamos em

condicionante constitucional, tanto para a função social, como para a

solidariedade, salta aos olhos uma distinção quanto a responsabilidade

social que podemos dizer está relacionado a ser ou não um ato negocial do

empresário. Melhor dizendo, todo ato negocial, que diga respeito ao negócio,

ao objeto da atividade empresarial (relação com empregados, concorrência,

consumidor, meio ambiente) está sujeito antes de mais nada às diretrizes

constitucionais.

O condicionante social implica na observação de

comportamentos socialmente responsáveis com relação também a atos

distintos do negocial (comunidade, meio ambiente), especialmente por se

tratarem de comportamentos positivos voluntários, os quais, diferentemente

dos ligados ao ato negocial não demandam disciplina legal.

Em importante trabalho intitulado A disciplina da

empresa: reflexos da autonomia privada e da solidariedade social, GABRIELA

MEZZANOTTI, conclui que:

“A transformação que visa à Constituição Federal de

1988, só será obtida à medida que se reconheça, no artigo

3º, fundamento à reivindicação, pela sociedade, de direito

à realização de políticas públicas que possibilitarão o

fornecimento de prestações positivas à sociedade.”162

Essa premissa é verdadeira com respeito ao Estado, mas

acaba por não ser determinante ou suficiente com relação ao particular. O

162. P. 33.

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Estado pode criar políticas públicas – veiculadas por lei - a partir da diretriz

da solidariedade de que trata o inciso I, do artigo 3ª, da Carta Magna, mas

não tem o condão de exigir comportamentos positivos do setor privado, sob

pena, inclusive de estar transferindo a responsabilidade.

Por outro lado, se se reconhecer à solidariedade a

sujeição ao princípio da complementaridade ao qual está sujeito a lei

portuguesa do voluntariado163, é possível admitir-se que a “identidade

jurídica” da responsabilidade social empresarial é a diretriz da solidariedade.

NABAIS vislumbra a cidadania solidária como

instrumento do Direito Fiscal, e, embora admita que o Estado social na sua

modalidade de Estado de bem-estar está definitiva e irremediavelmente em

crise”, o que impõe a convocação da sociedade civil, ressalva que “a

solidariedade há de assumir uma função claramente complementar,”164 assim

argumentando:

“Por um lado, a cidadania não é abandonada à

sociedade civil, nem é remetida exclusivamente para a

estadualidade social. O que implica, quanto ao primeiro

aspecto, que a solidariedade não pode ser vista como um

sucedâneo, uma compensação, para o desmantelamento

do Estado social que, segundo um certo discurso e

sobretudo uma certa práxis atual, seria exigida pelo

mercado, o que há que rejeitar in limine. Por outras

palavras, a solidariedade não pode servir de argumento,

ou melhor de pretexto, no sentido de que a sua função

transitou, por exigências de mercado, para a sociedade

163 Segundo José Casalta Nabais, o princípio da complementaridade importa em que “o voluntariado não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das atividades das organizações promotoras estatutariamente definidas.” Solidariedade Social e Tributação, p. 126. 164 Solidariedade Social e Tributação, p. 126.

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civil. Enfim, a solidariedade assim entendida, mais não

seria do que um ótimo instrumento de liquidação do

Estado (moderno) às mãos do mercado.”165

Colocada cada obrigação em seu lugar, sem a supressão

de uma em razão da outra, fica mais viável a identificação da

responsabilidade social empresarial com o princípio da solidariedade.

“é razoável crer que mudar comportamentos por

lei é mais complexo e menos eficaz do que fazê-

lo por via de convencimento.”166

5.9. Regulamentação da Responsabilidade Social Empresarial.

Ilustres doutrinadores, como EROS ROBERTO GRAU,

parece-nos que defendem que as forças econômicas não são suficientes para

concreção dos direitos sociais, devendo estas forças estarem sujeitas a um

165 Ibidem, p. 126. 166 Rachel Sztajn, A responsabilidade Social das Companhias, p. 49.

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controle167 ou regulamentação, sob pena de colocar-se em risco a paz

social168.

O mencionado Professor ressalta a “contradição entre o

neoliberalismo – que exclui, marginaliza – e a democracia, que supõe o acesso

de um número cada vez maior de cidadãos aos bens sociais. Por isso dizemos

que a racionalidade econômica do neoliberalismo já elegeu seu principal

inimigo: o Estado Democrático de Direito.”169

Certo é que a ordem econômica, por si só, não garante a

concreção do bem-estar almejado na CF. Assim como a simples edição de

normas não propicia a ação. No dizer de JOSÉ AFONSO DA SILVA, “uma norma

pode ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz”, ou seja, produzir

efeitos, regulando os comportamentos nela elencados, mas sem,

efetivamente, atingir os fins perseguidos pelo legislador.

“Eficácia, então, implica realização efetiva dos resultados

buscados pela norma. Esses resultados – fins – aliás,

podem ser explicitados em outras normas, as normas-

objetivo.”170

Lembremos que, quando a empresa assume

responsabilidade sobre políticas sociais, essa deve ser entendida como uma

nova postura de gestão de seus negócios, em que o móvel da aplicação da

167 Controle esse que reconhece exercido na disciplina constitucional da ordem econômica, haja vista a Constituição dirigente de 1988, embora reconheça que substituir a ordem social espontânea resulta excluir o natural em benefício do artificial. “Aqui, também, inúmeras vezes, uma nota de ressentimento ideológico. A ordem jurídica liberal ratificaria e reforçaria uma ordem (social) espontânea, ao passo que a ordem jurídica intervencionista pretenderia a substituição dessa ordem espontânea por outra: daí a perniciosidade da ordem jurídica intervencionista, que estaria voltada à exclusão do natural, em benefício do artificial.” Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 65. 168 Ver a esse respeito: Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p.55-59. 169 Ibidem, p. 57. 170 Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 324.

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diretiva da solidariedade social são as leis de economia, fortificadas pelas

regras de mercado e concorrência.

Entretanto, sob o pretexto de estimular ou envolver cada

vez mais as empresas em projetos sociais, alguns agentes políticos alçam a

via legislativa. É fator preocupante transformar a responsabilidade social em

obrigação legal regulamentando as atividades nessa área. Segundo se

manifesta GUILHERME AFIF DOMINGOS, além de inibir a criatividade

empresarial, aumenta custos e alerta: “qualquer medida compulsória, que

implique novos custos, pode levar ao mais grave dos problemas sociais que é o

desemprego.”

RACHEL não vê razões para alterar a legislação com o fim

de que as companhias adotem políticas e programas de responsabilidade

social, em especial, com respeito ao “balanço social”, argüindo o importante

aspecto relativo a vinculação da utilização da norma com a sua utilidade.

“É fácil impor, por via de norma jurídica ou regulamentar,

o dever/obrigação, de prestar as melhores, mais

completas e amplas informações ao público em geral.

Mas será que o público em geral está tecnicamente

preparado para analisar as informações que vierem a ser

prestadas pelas companhias?”171

5.8.1. Planejamento da atividade econômica.

Importante lembrar que a intervenção do Estado na

economia, basicamente, ficou restrita a um agente normativo e regulador da

171 A Responsabilidade Social das Companhias, p. 49.

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atividade econômica, exercendo ainda as funções de incentivo e

planejamento, sendo este determinante para o setor público, e indicativo

para o setor privado, nos termos dos arts. 170 e 174 da Constituição.

Ante essa disciplina constitucional é possível reconhecer

que o Estado-legislador pode exercer “o papel de agente indutor da justiça

social no plano das atividades do mercado como um todo”?172

No plano das atividades genericamente, pode e deve o

Estado, ao regulamentar determinada atividade econômica atender aos fins

de justiça social buscados pela Constituição, mas é vedado ao Estado

planejar a atividade econômica (art. 174, caput).

Ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA que:

“O planejamento econômico consiste, assim, num processo

de intervenção estatal no domínio econômico com o fim de

organizar atividades econômicas para obter resultados

previamente colimados.”173

Mesmo reconhecendo ser o planejamento indicativo para

o setor privado, o Professor mencionado, justificando a mitigação da

imunidade de planejamento do setor privado, asseverando que:

172 Conforme assevera Eduardo Teixeira Farah, A Reconstrução do Direito Privado, p. 678. Na construção dessa questionamento, o autor afirma que “toda e qualquer interpretação da ordem econômica constitucional em relação à disciplina da empresa implica reconhecer a prevalência dos valores assegurados na própria Constituição, entre os quais o da solidariedade social.” Com o qual concordamos, porque nenhuma aplicação em caso concreto poderá deixar de levar em conta as diretrizes constitucionais de Estado Democrático de Direito. E para justificar a legitimidade do Estado intervir excepcionalmente no domínio econômico, o autor invoca o princípio da subsidiariedade, chamando a atenção para as hipóteses autorizadas na Constituição, do “relevante interesse coletivo” ou do “imperativo da segurança nacional”. Com o qual somos obrigados a discordar, haja vista que tais hipóteses excepcionais, quando definidas em lei, autorizam o Estado a explorar diretamente a atividade econômica (art. 173, caput, CF), mas não justificam a intervenção no planejamento da atividade empresarial privada (art. 174, caput da CF). O autor, ainda, faz a indicação dos dispositivos da ordem econômica que estão sujeitos à regulação por leis ordinárias, embora reconheça sua eficácia, e das normas auto-aplicáveis (pág. 676 a 678). 173 Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 783.

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“O constituinte não teve qualquer dúvida sobre a

compatibilidade entre planejamento econômico e

democracia, tanto que estruturou um Estado Democrático

de Direito com previsão de sua intervenção na ordem

econômica também por meio de planejamento econômico.

Aceitou aí a tese de que não haverá democracia real onde

não exista um mínimo de organização econômica

planejada pelo Poder Público, visando a realização dos

interesses populares.” 174

O principal limitador do planejamento estatal da

atividade econômica parece-nos ser o instituto da autonomia privada. Razão

pela qual daremos algumas pinceladas na questão.

Não se pode perder de vista que a constitucionalização

do direito civil gerou a relativização dos direitos privados pela função social.

Assim, a autonomia privada deixou de ser um valor em si, sendo que seu

estudo deve se dar sob seus aspectos privatísticos e publicísticos.

Destaca PIETRO PERLINGIERI que a atividade de gozo e de

disposição do proprietário não pode ser exercida em contraste com a

utilidade social, questionando, inclusive, a inconstitucionalidade da

imprescritibilidade do exercício do direito de propriedade pela sua falta

prolongada e injustificada. Não se esquecendo que o exercício de direito de

propriedade, para seu reconhecimento e garantia, tem por pressuposto a

atuação da função social.175

Quando o poder de auto-regulação dos próprios

interesses – autonomia privada – deve compatibilizar-se com os princípios

174 Ibidem, p. 784. 175 Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional, p. 229.

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previstos no ordenamento jurídico, há uma conexão da autonomia privada

com a liberdade de iniciativa, gerando uma relação de prevalência entre a

autonomia privada e interesse público.

O instituto do direito privado “livre iniciativa” ao ganhar

status na Constituição Federal revelou essa relação de prevalência, isso

porque não deve ser visto mais como expressão individualista, mas sim no

quanto expressa de socialmente valioso176, vez que está condicionado aos

princípios elencados nos incisos I a IX, do artigo 170, da Constituição

Federal.

Esse condicionamento se dá, não com o fim de afrontar a

liberdade econômica, mas sim, com a finalidade de impor-lhe limites

valorados numa escala jurídica, ética e social. Alertando para a necessidade

de compatibilização dos princípios informadores do Novo Código Civil e os

princípios constitucionais, MÁRIO LÚCIO QUINTÃO SOARES e LUCAS DE ABREU

BARROSO ressaltam que:

“Uma das projeções da livre iniciativa é a liberdade de

participação na economia, corroborando o capitalismo

enquanto modelo econômico adotado, que traz consigo

todas as mazelas e formas de exclusão que lhe são

inerentes, mas que deverá, antes de tudo, respeitar os

valores sociais do trabalho, juntamente com a livre

iniciativa na posição de fundamento do Estado e preceito

da ordem econômica, visando compatibilizar o regime de

produção escolhido (capital, lucro), a dignidade da pessoa

176 Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 200.

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humana e a dimensão econômico-produtiva da

cidadania.”177

Ou seja, a atividade econômica, face a livre iniciativa,

não suscetível a ingerência do Estado, é tão-somente aquela atividade

exercida de acordo com os princípios da soberania nacional, da propriedade

privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do

consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades

sociais e regionais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido

para as empresas de pequeno porte. Ou, em suma, somente merecerá

proteção, a livre iniciativa quando favorecer o desenvolvimento nacional e a

justiça social.

Para aprofundar essa conclusão, EROS ROBERTO GRAU

apresenta quadro indicando os vários sentidos para a livre iniciativa,

dividindo-a, basicamente, em duas vertentes: (a) liberdade pública (liberdade

de comércio e indústria sem a ingerência do Estado no domínio econômico),

e (b) liberdade privada (livre concorrência), concluindo que o preceito inscrito

no caput do artigo 170 da Constituição Federal, tem o sentido de liberdade

pública, precisamente ao expressar, no parágrafo único, a não sujeição a

qualquer restrição estatal senão em virtude de lei.178

Mas o Professor insiste, na seqüência, que a liberdade

(de iniciativa no sentido público) amplamente considerada “é atributo

inalienável do homem, desde que se o conceba inserido no todo social e não

177 Os princípios informadores do Novo Código Civil e os princípios constitucionais fundamentais: lineamentos de um conflito hermenêutico no ordenamento jurídico brasileiro, p. 53. 178 “O que esse preceito pretende introduzir no plano constitucional é tão-somente a sujeição ao princípio da legalidade em termos absolutos – e não, meramente, ao princípio da legalidade em termos relativos (art. 5º, II) – da imposição, pelo Estado, de autorização para o exercício de qualquer atividade econômica.” A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 205.

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exclusivamente em sua individualidade (o homem social, associado aos

homens, e não o homem inimigo do homem).”

Assim, a liberdade de iniciativa que não atende ao social

(incisos I a IX do artigo 170, da CF) está sujeita a intervenção estatal. O

instrumento legal que previne e reprime atividades que não atendam aos

princípios da ordem econômica é a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994.179

“As regras da Lei n. 8.884/94 conferem concreção aos

princípios da liberdade de iniciativa, da livre

concorrência, da função social da propriedade, da defesa

dos consumidores e da repressão ao abuso do poder

econômico, tudo em coerência com a ideologia

constitucional adotada pela Constituição de 1988. Esses

princípios coexistem harmonicamente entre si,

conformando-se, mutuamente, uns aos outros.”180

Outra importante lição do Professor EROS ROBERTO GRAU

é a distinção entre planejamento do desenvolvimento nacional (art. 174, § 1º,

da CF) de planejamento da economia ou planejamento da atividade

econômica (art. 174, caput, da CF).

Esse último planejamento do Estado com relação ao

setor privado não pode ser compulsório de acordo com a Carta Magna, sob

pena de constituir-se em intervenção.181

179 Dispõe o artigo 1º da Lei nº 8.884/94, que: “Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso de poder econômico”. 180 Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 212. 181 Embora entenda Eros Roberto Grau que o planejamento “não configura modalidade de intervenção – note-se que tanto intervenção no quanto intervenção sobre o domínio econômico podem ser praticadas ad hoc ou, alternativamente, de modo planejado - mas, simplesmente, um método a qualificá-la, por torná-la sistematizadamente racional.” A ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 151.

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123

Novamente com respeito à intervenção, preciosas são as

lições do mestre GRAU, que demonstra as formas diversas de intervenção:

normas de intervenção por direção e normas de intervenção por indução.

“No caso das normas de intervenção por direção estamos

diante de comandos imperativos, dotados de cogência,

impositivos de certos comportamentos a serem

necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no

campo da atividade econômica em sentido estrito –

inclusive pelas próprias empresas estatais que a

exploram. Norma típica de intervenção por direção é a

que instrumenta controle de preços, para tabelá-los ou

congelá-los.

No caso das normas de intervenção por indução

defrontamo-nos com preceitos que, embora prescritivos

(deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência

que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se

de normas dispositivas. Não, contudo, no sentido de

suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção

de Modesto Carvalhosa, no que “levá-lo a uma opção

econômica de interesse coletivo e social que transcende os

limites do querer individual”. Nelas, a sanção,

tradicionalmente manifestada como comando, é

substituída pelo expediente do convite – ou, como averba

Washington Peluso Albino de Souza – de “incitações, dos

estímulos, dos incentivos, de toda ordem, oferecidos, pela

lei, a quem participe de determinada atividade de

interesse geral e patrocinada, ou não, pelo Estado”. Ao

destinatário da norma resta aberta a alternativa de não

se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à prescrição

nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto,

resultará juridicamente vinculado por prescrições que

correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência

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dessa adesão. Penetramos, aí, o universo do direito

premial.”182 (pág. 149-150)

Além da distinção – normas de intervenção por direção e

normas de intervenção por indução, e da perfeita elucidação dessa última,

GRAU segue apontando importante móvel para ação das empresas, que são

as condições de mercado, na qual, quem atende a uma norma de indução

pode ganhar destaque.

“A sedução à adesão ao comportamento sugerido é,

todavia, extremamente vigorosa, dado que os agentes

econômicos por ela não tangidos passam a ocupar posição

desprivilegiada nos mercados. Seus concorrentes gozam,

porque aderiram a esse comportamento, de uma situação

de donatário de determinado bem (redução ou isenção de

tributo, preferência à obtenção de crédito, subsídio, v.g.), o

que lhes confere melhores condições de participação

naqueles mesmos mercados.”183

Exemplos de normas de intervenção por indução que

impulsionam um comportamento social das empresas são as leis de

incentivo que permitem que as empresas invistam em iniciativas de

responsabilidade social, como projetos culturais v.g., sem ter gastos

adicionais com isso, já que o dinheiro aplicado pode ser abatido do Imposto

de Renda.

182 A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 149/150. 183 Ibidem, p. 150.

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Nesse sentido multiplicam-se as normas. A Lei Rouanet

permite que as empresas invistam até 4% do lucro em iniciativas culturais

com abatimento integral do Imposto de Renda, exceto para aplicações em

projetos de música popular e cinema de ficção. Outra norma de impulso é a

Lei nº 9.249/95, pela qual os empresários podem injetar até 2% dos

rendimentos em OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil) e ONGs

(Organizações não-governamentais) sem fins lucrativos e deduzir cerca de

35% do valor doado na base de cálculo do Imposto de Renda e na

Contribuição Social. Essa lei também autoriza a doação de 1,5% do lucro

bruto a entidades de ensino e pesquisa, escolas comunitárias, com

abatimento no Imposto de Renda. O próprio Estatuto da Criança de do

Adolescente permite que as empresas apliquem até 1% de seus rendimentos

em fundos estaduais e municipais para a Infância e a Adolescência com

desconto integral no Fisco.

Não se justifica, contudo, a transformação dessas ações

positivas em imposições legais. A partir do momento em que as medidas

livremente adotadas transformarem-se em normas legais, a responsabilidade

social deixará de ser um diferencial, desestimulando investimentos das

empresas.184

Por outro lado, a inexistência de regras claras

descrevendo o conteúdo da atividade empresarial responsável, é

preocupação de alguns, vez que o direito de propriedade mantém seu

184 Segundo a Confederação Nacional das Indústrias a responsabilidade social é um movimento voluntário que tem crescido espontaneamente por força do mercado, pois o comprometimento das empresas tem se consolidado como importante diferencial competitivo. As empresas não querem mais ser vistas como ausentes em questões sociais e sim como instituições que têm responsabilidade e missão social.

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caráter de direito subjetivo, sendo que o seu titular visa de forma imediata

satisfazer aos seus interesses e de forma mediata satisfazer o interesse

social, e, considerando-se, ainda que a empresa poderia carecer da tutela

jurídica em razão de não atender o seu papel social, a exigência de

cumprimento de qualquer “papel” requer conhecê-lo.

Ocorre, como visto, que a noção de função social é sem

conteúdo, o que não permite conhecer precisamente o que se deve cumprir,

entendendo alguns doutrinadores que, a função social nos diversos bens

deve ser definida por lei.185

Entende SÉRGIO VARELLA BRUNA que, o exercício da

liberdade de iniciativa empresarial extrapola o objetivo de lucro, que por sua

vez, “não se legitima por ser mera decorrência da propriedade dos meios de

produção, mas como prêmio ou incentivo ao regular desenvolvimento da

atividade empresária, segundo as finalidades sociais estabelecidas em lei.”186

Seguindo esse entendimento, em especial os deveres

positivos da função social necessitariam de disposição legal que os

determinasse, até porque o particular só está obrigado a fazer aquilo que a

lei determinar.

Ocorre que a partir de então, o tal dever previsto em lei

ganha mais um agente de coerção que não a sociedade. Ou seja, ganha

185 Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, Temas atuais de direito civil na Constituição Federal, p. 248, ilustra esse pensamento citando “o art. 838 do Código Civil italiano, que dispõe sobre a desapropriação dos bens que interessam à produção nacional ou de predominante interesse público, diz que: ‘Observadas as disposições das leis penais e de polícia e as disposições particulares concernentes a determinados bens, quando o proprietário abandonar a conservação, o cultivo ou a exploração de bens que interessam à exploração nacional, de modo a prejudicar gravemente as exigências da produção mesma, poderá ser feita a desapropriação dos bens, por parte da autoridade administrativa, precedida de uma justa indenização. As mesmas disposições se aplicam se o abandono dos bens tiver por efeito prejudicar gravemente o bom aspecto das cidades, ou por motivos de arte, de história ou de saúde pública.’” 186 O Poder Econômico e a Conceituação do abuso no seu exercício, p.141.

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status de obrigação legal e não obrigação moral - embora o atendimento à lei

também seja uma expectativa da sociedade.

Esse posicionamento justifica-se pela insegurança

jurídica gerada, na medida em que se admite que se exija mais do que o

“exercício normal do direito individual de propriedade”, que no caso da

empresa seria o atingimento de lucro. Obviamente, se o proprietário não faz

uso da empresa para esse fim, justifica-se a intervenção estatal para exigir o

cumprimento dessa função. Para alguns esse exercício normal reflete a

maximização do atingimento dos interesses sociais.

Correr-se-ia o risco de ver restringida a propriedade por

não se atender a função social, na hipótese do controle dessas regras por

juízes tomados por essa expansão da responsabilidade social. Sem falar na

penalização (indireta) do mercado, como ocorre, por exemplo, com a fixação,

de forma equivocada, de parâmetros - em índice da bolsa, concessão de

financiamentos, v.g..187

A questão da segurança jurídica é observada por NILSON

LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, que defende que a extensão função social da

empresa, que envolve a discussão da responsabilidade social, “não deve ser

buscada em regras programáticas e aduzidas por interpretações lastreadas

187 Segundo Nilson Lautenschleger Júnior, Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro – ensaio de uma reflexão crítica e comparada, p. 190/191: “Exemplos para ilustrar tais situações não faltam. O mencionado permissivo que o CMN emitiu com relação aos fundos previdenciários brasileiros e o programa de investimentos do BNDES. Estes não são os únicos exemplos. Poderíamos ainda citar regras como aquelas instituídas pelos entes financeiros internacionais, como o International Finance Corporation (IFC) ou Kreditanstalt für die Wiederaufbau (KfW) para concessão de financiamentos, que se dirigem especialmente às questões ambientais e à responsabilidade ambiental. Também há fundos de investimento que passaram a buscar no mercado sua diferenciação através da aplicação somente em empresas que respeitam determinadas regras de governança corporativa, como o fundo americano CalPERS, ou até mesmo regras de responsabilidade social, os chamados fundos éticos.

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em preceitos constitucionais gerais, mas regulada de forma precisa e objetiva.

Não bastam lugares comuns, regras vazias, como o novo parágrafo único do

art. 140, LSA, e expressões de efeito. É necessário muito mais para garantir

um ambiente de certeza jurídica e democracia plena.”188

Sem desprezar as preocupações levantadas, mas

considerando que o direito de propriedade deve manter seu núcleo essencial

de fruir, gozar e dispor livremente, sem ser atingido pela lei, sob pena de

inconstitucionalidade, bem como a limitação da intervenção estatal no

planejamento da atividade econômica, aliados a descaracterização da própria

solidariedade e a risco do Estado “demitir-se” de suas funções, admitimos

somente regras de impulso, repudiando outra de conteúdo ou finalidade

diversas da de estimular o particular a agir de modo socialmente

responsável.

Sem desprezar o legítimo clamo pela concreção dos

direitos sociais, da solidariedade, da justiça social, ilustramos com assertiva

do Ministro Marco Aurélio de Mello, que em recente entrevista, quando

questionado como o Brasil aperfeiçoa suas normas – se pela produção de

novas leis ou pela evolução da interpretação dos tribunais, ressaltou que

“mais importante que as leis em si, é a observância dessas leis. E a existência

de um mecanismo que as torne efetivas. Não precisamos de mais leis. Muito

menos de Constituinte, de uma nova Constituição. O que precisamos é de

homens, principalmente de homens públicos, que observem as leis existentes e

que se busque tirar dessas leis existentes a maior eficácia possível. A

188 Idem, p. 191.

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interpretação é um ato de vontade, mas um ato de vontade direcionado a

buscar o que está na legislação.”189

5.8.2. Normalização190 da Responsabilidade Social Empresarial.

BITELLI sugere, até como forma de substituir a ação

intervencionista estatal, que uma das formas de regular o atingimento da

função social seja a disciplina das relações de mercado entre os agentes

econômicos e consumidores, dentro dos princípios da livre concorrência e da

livre iniciativa, buscando simultaneamente a eficiência econômica e o bem-

estar material da coletividade.191

Acresça-se a isso, o fato de que o Código de Defesa do

Consumidor contempla as normas técnicas como forma de regulação do

mercado.

Segundo THOMAZ MARCELLO D´AVILA as normas técnicas

originam-se da “necessidade do homem registrar seu aprendizado, de modo a

poder repetir e reproduzir suas ações, conseguindo os mesmos resultados,

189 VOZES do Supremo: A Constituição brasileira é pouquíssimo amada. Consultor Jurídico. São Paulo, 23-3-2006, http://conjur.estadao.com.br/static/text/42904?display_mode=print. 190 Aqui usou-se a expressão “normalização” com o intuito de acompanhar a denominação utilizada pelos autores citados nessa seção, bem como, o termo aplicado pelos órgãos responsáveis pela efetividade das normas técnicas, como por exemplo, INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Conforme Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1986, “normalizar” é submeter à norma ou normas (como faz o INMETRO em testes de conformidade) e “normatizar” é estabelecer normas. p. 1199. De fato, nessa seção nos ocupamos das duas tarefas: estabelecer as normas técnicas e submeter os interessados a ela. 191 Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 262.

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assim como também da natural ‘lei do menor esforço’, que nos leva a otimizar

nossas forças físicas e mentais.” 192

Algumas normas técnicas são meramente facultativas,

quando são obrigatórias sujeitam o produto ou serviço, sob pena de

configurar práticas abusivas (art. 39, inciso VIII, do Código de Defesa do

Consumidor.

Características importantes das normas técnicas são

destacadas por ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, a saber:

“O mercado, pelo prisma da qualidade, é controlado

por duas técnicas principais: a regulamentação e a

normalização. Se os objetivos dos dois fenômenos são

idênticos, não implica dizer que também são idênticos os

seus conceitos, modos de operação e fundamentos.

De fato, estamos diante de noções distintas, apesar

de ambas terem a mesma ratio. A regulamentação é

produzida diretamente pelo Estado, provém de um “ato de

autoridade”, enquanto que a normalização advém de um

trabalho misto, cooperado, entre o Estado e entidades

privadas.

Além disso, ao contrário do que sucede com a

normalização, a regulamentação se impõe de pleno

direito, com um caráter de obrigatoriedade absoluta, a

todos os agentes econômicos. Diversamente, muitas das

normas permitem uma adesão voluntária, em particular

quando emanadas de organismos totalmente privados.”. 193

Nesse campo das normas técnicas, com relação à

responsabilidade social, já se dedicaram não somente órgãos especializados

192 A normalização técnica e o direito, p. 306. 193 Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 305.

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em normalização (ABNT, INMETRO), como também organizações não

governamentais voltadas para a defesa do consumidor, meio ambiente,

cidadania e importantes instituições e referências financeiras.

Todos esses entes fazem uso de índices obtidos a partir

de critérios sobre o conteúdo da responsabilidade social empresarial ora

estipulados em normas técnicas, ora apenas componentes de regras de

mercado.

Em breve parêntese e sem adentrar a análise do Terceiro

Setor, ressaltamos que as empresas que adotam comportamento socialmente

responsável podem constituir fundações e institutos, que são “braços

sociais”194 e funcionam como instrumentos para otimizar e evitar a

pulverização dos recursos, inclusive financeiros, voltados para as ações e

projetos sociais da empresa.

Além da presença cada vez maior e mais

profissionalizada, existem outras organizações que guiam essas entidades,

como o GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas que tem por

objetivo contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável do

Brasil, através do fortalecimento político institucional e do apoio a atuação

estratégica de institutos e fundações de origem empresarial e de outras

entidades privadas que realizam investimento social voluntário e sistemático,

voltado para o interesse público (art. 3º do seu Estatuto Social).

194 Esses braços podem ser constituídos nas formas de associação ou fundação. Um marco legal que abre espaço para a profissionalização dessas organizações é a Lei nº 9.790/99 que criou as OSCIP – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.

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Outras entidades representativas da sociedade exercem,

ainda, o papel de fiscalizar e regular atividade empresarial socialmente

responsável pela atribuição de valor pautada na moral.

Assim, surgiram nos últimos tempos, diversas

organizações legitimadas, revestidas de autoridade social para definir e criar

mecanismos de aferição de responsabilidade social, pautados no moralismo,

como as tratadas na seção em que se abordou a normalização.

Essas organizações dedicam grande parte de seus

recursos para criar mecanismos objetivos de aferição da responsabilidade

social.

Tais certificações constituem elemento importante para

que a empresa concorra no mercado globalizado.

Passamos a mencionar algumas entidades e critérios

técnicos e de mercado, limitando-nos a dar uma breve idéia do seu modus

operandi.

a) IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada.

Realizou pesquisa em 2004 (a anterior foi em 1999), intitulada “Ação Social

das Empresas”, na qual considerou ação social qualquer atividade de caráter

voluntário nas áreas de assistência social, alimentação, saúde e educação

para o atendimento de comunidades carentes. Na metodologia adotada, as

empresas foram contatadas por telefone e responderam questionário sobre

quais eram as ações realizadas e a quem elas beneficiavam, bem como, a

dimensão do gasto e a participação dos funcionários. Constatou-se que a

ação social passou a ser desenvolvida por até 75% das empresas de alguns

setores, como a construção civil.

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b) Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e

Econômicas, fundado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Instituiu o

Selo Ibase/Betinho, que certifica as ações de responsabilidade social das

empresas, atestando boas práticas e padrões éticos de relacionamento com

funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, acionistas, poder público e

com o meio ambiente. O Ibase coleta informações das empresas, na forma de

balanço social e submete à análise de organizações da sociedade civil das

áreas de direitos trabalhistas, meio ambiente, defesa do consumidor,

diversidade de gênero e movimento negro.

c) SA8000. É uma norma internacional (Social

Accountability International) que especifica requisitos de Responsabilidade

Social a serem observados pela empresa. Ela visa aprimorar o bem-estar e as

boas condições de trabalho, bem como o desenvolvimento de um sistema de

verificação que garanta a contínua conformidade com os padrões

estabelecidos pela norma. Traz como requisitos de responsabilidade social, o

trabalho infantil, o trabalho forçado, a saúde e a segurança, a discriminação,

horário de trabalho, a remuneração, entre outros. Tem por objeto

primordialmente o público alvo, trabalhadores.

d) GRI – Global Reporting Iniciative. Modelo de relatório

anual de sustentabilidade Econômica, Social e Ambiental, utilizado como

referência mundial, que garante transparência na divulgação das

informações comparativas sobre investimentos e atividades sociais das

empresas.

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e) Red Puentes.195 Nasceu em 2001 como um esforço de

Organizações da Sociedade Civil da Argentina, Brasil, Chile, Holanda e

México, com o fim de contribuir para o fomento e o fortalecimento da

cultura, práticas e ferramentas de Responsabilidade Social Empresarial nos

países da América Latina. É importante suporte para e fonte de informações

sobre a responsabilidade social empresarial na América Latina, bem como as

ações desenvolvidas pelas empresas em cada país.

No Brasil é composta por quatro organizações Ceris,

Ibase, Idec e Observatório Social. Para Red Puentes, a Responsabilidade

Social Eempresarial é um modo de gestão validado ética, social e legalmente,

através do qual as empresas assumem que, entre elas e seus grupos de

interesse, como trabalhadores, fornecedores, distribuidores e consumidores,

existe uma relação permanente de interdependência, em benefício tanto das

empresas como destes grupos. Portanto, as empresas devem equilibrar e

harmonizar as dimensões de rentabilidade econômica, direitos humanos,

direitos laborais e de organizações sindicais, bem-estar social e proteção

ambiental na sua atividade, desempenhando um papel fundamental junto à

sociedade civil e ao Estado, no processo destinado à obtenção de uma

sociedade mais eqüitativa, justa e sustentável. Pontuam que não é função

das empresas que empregam a Responsabilidade Social Empresarial

substituir a função redistributiva do Estado, e sim assumir uma tarefa

conjunta com este e com a sociedade civil na resolução dos problemas

sociais e ambientais.

195 www.redpuentes.org

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f) Escala Akatu de responsabilidade social empresarial.

Instituto Akatu pelo consumo consciente e Insituto Ethos. Objetiva apoiar o

consumidor no conhecimento e valorização da responsabilidade social das

empresas. Inclui nos seus temas e referências ações que já devem ser

atendidas por força da disciplinada legal correspondente. Pretende servir de

instrumento de organização e comparação das práticas de Responsabilidade

Social Empresarial das empresas.

g) BAWB – Business as an Agent of World Benefit

(Negócios como agentes para um mundo melhor). Tem por objetivo principal

disseminar experiências inovadoras, desenvolvidas por empresas lucrativas,

que promovem o desenvolvimento sustentável e trazem benefícios para a

sociedade. Em 2005, realizou a 3ª Conferência Internacional BAWB Brasil

em Curitiba onde foram apresentadas cinqüenta e três experiências de

empresas, associações e cooperativas.

h) ISO 26000. A ISO – International Organization for

Standardization está sediada em Genebra e presente em 153 países,

representada por órgãos de normalização nacionais. Foi criada em 1946 para

promover e desenvolver normas e atividades que facilitem o comércio

internacional e que desenvolvam cooperação nas esferas intelectual,

científica, tecnológica e econômica. No Brasil é representada pela ABNT.

Através de processo participativo, com amplo

envolvimento dos países em desenvolvimento, está elaborando futura norma

internacional de Responsabilidade Social que apresentará diretrizes e não

terá propósito de certificação. Foram propostos seis grupos tarefa. Os três

primeiros definitivos (TG 1 – Capacitação de Recursos/Fundos e

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Engajamento de Stakeholders, TG 2 – Comunicação e TG 3 – Procedimentos

operacionais) e os demais interinos para a primeira reunião.

i) ABNT NBR 16001. A norma da ABNT pretende

introduzir metodologia séria para apurar e verificar a eficiência dos atos de

responsabilidade social, ou seja, tem como finalidade constatar se a empresa

possui um sistema de gestão de responsabilidade social sério e quais os

resultados que vem obtendo frente à comunidade.

Tal iniciativa se afigura válida, pois tem como objetivo

monitorar o sistema de responsabilidade social da empresa e torná-lo eficaz

através de procedimentos que conduzam a uma gestão organizada, tudo

visando otimizar os resultados obtidos nessa área social.

A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas,

após circular em Consulta Nacional para análise e emissão de sugestões,

através do Grupo Tarefa de Responsabilidade Social, elaborou a NBR 16001,

que tem por objetivo estabelecer requisitos mínimos relativos a um sistema

da gestão da responsabilidade social, permitindo à organização formular e

implementar uma política e objetivos que levem em conta os requisitos legais

e os compromissos éticos com a promoção da cidadania, a promoção do

desenvolvimento sustentável196 e a transparência de suas atividades.

Entende por responsabilidade social, a forma de gestão que se define pela

relação ética e transparente da organização com todos os públicos com os

quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas compatíveis com o

desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais

196 Desenvolvimento sustentável: Desenvolvimento que supre as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de geração futura de suprir suas necessidades.

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e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a

redução das desigualdades sociais.

j) INMETRO – Comissão Técnica de Responsabilidade

Social (CTRS) tem por missão desenvolver um programa de avaliação da

conformidade, de acordo com a NBR 16001 (acreditação de organismos de

certificação). Fazem parte da Comissão empresas e entidades

representativas, o próprio INMETRO, a Confederação Nacional do Comércio,

o Dieese, o IDEC, o Ipea, o Instituto Nacional de Tecnologia, universidades

federais e estaduais (UFF e UERJ), a ABNT, o Sebrae, Furnas, Eletrobrás,

CNI, MDS, OIT, além da Natura, Unilever, Petrobrás e Multibras.

k) Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) Bovespa.

Lançado em 1º de dezembro de 2005, com o apoio da International Finance

Corporation (IFC) – braço empresarial do Banco Mundial. Na metodologia

adotada, as empresas respondem a questionário, que foi submetido à

consulta pública e teve por base o conceito do triple bottom line, desenvolvido

pela consultoria inglesa SustainAbility e foi desenvolvida pelo Centro de

Estudos da Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces).

O ISE é uma carteira formada por 34 ações de 28

empresas de diferentes setores que atendem a critérios de saúde financeira,

responsabilidade social, ambiental e governança corporativa.

Segundo o seu coordenador, Mazon, “o Conselho do ISE

decidiu não excluir nenhum setor da produção, como o de fumo e bebidas,

por exemplo, para ‘dar chances de todas as empresas provarem se são ou

não sustentáveis’”.

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Os itens analisados têm pontuação diferente que não são

divulgadas. As empresas são informadas apenas da nota geral. A revisão do

ISE será anual.

São criticados, entre outros, por razões já tratadas, a

inclusão no questionário de perguntas sobre a natureza do produto.

l) “Guia de Responsabilidade Social para o Consumidor” -

IDEC. Apesar de ter por fim a conscientização do consumidor sobre

responsabilidade social, frisa que é preciso um longo diálogo sobre o

significado de responsabilidade social, antecipando quatro diferentes visões

sobre responsabilidade social empresarial.

“A primeira está relacionada à idéia de que os objetivos

primordiais de uma empresa resumem-se em gerar lucro a

seus investidores, pagar imposto e cumprir legislação. A

segunda visão incorpora a esses objetivos ações

filantrópicas, como ajuda financeira a creches, orfanatos e

programas sociais.

Outro modo de ver a RSE é como uma estratégia de

negócios, na qual as ações de responsabilidade são um

instrumento para conferir um diferencial para seus

produtos e serviços. Assim, a empresa conseguiria atrair e

manter melhores empregados, além de acrescentar valor

à sua imagem.

Por fim, na quarta visão a RSE é vista como parte da

cultura organizacional, de forma a produzir riquezas e

desenvolvimento que beneficiem a todos os envolvidos em

suas atividades – trabalhadores, consumidores, meio

ambiente e comunidade. Essa visão inclui a promoção,

pela empresa, dos seus valores éticos e responsáveis na

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139

sua cadeia de fornecedores e nos mercados onde

atua.”197

O IDEC elege essa última.

m) Resolução CFC n° 1003/04. Estabelece procedimentos

para a apresentação dos dados referentes à participação e responsabilidade

social da empresa.

Abrange os aspectos de (a) interação com o meio

ambiente; (b) interação com o ambiente externo; (c) recursos humanos; e (d)

geração e distribuição de Riqueza.

n) Pacto Global ou The Global Compact. É uma iniciativa

do Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, propondo à comunidade

empresarial global o desafio de apoiar mundialmente a promoção de valores

fundamentais nas áreas de direitos humanos, direitos do trabalho, proteção

ambiental e combate à corrupção. Essa iniciativa é baseada em rede. No

centro desta rede está o escritório Global Compact, seu conselho e 5

agências da ONU (Office of the United Nations High Commissioner For

Human Rights – Alto Comissariado para Direitos Humanos; UNEP United

Nations Environment Programme – Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente; ILO International Labour Organization – Organização

Internacional do Trabalho; UNIDO United Nations Industrial Development

Organization – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Industrial; e UNDP United Nations Development Programme – Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento). A mesma rede envolve todos os

atores relevantes: governos, empresas, trabalhadores, sociedade civil e as

197 “Guia de Responsabilidade Social para o Consumidor”, p. 14.

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140

Nações Unidas. O Pacto tem mais de 1500 empresas como signatárias e

mais de 50 redes locais em países e regiões.

A ONU quer que as empresas signatárias do Pacto Global

prestem contas sobre o andamento de seus projetos – destacando que a

prática de ações sociais é definida como obrigatória no termo de adesão ao

pacto – tendo recentemente indicado quatro modelos de apresentação dos

resultados obtidos, dentre os quais está um desenvolvido no Brasil, pelo

Grupo Pão de Açúcar.

Os objetivos definidos para o Comitê Brasileiro do Pacto

Global são: massificação dos seus princípios no país; ampliação da adesão

de empresas e organizações brasileiras; apoio às empresas brasileiras para a

implantação dos princípios; promoção de troca de experiências e

aprendizado dos princípios do Pacto Global; exercício das funções de

articulador internacional com as demais redes do Pacto Global e com o

escritório em Nova Iorque; assessoramento do Presidente do Comitê

Brasileiro do Pacto Global; e, promoção do vínculo entre os princípios do

Pacto Global e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio198.

5.8.3. Casuística.

Sustentando o posicionamento aqui defendido,

elencamos algumas normas já existentes e projetos de lei em trâmite no

Congresso Nacional, com breves comentários.

198 Quanto aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ver www.pnud.org.br/odm/odm_vermelho.php. São eles: (1) erradicar a extrema pobreza e a fome; (2) atingir o ensino básico universal; (3) promover a igualdade entre os secos e a autonomia das mulheres; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde materna; (6) combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; (7) garantir a sustentabilidade ambiental; e, (8) estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.

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141

a) Lei nº 177/05 – Município de Apucarana, Paraná. Sem

querer analisar as regras licitatórias, mencionamos critério adotado pelo

Município de Apucarana, no Paraná, em determina que todas as licitações

deverão incluir entre os critérios de seleção os Objetivos do Milênio e os

princípios do Pacto Global, determinando que somente as empresas que

tiverem ações de responsabilidade corporativa e investimentos sociais ou

ambientais comprovados relacionados aos instrumentos internacionais

mencionados, poderão participar dos processos licitatórios.

Isso implica em que empresas que não tenham projetos

sociais estão descartadas do processo licitatório. Se responsabilidade social é

voluntária, opção de gestão do administrador, há tratamento desigual entre

as empresas.

São requisitos para a habilitação em licitações, a

habilitação jurídica (corresponde aos atos estatutários e representação legal

da empresa); a regularidade fiscal; a qualificação técnica (demonstração de

aptidão para o desempenho da atividade objeto da contratação púbica); a

qualificação econômico-financeira (demonstração da saúde financeira da

empresa, com apresentação de balanço patrimonial e outros documentos).

Quanto à qualificação econômico-financeira, os limites

das exigências estão definidos no art. 31, da Lei nº 8.666/93, dispondo o seu

§ 4º sobre a possível exigência da relação dos compromissos assumidos pelo

licitante que importem em diminuição da capacidade operativa ou absorção

de disponibilidade financeira.

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O art. 3º ressalta que “a licitação destina-se a garantir a

observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta

mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita

conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da

moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da

vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe

são correlatos.”

E mais o § 1º do mesmo artigo, veda aos agentes

públicos incluírem condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o

seu caráter competitivo ou estabeleçam preferências ou distinções em razão

de circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do

contrato.

b) Lei n° 12.234/06 – Estado de São Paulo. Faculta a

utilização de selo para empresas que se qualifiquem como contribuintes de

projetos nas áreas sociais, realizada pelo Estado de São Paulo, através da Lei

nº 12.234/06, instituindo o selo “Empresa Amiga de São Paulo”. O que de

fato se presta a incentivar a participação da sociedade em ações sociais.

c) Lei nº 9.608/98. Embora tenha por escopo evitar

problemas trabalhistas, disciplina o voluntariado praticado pelos

empregados, mas várias são as iniciativas de voluntariado empresarial em

que as empresas incentivam os funcionários a se solidarizarem a causas

sociais.199 Alguns chamam a atenção de que na verdade projetos internos

199 Podemos citar como exemplo, o Projeto Crescer da BASF, que amplia as oportunidades de inserção no mercado de trabalho de jovens, na faixa etária de 16 aos 18 anos nos municípios de Guaratinguetá e São Bernardo do Campo e está estruturado por funcionários participantes de outro programa da BASF – Programa sou Voluntário.

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como esses podem pressionar a participação do funcionário ao invés de

estimular o voluntariado.

d) Projeto de Lei n° 1.305/2003. O equívoco na

conceituação da responsabilidade social acaba dando ensejo à elaboração de

projetos de lei absolutamente equivocados sobre essa matéria, distantes da

verdadeira essência da função social da empresa, tal como ocorre com o de

nº 1305/2003 do Deputado Bispo Rodrigues, que obriga o empresário a

praticar condutas socialmente responsáveis se em seus quadros tiver mais

de 500 empregados.

Repita-se mais uma vez: a premissa fundamental da

responsabilidade social é a ausência da obrigação legal ou de sanção

(cogência). Esse projeto, todavia, visa tornar obrigatória a prática de atos de

responsabilidade social pelo empresário.

Define Responsabilidade Social como sendo a conduta

ética e responsável da Sociedade Empresária e do Empresário junto ao seu

Público de Relacionamento.

Obriga as empresas com mais de 500 (quinhentos)

empregados a elaborarem anualmente Relatório de Gestão Social, como

instrumento de controle e transparência da Responsabilidade Social, cujo

não atendimento implica nas sanções administrativas consubstanciadas em

perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento oficiais de

créditos e proibição para contratar com a Administração Pública, pelo período

de 3 anos.

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144

Conceitua Balanço Social como o instrumento de

controle e transparência da Responsabilidade Social das Sociedades

Empresárias e dos Empresários.

Também cria o Conselho Nacional de Responsabilidade

Social, órgão federal para controle da transparência da responsabilidade

social.

e) Projeto de Lei nº 1.351/2003200 - Dep. Ann Pontes

Estabelece normas para a qualificação de organizações

de responsabilidade socioambiental e dá outras providências.

Conceitua Responsabilidade Social como o exercício

comprovado, documentado e publicado em balanço social das práticas, ações

e iniciativas capazes de tornar efetivo o princípio da função social da

propriedade, inclusive mediante participação direta e incentivo à participação

dos sócios, acionistas, administradores, empregados, fornecedores e

consumidores em ações sociais tendentes a melhorar as condições de vida, a

qualidade de vida no trabalho e desenvolvimento humano.

Elenca os requisitos que as empresas deverão cumprir

para qualificarssem-se como organizações de responsabilidade

socioambiental. Tal qualificação confere direito a expedição de certificado

assegurando às empresas, ainda: redução proporcional e progressiva das

contribuições para entidades de formação profissional, assistência social e

de apoio às micro e pequenas empresas, mediante abatimento das despesas

que realizarem com treinamento e assistência social; celebração de

200 Parecer pela aprovação com emendas, na Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público. Na Comissão de

Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, recebeu parecer pela rejeição – Dep. Júlio Redecker. Plenário apreciará o

projeto por ter recebido pareceres divergentes nas comissões de mérito.

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contratos de trabalho avulso com entidades sindicais para a execução de

serviços e atividades descontínuas; redução proporcional e progressiva da

contribuição para a seguridade social à medida que melhorarem os índices

de Desenvolvimento Humano – IDH no Município e a microrregião

homogênea correspondente.

No parecer pela rejeição, a Comissão de aponta como

conseqüências negativas: (a) obter os certificados mencionados, implica,

necessariamente, no pagamento de royalties às instituições responsáveis

pela definição dos critérios; (b) se englobarmos o requisito de cumpridor da

legislação para premiar ou beneficiar as empresas. “Ora, cumprir a lei é

obrigação; a existência de empresas que não o fazem, assim como o

reconhecimento desta realidade, em princípio não deve levar o legislador a

fazer uma nova lei para beneficiar aqueles que cumprem a norma em vigor.” –

Art. 2º, V – cumprimento das leis de proteção e defesa do meio ambiente e do

consumidor, inclusive mediante convenções coletivas de consumo;

f) Projeto de Lei nº 873/2003 – Dep. Armando Monteiro201

Institui o Programa Nacional de Incentivo a Atividades

Educacionais, Sociais e de Combate à Pobreza – PAES, cuja implementação

depende da arrecadação de fundos do Orçamento Geral da União e

contribuições de empresas privadas, que terão benefícios fiscais. Às

empresas privadas que fizerem contribuição ao Paes será fornecido o

Certificado Nacional de Empresa-Cidadã, sendo-lhes reservado o direito de

divulgação do fato em suas propagandas institucionais.

201 Recebeu parecer pela aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família.

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146

Acaba por engajar a iniciativa privada nos programas e

atividades de apoio ao ensino, desenvolvimento cientifico e tecnológico,

saúde, ações de combate à pobreza, programas sociais e preservação do meio

ambiente. A contribuição no programa, na forma facultativa estabelecida na

proposta, não representa um ônus adicional do ponto de vista fiscal para o

contribuinte, já muito sacrificado pela pesada carga tributária em vigor.

Ademais, mobiliza recursos da sociedade de modo mais coordenado e

produtivo, constituindo-se em esforço financeiro para o suporte das ações

públicas direcionadas a finalidades inquestionavelmente meritórias, sob o

ângulo social.

g) Projeto de Lei n° 32, de 1999202 - Dep. Paulo Rocha

Cria o balanço social para as empresas que menciona e

dá outras providências. Obriga as empresas que, tendo auferido receita total

bruta superior a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), busquem

participar de licitações e contratos públicos ou beneficiar-se de incentivos

fiscais e programas de crédito. Elenca indicadores de desempenho social.

Define balanço social como o documento pelo qual a

empresa apresenta dados que permitam identificar o perfil da sua atuação

social, a qualidade de suas relações com os empregados, a participação

destes nos resultados econômicos da empresa e as possibilidades de seu

desenvolvimento pessoal, o cumprimento das cláusulas sociais e a interação

da empresa com a comunidade e sua relação com o meio ambiente.

202 Parecer da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Social pela aprovação.

Parecer da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio pela aprovação com substitutivo. Aprovado requerimento para a realização de audiência pública.

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147

Segundo o Conselho Temático Permanente de

Responsabilidade Social – CORES da Confederação Nacional da Indústria –

CNI, o caráter impositivo do projeto desfigura a finalidade e o alcance do

balanço social. A complexidade das informações exigidas acrescenta um

custo burocrático à atividade empresarial, com prejuízo à produtividade e à

competitividade. Ademais, condicionar a concessão de benefícios fiscais e

financeiros e a participação em licitações e contratos públicos à

apresentação, pelas empresas, do Balanço Social subverte a própria função

desse instrumento, qual seja a de estimular naturalmente a

responsabilidade social das empresas sem a interferência do Estado.

Essa prática desvirtuaria ainda o sentido da aplicação de

benefícios fiscais e a finalidade da legislação sobre licitações, que é a de

assegurar a probidade administrativa e a igualdade de todos no acesso aos

contratos com o Poder Público.

5.9. Projetos Sociais.

Indiscutível a importância desse tópico, sem o qual não

estaríamos executando o presente trabalho, tendo em vista a diferença

positiva e multiplicadora para uma gente carente que vê, nessas ações, o seu

renascer e o seu futuro com um mínimo de dignidade.

ANNA PELIANO, coordenadora de pesquisa do IPEA,

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em palestra proferida no

Encontro Nacional do COEP, Rede Nacional de Mobilização Social, realizado

em 6 de maio de 2002, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, divulgou

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pesquisa realizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,

nominada de “Ação Social das Empresas”, em 2001, com mais de nove mil

empresas privadas de todo o país, explorando, principalmente, a motivação

da participação das empresas em projetos sociais. A palestra intitulou-se

Compromisso social das organizações: uma questão de solidariedade ou de

sobrevivência” e está publicada na edição de 2002 da revista Oficina Social,

Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania, e traz importante alerta:

(...) solidariedade sim, e sobrevivência, também. Mas é

importante ter claro que não será possível sobreviver às

custas de programas sociais se estes não forem realmente

efetivos, se não representarem um compromisso da

organização. Não basta fazer programas sócias, é preciso

que eles reflitam de fato esse compromisso e aí, sim,

teremos solidariedade e sobrevivência.”

Quanto aos destinatários e a forma de execução, a

pesquisa do IPEA de 2002 apurou que:

“O público alvo prioritário são as crianças e jovens, tanto

nas empresas públicas quanto nas privadas. Em geral,

predominam as doações para entidades do terceiro setor

ou para as próprias comunidades. No entanto, quase a

metade das grandes empresas já está se envolvendo

mais ativamente na execução dessas ações sociais,

“colocando a mão na massa”, mesmo que outra entidade

seja a responsável pela implementação dos projetos.”

5.9.1. Os diversos públicos.

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149

As empresas que adotam uma forma de gestão voltada

para o social, desde logo elege os seus parceiros nessa empreitada que vai

além do lucro e da produtividade.

Esses parceiros são chamados stakeholders e podem ser

classificados, segundo quanto ao tipo de poder ou influência que exercem:

decisão, consulta, comportamento e opinião. O público de decisão é aquele

cuja autorização ou concordância é necessária a realização das atividades do

negócio, como o Governo. O público de consulta é aquele que costuma ser

sondado pela empresa quando ela pretende agir, como os acionistas e

sindicatos. O público de comportamento engloba indivíduos cuja atuação

pode frear ou favorecer a ação da empresa, como funcionários e clientes. Por

fim, o público de opinião, são os grandes formadores de opinião como líderes

comunitários, mídia, comunidade acadêmica, etc..

Stakeholders são parceiros da empresa. Parte

interessada com quem a empresa se relaciona. Composto por diversos

grupos que podem afetar ou ser afetados pelas atividades da organização, de

uma maneira positiva ou negativa.

“A palavra stakeholder aparece em sentido muito largo,

incluindo não só eventuais fornecedores de recursos, bens

ou serviços, mas também as pessoas que possam ser

atingidas pelas ações administrativas.”203

As ações sociais de uma empresa têm por beneficiários

diversos públicos: interno (funcionários, sindicatos) e externo (fornecedores,

comunidade).

203 Rachel Sztjn, A responsabilidade social das companhias, p. 43.

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150

À todos os públicos deve ser dispensado tratamento ético

e transparente. Trataremos um pouco de cada um deles.

Os acionistas esperam da empresa socialmente

responsável correta distribuição dos resultados, equidade, prestação de

contas, etc..

Para esse público EDUARDO TEIXEIRA FARAH destaca o

dever de informar e o dever de lealdade, os mecanismos de repressão à

fraude e manipulações, além do dever do administrador de assegurar ao

investidor informações precisas sobre os negócios da companhia, colocando-

o em condições de avaliar as oportunidades em relação a preço e validade

das ações ou outros título emitidos pela companhia.

“ao prestarem ao público investidor e aos acionistas

informações acerca dos atos negociais da sociedade,

pronta e acuradamente, num sistema de disclosure, os

administradores dão pleno conhecimento das

possibilidades de negócios com os valores mobiliários da

companhia. Colocam o investidor em condição de

autoproteger-se.”204

Os consumidores esperam que lhe seja disponibilizados

produtos e serviços seguros e confiáveis, lealdade na oferta (inclusive

publicitária) do produto, informação adequada sobre o produto ou serviço,

excelência no atendimento (SACs de qualidade).

Alguns desses anseios do consumidor – tido como a

coletividade – foram contemplados pela legislação infraconstitucional pátria,

o que como já vimos não a exclui do conceito de responsabilidade social,

204 A reconstrução do Direito Privado, p. 695.

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151

mas que em razão da coerção da ordem jurídica, nesses aspectos, traduz

menor relevância para o comportamento positivo do empresário, haja vista

que o seu móvel é a sanção prevista na norma.

Assim, pode-se afirmar que para assegurar o princípio

da solidariedade, as empresas devem atender às disposições do Código de

Defesa do Consumidor.

A par disso, FARAH chama a atenção para uma questão

importante em qualquer relacionamento humano, o conhecimento e

compreensão do objeto dessa relação, sob pena de se incorrer no erro de

buscar suprir o suposto desequilíbrio nas relações de consumo atingindo o

direito de liberdade e dignidade do indivíduo.

“Muito embora as disposições do CDC visem ao equilíbrio

das relações de consumo, a solidariedade social será

plenamente atingida apenas pela educação dos

consumidores. Pois quanto maior for o grau de exigência

dos consumidores maior será a responsabilidade e

comprometimento das empresas ao fornecerem produtos e

serviços à comunidade.”205

Os concorrentes esperam que não se verifique

concorrência desleal, práticas monopolistas, espionagem industrial, combate

ao comércio ilegal e ao contrabando, etc..

Embora se colocada a concorrência sob o prisma do

princípio da solidariedade social, a primeira impressão, é de estamos frente

um antagonismo inconciliável, a ordem econômica constitucional impõe o

princípio da livre concorrência como forma de preservação do

205 Ibidem, p. 708.

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desenvolvimento206 econômico que repelindo os monopólios, estimula a

inovação de produtos, a redução dos preços, o investimento em tecnologia,

como forma de melhor atender aos consumidores.

Conforme destaca FARAH:

“A solidariedade social requer que exista um mercado de

livre concorrência pelo qual são respeitados os princípios

constitucionais da dignidade de pessoa humana e do

trabalho. Isso porque, em qualquer economia dominada

por oligopólios há preponderância dos interesses das

empresas e grupos dominantes em prejuízo dos

consumidores em geral.”207

A comunidade espera respeito à cultura local,

investimento na educação, minimizar impacto da atividade produtiva,

projetos comunitários (em especial, com o trabalho voluntário dos seus

funcionários).

Ponto importante tanto para a comunidade, como para

os consumidores, quando eles em regra não se confundem, é a gestão

ambiental, ou seja, conservação dos recursos naturais.

Quanto aos fornecedores, aguarda-se comungar o seu

código de conduta, transparência na cotação de preços, avaliar a existência

de trabalho infantil (em toda a cadeia produtiva), as condições do trabalho

terceirizado, etc..

206 “Os princípios constitucionais da ordem econômica analisados no item 4.1, combinados como disposto no art. 219 da Carta Política atual, estabelecem que o mercado concorrencial é um processo dinâmico de competitividade visando ao desenvolvimento nacional.” Ibidem, p. 704. 207 Ibidem, p. 704.

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De fundamental importância o atendimento do público:

trabalhadores, haja vista que o trabalho é, por excelência, o principal

instrumento de inserção do homem no meio social.

Os funcionários esperam seleção de forma transparente

sem discriminação de qualquer forma (racial, religiosa, sexual ou por idade)

– respeito a diversidade -, local de trabalho seguro, políticas que preservem

vagas para deficientes físicos ou idosos, - embora, esse três primeiros sejam

obrigações legais que se não observadas afrontam a própria dignidade – além

de benefícios, estímulo à qualidade de vida, remuneração de salário ao

menos mínimo208, treinamento, atividades culturais, etc..

Sem falar em geração de postos de trabalho. Nesse

ponto, muito ainda se evidencia o desrespeito à diretriz da solidariedade.

Lembra FARAH que “Aliás, muitos administradores sustentam que é mais

econômico desempregar alguns homens e utilizar uma máquina, como

também estimulam a terceirização visando elidir os custos sociais do vínculo

empregatício.”209

Quanto à questão da remuneração mínima, o conceito

que se deveria adotar incluiria ações positivas da empresa que ultrapassam

as exigências legais, tais como plano de participação nos lucros,

oferecimento de planos de saúde, auxílio transporte, treinamento, v.g..

Adequado aqui mencionar mais uma vez, o jurista

FARAH, com respeito ao conceito de salário:

208 Muito se noticia no Brasil da existência de trabalho escravo. 209 Criticando fortemente esse desrespeito à dignidade humana, Farah cita pensamento de Miguel Unamuno, mencionando que, “quando a Inquisição mandava hereges para a fogueira reconhecia neles, embora numa concepção errada, uma personalidade, uma dignidade e um valor último, que é negado pelo homem de negócios ao seu próximo, quando o reduz à condição de instrumento dos seus próprios lucros”. A reconstrução do Direito Privado, p. 696.

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“O salário deveria expressar um valor que permitisse ao

assalariado não só o disposto no inciso IV do art. 7º, como

também constituir um pecúlio para fazer frente às

inevitáveis incertezas da vida, isto é, formar uma

poupança, até mesmo para sua própria previdência

individual.”210

Boas condições de trabalho podem gerar aumento na

produtividade, diminuição dos produtos defeituosos, no número de

acidentes, aumento da assiduidade, etc., além de atrair e manter os

melhores profissionais.

5.9.2. Os resultados.

Não basta à empresa ser somente ética nas suas ações,

em especial naquelas ações as quais não há exigibilidade, demanda-se ainda

transparência, ou seja, os resultados de tais ações devem ser demonstrados.

Observe-se que essa exigência é moral e não jurídica.

Isso porque, não se pode exigir a demonstração da performance social da

empresa quando não se pode sequer exigir a realização dessas ações, que

como visto são primariamente responsabilidade do Estado.

Entretanto, até pelo impacto com a opinião pública –

efeito primário das regras morais -, algumas empresas que produzem

projetos sociais demonstram seus resultados através de relatórios

corporativos das mais diversas formas, convencionando-se chamá-los de

“Balanço Social”.

210 Ibidem, p. 698.

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O balanço social é instrumento para demonstrar quais

as ações foram desencadeadas pela empresa em prol da comunidade e pode

contemplar tanto as ações internas como as externas.

Segundo RACHEL:

“O balanço social prende-se a demonstração de que

aquela sociedade, a par de seu objeto, no exercício da

atividade, leva em conta outros interesses além dos

imediatos de seus acionistas, os interesses da

comunidade e, por vezes, da humanidade.” 211

São pioneiros na teorização e aplicação desse

instrumento de “contabilidade social”, a “accountability” empresarial vinda

de países europeus, países como a França, através da criação do “bilan

social” em 1972, e Reino Unido com o “Corporate Report” em 1975. A França

tornou obrigatória a prestação de contas dos investimentos sociais para

empresas com mais de 300 funcionários.

Os destinatários dos resultados não são exclusivamente

os acionistas, mas todos os públicos “stakeholders”.

Os balanços sociais têm um resultado prático muito

claro e inegável, marketing institucional.

Já que a empresa produz o balanço social com o fito de

manter a lisura e a ética, espera-se que a empresa o faça de forma fidedigna,

sem mascararem ou omitirem falhas.

Sabiamente a ONG Responsabilidade Social aponta duas

falhas no modelo denominado balanço social, implantado no Brasil. A

211 A responsabilidade social das companhias, p. 41.

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primeira se refere a confusão instrumental gerada pela utilização da

terminologia “balanço” e a segunda diz respeito a “pobreza” do conteúdo.212

Na busca pela padronização das informações quanto a

ações voltadas para o bem-estar social, o modelo pioneiro de balanço social

foi o proposto para fundações americanas com base em relatórios de

auditoria de programas ambientais da ONU – Organização das Nações

Unidas. Esse modelo é de responsabilidade da Global Reporting Initiative

nominada de Sustainability Reporting Guidelines 2002, com categorias

organizadas sob três títulos – econômico, ambiental e social.

Quando o foco é atrair investimentos, a demonstração

dos resultados passa a ter enorme importância financeira – cabe então

questionar se seria suficiente o controle dos resultados por empresas de

classificação, como ISSO, ou se demandaria regulamentação dos órgãos de

controle da atividade financeira ou, ainda, a atividade legislativa.

Mas além da transparência, do marketing e das

informações que o balanço social contém, ele ainda permite “a continuação

do diálogo com a comunidade e o ajuste dos rumos”213, assim como,

“aperfeiçoa a qualidade de informação sobre as metas sociais da companhia

e, portanto, as relações com investidores e comunidade, aí incluídos

212 “A idéia de balanço foi tomada emprestada da ciência contábil e cria uma série de mal-entendidos, como o pressuposto de que existe um “ativo” e um ”passivo” social, mas também a errônea impressão que valores e produtos sócio-ambientais, de difícil definição e utilidade, são objetos de mensuração contábil segura. A confusão instrumental criada é, portanto, evidente. A segunda reserva ao modelo em voga no Brasil é de ordem de conteúdo. Ainda que o modelo brasileiro contenha avanços notáveis – como a referência à questão racial no Balanço Social – o caráter da informação é ainda excessivamente quantitativo, o que – se, por um lado, permite a comparação temporal da performance da empresa e o detalhamento de despesas sociais – por outro, peca pela falta de descrição narrativa de como estas verbas sociais forma efetuadas e quais os resultados alcançados.” Balanço Social, http://www.responsabilidadesocial.com. 213 Rachel Syzjn, A responsabilidade social das companhias, p. 41.

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organizações não governamentais e ativistas em geral, meios de comunicação

e autoridades.”214

5.10. Os benefícios da Responsabilidade Social Empresarial e o seu

abuso.

Diversos são os indicadores de que práticas sociais

aumentam o resultado financeiro da companhia, seja em razão do

aprimoramento do processo produtivo em especial com respeito a finalidade

dada aos resíduos poluentes215, seja em razão da contribuição para a boa

imagem organizacional.

MARTINELLI aponta os ganhos com a prática da cidadania

empresarial, esclarecendo que tendo por prioridade o social, alguns

programas podem ter por subprodutos dessa ação: (a) valor agregado à

imagem da empresa, capaz de influenciar comportamentos de fidelidade das

marcas – “a empresa transcendeu o interesse apenas pelo seu consumidor

para entrar em sintonia com as necessidades da própria sociedade”; (b) nova

fonte de motivação e escola de liderança para os funcionários – “estimuladas

214 Ibidem, p. 42. 215 Rachel elucida essa assertiva: “Cuidados com proteção ambiental, impostos pela legislação ou voluntários, implica incorrer custos aparentes, expressos, e implícitos, sem retorno garantido. Por que, então, optar por essas práticas? A resposta é que há indícios de que, em muitas atividades, a redução voluntária na emissão de poluentes aumenta o resultado financeiro. Além disso, cuidados na redução de poluentes alterando o processo produtivo, tendem a reduzir custos de armazenamento de lixo industrial e, se os consumidores forem conscientes, há aumento da demanda por produtos “verdes” ou ecologicamente corretos. A confirmar-se tal tendência é de supor que as empresas que mantenham tais práticas acabarão por granjear reputação que se fará representar no aumento de vendas e lucros.

(...) Em Santa Catarina, empresas que investiram em programas de conservação ambiental,

observaram economia no uso de água por produto fabricado. O sub-produto do programa ambiental pode ser comprovado em outras empresas e diferentes atividades.”

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em seu papel de cidadãs e engajadas em programas consistentes, as pessoas

apresentam um rendimento pessoal surpreendente, com reflexos favoráveis

para outros papéis, como o profissional, familiar e pessoal”; (c) consciência

coletiva interna (espírito de equipe); e, (d) mobilização de recursos

disponíveis da empresa, sem necessariamente implicar em custos

adicionais.216

Para MARTINELLI deve haver uma linha divisória entre o

comercial e o social. Recursos mobilizados para causas sociais não devem

compor os custos dos produtos, e sim devem proceder da livre determinação

do acionista.

Práticas comerciais (marketing, promoção, publicidade)

são práticas que permitem o aumento das vendas e fixam a imagem. Os

custos dessas práticas são incorporados aos preços dos produtos e serviços.

Essa distinção, reforça MARTINELLI permite avaliar a real motivação de certas

iniciativas empresariais no campo social. Não pode haver uma inversão do

objetivo, fazendo uso do social com objetivo econômico. E por fim, alerta que

“as causas sociais tendem a se transformar em um ‘atraente mercado’.” 217

Esse benefício também é reconhecido por RACHEL:

“Os empresários descobriram a estreita ligação que há

entre demonstrar responsabilidade social e resultados

financeiros, entre atender a expectativas dos empregados,

comunidade local e lealdade ao empregador e aos

produtos e serviços oferecidos no mercado. Que

maximizar o retorno dos acionistas depende, agora, de

216 Terceiro Setor – Temas polêmicos, p. 81. 217 Ibidem, p. 81.

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manter políticas que demonstrem a inserção real da

empresa na comunidade.”218

Também as entidades empresariais, tais como FIESP -

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e CNI – Confederação

Nacional da Indústria, conclamam a adoção da responsabilidade social como

ferramenta de gestão, apontando os benefícios gerados.

A FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo, através do seu Conselho Superior de Responsabilidade Social

desenvolveu uma agenda intitulada Programa Sou Legal tendo em vista a

descoberta da necessidade de mostrar ao industrial paulista como aliar a

busca pela competitividade, inserção internacional, crescimento e lucro, à

construção do bem comum, contribuindo para o desenvolvimento social,

econômico e ambientalmente sustentável. A FIESP aponta as formas como a

empresa pode “obter lucro com a Responsabilidade Social Empresarial”.

Consta da apresentação do Programa Sou Legal:

“Adotando uma estratégia de desenvolvimento,

crescimento e qualidade de vida para os seus

colaboradores e familiares, o industrial estará investindo

no ser humano, que responderá com motivação e

criatividade, resultando na melhora da qualidade de seus

produtos, diminuição dos tempos de fabricação, na

eliminação dos desperdícios e na criação de técnicas e

métodos inovadores. O retorno é rápido e garante o

aumento da produtividade e da competitividade. Porém, o

maior lucro auferido pelo exercício da Responsabilidade

Social Empresarial é a construção do patrimônio ético da

218 Rachel Stzjn, A responsabilidade social das companhias, p. 40.

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industria, que confere ao industrial credibilidade,

respeitabilidade, dentro e fora de sua comunidade. Influi

positivamente no fechamento de negócios, na obtenção de

financiamentos públicos e privados, no estabelecimento

de parcerias e granjeia influência junto ao Executivo e

Legislativo de seu município, Estado e até mesmo da

Federação, podendo ainda influenciar na adoção de

políticas públicas, nas áreas social e econômica.”219

No âmbito da CNI temos o CORES – Conselho Temático

Permanente de Responsabilidade Social, cujo papel e missão é velar pela

convergência entre o econômico e o social, como requisito básico e

imprescindível para o crescimento sustentado do país e para a construção de

uma autêntica democracia, segundo o seu presidente – Armando Monteiro

Neto.

Na concepção da CNI a responsabilidade social é de um

movimento voluntário que tem crescido espontaneamente por força do

mercado, pois o comprometimento das empresas tem se consolidado como

importante diferencial competitivo. As empresas não querem mais ser vistas

como ausentes em questões sociais e sim como instituições que têm

responsabilidade e missão social.

Conforme informa a consultora Sandra Guerra, também

os bancos melhoraram a avaliação do risco de crédito de empresas

219 Apresentação do Programa Sou Legal – FIESP. São Paulo. 2005, p. 5.

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comprometidas com o meio ambiente, projetos sociais e gestão moderna do

trabalho.220

Numa das primeiras análises sobre o tema, se constata o

reflexo das ações sociais na imagem das empresas. RACHEL aponta que a

opinião pública tem se manifestado sobre ações empresariais relacionadas

com o bem-estar das pessoas, declarações essas que “encontram eco na

população que demonstra sinais de preferência pelas designadas “marcas do

bem”221, ou seja, busca privilegiar produtos cujos fabricantes possam, de

algum modo, ser ligados a ações no plano social.”222 (pág. 38).

Além de informar à comunidade a adoção pela empresa

de uma política de administração também dedicada ao bem-estar social, por

intermédio da associação da marca ou do produto com certa ação social, o

empresário pode informar que o processo produtivo adotado não agride o

meio ambiente, não utiliza trabalho escravo, etc.

“Marketing Social é uma ferramenta democrática e

eficiente, que aplica os princípios e instrumentos de

marketing, de modo a criar e outorgar um maior valor à

proposta social. O marketing social redescobre o 220 Em busca da eficiência social. Revista Indústria Brasileira. CNI. Ano 5. nº 59. janeiro 2006. p. 21. 221 Sobre a escolha da marca pelo consumidor guiado pela causa social, ver pesquisa elaborada por Marina Costa Cruz Peixoto – Responsabilidade Social e Impacto no Comportamento do Consumidor: Estudo de caso da Indústria de Refrigerantes. Incluída a análise de qual público e em que montante estaria disposto a pagar mais por um produto por uma causa social. Também a demanda por produtos “politicamente corretos” está tratada em matéria publicada na Revista Veja de 9 de novembro de 2005, sob o título de O Salto do Comércio Justo. 222 E exemplifica: “Exemplo da idéia de marcar o produto com alguma ação voltada para a comunidade é a informação encontrada em muitas áreas verdes da cidade que são conservadas por uma certa sociedade; outra forma, eventual, é a propaganda do guaraná Antártica durante o mês de dezembro de 1998, em que prometeu doar parte do preço de venda do refrigerante a uma instituição mantenedora de crianças carentes. Outra, ainda, aquela da cadeia McDonald’s que, periodicamente, transfere o resultado de um dia de vendas para alguma instituição que cuide de necessitados ou enfermos.” Ibidem, p. 41.

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consumidor por meio do diálogo interativo, o que gera

condições para que construa o processo de reflexão,

participação e mudança social.”223

Quando há um desvirtuamento da motivação para a

prática de ações socialmente responsável, ou quando o social passa a ter o

objetivo puramente econômico, com resultados obtidos através das

ferramentas de marketing224 de retorno econômico para a imagem da

empresa, começamos a vislumbrar o abuso que deve ser coibido.

GUILHERME AFIF DOMINGOS225 reclama que:

“É preciso, porém, que não se transforme a

“responsabilidade social da empresa” num modismo, em

estratégia de marketing destituída de conteúdo ou numa

atuação destinada a projetar seus dirigentes na mídia, o

que pode comprometer a sobrevivência da empresa.”

Um dos primeiros cuidados com o uso dessa ferramenta

deve se observar quando qualifica-se de responsabilidade social o que é uma

responsabilidade legal. O que pode-se admitir que o atendimento às leis seja

uma expectativa da sociedade, incorreto é a utilização única e tão somente

desse dever legal para promover “marketing social”.

223 Atucha apud Schiavo, M.. Conceito e Evolução do Marketing Social. Revista Conjuntura Social, São Paulo, nº 1, p. 25-29, março/1999. 224 As empresas já vislumbram nesse ferramental, não só um modo de influenciar positivamente o consumidor, como também um modo de neutralizar a opinião negativa quanto a empresa. Conforme explica o Presidente do Conselho Nacional de Responsabilidade Social da CNI, “uma pessoa sensibilizada pelo trabalho da responsabilidade social de uma empresa tem a capacidade de influenciar a opinião de outros seis ou sete indivíduos. Mas a opinião negativa formada a partir de práticas nocivas de uma empresa tem a capacidade de se difundir e influenciar outras 20 pessoas.” Em busca da eficiência social. Revista Indústria Brasileira. CNI. Ano 5. nº 59. janeiro 2006, p. 21. 225 O Estado de S. Paulo. 22 de junho de 2005. Caderno Economia, B-2.

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Essa expressão “marketing social” é criticada por

ANTÔNIO CARLOS MARTINELLI, assim como a sua própria prática, entendendo

que a real motivação da prática social das empresas deve visar o bem

comum e não em interesse próprio.

O diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo

Consciente, Helio Mattar, ao detalhar pesquisa do Instituto Akatu que ouviu

os consumidores brasileiros em que se constatou como primeiro item

negativo na visão do consumidor, é a percepção de que a empresa faz

propaganda enganosa, ainda que a institucional, afirma que:

“Sem consistência ética, o consumidor perceberá que as

ações sociais são ’puro marketing’, isto é, têm apenas o

objetivo de mostrar o lado bom da empresa.” (...) “O

consumidor quer uma empresa socialmente responsável

para ‘fora’ e para ‘dentro’.” 226

A pesquisa citada tem por objeto os valores fixados pelos

parceiros da empresa, em especial os oriundos da moral.

Mas mensurar esses benefícios trazidos pelo

investimento social também não é tarefa fácil. Essa questão importante na

avaliação do móvel das empresas para a ação social, já foi analisada por

RACHEL em 1999, quando muito bem explicitou a problemática em se saber

como avaliar o “preço” (custo) dos investimentos sociais, oportunidade em

que focou a conservação ambiental e sua influência nas escolhas das

empresas.

226 “O marketing Social das empresas”. Revista Consumidor Moderno nº 87, 2005, pág. 144.

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“Claro que, das questões que se põem nesse tipo de

estratégia, voltadas não apenas para a avaliação atual

das empresas, mas também para o benefício que possa

garantir para as futuras gerações, está presa ao retorno

do investimento, portanto, a saber se o “preço” do

“investimento” é justo, pois parte dele poderá recair sobre

as futuras gerações que se visa tutelar.”227

A autora, chama a atenção ainda de que essa análise

econômica pode ser vista pelo Direito como uma imperfeição do mercado,

que ainda não abarcou um “mercado” no caso de bens ambientais, ou seja

não há valoração dos recursos ambientais que suporte o investimento

financeiro.

Em especial com questões ambientais concordamos com

a doutrinadora citada, destacando que pela ausência de valoração, o

empresário não amadureceu a problemática. Todavia, e novamente quanto

ao meio ambiente, os debates vêm se intensificando – vide as constantes

Conferências das partes signatárias de convenções internacionais sobre o

meio ambiente - e ao nosso ver ganhando novos contornos.

Outro item merece atenção quanto ao limite das ações de

marketing. Segundo ressalta a Comissão do Terceiro Setor, ações de

marketing não são investimentos sociais privados.

“investimento social privado é o repasse voluntário de

recursos privados de forma planejada, monitorada e

sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais

227 E complementa a dificuldade: “A dúvida é saber se as gerações futuras, potenciais beneficiárias das ações, avaliá-las-ão da mesma forma quanto aos esforços dispendidos, ou seja, se a alocação de recursos de hoje será igualmente avaliada como Pareto eficiente ou Kaldor-Hicks desejável futuramente.” A responsabilidade social das companhias, p. 39-40.

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de interesse público. Incluem-se neste universo as ações

sociais protagonizadas por empresas, fundações e

institutos de origem empresarial ou instituídos por

famílias ou indivíduos.”228

Ou seja, as empresas não podem ter motivador de um

investimento social, a utilização de estratégias de marketing que lhe

favoreçam, haja vista que quem deve ganhar com investimento social privado

é a comunidade e não o investidor – empresa. Reverter recursos destinados

às ações sociais para as ações de marketing implicam em investir em

interesses próprios.

“o investimento social está incluído na agenda da

responsabilidade social empresarial, ou seja, o

investimento social diz respeito à relação da organização

empresarial com o stakeholder ‘comunidade’, envolvendo

o repasse de recursos privados para fins públicos, tendo

como beneficiário principal a comunidade em suas

diversas formas (conselhos comunitários, organizações

não governamentais, associações comunitárias etc).

Ressalte-se , que o investimento social privado também

beneficia a própria organização empresarial, uma vez que

ele integra a agenda da responsabilidade social

empresarial. Já com relação às práticas envolvendo os

outros stakeholders (os acionistas, os funcionários, os

prestadores de serviços, os fornecedores, os

consumidores, o meio ambiente, o governo), a organização

empresarial utiliza recursos privados para fins privados,

sendo ela a beneficiária principal, uma vez que as

práticas de responsabilidade social objetivam contribuir

para que as empresas alcancem excelência e

228 www.oabsp.org.br.

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sustentabilidade em seus negócios através da ética no

mercado.”229

Coibir o uso inadequado da ferramenta marketing social

é preciso, devendo, quando cabível aplicar-se o Código de Defesa do

Consumidor para obstar propagandas abusivas com respeito à imagem

institucional.

Por outro lado, o fato de que a empresa adotar diversas

ações voluntárias, mas ser fabricante de produtos “desaprovados” não pode

obstá-lo de beneficiar-se com as ações socialmente responsável, sob pena de,

além de ferir o princípio da isonomia, também desestimular ações

importantes.

Algumas entidades, ditas representativas da sociedade

civil, se voltaram recentemente contra a inclusão, no Índice de

Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo

(BOVESPA), de empresas como a Souza Cruz, Ambev e Taurus, por

entenderem que as mesmas “geram problemas para a sociedade”. Assim não

atendem a critérios de bem-estar social.230

Lamentável distorção. Ora, se tais empresas ou seus

produtos geram problemas para a sociedade devem ser fechadas. Se em

funcionamento é porque produzem produtos lícitos e de acordo com a

regulamentação técnica, respeitando as normas tributárias, ou seja, estão

sujeitas ao controle estatal e cumpridora de suas obrigações legais como

229 Rodrigo Mendes Pereira. In Responsabilidade Social: Uma Atitude a ser adotada pelos indivíduos e pelas empresas. www.oabsp.org.br. 230 Conforme consta de matéria publicada na Revista do IDEC. Fevereiro de 2006. São Paulo, p. 40/41. Investimento (um pouco) mais responsável.

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qualquer outra, ainda que esses produtos desagradem à parte da

sociedade231.

Se tais produtos ainda são ofertados – não que aqui

concordemos ou não com fumo, bebida alcoólica ou armas – é porque assim

deseja a maior parte da sociedade. Fato esse comprovado pelo recente

plebiscito sobre desarmamento. Por mais que se deva buscar a concreção de

princípios fundamentais da Constituição, tais como, função social ou

solidariedade, preserva-se ainda o princípio da liberdade dos indivíduos – o

que inclui a possibilidade de escolha. Ora, nesses casos as ações

socialmente responsáveis dizem respeito a algo fora do negócio – que não

tem nada de ilícito.

O princípio constitucional da liberdade está acolhido

também pelo princípio da dignidade humana que deve ser preservado antes

mesmo dos direitos sociais.

FRANCIS DELPÉRÉE, comenta o direito de decisão

contemplado pelo conceito de dignidade humana:

“O conceito de dignidade humana repousa na base de

todos os direitos fundamentais (civis, políticos ou sociais).

Consagra assim a Constituição em favor do homem, um

direito de resistência. Cada indivíduo possui uma

capacidade de liberdade. Ele está em condições de

orientar a sua própria vida. Ele é por si só depositário e

responsável do sentido de sua existência. Certamente, na

prática, ele suporta, como qualquer um, pressões e

influências. No entanto, nenhuma autoridade tem o direito

231 Felizmente o mesmo artigo noticia que Ricardo Nogueira – superintendente de operações da Bovespa, “afirma que as empresas ‘nocivas’ podem ter atividades compensatórias, e não fala em exclusão prévia.” P. 41.

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de lhe impor, por meio de constrangimento, o sentido que

ele espera dar a sua existência. O respeito a si mesmo, ao

qual tem direito todo homem, implica que a vida que ele

leva dependa de uma decisão de sua consciência e não

uma autoridade exterior, seja ela benevolente e

paternalista.”232

Não se pode querer demonizar esse ou aquele setor em

razão da atividade produtiva lícita que exerce. Para a sustentabilidade social

é imprescindível a atividade produtiva. O que se busca é que essa atividade

produtiva possa gerar benefícios também para a coletividade.

5.11. Responsabilidade civil no comportamento positivo.

Segundo GIORGIO DEL VECCHIO é um erro “atribuir às

conseqüências jurídicas duma manifestação facultativa de vontade um caráter

igualmente facultativo.”233

Ao discutir o caráter imperativo hipotético, o autor

mencionado explica a assertiva, ilustrando:

“Na verdade, a estrutura da norma jurídica permanece

substancialmente a mesma,até nesta espécie de casos;

isto é, permanece imperativa e obrigatória , tendo embora

entre os seus pressupostos de facto uma manifestação de

vontade não obrigatória relativamente a uma norma

precedente.

232 Estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, p. 160. 233 O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 182/183.

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Êste conceito corresponde áquele já esculpido por

GRÓCIO na conhecida fórmula: “Quod initio est voluntatis,

postea fit necessitatis”. Livre é cada um, por ex., de não

contrair matrimónio; mas, contraindo-o, sabe-se que as

obrigações jurídicas que daí nascem não têm já

certamente carácter facultativo. Assim, a liberdade dos

contratos e dos testamentos (liberdade, é claro, sempre

limitada pelo direito) não exclui também uma própria

virtus obligandi dêstes actos jurídicos, isto é, não exclui

que eles gerem por sua vez obrigações de carácter

indubitàvelmente imperativo.”234

Assim o comportamento socialmente responsável até a

sua realização é facultativo, mas uma vez realizado, as conseqüências

jurídicas não têm o mesmo caráter facultativo. A relação humana passa a

ser jurídica com as conseqüências, inclusive cogentes.

Projetos sociais, ou seja, comportamentos positivos, que

só podem ser pleiteados do empresário subsidiariamente ao Estado e que

não gozam de cogência, a partir de sua execução, geram, parafraseando os

processualistas, um fumus boni iuris, na relação entre “doador” ou promotor

do projeto e “donatários” ou destinatários do projeto social.

Relação essa que passa a ser regida pelo Direito. Se, por

exemplo, o projeto social envolve o fornecimento de educação básica para a

coletividade do entorno, esse serviço educacional deverá atender aos

preceitos legais pertinentes.

Bem por isso, o ato de doar recursos para um projeto

social, gera para o empresário o ônus de acompanhar a sua utilização. 234 O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 182/183.

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Uma primeira problemática reside no fato de que alguns

projetos sociais se delongam no tempo, sendo que devem ser definidos o

alcance, a metodologia, o montante dos recursos, com base a garantir o

resultado. Caso o resultado não seja atingido, ainda que por vontade do

empresário que optou por não mais fazer uso de uma administração voltada

para o bem-estar da coletividade, entendemos que não há responsabilização

civil.

O presidente do conselho de curadores da Fundação

Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (FIDES), Peter Nadas,

denuncia, dentre outras coisas, como distorção da responsabilidade social, a

questão tratada nesse capítulo:

“A outra abordagem, que é a pior de todas, é se aproveitar

de situações de miséria dizendo que está trabalhando

para diminuir os problemas de distribuição de renda, e

cria uma imagem de mercado para fazer marketing

dizendo que a empresa é socialmente responsável e joga

pesado nisso para aumentar o lucro. Mas quando surge

algo que dê mais lucro, abandona aquela ação.”235

Tal distorção deve ser resolvida pelos mesmos

fundamentos que originam o comportamento responsável, a ética. Isso

porque nosso ordenamento jurídico não baniu os direitos de usar, gozar e

dispor livremente do bem pelo proprietário. Razão pela qual não

vislumbramos a possibilidade de compelir o empresário a não interromper a

ação social prestada, tampouco podemos falar em reparação de dano, haja

vista que não é devedor daquela prestação.

235 Revista Consumidor Moderno. Ano 10, nº 94. Editora Padrão - Julho de 2005, p. 44.

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Vejamos por exemplo, a situação do colega de trabalho

que todos os dias transporta ida e volta um amigo, graciosamente. Não há

repartição de despesas com combustível, estacionamento, manutenção do

veículo e outros. O colega que cede carona vende seu veículo passando a

dirigir-se ao trabalho de ônibus. Poderá o outro colega exigir que ele

continue a prestar a carona ou indenizá-lo?

Ou ainda, uma pessoa não tem onde morar, outra

empresta em comodato um imóvel de sua propriedade com prazo

indeterminado. Quando denuncia o contrato porque necessita locá-lo ou

para ceder a outra pessoa v.g., poderá o que recebeu a casa em comodato,

invocando a função social, negar-se a devolver o imóvel?

Obviamente a resposta é negativa. O devedor dos direitos

sociais é o Estado. O particular somente está obrigado a fazer o que a lei

determinar. Ressalve-se a hipótese em que causar dano.

Outra situação passível de responsabilização do

empresário socialmente responsável é a ocorrência de dano por ato ilícito

que vitime pessoas ou bens sob a sua responsabilidade.

Cabe agora abordarmos as características da

responsabilidade civil, atentando especialmente para o dano:

a) Ato lesivo causado por ação ou omissão.

No tocante aos pressupostos, a responsabilidade civil

pode nascer também de uma conduta humana negativa (omissão), quanto

positiva (ação), podendo derivar de ato próprio ou de ato de terceiro que esteja

sob a sua guarda ou de coisas ou animais que lhe pertençam.

b) Culpa ou dolo.

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Entretanto, deverá se verificar, ainda, se essa ação ou

omissão é culposa (culpa stricto sensu) ou dolosa.

Culpa como define ALVINO LIMA “é um erro de conduta,

moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa

avisada, em iguais circunstâncias de fato”. Dolo, por sua vez, é vontade livre

e consciente de causar um dano.

c) Nexo causal.

Esculpida no verbo “causar” inserido no artigo 186 do

Código Civil Brasileiro, a existência de relação de causalidade entre o dano e

o ato lesivo, também é pressuposto da obrigação de indenizar. Assim sendo,

mesmo existindo o dano, mas a sua causa não estando relacionada com o

comportamento omissivo ou comissivo do agente, não há que se falar em

indenização.

d) Dano.

Entende-se como dano todo e qualquer prejuízo de

conteúdo material ou moral que repercuta na ordem do direito subjetivo da

vítima, causando-lhe efetiva minoração no patrimônio ou diminuição da auto-

estima, boa fama e outros valores anímicos.

Para a existência de um dano a reparar, ou seja, dano

indenizável, é imprescindível a ocorrência dos seguintes requisitos:

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d.1) diminuição ou destruição de um bem jurídico

patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa. Isto é, para que o dano

seja possível de reparação civil, deverá acarretar lesões em interesses de

outrem, tutelados juridicamente, sejam eles econômicos ou não;

A interrupção de um projeto social não causa

diminuição, nem destruição de um bem jurídico, nem frustra expectativa de

direito, por somente se aduziria direito contra o Estado.

d.2) Efetividade ou certeza do dano, pois a lesão não

poderá ser hipotética. O dano deverá ser real e efetivo, sendo necessária sua

demonstração e evidência em face dos acontecimentos e sua repercussão

sobre a pessoa, ou patrimônio desta, salvo nos casos de dano presumido;

d.3) Nexo de causalidade, uma vez que deverá haver

uma relação entre a falta e o prejuízo causado. Nesse ponto vale ressaltar

que em relação ao fato gerador, o dano poderá ser direto ou indireto, sendo

que ambos são indenizáveis;

d.4) Subsistência do dano no momento da reclamação do

lesado;

d.5) Legitimidade, pois a vítima, para que possa pleitear

a reparação, precisará ser titular do direito atingido; e, por fim

d.6) Ausência de causas excludentes de

responsabilidade.

e) Pessoas obrigadas a reparar o dano.

O responsável pela reparação do dano é todo aquele que,

por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, haja causado

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prejuízo a outrem (responsabilidade subjetiva) ou aquele que, mesmo sem

culpa, em razão da atividade de risco que exerce, causar dano a terceiro

(responsabilidade objetiva).

Essa obrigação pode ser responsabilidade

extracontratual solidária (art. 942 Código Civil, mais de um autor do dano).

Um exemplo dessa responsabilidade solidária pode ser vislumbrado na

situação em que uma empresa executa a manutenção de uma praça pública.

Uma árvore cai sobre um carro. Verificados dano e nexo causal, poderá a

empresa ser demandada a reparar o dano.

f) Pessoas que podem exigir a reparação.

Quanto às pessoas que podem exigir a reparação, só

poderão reclamá-la aqueles que sofreram a lesão, sendo que esta vítima

poderá ser direta ou indireta. O lesado direto é o titular do bem jurídico

imediatamente danificado, enquanto que o lesado indireto é aquele que sofre

lesão em seu interesse porque um bem jurídico alheio foi danificado.

g) Novo parêntese para abordar dano coletivo e Direito

social.

Entende LUIZ ANTONIO NUNES que

“Tanto o dano patrimonial quanto o

moral são passíveis de reparação, a diferença está em

que no dano individual a reparabilidade faz-se

evidentemente de molde a satisfazer o indivíduo, e no

dano difuso ou coletivo a indenização deverá satisfazer ou

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recompor o bem indivisível que satisfaz a um número

indeterminado de pessoas ou titulares.” (g.n.)236

Teríamos um bem indivisível, por exemplo, no caso de

danos ambientais, independentemente da empresa ter ou não um

comportamento socialmente responsável.

O mesmo autor, enfrenta a questão do Direito Difuso e

Coletivo e o Direito Social (não é dano gerado pelo exercício do dever social –

comportamento positivo), entendendo que este último implica no “dever de

respeitar indistintamente aqueles bens que a todos satisfaz ao mesmo

tempo.”237 Ou seja não se trata de um direito de titularidade sobre um bem,

mas sim de um dever com relação a um bem, o que dificulta a conclusão

sobre que espécie de direito difuso ou coletivo, se enquadra o direito social.

Na hipótese de dano gerado por comportamento positivo

esse não será difuso – titularidade indeterminável e indivisibilidade do bem

da vida. Serão direitos individuais com determinação dos lesados. A queda

do telhado de uma escola mantida por uma empresa, v.g..

236 Atualidades Jurídicas, Maria Helena Diniz (coord.), p. 223. 237 Idem, p. 225.

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CONCLUSÃO

Demanda-se que o Direito também se ocupe da

responsabilidade social empresarial, porquanto ainda que àquela

transcenda essa merece a adequada aplicação nas relações com todos os

atores da sociedade, desde fornecedores até consumidores, passando pela

força de trabalho até as Ongs.

Mais ainda, porquanto nossa disciplina Constitucional

alçou os direitos sociais como padrões mínimos para a construção de uma

sociedade justa, livre e solidária.

A Constituição inseriu princípios que devem balizar

Estado e cidadão nesse sentido, entretanto, como apontamos, faltam a tais

princípios, ao menos na forma de dever positivo, poder de coerção com

relação ao particular.

Aproveitamos para sugerir nesse trabalho a substituição

do termo responsabilidade por solidariedade, haja vista que o último traduz

melhor o conteúdo do instituto e não se confunde com a “responsabilidade”

no sentido de imputabilidade.

Destacamos o caráter complementar da ação social do

empresário com relação ao Estado, e a compatibilização do atendimento aos

interesses da coletividade com o objetivo principal da empresa que é a

obtenção de lucro.

Cotizamos a obrigação legal com a responsabilidade

social, ainda que o cumprimento daquela componha esta, haja vista que

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dentre as expectativas da sociedade, insere-se o anseio de que a empresa

cumpra a legislação.

Na seqüência importante entendemos apontar os

benefícios obtidos com um comportamento socialmente responsável e a sua

adequada utilização.

Também problemática fundamental enfrentada diz

respeito a impossibilidade da lei determinar o conteúdo ou obrigatoriedade

do comportamento socialmente responsável, face o caráter indicativo do

planejamento pelo Estado para com o setor privado, exceto com respeito às

normas de indução. Nesse item, apontamos as várias opções encontradas

pela sociedade e pelo mercado, consubstanciadas na normalização.

Por fim, analisou-se as situações de possível

responsabilização civil do empresário socialmente responsável por dano

causado pela atividade social.

Responsabilidade social empresarial deve representar

uma conduta natural ética que envolve vários públicos, representada por

uma gestão que busque compatibilizar o objetivo de lucro com investimento

social, ou seja, voltada para o bem-estar social da coletividade e visando a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Tal comportamento agrega valor ativo à imagem da

empresa refletindo no mercado investidor e no mercado de consumo. E essa

valoração há de ser devidamente reconhecida a fim de cada vez mais

estimular-se o comportamento socialmente responsável.

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