A Sabedoria de Perdoar e Perdoar-se

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  • 8/11/2019 A Sabedoria de Perdoar e Perdoar-se

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    A SABEDORIA DE PERDOARE PERDOAR-SE

    Emma Martnez Ocaa

    Traduo: Jlia Moreira dos Santos

    Caderno 11

    23 e 24 Junho 2007

    www.fundacao-betania.org

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    PRIMEIRA PARTE 2

    1. A importncia do perdo nas nossas vidas 2

    2. Falsas concepes de perdo 53. Em que consiste o acto de perdoar 74. A quem se dirige o perdo 95. A dor das ofensas 9

    SEGUNDA PARTE

    A sabedoria do perdo um longo processo 10

    1. Decidir no se vingar e acabar com gestos ofensivos 10

    2. Reconhecer a ferida e as debilidades 113. Partilhar a mgoa com algum 134. Identificar a perda para a poder sublimar 145. Aceitar a clera e o desejo de vingana 156. Perdoar-se a si mesm@ 167. Compreender o ofensor 188. Encontrar um sentido para a ofensa 199. Saber-se digno de perdo e absolvid@ 2110. No teimar em perdoar 2211.Abrir-se graa de perdoar 22

    12. Decidir entre acabar com a relao ou recri-la 24TERCEIRA PARTE 26

    A sabedoria de crer no perdo

    1. O perdo nas diversas religies 262. O perdo que Jesus de Nazar oferece em nome de Deus 33

    Duas mulheres perdoadas e regeneradas: 34 A mulher do perfume (Lc 7, 36-50) A mulher acusada de adultrio (Jo 8, 1-11)

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    A SABEDORIA DE PERDOAR E PERDOAR-SE

    INTRODUO

    Ao preparar o curso sobre o perdo, um tema to vasto, tornou-se necessrio, medida que os diferentes aspectos iam sendo aprofundados, clarificar melhor aperspectiva que segui neste curso.

    Alguns dos pontos de reflexo sobre o perdo podem ser esquematizados daseguinte forma:

    1. Saber perdoar. O processo de perdoar.2. Saber perdoar-se. O caminho do auto-perdo e as suas dificuldades.3. Saber acolher o perdo.4. Saber pedir perdo sem se humilhar.

    Neste encontro, tratarei mais profundamente do ponto 1 e abordarei ainda oponto 2, que ser abordado com mais profundidade em cursos posteriores.Da bibliografia lida para este encontro detive-me sobretudo no esplndido livro de

    MONBOURQUETTE, J. Como Perdonar. Perdonar para sanar. Sanar para perdonar,Sal Terrae, 1995.

    fundamentalmente este o livro que sigo ao longo deste curso.

    PRIMEIRA PARTE: O PERDO

    1.A IMPORTNCIA DO PERDO NAS NOSSAS VIDAS

    Como falmos no ltimo encontro, h um ano atrs, necessrio que nosreconciliemos com a nossa prpria histria e, tal como a dor um ingredientepresente na nossa vida, tambm todos, de alguma forma, sofremos em criana.Quando sofremos inevitvel que nos interroguemos: porqu, porqu eu? o que que eu fiz para merecer isto? E procuramos desesperadamente uma explicaolgica para o sofrimento.

    Por vezes existe a tentao de julgarmos que o facto de sofrermos em adultostem a ver com o facto de termos sofrido na infncia. Assim atribumos dor quesentimos em criana a dor que sentimos no presente.

    Quando sofremos em criana uma dor profunda e no encontramos consolo, issoprovoca em ns raiva, confuso e vergonha. Essa experincia leva a pessoa aidentificar-se de tal maneira com o sofrimento, que se gera uma fascinaoobsessiva pela dor infligida injustamente e pela busca compulsiva das suas causas:porqu?

    Nesta situao a pessoa corre o risco de viver numa busca interminvel do queperdeu quando era criana.

    No processo de cura importante sentir. No entanto, na maioria das vezespreferimos explicar a dor, racionalizar, em vez de a sentir.

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    O caminho passa por aceitar os sentimentos de raiva, medo e dor. Sentir a dordessa criana ferida e aprender com isso. Aceitar que a carncia sempre existir,sentir o abandono emocional em que se viveu e saber que isso j no se podemodificar.

    No se trata de encontrar culpadosmas to s de trabalhar para superar a dor.

    Reconhecer que verdade que nos magoaram, encarar de frente essa dor esenti-la, alivia e, pouco a pouco, pacifica-nos. Desta forma possvel no fugir dador que nos habita.

    Aprender a sentir a prpria dor, olh-la de frente e sem medo torna-nos maissensveis dor dos outros.

    No se trata de se resignar perante uma derrota mas de uma aceitao da dorprofunda e cheia de amor, entretanto convertida em companheira de caminho oumesmo num mestre de vida, por mais dolorosa ou injusta que essa dor possa tersido.

    A dorpode abrir-nos a porta ao perdo1

    Perdoar a quem nos magoou difcil, exige vontade, fora e tempo. H aindauma outra dificuldade associada ao perdo, pois perdoar implica renunciar nossaimagem de maltratados, de destroados, de vtimas.

    O perdo no s para os outros. No se trata somente de os libertar. Operdo, sobretudo a ns prprios, permite libertarmo-nos do ciclo interminvel dador, da raiva e de recriminaes que nos mantm prisioneiros do sofrimento2.

    Cada um deve ser capaz de perceber em si mesmo do que precisa para poderperdoar e de quando se sente preparado para o fazer. Este processo no deve ser

    forado nem precipitado, preciso dar tempo, respeitar as emoes de raiva,ressentimento, tristeza,... esperar que o corao esteja preparado para perdoar.O que perdoamos no o acto, a violncia, a negligncia,... mas sim as pessoas

    que no foram capazes de fazer melhor. Perdoamos as suas limitaes, os seuserros, o seu descontrolo, o seu abandono,...

    Enquanto no perdoarmos, permaneceremos como que amarrados ao outro e aosofrimento que ele nos provocou e isso aumentar em ns a dor que sentimos.Quando perdoamos, libertamo-nos do peso dessa amarra e deixamos o outro sercomo realmente .

    O perdo torna-nos livres para que cada um possa fazer o seu caminho e seguiro seu destino3. O perdo liberta-nos, cura as nossas feridas e permite-nos crescer.

    O dio jamais acabar com o dio;s se cura com o amor.Esta uma lei antiga e sagrada.4

    1MULLER, W. Vivir Con El Corazn. Las ventajas espirituales de haber conocido el sufrimiento en lainfancia,Urano, 1997, 19-38.2Traduo livre do tradutor: El perdn no es slo para ellos. No se trata slo de liberarlos a ellos. Elperdn, sobre todo de nosotros mismos, nos permite liberarnos del ciclo interminable de dolor, rabia yrecriminaciones que nos mantienen prisioneros del sufrimiento.3 Traduo livre do tradutor: Mediante el perdn todos quedamos libres para andar cada uno sucamino y seguir cada uno su destino.

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    (verso retirado de Dhamapadao livro sagrado budista)

    difcil perdoar e necessrio muita fora e capacidade de amar para conseguirperdoar. No se pode forar o perdo.

    Contudo, o perdo imprescindvel nas nossas vidas se queremos viver em paz,todos estamos feridos de uma maneira ou de outra, seja por frustraes, decepes,desgostos de amor, traies...

    Quando nos magoam e no conseguimos perdoar, ficamos dominados pelosseguintes sentimentos:

    a) perpetuar em ns e nos outros o mal que nos fizeramb) viver com um ressentimento permanentec) permanecer preso ao passadod) vontade de vingana

    a)perpetuar em ns e nos outros o mal que nos fizeramQuando nos magoam, qualquer que seja o aspecto em que nos sentimosafectados, h um movimento interior no sentido de imitarmos quem nos ofendeucomo se um vrus nos tivesse contaminado. H uma tendncia para reagirmos malno s com o agressor mas tambm connosco prprios e com os outros. omecanismo defensivo de imitao do agressor, como que por instinto desobrevivncia a vtima identifica-se com o seu agressor. Como se tivessempermanecido no inconsciente essas tendncias destrutivas.

    b) viver com um ressentimento permanente

    O ressentimento no um sentimento de raiva saudvel que se manifestequando algum nos magoa, o ressentimento instala-se de forma permanente edeixa-nos sempre alerta contra qualquer ataque real ou imaginrio. O ressentimentotraduz sempre a existncia de uma ferida mal curada e, muitas vezes, leva a doenaspsicossomticas. Muitas vezes o ressentimento provoca stress, chegando a afectar osistema imunitrio que, estando em permanente alerta, pode no reconhecerelementos patolgicos e, deste modo, permitir a deteriorao de rgos sos. Hestudos que mostram existir uma relao entre viver com ressentimentos e osurgimento de doenas imunodeficientes como a esclerose ou o cancro.

    c)permanecer preso ao passadoA pessoa que no sabe perdoar, dificilmente consegue viver o momento

    presente.Agarra-se obstinadamenteao passado condenando assim o seu presentee bloqueando o seu futuro. A sua vida est presa ao passado.

    d) vontade de vinganaEsta uma das respostas mais instintivas e espontneas na tentativa de

    compensar o prprio sofrimento, infligindo-o ao agressor. A imagem do agressorhumilhado e em sofrimento proporciona ao vingador um gozo narcisista, constituindoum blsamo temporrio para a dor, mas no o liberta do sofrimento e, esse alvio

    4Traduo livre do tradutor: El odios jams se acaba con el odio; slo lo sana el amor. Esta es unaley antigua y sagrada.

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    efmero, a longo prazo transforma-se numa priso. O instinto de vingana cegaquem se deixa envolver por ele e, muitas vezes, agressor e ofendido entram numcirculo de violncia sem fim. A famosa lei de olho por olho e dente por dente lei deTalio no resolve nada, antes pelo contrrio, aumenta a violncia. Na dinmica davingana, a pessoa levada por um impulso que depois se torna incontrolvel. A

    obsesso pela vingana insere-se nessa espiral de violncia e em vez de ajudar acurar a ferida, agrava-a. Decidir no se vingar , assim, o primeiro passo para poderperdoar. S o perdo rompe a espiral de violncia e o desejo de vingana e podeconduzir a uma renovao das relaes humanas.

    2. FALSAS CONCEPES DE PERDO5

    2.1Perdoar no esquecerPor certo, j ouvimos algum dizer: no posso perdoar porque no posso

    esquecer ou esquece tudo e passa frente.Esta uma confuso muito frequente. Se perdoar esquecer ento, perdoamoso qu? O processo de perdoar exige uma boa memria e uma conscincia clara daofensa, o perdo ajuda a memria a curar-se mas no a esquecer, com o perdo aferida perde o seu poder destrutivo.

    O acontecimento doloroso vai perdendo a sua fora negativa e vai-se tornandomenos obsessivo, a ferida vai cicatrizando at que a recordao da ofensa deixa deser dolorosa. Ento a memria est curada.

    Quem afirma perdoo mas no esqueo demonstra uma boa sade mental,porque o perdo no exige amnsia. Mas, se com essa frase estiver a exprimir a sua

    deciso de no voltar a confiar, isso mostra que o processo do perdo ainda no estconcludo.

    2.2

    Perdoar no significa negarQuando se sofre um duro golpe, uma das reaces mais frequentes resistir ao

    sofrimento evitando a dor e as emoes. Este mecanismo defensivo converte-se,com frequncia, na negao da ofensa e da dor. Se este mecanismo persistir, areaco pode mesmo tornar-se patolgica: provocar um nvel de stress mais intensoou uma frieza glida que no permite saber o que se passa. Com frequncia no seexperimenta sequer o desejo de curar a ferida e, menos ainda, de perdoar.

    Para poder curar-se preciso reconhecer a ferida e sentir a sua dor para depoisperdoar.

    2.3Perdoar requer mais do que vontadePerdoar no uma frmula mgica capaz de resolver conflitos sem ter em conta

    os sentimentos. Este equvoco pode ter origem na educao que recebemos emcriana quando nos pediam que perdossemos como se se tratasse apenas de umacto de vontade e sem respeitar as nossas emoes, como se o perdo fosse apenasum acto de vontade e no o resultado de um longo processo que supe pedagogia esabedoria. O processo lento e depende: da ferida provocada, das reaces do

    5MONBOURQUETTE, J. Como Perdonar. Perdonar para sanar. Sanar para perdonar, Sal Terrae, 1995.,Desenmascarar las falsas concepciones del perdn, 28-39.

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    ofensor, dos recursos do ofendido. Para que o processo seja autntico devem sermobilizadas todas as faculdades: sensibilidade, corao, inteligncia, vontade e f.

    2.4Perdoar no pode ser uma obrigaoO perdo ou livre ou no perdo. Mas h quem sinta a tentao de obrigara

    perdoar livremente. muito prejudicial esta pregao obrigao de perdoar. Operdo mais do que uma obrigao moral pois carece do seu carcter gratuito elivre. Inclusivamente, no nos damos conta da interpretao errada que fazemosquando rezamos o Pai-Nosso: Perdoa as nossas ofensas assim como ns perdoamosa quem nos tem ofendido, como se o perdo de Deus estivesse sujeito aos nossospobres indultos humanos. Esta orao deve ser entendida como S. Paulo ensina:Como o Senhor vos perdoou, assim tambm fazei vs (Col 3, 13). Trata-se de umaexortao ao exerccio da misericrdia, estando conscientes de que, tambm ns jfomos perdoados e, porque fomos perdoados, podemos perdoar.

    2.5Perdoar no significa sentir-se como antes da ofensa um equvoco muito comum crer que perdoar restaurar a relao tal comoestava. Perdoar no sinnimo de reconciliao no sentido em que no retoma arelao no ponto em que estava. Por vezes isso pode acontecer mas outras vezesno e isso no significa que no se tenha perdoado.

    A este respeito, o autor coloca a seguinte questo: poderemos recuperar os ovosdepois de feita uma omeleta? Na verdade no se pode voltar ao passado, noentanto, o conflito pode servir para se fazer uma avaliao da qualidade da relaoque pode vir a ser recriada sobre novas bases, mais slidas.

    2.6

    Perdoar no exige renunciar aos nossos direitosPerdoar no significa que no se condene o agressor, perdoar no renunciar justia. O perdo um acto de benevolncia gratuita e no significa renunciar aosdireitos e aplicao da justia.

    O perdo que no procura a justia, longe de ser um sinal de fora e nobreza,traduz sobretudo debilidade e falsa tolerncia e incita indirectamente perpetuaodo delito.

    2.7Perdoar no significa desculpar o ofensorPerdoar no retirar ao outro a sua responsabilidade moral. Isso pode

    inclusivamente ser uma forma camuflada de minorar a prpria dor, di menos noconsiderar o outro responsvel do que saber que o outro nos magoouconscientemente.

    Inclusivamente compreender as razes do outro no significa desculp-lo.

    2.8Perdoar no uma demonstrao de superioridade moralAlguns tipos de perdo humilham mais do que libertam pois o perdo pode ser

    um gesto subtil de superioridade moral, de arrogncia. Perdoo para impressionar. Overdadeiro perdo do corao tem lugar na humildade e abre caminho reconciliao. O falso perdo permite manter uma relao de dominador-dominado, um gesto de poder sobre o outro e no um gesto de fora interior.

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    2.9Perdoar no consiste em transferir a responsabilidade para DeusO perdo a Deus pertence6 uma mxima que transfere para Deus a

    responsabilidade do perdo, como se se tratasse de uma atitude com a qual ns,seres humanos, nada tivssemos a ver. O perdo um acto totalmente humano parao qual Deus no nos substitui, Deus no faz esse trabalho por ns. Outro aspecto

    completamente diferente o facto de que, ainda que ns no saibamos ou sejamoscapazes de perdoar, tenhamos a certeza de que Ele perdoa sempre, mas isso noobsta a que tenhamos de fazer o esforo de curar o nosso corao com o perdo.

    Se empreender pela via do perdo verdadeiro exige muito valia, evitar ceder aos

    falsos indultos no esforo menor7.

    Os grandes paradoxos do perdoFcil mas muitas vezes inacessvel.Disponvel, mas frequentemente esquecido.

    Libertador para o outro, mas ainda mais para ns prprios.To falado e to mal compreendido.To humano e, contudo, to fantasiado.Vital mas to temido.Concedido para a paz da alma e, no entanto, to ameaador.Misterioso mas to banal.To divino e to humano8.

    3.

    EM QUE CONSISTE O ACTO DE PERDOAR

    9

    O perdo um processo que envolve a pessoa no seu todo, implica um antes,

    um durante e um depois.Requer um conjunto de condies, todas elas necessrias: tempo, pacincia

    consigo mesm@, moderao no desejo de eficcia e perseverana na deciso dechegar ao termo do processo.

    Os aspectos principais do perdo:

    3.1O perdo comea com a deciso de no se vingarEsta no uma atitude voluntariosa, mas sim uma deciso que vem da vontade

    de se curar e crescer.

    6Traduo livre do tradutor: El perdn slo corresponde a Dios.7MONBOURQUETTE, J., o.c. 39Traduo livre do tradutor: Si bien emprender la va del perdn verdadero exige mucho valor, evitarceder a los espejismos de los falsos perdones no requiere menos.8 Traduo livre do tradutor: Las grandes paradojas del perdn; Fcil, pero a menudoinaccesible; Disponible, pero con frecuencia olvidado; Liberador para el otro y an ms para unomismo; En todos los labios y, sin embargo, mal comprendido. Congnito al corazn humano y, noobstante, ilusorio. Vital para los humanos, pero a menudo temido. Otorgado al alma y, sin embargo,

    amenazador. Misterioso y, no obstante, cotidiano. Tan divino y, sin embargo, tan humano.9Ibidem.El perdn, una aventura humana y espiritual, 41-49.

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    Os homens no podem viver juntos se no se perdoam uns aos outros, vivendo

    verdadeiramente a sua condio humana.10(Franois Varillon)

    Neste captulo o autor reflecte sobre o perdo apresentando-o comoindispensvel nas relaes sociais, pois destina-se a todas as pessoas: a si prprio,aos membros da famlia, aos mais chegados, aos amigos, a colegas, a estranhos, sinstituies, a inimigos e, inclusivamente, a Deus.

    O perdo aos familiares o mais importante j que as relaes muito prximaspodem, frequentemente, gerar conflitos.

    O perdo fundamental para todos ns o perdo que concedemos a nsprprios.

    Perdoar o outro sem que antes nos tenhamos perdoado a ns prprios,compassivamente e com esperana, e aceite a nossa pobreza e debilidade, um

    perdo superficial. Por vezes precisamos de nos perdoar por nos termos colocadonuma situao em que permitimos que nos ferissem. Outras vezes porque nosoubemos o que fazer ou o que dizer. Ou porque nos envolvemos irreflectidamente.Por termos permitido que nos humilhassem com palavras insultuosas. Porque nosexpusemos demasiado

    5.A DOR DAS OFENSAS11

    Perdoamos tanto quanto soubermos amar.12(Honor Balzac)

    importante no banalizar o processo do perdo. H que distinguir entre ascircunstncias que requerem perdo daquelas que nada tm a ver com essa prticaespiritual.

    S podemos perdoar as ofensas injustificadas.As ofensas no podem medir-se objectivamente mas atravs da observao do

    dano que nos provocou, por isso, imprescindvel ter em conta quem nos ofendeu.

    5.1As ofensas cometidas por pessoas amadasO perdo reveste-se de formas diferentes consoante se trata de pessoas

    prximas ou de estranhos. Quem pode magoar-nos mais do que as pessoas quemais amamos? Com elas temos vnculos afectivos, so parte de ns, por issoesperamos muito mais delas. A gravidade da ferida mede-se no s pela ofensa emsi mesma como tambm pelas expectativas que temos sobre as pessoas que nosferiram e pelo vnculo afectivo criado.

    5.2As ofensas cometidas por estranhos

    10Traduo livre do tradutor: Los hombres no pueden vivir juntos si no se perdonan unos a otros,el no ser ms que lo que son.11Ibidem Cmo evaluar las ofensas?, 50-56.12

    Traduo livre do tradutor: Perdonamos en la medida en que amamos.

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    As ofensas cometidas por estranhos medem-se mais objectivamente pelo prejuzoque nos causou. A gravidade da ferida aumenta se temos recordaes da infnciamal curadas. A ferida reabre.

    Por sua vez a ferida torna-se mais traumtica se no conseguimos encontrar ummotivo para o mal sofrido.

    5.3As ofensas perdidas no passadoAs feridas do passado que julgvamos superadas ou enterradas podem despertar

    de repente fruto das feridas do presente, aumentando o pnico e a dor. Percebe-seento porque a ofensa nos magoou atravs do olhar assustado e exagerado dacriana que vive em ns.

    SEGUNDA PARTE: A SABEDORIA DO PERDO - UM LONGO PROCESSO

    Monbourquette reala o facto de ser rara a literatura em psicologia que trata opoder teraputico do perdo. Questiona-se sobre a razo desta omisso e concluique, com frequncia, h a tendncia de reduzir o perdo a uma atitude religiosa.

    O autor explica que dividiu o processo de perdoar em 12 etapas de forma aapresentar uma pedagogia do perdo que esteja ao alcance do maior nmero depessoas possvel.

    1. Decidir no se vingar e fazer com que cessem os gestos ofensivos2. Reconhecer a ferida e as debilidades3. Partilhar a mgoa com algum

    4. Identificar a perda para a poder sublimar5.Aceitar a clera e o desejo de vingana6. Perdoar-se a si mesm@7. Compreender o ofensor8. Encontrar um sentido para a ofensa9. Saber-se digno de perdo e [email protected] teimar em perdoar11.Abrir-se graa de perdoar12.Decidir entre acabar com a relao ou recri-la

    1. NO SE VINGAR E ACABAR COM GESTOS OFENSIVOS

    A violncia no termina se respondida com violncia, apenas com a no-violncia.13

    (Principio universal budista)

    O dinamismo do perdo no se desencadeia enquanto a pessoa ofendida notomar duas decises: renunciar vingana e aos gestos ofensivos.

    13Traduo livre do tradutor: La violencia no ha cesado nunca por la violencia, sino tan slo por lano-violencia.

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    O fenmeno dos mecanismos de defesaA mente humana est muito bem preparada para se defender de um sofrimento

    demasiado grande. Os mecanismos de defesa fsicos e psquicos so de enorme valorpara a pessoa humana. Em muitos casos o que permite a muitas pessoassobreviver e prosseguir as suas actividades sem se desmoronarem.

    Mas estes mecanismos so inteis e prejudiciais se mantm a pessoa protegidamesmo depois de passado o perigo.

    Resistncias cognitivasO mecanismo de defesa mais frequente o da negao. Consiste em negar a

    ofensa e minimizar o seu impacto.Essas resistncias revestem-se de diversas formas. Esquecer, arranjar desculpas

    para retirar responsabilidade ao agressor, oferecer um perdo fcil, rpido esuperficial.

    Por vezes estas resistncias cognitivas levam ao esquecimento total do

    acontecimento.

    Resistncias emotivasInvestigaes frequentes sobre as dependncias criadas pelo lcool e pelas

    drogas tm revelado que a vergonhamal vivida representa um papel determinantena negao emocional.

    A vergonha a sensao de que o eu profundoficou a descoberto e totalmenteexposto. A vergonha a sensao de se ser impotente, inadequado, incompetentede no se ser ningum e isso leva ao medo de se ser rejeitado. Sente-se vergonhapor parecer que as debilidades esto vista de todos e ento julga-se

    permanentemente ameaado pelo ridculo e pela rejeio.A ofensa provoca um sentimento de humilhao e de vergonha e este sentimento mais profundo quando a ofensa vem de algum querido ou estimado e de quem sedepende. A decepo maior quando a ofensa causada por algum de quem seesperava afecto e estima.

    O principal desafio que se coloca nesta fase emocional do perdo precisamentereconhecer o profundo sentimento de vergonha que se segue ofensa, para oconseguir aceitar, relativizar, digerir e integrar.

    Ento a pessoa reconhece em si prpria, com clareza, a limitao e a debilidadeprprias dos seres humanos.

    A vergonha no se deixa perceber com facilidade, esconde-se por detrs devrias mscaras: a clera, o desejo de poder, o farisasmo moral, o complexo deeterna vtima, o perfeccionismo.

    Tambm a clera e o desejo de vingana servem frequentemente para ocultar avergonha. Em vez de reconhecermos que fomos humilhados e agredidos reagimosquerendo humilhar o agressor.

    s vezes a raiva no assumida volta-se contra o prprio sob a aparncia de culpa,depresso, ansiedade, castigo. As pessoas preferem sentir-se culpadas do que comvergonha e impotentes. Tambm pode acontecer que a pessoa ofendida, incapaz deaceitar a sua humilhao, utiliza o perdo para humilhar o outro, e com custosmenores para si.

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    Por tudo isto, antes de se poder perdoar necessrio arrumar o mundoemocional.

    3. PARTILHAR A MGOA COM ALGUM16

    Se me escutam, se simplesmente me escutam,tudo me pertence ecertamente, no estou s17(Maurice Ballet)

    Vantagens de partilhar a mgoaPerante uma afronta, uma traio ou agresso, a opo mais saudvel procurar

    algum para partilhar o sofrimento. Algum que saiba escutar sem julgar, semmoralizar, sem aborrecer com conselhos, que no tente sequer aliviar a dor.

    Um dos aspectos mais dolorosos da mgoa a sensao de que se a nica

    pessoa no mundo que suporta esse fardo e de que se est s. Quando partilhamoscom algum, no apenas ficamos menos ss como dividimos o peso da ofensa comalgum.

    Verbalizar a dor ajuda a reviver com mais calma o acontecimento doloroso eajuda a libertar as emoes, reviver perante algum que nos oferece confiana, amgoa que nos deixou o acontecimento que nos perturbou, ajuda a perceber oacontecimento de forma menos ameaadora e mais suportvel.

    Contar o acontecimento a algum que nos sirva de espelho ou de caixa deressonncia ajuda a v-lo com mais objectividade. Se depois nos sentimos acolhidosincondicionalmente, isso ter um efeito positivo em ns que permitir sermos mais

    compreensivos connosco prprios.Partilhar a ofensa com o ofensor?

    Pode ser uma ajuda nas seguintes condies: se o ofensor reconhecer a sua falta,expressar o seu pesar e decidir no voltar a repeti-la.

    Se estas condies esto presentes, ento precisamos de estar bem preparados: Falar de ns. Dizer o que significou para ns essa experincia com muita

    sinceridade mas sem fazer juzos de intenes nem agredir. Escutar a verso do outro. Procurar encontrar a razo de fundo da ofensa.Se no se puder partilhar directamente a ofensa com o ofensor, ajuda escrever-

    lhe uma carta que no ser enviada mas que pode levar a prpria pessoa a soltar assuas emoes e permitir que, no futuro, se perdoe. Tambm pode utilizar-se atcnica da cadeira vazia.

    4.

    IDENTIFICAR A PERDA PARA A PODER SUBLIMAR

    16Ibidem, 8-93.17Traduo livre do tradutor: Si soy escuchado, simplemente escuchado, todo el espacio es mo, ysin embargo, hay alguien.

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    Nesta fase do caminho o objectivo fazer um inventrio, o mais exaustivopossvel, das perdas causadas pela ofensa sofrida.

    Isto ajudar a sublimar essas perdas pois, se no se sabe o que realmente seperdeu no se pode perdoar convenientemente.

    Identificar a perda importante identificar muito bem os danos provocados pela ofensa e o que isso

    significa para ns. Devemos perguntar-nos que parte de ns foi afectada, o que perdemos, que

    valores foram atacados ou ameaados, que expectativas ou sonhos perdemos. Nomear com clareza os aspectos que podem ter sido prejudicados: a auto

    estima, a reputao, a confiana em ns prprios, a confiana nos outros, oapego aos familiares, os ideais, o sonho de felicidade, os bens materiais, asade, a imagem, as expectativas, a admirao pelos que amamos, ahonestidade

    Depois de termos posto a descoberto e identificado as nossas perdas, preciso tomar conscincia de que no fomos afectados em todo o nosso ser,mas apenas numa parte de ns. Pode ajudar repetir: eu no fui afectada emtodo o meu ser, mas apenas em (nomear o que foi afectado). A essncia donosso ser continua s e ntegra.

    Repetir que temosuma ferida, no estamosferidos. No primeiro caso estamosa colocar uma distncia entre a ferida e ns, enquanto que, se dizemos queestamos feridos h uma identificao total com a mgoa e ficamos semcapacidade de reaco.

    Neste processo importante distinguir a ferida em si mesma da interpretao

    que fazemos dela.Isto supe alguma lucidez para que nos demos conta de quando uma ofensareabre uma ferida da infncia ou quando uma ofensa nos leva a desempenhar opapel de vitimas, auto flagelao ou culpabilizao.

    Reconhecer e curar as feridas do passadoAs feridas mais difceis de reconhecer so as que remontam infncia pois nem

    sempre nos lembramos delas. s vezes a nica marca que fica so as tenses ecomportamentos defensivos.

    O autor prope um exerccio de regresso ao passado para identificar a feridainicial, revivendo a cena com o maior pormenor possvel, deixar que a criana seexprima plenamente e a seguir deixar o adulto que hoje somos falar com essacriana procurando compreend-la, tranquiliz-la, abra-la.

    Deixar de se culpabilizar frequente que a reaco do ofendido seja auto-culpabilizar-se e vitimizar-se, e

    assim o autor prope que se aprenda a distinguir o que da responsabilidade doofensor da parte que nos cabe a ns.

    Se reconhecemos a nossa parte de responsabilidade, devemos tambm conceder-nos o direito de nos equivocarmos e de errarmos e que, raramente, um erro irreparvel. Por fim demo-nos conta de que se pode sempre aprender com os erros e

    assim enriquecer a nossa prpria vida.

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    5.ACEITAR A CLERA E O DESEJO DE VINGANA18

    A palavra clera reporta-se frequentemente a situaes de grande violncia e por

    isso h uma grande resistncia a experimentar essa emoo.No entanto, esta uma emoo importante com a qual h que aprender a lidar e

    no a reprimir.A clera ou a raiva so emoes humanas que nos avisam que vivemos uma

    frustrao, uma agresso prpria ou alheia, uma falta de respeito, uma violao dosnossos direitos ou de direitos de outras pessoas Senti-lo positivo, sinal de umamente s que reage com coerncia.

    A clera no o ressentimento nem a agressividade que se exerce contra oprprio ou contra terceiros.

    Efeitos negativos da clera reprimidaQuando a clera reprimida e banida da conscincia, mais cedo ou mais tardeir surgir um desvio patolgico, manifestando-se dentro ou fora de ns atravs daculpa ou da depresso.

    A clera reprimida pode ter vrias aparncias: culpa, hipercrtica, cinismo frio,hostilidade acusadora e outras doenas psicossomticas que em muitos casosterminam provocando stress.

    A clera saudvel vai desaparecendo pouco a pouco, medida que se lhe d umsentido, se exprime, se escolhe o modo como a acalmar sem, desta forma,prejudicar a sade.

    Os benefcios da cleraA clera, tal como se referiu antes, surge de uma situao justificada, um sinal

    de bom funcionamento anmico e de um saudvel instinto de sobrevivncia fsica,psquica e moral. A sua finalidade a auto-defesa ou a dos seus prximos, depessoas ou realidades importantes para ns.

    muito importante saber defender-se e defender os outros e, por vezes, necessrio faz-lo com vigor e indignao. Ajuda-nos a reagir perante injustiascometidas contra ns e contra outras pessoas ou grupos. Desperta a energia moralcerta para enfrentar o mal e a injustia.

    Dar sentido clera e p-la ao nosso servioAntes de mais, h que considerar a clera no como uma inimiga mas como uma

    amiga que nos avisa, como um sinal de alerta.O primeiro passo acolh-la, escut-la, e de seguida dar-lhe um rumo adequado.De seguida, ajuda conceder-nos a ns prprios a possibilidade de dar expresso

    clera e de a libertar do nosso corpo (dilogo acompanhado de gestos expressivos/gestltico, recolher-se escrevendo, pintando, expulsar a energia que se sentedespejando-a sobre o travesseiro, a almofada, etc.)

    18Ibidem, 100-112.

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    Desta maneira permitimos que o ressentimento se desprenda e evitamos que aclera se converta em rancor e em dio.

    H pessoas que pensam que perigoso libertar-se do ressentimento porque podeexp-las a novas humilhaes, o que positivo no sentido de que o que se procura preservar a dignidade pessoal, mas isso no saudvel uma vez que conduz a

    pessoa pelo caminho do rancor, do ressentimento, do dio, da vingana.

    6. PERDOAR-SE A SI MESM@19

    Perdoar-se a si mesmo um dos momentos mais importantes do processo deperdoar.

    muito difcil perdoar aos outros e receber o perdo se no nos perdoamos a nsprprios.

    Quando algum nos fere profundamente, desencadeiam-se dentro de ns

    sentimentos desencontrados, antagnicos, que no queremos sentir e,inclusivamente, pode parecer-nos impossvel sermos capazes de perdoar aoagressor. No entanto, se no nos abrimos ao perdo a ns mesmos, noconseguiremos restabelecer a paz interior nem perdoar.

    muito frequente que perante uma grande decepo ou ferida a pessoa se culpea si mesma. Como se no se conseguisse perdoar por se ter exposto queladesgraa, ter permitido que lhe tenham feito tanto mal, ter-se deixado humilhar.

    H uma espcie de desprezo por si prprio que pode ter a sua origem: Na decepo por no ter estado altura das circunstncias.

    Esta decepo provm de uma busca pela perfeio absoluta, da dificuldadeem assumir as nossas deficincias e limitaes. H que ir aprendendo aassumir os sentimentos de culpa por no se ser um ser perfeito. A humildade,que a verdade, ajuda-nos a cairmos na conta das nossas limitaes, dosnossos desejos narcisistas de omnipotncia e perfeccionismo.

    Nas mensagens negativas recebidas dos pais e das pessoas significativas dainfncia.

    A acumulao de gestos ou mensagens desrespeitosas, desagradveis,ridicularizantes, de comparaes criam nas pessoas complexos deinferioridade. Decepcionada consigo prpria e sempre perdedora, a pessoa dominada por pensamentos negativos e afunda-se em estados depressivosperidicos que podem lev-la ao suicdio.

    Os ataques da sua sombra.A sombra formada por todo o material reprimido ao longo da vida. Todos osaspectos que no pde ou no soube desenvolver por os ter sentido comoinaceitveis no meio em que viveu. O emergir da sombra provoca medo pessoa que no sabe o que fazer com essas partes de si prpria e que, porisso, novamente as reprime pois considera-as como inimigas. Isto faz com quea sombraataque de novo e com mais fora na forma de auto-acusao.

    19Ibidem, 113-124.

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    Outra dificuldade para o auto-perdo o fenmeno que a psicologia denominapor identificao com o agressor. um mecanismo de sobrevivncia atravs doqual se procura escapar da situao de vtima colocando-se no lugar do agressor. Aorevestir-se da fora do ofensor, a vtima tem a iluso de salvaguardar algumadignidade ou uma aparncia de autonomia.

    O problema consiste em que quando desaparece o agressor, a vtima se converteno seu prprio perseguidor. Volta-se contra si prpria tiranicamente e sem piedade,criando dentro de si um contnuo descontentamento. Esta amargura exprimidaatravs de alcunhas degradantes e insultos dirigidos a si prpria.

    Vive-se numa profunda luta interior, em que uma parte de si tende a tiranizar aoutra, com exigncias difceis de satisfazer, enquanto a segunda sofre todas asacusaes e propensa a desvalorizar-se perante as suas nfimas realizaes ou, emcertas ocasies, tender a revoltar-se. Esta guerra interior gera culpa, vingana,angstia, estados depressivos.

    De cada vez que uma pessoa vtima de uma agresso, uma parte de si prpria

    deixa-se contaminar pela aco degradante do agressor e faz-se cmplice do ofensorperseguindo-se a si prpria.No processo do auto-perdo, a pessoa tem de se perdoar a si prpria por se ter

    identificado com o ofensor.

    Aceitar o amor a si prprioO preo que se paga pela falta de auto-aceitao e de auto-estima muito

    elevado. No livro O homem descobrindo a sua alma, Jung defende que a neuroseprovoca falta de auto-aceitao e de auto-estima: A neurose um estado de guerraconsigo prprio. Tudo o que acentua a diviso que existe dentro de si, piora o estado

    do paciente e tudo quanto reduz essa diviso contribui para a sua realizao.

    20

    de uma importncia vital perdoar-se a si mesmo, pois isso condicionar o xitodo perdo ao outro. Um sbio suf dizia: Se algum cruel consigo mesmo, comopode esperar que tenha compaixo pelos outros?.

    PERDOAR-SE A SI MESMO

    Quero perdoar-me

    Por buscar a estrela inacessvel, por ser frgil,por me envergonhar da minha dor,me culpar da minha desdita,desejar uma perfeio inalcanvel,me ter tornado cmplice do meu perseguidor,ter prescindido do meu corao,ter ruminado acusaes que me feriam,no ter sido capaz de me prevenir,

    20Traduo livre do tradutor: El precio que se paga por la falta de aceptacin y de autoestima esmuy algo. En El hombre descubriendo su alma, Jung sostiene que la neurosis provoca falta deaceptacin y de autoestima: La neurosis es un estado de guerra consigo mismo. Todo cuanto acenta

    la divisin que hay en l empeora el estado del paciente y todo cuanto reduce la divisin contribuye asanarlo.

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    por me odiar sem compaixo,por me sent ir incapaz de perdoar os outros.

    Em suma, quero perdoar-me por ser humano.

    7. COMPREENDER O OFENSOR

    Para poder penetrar neste universo, necessrio que a ferida j esteja sarada,que j no esteja aberta, que se tenham aceite os sentimentos de clera.

    preciso estar-se preparado para se poder sair de si mesmo e poder vernoutraperspectiva, na perspectiva de quem nos ofendeu, pois colocar-se no lugar de quemnos ofendeu muito difcil.

    Antes de mais, como j vimos antes, compreender no justificar, no esquecer, nem mesmo desculpar. Compreender olhar com lucidez e poder perceber

    algum motivo para a falha, para a atitude que nos feriu. Como quem quer perceberosporqusdo outro.Poder perceber alguns dos seus porqus, ajuda a poder perdoar. De qualquer

    forma, preciso ter presente que no se conseguir compreender totalmente o outrotal como no conseguimos compreender-nos completamente.

    Compreender implicadeixar de julgar ainda que se condenem os actosO juzo e a projeco no outro de todos os males podem converter-se numa viso

    obsessiva que dificulta a percepo da verdade do outro como pessoa dbil, falvel,doente que seja uma pessoa capaz de evoluir.

    s vezes o que mais nos custa a aceitar nos outros tem a ver com a nossasombrae por isso, particularmente deixar de condenar o outro, deixar de mecondenar em mim prprio o que no consigo aceitar, o que no gosto.

    Compreender conhecer melhor os antecedentes do outroUma melhor compreenso dos antecedentes familiares, sociais e culturais de uma

    pessoa, ajuda a perdo-la. Esses condicionamentos no justificam o seucomportamento mas ajudam a explic-lo.

    Uma vez conhecida a herana familiar, a histria e as marcas da pessoa, maisfcil colocar-se no seu lugar e compreender os desvios de conduta e, deste modo,poder perdo-la com mais facilidade.

    Compreender perceber a inteno da pessoaTudo o que fazemos em geral com um objectivo, a busca de algum bem

    ainda que este seja falso e que o modo de o conseguir seja errado.Embora aqueles que nos magoaram possam no o ter feito intencionalmente,

    o certo que nos provocaram sofrimento contudo, a no intencionalidade atenuaa dificuldade em perdoar.

    As pessoas ss, na maioria das vezes, no procuram directamente magoaralgum mas pretendem realizar algo que julgam ser positivo tanto para elas prpriascomo para aqueles a quem acabaram por magoar.

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    s vezes magoam-nos profundamente sem inteno, julgando que agem para onosso bem, outras vezes magoam-nos inconscientemente, outras ainda, magoam-nos por no saberem dominar os seus cimes, invejas, agressividade apenasporque so vtimas da sua prpria vulnerabilidade e limitao humana e moral.Magoaram-nos, simplesmente, porque NO SOUBERAM OU NO PUDERAM FAZER MELHOR.

    Embora o autor no o refira, existem pessoas que sofrem de sadismo,pessoas que tm prazer em ofender o outro. uma patologia que necessrio saberidentificar para nos podermos proteger.

    Compreender continuar a acreditar na dignidade do ofensorEsta uma etapa muito difcil pois tendemos a ver no ofensor um poo de

    defeitos e de ms intenes e, inclusivamente, por vezes projectamos nele os nossosdefeitos que no reconhecemos ou no suportamos em ns.

    Quanto mais profunda a decepo que sentimos, porque a pessoa era muitoquerida, mais difcil dar este passo porque h um impulso para o no fazer.

    Poder reconhecer na pessoa que nos ofendeu, apesar de tudo, um ser digno, um grande passo de maturidade que nos engrandece.

    Compreender aceitar que no se compreende tudoCompreender os outros, passa sempre por aceitar que no podemos conhecer

    tudo sobre eles.Ainda que se pretenda saber tudo sobre o nosso ofensor, nunca se conseguir

    saber totalmente o segredo que encerra o seu ser, nem sequer as razes dosseus actos; razes essa que, com frequncia, ele prprio ignora.

    Por isso, compreender o agressor aceitar que no entendemos tudo sobre o

    outro.

    8. ENCONTRAR UM SENTIDO PARA A OFENSA(O que posso aprender com isto?)

    O objectivo desta etapa do processo descobrir que tudo na vida e, tambm aofensa sofrida, pode servir-nos para alguma coisa, para aprendermos, pode ser umcaminho de crescimento.

    Tudo na vida nos pode servir para aprender e, por isso, de tudo podemos tiraralgo de positivo. Tambm da ofensa podemos tirar proveito. Para isso necessriono ficarmos paralisados e cheios de compaixo por ns prprios. A mgoa pode serfonte de crescimento.

    Se ao cegar a este ponto a pessoa sente raiva e indignao perante a ideia detirar algo de bom do sucedido, sinal de que no est preparada para o fazer e melhor voltar s etapas anteriores para as aprofundar.

    A primeira reaco perante uma ofensa de choque e isso bom porqueliberta o olhar, s vezes cheio de esteretipos, e pode ajudar a ver as coisas doutroponto de vista. Por exemplo, quando a ofensa vem dum ente querido, o ofendido, aover frustradas as suas expectativas, ter de rever a sua perspectiva sobre o ofensorpara o poder amar como ele , com os seus defeitos e as suas qualidades, de um

    modo mais realista.

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    Algumas perguntas que podem ajudar-nos a reconhecer os frutos da ofensa

    so:O que aprendi com esta experincia?Em que cresci e como, com esta ferida?

    Alguma coisa mudou, tomou um novo rumo, depois da ofensa sofrida?

    O autor apresenta alguns exemplos de respostas:Agora conheo-me muito melhor.Tenho mais liberdade interior.Fez-me descobrir os meus valores. Depois do meu divrcio descobri que posso

    ser mais eu mesma e viver segundo os meus valores.O meu desgosto amoroso fez com que me conhecesse melhor. Agora, em vez

    de depender do amor dos outros, comecei a gostar de mim prprio.Acabou: no vou deixar que me ofendam mais. Vou aprender a proteger-me

    melhor.Aprendi a dizer no quando algo no est de acordo com os meus valores.Quando a minha mulher me deixou, disse a mim prprio: No tenho outro

    remdio seno por a minha vida em ordem. Ento, apesar do meu orgulho, pediajuda pela primeira vez.

    Fui posto prova e isso deu-me um corao mais sensvel. Sou muito maiscompassivo e compreensivo com os outros.

    Deixei de correr atrs de maridos alcolicos para os salvar. Dei-me conta deque quem precisava de ajuda era eu.

    Na minha angstia encontrei o amor e a fidelidade do Senhor, aps um perodo

    em que estive muito zangado com Ele.A ofensa conduz a conhecer-se a si mesmo

    A ofensa, se digerida convenientemente, conduz a um maior auto-conhecimento.Mas primeiro preciso deixar que cada um leve o tempo de que necessita paraelaborar o desgosto, soltar os ressentimentos e a raiva, curar a dor da ferida; depoisdesta etapa segue-se a do aprofundamento do auto-conhecimento e, por ltimo,passa-se para o momento de reorganizar a vida com vista a um novo comeo.

    Quando a ferida menos dolorosa, importante que a pessoa se possaperguntar: como permiti chegar a uma situao to vulnervel? s vezesapercebemo-nos que temos demasiadas expectativas sobre ns prprios e os outros.

    A experincia de sofrer uma ofensa de uma pessoa muito querida pode ajudar-nos a recriar a relao com mais realismo e a redefinir a nossa identidade e a dooutro e, quem sabe, perceber que, nem eu nem o outro somos aquilo que euinicialmente julgava.

    Ser sujeito experincia de uma ofensa ou injustia no , por certo, desejvelnem agradvel, mas pode converter-se num espao de crescimento e de libertaointerior. Damo-nos conta de que essa experincia nos coloca perante a opo de nosdeixarmos abater ou, pelo contrrio, de reagirmos. Se decidimos reagir, abrimo-nos possibilidade de recuperar a nossa identidade mais profunda e estabelecer novosvnculos com os outros.

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    Nesse caso, teremos encontrado um sentido para o nosso sofrimento. Esta amensagem de Victor Frankl que teve de suportar muitos sofrimentos e humilhaesnum campo de concentrao. Afirma ele:

    O importante , pois, apelar capacidade mais extraordinria do homem: a detransformar uma tragdia pessoal em vitria e o sofrimento em realizao

    humana.21O sofrimento converte-se, assim, num lugar de crescimento e de realizao.

    9. SABER-SE DIGNO DE PERDO E ABSOLVID@22

    Apenas quem se sentiu perdoado, pode perdoar23(George Soares-Prabhu)

    Perdoar um acto humano e um dom espiritual. Uma parte desse processo

    depende da vontade da pessoa e um trabalho que apenas o prprio pode fazer, aoutra parte dom e preciso saber abrir-se a ele. Os cristos chamam a esse dom,graa.

    Saber perdoar supe o reconhecimento de que tambm ns j fomos perdoados,pelos outros e por Deus (no caso de quem cr n Ele).

    Com o perdo passa-se o mesmo que com o amor, s podemos amar se fomosamados.

    Obstculos aceitao do perdoNo fcil aceitar o perdo, saber-se perdoado. H pessoas incapazes de viver

    esta experincia por diversas razes. O autor refere algumas delas:H pessoas que se julgam imperdoveis, crem que as suas faltas so to gravesque no podem ser perdoadas nem por elas prprias, nem pelos outros, nem porDeus.

    Outras pessoas no acreditam na gratuidade do amor. Admitem teoricamenteessa possibilidade, mas na prtica no crem que assim acontea porque estoconvencidas de que nada gratuito, incluindo o perdo, e que tudo, tarde ou cedo,h-de pagar-se.

    Outro grupo de pessoas recusa o perdo. No sentem nenhuma necessidade deperdo j que parecem no sentir nenhuma culpabilidade individual ou social.

    Outras pessoas recusam a culpa por imaturidade psicolgica. No sabemdistinguir entre a culpa s e a culpa patolgica.

    O desafio aprender a receber o perdo sem se sentir humilhado ou rebaixado,mas, simplesmente porque somos humanos, enganamo-nos e precisamos de serperdoados e de perdoar.

    21Traduo livre do tradutor: Lo importante, pues, es apelar al potencial ms excelso del hombre: el

    de transformar una tragedia personal en victoria, un sufrimiento, en realizacin humana.22Ibidem, 140-147.23 Traduo livre do tradutor: Slo quien ha tenido la experiencia del perdn puede realmente

    perdonar.

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    10.NO TEIMAR EM PERDOAR

    importante neste caminho do perdo que o nosso narcisismo no nos pregue apartida de no contar, realisticamente, com as nossas dificuldades ou com alentido do processo e, inclusivamente, de no considerar o dom que suposto ser o

    de perdoar do fundo do corao.A obstinao impede que se alcance o perdo.Em geral quando teimamos obsessivamente nalguma coisa quando menos a

    conseguimos alcanar, a prpria tenso obstinada tolhe-nos o desabrochar dessedesejo.

    Tambm importante, para ir acolhendo o dom de saber perdoar, evitar o riscode reduzir o perdo a uma obrigao moral, porque o perdo um acto de liberdadee de gratuidade, um acto voluntrio mas sobretudo um dom.

    11.ABRIR-SE GRAA DE PERDOAR

    Esta etapa dedicada exclusivamente aos crentes. Renunciar a considerar quesomos os nicos autores do perdo prepara-nos para o acolher como um dom deDeus, como uma graa Sua.

    Pedimos que se faa verdade em ns o convite de Jesus: S-de compassivoscomo o Pai do cu compassivo.

    Poder abrir-se a essa graa supe que, antes: Se tenha passado da imagem de um Deus justiceiro ao verdadeiro Deus

    revelado em Jesus. Se tenha deixado de crer que a nossa pobre forma de perdoar condiciona operdo de Deus. Esta uma crena muito arreigada no nosso inconscientedevido a uma interpretao errada das palavras do Pai-Nosso: Perdoai asnossas ofensas assim como ns perdoamos a quem nos tem ofendido. Essainterpretao passou a ideia do perdo gratuito de Deus como perdo-recompensa pelas prprias faltas que perdoamos. Muitas razes contriburampara o sentido que foi atribudo a estas palavras do Pai-Nosso, umas das maissignificativas teve origem no texto de S. Mateus: Pois, se perdoardes aoshomens os seus delitos, tambm vosso Pai celeste vos perdoar; mas se noperdoardes aos homens, vosso Pai tambm no perdoar vossos delitos (Mt6, 14-15). Actualmente os exegetas lem estas palavras tendo em conta aquem elas se dirigiam, pois S. Mateus falava para judeus imbudos pela Lei doAntigo Testamento. O Evangelho de S. Mateus desenvolve uma linha depensamento rabnico legalista, presente neste texto e, a interpretao quedelas se fez durante muito tempo est em clara contradio com as diversasparbolas e actos de Jesus. Acresce que, at ao Vaticano II, a liturgia e apregao crists estiveram centradas nesta viso do perdo segundo oEvangelho de S. Mateus. Esta viso acabou por tornar o perdo numa trocasubtil entre Deus e os homens. Um Deus de troca por troca. Isto tem umagrande influncia na vida espiritual, especialmente de quem se sente incapaz

    de perdoar. Para garantir a salvao, que provm do perdo de Deus, devem

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    esforar-se por perdoar a qualquer preo, ainda que no se sintam capazes deo fazer. Ento, ou se confessam incapazes de perdoar e por isso indignos doperdo de Deus pela evidente falta de generosidade, ou mentem a si prprios,acabando por conceder um falso perdo ou, pelo menos, um perdo semautenticidade. evidente que, assim, as pessoas que crem merecer o perdo

    de Deus ficam perante um penoso dilema24. (158)Para ultrapassar este beco sem sada, o caminho passa por se deter em duasverdades fundamentais: a primeira, que Deus tem sempre a iniciativa deperdoar e a segunda que o perdo no apenas um acto da vontade mastambm de abertura interior ao acto de perdoar.Na parbola do devedor implacvel (Mt 18, 23-25) o que relevante que odevedor que foi perdoado pelo seu amo (Deus) no se abriu a acolher essagraa no seu corao e a deixar-se transformar por ela. Isso tornou-o incapazde um gesto de clemncia e de misericrdia e, por isso, condenou-se a simesmo.

    Mas, ao contrrio do amor apresentado nesta parbola de S. Mateus, Deus paciente e sabe esperar o momento favorvel para a abertura de corao detodos os seus filhos.

    O Deus do perdo revela-se em JesusPara descobrir a face misericordiosa de Deus, preciso observar o

    comportamento de Jesus com os pecadores.Jesus no teve uma atitude altiva, moralizadora, de escrnio, mas mostrou-se

    simples, humilde, compreensivo, tomando quase sempre a iniciativa de perdoar semesperar que lhe fosse pedido perdo. Valorizou as pessoas a quem perdoou os

    pecados e colocou-se, com frequncia, na situao de receber algo delas: Samaritana pediu de beber, ao ver Zaqueu pediu-lhe que o recebesse em sua casa eZaqueu convidou-o, permite que a mulher do perfume o afagasse com os seusbeijos.

    Sem dvida que a parbola que, por excelncia, melhor apresenta o rostomisericordioso de Deus, a do Filho Prdigo e tambm muito significativa, a dopastor que vai procura da ovelha perdida.

    Perdoa as nossas ofensas

    Senhor, perdoa as nossas ofensas.

    No em funo do perdo que concedemos.No do modo que perdoamos.No semelhana dos nossos indultos interesseiros e calculistas.

    Mas,

    24Traduo livre do tradutor: Para asegurarse la salvacin, que proviene del perdn de Dios, deben

    esforzarse en perdonar a cualquier precio, aunque no se sientan capaces de hacerlo. Entonces, o biense confiesan incapaces de perdonar y por tanto indignos del perdn de Dios por su falta degenerosidad, o bien se mienten a s mismos para terminar concediendo un perdn falso o al menos

    inautntico. Es evidente el angustioso dilema en que se encuentran quienes creen merecer el perdnde Dios.

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    para que descubramos a Tua doce piedade, para que sintamos a Tuacomovedora ternura, para que, tambm ns, aprendamos a perdoar, paraque perdoemos a quem connosco partilha o po,

    para que no mergulhemos no desespero da vergonha,para que renunciemos ao desejo orgulhoso de perdoar,

    para que desmascaremos os nossos falsos princpios e indignaes,para que possamos perdoar-nos a ns mesmos,para que perdoemos como Tu perdoas.

    Senhor, perdoa as nossas ofensas.

    12.DECIDIR ENTRE ACABAR COM A RELAO OU RECRI-LA

    As amizades renovadas exigem mais cuidados do que as que nunca forampostas prova25.

    (La Rochefoucauld)

    muito importante no processo de perdoar o momento de decidir se queremoscontinuar com a relao com a pessoa que nos ofendeu e aprofund-la ou sejulgamos prefervel a ruptura.

    No confundir perdo com reconciliaoPara algumas pessoas perdo sinnimo de reconciliao e por isso receiam

    perdoar, por pensarem que isso poder levar a uma reconciliao e assim exporem-sea mais ofensas.

    Esta confuso tambm foi muito alimentada por padres em orientao espiritual eem pregao com frases como: o fim ltimo do perdo a reconciliao, o perdono fica completo sem a reconciliao. Como se o perdo fosse esquecer o passadoe continuar em frente como se nada tivesse acontecido. Esta concepo tem mais aver com um pensamento de tipo miraculoso do que com a psicologia humana.

    Quando h laos afectivos profundos pode ser desejvel e razovel, que possahaver uma reconciliao, mas mesmo que assim seja, a relao j no ser a mesmade antes. Depois de uma ofensa grave, no se pode recuperar a relao do passadopela simples razo de que essa relao j no existe, mas a relao pode passar aser outra coisa que preciso recriar.

    Perdoar e acabar com a relaoH situaes em que acabar com a relao a nica soluo possvel e a mais

    salutar.O perdo precisa de uma predisposio do corao e importante que seja

    concedido para que a pessoa possa recuperar a paz e a liberdade interior,independentemente do ofensor pedir desculpa ou no, queira receb-lo ou no,reconhea ou no a ofensa... O ofensor no tem a chave nem o poder sobre o nossoperdo.

    25Traduo livre do tradutor: Las amistades renovadas exigen ms cuidados que las que nunca sehan roto.

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    s vezes, ajuda encenar um gesto que simbolize o perdo, como escrever umacarta que nunca ser enviada, perdoando, imaginando o dilogo e dizendo: perdoo-te, fazer um rito de perdo, etc.

    Perdoar pode, em muitos casos, ser acompanhado por atitudes de auto-protecopara no voltar a ser ofendido, inclusivamente, s vezes, o melhor e mais prudente

    manter-se o mais afastado possvel do agressor-ofensor.A ruptura com uma pessoa muito querida permite perceber at que ponto se

    tinha estabelecido uma relao de dependncia com ela. A ruptura e o perdo do aoportunidade de recuperar todas as idealizaes projectadas sobre a pessoa amada.E permite tambm recuperar todo o amor, a energia, o idealismo,...em suma, toda aprojeco psicolgica e espiritual sobre a pessoa amada.

    Se for possvel a reconciliao ambos devem crescer com essa experinciaSe se d a reconciliao, necessrio reestruturar a relao e ambos devem

    mudar. Na construo da nova relao devem sentir-se ambos implicados, tanto o

    ofensor como o ofendido.

    O ofensor Deve reconhecer a sua parte de responsabilidade na ofensa. Ter de estar disposto a escutar a pessoa ofendida at ao fim e a colocar-se

    no seu lugar para tentar avaliar a importncia e a profundidade da ofensa,pois mesmo que no seja possvel suprimir o sofrimento do ofendido, pode-seao menos tentar entend-lo.

    Relativamente a danos e injustias cometidas em relao a bens materiais,reputao, faltas de lealdade,... ter de procurar repar-las no que for

    possvel. No basta que tenha boas intenes, deve mostrar com actos concretos asmudanas de conduta e/ou de atitude.

    Deve questionar-se se aprendeu algo sobre si prprio e sobre a sua maneirade se relacionar com os outros. Algumas perguntas que deveria responderso: como pude cometer esta falta grave?, qual foi a minha motivaoprofunda?, o que foi que me levou a cometer este acto ofensivo?, quecomportamentos poderia alterar no futuro?, que ajudas vou procurar paraconseguir mudar?

    O ofendidoTambm o ofendido tem algo a aprender com a experincia, a primeira das quais,

    aprender a no voltar a colocar-se na posio de se converter em vtima, aprendera proteger-se.

    Tambm pode ajudar responder a algumas das seguintes perguntas: O que aprendi sobre mim prpri@? Sou o meu melhor amig@? Aprendi a falar comigo com carinho e compreenso? Ir substituindo os tenho que e h que por quero e escolhi. Sou capaz de dizer no, especialmente aos que me so mais prximos,

    respeitando mais as minhas necessidades e limitaes pessoais?

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    Aprendi a exprimir mais espontaneamente o que vivo e o que sinto atravs deafirmaes mais do que por acusaes?

    O que posso fazer para no me sentir atrado por pessoas que tm problemasde comportamento?

    Tenho conscincia de que posso ter exigncias e expectativas demasiado

    elevadas e pouco realistas a respeito dos outros? No processo de me perdoar a mim prpri@, consegui aumentar a minha auto-

    estima? No caso de ser crente, perguntar-me se mudou em mim a imagem do Deus

    justiceiro para a de um Deus como Jesus, que ama incondicionalmente?

    Reestruturar a relao se no possvel abandon-la nem aprofund-laH casos em que no possvel abandonar a relao nem aprofund-la. Ento

    preciso pensar em modific-la, em estabelecer novos vnculos. Por vezes issosignifica rever o seu ideal de pais, amigos, irmos, casal... para enfrentar com

    maior realismo a relao, aceitando o que tem para dar e aprendendo a proteger-separa que o agressor no volte a ter tanto poder que possa fazer-nos mal.O autor prope concluir o processo com algum ritual de celebrao para se

    felicitar e festejar o processo que, sem dvida, nos torna mais humanos.Prope tambm um ritual para recuperar a herana, isto , recuperar para si

    mesmo o que projectou na pessoa amada.

    TERCEIRA PARTE: LEITURA TEOLGICA DO PERDO

    1. O PERDO NAS DIVERSAS RELIGIES26

    A experincia da culpa e o desejo de perdoa)A culpa originalUm dos enigmas fundamentais do ser humano a forte dissonncia existente

    entre o que de facto e essa radical aspirao e desejo de ser outra coisa; essaoutra coisa que se sente chamado a ser constitui o seu ser mais profundo eoriginal, de tal modo que a sua realidade presente vive-a no apenas na suadimenso finita, como tambm como perda. este o sentimento profundo quesubjaz a todos os mitos do paraso perdido.

    Esses mitos esto carregados de sabedoria e de verdade: todo o ser humano seexperimenta em ruptura e contradio com o seu ser verdadeiro, com a sua genunaaspirao, com a sua meta essencial.27(15)

    um sentimento de inadequao permanente entre o ser finito e aquele dehorizonte infinito. O ser humano, no s sente, que no chega a ser o que deseja,como, tambm, que no aquele que deve e pode ser; no s sente que um serfinito aberto a um infinito inalcanvel, como tambm que foi chamado sua

    26 ARREGUI, J. El perdn en las religiones de la tierra en EZQUIZA J. (Dir) Para celebrar elsacramento de la penitencia. El perdn divino y la reconciliacin eclesial hoy. Evd, 2000, 13-35.27 Traduo livre do tradutor. El ser humano se experimenta universalmente en ruptura ycontradiccin con su ser verdadero, con su aspiracin genuina, con su meta esencial.

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    vocao prpria e original e isso provoca-lhe um sentimento de dvida consigomesmo e com os outros, no s pela sua finitude como tambm pela culpa de noser o que deve ser.

    H uma culpabilidade constitutiva da existncia humana que no se identificacom o conflito nem com a angstia psicolgica.

    Na realidade, as religies no inventaram a culpabilidade mas perceberam-napresente na relao do ser humano com essa Realidade primeira e ltima. Conformea interpretao que se faa dessa relao, essa culpabilidade originria poderresultar em angstia e opresso ou, pelo contrrio, conduzir a uma confianalibertadora.

    A Modernidade desligou a culpa do aspecto religioso para a situar no planofilosfico e antropolgico. A culpabilidade ocupa um lugar central na filosofia tica deKant. Freud coloca a origem da culpa, no conflito com a figura paterna (complexo dedipo) e, depois, na formao do superego. A figura paterna desempenha a funode autoridade, vigilncia, proibio. O adulto comportar-se- com o seu superego

    como a criana se comportou perante o seu pai: medo e submisso mas tambmprocura de carinho e de aprovao. A agressividade dirigida primeiro contra o pai oucontra o superego, acaba voltando-se contra si prprio em forma de culpa. Asociedade serve-se deste mesmo mecanismo para regular a agressividade dosindivduos e tornar possvel a convivncia humana.

    b)A tentao da inocnciaComo vimos, a culpabilidade tem que ver com a existncia do outro: a sua

    presena, a sua chamada, a sua interpelao.A verdade que ao magoarmos algum, seja com actos, com permisses ou

    omisses: nossa volta, prximo de ns ou distante, nesta aldeia global to afectadade que fazemos parte... vulnerveis e vulnerados, vulneramos.Ao cometermos faltas, prejudicamo-nos a ns prprios e, frequentemente, essas

    faltas acontecem porque nos sentimos ofendidos.Perante as faltas que, querendo ou no, conscientemente ou no, sofremos e

    cometemos, humano ceder tentao da inocncia to vulgar actualmente?Podemos sentir-nos totalmente isentos de responsabilidade perante o drama de35 000 crianas que morrem de fome diariamente e de outros tantos adultos que onosso sistema econmico condena morte? certo que a culpa pode ser insana edoentia, mas no sentir culpa tambm inconsciente e patolgico, e saber sentir-seculpado em determinadas ocasies, sinal de maturidade. A culpabilidade dignifica oser humano quando vivida de forma s, quando no est cativa da angstia que aencerra, do tabu e do narcisismo, mas expresso de dor pelo sofrimento realcausado a outros, por se ter sido infiel ao melhor de si mesmo, quando abre ocorao ao futuro e nos encoraja a sermos mais livres e responsveis, quando nosleva a perdoarmo-nos, a abrirmo-nos ao perdo e a perdoar. (17)

    Sou menos do que me julgo quando o meu eu-superficial me engana. Sou maisdo que penso, quando chego ao melhor que h em mim, me detenho no meu eu-responsvel, e chego ao eu que sai de mim e se liberta.28

    28 MASA CLAVEL, j. Aprender a perdonarse a s mismo y dejarse perdonar en ALEMANY, C. 14aprendizajes vitales, DDB, Bilbao, 1998, 179.

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    c) O horizonte do perdoAquele que reconhece o mal que fez e assume a sua responsabilidade, abre-se ao

    perdo. O que pede perdo, sai de si, rompe a sua barreira interior, reconhece o malcausado e a vergonha correspondente.

    A vida humana inconcebvel sem o gesto: sinto muito, perdoa-me!. O pedidode perdo pressupe a oferta de perdo por parte do outro, ou a possibilidade deperdoar. No perdo pedido e concedido recreamo-nos uns aos outros para abondade.

    A nossa experincia , muitas vezes, de um perdo frustrado. Podemos sonharcom um Perdo original e nico? Um Grande Perdo que acabar por nos regenerara todos segundo o nosso anseio original?

    As religies: reconhecimento do pecado e do perdoA experincia humana da culpa e do perdo tem, nas diversas religies, uma

    dimenso prpria: a experincia de sermos culpados perante esse Mistrio ltimo darealidade e de sermos perdoados por esse mesmo Mistrio ltimo.No entanto, a maneira de formular e de expressar essa verdade pelas diversas

    religies pode ser ambgua e, inclusivamente, perversa. Pode ser uma oferta degraa, uma palavra de consolo, uma promessa de libertao mas, muito facilmente,a graa perverte-se em juzo, o consolo em ameaa, a libertao em opresso,provocando danos profundos ao ser humano.

    O sentimento de culpabilidade e de medo do castigo divino foi desenvolvido commais intensidade nas religies semitas. No se compreende o lugar que a instituiopenitencial chegou a ocupar no cristianismo sem ter em conta que se trata de uma

    religio que herdou muitas prticas da religio judaica e mesopotmica.O pecado como categoria religiosa o reconhecimento do mal realizado comoalgo contrrio bondade e harmonia do Mistrio.

    O reconhecimento do mal feito contra Deus, agrava ou atenua a culpa?O caracterstico da religiosidade no seria culpabilizar mas libertar da culpa. As

    religies so, sobretudo, testemunhas do perdo. prprio da religio olhar opecado a partir do perdo, descobri-lo como pecado perdoado... como ofensaduplamente curada na sua origem por aquela Presena misteriosa que funda esustm a existncia... como situao aberta esperana e banhada de confiana nalibertao... Para o crente, no h pecado seno o perdoado (Lacroix).29(22)

    Para alm de todas as ambiguidades e perversidades, as religies, devemdedicar-se exclusivamente a dar este testemunho: H perdo para alm de todo opecado, h reconciliao para alm de toda a ruptura, h graa para alm de toda a

    Traduo livre do tradutor: Soy pero de lo que me creo cuando engao con el espejismo del yosuperficial. Soy mejor de lo que me creo cuando llego al fondo de lo mejor de m mismo y me detengoen el yo culpable, sin llegar al yo que sale de s y se deja liberar.29

    Traduo livre do tradutor: Lo propio de la religin es mirar el pecado desde el perdn, descubrirlocomo pecado perdonado como dao doblemente curado de raz por aquella Presencia misteriosa

    que funda y sostiene la existencia como situacin abierta a una esperanza y baada en unaconfianza de liberacin Para el creyente, no hay ms pecado que el perdonado (Lacroix).

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    ameaa. H uma Realidade ltima que d sentido, fundamento e sustento, a todosos nossos pedidos e ofertas de perdo.30(22)

    Devemos exigir s religies que sejam profetas e testemunhas do perdo.Tornam-se assim humanizadoras, pois no h nada que o ser humano mais necessitede escutar, do que uma voz de consolo que lhe chegue do mais fundo do seu ser:

    Eu no te condeno. Tu no s culpado apesar da tua culpa. s amado desdesempre e para sempre. A autenticidade de uma religio pode medir-se pelo grau emque esta voz de consolo e companhia prevalece sobre todos os medos e fantasmasfeitos de ameaas.

    humano reconhecer o pecado perante um Deus que presena, solidrio,misericordioso e redentor, promessa de graa e de esperana que regenera. desumano reconhecer o pecado perante um deus que soberano, que julga e quecastiga.

    As negaes do perdo

    Ao deturpar a imagem do mistrio divino, tambm a conscincia religiosa e aconfisso so deformadas e pervertidas.

    a) O perdo como ritual mgicoA histria das religies oferece infindveis exemplos de uma concepo mgico-

    ritualista do pecado e do perdo.

    b) O perdo como expiao por sacrifcioAs ideias religiosas comummente ligadas categoria sacrificial so perniciosas e

    aberrantes. Toda a destruio de um ser no altar da divindade uma atrocidade.

    Uma imagem de um deus que exige expiao atravs do sofrimento e da morte nefasta e no faz justia a Deus.J a voz dos profetas de Israel se levantava contra esta concepo: Porque

    amor que eu quero e no sacrifcio, conhecimento de Deus mais do que holocaustos(Os 6, 6).

    A comunho com Deus, rompida pelo pecado, no se restabelece por nenhumsacrifcio, apenas pelo acolhimento terno e profundo do mistrio de ternura,gratuidade e comunho que Deus.

    c) O perdo como funo da penitnciaO mais comum nas religies que o perdo seja obtido pelo pecador atravs

    de uma penitncia. Imposta pelo sacerdote ou por quem recebe a confisso. Pordetrs deste gesto, h uma verdade profunda que se mantm oculta: o perdo devesignificar regenerao, uma transformao profunda do ser. Mas a lgica dagratuidade substituda pela lgica jurdica do juzo e da condenao. Assim, no a divindade quem perdoa, mas o prprio pecador que se regenera com apenitncia.

    d) O castigo sem perdo

    30Traduo livre do tradutor: Hay perdn ms all de todo pecado, hay reconciliacin ms all de

    toda ruptura, hay gracia ms all de toda amenaza. Existe una Realidad ltima que da sentido,fundamento, sustento, a todas nuestras peticiones y ofertad de perdn.

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    Em muitas ocasies as religies apresentam um deus zangado e as liturgiaspenitenciais tm como objectivo suplicar a deus que se reconcilie com o pecador.

    E se no houver perdo divino? Se no h perdo, h castigo. Todas as religiesregidas por uma ou vrias divindades antropomrficas conhecem a categoriahumana na realidade desumana do castigo nas suas vrias modalidades: castigo

    expiatrio, preventivo, pedaggico...Todo o castigo divino contm um elemento fundamental de arbitrariedade.Seria perversa a figura de uma divindade irada e castigadora por vingana; seria

    absurda uma divindade sujeita irracionalidade de uma lgica expiatria; seriasinistra uma divindade que educa fazendo sofrer. Consequentemente, uma religioque contasse com o castigo divino seria sinistra: lugar de angstia e opresso emvez de lugar de graa e de promessa.

    O tema do castigo torna-se ainda mais terrvel quando se tem a perspectiva deuma vida eterna depois da morte pois, nesse caso, a vida eterna converter-se-ia emeterna condenao e tortura. A negao do perdo torna-se irrevogvel; o castigo

    irreversvel. o obscurecimento total e absoluto do horizonte. E o ensombrarabsoluto da religio. A noo e o medo atroz de um inferno eterno ter sido,precisamente, a maior falta da religio crist, a negao mais radical do Evangelho eda graa. Por certo, esta ideia da condenao eterna no de origem crist. Ocristianismo herdou do apocalipse judaico, movimento espiritual e literrio surgidoem 170 a.C., que se encontrava amplamente disseminado entre os judeus na pocade Jesus, e foi a me da teologia crist (Ksemann) e, muito em particular, daescatologia crist31. (28) O apocalipse judaico, por sua vez, foi beber grande partedas suas imagens religio iraniana.

    A graa do perdoO que se sente culpado, s pode ter paz, na confiana do perdo, esta confianas possvel se o perdo graa: se no conquista prpria nem arbitrariedadedivina, mas dom incondicional, gratuito.

    Apesar de todas as negaes do perdo de que as religies tm sido e sotestemunhas, a intuio e a inteno ltima da experincia religiosa e das religiesno seno afirmar: o ser, no seu todo, est envolvido em graa desde a suacriao at ao seu fim, e a ltima palavra ser plena de graa, porque o Mistrioltimo Amor, qualquer que seja o nome que se lhe d. S assim a religio tem

    31 Traduo livre do tradutor: Sera perversa una divinidad airada que castiga por venganza; seraabsurda una divinidad sujeta a la irracionalidad lgica expiatoria; sera siniestra una divinidad queeduca haciendo sufrir. En consecuencia, una religin que contase con el castigo divino sera siniestra:lugar de angustia y opresin, no lugar de gracia y promesa.La categora del castigo se hace mucho ms terrible cuando se abre la perspectiva de una vida eternadespus de la muerte, pues en tal caso la vida eterna puede convertirse en eterna condenacin ytortura. La negacin del perdn se hace irrevocable; el castigo irreversible. Es el obscurecimientoabsoluto del horizonte. Y el ensombrecimiento total de la religin. La nocin- y el miedo atroz- de uninfierno eterno ha sido justamente quiz la lacra mayor de la religin cristiana, la negacin ms radicaldel Evangelio de la gracia. Por supuesto, esta idea de la condenacin eterna no es de origen cristiano.El cristianismo lo hered de la apocalptica juda, movimiento espiritual y literario surgido hacia el 170

    A.c. que se hallaba ampliamente extendido entre los judas en la poca de Jess y fue la madre de lateologa cristiana (Ksemann) y muy en especial de la escatologa cristiana.

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    sentido, s assim se entende uma atitude realmente religiosa, digna do homem e deDeus.

    a) O perdo como graa que regeneraA questo decisiva a de saber se entendemos o perdo segundo um esquema

    jurdico-penalista ou segundo um esquema gratuito-personalista. No primeiro caso, opecado infraco e o perdo indulto. Neste esquema chegamos a uma negociaocom Deus que fica preso aos aspectos legais, a divindade fica suplantada pela lei.

    No segundo caso, o pecado uma situao de mal de que a pessoa se senteresponsvel e se pretende libertar. O perdo uma graa que regenera, um alentoque ajuda a seguir caminho. O perdo de Deus o acolhimento da Sua presenaamorosa, do milagre da transformao pela Sua bondade.

    b)A confisso do pecado a partir do reconhecimento do perdo a certeza do perdo gratuito, da companhia incondicional, da proximidade

    sempre amiga de Deus, que permite ao ser humano confessar o seu pecado e decidirtornar-se responsvel do mal que fez.Reconhecer-se pecador no comparecer perante um tribunal mas reconhecer-se

    limitado e desejar salvar-se, sentir-se chamado e deixar-se acolher, pr-se a caminhoe deixar-se acompanhar...

    O discurso sobre o pecado e o perdo autenticamente religioso se o anima aesperana de se ser libertado de toda a opresso e o gozo de, apesar de tudo, se seramado.

    Apesar de todas os equvocos e negaes do perdo autntico, as religies so,no fundo, testemunho de que o Mistrio ltimo graa que permanece e que tudo

    regenera, que resgata o ser humano da sua indigncia e ferida.Cristianismo e religies: a emulao do perdo

    Ao chegar a este ponto, o autor pergunta o que temos feito, ns cristos, da boa-nova do perdo que liberta e regenera, da graa que se abre e nos fortalece?

    O Evangelho de Jesus julga-nos e interpela-nos: no teremos esquecido edeturpado a boa-nova do perdo? H um dado histrico inquestionvel: nenhumareligio, dentre as hoje existentes, foi e continua a ser, to culpabilizadora como ocristianismo. Nas religies csmicas e animistas no se desenvolveu um sentimentode culpa e responsabilidade pessoal to forte como na tradio bblica, e osentimento de culpabilidade moral e religiosa praticamente inexistente nascorrentes religiosas orientais (hinduismo, jainismo, taosmo, budismo), apesar dosentimento religioso e da sensibilidade tica estarem muito desenvolvidas nessasreligies.32(33-34)

    32 Traduo livre do tradutor: El Evangelio de Jess nos juzga y nos interpela: no hemos olvidado ycorrompido la buena noticia del perdn? Hay un dato histrico incuestionable: ninguna de lasreligiones hoy vivas ha sido tan culpabilizadota como ha sido y en buena medida sigue siendo todavael cristianismo. En las religiones csmicas y animistas no se ha desarrollado un sentimiento de culpa yresponsabilidad personal tan fuerte como en la tradicin bblica, y el sentimiento de culpabilidad moraly religiosa es prcticamente inexistente en las corrientes religiosas orientales (hinduismo, jainismo,

    taosmo, budismo) a pesar de que el sentimiento religioso y la sensibilida tica estn en ellas tansumamente desarrolladas.

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    O autor afirma que o carcter marcadamente prximo que a imagem de Deusadquiriu na tradio bblica poder explicar, em parte, esta posio do cristianismo.

    Mas continua o autor esse carcter fortemente prximo de Deus no bastapara explicar o fenmeno da culpabilizao que se desenvolveu no cristianismo. Comefeito, nem no judasmo nem no islamismo, que partilham com os cristos uma

    imagem de Deus prximo de cada um, se verificou o medo do castigo de Deus e dacondenao eterna, de forma to aguda e angustiada como sucedeu no cristianismoocidental desde Santo Agostinho at aos nossos dias.

    So muitas as razes histricas desta situao: desde o apocalipse judaico quemarcou o cristianismo com o seu pessimismo antropolgico e a sua escatologiadualista (cu e inferno, juzo e graa) mas tambm o selo sombrio que SantoAgostinho imprimiu, o legalismo romano que marcou a teologia e a espiritualidade, aviolncia das divindades nrdicas que se ligaram s imagens violentas de Deus naBblia, o feudalismo hierrquico e arbitrrio que se reflectiu numa teologia desprovidade satisfao... prticas penitenciais desumanas, medo secular do castigo divino e do

    inferno, medo do demnio e de bruxedos, predestinao calvinista, teologia eespiritualidade jansenista... foram alguns outros aspectos que tero contribudo parao endurecimento da imagem de Deus que se verificou na histria do cristianismo.

    compreensvel que muitas mulheres e homens do nosso tempo tenhamconsiderado dever de conscincia e de higiene mental deixar de falar de culpa e deperdo.33

    ConclusoApesar de todas as distores, to nefastas e lamentveis, as religies contm,

    no seu mago, apenas este testemunho unnime: a existncia de uma realidade

    ltima que acolhe todos os seres com todos os sofrimentos provocados e padecidos,que nos abraa a todos, vtimas e culpados que todos somos, com um nico abrao,tornando a vtima capaz do perdo e o culpado capaz da bondade. Por ltimo, o queimporta que o ser humano, na sua ferida pessoal e estrutural se saibainfinitamente acolhido e envolto por um Deus todo misericordioso (2 Cor 1, 3) queo levanta e lhe permite ser outro, melhor, para se transformar e transformar ahistria atingida por tanta dor e injustia. Finalmente, esta a palavra que se buscae se anuncia em todas as religies, tal como vive no fundo dos nossos coraes:

    33 Traduo livre do tradutor: Pero - sigue diciendo - ese carcter fuertemente personal de Dios nobasta para explicar el fenmeno de la culpabilizacin que se ha dado en el cristianismo. En efecto, nien el judasmo ni en el Islam, que comparten con los cristianos una imagen de Dios personal, se hadado el miedo al castigo de Dios a la condenacin eterna de forma tan aguda y angustiosa como seha dado en el cristianismo occidental desde San Agustn hasta hoy.

    Son muchas las razones histricas de esta situacin: desde la apocalptica juda que marc alcristianismo con su pesimismo antropolgico y su escatologa dual (cielo e infierno, juicio y gracia)pero tambin el sello sombro que le imprimi el ltimo san Agustn, el juridicismo romano que marctodo el conjunto de la teologa y la espiritualidad, a la violencia de las divinidades nrdicas que seaadi a las imgenes violentas de Dios en la Biblia, al feudalismo jerrquico y arbitrario que sereflej en una teologa cruenta de la satisfaccin Inhumanos prcticas penitenciales, miedo seculardel castigo divino y del infierno, miedo al demonio y a los embrujos, predestinacionismo calvinista,teologa y espiritualidad jansenista son otros rasgos del ensombrecimiento de la imagen de Dios quese ha dado en la historia del cristianismo.

    Es comprensible que muchas mujeres y hombres de nuestro tiempo hayan considerado deber deconciencia y de higiene mental dejar de hablar de culpa y perdn.

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    Tambm Eu te no condeno. Vai e no voltes a pecar. E responsabilidade dasreligies que nenhuma palavra de angstia e de condenao prevalea sobre estapalavra de graa.34(35)

    2. O PERDO QUE JESUS DE NAZAR OFERECE EM NOME DE DEUS

    A graa do perdo. Cristologia bsica35O autor refere que ir estudar o tema do perdo de forma geral, partindo da vida

    e obra de Jesus segundo os evangelhos. Apresentar a graa do perdo comoprincpio e auge da cristologia destacando cinco temas ou reas cristolgicas (juzo,redeno, libertao, reconciliao e salvao).

    Em torno da exegese destes temas, que no irei analisar, o autor vaiidentificando as caractersticas do perdo oferecido por Jesus.

    Jesus JuizJesus foi mensageiro da graa de Deus e no do seu juzo, como aparece em

    Joo Baptista. A sua forma de se relacionar com os pecadores e os excludos dasociedade da poca no era ameaando-os nem julgando-os, mas oferecendo-lhes,com gestos e palavras, o perdo incondicional, a total solidariedade perante o reinode Deus, foi portador da graa do Pai.

    Certamente que Jesus falou do juzo, embora no para os pecadores(publicanos, prostitutas, leprosos, enfermos, excludos) mas precisamente paraaqueles que recusam o perdo. Isso significa que, para Jesus, Deus perdo, de tal

    forma que apenas aqueles que no aceitam esse perdo, nem aceitam, em amor,que so pecadores, destroem-se a si mesmos, enredados por um juzo que no vemde Deus mas deles prprios.

    O perdo que Jesus oferece expresso do seu compromisso vivo e profundo afavor dos marginalizados. No se trata de algo que surge aps o arrependimento econverso do pecador mas ponto de partida: ddiva de Deus. A transcendnciaradical de Deus tem a sua expresso mxima no perdo.

    Desaparecem os elementos de vingana prprios do apocalipse judaico e emergeo amor criador de Deus que se exprime no perdo.

    34Traduo livre do tradutor: A travs de todas las tergiversaciones, tan nefastas y lamentables, lasreligiones no contienen, en el fondo, sino este testimonio unnime: existe una realidad ltima que nosacoge a todos los seres con todos nuestros daos producidos y padecidos, que nos abraza en unabrazo nico a culpables y vctimas, al culpable y a la vctima que somos todos, haciendo a la vctimacapaz de perdn al culpable capaz de bondad. Lo que importa es, por fin, que el ser humano en suherida personal y estructural se sepa infinitamente acogido y envuelto por un Dios de todo consuelo(2 Cor 1, 3) que le ponga en pie y le habilite para ser otro y mejor, para transformarse y transformaresta historia agravada de tanto dolor injusto. sta es, por fin, la palabra que se busca y que seanuncia en el fondo de las religiones, as como en el fondo del corazn humano: Tampoco yo tecondeno. Vete y no peques ms. Y es responsabilidad de las religiones procura que ninguna palabrade angustia y condena prevalezca sobre esta palabra de gracia.35PIKAZA, X. El perdn en el Nuevo Testamento en EQUIZA, J. Para celebrar el sacramento de la

    penitencia. El perdn divino y la reconciliacin eclesial hoy. Evd, 2000, 51-73.

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    Certamente continua a existir, nas nossas vidas, um juzo castigador, mas essecastigo no vem de Deus, mas de ns prprios, que recusamos o perdo e, ficamosassim, entregues violncia da vingana, to humana e to frequente no nossomundo.

    Jesus RedentorO redentor, o goel era, para Israel, o que resgatava, o que devolvia a liberdade.Em Jesus, o juiz transforma-se em redentor. Jesus apresentou-se como

    mensageiro de um juzo de Deus que se realiza na forma de perdo e em absolutagratuidade. No veio pedir contas aos pecadores mas oferecer o jubileu supremo daliberdade e do perdo, entendidos como graa do amor de Deus.

    Redimiu-nos num gesto de amor gratuito, para que nos possamos realizar comopessoas. Gratuitamente, sem cobrar por isso.

    Jesus Libertador

    O perdo redentor expande-se e exprime-se em libertao, chamando-nos a viverem liberdade. Liberta-nos para que possamos viver em liberdade.

    Jesus ReconciliadorO perdo reconcilia-nos no apenas com Deus mas tambm, uns com os outros,

    todos somos iguais, todos fomos reconciliados e perdoados por Deus. Como dizS. Paulo: Deus est em Cristo reconciliando o mundo consigo mesmo, no lheimputando os seus pecados e concedendo a ns prprios a tarefa da reconciliao.

    Jesus Salvador

    Salvao entendida como harmonia total e transbordante: viver em amizade em

    Deus, abrir-se em gestos de fraternidade com todos os irmos.

    Anlise de alguns textos onde Jesus mostra o seu modo de perdoarPoderamos analisar muitos textos evanglicos do perdo: a cura de um paraltico

    (Mc 2, 1-12); o perdo a uma mulher acusada de adultrio (Jo 8, 1-11); Levi, opublicano (Mc 2, 13-17) que podia ligar-se a Zaqueu, tambm publicano (Lc 19, 1-10); o perdo das ofensas (Mt 18, 21-23); a pecadora que lava com perfume (Lc 7,36-50) e o filho prdigo (Lc 15, 11-32).

    Podem encontrar uma anlise desenvolvida dos textos sobre a mulher acusada de

    adultrio e a pecadora que lava com perfume, em MARTNEZ OCAA, E., Cuando lapalabra se hace cuerpo en cuerpo de mujer, Narcea, Maio 2007.