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TEORIA DO CONHECIMENTO1
Primeira Parte: Teoria do conhecimento na Antiguidade
1. Filosofia pré-socrática
A filosofia pré-socrática se caracteriza pela preocupação com a natureza do mundo exterior. O nascimento
da filosofia na Grécia é marcado pela passagem da cosmogonia para a cosmologia. A cosmogonia, típica do
pensamento mítico, é descritiva e explica como do caos surge o cosmos, a partir da geração dos deuses,
identificados às forças da
natureza. Na cosmologia, as explicações rompem com a religiosidade: a arché (principio) não se encontra mais
na ordem do tempo mítico, mas significa princípio teórico, enquanto fundamento de todas as coisas. Daí a
diversidade de escolas filosóficas, dando origem a fundamentações conceituais (e portanto abstratas) muito
diferentes entre si.
Vamos destacar apenas dois, dentre os pré-socráticos: Heráclito e Parmênides. Relembramos também que
o tempo destruiu grande parte da obra dos primeiros filósofos, deles nos restando apenas fragmentos e os
comentários sobre seus textos feitos pelos filósofos do período clássico.
2. Heráclito: tudo flui
Heráclito (544-484 a.C.) nasceu em Efeso, na Jônia (atual Turquia). Tal como seus
contemporâneos pré-socráticos, busca compreender a multiplicidade do real. Mas, ao contrário deles, não
rejeita as contradições e quer apreender a realidade na sua mudança, no seu devir. Todas as coisas mudam sem
cessar, e o que temos diante
de nós em dado momento é diferente do que foi há pouco e do que será depois: "Nunca nos banhamos duas
vezes no mesmo rio", pois na segunda vez não - somos os mesmos, e também o rio mudou.
Portanto não há ser estático, e o dinamismo pode bem ser representado pela metáfora do fogo, forma
visível da instabilidade, símbolo da eterna agitação do devir, "o fogo eterno e vivo, que ora se acende e ora se
apaga".
Para Heráclito o ser é o múltiplo. Não no sentido apenas de que existe a multiplicidade das coisas, mas de
que o ser é múltiplo por estar constituído de
oposições internas. O que mantém o fluxo do movimento não é o simples aparecer de novos seres, mas a luta
dos contrários, pois "a guerra é pai de todos, rei de todos".
E é da luta que nasce a harmonia, como síntese dos contrários.
Pode-se dizer que Heráclito teve a intuição da lógica dialética, a ser elaborada por
Hegel e depois Marx, no século XIX.
3. Parmênides: o ser é imóvel
Parmênides (c.540-c.470 a.C.) viveu em Eléia, cidade do sul da Magna Grécia atual Itália) e é o principal
expoente da chamada escola eleática. Elaborou importantíssima teoria filosófica na medida em que influenciou
1 Texto adaptado do livro: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: nintrodução à filosofia. São
Paulo: Moderna, 2003.
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de forma decisiva o pensamento ocidental. Ocupou-se longamente em criticar a filosofia heraclitiana: ao "tudo
flui" (panta rei) de Heráclito, contrapôs a imobilidade do ser.
Para Parmênides é absurdo e impensável considerar que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. A
contradição opõe o principio segundo o qual "o ser é" e o "não ser não é". Mais tarde, os lógicos chamarão a
isto princípio de identidade, base de toda construção metafísica posterior.
Por raciocínios que não cabe examinar neste pequeno espaço, Parmênides conclui, a partir do princípio
estabelecido, que o ser é único, imutável, infinito e imóvel. Não há, entretanto, como negar a existência do
movimento no mundo que percebemos, onde as coisas nascem e morrem, mudam de lugar e se expõem em
infinita multiplicidade. Para Parmênides, o movimento existe apenas no mundo sensível, e a percepção levada
a efeito pelos sentidos é ilusória. Só o mundo inteligível é verdadeiro, pois está submetido ao principio que
hoje chamamos de identidade e de não-contradição
Uma das conseqüências dessa teoria é a identidade entre o ser e o pensar. Ou seja, as coisas que existem
fora de mim são idênticas ao meu pensamento, e o que eu não conseguir pensar não pode ser na realidade.
4. Os sofistas
O século de Péricles (V a.C.) constitui o período áureo da cultura grega, quando a
democrática Atenas desenvolve intensa vida cultural e artística. Os pensadores do período clássico, embora
ainda discutam questões referentes à natureza, desenvolvem o
enfoque antropológico, abrangendo a moral e a política.
Os sofistas vivem nessa época, e alguns deles são interlocutores de Sócrates. Os mais famosos sofistas
foram: Protágoras, de Abdera (485-411 a.C.); Górgias, de Leôncio, na Sicília (485-380 a.C.); Híppias, de Elis; e
ainda Trasimaco, Pródico, Hipódamos, entre outros.
Tal como ocorreu com os pré-socráticos, dos sofistas só nos restam fragmentos de suas
obras, além das referências - muitas vezes tendenciosas - feitas por filósofos posteriores.
A palavra sofista, etimologicamente, vem de sophos, que significa "sábio", ou melhor, "professor de
sabedoria".
Posteriormente adquiriu o sentido pejorativo de "homem que emprega sofismas", ou seja, alguém que usa de
raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar. Sóphisrna significa "sutileza de sofista".
Os sofistas sempre foram mal interpretados devido às criticas que sobre eles fizeram Sócrates e Platão. A
imagem de certa forma caricatural da sofística tem sido reelaborada no sentido de procurar resgatar a
verdadeira importância do seu pensamento. Desde que os sofistas foram reabilitados por Hegel no século XIX,
o período por eles iniciado passou a ser denominado Aujklãrung grega (imitando a expressão alemã que designa
o iluminismo europeu do século XVIII).
São muitos os motivos que levaram à visão deturpada dos sofistas que a tradição nos oferece. Em primeiro
lugar, há enorme diversidade teórica entre os pensadores reunidos sob a designação de sofista. Talvez o que
possa identificá-los é o fato de serem
considerados sábios e pedagogos. Vindos de todas as partes do mundo grego, desenvolvem um ensino
itinerante pelos locais em que passam, mas não se fixam em lugar algum. Deve-se a isso o gosto pela crítica, o
exercício do pensar resultante
da circulação de idéias diferentes.
Segundo Jaeger, historiador da filosofia, os sofistas exercem influência muito forte,
vinculando-se à tradição educativa dos poetas Homero e Hesíodo. Os sofistas deram importante contribuição
para a sistematização do ensino. Formaram um currículo de estudos: gramática (da qual foram os iniciadores),
retórica e dialética; por influência dos pitagóricos, desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia e a
música. Essa divisão será retomada no ensino medieval, constituindo o triviam (referente aos três primeiros) e
o quadrivium (referente aos quatro últimos). Para escândalo de seus contemporâneos, costumavam cobrar pelas
aulas e por esse motivo Sócrates os acusava de prostituição. Cabe aqui um reparo: na Grécia Antiga, apenas os
nobres se ocupavam com o trabalho intelectual, pois gozavam do ócio, ou seja, da disponibilidade de tempo
decorrente do fato de que o trabalho manual, de subsistência, era ocupação de escravos. Ora, os sofistas,
geralmente homens saídos da classe média, faziam das aulas seu ofício, já que não eram suficientemente ricos
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para filosofarem descompromissadamente. Se alguns sofistas de menor valor podiam ser chamados de
mercenários do saber, isso na verdade era acidental.
Os sofistas elaboram o ideal teórico da democracia, valorizada pelos comerciantes em ascensão, cujos
interesses se contrapõem aos da aristocracia rural. A exigência que os sofistas vêm satisfazer é de ordem
essencialmente prática, voltada para a vida: iniciam os jovens na arte da retórica, instrumento indispensável na
assembléia democrática, e os deslumbram com o brilhantismo da participação no debate público.
Se foram acusados pelos seus detratores de pronunciarem discursos vazios, essa fama se deve à excessiva
atenção dada por alguns deles ao aspecto formal da exposição e da defesa das idéias, pois se achavam
preocupados com a persuasão, instrumento por excelência do cidadão na cidade democrática. Os melhores
deles, no entanto, buscaram aperfeiçoar os instrumentos da razão, ou seja, a coerência e o rigor da
argumentação, porque não basta dizer o que se considera verdadeiro, é preciso demonstrá-lo pelo raciocínio.
Pode-se dizer que aí se encontra o embrião da lógica, mais tarde desenvolvida por Aristóteles.
Quando Protágoras, um dos mais importantes sofistas, diz que "o homem é a medida de todas as coisas",
esse fragmento deve ser entendido não como expressão do relativismo do conhecimento, mas enquanto
exaltação da capacidade de construir a verdade: o logos não mais é divino, mas decorre do exercício técnico da
razão humana.
5. Sócrates
Sócrates (c.470-399 a.C.) nada deixou escrito, e teve suas idéias divulgadas por dois de seus principais
discípulos, Xenofonte e Platão. Evidentemente, devido ao brilho deles, é de se supor que nem sempre fossem
realmente fiéis ao pensamento do mestre. Nos diálogos que Platão escreveu, Sócrates figura sempre como o
principal interlocutor.
Mesmo tendo sido incluído muitas vezes entre os sofistas, Sócrates recusava tal
classificação, e opunha-se a eles de forma crítica. Sócrates se indispôs com os poderosos do seu tempo, sendo
acusado de não crer nos deuses da cidade e corromper
a mocidade. Por isso foi condenado e morto.
Costumava conversar com todos, fossem velhos ou moços, nobres ou escravos, preocupado com o método
do conhecimento. Socrates parte do pressuposto "só sei que nada sei", que consiste justamente na sabedoria de
reconhecer a própria ignorância, ponto de partida para a procura do saber.
Por isso seu método começa pela parte considerada "destrutiva", chamada ironia (em grego, perguntar").
Nas discussões afirma inicialmente nada saber, diante do oponente que se diz conhecedor de determinado
assunto. Com hábeis perguntas, desmonta as certezas até o outro reconhecer a ignorância. Parte então para a
segunda etapa do método, a tnaiêutica (em grego, "parto"). Dá esse nome em homenagem a sua mãe, que era
parteira, acrescentando que, se ela fazia parto de corpos, ele "dava à luz" idéias novas.
Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituído para reconstruí-lo na
procura da definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos relatados por Platão, e é
bom lembrar que, no final, nem sempre Sócrates tem a resposta: ele também se põe em busca do conceito e às
vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas.
As questões que Sócrates privilegia são as referentes à moral, daí perguntar em que
consiste a coragem, a covardia, a piedade, a justiça e assim por diante. Diante de diversas manifestações de
coragem, quer saber o que é a "coragem em si", o universal que a representa. Ora, enquanto a filosofia ainda é
nascente, precisa inventar palavras novas, ou usar as antigas dandolhes sentido diferente. Por isso Sócrates
utiliza o termo logos, que na linguagem comum significava "palavra", "conversa", e que no sentido filosófico
passa a significar "a razão que se dá de algo", ou mais propriamente, conceito.
Assim explica García Morente: "O que os geômetras dizem de uma figura, do circulo, por exemplo, para
defini-lo, é o logos do circulo, é a razão dada do círculo. Do mesmo modo, o que Sócrates pede com afã aos
cidadãos de Atenas é que lhes dêem o logos da justiça, o logos da coragem. (...) Pois que é este logos senão o
que hoje denominamos conceito"? Quando Sócrates pede o logos, quando pede que indiquem qual é o logos da
justiça, que é a justiça, o que pede é o conceito da justiça, a definição da justiça".
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6. Platão
Platão (428-347 a.C.) viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia.
Para melhor sintetizar as idéias de Platão, recorremos ao livro VII de A República,
onde seu pensamento é ilustrado pelo famoso "mito da caverna". Platão imagina uma caverna onde estão
acorrentados os homens desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas
enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onde há uma
fogueira.
Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos,
quando regressasse, relatando o que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não
acreditando em suas palavras. A análise do mito pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o
epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (relativo ao poder).
Segundo a dimensão epistemológica, o mito da caverna é uma alegoria a respeito das duas principais
formas de conhecimento: na teoria das idéias, Platão distingue o mundo sensível, dos fenômenos, e o mundo
inteligível, das idéias.
O mundo sensível, acessível aos sentidos, é o mundo da multiplicidade, do movimento, e é ilusório, pura
sombra do verdadeiro mundo. Assim, mesmo se percebemos inumeras abelhas dos mais variados tipos, a idéia
de abelha deve ser una, imutável, a verdadeira realidade. Com isto Platão se aproxima do instrumental teórico
de Parmênides e, aliando-o aos ensinamentos de Sócrates, elabora uma teoria original.
Do seu mestre aproveita a noção nova de logos, e continuando o processo de compreensão do real, cria a
palavra idéia (eidos), para referir-se à intuição intelectual, distinta da intuição sensível.
Portanto, acima do ilusório mundo sensível, há o mundo das idéias gerais, das essências imutáveis que o
homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos.
Sendo as idéias a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo
das idéias, do qual é apenas sombra ou cópia. Por exemplo, um cavalo só é cavalo enquanto participa da idéia
de "cavalo em si". Trata-se da teoria da participação, mais tarde duramente criticada por Aristóteles.
Para Platão há uma dialética que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis ás idéias unas e
imutáveis. As idéias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a idéia do Bem, a mais alta em perfeição e a
mais geral de todas: os seres e as coisas não existem senão enquanto participam do Bem. E o Bem supremo é
também a Suprema Beleza. É o Deus de Platão. Se lembrarmos dos pré-socráticos, podemos verificar que
Platão tenta superar a oposição instalada pelo pensamento de Heráclito, que afirmava a mutabilidade essencial
do ser, e a posição de Parmênides, para o qual o ser é imóvel. Platão resolve o problema: o mundo das idéias se
refere ao ser parmenideo, e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitiano.
Mas como é possível aos homens ultrapassarem o mundo das aparências ilusórias? Platão supôe que os
homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das idéias. Mas tudo esquecem
quando se degradam ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o "túmulo da alma". Pela teoria da
reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as
lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como
um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a "lembrar-se" das idéias e
descobre uma verdade geométrica.
Voltando ao mito da caverna: o filósofo (aquele que se libertou das correntes), ao
contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio
dos homens para orientá-los.
Eis assim a segunda dimensão do mito, a política, surgida da pergunta: como influenciar os homens que
não vêem? Cabe ao sábio ensinar e governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos
homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado.
dealismo objetivo.
7. Aristóteles
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Arístóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagíra, na Calcídica (região dependente da Macedônia). Seu pai
era médico de Filipe, rei da Macedônia. Mais tarde. Alexandre, filho de Felipe, foi discípulo de Aristóteles até o
moento em que precisou assumir precocemente poder e continuar a expansão do império.
Freqüentou a Academia de Platão e a fidelidade ao mestre foi entremeada por críticas que mais tarde
justificaria dizendo: "Sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade". Sua extensa obra forma um dos
grandes sistemas filosóficos cuja importância se encontra tanto na abrangência dos assuntos abordados como na
interligação rigorosa e nas partes constitutivas. Em 340 a.C. funda em Atenas o Liceu, assim chamado por ser
vizinho do templo de Apolo Lício.
Aristóteles retoma a problemática do conhecimento e se preocupa em definir a ciência como
conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, capaz de superar enganos da opinião e de compreender a
natureza do devir. Mas ao analisar a oposição entre o mundo sensível e o inteligível segundo a tradição de
Heráclito, Parmênides e Platão, Aristóteles recusa as soluções apresentadas e critica pormenorizadamente o
mundo "separado" das idéias platônicas.
A teoria aristotélica se baseia em três distinções fundamentais, que passamos a descrever
simplificadamente: suhstãncia-essência-acidenpe-potencia; forma-matéria, que por sua vez desembocam na
teoria das quatro causas. Aristóteles "traz as idéias do céu à terra": o mundo das idéias de Platão, fundindo o
mundo sensível e o inteligível no conceito da substância, enquanto "aquilo que é em si mesmo, ou enquanto
suporte dos atributos. Ora, quando dizemos algo de uma substância podemos nos referir a atributos que lhe
convém de tal forma que, se lhe faltassem, a substância não seria o que é. Designamos esses atributos de
essência propriamente dita, e chamamos de acidente o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de
ser o que é. intão, a substância individual "este homem" tem como características essenciais os atributos pelos
quais este homem é homem (Aristóteles diria, a essência do homem é a racionalidade) e outros, acidentais
(como ser gordo, velho ou belo), atributos esses que não mudam o ser do homem em si.
No entanto, o problema das transformações dos seres ainda não se resolve com os
conceitos de essência e acidente, e por isso Aristóteles recorre às noções forma e matéria. Matéria é o princípio
indeterminado de que o mundo físico é composto, é "aquilo de que é feito algo", o que não coincide exatamente
com o que nós entendemos por matéria, na física, por se caracterizar pela indeterminação.
Forma é "aquilo que faz com que uma coisa seja o que é".
Todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto a forma é o princípio
inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie, pela qual todos são o que são, a matéria é pura
passividade, contendo a forma em potência. Numa estátua, por exemplo, a matéria (que nesse caso é a matéria
segunda, pois já tem alguma determinação) é o mármore; a forma é a idéia que o escultor realiza na estátua.
É através da noção de matéria e forma que se explica o devir. Todo ser tende a tornar atual a forma que
tem em si como potência. Assim, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e se transformar no
carvalho que era em potência.
Percebe-se aí o recurso aos dois outros conceitos, de ato e potência, que explicam como dois seres
diferentes podem entrar em relação, agindo um sobre o outro. O conceito de potência não deve ser confundido
com força, mas sim com a ausência de perfeição em um ser capaz de vir a possuí-la, Pois uma potência é a
capacidade de tornar-se alguma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A semente
que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato.
O movimento é, pois, a passagem da potência para o ato. O movimento é "o ato de um ser em potência
enquanto tal", é a potência se atualizando. Tais considerações levam à distinção dos diversos tipos de
movimento e às causas do movimento ou teoria das quatro causas: as mudanças derivam da causa material, da
causa formal, da causa eficiente e da causa final.
Mesmo ainda considerando o postulado parmenídeo de que o ser é idêntico ao pensar, Aristóteles pôde
superar Parmênides e Platão ao usar os conceitos acima expostos, pelos quais se compreende a imutabilidade e
a mudança, o acidental e o essencial, o individual e o universal. Se conhecer é lidar com conceitos universais, é
também aplicar esses conceitos a cada coisa individual. Com isso, nem é preciso justificar a imobilidade do ser,
nem criar o mundo das essências imutáveis, Deus, Ato Puro
Toda a estrutura teórica da filosofia aristotélica desemboca na teologia. A descrição das relações entre as
coisas leva ao reconhecimento da existência de um ser superior e necessário, ou seja, Deus. Isso porque, se as
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coisas são contingentes, já que não têm em si mesmas a razão de sua existência, é preciso concluir que são
produzidas por causas a elas exteriores. Assim, todo ser contingente foi produzido por outro ser, que também é
contingente e assim por diante. Para não ir ao infinito na seqüência de causas, é preciso admitir uma primeira
causa, por sua vez incausada, um ser necessário (e não contingente). Esse Primeiro Motor (imóvel, por não ser
movido por nenhum outro) é também um puro ato (sem nenhuma potência). Chamamos Deus ao Primeiro
Motor Imóvel, Ato Puro, Ser Necessário, Causa Primeira de todo existente.
Segunda Parte: Teoria do conhecimento na Idade Média
1. A patrística
No período de decadência do Império Romano, quando o cristianismo se expande, surge a partir do século
II a filosofia dos Padres da Igreja, conhecida também como patrística. No esforço de converter os pagãos,
combater as heresias e justificar a fé, desenvolvem a apologetica, elaborando textos de efesa do cristianismo.
Começa aí uma longa liança entre fé e razão que se estende por toda Idade Média e em que a razão é
considerada auxiliar da fé e a ela subordinada. Daí a expressão agostiniana "Credo ut intelligam", que significa
"Creio para que possa entender".
Os Padres recorrem inicialmente à filosofia platônica e realizam uma grande síntese com a doutrina cristã,
mediante adaptações consideradas necessarias.
O principal nome da patrística é Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona, cidade do norte da Africa.
Agostinho retoma a dicotomia platônica referente ao mundo sensível e ao mundo das idéias e substitui esse
último pelas idéias divinas. Segundo a teoria da iluminação, o homem recebe de Deus o conhecimento das
verdades eternas: tal como Sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar correto.
Santo Agostinho viveu no final da Antiidade; logo depois Roma cai nas mãos dos
bárbaros, tendo início o longo período da Idade Média. Na primeira metade, conhecida como Alta Idade
Média, continua sendo enorme a influência dos Padres da Igreja, e vários pensadores de saber enciclopédico
retomam a cultura antiga, continuando o trabalho de adequação às verdades teológicas.
2. A escolástica
A escolástica é a filosofia cristã que se desenvolve desde o século IX, tem o seu apogeu no século XIII e
começo do século XIV, quando entra em decadência.
Continua a aliança entre razão e fé, aquela sempre considerada a "serva da teologia". Com freqüência as
disputas terminam com o apelo ao princípio da autoridade,
que consiste na recomendação de humildade para se consultar os intérpretes autorizados
pela Igreja.
No entanto, a partir do século Xl, com o renascimento urbano, começam a surgir
ameaças de ruptura da unidade da Igreja, e as heresias anunciam o novo tempo de contestação e debates em que
a razão busca sua autonomia. Inúmeras universidades aparecem por toda a Europa e são indicativas do gosto
pelo racional, tornando-se focos por excelência de fermentaçao intelectual.
Durante muito tempo predomina na Idade Média a influência da filosofia de Platão, considerada mais
adaptável aos ideais cristãos. O pensamento de Aristóteles era visto com desconfiança, ainda mais pelo fato de
os árabes terem feito interpretações
tidas Como perigosas para a fé.
A partir do século XIII, Santo Tomás utiliza as traduções feitas diretamente do grego e faz a síntese mais
fecunda da escolástica. e que será conhecida como filosofia aristotélico-tomista. Daí para frente a influência de
Aristóteles se fará sentir de maneira forte, sobretudo pela ação dos padres dominicanos e mais tarde dos
jesuítas, que desde o Renascimento, e por vários séculos, mostraram-se empenhados na formação dos jovens.
Se por um momento a recuperação do aristotelismo constitui um recurso fecundo para Santo Tomás, já no
período final da escolástica torna-se um entrave para o desenvolvimento da ciência. Basta lembrar a crítica de
Descartes e a luta de Galileu contra o saber petrificado da escolástica decadente.
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A questão dos universais
Aristóteles não será conhecido na Idade Média a não ser a partir do século
XIII, quando suas obras são traduzidas para o latim.
No entanto, no século VI. Boécio traduzira a lógica aristotélica, tecendo um comentário a respeito da
questão da existência real ou não dos universais.
O universal é o conceito, a idéia, a essencia comum a todas as coisas (por exemplo, o conceito de homem). Em
outras palavras, perguntava-se se os gêneros e espécies tinham existência separada dos objetos sensíveis: as
espécies (como o cão) e os gêneros (como os animais) teriam existência real"? Ou seja, selam realidades, idéias
ou apenas" palavras? Essa questao é retomada nos séculos XI e XII, alimentando longa polêmica, cujas
soluções principais são: o realismo, o conceptualismo e o nominalismo.
Os realistas, como Santo Anselmo e Guilherme de Champeaux, consideram que o universal tem realidade
objetiva (são res, ou seja, "coisa"). É evidente a influência platônica do mundo das idéias. No século XIII,
Santo Tomás de Aquino, já conhecendo Aristóteles, é partidário do realismo moderado, segundo o qual os
universais só existem
formalmente no espírito, mas têm fundamento nas coisas.
Para os nominalistas, como Roscelino, o universal é apenas um conteúdo da nossa
mente, expresso em um nome. Ou seja, os universais são apenas palavras, sem nenhuma realidade específica
correspondente. Essa tendência reaparece no século XIV com Guilherme de Ockam, franciscano que representa
a reação à filosofia de Santo Tomás.
Pedro Abelardo, grande mestre da polêmica, opta pela posição conceptualista, intermediária entre as duas
anteriores. Para ele os universais são conceitos, entidades mentais.
Podemos analisar o significado dessas oposições a partir das contradições que estahelecem fissuras na
compreensão mística de mundo medieval. Sob esse aspecto, os realistas são os partidários da tradição, e como
valorizam o universal, a autoridade, a verdade eterna, representada pela fé. Por outro lado os nominalistas
consideram que o individual e mais real, indicando o deslocamento do critério da verdade da fé e da autoridade
para a razão humana. Naquele momento histórica essa última posição representa a emergência do racionalismo
burguês em oposição às forças feudais que deseja superar.
ROTEIRO DE LEITURA
1. Qual é a principal preocupação dos filósofos pré-socráticos?
2. Faça um paralelo entre Heráclito e Parmênides, por meio de um esquema comparativo de suas
idéias.
3. Qual foi a principal contribuição de Parmênides ao pensamento ocidental?
4. Qual foi a importância dos sofistas para a educação e a política?
5. "Só sei que nada sei": em que medida não se trata de simples conclusão psicológica, mas de uma
atitude filosófica?
6. Qual é a importância do conceito, não só no pensamento de Sócrates, mas para a filosofia nascente?
7. Em que medida a teoria das idéias de Platão pretende superar o pensamento de Heráclito e
Parmênides?
8. Analise a seguinte citação de Platão:
"E, quanto à procura da sabedoria, que dizes? O corpo não é um impedimento?... E, por isso, a
alma raciocina perfeitamente quando nenhuma destas sensações a ofusca, sem a vista nem o
ouvido, nem o prazer nem a dor; mas permanecendo só, separada do corpo, desdenhosa de ter
que achar-se em contato com ele, dirige-se com todo seu poder para o que é".
9. O que significa dizer que Aristóteles trouxe "as idéias do céu à terra"?
10. Qual é a importância da apologética, e em que medida essa preocupação representará a
especificidade do pensamento medieval?
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11. Como se deu a influência de Platão e Aristóteles no período medieval?
12. Em que consiste a questão dos universais? Em que eles retomam questões abordadas pelos gregos?
Que significado podem ter, considerando as mudanças que ocorrem naquele período medieval?