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A TipoGrafia como Imagem Noel Fernández Martínez 1 A Dinâmica Futurista Embora iniciado como um movimento de reforma literária, em breve o futurismo expandiu-se e abarcou outras disciplinas como a pintura, a escultura, a publicidade e o design tipográfico. Para este último, o Futurismo supôs uma ruptura frontal do uso das formas tipográficas tradicionais, onde os criadores se aventuravam na busca de novos modos de expressão. Nesta era da velocidade ninguém está interessado no desenvolvimento de um alfabeto destinado ao uso comum. O poema tipográfico Futurista normalmente era orquestrado para prover um senso de simultaneidade de sons e eventos e, ao mesmo tempo, um sentimento de avanço físico de um elemento por outro. Não há hierarquia de importância, nenhum princípio organiza a leitura das palavras de modo que concentre a atenção do olho do leitor. O uso do espaço em branco como efeito de silêncio nos designs enfatizava o sentido das palavras para criar um impacto emocional no espectador. Os artistas tentavam capturar a energia da velocidade com arcos dinâmicos e superestruturas na página. Os textos se repartem no espaço em forma de colagem criando elementos construtivos, o padrão tradicional de leitura é questionado em muitos dos trabalhos futuristas. Outro rasgo importante deste período é que, o tipo e as letras se convertem em elementos autônomos de design, empregados de maneira livre, utilizando um forte contraste de formas e tamanhos e o uso da linha diagonal com o texto, assim como a repetição seqüencial do mesmo faz surgir uma tipografia de símbolos verbais. “Os futuristas viram, na possibilidade dos fragmentos de palavras flutuantes, uma oportunidade para manifestar analogias mais profundas: o conjunto de palavras associadas com coisas discrepantes, animar e in-animar, serviria para capturar o senso moderno da simultaneidade de experiências diversas” 2 . Para Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), líder do Movimento, era preciso confundir deliberadamente o objeto com a imagem evocada. O mais importante é que ele percebeu que as letras que compunham 1 Mestrado em Arte e Tecnologia pela Universidade de Brasília, Brasil. (2003-Em andamento). Design Gráfico pelo Instituto Superior de Desenho Industrial (ISDI) da Havana, Cuba. (1990-1995). Escultura e Desenho pela Escola Profissional de Arte de Camagüey, Cuba. (1984-1988). 2 VARNEDDE, Kirk; GOPNIK Adam. High & Low, Modern Art and Popular Culture . New York, The Museum of Modern Art. 1990. pág. 31.

A Tipografia Como_Imagem

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A mancha tipográfica na formação de imagens.

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  • A TipoGrafia como Imagem

    Noel Fernndez Martnez1

    A Dinmica Futurista

    Embora iniciado como um movimento de reforma literria, em breve o

    futurismo expandiu-se e abarcou outras disciplinas como a pintura, a escultura, a

    publicidade e o design tipogrfico. Para este ltimo, o Futurismo sups uma ruptura

    frontal do uso das formas tipogrficas tradicionais, onde os criadores se aventuravam na

    busca de novos modos de expresso. Nesta era da velocidade ningum est interessado

    no desenvolvimento de um alfabeto destinado ao uso comum. O poema tipogrfico

    Futurista normalmente era orquestrado para prover um senso de simultaneidade de sons

    e eventos e, ao mesmo tempo, um sentimento de avano fsico de um elemento por

    outro. No h hierarquia de importncia, nenhum princpio organiza a leitura das

    palavras de modo que concentre a ateno do olho do leitor. O uso do espao em branco

    como efeito de silncio nos designs enfatizava o sentido das palavras para criar um

    impacto emocional no espectador.

    Os artistas tentavam capturar a energia da velocidade com arcos dinmicos e

    superestruturas na pgina. Os textos se repartem no espao em forma de colagem

    criando elementos construtivos, o padro tradicional de leitura questionado em muitos

    dos trabalhos futuristas. Outro rasgo importante deste perodo que, o tipo e as letras se

    convertem em elementos autnomos de design, empregados de maneira livre, utilizando

    um forte contraste de formas e tamanhos e o uso da linha diagonal com o texto, assim

    como a repetio seqencial do mesmo faz surgir uma tipografia de smbolos verbais.

    Os futuristas viram, na possibilidade dos fragmentos de palavras flutuantes,

    uma oportunidade para manifestar analogias mais profundas: o conjunto de palavras

    associadas com coisas discrepantes, animar e in-animar, serviria para capturar o senso

    moderno da simultaneidade de experincias diversas2. Para Filippo Tommaso Marinetti

    (1876-1944), lder do Movimento, era preciso confundir deliberadamente o objeto com

    a imagem evocada. O mais importante que ele percebeu que as letras que compunham

    1 Mestrado em Arte e Tecnologia pela Universidade de Braslia, Brasil. (2003-Em andamento). DesignGrfico pelo Instituto Superior de Desenho Industrial (ISDI) da Havana, Cuba. (1990-1995). Escultura eDesenho pela Escola Profissional de Arte de Camagey, Cuba. (1984-1988).2 VARNEDDE, Kirk; GOPNIK Adam. High & Low, Modern Art and Popular Culture . New York, TheMuseum of Modern Art. 1990. pg. 31.

  • as palavras no eram meros signos alfabticos, mas, sim, signos portadores de fora

    expressiva e imagtica.

    A publicao em 1919 de parole in libert3 (palavra em liberdade) ofereceu

    a Marinetti a possibilidade de mostrar uma antologia com suas propostas de tipografia

    potica, onde as palavras so liberadas da gramtica e de sua organizao convencional

    para assumir novos significados. Pesos e formatos diferentes, e no apenas sua posio

    na pgina, davam s palavras um carter expressivo distinto. Isto demonstrou que as

    letras podiam ser usadas quase como se fossem imagens visuais.

    Em obras como De noite, na cama, ela rel a carta de seu artilheiro na frente

    de batalha (fig.1) e Viva a Frana (fig.2) os elementos de analogia so operados com

    total autonomia. Ele acreditava na aparncia onomatopica da forma lingstica, e sua

    capacidade de mediao e expresso. O uso da tipografia est relacionado com o

    musical, a partir da preocupao pelo valor puramente fnico da linguagem. Essa

    absoluta liberdade conduz destruio das formas mtricas tradicionais e ao

    desenvolvimento das possibilidades visuais ou fnicas da linguagem.

    O jogo potico-visual consegue mostrar e sugerir fatos, eventos e relaes que

    a percepo comum no observa graas linguagem inovadora, e, na maioria dos casos,

    atrevida na imagem, desconcertante no uso da metfora.

    A Experimentao Dadasta

    Essencialmente, o Dadasmo constituiu um movimento que desafiou o tempo,

    revolucionando e transgredindo os conceitos que se tinham at aquele momento sobre a

    arte. Mais do que um estilo foi uma atitude, um movimento de protesto contra o mundo

    scio-cultural da poca.

    As imagens implementadas pelos artistas dad, a partir da tipografia,

    pretendiam incongruncias e deslocamentos com a inteno de provocar uma

    conscincia da irracionalidade catica. A tipografia era totalmente desprovida de

    intenes informativas ou publicitrias, mas essa liberdade de formas , ainda hoje,

    muito estimulante como experimento individual de design. As letras juntam-se e

    repelem-se determinando formas caprichosas e linhas interrompidas, conjugadas com

    fortes contrastes de tamanho e espessura, chegando a ser em alguns casos elementos

    3 N. do. A. Primeiro livro publicado por Marinetti intitulado Zang Tumb Tumb que consistia em umaespcie de pintura verbal que celebrava a batalha de Trpoli acontecida na Itlia da Primeira GuerraMundial.

  • ilustrativos da composio, formas pictricas que se mesclam com as mesmas e, em

    todos os casos, portadoras de forte dinamismo visual. Em vez de amontoar caracteres

    impressos, os Dadastas jogavam com as fragmentaes tipogrficas em alienaes

    novas, mais afiadas. Isto se manifestava por meio de letras e frases isoladas, fixadas a

    nenhum conceito especfico, estabelecendo uma confuso a partir de escalas e pesos

    diferentes. Cria-se uma certa desordem que explora as potencialidades da tipografia

    como signo expressivo.

    Assume-se um tratamento radical do movimento a partir de contrastes bruscos

    criando conjuntos insuspeitados, onde a letra constitui o elemento mais interessante. Ela

    portadora em si mesma, de toda a expresso que persegue o artista. A sobreposio de

    caligrafias manuais, dos contrastes de tamanhos e das espessuras das letras, mesclados

    com fontes e smbolos, transmite uma sensao de anarquia. Isto demonstra que as

    intenes dos artistas no respondiam a uma teoria preestabelecida, que pretendia ser

    mais do que um protesto.

    Integradas nesta perspectiva, as mais importantes inovaes dadastas (o poema

    simultneo, o poema fontico, e o poema visual) adquiriram o seu verdadeiro

    significado. nestas inovaes, onde o real se converte em uma vertiginosa soma de

    estmulos no-sucessivos mas coincidentes no tempo, no-integrveis em uma

    percepo nica, que produzem a sensao de um amontoado catico.

    Ao utilizar a tcnica da colagem, herdada, sobretudo, da pintura cubista de

    Picasso e Braque, os dadastas reconheceram suas possibilidades para simbolizar uma

    nova realidade. A obra passa de uma viso naturalista para a idia de objeto. Planos e

    objetos heterogneos associam-se em um conjunto que mais do que a soma das suas

    partes. Princpios de simultaneidade, encontrados anteriormente no Futurismo, esto

    tambm, na base da colagem. A noo de um presente infinito e simultneo substitui a

    concepo do tempo segmentado em unidades sucessivas. Artistas como John

    Heartfield e Johannes Baader aplicaram esta linguagem com uma implicao tipogrfica

    sempre prevalecente.

    Juntamente com Jan Tschichold, Kurt Schwitters foi um dos principais ativistas

    da nova tipografia do momento, que advogava em favor do funcionalismo e da

    comunicao. Esta ltima devia ser feita do modo mais simples, conciso e penetrante

    possvel. Schwitters desenvolveu seu prprio estilo a partir de experincias tipogrficas

    radicais, publicadas principalmente no jornal Merz, criado por ele em 1923.

  • O carter ttil-sensorial, inclusive abrangente das formas tipogrficas de

    Schwitters, permite dialogar em ritmo intervisual, intertextual e intersensorial. O

    resultado da obra se d a partir da percepo e da potencialidade da palavra. Ela, como

    elemento de um conjunto, revela a sua enorme plasticidade semntica, produzindo ou

    sugerindo outros significados. O poema processa-se no jogo da continuidade visual e

    nas tenses espaciais, criados pelas letras. Elas se constituem como uma espcie de

    clulas que se combinam e justapem, criando um dinamismo que acentua o equilbrio

    sinttico e semntico.

    Raoul Hausmann, outro membro do movimento, adotou o modelo dos poemas

    cartazes, que consistia em colagens feitas com papel rasgado como um modo de

    contrariar a imagem da sociedade dominante, comercialmente voltada contra si mesmo.

    Suas obras apelam legitimidade do som, a partir da tipografia impressa, que renuncia

    evidentemente tradicional forma de comunicao grfica e defende a linguagem da

    subverso implantada pela ideologia dadasta.

    As imagens criadas por Hausmann, cujas incongruncias e deslocamentos

    foram empreendidas para provocar a conscincia da irracionalidade catica da vida

    contempornea, foram levadas para uma discusso na imagem comercial. A tipografia

    colocada como uma demonstrao de rudo em alienaes novas, mais afiadas, dentro

    de uma confuso voluntria em funo da confuso.

    A poesia visual dadasta pretendeu, pela ironia implcita na sua prpria

    banalidade, desmontar o processo convencional da escrita. Grande parte dela , contudo,

    efmera, apesar de sua imaginao verbal, da sua capacidade inventiva e, por vezes, da

    sua originalidade. Mas isso no invalida que a fora expressiva da tipografia estivesse

    presente como elo fundamental na linguagem comunicacional, abrindo os caminhos da

    moderna poesia visual que at hoje no deixou de ser explorada.

    O Espao Construtivista

    Os artistas do Construtivismo viram nos caminhos abertos pela revoluo de

    outubro a possibilidade concreta de romper o isolamento entre a arte e as massas, e

    construir uma nova arte para uma nova sociedade. Assim, tambm, foram os seus ideais

    em relao tipografia, na busca de um tipo funcional, neutro e compreensvel, que

    tirassem proveito dos meios tcnicos de reproduo.

    A tcnica do estncil, utilizada neste perodo, exigia uma tipografia com cores

    uniformes e formatos simples; linhas e traos finos ou letras delicadas eram

  • impossveis. Estas letras pesadas eram combinadas com figuras desenhadas e imagens

    produzidas por meio da fotografia. A composio virava um jogo mediante a

    justaposio e superposio dos elementos, pela combinao de diferentes pontos de

    vista, de cortes e recortes de imagens e da explorao tipogrfica com violentos

    contrastes e mudanas de ngulo. Assim, a obra de arte est em comunicao com o

    espao que a circunda e penetra, cuja estrutura invisvel se materializa nela.

    As palavras, juntamente com letras e nmeros, do ao design construtivista um

    significado mais especfico. Seu papel documental em relao s imagens traz consigo o

    argumento da obra. A geometria e as cores primrias das criaes construtivistas

    prevaleciam em um esforo para dar clareza a seus significados.

    Construiu-se uma nova realidade, uma vez que a tipografia se apresentava

    como projeto potico. O artista conseguia traduzir, na ressonncia do carter das letras,

    o argumento proposto pelo contedo. Alm de definir um projeto potico, definia-se

    tambm como um projeto poltico, dado que as escolhas incidiam sobre a arte do

    momento.

    Alexandre Rodtchenko (1891-1956) foi o artista russo que realizou aquilo que

    se tornou um dos alicerces do socialismo sovitico e do capitalismo mundial: a

    propaganda. Ele realizou diversos trabalhos com propaganda e tipografia como uma das

    formas de mostrar sua arte objetiva e carregada de smbolos universais, ao invs do

    subjetivismo individual. Em muitos de seus psteres possvel observar o uso de

    tipografias limpas, sem serifas, sem ornamentos, ora leve, ora 'pesada', mas apenas com

    os traos puros, as retas e curvas utilizadas de forma objetiva e racional. A tipografia

    sempre bem utilizada dentro dos espaos geomtricos buscando preencher as formas,

    ora ganhando a forma do desenho utilizado, ora compondo os espaos de forma

    simtrica.

    Juntamente com Rodtchenko se encontrava, tambm, El Lissitzky (1890-1941),

    quem apoiava o princpio segundo o qual os conceitos deveriam ser expressos com

    maior economia tica e no fontica, e que o plano do texto na pgina tem que refletir o

    ritmo do contedo. O Construtivismo, nos designs de El Lissitzky, expressa sua crena

    de que as palavras impressas so vistas, no ouvidas e que uma seqncia de pginas faz

    com que um livro se parea com um filme. O espectador completa as imagens, fazendo

    as conexes, como se elas fossem seqncias narrativas e contnuas de um filme.

    interessante observar o uso da tipografia por esses dois artistas (LISSITZKY

    e RODTCHENKO) e perceber que, na maioria de seus cartazes, eles utilizavam o tipo

  • como fator de impacto. Em todos os casos se percebe a utilizao de tipos limpos, sem

    serifa e bastante organizados, revelando o uso racional e objetivo da tcnica em favor do

    que eles acreditavam ser uma arte utilitria.

    A montagem expressiva, no Construtivismo, manifesta-se no s ao nvel

    semntico, mas tambm, ao nvel sinttico da forma pelo princpio da analogia. A idia

    transpor para o espao-suporte a organicidade progressiva do processo revolucionrio,

    com um carter de unidade dinmica e harmnica. A composio espacial organiza seus

    significados ao mesmo tempo em que cria uma narrativa em completa relao com a

    forma, que leva embutida dentro de si a funo potica. Mas por meio da tipografia

    que esse processo se torna visvel.

    A Esttica na Holanda

    A Holanda ficou envolvida em uma tradio essencialmente tipogrfica a partir

    de 1917 com o nascimento do movimento neoplasticista. O fundamento analtico do

    design resultou em propostas visuais claras e bem-organizadas, profundamente

    preocupadas com as hierarquias e a construo de textos. Acima de tudo o design

    holands devia ser evocativo, emocional e, ao mesmo tempo, pessoal. Ele levava a cabo

    a prpria idia da poesia concreta que se tornou um agente que reala os vrtices

    invisveis que compem uma pgina em branco. A obra assumida como um meio

    matemtico que faz gerar uma idia modular. Com isso, o artista pensa em blocos, e

    ento tudo mdulo, desde a etimologia de uma palavra at a mistura das cores.

    Fruto das idias neoplasticistas surge o movimento De Stijl (1917_1931), ttulo

    de uma revista dedicada s artes plsticas que reunia um nmero de artistas que

    compartilhavam certas idias e atitudes. Esta nova arte no pretendia ser reprodutiva,

    ilustrativa ou anedtica, tal como havia sido at ento a arte tradicional. Queria ser

    compreensvel a partir de si mesma, sem referncia ao mundo dos objetos nem

    reproduo figurativa. O racionalismo formal do de Stijl estava baseado em um amplo

    programa artstico. A partir dos elementos fundamentais das artes plsticas pretendia-se

    configurar um novo mundo ideal.

    De Stijl perseguia, ao mesmo tempo, a economia dos recursos formais para

    obter uma funcionalidade tima. A recusa do monumental, para favorecer a leveza e a

    transparncia visual, foi outro de seus preceitos. A plasticidade da obra se daria por

    meio de uma construo orgnica da composio, que procurasse simular uma viso

    area a partir de uma relao equilibrada das partes.

  • Embora o De Stijl tivesse sua maior fora na pintura e na arquitetura,

    desenvolveu, tambm, a criao de obras tipogrficas. As mesmas obedeciam a uma

    rigidez formal estrita. Os designers do De Stijl utilizavam letras pesadas, expressando a

    habilidade manual em detrimento da legibilidade, para conseguir um efeito formal e

    decorativo. As novas composies tipogrficas eram assimtricas, com uma nfase forte

    na diagonal, com letras, formas e palavras, flutuando sobre um fundo uniformemente

    colorido. Tamanhos e famlias de tipos diferentes eram justapostos, demonstrando uma

    clara influncia dos princpios aplicados pelo movimento Dad nesse sentido.

    As combinaes de cores puras e chapadas estabeleciam um impacto visual no

    olhar criando um efeito revolucionrio, resumindo as aspiraes impessoais da nova

    objetividade. Neste sentido, Theo van Doesburg (1872-1944) desenvolveu sua teoria do

    Elementarismo, na qual declarava a diagonal como um princpio compositivo mais

    dinmico que a construo horizontal e vertical. Ao aplicar essa metodologia, o artista

    produz designs grficos e tipografia, cujo estilo estritamente geomtrico, serviu de base

    para grande parte do trabalho posterior da Bauhaus. Assim, os muitos impressos tinham

    textos correndo ao longo da borda mudando o sentido da leitura.

    Paralelo ao trabalho dos artistas neoplasticistas e, especificamente do De Stijl,

    preciso destacar a presencia de Piet Zwart. Ele defendia sua prpria teoria sobre o

    concretismo e a objetividade, baseada particularmente nos aspectos analticos e

    sintticos do design, especificamente na tipografia. As formas tipogrficas constituem

    elementos semnticos que afirmam sua prpria funo comunicacional e as

    composies expressam o mundo com uma nfase visual na fora verbal, procurando

    sempre a maior economia de elementos no plano.

    Zwart desenvolveu uma tcnica de comunicao dirigida s pessoas que

    recitavam poesias. Isto rompeu com os padres montonos de leitura, que, no entanto,

    enfatizava a rtmica e a dinmica dos elementos de texto. Ele usava tipos, ornamentos, e

    regras em uma composio livre, brincando com palavras que correm e se movimentam

    na composio da pgina.

    Sempre ciente da experincia dos leitores com relao a seu trabalho, Zwart

    acreditava que o tipo deveria ser um instrumento que fosse inerentemente correto e

    apropriado para suas necessidades. Esta imagem das palavras se d nas propriedades

    visuais da tipografia, no seu corpo, na sua cor, na sua textura, no seu volume, na sua

    posio, no seu tamanho, na sua vitalidade. A vitalidade est tambm nos modos do

    dizer. O centro mesmo dessa criatividade da linguagem, o espao onde o poder da

  • palavra se mostra em toda sua energia est na palavra. O importante capturar

    visualmente a atmosfera da tipografia, suas emoes, para ento significar com letras e

    cores.

    O Estilo Milans

    Embora tenha sido o Futurismo a grande fora propulsora do movimento

    vanguardista, especificamente na Itlia, o movimento grfico italiano continuou

    avanando aps esse perodo. Em 1933 estabeleceu-se em Milo o Studio Boggeri de

    produo grfica, dirigido fundamentalmente rea comercial e alinhado postura

    modernista. O gosto esttico do Studio evoluiu e transformou-se no Estilo Milans de

    ps-guerra, onde o design fazia parte da vida econmica da cidade.

    Os trabalhos se correspondem com uma aproximao funcional e

    interpretativa, mas introduzindo uma liberdade de associao pessoal e sensvel. Ao

    recusar as tipografias com serifa utilizadas at ento e a composio simtrica da

    pgina, os pioneiros desta etapa moderna buscavam um novo estilo de acordo com os

    desenvolvimentos tecnolgicos do momento, que plasmara a realidade de uma nova

    poca. Neste sentido o cartaz constituiu um dos principais meios de veiculao no

    perodo de ps-guerra. Neles os projetos assumiam uma poesia sutil que fixava o padro

    para a propaganda dirigida fundamentalmente a projetar a imagem das empresas. Para

    isso os tipos sem serifa so eleitos conceitual e estilisticamente como os mais

    apropriados para refletir os novos tempos.

    Max Huber (1919-1992), foi um designer suo que ajudou no

    desenvolvimento da linguagem grfica do Studio com a utilizao da tipografia nos seus

    psteres e anncios com um sentido de desenfado apoiado pelo uso das letras

    minsculas, o que os tornou mais interessantes. Ele combinava cores uniformes com

    elementos em perspectiva criando uma tenso espacial entre a nfase dada superfcie

    plana do suporte impresso e a idia de tridimensionalidade sugerida pela imagem

    fotogrfica. Os tipos sem serifa usados por Huber sobrepostos a fotografias lembram os

    utilizados pelos construtivistas nas suas composies, como se viu no captulo anterior.

    Huber demonstrou uma imaginao apoiada nos valores e na capacidade da

    experimentao visual e tipogrfica. Neste contexto a tipografia assume valores

    diferentes superando as prprias potencialidades do signo como o veculo mximo da

    simbologia e significao. Como corpo essencial na linguagem comunicacional o signo

    visual a prpria encarnao da palavra.

  • Assim, as composies grficas do perodo se estruturam a partir de arranjos

    fortuitos com diferentes tamanhos tanto na tipografia quanto nos demais elementos

    grficos, como acontece nos psteres feitos por Giovanni Pintori (1912-1998) para a

    Olivetti onde trabalhou como designer e diretor de arte. Ele utilizava diversas tcnicas

    na linguagem grfica criando um ambiente ambguo, onde a tipografia era recriada

    como recurso grfico para completar a composio. Os tipos sem serifa em negrito eram

    usados para criar nfases na composio, como protagonistas do espao.

    Para Pintori o importante criar uma linguagem potica e no ficar preso a um

    nico estilo ou esteretipo onde o potencial comunicativo no se restringe somente

    imagem ilustrativa ou pictrica, mas se manifesta como abertura semntica na

    linguagem textual. Letras, palavras e frases so tambm igualmente mensagens abertas

    que podem ser usadas como atos ou representaes imagticos.

    Outro artista que assumiu a tipografia como meio principal de linguagem

    grfica foi o arquiteto Franco Grignani (1908-1999), que depois se tornou pintor

    futurista e trabalhou tambm como designer. Ele misturava a tipografia com elementos

    grficos criativamente elaborados para ampliar as possibilidades visuais de expresso.

    Embora Grignani utilizasse o fotograma como um dos principais meios de linguagem,

    ele dava muita importncia potencialidade comunicacional dos tipos.

    Por meio da publicidade Grignani explorou as diferentes tcnicas de design,

    usando a impresso de letras pela inverso de cores ou de preto com o branco com um

    carter dramtico e improvisado. Em algumas ocasies utilizava as letras de maneira

    abstrata, como formas e no como signos. Em outras as distorcia criando composies

    bem movimentadas dando a sensao de efeitos pticos, o que de certa forma antecipa a

    futura Optical Art (arte ptica) dos anos 60 do sculo XX. Para isso Grignani estudava

    os efeitos da iluso espacial a partir do aproveitamento das formas que a estrutura

    tipogrfica lhe oferecia. Mais tarde fez experincias projetando textos e imagens sobre

    objetos tridimensionais e produziu imagens espaciais por meio de distores

    geomtricas complexas.

    Desta forma a tipografia se apresenta como metfora conotativa que engendra

    e, ao mesmo tempo, produz, ntidos efeitos de imagem. Ganhando uma leitura imagtica

    e, concomitantemente, transformando a linguagem visual em potica. Assim, procura-se

    ao mximo explorar as potencialidades da palavra como imagem e como mensagem

    mltipla.

  • Neste sentido a exposio ostensiva e espontnea dos mtodos grficos e de

    manipulao do espao, renovada pelo emprego das novas formas de expresso, foi uma

    caracterstica tpica do Estilo Milans. Os designers italianos deste perodo tentaram

    sempre evitar os riscos de cair na repetio e na banalidade.

    O Psicodlico na Califrnia

    A dcada de 60 do sculo XX foi uma etapa emocionante, revolucionria e

    turbulenta, de grandes mudanas sociais e tecnolgicas. Embora os artistas e designers

    sempre tivessem percebido que havia mais coisas na comunicao alm de seu contedo

    bvio, s ento eles comeavam a perceber os efeitos provocados pelas mudanas

    tcnicas.

    Um exemplo importante, e que assumiu a tipografia como arma de

    comunicao, foi o movimento psicodlico nascido na Califrnia em meados dos anos

    60, especialmente em So Francisco. Este movimento de contra-cultura foi um dos

    poucos movimentos populares que gerou seu prprio estilo visual: o pster psicodlico,

    que anunciava, fundamentalmente, concertos de rock. A influncia do mundo das

    drogas na percepo visual era imitada nesses concertos pelas luzes estroboscpicas,

    o que motivou que trabalhos grficos se tornassem uma simulao obtida por meio de

    uma deslumbrante repetio de contrastes cromticos, seja em preto e branco, seja entre

    as cores complementares.

    Os trabalhos mostravam, tambm, uma nova expressividade que se apoiava

    numa segunda leitura, umas vezes irnica outras divertida. O pblico estava obrigado a

    decodificar mensagens visuais complexas, o que fazia da relao obra espectador uma

    cumplicidade cada vez mais sofisticada. A inteno criativa dos designers estava

    baseada, sobretudo, na combinao sinrgica da msica rock e das drogas alucingenas.

    Para isso, eles empregavam estranhas e retorcidas formas organicistas de ascendncia

    Art Nouveau com cores fortemente contrastadas que conformavam cenas de carter

    onrico e psicodlico. Desta forma os elementos da cultura popular eram decisivos para

    criar um novo imaginrio que explorava ao mximo os significados emocionais da

    tipografia. Uma tipografia espontnea, direta e extrovertida baseada no conceito e na

    utilizao de truques formais, com o objetivo de provocar violentos impactos visuais.

    Um dos principais expoentes desta era psicodlica foi o designer grfico Victor

    Moscoso. Ele utilizava inovaes de efeitos pticos que provocavam imagens

    tipogrficas vibrantes, a partir de um rigoroso estudo das cores. Ao alternar cores

  • primrias profundamente saturadas Moscoso criava um efeito ptico que provocava

    uma iluso onde o pster parecia se movimentar no espao. Letras com serifas dobradas

    e torcidas em formas interessantes obrigavam o espectador a tomar uma atitude

    participativa na decodificao dos letreiros ilegveis. A tipografia assume seu mximo

    sentido expressivo e faz com que no texto-imagem no se perceba a fronteira entre o

    lingstico e o visual. O cuidado pela mistura das formas junto com as cores suscitava

    sensaes alucingenas no olhar do espectador, despertando sentimentos prprios do

    mundo psicodlico.

    Outro dos pioneiros na criao de psteres psicodlicos foi Wes Wilson quem

    traduzia as vises o os sons psicodlicos vividos pelos jovens nos concertos de rock, em

    uma experincia potica. Sua experincia psicodlica era representada por meio de uma

    tipografia especialmente exagerada e feita mo livre. Suas formas tipogrficas se

    movimentam como elementos ondulatrios e pulsantes. Isto era apoiado pela eliminao

    do espao entre as letras possibilitando que as palavras formassem um espao negativo,

    ampliando contornos e intercalando formas para criar palavras-imagem. Tudo era

    conformado com cores vibrantes, eltricas, que simulavam um show psicodlico de

    luzes.

    Os desenhos de Wilson partiam da sua experincia com a droga LSD, o que

    provocava nele alucinaes de cores e formas retorcidas que mais tarde aplicava em

    seus desenhos. Neste sentido suas formas tipogrficas evoluram como formas orgnicas

    que remetiam a imagens expressionistas e causavam um notvel impacto visual. Assim

    o texto-imagem era em muitos casos ilegvel, criando outra dimenso de leitura, fora

    totalmente dos padres da linguagem tradicional.

    O texto-imagem no tem a simples funo de elucidao; seu objetivo de

    potenciar a mensagem consiste em que o receptor assoma uma posio ativa, de

    compromisso ideolgico e possa tambm chegar a modificar hbitos em sua conduta.

    Neste sentido a funo da retrica essencialmente a da persuaso. A tipografia como

    imagem constitui uma alterao no uso normal da linguagem com o propsito de tornar

    mais efetiva a comunicao.

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