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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E
EDITORAÇÃO
NÚCLEO DE JORNALISMO COMPARADO
A visão hegemônica do
Norte em páginas
internacionais de jornais do
Mercosul
Marcelo Lopes
Texto apresentado no GT-JORNALISMO
XIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
Universidade Estadual de Londrina
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação (Intercom)
Setembro, 1996
1
RESUMO
Análise da edição e das narrativas de páginas internacionais em três jornais do
Mercosul (Folha de S. Paulo, Brasil; La Prensa, Argentina; El País, Uruguai) mostra os
desequilíbrios e as contradições do mundo global, onde o que existe é uma hegemonia
dos valores do Norte que consumimos acriticamente por via de um difusionismo
cultural.
Palavras-chave: globalização; jornais do Mercosul; análise de conteúdo; jornalismo
comparado; hegemonia cultural; esferas narrativas.
Introdução
Este texto deve ser compreendido associado ao projeto que desenvolvo
atualmente no programa de pós-graduação em Jornalismo, na ECA-USP, em nível de
mestrado, e que tem como título provisório Pragmática jornalística na integração
latino-americana. De maneira resumida, o objetivo principal desse projeto é determinar
as pragmáticas jornalísticas vigentes em jornais que se colocam em um contexto
integracionista1
e, através de uma análise crítica comparada, apontar caminhos para que
a imprensa possa suprir as demandas criadas pela formação do mercado integrado.
Antes de me debruçar sobre a questão da pragmática em seus aspectos mais
amplos, como é o objetivo do projeto principal, faz-se necessário estabelecer formas de
abordagens às questões da integração, da globalização e das identidades culturais aí
envolvidas, e discutir um pouco as relações desses itens com o quadro vigente das
visões de mundo que permeiam a imprensa contemporânea, particularmente a imprensa
latino-americana e do Mercosul. Essa delimitação é o objetivo deste trabalho.
Não cabe aqui, entretanto, ser a favor ou contra os processos de integração e
globalização. Parte-se do pressuposto de que é uma realidade irreversível, motivada pela
1 O universo desses jornais está devidamente delimitado no projeto original. O estudo comparado
se dará entre dois modelos de integração: o da União Européia e o do Mercosul. Tanto em um bloco como
no outro, foram escolhidos exemplos significativos de jornais que assumiram explicitamente posturas
ditas "integracionistas". No caso da União Européia, temos o jornal espanhol El País (Madrid), e no caso
do Mercosul temos o brasileiro Zero Hora (Porto Alegre).
2
necessidade de expansão do capitalismo2
, mas que podemos pensar muito bem como um
fenômeno que extrapola tudo isso, para além dos campos histórico, sociológico,
econômico e político; perpassa, também, toda uma esfera cultural, ideológica; atinge,
em seus imbricamentos mais profundos e complexos, uma dimensão mítica do sonho e
do desejo coletivo. A identidade, as fronteiras geográficas, os princípios da
nacionalidade, tudo isso não termina em dados mensuráveis, palpáveis e visíveis, não se
encerra em um conjunto de normatizações jurídicas. Esses conceitos só se tornam mais
compreendidos quando vistos através da configuração de conteúdos do imaginário3
.
Os conteúdos do imaginário também estão presentes na matéria jornalística,
embora nem sempre ele seja trabalhado de uma forma consciente. As narrativas nas
páginas de jornais raramente se desprendem do superficial, fornecem contextos
complexos, elaboram intertextualidades; ao contrário, prescindem de perspectiva
histórica, abdicam de embasamento cultural e o que dirá, então, penetrar nos domínios
do mito, do pensamento profundo. A narrativa reducionista é a tônica da prática
jornalística contemporânea, em fórmula mais que conhecida, com textos curtos, pré-
modulados, pasteurizados, servidos em forma de fast-food e de ênfase utilitarista -
conseqüentemente, descartável. Temos um deslocamento da notícia para o serviço4
, e
assim mesmo um serviço discutível. Carlos Eduardo Lins da Silva sintetizou bem a
situação com uma frase: os jornais perdem cada vez mais leitores para ganhar usuários5
.
Dessa forma, quando identificamos valores de ordem arquetípica, geralmente o
fazemos através de algumas palavras-chave que podemos retirar de uma matéria, e essas
palavras revelam os valores do jornalista, sejam eles parte de sua própria visão de
mundo, frutos de uma ressignificação, ou pura incorporação indiscriminada via
difusionismo das matrizes culturais hegemônicas.
Em um contexto de globalização de um mundo formado, principalmente, em
torno de uma sociedade pós-industrial - mas que leva consigo, de arrasto, as periferias
subdesenvolvidas, aumenta a importância de questões que dizem respeito a quais os
valores que nos são dados, e que tipo de mundivisão é ofertada para nosso consumo. O
2 IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 45-
58.
3 As relações entre imaginário coletivo, arte e indústria cultural como chaves de compreensão das
identidades estão colocadas em MEDINA, Cremilda. Povo de personagem. (Tese de livre-docência,
ECA-USP). São Paulo: 1989.
4 GONÇALVES, Elias M. O ocaso da notícia no jornalismo contemporâneo. (Paper) Piracicaba:
Intercom, 1994.
5 Palestra proferida no seminário A imprensa em questão, promovido pelo Laboratório de Estudos
Avançados em Jornalismo, na Unicamp, em 12 de abril de 1994.
3
produto jornalístico, enquanto resultado de uma mediação social, nos oferece uma
compreensão do que seja este mundo em que vivemos, e é isso o que se deseja alcançar
com a análise de alguns jornais do âmbito do Mercosul.
Metodologias
Assim como está proposto no projeto principal, também neste trabalho o método
de abordagem empregado é o dialético e, dentro deste, o método de procedimento
adotado é o comparativo. Ao confrontar diferentes jornais e suas respectivas
mundivisões, esperamos obter uma síntese que seja representativa do panorama atual da
imprensa do Cone Sul.
Para tanto, nos valemos de um coquetel de técnicas. As análises de jornais,
notadamente as análises de conteúdo, têm vivido sob a dualidade entre uma postura
funcionalista e uma postura tida como mais crítica; a primeira representando a escola
norte-americana e, a segunda, a escola européia, de acordo com a análise feita por
Robert Merton6
.
Não há, entretanto, uma contradição necessária entre essas duas escolas, pois
nada impede a conjugação de técnicas de ambas, que só permite uma investigação mais
profunda do fenômeno em questão. Tomando a referência bem-humorada de Merton, ao
considerar que o funcionalismo sabe o que diz mais isso não é importante, e que a teoria
crítica não sabe o que diz mas isso é importante7
, procuraremos aproximar esses
extremos aparentemente divorciados e produzir algo sobre o que se saiba o que se diz e
que isso seja importante.
Em um primeiro momento, então, nos valeremos das famosas análises de
conteúdo. Entretanto, buscou-se um aprimoramento de suas ferramentas, abandonando-
se o simples esquadrinhamento do espaço redacional de um jornal em centímetros-
coluna, sempre utilizados em trabalhos deste tipo8
. Nessa tarefa de aprimorar a técnica,
um dos caminhos encontrados foi se remeter a uma de suas matrizes, que é a obra de
6 MERTON, Robert K. Sociologia, teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
7 Op. cit.,
8 Na bibliografia brasileira, são exemplos típicos do uso desta técnica os trabalhos de MARQUES
DE MELO, José. Estudos de jornalismo comparado. São Paulo: Pioneira, 1972. p. 87-128; e A imprensa
paulistana num período de mutação tecnológica. In: Subdesenvolvimento, urbanização e comunicação.
2a. ed. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 67-73.
4
Jacques Kayser9
.
Kayser, de uma maneira muito incipiente, fez algumas considerações sobre as
formas em que as matérias são editadas, dizendo que isso tem que ser levado em conta
em uma análise de conteúdo10
. Mas a forma - morfologia - de um jornal desde então
jamais recebeu uma abordagem satisfatória nas análises empreendidas. Apontaria dois
problemas principais: em primeiro lugar, ela tem sido sempre concebida dissociada do
conteúdo. Em segundo lugar, sua desconstrução e transcodificação em centímetros-
coluna lhe retirou quase toda a significância (aliás, o mesmo que aconteceu ao próprio
conteúdo). A morfologia de um periódico é muito mais complexa do que "x%" de título,
texto e ilustração.
Desse jeito, ao recuperar a morfologia em uma análise de conteúdo a fim de
aprimorar a própria técnica, tornando-a mais qualitativa, estamos promovendo o fim do
divórcio entre forma e conteúdo e trazendo à tona a importância, primeiro, da
diagramação no processo de edição das matérias e, segundo, considerando o quanto que
a edição pode revelar da mundivisão presente no discurso jornalístico.
Uma readaptação da técnica de Kayser, levando em conta essas considerações,
foi por mim realizada em trabalho anterior11
, e consistiu, basicamente, de estabelecer
hierarquias entre variáveis (localização, titulação, apresentação) de acordo com regras
de composição, percepção e sintaxe visual. Atribuindo-se pontuações a essas variáveis12
,
é possível se obter um painel valorativo das matérias na forma em que foram editadas.
Foi adotado, então, um teto de 120 pontos na valoração de uma matéria. Ao
classificarmos conteúdos em categorias, não trabalhamos com a soma linear dos valores,
mas com médias dos mesmos.
É claro que esta técnica está longe de ser perfeita; ela é apenas um pouco mais
contemplativa de variantes do que outras comumente usadas até então. Ela, aliás, não
tem e não pode ter a pretensão de querer abarcar toda a complexidade de um conteúdo, e
os dados obtidos com ela só farão sentido se associados a uma leitura crítica dos
9 KAYSER, Jacques. El periódico: estudios de morfología, de metodología y de prensa
comparada. 3a. ed. Quito: Ciespal, 1966.
10 Kayser chega a fornecer as variáveis que pesam na valoração morfológica de uma matéria: a sua
localização, a sua titulação e a sua apresentação. V. op. cit., p. 90-1.
11 LOPES, Marcelo J.A. Paradigmas da edição gráfica no Brasil. (Monografia, ECA-USP). São
Paulo: 1995. p. 101-9 e 273-80.
12 A atribuição de valores numéricos às variáveis é sempre arbitrária, como já era em Kayser, e o
natural é a busca de números que facilitem as contas. O que precisa ser respeitado, no caso, é uma
equilibrada proporção entre tais variáveis, e a manutenção dos mesmos pesos e medidas durante toda a
pesquisa.
5
discursos jornalísticos (narrativas).
As narrativas, no dizer de Cremilda Medina, passam por três esferas que se
interpenetram: histórica, cultural e mítica, na combinação do real com o imaginário, do
tempo e do espaço históricos e míticos, revelados, principalmente estes últimos, pela
palavra sintético-reveladora13
.
Trata-se, portanto, de investigar, em meio as páginas dos jornais, os valores
presentes, em síntese, nas falas em cada uma das esferas - e essas falas é que poderemos
considerar como índices da mundivisão que nos é oferecida através da imprensa.
Interessa, também, considerar outros aspectos dos discursos: o cenário onde eles se
desenvolvem e os personagens que os protagonizam.
Como nos interessam as questões da globalização e da integração econômica, e
qual as visões do mundo que temos nesse contexto (e não só as visões de mundo),
vamos delimitar nossa análise a páginas internacionais de jornais situados no Mercosul,
que é, afinal de contas, o bloco econômico no qual estamos inseridos e é, além de tudo,
um dos mais desenvolvidos institucionalmente (e que cresce, neste momento, ainda
mais de importância, com a adesão do Chile e da Bolívia e o pedido de ingresso da
Venezuela; dessa forma o PIB do bloco poderá entrar na casa de US$ 1 trilhão). A
amostra colhida foi aleatória e encerrou os seguintes títulos: Folha de S. Paulo (São
Paulo, Brasil), La Prensa (Buenos Aires, Argentina) e El País (Montevidéu, Uruguai).
Os exemplares consultados são datados de 15, 16, 17, 18, 20 e 21 de abril de 1996.
Análise de conteúdo
É realmente preciso considerar que a amostragem colhida para este trabalho não
é extensiva, e que, diante disso, não podemos tirar conclusões generalizadas. Não se
pode perder a perspectiva do projeto principal. Neste momento, o interesse maior é
ainda testar metodologias e ferramentas de análise, buscar subsídios mais seguros para a
continuação da pesquisa em curso.
Isso não quer dizer, por outro lado, que não se possa retirar daqui um quadro
bastante indicativo das visões de mundo contidas em páginas internacionais latino-
americanas. Para isso, de modo a aumentar a confiabilidade dos números, vamos
trabalhar somente com as categorias que se mostraram razoavelmente significativas
13 V. a este respeito o capítulo "Osmoses" em MEDINA, Cremilda. Op. cit., p. 387-425.
6
(pelo menos 5% de freqüência).
Trabalharemos, a seguir, com os resultados obtidos na análise dos temas, atores
e cenários das páginas internacionais da Folha de S. Paulo, El País e La Prensa.
Made in...
A precariedade da rede de correspondentes internacionais nos jornais do
Terceiro Mundo não chega a causar surpresa. Manter um correspondente no exterior
implica em altos custos e é muito mais barato - e cômodo - fechar uma editoria
utilizando-se dos serviços das agências internacionais de notícia.
Os jornais pesquisados não fogem à regra. El País e La Prensa dependem
exclusivamente dos serviços das agências, e não foi encontrado um único texto assinado
por um correspondente. Quando não se tratava de material de agência, era uma tradução
de publicação estrangeira. Correspondentes, nem mesmo nos países vizinhos do
Mercosul.
O caso da Folha de S. Paulo não chega a destoar dos demais, embora haja um
reduzido material enviado por repórter próprio, principalmente gerado nos Estados
Unidos (com Carlos Eduardo Lins da Silva e Gilberto Dimenstein). Quanto ao
Mercosul, registrou-se a presença de um correspondente na Argentina. Todo o restante
do material internacional da Folha não está assinado e nem indica a procedência, prática
aliás muito comum nesse jornal. É de acreditar-se, entretanto, que se trate de serviço
noticioso de agências.
Não é preciso ficar com a eterna afirmativa de que nossos jornais carecem de
uma visão própria do mundo, ficando à mercê das grandes agências, com matrizes nos
países ricos do Norte que, dessa forma, nos impõem um ponto-de-vista hegemônico (até
sobre nós mesmos, o que é mais preocupante). Essa é uma constatação mais do que
óbvia. Será interessante verificar, isso sim, em como esse material recebido das agências
é consumido, ou seja, como ele é editado, se é ressignificado ou se simplesmente serve
de reforço ao discurso hegemônico do Primeiro Mundo.
Temas
Ao tomarmos a relação dos temas mais significativos nas páginas internacionais,
veremos a valorização dos conflitos e outras mazelas sociais que se adaptam bem ao
7
quadro feito por Eric Hobsbawm14
, que coloca o século XX como o mais sangrento de
toda a História. Guerras, guerrilhas, terrorismo, narcotráfico e outras tragédias não só
contam com a maior parte do espaço redacional pesquisado, bem como são os assuntos
mais valorizados na edição do noticiário. Nos três jornais o assunto mais freqüente é o
conflito no Oriente Médio (na época, Israel mantinha uma ofensiva em território libanês
contra os guerrilheiros do Hezbolah, na operação conhecida como "Vinhas da Ira").
Na Folha, a média da valoração alcançada pelo tema guerra foi de 68,8 pontos.
Seguiram-lhe religião (60 pts.), tragédias (58,7 pts.) e terrorismo (57 pts.). Temas como
ciência e cultura tiveram freqüência mínima, mas mesmo assim acompanhados por
protestos, corrupção, narcotráfico, polícia etc.
TABELA 1 - FOLHA DE S. PAULO
TEMA
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Guerra
68,8
33%
Religião
60
6%
Tragédia
58,7
8%
Terrorismo
57
22%
Em La Prensa, o tema mais valorizado é terrorismo (85,2 pts.), seguido por
narcotráfico (84,5 pts.), guerra (76,7 pts.), seqüestro (71,5 pts.), ciência (64,1 pts.) e
relações exteriores (57,8 pts.). Os demais temas, incluindo política e cultura, não foram
significativos.
Relações exteriores não foi o tema mais freqüente em El País, mas foi o mais
valorizado (85,7 pts.). Seguiu-lhe conflitos (77,1 pts.; inclui guerras), terrorismo (71,1
pts.) e política (66,2 pts.). Os demais não tiveram presença significativa, e incluem
14 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. p. 21; 422.
8
seqüestro, economia, tragédia, terrorismo, religião, curiosidades, guerrilha etc.
TABELA 2 - LA PRENSA
TEMA
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Terrorismo
85,2
6%
Narcotráfico
84,5
6%
Guerra
76,7
41%
Seqüestro
71,5
6%
Ciência
64,1
9%
Relações exteriores
57,8
9%
TABELA 3 - EL PAÍS
TEMA
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Relações exteriores
85,7
9%
Conflitos
77,1
44%
Terrorismo
71,1
12%
9
Política
66,2
6%
Cenários15
Nos três jornais o Oriente Médio foi o cenário mais freqüente nas páginas
internacionais, embora não o mais valorizado. Em La Prensa, a América Latina
alcançou 74,9 pts., seguida do Oriente Médio (73,5 pts.), América Anglo-saxônica (71
pts.), Europa Germânico-teutônica (69,7 pts.), Europa Atlanto-mediterrânea (67,5 pts.) e
Ásia Oriental (49,2 pts.). A posição privilegiada da América Latina, aqui, chega a
surpreender, e se justifica com uma preocupação maior com os fatos dos países
vizinhos, notadamente o Chile, a Colômbia (por causa das suspeitas do envolvimento do
presidente desse país com o narcotráfico) e a Bolívia (por ali ocorrer um encontro de
cúpula entre o Grupo do Rio e a União Européia - foi aliás o jornal, dos três, que melhor
cobriu o evento, ainda que através das agências). Já o Brasil não tem uma freqüência
significativa (quando aparece não o é em situação favorável, já que no período estudado
o país foi notícia no mundo devido ao massacre dos sem-terra no Pará).
TABELA 4 - LA PRENSA
REGIÃO
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
América Latina
74,9
25%
Oriente Médio 73,5 31%
15 Nos valemos, aqui, de uma divisão de acordo com a geografia cultural dos continentes. Dessa
forma temos: América Anglo-saxônica (países de origem inglesa), América Latina (países de origem
portuguesa, espanhola e francesa), Europa Atlanto-mediterrânea (portugueses, espanhóis, franceses,
italianos), Europa Germânico-teutônica (anglo-saxões, noruegueses, suecos, holandeses, alemães,
austríacos, suíços), Europa Eslava (russos, ucranianos, poloneses, tchecos, eslovacos, iugoslávios,
bósnios, sérvios, croatas, filandeses etc), Oriente Médio (Turquia, Líbano, Síria, Israel, Jordânia, Iraque,
Arábia Saudita, Irã, Afeganistão, Iêmen, Iêmen do Sul, Omã, Kuwait, Emirados Árabes, Qatar, Armênia,
Geórgia, Azerbaijão), Ásia Oriental (Nepal, Sikim, Butão, Sri Lanka, Índia, Bangladesh, China, Japão,
Coréia do Norte, Coréia do Sul, Uzbequistão, Turcomênia, Tadjiquistão, Quirquízia, Casaquistão,
Mongólia), Sudeste Asiático (Birmânia, Laos, Tailândia, Camboja, Vietnã, Malaísia, Indonésia,
Filipinas), África Árabe (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Mauritânia, Egito, Sudão), África Negra
(restante do continente), Oceania Maior (Austrália, Tasmânia, Nova Zelândia) e Oceania-Arquipélagos
(Melanésia, Micronésia, Polinésia).
10
América Anglo-saxônica
71
6%
Europa Germânico-teutôn.
69,7
11%
Europa Atlanto-mediter.
67,5
11%
Ásia Oriental
49,2
8%
Em relação a La Prensa, as prioridades na Folha estão invertidas. O cenário
mais valorizado é o da América Anglo-saxônica (67,3 pts.), seguida da Europa Eslava
(55,5 pts.; e a Rússia tem um peso grande aqui), o Oriente Médio (55,2 pts.), a Europa
Germânico-teutônica (51,4 pts.) e a América Latina (49,7 pts.).
TABELA 5 - FOLHA DE S. PAULO
REGIÃO
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
América Anglo-saxônica
67,3
17%
Europa Eslava
55,5
15%
Oriente Médio
55,2
20%
Europa Germânico-teutôn.
51,4
12%
América Latina 49,7 10%
11
TABELA 6 - EL PAÍS
REGIÃO
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Ásia Oriental
88,7
8%
África Árabe
85,7
6%
América Anglo-saxônica
79,5
17%
Oriente Médio
68,6
28%
América Latina
64
19%
Europa Atlanto-mediter.
60,5
8%
Europa Germânico-teutôn.
56,5
6%
Em El País, a Ásia Oriental é o cenário mais valorizado (88,7 pts.; com grande
peso do Japão), seguida pela África Árabe (85,7 pts.), América Anglo-saxônica (79,5
pts.), Oriente Médio (68,6 pts.), América Latina (64 pts.), Europa Atlanto-mediterrânea
(60,5 pts.) e Europa Germânico-teutônica (56,5 pts.).
Em um apanhado geral podemos flagrar uma predominância, em termos
qualitativos (com poucas exceções), dos cenários do Norte (América Anglo-saxônica,
Europa Germânico-teutônica, Europa Atlanto-mediterrânea e Ásia Oriental,
principalmente, e onde estão concentrados os países mais ricos do planeta). Parece ser
12
esse o cenário ideal (o Primeiro Mundo) no imaginário dos países do Terceiro Mundo16
.
Sobre esse aspecto, a pesquisa mostrou dados bem interessantes. Em termos de
freqüência, os países subdesenvolvidos tiveram bem mais presença do que os
desenvolvidos (66% a 34% em El País, 72% a 28% em La Prensa, e 54% a 44% na
Folha). Quando descemos aos aspectos qualitativos, vemos que os países desenvolvidos
têm uma valorização tal que compensam a menor freqüência, equilibrando o jogo. Na
Folha os desenvolvidos alcançam 59,5 pts., pouco menos que os subdesenvolvidos
(59,8 pts.). Estes últimos têm 72 pts. contra 70,9 pts. dos desenvolvidos em El País.
Apenas La Prensa difere um pouco: os subdesenvolvidos marcam 67,4 pts. e os
desenvolvidos ficam com 58,2 pts.
Ao tomarmos como cenário os grandes blocos econômicos que se formam no
mundo, vemos que o Mercosul, de um modo geral, está distante de possuir uma posição
privilegiada. Na Folha e em El País o Nafta (liderado pelos Estados Unidos) e a Apec
(aliança comercial do Pacífico, associando o Nafta ao Japão e aos demais países
asiáticos da região) representam os cenários mais valorizados. No primeiro jornal o
Nafta alcançou 67,3 pts., contra 55 pts. da Apec, 53,2 pts. da União Européia e apenas
46 pts. do Mercosul. No segundo jornal, o Nafta fica com 75,7 pts., a Apec com 71 pts.,
o Mercosul com 70 pts., e a União Européia com 63,3 pts.
TABELA 7 - FOLHA DE S. PAULO
BLOCO
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Nafta
67,3
39%
Apec
55
11%
União Européia
53,2
44%
Mercosul 46 6%
16 Sublinhemos que outras regiões culturais aparecem na pesquisa, mas em freqüência não
significativa. Dessa forma, fica "excluída" do cenário internacional a maior parte do planeta, incluindo a
África inteira e a maioria dos países asiáticos.
13
La Prensa, mais uma vez, apresenta dados diferenciados: o Mercosul tem 74
pts., Nafta tem 71 pts., União Européia apresenta 68,6 pts., e a Apec fica com 49,2 pts.
Deve-se salientar, contudo, que a freqüência - dado quantitativo - do Mercosul nos três
jornais é muito pequena comparando, principalmente, com o Nafta e a União Européia.
Também aqui, de um modo geral, identificamos uma maior sintonia com o Norte.
TABELA 8 - EL PAÍS
REGIÃO
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Nafta
75,7
47%
Apec
71
27%
Mercosul
70
6%
União Européia
63,3
20%
TABELA 9 - LA PRENSA
REGIÃO
VALORAÇÃO (em pts.)
FREQÜÊNCIA
Mercosul
74
8%
Nafta
71
8%
União Européia 68,6 61%
14
Apec
49,2
23%
Atores
Nos três jornais pesquisados os governos/governantes são os atores mais
presentes no noticiário. Militares também têm bastante destaque, mas isso não é
surpresa se levarmos em conta a quantidade de conflitos armados existentes no mundo.
Atores de outra espécie aparecem em quantidade mínima.
Chama a atenção a impessoalidade dos atores. Quando o ator é o homem
comum, o cidadão, dificilmente ele é nominado e é tratado no coletivo: "povo libanês",
"refugiados liberianos", "cidadãos europeus" etc. Isso também é comum nas demais
categorias: "soldados israelenses", "governo francês", "autoridades inglesas", "dirigentes
alemães" etc; ou então o sujeito é o próprio Estado: "a França pediu um cessar-fogo",
"os Estados Unidos querem mediar a paz", "Israel aceita negociar" etc. Como
conseqüência, temos uma grande desumanização do noticiário. As histórias de vida
inexistem, e os atores anônimos se perdem entre cifras e siglas de toda ordem.
Esferas discursivas
A valoração do noticiário, tal como uma agulha de bússola, aponta sempre para
o Norte. Essa indicação acompanha uma tendência de espetacularização da notícia.
Guerras e conflitos sempre venderam jornal. A passionalidade desses eventos sustenta o
envolvimento do leitor e as tiragens. Mas quem é quem nesse mundo em conflito? Qual
a visão de mundo de cada parte? Temos o nosso próprio olhar?
Em primeiro lugar é preciso considerar que, apesar da dramaticidade inerente
aos acontecimentos da contemporaneidade internacional, apesar desse aspecto ser
diariamente transportado paras as principais manchetes, a emoção e a humanização
desse noticiário raramente transcendem esse caráter inicial de show, ou seja, as notícias
começam e acabam em si mesmas, tornam-se um espetáculo de consumo rápido,
prescindem de um passado claramente estabelecido e a máxima projeção para o futuro
15
que conseguem (quando conseguem) é criar uma certa expectativa para a suíte do dia
seguinte, como em uma narrativa televisiva seriada.
Em termos práticos, essa característica de noticiário fugaz é traduzida por
narrativas simples, reducionistas, lineares, superficiais, resumidas, com toques de
inusitado e pitoresco17
. Parte significativa do material internacional é editado na forma
de dropes, iconografias ou fotos-legendas. O restante toma corpo em textos
burocráticos, em descrições sumárias dos acontecimentos, como se fossem dados em
forma de listagens de computador. Daí, o crescente empobrecimento da cosmovisão e a
perda do sentimento humano, para citar alguns dos prejuízos do abandono da mediação
social pelo jornalista18
.
Dessa forma era esperado que se encontrasse uma pobreza extrema no que tange
às esferas discursivas, sejam elas de natureza histórica, cultural ou mítica. Nos
valeremos, entretanto, de algumas poucas matérias onde foi possível identificar algumas
palavras de síntese que revelam visões de mundo.
De partida, a contextualização histórica nas matérias é rara e, quando existe, está
ligada a aspectos bastante imediatistas. Dessa forma, o ataque de Israel ao Líbano pode
ser compreendido como uma estratégia eleitoral de Shimon Peres (na altura, premiê do
país) de conquistar votos entre aqueles que se opõem às negociações de paz. Da mesma
forma, o cessar-fogo no conflito da Chechênia pode ser facilmente explicado pelos
interesses eleitorais do presidente russo Bóris Yeltsin em figurar como o promotor da
paz, e assim garantir a sua reeleição. Não que devamos desconsiderar essas estratégias
(posto que são fatos), mas será que tais questões são explicadas apenas por postulados
tão simplistas?
Seria necessário trabalhar melhor, então, as esferas culturais e míticas, em busca
de uma compreensão mais profunda mas, aqui, os jornais pouco ou nada revelam. Em
artigo um pouco mais interpretativo19
, o jornal La Prensa tenta inserir os conflitos no
Oriente Médio em uma perspectiva econômica, citando os prejuízos econômicos que
são provocados pelo fechamento das fronteiras israelenses. Em um mundo cada vez
mais global, que pede a livre-circulação de mercadorias, fronteiras fechadas são um
17 O jornal La Prensa, por exemplo, mantém uma seção em sua editoria internacional
especialmente para tratar de "curiosidades". Com o apropriado título de Mundo Insólito, essa seção traz
histórias como a de um espanhol que, depois de cego, ainda permaneceu dirigindo seu automóvel por três
anos, até ser surpreendido pelas autoridades de trânsito; ou a história de uma senhora inglesa que, aos 51
anos, engravidou por inseminação artificial.
18 MEDINA, Cremilda. Op. cit., p. 9-10.
19 La "mano dura" nunca tuvo efectos disuasivos. La Prensa, 15.abr.1996, p. 11.
16
empecilho a vencer - e guerras são entraves às fronteiras abertas. O prejuízo econômico,
aqui, é debitado na conta dos Estados Unidos (interessados no comércio de seus
produtos e, por isso mesmo, "promotores" da paz na região).
Pouco se fala dos valores mais enraizados presentes na questão do Oriente
Médio, e que povoam o imaginário dos habitantes daquela região. Via de regra, os
muçulmanos do Hezbolah são rotulados como "guerrilheiros", "fanáticos" e "suicidas".
Outros adjetivos são raros. "Mártires" aparece em duas circunstâncias: quando a voz é
de um líder do Hezbolah (em uma auto-referência) e, em outra matéria, a palavra
"mártir" ou "martírio" é colocada dessa forma, entre aspas, não assumindo, o jornal, tal
palavra com toda a sua força e simbolismo integrais, como quem desconsiderando até
certo ponto o real martírio do povo palestino ao longo da História20
. Mais rara é a
associação entre os conceitos de "resistência", "mártir" e "islamismo", e isso só ocorre
em uma matéria onde o "microfone está aberto" ao Hezbolah21
. Mas qualquer matéria
está muito longe de relacionar o episódio ao processo de resistência cultural muçulmana
à ocidentalização forçada do mundo22
.
Se falta uma visão histórica e cultural mais profunda, algumas chaves
ideológicas são empregadas para justificar os conflitos e as posições dos países direta ou
indiretamente envolvidos. A carga mítica da palavra "paz" é freqüentemente invocada
nesses casos. Por trás dos interesses europeus de liderança política e diplomática no
mundo (e, principalmente, em uma região tão próxima de si quanto o Oriente Médio), a
Europa Ocidental se apresenta como "defensora da paz e dos direitos humanos",
chamando a atenção para o que eles consideram a "missão européia"23
.
Da mesma forma é justificada a costumaz interferência norte-americana em
todos os hemisférios do globo. Os EUA não se referem diretamente aos seus interesses
econômicos na região, e nem se apresentam como parceiro comercial de Israel, mas
declara que "Washington es socio de Israel en la aflicción"24
. Da mesma forma os norte-
americanos tentam promover um acordo de paz entre as duas Coréias, e consideram isso
como "parte" de sua missão no mundo. Por trás disso está o interesse em que a Coréia
do Norte não disponha de armas nucleares, além de fazer parte de uma estratégia de
20 Exhiben en TV 50 aspirantes al "martirio suicida". El País, 15.abr.1996, p. 2.
21 Hezbollah promete atacar o mundo todo. Folha de S. Paulo, 16.abr.1996, p. 1-13.
22 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 540.
23 Europa quer resposta única para Israel. Folha de S. Paulo, 16.abr.1996, p. 1-13.
24 La "mano dura" nunca tuvo efectos disuasivos. La Prensa, 15.abr.1996, p. 11.
17
liderança na região, medindo forças com o Japão25
.
No plano econômico, promove-se o difusionismo do neo-liberalismo. Assim
difunde-se idéias como a "necessidade" da Venezuela acatar imposições do FMI26
, e a
"impossibilidade" de se promover um aumento de salários no Paraguai, posto que "isso
gera inflação"27
. Valores míticos são agregados para consolidar as relações comerciais
entre blocos econômicos. Se a Europa tem interesse em aumentar o seu mercado na
América Latina, e se para isso é necessário que nosso continente seja estável política e
socialmente, é natural que os europeus manifestem a intenção em colaborar no combate
ao narcotráfico e em programas de redução dos desníveis sociais. Mas o que é chamado
em primeiro plano são valores como "solidariedade entre os povos"28
(europeu e latino-
americano), e a "identidade" entre os dois continentes (posto que lá estaria a nossa
matriz)29
. Em outra matéria, o conceito de democracia chega até a ser confundido com o
conceito de capitalismo, opondo China (comunismo/autoritarismo) e Hong Kong
(democracia/capitalismo), como se tais relações fossem necessárias30
.
Cabe ressaltar ainda como se dá o difusionismo de modos de vida do Norte,
particularmente do american way of life. Em seu formato mais simples, isso ocorre pelo
culto a personalidades famosas (astros da música pop ou do cinema hollywoodiano).
Mas isso freqüentemente também é passado pelas narrativas das tradicionais tragédias
norte-americanas, como foi o caso da pequena aviadora Jessica Dubroff, de 4 anos, que
tentou ser o mais jovem piloto a atravessar, de avião, os Estados Unidos de costa à
costa, mas acabou morrendo com a queda da aeronave. O caso ganhou as páginas de
jornais de todo o mundo, pois incluía todos os itens de um espetáculo completo: lances
pitorescos (uma aviadora de 4 anos de idade!) e de alta dramaticidade (a morte de uma
criança!). As suítes se encarregaram de agregar novos detalhes "espetaculares", como
deixa claro este título de El País: "La niña piloto fallecida residía en una casa
abandonada; su padre estaba en bancarrota"31
; ou como neste título da Folha, que cria a
expectativa do próximo capítulo: "Mãe deixa Joshua, 9, sobrevoar o enterro da irmã
25 Propuesta de Bill Clinton para acuerdo entre las dos Coreas. El País, 16.abr.1996, p. 4; Bill
Clinton visita a los aliados. La Prensa, 16.abr.1996, p. 14.
26 Rechazan en Venezuela el drástico plan económico. La Prensa, 17.abr.1996, p. 13.
27 Paraguay: es inminente una huelga de 48 horas. La Prensa, 15.abr.1996. p. 12.
28 Las drogas y la pobreza en el debate europeo-americano. La Prensa, 16.abr.1996, p. 14.
29 Ayuda económica para la lucha contra la probreza. La Prensa, 15.abr.1996, p. 13.
30 Protestas en Hong Kong contra China, en defensa de democracia. El País, 15.abr.1996, p. 5.
31 El Pais, 16.abr.1996, p. 5.
18
aviadora."32
Independentemente dessa carga dramática, tais tragédias americanas
incorporam valores como a superação das marcas, dos recordes, das barreiras,
equiparando a vida a uma grande Olimpíada (e, como uma grande Olimpíada, um
grande espetáculo). Dessa forma isso é consumido por todo o mundo.
O consumo sem filtros se dá em todos os campos, e o mais característico é o
campo da ciência. As tecnologias do Norte são importadas divorciadas do projeto
político e da realidade social que as geraram33
. Na reportagem "Estudo recomenda mais
vitamina C", a Folha de S. Paulo mostra que um norte-americano médio necessita de
cerca de 200 mg de vitamina C para satisfazer as suas necessidades diárias. De imediato
é feita uma comparação com os padrões brasileiros, que recomendam de 45 mg a 100
mg/dia de vitamina C, numa clara alusão a uma suposta defasagem de nossas normas.
São negligenciadas as diferenças entre os biotipos norte-americano e brasileiro, entre os
diferentes metabolismos, os diferentes climas em que vivemos etc, o que não autoriza
uma importação acrítica de parâmetros34
.
Conclusões
A pesquisa evidencia que os discursos da integração e da globalização escondem
diversas contradições: por trás da "unificação", inúmeras são as fraturas, corporificadas
nos conflitos bélicos e na pobreza que varre o Terceiro Mundo. A distância entre ricos e
pobres se acirra como nunca, e a globalização, ao menos por enquanto, tem sido
utilizada apenas para permitir uma livre-circulação de capital.
Os mitos da igualdade e da liberdade são um apelo forte no processo de
integração, mas os desequilíbrios do planeta revelam um mundo ainda muito dividido:
em um plano superficial essa divisão se dá entre Norte e Sul, mas em um plano mais
profundo essa divisão se torna muito maquiavélica, com o Norte representando aquilo
que há de melhor e o Sul se equivalendo a tudo o que é ruim. De um lado, a América
Latina, o Mercosul, e o Terceiro Mundo de um modo geral, são apenas palco de temas
como terrorismo, guerras, narcotráfico, tragédias e toda a sorte de misérias, como se aí
não houvesse outros valores. De outro lado, o Norte nos é apresentado como o guardião
32 Folha de S. Paulo, 16.abr.1996, p. 1-12.
33 TORRES ACUÑA, Luís. Poder y no-poder de las tecnologías. Ensaio cedido para uso no pós-
graduação em Jornalismo, da ECA-USP. Santiago do Chile, 1987.
34 Folha de S. Paulo, 16.abr.1996, p. 1-12.
19
da paz e o salvador do mundo (mito da fraternidade).
Diante dessa nossa "constatação catastrófica de subdesenvolvimento", como
disse Antônio Cândido35
, almejamos chegar ao Primeiro Mundo imediatamente. Dessa
forma consumimos vorazmente a visão hegemônica do Norte, não só porque
dependemos das agências internacionais com sede nesses países, mas porque também
damos fé a esse discurso e o ratificamos na edição de nosso noticiário. Onde estará a tão
propalada identidade latino-americana? Com certeza, não nas páginas de nossos jornais.
"Somos quem podemos ser; sonhos que podemos ter..." (Engenheiros do Hawai).
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