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1 HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA RESIDÊNCIA MÉDICA EM CIRURGIA GERAL ABORDAGEM INICIAL DO ABDOME AGUDO CIRÚRGICO FRANCISCO EUGÊNIO DE VASCONCELOS FILHO FORTALEZA 2018

ABORDAGEM INICIAL DO ABDOME AGUDO CIRÚRGICOextranet.hgf.ce.gov.br/jspui/bitstream/123456789/364/1/2018_TCR... · No contexto de Colecistite Aguda, o USG costuma ter maior utilidade

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HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA

RESIDÊNCIA MÉDICA EM CIRURGIA GERAL

ABORDAGEM INICIAL DO ABDOME AGUDO

CIRÚRGICO

FRANCISCO EUGÊNIO DE VASCONCELOS FILHO

FORTALEZA

2018

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ABORDAGEM INICIAL DO ABDOME AGUDO CIRÚRGICO

ORIENTADOR: DR. OLAVO NAPOLEÃO DE ARAÚJO JÚNIOR

FORTALEZA

2018

Monografia submetida ao Hospital

Geral de Fortaleza como parte dos

requisitos para a conclusão de

Residência Médica em Cirurgia

Geral

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SUMÁRIO

1. RESUMO..................................................................................................4

2. INTRODUÇÃO.........................................................................................5

3. OBJETIVOS.............................................................................................6

4. METODOLOGIA......................................................................................7

5. RESULTADOS.........................................................................................8

6. CONCLUSÃO.........................................................................................17

7. REFERÊNCIAS......................................................................................18

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RESUMO INTRODUÇÃO: Abordagens cirúrgicas em casos de Abdome Agudo são bastante comuns. As principais etiologias de abdome agudo cirúrgico na emergência podem ser divididas em 5 grandes grupos: Inflamatório, Perfurativo, Obstrutivo, Hemorrágico e Vascular. OBJETIVO: Orientar a abordagem inicial ao Abdome Agudo Cirúrgico na Emergência do Hospital Geral de Fortaleza e disseminar conhecimentos para acadêmicos e residentes. METODOLOGIA: O presente trabalho é parte integrante de um manual organizado pelos concludentes das residências de Cirurgia Geral e Digestiva do HGF em conjunto com preceptores do hospital. Cada capítulo foi baseado em fontes renomadas da literatura cirúrgica mundial bem como artigos científicos recentes. RESULTADOS: As principais etiologias do Abdome Agudo Inflamatório são Apendicite, Colecistite, Diverticulite e Pancreatite, sendo o tratamento das duas primeiras rotineiramente cirúrgico e as duas últimas apenas em casos selecionados. O Abdome Agudo Obstrutivo pode ser causado por uma miríade de diagnósticos, a depender da idade, cirurgias prévias e comorbidades do paciente, com tratamentos diversos a depender da causa da obstrução. O Abdome Agudo Perfurativo costuma se apresentar com dor súbita, levando à pronta procura de atendimento médico, quase sempre requerendo tratamento cirúrgico. A obstrução de um dos principais ramos arteriais que irrigam o trato gastrointestinal causa o Abdome Agudo Vascular, que apresenta altas taxas de morbimortalidade. A gravidez ectópica rota e a rotura de aneurisma de aorta abdominal são as etiologias mais comuns de Abdome Agudo Hemorrágico. O passo inicial nesses casos é a reanimação volêmica adequada, para então realizar a abordagem cirúrgica indicada. CONCLUSÃO: Um fluxograma para classificação e propedêutica do Abdome Agudo na Emergência foi desenvolvido, de forma a orientar o diagnóstico.

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INTRODUÇÃO

Abordagens cirúrgicas de pacientes com abdome agudo frequentemente são necessárias para seu adequado tratamento. Estima-se que 15% dos casos de dor abdominal em menores de 65 anos necessitem de cirurgia. Esse número pode chegar a 33% em idosos1. Embora nem sempre seja possível definir com precisão o diagnóstico antes da operação, é importante buscar identificar a causa para um adequado planejamento pré e intraoperatório.

De forma didática, dividem-se as causas de Abdome Agudo Cirúrgico em 5 grandes grupos: Inflamatórias, Perfurativas, Obstrutivas, Hemorrágicas e Vasculares. O objetivo desse capítulo é expor características marcantes de cada uma dessas classes de forma a permitir o sucesso na abordagem diagnóstica do abdome agudo.

Tabela 1 – Principais Etiologias de Abdome Agudo Cirúrgico2

Inflamatório Perfurativo Obstrutivo Vascular Hemorrágico

Apendicite

Aguda

Úlcera Péptica

Perfurada

Hérnias

Trombose de Artérias

Mesentéricas

Rotura de Aneurisma de

Aorta Abdominal

Diverticulite Aguda

Neoplasia Gastrointestinal

Bridas Infarto Esplênico

Gestação Ectópica Rota

Pancreatite Aguda

Diverticulite Perfurada

Volvo de Sigmoide ou

Ceco

Torção do Grande Omento

Cisto Ovariano Hemorrágico

Colecistite

Aguda

Perfuração de Vesícula Biliar

Neoplasia

Gastrointestinal

Torção do Pedículo de

Cisto Ovariano

Rotura de Baço

Abscesso Intracavitário

Apendicite Perfurada

Íleo Biliar Endometriose

A dor é o sintoma mais comum e predominante em um quadro de abdome agudo. A própria anamnese, com base no início, localização, intensidade e evolução da dor permite a elaboração de hipóteses diagnósticas1. A tabela a seguir orienta esse raciocínio clínico:

Tabela 2 – Características da Dor no Abdome Agudo3

Abdome Agudo

Tipos de Dor

Intervalo entre o início da dor e a admissão na

Emergência

Inflamatório Insidiosa e Progressiva Longo

Obstrutivo Cólica Variável

Vascular Início súbito e associada a ingesta de alimentos

Curto

Perfurativo Súbita com irradiação precoce

Curto

Hemorrágico Súbita e difusa Curto

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OBJETIVOS

Geral

Compor um manual para organização e sistematização de diagnóstico e condutas em casos de Abdome Agudo na Emergência Cirúrgica do Hospital Geral de Fortaleza.

Específicos

Descrever, de forma sucinta, a classificação do Abdome Agudo Cirúrgico em cinco grupos etiológicos: Inflamatório, Obstrutivo, Perfurativo, Vascular e Hemorrágico.

Orientar a propedêutica diagnóstica em casos de Abdome Agudo, elencando os principais sinais e sintomas de cada doença, bem como os exames a serem solicitados.

Disseminar conhecimentos sobre Emergência Cirúrgica para estudantes de Medicina, médicos e residentes de Cirurgia.

Elaborar um fluxograma para a Abordagem Inicial do Abdome Agudo Cirúrgico.

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METODOLOGIA

Este trabalho surgiu como iniciativa por parte dos concludentes das Residências de Cirurgia Geral e Cirurgia Digestiva do Hospital Geral de Fortaleza, bem como de cirurgiões egressos da residência de Cirurgia Geral deste Hospital com o objetivo de formar um Manual para orientar a propedêutica inicial ao Abdome Agudo na Emergência do Hospital Geral de Fortaleza. O Manual é composto por 14 capítulos, distribuídos entre os concludentes. Foram elencados os principais temas referentes a doenças prevalentes dentre os pacientes admitidos na Emergência do Hospital Geral de Fortaleza. O presente capítulo, juntamente com o de nome “Abdome Agudo na Sala de Emergência”, serve de introdução ao Manual, apresentando as principais causas de Abdome Agudo e a propedêutica diagnóstica inicial. Para a confecção do capítulo, procuramos adotar linguagem direta e concisa, além de apresentar o conteúdo de forma breve e dinâmica. A intenção é fornecer um panorama inicial dos assuntos de forma que o leitor possa ter uma visão geral, aprofundando seus conhecimentos nos capítulos específicos de cada doença. Foram utilizados tanto fontes consagradas da literatura médica cirúrgica quanto artigos recentes, de forma a permitir um embasamento teórico e impedir que possíveis vícios da prática diária pudessem contaminar o texto do capítulo. Após a escrita do esboço inicial, todos os participantes enviaram seus textos para uma revisão inicial realizada por um dos membros, encarregado da organização e estruturação do livro. Foram dadas orientações de forma a homogeneizar a composição dos capítulos e direcionar a escrita para os objetivos do Manual. Após a primeira revisão, os autores receberam os capítulos de volta com sugestões. Uma vez realizadas as alterações sugeridas, os textos foram enviados para a apreciação dos revisores específicos de cada tema, escolhidos dentre preceptores das residências envolvidas. Uma vez concluída a segunda revisão, essa versão do texto foi enviada para revisão ortográfica, diagramação e demais trâmites envolvidos no processo de publicação.

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RESULTADOS

O texto a seguir apresenta a versão final do capítulo (a introdução corresponde à introdução dessa Monografia).

1. ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO

As causas inflamatórias são as mais comuns em pacientes com abdome agudo2. O quadro é causado por processo inflamatório e/ou infeccioso originado nos mais diversos órgãos da cavidade abdominal. A dor abdominal é o sintoma mais importante e costuma progredir para piora em casos que necessitem de abordagem cirúrgica2. A febre é um sintoma frequente, geralmente baixa a não ser em quadros de supuração2.

A localização da dor relaciona-se à origem embrionária do órgão acometido. Dores localizadas no epigástrio são causadas por afecções em estruturas originadas do intestino anterior(estômago, pâncreas, fígado, vias biliares e baço), as no mesogástrio por vísceras do intestino médio (duodeno ao cólon transverso) e as no hipogástrio pelas do intestino posterior (restante do cólon à linha pectínea do reto)2. Os diagnósticos mais comuns de Abdome Agudo Inflamatório são Apendicite Aguda, Colecistite Aguda, Diverticulite Aguda e Pancreatite Aguda.

1.1 Pancreatite Aguda

Embora raramente necessite de abordagem cirúrgica, a Pancreatite Aguda é aqui mencionada por sua grande variedade de apresentações clínicas que podem confundir o examinador a pensar em uma causa cirúrgica. A dor abdominal costuma iniciar em epigástrio e irradiar para o dorso, com apresentação “em barra”, comumente associada a nauseas e vômitos2. As duas principais causas de Pancreatite são doença biliar litiásica e a ingesta de álcool, devendo ser investigadas na história clínica2.

Além disso, o estado geral do paciente costuma ser mais comprometido, apresentando, em casos graves, manifestações sistêmicas como hipovolemia e disfunção de múltiplos órgãos2. Como achados clássicos do exame físico em quadros de necrose pancreática, temos o sinal de Cullen, com equimose periumbilical e Grey Turner, com equimose em flancos2.

1.2 Apendicite Aguda

A Apendicite Aguda é a causa mais comum de Abdome Agudo2. A apresentação clínica da dor apresenta uma evolução cronológica, iniciando com localização vaga em região de epigástrio ou mesogástrio, com posterior migração para uma localização mais precisa em Fossa Ilíaca Direita à medida que se define peritonite local1. A dor costuma piorar à movimentação, com o paciente relatando episódios como dor durante o transporte de ambulância após trepidações ou mesmo dificuldade para deambular e a adoção de posições antálgicas. Além disso, é muito comum a associação com hiporexia e nauseas/vômitos1.

Ao exame físico, sinais de peritonite como Blumberg (dor à descompressão brusca em Fossa Ilíaca Direita) e Rovsing (dor em Fossa Ilíaca

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Direita durante palpação profunda de Fossa Ilíaca Esquerda) podem estar presentes. Em alguns pacientes, pode ser palpado plastrão em Fossa Ilíaca Direita, correspondendo a bloqueio por epíplon e alças intestinais ao processo inflamatório local. Sintomas atípicos tais como disúria e polaciúria (em localização retrocecal do apêndice), diarreia e constipação podem ser também encontrados2.

1.3 Colecistite Aguda

A Colecistite Aguda é mais comum em mulheres2. A dor, localizada em hipocôndrio direito com irradiação para epigástrio costuma ser desencadeada após ingesta de alimentos gordurosos ou farináceos. Inicialmente com caráter em cólica, passando a ser contínua após fenômenos inflamatórios/vasculares2. O sinal de exame físico mais clássico é o Murphy, com interrupção da inspiração após palpação profunda de hipocôndrio direito. Embora muitos cirurgiões optem por tratamento conservador da colecistite com antibióticos para posterior cirurgia eletiva, estudos comprovam que a colecistectomia precoce apresenta menor morbidade4.

1.4 Diverticulite Aguda

A Diverticulite Aguda é mais comum em pacientes com mais de 50 anos e se apresenta com dor em Fossa Ilíaca Esquerda, como uma “apendicite do outro lado”2. Pode estar associada com disúria e polaciúria e dor em fundo de saco ao toque retal2. A abordagem cirúrgica da diverticulite costuma ser indicada em casos com perfuração, como veremos em um próximo tópico.

1.5 Exames Laboratoriais

Quanto à avaliação laboratorial, o exame mais importante no Abdome Agudo Inflamatório é o hemograma. Costuma-se identificar leucocitose com desvio à esquerda, em casos infecciosos mais avançados. Além disso, a medição do hematócrito é importante para avaliar o grau de hidratação do paciente. A dosagem de amilase e lipase também é relevante para excluir ou confirmar suspeita de Pancreatite. Por fim, um sumário de urina pode ser útil em casos com disúria ou polaciúria associados2.

1.6 Exames de Imagem

A adequada avaliação do paciente com abdome agudo inflamatório pode necessitar de exames de imagem. O diagnóstico de Apendicite é clínico, nem sempre necessitando de exames de imagem. Porém, em caso de dúvidas diagnósticas, principalmente em mulheres, ou suspeita de complicações (perfuração, abscesso periapendicular), a Tomografia Computadorizada (TC) ou a Ultrassonografia (USG) podem ajudar. A TC pode apresentar acurácia de até 98%, sendo preferida em pacientes mais graves, mulheres, principalmente para afastar o diagnóstico de outras patologias, reservando o USG para casos em que não se disponha de TC de fácil acesso2.

Na Diverticulite Aguda, o exame de escolha é a Tomografia Computadorizada, que permite tanto o diagnóstico da doença e complicações (perfuração, abscesso pericólico ou a distância) como planejamento terapêutico (abordagem cirúrgica por laparotomia ou até drenagem percutânea). Também é útil para pesquisar diagnósticos alternativos2.

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No contexto de Colecistite Aguda, o USG costuma ter maior utilidade. Por meio dele, é possível determinar espessamento da parede da vesícula, presença de cálculos, líquido perivesicular, além de outros sinais sugestivos de colecistite. A TC nem sempre consegue visualizar cálculos biliares ou de colesterol2.

2. ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO

A Obstrução Intestinal ocorre por uma obstrução mecânica ou por alteração na motilidade do trato gastrointestinal (chamada obstrução funcional)5. Obstrução Intestinal engloba 25% de todas as cirurgias de emergência realizadas5. Aproximadamente 80% dos casos envolvem o intestino delgado, com um terço dos pacientes apresentando sofrimento de segmentos do intestino5.

A idade do paciente é extremamente importante. Adultos jovens e de meia idade podem encontrar-se obstruídos por aderências, hérnias ou doenças inflamatórias intestinais. Já em pacientes idosos, devemos pensar em causas neoplásicas, fecalomas, diverticulite e, também, hérnias2.

2.1 Quadro Clínico

O quadro clínico costuma incluir dor em cólica difusa pelo abdome, distensão abdominal, vômitos e parada de eliminação de flatos e fezes. Quanto mais alta a obstrução, menor a distensão e mais intensos os vômitos. Já em obstruções mais distais, a distensão é mais acentuada e o paciente pode apresentar vômitos de aspecto fecaloide5.

Ao exame, o paciente costuma encontrar-se desidratado tanto pelos vômitos quanto pela perda de líquido para o terceiro espaço causado pela obstrução. Pode apresentar-se com hipotensão e taquicardia. O exame abdominal mostra dor difusa à palpação, mas sem caracterizar peritonite, a não ser em casos de complicações como isquemia ou perfuração. Os ruídos hidroaéreos podem estar aumentados (metálicos) em um primeiro momento, tornando-se abolidos a medida que o quadro se agrava2. O toque retal é obrigatório! Devem ser pesquisadas massas retais, a presença de fecalomas e se há fezes na ampola (normalmente a ampola retal contem fezes, mas pode encontrar-se vazia em casos de obstrução intestinal). Também devem ser sempre pesquisadas hérnias inguinais ou incisionais.

2.2 Exames Laboratoriais

Devem ser solicitados hemograma, dosagem de eletrólitos e função renal4. O hemograma pode revelar anemia de doença crônica, fortalecendo hipóteses de neoplasias ou doenças inflamatórias. Já o leucograma pode mostrar leucocitose com desvio à esquerda, em casos em que já houve infecção secundária a translocação bacteriana. Os distúrbios eletrolíticos podem ser consequência do quadro de obstrução e vômitos, mas também causa de um quadro de obstrução funcional5.

2.3 Exames de Imagem

O exame de imagem inicial na avaliação de um Abdome Agudo Obstrutivo é a radiografia de abdome, chegando a diagnosticar a topografia da obstrução em cerca de 80% dos casos mais graves2. Em casos de acometimento de delgado, observam-se níveis hidroaéreos, padrão de “empilhamento de moedas” (causado pelas válvulas coniventes do intestino

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delgado) e distensão importante de alças, mais comumente na região central do abdome. Em casos que envolvam o cólon, predomina um padrão de distensão gasosa centrífuga, geralmente com ausência de gás no reto. Caso a válvula ileocecal seja competente, não haverá distensão de delgado. Em casos de volvo de sigmoide, pode ser encontrado o famoso padrão em U ou em “grão de café” característico dessa afecção2.

Imagem 1 – Radiografia de Abdome de paciente com obstrução intestinal por volvo de sigmoide.

Apesar da versatilidade da radiografia de abdome, muitas vezes é necessária a solicitação de Tomografia. A TC consegue ser mais específica ao determinar a causa exata da obstrução, além de fornecer dados sobre o sofrimento de alças, em casos de estrangulamento. Permite também, a exclusão de diagnósticos diferenciais e até mesmo a confirmação da obstrução por hérnias inguinais, sendo visualizadas alças em seu interior2, apesar de o diagnóstico nesses casos dever ser firmado pelo exame físico.

Imagem 2 - Tomografia de abdome mostrando tumor em sigmoide

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causando obstrução intestinal (seta)

Imagem 3 - Tomografia de abdome mostrando obstrução intestinal por

íleo biliar (seta)

3. ABDOME AGUDO PERFURATIVO

O Abdome Agudo Perfurativo é a terceira causa mais comum de Abdome Agudo2. A causa que origina a perfuração do trato gastrointestinal pode ter origem infecciosa, inflamatória, neoplásica, traumática, medicamentosa, iatrogênica ou por ingestão de corpo estranho2. Dessa maneira, o Abdome Agudo Perfurativo pode ser uma evolução de algum outro tipo de Abdome Agudo não adequadamente tratado a tempo.

3.1 Quadro Clínico

O quadro clínico costuma iniciar com dor abdominal intensa e de início abrupto, levando a rápida procura de atendimento médico. O abdome costuma encontrar-se rígido e doloroso difusamente, associado a nauseas e vômitos6. Febre pode estar presente e associar-se a sinais de sepse e/ou choque6. Quanto mais “alta” for a perfuração, mais rapidamente progressivo é o quadro, pela facilidade de disseminação do conteúdo para o restante da cavidade, por sua maior fluidez2.

A dor pode também ser localizada, caracterizando casos de Peritôneo Bloqueado, em que as demais vísceras abdominais contém a disseminação dos conteúdos extravasados para o restante da cavidade2. Os ruídos hidroaéreos costumam estar diminuídos pelo íleo paralítico decorrente da irritação peritoneal (Lei de Stokes)2.

3.2 Etiologia

A perfuração gástrica/duodenal é secundária principalmente à Doença Ulcerosa Péptica Crônica, podendo, entretanto, ser decorrente de úlceras agudas, neoplasia ou trauma. O etilismo e uso de anti-inflamatórios e corticoide são as principais causas de perfurações por úlceras agudas2. Já história de

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perda de peso crônica, sintomas dispépticos e anorexia falam mais a favor de causa neoplásica.

As perfurações colônicas estão relacionadas a processos inflamatórios agudos, tais como apendicite e diverticulite, neoplasia, obstrução em alça fechada (ex. volvo de sigmoide), ingestão de corpo estranho, megacólon tóxico, Síndrome de Ogilvie (pseudo-obstrução) e empalamento2. A Tabela a seguir elenca algumas das principais causas de Abdome Agudo Perfurativo com base na localização da perfuração.

Tabela 3 – Causas de Abdome Agudo Perfurativo2

Esôfago Estômago e Duodeno

Intestino Delgado

Cólon

Neoplasia Neoplasia Doença Inflamatória

Neoplasia

Corpo Estranho Corpo Estranho Corpo Estranho Corpo Estranho

Iatrogenias Úlcera Aguda Isquemia e Necrose

Diverticulite

Síndrome de Boerhaave

Úlcera Crônica Divertículo de Meckel

Megacólon Tóxico

3.3 Exames de Imagem

Um sinal detectado com frequência durante a rotina de abdome agudo ou em tomografia é a presença de pneumoperitôneo (Imagem 4). Esse achado, em paciente sem cirurgia recente, confirma o diagnóstico de perfuração de víscera oca e indica abordagem cirúrgica. Sua ausência, entretanto, não exclui o diagnóstico.

Imagem 4 – Radiografia de tórax mostrando delgada lâmina de pneumoperitôneo abaixo da cúpula diafragmática direita (seta) em paciente

com Diverticulite Perfurada

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A rotina radiológica de abdome agudo aliada à história clínica do paciente costuma ser suficiente para o diagnóstico do Abdome Agudo Perfurativo e a indicação cirúrgica. Em caso de dúvidas, pode-se lançar mão de estudos contrastados por via oral ou retal, a depender do sítio em que se suspeita ter ocorrido a perfuração2. A tomografia é mais sensível que a radiografia de tórax para a detecção do pneumoperitôneo, além de possibilitar a localização da víscera perfurada. Emprega-se a janela pulmonar na TC para a detecção do pneumoperitôneo2.

3.4 Tratamento

O tratamento do abdome agudo perfurativo consiste em abordagem cirúrgica. A depender do status do paciente e do sítio da perfuração, a operação pode envolver ressecção do segmento perfurado ou mesmo rafia da lesão, devendo passar pela drenagem da secreção depositada na cavidade abdominal.

4. ABDOME AGUDO VASCULAR

O Abdome Agudo Vascular ocorre quando há sofrimento de uma víscera por interrupção súbita do aporte sanguíneo para esse órgão. O evento pode ter causa oclusiva (embolia ou trombose) ou não oclusiva (importante diminuição do débito cardíaco). As principais artérias envolvidas na irrigação do trato gastrointestinal são o Tronco Celíaco e as Artérias Mesentérica Superior (AMS) e Mesentérica Inferior (AMI). Dessa forma, acometimentos desses vasos, em especial da AMS, ou de seus ramos leva a maiores ou menores áreas de isquemia intestinal2.

4.1 Quadro Clínico

O diagnóstico de Isquemia Mesentérica pode ser difícil e a doença apresenta taxas de mortalidade de até 50%7. O quadro clínico costuma se apresentar com dor abdominal de intensidade variável, aguda e progressiva. Nauseas, vômitos, diarreia transitória, anorexia e melena podem estar presentes. O exame físico costuma não ser compatível com a exuberância da dor abdominal, podendo exibir apenas diminuição dos ruídos hidroaéreos e discreta distensão abdominal em um primeiro momento. A progressão do quadro pode cursar com sinais de peritonite e falência cardíaca7.

Elementos da história clínica do paciente que levem a maior risco de isquemia mesentérica devem ser elucidados. Presença de comorbidades como arritmias cardíacas, miocardiopatia dilatada, doença aterosclerótica coronariana ou em artérias de membros inferiores elevam a suspeição diagnóstica de infarto intestinal2. Um eletrocardiograma deve ser solicitado tão logo quanto possível.

4.2 Exames Laboratoriais

Exames laboratoriais devem ser solicitados, tais como hemograma, amilase e lipase, gasometria arterial, dosagem de eletrólitos e marcadores de necrose miocárdica7. Em casos de isquemia extensa, pode ser detectada acidose metabólica7. O mais comum, entretanto, é que os exames não apresentem achados muitos específicos. Dessa maneira, recomenda-se indicar a cirurgia em casos de elevada suspeição de infarto intestinal7.

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4.3 Exames de Imagem

A radiografia de abdome pode revelar distensão de alças intestinais e níveis líquidos (achado mais comum)2. Achados mais característicos, porém tardios e infrequentes, são edema da parede intestinal com impressões digitiformes e a presença de pneumatose intestinal (ar na parede das vísceras, que indica fase tardia da isquemia). O USG no contexto de isquemia intestinal tem utilidade reduzida, muitas vezes pela distensão intestinal, limitando sua sensibilidade2.

O exame padrão-ouro para o diagnóstico da isquemia intestinal é a Angiografia, que consegue identificar o vaso acometido e muitas vezes tratar a obstrução vascular2. Por sua invasividade, dificuldade de acesso e pelo quadro clínico muitas vezes inespecífico do infarto intestinal, torna-se difícil indicar esse exame para todos os pacientes com suspeita diagnóstica.

A tomografia computadorizada permite o estudo dos principais troncos arteriais e venosos da circulação mesentérica, em alguns casos fornecendo diagnóstico precoce. O achado mais comum, porém menos específico, é de espessamento de alças intestinais2. Achados mais específicos incluem a própria identificação do trombo arterial ou venoso, distensão gasosa de alças, perda do realce intestinal, pneumatose intestinal (a TC é o melhor exame para localizar a pneumatose), além de complicações como pneumoperitôneo ou líquido livre na cavidade peritoneal2.

Imagem 5 – Extensa isquemia mesentérica por oclusão de Artéria Mesentérica Superior.

5. ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO

Como o próprio nome sugere, o Abdome Agudo Hemorrágico consiste em sangramentos intracavitários causando quadro de dor abdominal aguda. Suas principais causas são Gravidez Ectópica Rota e Rotura de Aneurisma da Aorta Abdominal.

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5.1 Quadro Clínico

O quadro clínico consiste em dor abdominal súbita, de localização difusa, associada a sinais de choque hemorrágico. Inicialmente o paciente pode apresentar-se taquicárdico, com posterior evolução para hipotensão, sudorese fria, palidez e agitação. Os sinais de Cullen e Grey Turner podem estar presentes3. Suspeita-se de Gestação Ectópica Rota em mulheres em idade fértil com atraso menstrual e de Rotura de Aneurisma de Aorta Abdominal em pacientes com massas abdominais pulsáteis3.

5.2 Diagnóstico.

Os exames laboratoriais ajudam na avaliação geral, mas costumam ser inespecíficos. Toda mulher em idade fértil com suspeita de abdome agudo hemorrágico deve ter dosado o Beta-HCG para confirmar a suspeita de Gestação Ectópica Rota. Caso a paciente apresente-se estável hemodinamicamente e com USG descartando gestação intrauterina e com Beta-HCG positivo (> 3.000mUI/mL), um novo Beta-HCG deve ser realizado para confirmação diagnóstica8.

A USG pode confirmar ambos os diagnósticos mais comuns. A tomografia de abdome é especialmente importante no Aneurisma de Aorta pois permite mostrar sua localização e extensão, dados importantes para planejamento cirúrgico. É importante lembrar que exames de imagem só devem ser solicitados após estabilização hemodinâmica do paciente3.

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CONCLUSÃO

A confecção do capítulo permitiu a organização do seguinte fluxograma para sistematização da Abordagem Inicial do Abdome Agudo Cirúrgico.

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REFERÊNCIAS

1 - Brownson EG, Mandell K. The Acute Abdomen. In: Doherty GM. eds. CURRENT Diagnosis & Treatment: Surgery, 14e New York, NY: McGraw-Hill; 2014. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=1202&sectionid=71519979. Accessed novembro 09, 2017.

2 – Lopes, AC; Reibscheid S; Szejnfeld J. Abdome Agudo: Clínica e Imagem. Editora Atheneu, São Paulo, 2006.

3 – Bertolli E; Hora JAB; Lima MS; Bagietto R; Carvalheiro F; Gemma, M. Principais Temas em Cirurgia Geral – 1ª Ed. São Paulo. Medcel, 2017.

4 - Early Cholecystectomy Is Superior to Delayed Cholecystectomy for Acute Cholecystitis: a Meta-analysis. Journal of gastrointestinal surgery : official journal of the Society for Surgery of the Alimentary Tract

5 - Jacobs DO. Acute Intestinal Obstruction. In: Kasper D, Fauci A, Hauser S, Longo D, Jameson J, Loscalzo J. eds. Harrison's Principles of Internal Medicine, 19e New York, NY: McGraw-Hill; 2014. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=1130&sectionid=79748236. Acessado em 11 de novembro de 2017.

6 - Coomes J, Platt M. Chapter 15. Abdominal Pain. In: Stone C, Humphries RL. eds.CURRENT Diagnosis & Treatment Emergency Medicine, 7e New York, NY: McGraw-Hill; 2011. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=385&sectionid=40357229. Acessado em 09 de novembro de 2017.

7 - Ahmed R, Malas M. Mesenteric Vascular Insufficiency. In: Kasper D, Fauci A, Hauser S, Longo D, Jameson J, Loscalzo J. eds. Harrison's Principles of Internal Medicine, 19e New York, NY: McGraw-Hill; 2014. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=1130&sectionid=79748212. Accessed novembro 11, 2017.

8 - Doubilet PM, Benson CB, Bourne T, et al; Society of Radiologists in Ultrasound Multispecialty Panel on Early First Trimester Diagnosis of Miscarriage and Exclusion of a Viable Intrauterine Pregnancy. Diagnostic criteria for nonviable pregnancy early in the first trimester. N Engl J Med. 2013 Oct 10;369(15):1443-51, commentary can be found in N Engl J Med 2014 Jan 2;370(1):86, Ultrasound Q 2014 Mar;30(1):11