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Acta bot. bras. 17(3): 355-362. 2003 355 ECOLOGIA DA POLINIZAÇÃO DE IPOMOEA ASARIFOLIA (DERS.) ROEM. & SCHULT. (CONVOLVULACEAE) NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA DE PERNAMBUCO Lúcia Helena Piedade Kiill' Neusa Tarada Ranga? Recebidoem 20/06/2002. Aceito em 28/1112002 RESUMO - (Ecologia da polinização de Ipomoea asarifo/ia (Ders.) Roem. & Schult. (Convolvulaceae) na região semi-árida de Pernambuco). O presente trabalho foi desenvolvido no período de março/l995 ajulho/l997, com o objetivo de estudar aspectos da fenologia, polinização e reprodução de Ipomoea asarifolia, na Fazenda Catalunha, Santa Maria da Boa Vista, PE. I. asarifolia é uma liana perene, com hábito exclusivamente rasteiro e floração registrada no período de março a outubro, caracterizada como do tipo cornucópia. As flores estão reunidas em cimeiras, são infundibuliformes, de cor rosa com as mesopétalas magenta, que funcionam como guias de néctar. A antese é diurna (5:30 e 6:00h) e a duração das flores é de aproximadamente seis horas. A quantidade de néctar secretada por flor é inferior a IIlI. Abelhas Megachilidae e Apidae foram os principais visitantes desta Convolvulaceae. Liturge huberi Ducke foi considerada polinizador efetivo e Acamptopoeum prinii Holrn. e Diadasina r ip aria Ducke polinizadores ocasionais. Quanto ao sistema de reprodução, I. asarifolia é autoincompatível, produzindo frutos e sementes viáveis somente após polinização cruzada. Os testes de crescimento de tubo polínico mostraram que, após 10 horas, há tubos polínicos na micrópila de óvulos autopolinizados e daqueles submetidos à polinização cruzada, sugerindo que se trata de um sistema de incompatibilidade tardia. Os testes de germinação mostraram que somente as sementes obtidas em condições naturais (93,3%) e nos experimentos de polinização cruzada (100%) foram viáveis, reforçando os dados obtidos no sistema de reprodução. Palavras-chave - biologia floral, sistema de reprodução, Ipomoea asarifolia, Convolvulaceae, invasora ABSTRACT - (Pollination ecology of Ipomoea asarifolia (Ders.) Roem. & Schult. (Convolvulaceae) in the semi- arid area of Pernambuco). The present work was carried out during March/l995 to July/l997, to study aspects of the phenology, pollination and reproduction of Ipomoea asarifolia growing at Fazenda Catalunha, Santa Maria da Boa Vista, PE. l. asarifolia is a perennial creeping liana with floration registered in the period ofMarch to October, characterized as a cornucopian pattern of flowering. The flowers are gathered in cymes, with a pink funnel-like corolla with magenta mesopetals working as nectar guides, The anthesis is diurnal (05:30 - 06:00 h) and the flowers lasting for approximately six hours, The amount ofnectar secreted by flower is less then IIlI. Bees Megachilidae and Apidae were the main visitors of this Convolvulaceae, Liturge huberi Ducke was considered as effective pollinatior, and Acamptopoeum prinii Holm, and Diadasina riparia Ducke as occasional, Ipomoea asarifolia is self-incompatible, producing fruits and viable seeds only after crossed pollination, However the tests of pollen I Embrapa Sem i-Árido, BR 428, Km 152, Zona rural, C. Postal 23, CEP 56302-970, Petrolina, PE, Brasil ([email protected]) 1 Departamento de Botânica, IBILCE, UNESP, C. Postal 136, CEP 15054-020, São José do Rio Preto, SP, Brasil

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Acta bot. bras. 17(3): 355-362. 2003 355

ECOLOGIA DA POLINIZAÇÃO DE IPOMOEA ASARIFOLIA (DERS.) ROEM. &SCHULT. (CONVOLVULACEAE) NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA DE PERNAMBUCO

Lúcia Helena Piedade Kiill'Neusa Tarada Ranga?

Recebidoem 20/06/2002. Aceito em 28/1112002

RESUMO - (Ecologia da polinização de Ipomoea asarifo/ia (Ders.) Roem. & Schult. (Convolvulaceae) na regiãosemi-árida de Pernambuco). O presente trabalho foi desenvolvido no período de março/l995 ajulho/l997, com oobjetivo de estudar aspectos da fenologia, polinização e reprodução de Ipomoea asarifolia, na Fazenda Catalunha,Santa Maria da Boa Vista, PE. I. asarifolia é uma liana perene, com hábito exclusivamente rasteiro e floraçãoregistrada no período de março a outubro, caracterizada como do tipo cornucópia. As flores estão reunidas emcimeiras, são infundibuliformes, de cor rosa com as mesopétalas magenta, que funcionam como guias de néctar. Aantese é diurna (5:30 e 6:00h) e a duração das flores é de aproximadamente seis horas. A quantidade de néctarsecretada por flor é inferior a IIlI. Abelhas Megachilidae e Apidae foram os principais visitantes destaConvolvulaceae. Liturge huberi Ducke foi considerada polinizador efetivo e Acamptopoeum prinii Holrn. eDiadasina r ip aria Ducke polinizadores ocasionais. Quanto ao sistema de reprodução, I. asarifolia éautoincompatível, produzindo frutos e sementes viáveis somente após polinização cruzada. Os testes de crescimentode tubo polínico mostraram que, após 10 horas, há tubos polínicos na micrópila de óvulos autopolinizados edaqueles submetidos à polinização cruzada, sugerindo que se trata de um sistema de incompatibilidade tardia. Ostestes de germinação mostraram que somente as sementes obtidas em condições naturais (93,3%) e nos experimentosde polinização cruzada (100%) foram viáveis, reforçando os dados obtidos no sistema de reprodução.

Palavras-chave - biologia floral, sistema de reprodução, Ipomoea asarifolia, Convolvulaceae, invasora

ABSTRACT - (Pollination ecology of Ipomoea asarifolia (Ders.) Roem. & Schult. (Convolvulaceae) in the semi-arid area of Pernambuco). The present work was carried out during March/l995 to July/l997, to study aspects ofthe phenology, pollination and reproduction of Ipomoea asarifolia growing at Fazenda Catalunha, Santa Maria daBoa Vista, PE. l. asarifolia is a perennial creeping liana with floration registered in the period ofMarch to October,characterized as a cornucopian pattern of flowering. The flowers are gathered in cymes, with a pink funnel-likecorolla with magenta mesopetals working as nectar guides, The anthesis is diurnal (05:30 - 06:00 h) and the flowerslasting for approximately six hours, The amount ofnectar secreted by flower is less then IIlI. Bees Megachilidaeand Apidae were the main visitors of this Convolvulaceae, Liturge huberi Ducke was considered as effectivepollinatior, and Acamptopoeum prinii Holm, and Diadasina riparia Ducke as occasional, Ipomoea asarifolia isself-incompatible, producing fruits and viable seeds only after crossed pollination, However the tests of pollen

I Embrapa Sem i-Árido, BR 428, Km 152, Zona rural, C. Postal 23, CEP 56302-970, Petrolina, PE, Brasil([email protected])

1 Departamento de Botânica, IBILCE, UNESP, C. Postal 136, CEP 15054-020, São José do Rio Preto, SP, Brasil

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tube growth showed that 10 hours after pollination, pollcn tubes reached the micropile of both self- and cross-pollinated ovules, suggesting a late acting self-incompatibility system. The germination tests showed that only theseeds obtained in natural conditions (93,3%) and from cross-pollination experiment (100%) were viable. reinforcingthe data obtained in the reproduction system.

Material e métodos

Key words - floral biology. reproductive system, lpomoea asarifolia, Convolvulaceae, weed

Introdução

Diversas especres do gênero Ipomoeaestão incluídas entre as plantas daninhas queocorrem com freqüência em áreas cultivadas(Blanco 1978; Groth 1991; Kissman & Groth1992). Entre elas encontra-se Ipomoeaas ar ifol ia (Ders.) Roem. & Schult.,popularmente conhecida como salsa, bata-ta-salsa, salsa-brava. Esta espécie éencontrada em várias culturas e em margensde lagoas e praias marítimas, de preferênciaem solos arenosos (Blanco 1978). SegundoAustin & Cavalcanti (1982) e Simão-Bianchini(com. pess.), esta Convolvulaceae é pan-tropical, com ampla ocorrência no Brasil.

A biologia floral e o sistema dereprodução de espécies de Ip o moe a queapresentam características de plantasinvasoras vêm sendo estudados com o objetivode revelar os principais aspectos em relaçãoà forma de reprodução e biologia dapolinização, que são essenciais para aelaboração de programas de controle (Blanco1978). Entre os diversos trabalhos, pode-secitar Machado & Sazima (1987); Maimoni-Rodella et ai. (1982); Maimoni-Rodella(1991); Maimoni-Rodella & Rodella (1992) eFidalgo (1997). O presente trabalho foidesenvolvido com o objetivo de estudar afenologia, os mecanismos de polinização e osistema de reprodução de lpotnoea asarifoliana região sem i-árida de Pernambuco,contribuindo com informações sobre a biologiafloral e a reprodução desta espécie,considerada como planta invasora de cultura,principalmente em áreas de fruticulturairrigada.

Este trabalho foi desenvolvido na FazendaCatalunha (8°55'S e 39°54'W), município deSanta Maria da Boa Vista, Pernambuco. Avegetação dominante na área é do tipo caatingahiperxerófila (Andrade-Lirna 1989), com climaque se enquadra no tipo Bswh' da classificaçãode Kõppen, definido como sem i-árido (chuvaanual inferior a 750mm), sem excesso hídrico.A estação chuvosa ocorre no período denovembro a abril, e a estação seca ocorre noperíodo de maio a outubro. Os dados climáticosdo período de 1995 a 1997 estão na Fig. I.

As observações de campo foramdesenvolvidas no intervalo de março/1995 ajulho/1997, no período entre 5:00 e 12:00h,envolvendo 12 indivíduos de lpomoeaasarifolia, a leatoriarnente marcados em umaárea de 500ha. Para o estudo da fenologia,observações semanais foram feitas ao longo detodo o período de observação. Quanto àmorfologia, 20 flores foram mensuradas comauxílio de paquímetro, para verificar ocomprimento e diâmetro da corola, bem como aposição e tamanho das estruturas reprodutivas.Observações da biologia floral foram feitas aolongo de toda floração, to ta Iizando 240 horas.Para verificar a viabilidade dos grãos de pólen,lâminas foram preparadas com Carmin Acético1,2% (Radford et ai. 1974). Para isso, botõesem pré-antese, de três indivíduos, foramcoletados. Cinco lâminas foram preparadasutilizando-se as cinco anteras, sendo que emcada uma foram amostrados 100 grãos de pólen,totalizando 500 grãos. A receptividade doestigma foi testada com Sudam 111 (Johansen1940). Os visitantes foram observados ao longo

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350 30~ 300 25E

~S 250 20o 200 i':«ou- '"fi --15 ~150 •...'õ.. v'ü 10 o-v 100 Eo': 5 ~

50O O

1995JFMAMJJASONDJFMAMJJASONDJFMAMJJA

19971996Meses do Ano

FiguraI. Dados climáticos da região de Petrolina, no período de janeiro/I 995 a agosto/I 997. (Fonte: Centro de Pesquisado Trópico do Sem i-árido - Embrapa Sem i-Árido).

do período de floração, sendo anotadas afreqüência, duração e horário de suas visitas,bemcomo o comportamento dos visitantes maisfreqüentes. Para cada seção de observação dosvisitantes florais (ex. 7:00-8:00h), cincorepetições em dias não consecutivos foramfeitas, totalizando 30 horas de observação. Paraverificar diferenças de com portamento emrelação à cor da flor visitada, três seções entre8:00 e 10:00 horas foram feitas, em indivíduoscom flores de cores diferentes.

Para determinar a estratégia reprodutiva daespécie, flores foram submetidas aosexperimentos de autopolinização espontânea emanual, agamospermia, e polinização cruzada(Dafni 1992), bem como observadas emcondições naturais. Para cada tratamento foramutilizadas 30 flores previamente ensacadas eemasculadas, quando necessário. O pólen usadonas polinizações manuais foi obtido de floresensacadas. Testes de crescimento de tubopolínico foram feitos em flores previamentesubmetidas a autopolinizações manuais epolinizações cruzadas em intervalos de temporegulares (5, 10,24 e 48h), onde o gineceu foisubmetido à técnica de coloração segundoMartin (1959). Sementes obtidas em cond içõesnaturais, bem como as obtidas nos experimentosde polinização foram usadas nos testes degerminação, onde as mesmas foram acondicio-

nadas em placas de Petri e umedecidas comágua destilada. Materiais-testemunho foramdepositados nos Herbários da Unicamp (UEC90.767) e da UNESP de São José do Rio Preto(SJRP 10.251).

Resultados e discussão

Ipomoea asarifolia é uma liana perene dehábito rasteiro, que ocorre espontaneamente emvários pontos da Fazenda Catalunha,principalmente em áreas abertas ou nas bordasda área estudada. A fenofase de brotarnentoocorreu praticamente ao longo de todo o ano,atingindo o pico no período março/abril. Afloração ocorreu de março a outubro, sendo omês de maio considerado como pico destafenofase (Fig. 2). Por apresentar produção diáriade muitas flores por planta, ao longo de váriassemanas, com elevada sincronia intraespecífica,esta espécie se enquadra no padrão de floraçãodo tipo cornucópia (Gentry 1974). Estaprodução diária de muitas flores por indivíduo,juntamente com a coloração vistosa da coro Ia,tornava os indivíduos desta espécie bematrativos, o que, conseqüentemente, contribuiupara a atração do polinizador à longa distância(Kevan J 978). A frutificação e a senescênciadas folhas ocorreram principalmente ao longoda estação seca (Fig. 2) e estão diretamente

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1996

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120 ,---------------------------------------------------,

100

80~ 6000«:SC 40Cl)o~ 20c,

1995 1997Meses do ano

Figura 2. Fenograma de lpomoea asarifolia na Fazenda Catalunha, durante o período de marçol1995 a julhol1997.---+- Floração; Frutificação; - .•.- Brotamento; --*- Senescência.

associadas com a ausência de precipitação,coincidindo com o observado para outrasconvolvuláceas da região (Piedade 1998), bemcomo para outras espécies da caatinga(Machado et ai. 1997).

As flores desta Convolvulaceae encon-tram-se reunidas em inflorescências com cincoa 15 botões (n=15), onde ocorreu a antese deduas a três flores por dia, por inflorescência. Asflores são infundibuliformes (em média 13mmdiâm. e 84mm compr., Fig. 3), inodoras egeralmente permanecem em posição inclinada,ou seja formando um ângulo superior a 90° emrelação ao eixo da inflorescência. A corola épredominantemente de cor rosa, com o interiordo tubo e região das mesopétalas de coloraçãomagenta, que funcionam como guias de néctar.Este padrão de coloração foi encontrado emnove indivíduos (75% da população). Nos outrostrês indivíduos (25%) observou-se que hávariação da coloração da coro Ia,desde indivíduoscom coro Ia branca com mesopétalas rosa (1),até indivíduos com flores totalmente brancas (2).O androceu é formado por cinco estamesepipétalos, heterodínamos, com filetes queapresentam base mais dilatada e pilosa(tricomas), formando cinco canais de acesso aolocal de deposição do néctar, na base do tubo da

corola. As anteras são bitecas (Fig. 3), comdeiscência rimosa. O gineceu é formado por umovário súpero, tetraovulado, estiletes fundidos eestigmas bilobados, e fica envolto pelos estames,posicionado no mesmo nível ou abaixo das

e ---+ll+IiII~

c.n.0---1~\

Figura 3. Esquema da flor de lpomoea asarifolia em cortelongitudinal não mediano. Notar o estreitamento da baseda coro Ia. e - estilete, o - ovário, c.n. - câmara nectarífera.

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Tabela I. Visitantes das flores de lpomoea asarifolia, seus respectivos totais e percentagens de visitas. Legenda: pe -polinizador efetivo, po - polinizador ocasional, p - pólen.

Ordem/Família Espécie Total de Visitas % Eficiência Alimentona polinização coletado

HymenopteraMegachilidae Liturge huberi Ducke 240 59 pe pAndrenidae Acamptopoeum prinii Holm. 88 22 po pApidae Diadasina riparia Ducke 78 19 po p

Total 406 100

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anteras, ocupando a porção central do tubo dacarola.A proximidade do estigma e das anterasfacilitaa autopolinização, o que poderia levar aespécie a desenvolver mecanismos para evitara autofecundação. O nectário se apresenta naforma de um disco hipógino e a câmaranectarífera apresenta cerca de 8,Omm alt.(Fig.3). Nectários extra-florais foram encon-trados na base das sépalas do cálice e nopedicelo, porém ao longo das observações nãofoiencontrado nenhum sinal de que os mesmosfossem funcionais, uma vez que não foiobservado néctar nessas estruturas.

A antese das flores é diurna (5:30 e 6:00h),caracterizada pelo lento afastamento das bordasdacarola, que se destorcem. Nesta fase os grãosde pólen estão disponíveis nas anteras eapresentam alta viabilidade (94,4%). Oestigmaestá receptivo e há acúmulo de pequenasquantidades de néctar (em média, inferior a 1~I)nabase da corola. As flores permanecem semmodificações até as 11:OOh,quando então iniciao processo de senescência floral, caracterizadopelo murchamento das bordas da corola,fechandoa entrada do tubo. A duração da flor éde aproximadamente seis horas e, cerca de 24horasapós a antese, ocorre a queda dos elemen-tosflorais. Por apresentar atributos florais comoantese diurna, corola de cores vivas econtrastantes, guias de néctar, plataforma depouso, e néctar abrigado na base da coro Ia,Ipomoea asarifolia pode ser classificada comomelitófila (Faegri & van der Pijl 1980).

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As flores de Ipomoea asarifolia foramvisitadas por abelhas Megachilidae, Andrenidaee Apidae (Tab. 1). Entre elas, Liturge huberifoi a mais abundante, sendo responsável por 59%do total de visitas. Acamptopoeum prinii eDiadasina riparia apresentam freqüências devisitas bem menores, em torno de 20%. Comrelação ao horário de visita, L. huberi foiobservada em todos os horários, atingindo picode visita entre 9:00 e 10:00h. Já A. prinii eD. riparia concentraram suas visitas de 8:00 às11:00h.

Quanto ao comportamento de visita e orecurso floral forrageado, as três abe lhasapresentaram comportamento semelhante.Liturge huberi pousava na fauce da coro Ia,dirigia-se para o interior do tubo, curvava o corpoao redor das estruturas reprodutivas e, com oauxílio das pernas e das peças bucais, coletavapólen. Na ocasião, a abelha contatava anteras eo estigma com a região ventral do corpo, onde opólen era depositado, caracterizando a polinizaçãoesternotríbica. Após a coleta, a abelha recuavaaté a fauce da coro Ia, de onde levantava vôo.A. prinii e D. riparia apresentaram comporta-mento de coleta de pólen semelhante ao descritopara L. huberi, diferindo somente no posiciona-mento intrafloral. Estas abelhas pousavam sobreos estames mais longos, onde iniciavam a coletade pólen, dirigindo-se posteriormente até osestames intermediários e curtos.

Durante as observações, não foramregistrados comportamentos de coleta de néctar

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pelos visitantes florais. Tal comportamentopoderia estar relacionado com a pequenaquantidade de néctar secretada pelas flores ecom a altura da câmara nectarífera, que limitariao acesso a este recurso por abelhas de línguacurta, como é o caso das espécies aqu iobservadas. Com base no comportamento efreqüência de visitas observados, L. huberi foiconsiderada como polinizador efetivo destaConvolvulaceae, enquanto que A. prinii eD. riparia, polinizadores ocasionais.

Diferenças na freqüência de visitas dasespécies de abelhas foram observadas emrelação à coloração das flores de Ipomoeaasarifolia (Tab. 2). De modo geral, observou-seque as abelhas foram atraídas pelas florescoloridas (97,6 % do total de visitas) e raramentevisitavam as flores totalmente brancas (2,4% dototal). Esta diferença nas freqüências de visitasem relação à cor da flor mostra que a coloraçãoé um importante atrativo visual, e mudançasdeste padrão podem alterar a freqüência devisitas do polinizador, o que pode refletir noprocesso de polinização dos tipos florais. Fatosemelhante foi descrito por Ermos & Clegg(J 983) em Ipomoea purpurea, cujospolinizadores foram também atraídos pelas florescoloridas, refletindo diretamente na proporçãodos tipos florais encontradas na população, umavez que o padrão de coloração desta espécie édeterminado geneticamente.

Ipomoea asarifolia é auto incompatível,formando frutos e sementes viáveis somenteapós a polinização cruzada (Tab. 3). Frutos

apomíticos não foram observados. As maiore:percentagens de frutificação foram registrada:em condições naturais, sugerindo que hieficientes mecanismos de polinização. A análiseestatística (J:'l) indicou que não houve diferençassignificativas entre a frutificação em condiçõesnaturais e a polinização cruzada experimental(J:'l = 1,92; p= 0,0421), indicando que nas floresmanualmente polinizadas houve suficientedeposição de pólen para a fecundação dosóvulos, semelhante à polinização feita pelasabelhas.

Com relação aos testes de crescimento detubo polínico, nenhuma diferença em relação àvelocidade de crescimento foi observada nasregiões do estigma e estilete nos dois trata-mentos. Após cinco horas, foram observadostubos polínicos na região do ovário e, após dezhoras, observou-se tubos polínicos na micrópilade óvulos de flores submetidas à autopolinização,bem como nos de flores submetidas à polinizaçãocruzada. Tais informações, juntamente com osdados obtidos com os experimentos de polini-zação, indicam que nesta espécie o sistema deincompatibilidade ocorre tardiamente.

Sistemas de incompatibilidade foramdescritos para várias espécies de Ipomoea(Martin 1965 e 1970; Maimoni-Rodella et ai,1982; Gottsberger et ai. 1988; Fidalgo 1997) esegundo Martin (1970), estes sistemas estãoamplamente distribuídos no gênero, podendotambém ocorrer em outros gêneros da família,Falhas de germinação dos grãos de pólen e dedesenvolvimento do tubo polínico foram relatados

Tabela 2. Comparação do número total de visitas dos agentes polinizadores de lpomoea asarifolia, em três repetiçõesdo período das 8:00 às 10:00h, entre indivíduos com flores de cores diferentes.

Coloração da Flor Polinizadores

(corola/mesopétala) Li/urge huberi Acampt opoeum prinii Diadasina riparia Total

rosa/magenta 35 19 12 66branca/rosa 29 14 14 57branca/branca 02 01 00 03

Total 66 34 26 126

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Tabela3. Resultados dos experimentos de polinização realizados nas flores e da germinação das sementes de lpomoeaosarifolia, na Fazenda Catalunha, Santa Maria da Boa Vista, PE. N, = total de sementes, N2 = sementes germinadas,%- percentagem de sucesso.

Experimentosde Polinização Flores Frutos formados (%) N, !N2 %

CondiçõesNaturais 30 23 (76) 15/14 93,3Autopolinização Espontânea 30 00 (00)Autopolinização Manual 30 01 (03) 03/0 OApomixia 30 00 (00)PolinizaçãoCruzada 30 18 (60) 15/15 100

emdiferentes partes ao longo do gineceu (Martin1965;Epperson & Clegg 1987), que poderiamserdecorrentes de vários fatores, entre eles,interaçõespólen/estigma, variações no tempo decrescimentodo tubo e aborto do embrião.

Os testes de germinação mostraram quesomente as sementes obtidas em condiçõesnaturais e nos experimentos de polinizaçãocruzada foram viáveis, com altas taxas degerminação (Tab. 3). A não germinação dassementesobtidas por autopolinização indica aocorrênciade sistemas de incompatibilidade deaçãotardia, concordando com as observaçõesdecrescimento de tubo polínico.

Durante as observações verificou-se que háocorrência de propagação vegetativa, com aformaçãode raízes e ramos laterais ao longo docaule,em intervalos de 10 a 30cm de distânciaentresi. Estas ramificações, uma vez destacadasdo caule, formavam novos indivíduos,garantindoa manutenção da espécie na área.

Os dados obtidos indicaram que Ipomoeaasarifolia é uma espécie melitófila, depolinização cruzada, com sistema deincompatibilidade do tipo tardio (Seavey &Bawa1986). Quanto à polinização, esta espéciepodeser considerada como espécie oligofílica(Faegri& van der Pij I 1980), de pol inizaçãopromíscua (Percival 1969), uma vez que maisde uma abelha participa do processo depolinização e têm fácil acesso aos recursosflorais.Por apresentar ampla distribuição, altastaxas de frutificação, elevado número desementespor fruto, altas taxas de germinação e

formas de propagação vegetativa, esta espéciepode ser considerada como "planta invasoraideal" (Baker 1974).

Agradecimentos

As autoras agradecem à PesquisadoraRosângela Sirnão-Bianchini (Instituto de Botâ-nica, São Paulo), pela identificação da espécie epelas valiosas informações sobre o gêneroIpomoea; ao Prof. Dr, João M. F. Camargo(USP, Ribeirão Preto), pela identificação dasabelhas, e ao CNPq, pelo auxílio financeiro.

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