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ÁGUAS DO BRASIL ANÁLISES ESTRATÉGICAS São Paulo Instituto de Botânica Organizadores: Carlos E. de M. Bicudo José Galizia Tundisi Marcos C. Barnsley Scheuenstuhl 2010

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  • GUAS DO BRASILANLISES ESTRATGICAS

    So PauloInstituto de Botnica

    2010

    Organizadores:

    Carlos E. de M. Bicudo Jos Galizia Tundisi Marcos C. Barnsley Scheuenstuhl

    GUA

    S DO

    BRA

    SIL

    AN

    LISE

    S ES

    TRAT

    GIC

    AS

    9 788575 230329

    ISBN 978-85-7523-032-9

    FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS

    MINISTRIO DA CINCIA E TECNOlOgIA

    capa.indd 1 08/10/10 14:47

    GUAS DO BRASILANLISES ESTRATGICAS

    So PauloInstituto de Botnica

    2010

    Organizadores:

    Carlos E. de M. Bicudo Jos Galizia Tundisi Marcos C. Barnsley Scheuenstuhl

    GUA

    S DO

    BRA

    SIL

    AN

    LISE

    S ES

    TRAT

    GIC

    AS

    9 788575 230329

    ISBN 978-85-7523-032-9

    FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS

    MINISTRIO DA CINCIA E TECNOlOgIA

    capa.indd 1 08/10/10 14:47

    2010

  • Ficha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de BotnicaFicha catalogrfi ca elaborada pela Seo de Biblioteca do Instituto de Botnica

    Bicudo, C.E.de M.; Tundisi, J.G.; Scheuenstuhl, M.C.B. , orgs.

    B583a guas do Brasil: anlises estratgicas / Carlos E. de M. Bicudo; Jos G.

    Tundisi; Marcos C. Barnsley Scheuenstuhl So Paulo, Instituto de Botnica, 2010.

    224 p.

    Bibliografi a

    ISBN: 978-85-7523-032-9

    1. gua. 2. Recuros hdricos. 3. Reuso. I. Ttulo

    CDU 556

    Direitos autorais, 2011, de organizao da

    Academia Brasileira de Cincias

    Rua Anfilfio de Carvalho, 29 3 Andar

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    Instituto de Botnica

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    CDD 551.481CDU 556.581

    ISBN: 978-85-85761-32-5

  • Dedicamos esta obra a todos os estudantes e estudiosos da gua em nosso pas.

    Que todos saibam dar gua o valor que merece e uma posio de destaque em sua pesquisa.

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    Apresentao

    Nos anos 60, o primeiro astronauta que circundou a Terra notou maravilhado, que o pla-neta era azul. Esta beleza singular deve-se, sem dvida alguma, s grandes massas de gua que constituem a hidrosfera do planeta e, em particular, aquelas que compem os oceanos e mares, em cerca de dois teros da superfcie do planeta. Todavia, importante

    considerar que somente 2,6 % so de gua doce. Alm disso, 99,7 % desse total no esto dispo-

    nveis seja porque esto congelados formando as calotas polares a norte e a sul (76,4 %), seja

    porque integram os aqferos (22,8 %). Apenas uma frao nfi ma, de cerca de 0,3 % dos 2,6 %

    do total das guas doces, encontra-se prontamente acessvel como gua superfi cial, formando

    reas alagadas, rios, lagos e represas.

    Se olharmos a questo sob o prisma da qualidade, a preocupao com a disponibilidade de

    gua ainda maior. Pode-se dizer que estamos enfrentando uma grande crise de gua: vamos

    continuar tendo gua, mas ser difcil utiliz-la.

    A Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo (SMA) no tem poupado esforos para

    garantir a preservao e promover a recuperao dos recursos hdricos no Estado. Na atual

    gesto, a SMA defi niu 21 Projetos Ambientais Estratgicos, cabendo destacar que alguns deles

    abordam diretamente a temtica dos Recursos Hdricos, tais como: projeto Aqferos, que visa

    a promover a proteo das guas subterrneas do Estado; projeto Cobrana pelo Uso da gua,

    com o objetivo de incentivar o uso racional da gua; e fomento s pesquisas na temtica de

    recursos hdricos, pelo projeto Pesquisa Ambiental.

    Alm desses, no podemos nos esquecer do projeto Mananciais, que busca a proteo e a re-

    cuperao dos mananciais de abastecimento da Regio Metropolitana de So Paulo, seja nas

    fbricas de gua, seja nas caixas dgua, como os reservatrios Billings, Cantareira e Guara-

    piranga. Para cuidar daquelas, uma ao importante a recuperao das reas ciliares e das

    nascentes pelo projeto Mata Ciliar, com o objetivo de garantir a conectividade dos fragmentos

    e a qualidade dos recursos hdricos.

    O livro guas do Brasil: anlises estratgicas o primeiro produto do Grupo de Estudos da ABC,

    Academia Brasileira de Cincias sobre o assunto gua. O ciclo da gua foi abordado a partir de

    uma viso integrada, buscando aliar solues tecnolgicas e ecolgicas e integrando aspectos

    quantitativos e qualitativos desse to importante bem ambiental. Matrias como gesto dos

    recursos hdricos e agricultura irrigada, gua e sade, gua e economia, conservao e reuso

    como instrumentos de gesto, gua no semi-rido brasileiro, gua na Amaznia, urbanizao

    e recursos hdricos, educao para a sustentabilidade dos recursos hdricos, gua subterrnea,

    disponibilidade, poluio e eutrofi zao das guas e cincia, tecnologia e inovao, so da maior

    importncia para o momento presente do nosso pas e, em especial, do Estado de So Paulo.

    So assuntos cuja discusso certamente ir contribuir para a gesto sustentvel dos recursos h-

    dricos por intermdio do trabalho articulado dos diferentes campos da cincia, avanando para

    uma viso sistmica da gua que, enfi m, permitir aos profi ssionais gestores a possibilidade de

    uma ao integrada de anteviso dos problemas e de antecipao de solues.

    A SMA tem a satisfao de poder contar com parceiros de grande envergadura institucional para

    esse trabalho, como o MCT, Ministrio de Cincia e Tecnologia, o CNPq, Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Cientfi co e Tecnolgico e a FINEP, Financiadora de Estudos e Projetos. Sente-

  • se tambm especialmente honrada por publicar o primeiro aporte do Grupo de Estudos sobre

    Recursos Hdricos da ABC.

    Esto de parabns os organizadores desta obra, todos os profi ssionais especialistas que condu-

    ziram as pesquisas e souberam somar seus resultados nos 13 captulos que compem este livro

    e a ABC, por juntar tantas cabeas privilegiadas. A eles nossos agradecimentos.

    Boa leitura!

    Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo

    Secretrio do Meio Ambiente do Estado de So Paulo

  • se tambm especialmente honrada por publicar o primeiro aporte do Grupo de Estudos sobre

    Recursos Hdricos da ABC.

    Esto de parabns os organizadores desta obra, todos os profi ssionais especialistas que condu-

    ziram as pesquisas e souberam somar seus resultados nos 13 captulos que compem este livro

    e a ABC, por juntar tantas cabeas privilegiadas. A eles nossos agradecimentos.

    Boa leitura!

    Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo

    Secretrio do Meio Ambiente do Estado de So Paulo

    Apresentao

    A crise da gua no sculo XXI , alm de uma crise de escassez e estresse de gua, mais do que tudo uma crise de gerenciamento. Novas e criativas possibilidades de geren-ciamento e governana da gua podem, por um lado, ser desenvolvidas a partir de uma interao de pesquisadores e gerentes sob a forma de apoio a projetos de gesto e cursos

    de treinamento. Por outro lado, entretanto, anlises estratgicas permanentes e de prospeco

    tecnolgica so cada vez mais necessrias para diminuir a vulnerabilidade e os riscos de desa-

    bastecimento, deteriorao da qualidade e de escassez da gua.

    Com base neste pressuposto e entendendo ser este um desafi o que requer ao, a ABC, Aca-

    demia Brasileira de Cincias estruturou, em maro de 2008, o Grupo de Estudos sobre Recursos

    Hdricos, que tem por objetivo agregar renomados pesquisadores brasileiros que trabalham

    com o tema para estabelecer a viso da Academia sobre estratgias de otimizao do uso dos

    recursos hdricos em nosso pas. Em maio de 2008, por ocasio da Reunio Magna da ABC, o

    Grupo realizou sua primeira reunio de trabalho, bem como o simpsio Recursos hdricos no

    Brasil: desafi os estratgicos. Estas duas atividades foram fundamentais para o lanamento das

    bases do trabalho do Grupo de Estudos coordenado pelo Acadmico Jos Galizia Tundisi.

    O Grupo promoveu em agosto de 2008, em parceria com a IANAS, Rede Interamericana de Aca-

    demias de Cincias e com o IAP, InterAcademy Panel on International Issues, um Seminrio Re-

    gional e um Curso de Capacitao para as Amricas, focalizando o tema gua, meio-ambiente

    e sociedade: uma abordagem integrada. Afora diversos pesquisadores e gerentes de recursos

    hdricos brasileiros, participaram desses eventos realizados na cidade de So Carlos gerentes e

    pesquisadores de 13 pases da Amrica Latina e da regio do Caribe, todos profi ssionais do mais

    alto nvel vinculados aos sistemas nacionais de guas de seus respectivos pases.

    Em setembro de 2008, o Grupo realizou uma reunio de trabalho, onde foi decidida a produo

    de um Livro Branco sobre guas no Brasil, apresentando uma viso estratgica sobre o uso dos

    recursos hdricos no pas. Para elaborao de uma primeira verso desse livro, foram criados gru-

    pos de trabalho que tiveram por desafi o elaborar textos sobre temas estratgicos fundamentais.

    Os grupos trabalharam de forma intensa ao longo de 2009 e apresentaram o resultado deste

    esforo inicial no simpsio A crise da gua e o desenvolvimento nacional: um desafi o multidisci-

    plinar. A reunio foi realizada em Belo Horizonte, em outubro de 2009, a partir de uma parceria

    da ABC com a UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais e a FAPEMIG, Fundao de Amparo

    Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

    A presente publicao traz a pblico uma sntese das discusses realizadas em Belo Horizonte,

    representando um primeiro produto do Grupo de Estudos da ABC sobre Recursos Hdricos. No-

    vas anlises e avaliaes sero desenvolvidas nos prximos meses, apontando para a consoli-

    dao do Livro Branco sobre guas no Brasil. Atravs deste esforo, a ABC busca contribuir com

    a sociedade brasileira em um tema to fundamental para a melhoria das condies de vida de

    nosso povo.

    importante que se destaque que este trabalho se desenvolve a partir de uma viso inovadora,

    que aponta para a superao de uma dicotomia hoje existente entre guas subterrneas e de

    superfcie. A partir de uma viso integrada e holstica, o ciclo da gua visto em sua totalidade,

    compreendendo-se que existe uma fonte comum de problemas (poluio, superexplorao,

  • uso excessivo), que resultam em diferentes processos (eutrofi zao, contaminao) e sintomas

    (toxicidade, salinizao). O trabalho do Grupo buscou aliar solues tecnolgicas e ecolgicas,

    integrando aspectos quantitativos e qualitativos do recurso gua. Tal perspectiva permite a ges-

    to sustentvel dos recursos hdricos a partir da construo de pontes conceituais que fomen-

    tam o trabalho articulado dos diferentes campos da cincia, que passam a oferecer uma viso

    sistmica que propicia aos gestores a possibilidade de uma ao integrada que busca antever

    os problemas e antecipar solues.

    Com esta iniciativa, a ABC busca estimular a mobilizao de pesquisadores e gestores de recur-

    sos hdricos, fomentando uma maior interao entre estas duas comunidades. Tal interao faci-

    litar a transferncia do conhecimento existente queles que dele necessitam para o desenvol-

    vimento de um processo de gesto que seja racional e estruturado a partir de bases cientfi cas.

    Da mesma forma, o fortalecimento dos canais de dilogo entre estes dois atores possibilitar

    aos gerentes apresentarem aos cientistas os principais problemas e gargalos na gesto estimu-

    lando, desta forma, o desenvolvimento de novas pesquisas e inovaes que busquem atender

    s demandas prementes no campo do gerenciamento dos recursos hdricos.

    Por fi m, vale destacar que esta iniciativa da ABC se insere no escopo das Metas do Milnio das

    Naes Unidas (ONU), que tm como um de seus componentes a melhoria da oferta de gua, a

    longo prazo e de forma sustentvel, aos milhes de homens e mulheres que hoje no dispem

    de acesso satisfatrio a este bem to crucial para a subsistncia humana.

    No podemos deixar de ressaltar o apoio fundamental do MCT, Ministrio de Cincias e Tecno-

    logia e suas agncias CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfi co e Tecnolgico e

    FINEP, Financiadora de Estudos e Projetos na promoo dos trabalhos dos grupos de estudos da

    ABC, dentre os quais fi gura o Grupo de Estudos sobre Recursos Hdricos. Agradecemos tambm

    ao apoio do Instituto de Botnica da Secretria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo, sem

    o qual a publicao desse livro no seria possvel.

    Jacob Palis

    Presidente da ABC

  • uso excessivo), que resultam em diferentes processos (eutrofi zao, contaminao) e sintomas

    (toxicidade, salinizao). O trabalho do Grupo buscou aliar solues tecnolgicas e ecolgicas,

    integrando aspectos quantitativos e qualitativos do recurso gua. Tal perspectiva permite a ges-

    to sustentvel dos recursos hdricos a partir da construo de pontes conceituais que fomen-

    tam o trabalho articulado dos diferentes campos da cincia, que passam a oferecer uma viso

    sistmica que propicia aos gestores a possibilidade de uma ao integrada que busca antever

    os problemas e antecipar solues.

    Com esta iniciativa, a ABC busca estimular a mobilizao de pesquisadores e gestores de recur-

    sos hdricos, fomentando uma maior interao entre estas duas comunidades. Tal interao faci-

    litar a transferncia do conhecimento existente queles que dele necessitam para o desenvol-

    vimento de um processo de gesto que seja racional e estruturado a partir de bases cientfi cas.

    Da mesma forma, o fortalecimento dos canais de dilogo entre estes dois atores possibilitar

    aos gerentes apresentarem aos cientistas os principais problemas e gargalos na gesto estimu-

    lando, desta forma, o desenvolvimento de novas pesquisas e inovaes que busquem atender

    s demandas prementes no campo do gerenciamento dos recursos hdricos.

    Por fi m, vale destacar que esta iniciativa da ABC se insere no escopo das Metas do Milnio das

    Naes Unidas (ONU), que tm como um de seus componentes a melhoria da oferta de gua, a

    longo prazo e de forma sustentvel, aos milhes de homens e mulheres que hoje no dispem

    de acesso satisfatrio a este bem to crucial para a subsistncia humana.

    No podemos deixar de ressaltar o apoio fundamental do MCT, Ministrio de Cincias e Tecno-

    logia e suas agncias CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfi co e Tecnolgico e

    FINEP, Financiadora de Estudos e Projetos na promoo dos trabalhos dos grupos de estudos da

    ABC, dentre os quais fi gura o Grupo de Estudos sobre Recursos Hdricos. Agradecemos tambm

    ao apoio do Instituto de Botnica da Secretria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo, sem

    o qual a publicao desse livro no seria possvel.

    Jacob Palis

    Presidente da ABC

    Apresentao

    O Brasil um pas privilegiado com relao aos seus recursos naturais e, entre estes, os recursos hdricos superfi ciais e subterrneos tm relevante papel ecolgico, econ-mico, estratgico e social. Com aproximadamente 14 % das guas doces do Planeta Terra, o Brasil apresenta, entretanto, srios problemas de diagnstico, avaliao estratgica e

    gesto de seus recursos hdricos.

    Embora o ltimo relatrio de conjuntura da ANA, de 2009, aponte para reais progressos na ges-

    to e no diagnstico da situao das guas superfi ciais e subterrneas (quantidade e qualidade),

    h ainda necessidade de futuros avanos na anlise estratgica dos recursos hdricos como insu-

    mo econmico, com repercusses na rea social e no desenvolvimento do Brasil.

    Este foi a propsito de estabelecer uma comisso cientifi ca na Academia Brasileira de Cincias,

    voltada para os recursos hdricos, com a fi nalidade de organizar seminrios e anlises estrat-

    gicas e de posicionamento e avaliaes criticas. Esta comisso de especialistas tem, portanto,

    uma misso fundamental, que a de incluir a Academia Brasileira de Cincias em um impor-

    tante processo de contribuio para aprofundar o conhecimento cientfi co, promover novas

    idias e novos mecanismos de gesto de recursos hdricos e oferecer sociedade brasileira, aos

    governos federal, estaduais e municipais um conjunto consistente de informaes que poder

    nortear polticas pblicas nesta rea e se some a outras iniciativas. Esta atividade da Academia

    Brasileira de Cincias est articulada com dois importantes programas internacionais: o progra-

    ma de guas do IANAS (Interamerican Network of Academies of Science) e o programa de guas

    do IAP (Interacademy Panel). O programa do IANAS tem por fi nalidade apoiar as Academias de

    Cincias dos diferentes pases das Amricas a estabelecer comisses de recursos hdricos com a

    fi nalidade de preparar estudos promovendo uma viso estratgica dos recursos hdricos nacio-

    nais e apresentar novas perspectivas e solues inovadoras para a gesto dos recursos hdricos.

    E o programa do IAP tem por fi nalidade apoiar uma rede mundial de capacitao de gestores

    em recursos hdricos, que tenham viso integrada e sistmica do processo.

    O presente volume um dos resultados deste esforo da ABC. Contribuies de especialistas

    em mudanas climticas, gesto de recursos hdricos, gua e sade humana, qualidade de gua,

    guas subterrneas, reuso da gua, gua e economia, alm das anlises sobre inovao, semi-

    rido e Amaznia apresentam, neste volume, um conjunto aprecivel de anlises, de informa-

    es e de novas idias de alto nvel, que preenchem, perfeitamente, as atribuies da Comisso

    de Recursos Hdricos junto Academia Brasileira de Cincias.

    Os especialistas realizaram um trabalho que , sem dvida, uma contribuio valiosa e aponta

    para o futuro. A todos os autores nossos melhores agradecimentos e os parabns pelo trabalho

    e pelo seu comprometimento com o futuro do Brasil.

    Jos Galizia Tundisi

    Presidente da Comisso de Recursos Hdricos

    Academia Brasileira de Cincias

    Chairman IAP Water Programme

  • Jos A. Marengo, Javier Tomasella e Carlos A. Nobre

  • GESTO DOS RECURSOS HDRICOS E AGRICULTURA

    IRRIGADA NO BRASIL

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    GESTO DOS RECURSOS HDRICOS E AGRICULTURA

    IRRIGADA NO BRASIL

    Marcos V. Folegatti1

    Rodrigo M. Snchez-Romn2

    Rubens D. Coelho3

    Jos A. Frizzone4

    RESUMO

    A gesto dos recursos hdricos no Brasil experimentou um salto de qualidade nos ltimos 30

    anos, quando se fi rmou o enfoque multiobjetivo de gesto pblica efi caz: (a) sustentabilida-

    de ambiental, social e econmica; (b) legislao e instituies compatveis; e (c) novos arranjos

    polticos, de carter participativo da sociedade. A Lei de Gesto dos Recursos Hdricos do Brasil

    (9.433/1997) um marco desta nova fase, assim como a criao da Agncia Nacional de guas

    em 2006. A gesto compartilhada dos recursos hdricos impe-se como um desafi o para a so-

    ciedade, pois os recursos fi nanceiros pblicos tornam-se diludos em funo do aumento da po-

    pulao, dos problemas ambientais e da crise econmica mundial. O Brasil sendo um produtor

    de commodities poder se benefi ciar da crise econmica mundial e do aquecimento global em

    funo de sua extenso territorial e posio geogrfi ca no globo terrestre. Perante este dilema,

    como a sociedade poder enfrentar a escassez de gua no futuro prximo? Este o desafi o que

    se impe sobre os gestores das polticas pblicas.

    Palavras chave: recursos hdricos, agricultura, escassez, governabilidade, poltica, irrigao

    1 Professor Titular, Departamento de Engenharia de Biossistemas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, [email protected]

    2 Ps-doutorando, Departamento de Engenharia de Biossistemas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, [email protected]

    3 Professor Associado, Departamento de Engenharia de Biossistemas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, [email protected]

    4 Professor Titular, Departamento de Engenharia de Biossistemas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, [email protected]

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    ABSTRACT

    Water resources management in Brazil had a substantial quality improvement during the last 30

    years. During that period, a multi-objective public administration point of view was established,

    which had led to: (a) environmental, social and economic sustainability; (b) compatibility among

    public institutions and public laws; and (c) new set of policies to promote peoples participation.

    Water resources management law (9.433/1997) and the creation of the National Water Agency

    (Agncia Nacional de guas/2006) are benchmarks of this period. A share water resources man-

    agement organization is a social challenge due to the fact that public fi nancial resources be-

    comes diluted as population grows, environmental problems increase and the worlds economic

    crises amplify its consequences. Brazil being a commodities producer could benefi t from the

    world economic crises and the global warming tendency, considering its geographic extension

    and location. Facing this dilemma, how the Brazilian society will confront new water resources

    demands in the near future? This is the challenge set to public policies decision takers.

    Keywords: water resources, agriculture, shortage, governability, policies, irrigation

    SITUAO DOS RECURSOS HDRICOS NA AMRICA LATINA E NO BRASIL

    Amrica Latina e Caribe incluem ao redor de 8,4 % da populao mundial. O escoamento su-

    perfi cial mdio anual das precipitaes naturais na regio de 13.120 km3, representando 30,8

    % do volume do planeta. A precipitao da ordem de 1.500 mm ano-1, sendo 50 % superior

    media mundial; mas, dois teros do volume escoado concentra-se em trs bacias hidrogrfi cas

    (Orinoco, Amazonas e Rio da Prata). Alm disso, 25 % das reas da regio so ridas ou semi-

    ridas, em conseqncia da desuniformidade da distribuio das precipitaes.

    Os principais usurios dos recursos hdricos na regio so: a irrigao agrcola, o abastecimento

    de gua potvel (urbano e rural) e o saneamento, incluindo transporte e diluio de esgotos

    pela gua, e a gerao de energia hidroeltrica. A efi cincia mdia da irrigao na regio de

    45 % (IDB 1998).

    No ltimo sculo, a demanda total de gua aumentou seis vezes, enquanto que a populao

    cresceu somente trs vezes (Tucci 2009). O aumento acelerado da demanda de recursos hdricos

    cria, inicialmente, o problema da escassez quantitativa do recurso, sendo que, concomitante-

    mente, diminui a qualidade das guas pelo aumento da populao. Este aumento produz um

    incremento na industrializao, no uso de agrotxicos na agricultura e no uso inadequado do

    solo e da gua. As guas poludas pelas atividades antropognicas retornam com qualidade

    inferior aos corpos dgua1 de que foram retirados.

    No mundo todo e no Brasil, a agricultura o maior consumidor de gua. Estima-se que 69 %

    das guas consumidas no mundo so dedicadas agricultura, 23 % indstria, e 8 % ao abas-

    tecimento da populao. No Brasil, essas porcentagens so, respectivamente, 68 %, 14 % e 18 %

    (Tucci 2009). Ainda no Brasil, 54 % dos domiclios tm coleta de esgoto (MMA/ANA 2007), mas

    somente 20 % do esgoto urbano passa por alguma estao de tratamento (Kelman 2007).

    Ao longo do tempo, a demanda gerada pela gua tem diminudo a disponibilidade per capita

    e sua qualidade vem deteriorando criando, assim, confl itos pelo uso da gua, uma vez que a

    gua de qualidade inferior no pode ser utilizada livremente para o consumo, a produo ou

    para o lazer.

    1 Tem-se estimado que, em mdia, para cada volume unitrio de gua utilizado (para fi ns domsticos e in-dustriais) retornado aos corpos receptores, contaminao afeta de 8 a 10 volumes equivalentes de gua natural (WMO/IDB 1996)

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    Estimou-se que a Amrica do Sul apresentaria um aumento na demanda de gua de 70 % entre

    1990 e 2025, enquanto que o consumo da agricultura iria variar de 81 % para 69 % no mesmo

    perodo. Os maiores aumentos percentuais correspondem indstria e evaporao da gua

    dos reservatrios, porm, a agricultura continuar sendo o principal consumidor de gua, se-

    guido pela evaporao dos reservatrios, pelo abastecimento da populao e, fi nalmente, pela

    indstria (IDB 1998).

    A matriz energtica brasileira dependente da disponibilidade hdrica, j que ao redor de 90

    % da produo provm de hidreltricas. Caso a tendncia observada de mudanas climticas

    se confi rme nos prximos anos, o Brasil poder ser, por possuir uma matriz fortemente depen-

    dente dos fatores hidrolgicos, benefi ciado ou prejudicado em funo das futuras oscilaes

    que possam vir ocorrer em territrio nacional. Sendo assim, a matriz energtica dever sofrer

    alteraes com o apoio de outras fontes e estratgias de uso do recurso hdrico (Tucci 2009).

    Numa pesquisa realizada em 2004 pelo Ibope, 88 % dos brasileiros acreditava que o pas iria

    enfrentar problemas de abastecimento de gua a mdio ou longo prazo, sendo que 74 % dos

    entrevistados apoiaria projetos de lei que estipulassem o pagamento do volume de gua consu-

    mida com o objetivo de criar programas para conscientizao das pessoas sobre o uso efi ciente

    da gua e a recuperao e proteo das bacias. Entretanto, 70 % dos entrevistados disse jamais

    ter ouvido falar dos comits de bacias hidrogrfi cas; dos que ouviram falar deles 92 % no co-

    nhece ningum que participe de um comit de bacia hidrogrfi ca. Esta pesquisa mostrou que

    os entrevistados possuem conscincia dos problemas futuros que a escassez de gua possa pro-

    porcionar, sendo que o mecanismo poderoso de gesto que representam os comits de bacia

    hidrogrfi ca (CBH) no tem permeado na sociedade brasileira como se esperava.

    AGRICULTURA IRRIGADA NO BRASIL

    Em diversos debates no Brasil e no Mundo sobre o gerenciamento dos recursos hdricos do pla-

    neta, chegou-se concluso de que a irrigao um instrumento efetivo de auxlio na produo

    de alimentos que a futura e crescente populao mundial vai demandar. Entretanto, quanta

    gua dever ser alocada para a produo de alimentos e quanta dela dever ser mantida para o

    funcionamento dos ecossistemas?

    Esta uma discusso de extrema importncia. Sabe-se que a agricultura irrigada a que mais desvia

    gua do meio ambiente para a produo de alimentos. Atualmente, a irrigao praticada em 17

    % das reas arveis do planeta, produzindo 40 % dos alimentos do mundo e utilizando ao redor

    de 70 % de todas as guas retiradas dos corpos dgua do planeta. Estima-se que para garantir as

    demandas de alimentos, a rea irrigada deve crescer entre 20 % e 30 % at o ano 2025 (Nunes 2009).

    Embora o Brasil seja o detentor de aproximadamente 12 % das guas doces do planeta, a maior

    parte (70 %) dessa gua est na bacia Amaznica. Os 30 % restantes do volume de gua doce

    disponvel, tm que se abastecer 93 % da populao do Brasil, incluindo aqui a agricultura irri-

    gada. Esta atividade econmica consome quase que a metade da gua em cerca de 5 % da rea

    cultivada; entretanto, o consumo humano urbano e rural corresponde a 27 % do uso total (MMA/

    ANA 2007).

    Com esta viso, o Ministrio do Meio Ambiente e a Agencia Nacional de guas (MMA/ANA 2007)

    apontaram que sero necessrias, at 2020, mudanas estruturais para trs dos principais usu-

    rios das guas do pas: agricultura, gerao de energia e diluio de esgoto domstico e indus-

    trial. Mas, outras mudanas tero que ser consideradas j que os recursos esto distribudos de

    forma desigual em termos geogrfi cos e populacionais, demandando uma viso nacional de

    distribuio dos recursos humanos e econmicos para garantir a sustentabilidade ambiental

    dos diversos ecossistemas onde existam plos econmicos.

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    Trs dos oito pases com maior bio-capacidade do mundo (Estados Unidos, China e ndia) so

    devedores ecolgicos. As demandas ecolgicas excedem sua prpria capacidade. Dos outros

    oito, o Brasil tem 5,3 ha por pessoa de bio-capacidade disponvel e 3,5 ha por pessoa de de-

    manda ecolgica, com um balano positivo de 2,3 ha (WWF 2008). Quanto demanda hdrica2,

    o Brasil utiliza 1.400 m3 de gua por pessoa por ano; destes, 1.250 m3 por pessoa por ano so

    de produtos originados no pas e 150 m3 por pessoa por ano so de produtos importados. A

    demanda hdrica mdia mundial de 1.240 m3 por pessoa por ano.

    Os componentes da demanda hdrica do Brasil so amostrados na Figura 1, com os valores re-

    latados por WWF (2008).

    Figura 1. Componentes da demanda hdrica, enfatizando os valores do Brasil (elaborada

    pelos autores baseados em dados de WWF 2008).

    O Brasil irriga atualmente 3,4 milhes de hectares (Cristhophidis 2006), sendo que, desse to-

    tal, 2,2 milhes de hectares so irrigadas por sistemas pressurizados. Segundo ANA (2004), a

    vazo equivalente (contnua de 24 horas) atualmente consumida nas reas irrigadas do Brasil

    de aproximadamente 589 m3 s-1. O territrio nacional tem um potencial de irrigao cujas

    estimativas variam entre 22 e 30 milhes de hectares. Embora a rea irrigada no Brasil no seja

    proporcionalmente grande, observa-se que, em determinados cultivos, seu uso intensivo, es-

    pecialmente nas reas comerciais. Nos ltimos 25 anos, a produtividade dobrou, fato devido,

    em parte, ao aumento da utilizao da irrigao. A irrigao inefi ciente tem gerado salinizao e

    problemas de drenagem em 15.000 ha, principalmente, do nordeste do pas (AQUASTAT 2000).

    A rea irrigada no Brasil responsvel por mais de 16 % do volume total da produo e 35 % do

    valor econmico total da produo, enquanto que no mundo estes nmeros so da ordem de

    44 % e 54 %, respectivamente.

    2 Demanda hdrica de um pas o volume total de gua utilizada globalmente para produzir os bens e servios consumidos pelos seus habitantes. Algumas vezes, chamada de contedo virtual de gua de um produto. As exportaes de um pas no esto inclusas no valor estimado da demanda hdrica. Como exemplos de demanda hdrica, pode-se indicar que so precisos: (a) 2.900 L de gua para produzir uma camisa de algodo, sendo que 3,7 % do uso global de gua na produo agrcola utilizado para cultivar algodo. Isto equivale a 120 L por pessoa por dia; (b) 15.500 L de gua por kg de carne de boi produzida, sendo que 23 % da gua utilizada na agricultura utilizada na produo de produtos pecurios. Isto equi-vale a 1.150 L por pessoa por dia; (c) 1.500 L de gua por quilograma de acar de cana produzida, sendo equivalente a 3,4 % da gua utilizada na agricultura. Isto equivale a 100 L por pessoa por dia quando con-sumidos 70 g de acar (WWF 2008).

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    Nos prximos 10 anos, tem-se a perspectiva de ampliao de 12 milhes de hectares na rea

    total de cana-de-acar no Brasil. Novas reas de expanso da cultura podero impulsionar a

    implementao da irrigao em maior escala nesta cultura.

    As demais culturas com grandes reas plantadas (soja, algodo, trigo, mandioca e milho) apre-

    sentam baixa perspectiva de irrigao em larga escala (Coelho 2007), uma vez que o Brasil

    bastante competitivo no mercado exterior, com base na agricultura que aproveita as guas de

    chuva para garantir a umidade no solo necessria para o desenvolvimento das culturas3.

    Para muitas pessoas, a irrigao tida como muito custosa e, portanto, fi nanceira e economi-

    camente questionvel pelos baixos preos dos produtos nos mercados internacionais. Uma re-

    viso das experincias do Banco Mundial (Jones 1995) mostrou que os projetos de irrigao

    produziram, num todo, taxas de retorno econmico positivas, em mdia 15 % maior que o custo

    de oportunidade do capital e maior que a mdia de outros projetos agrcolas sem irrigao.

    Alguns crticos apiam-se nos equvocos cometidos nos anos 70 do sculo passado, quando o

    aumento do suprimento de gua e o desenvolvimento de infra-estrutura ocorreram sem um

    suporte tcnico bem avaliado para melhorar o desempenho do projeto, o que essencial para

    o sucesso da irrigao. Desde ento, as lies tm sido aprendidas e as condies mudado e

    tempo para avanar. Corretamente aplicada e com metas bem defi nidas para a assistncia

    tcnica, a agricultura irrigada pode ajudar a resolver vrios problemas como, por exemplo: es-

    cassez de gua, pobreza e produo de alimentos, promovendo e otimizando o desenvolvi-

    mento regional, gerando divisas e empregos, garantindo a segurana alimentar, aumentando

    e diversifi cando a produo, diminuindo os riscos da agricultura e melhorando a qualidade de

    vida. Entretanto, para que isto ocorra necessrio que haja um planejamento do uso do solo e

    da gua nas diferentes sub-bacias em que possvel irrigar.

    Segundo Hall (1999), algumas das polticas mais importantes que surgiram das lies do passa-

    do e dos recentes fruns internacionais so: (a) economia de gua: existe grande aceitao dos

    mecanismos de mercado e do conceito da gua como um bem econmico; (b) manejo integrado

    dos recursos hdricos: a necessidade de manejar holisticamente a gua tornou-se uma mensa-

    gem familiar para todos os que trabalham com recursos hdricos; e (c) reforma institucional: o

    enfoque sobre as questes institucionais tem grandes implicaes para a irrigao.

    O desenvolvimento da agricultura irrigada , portanto, prioritrio e existe uma base slida para

    que sejam estabelecidas aes em nvel poltico. O foco prioritrio deve ser maximizar a produ-

    tividade do recurso, proporcionando mais alimento com menos gua ou, de preferncia, mais

    riqueza com menor uso de recurso. A publicao Factor Four (von Weizsacker et al. 1997), do

    Clube de Roma, divulga este conceito para todas as atividades produtivas, propondo a meta de

    dobrar a riqueza usando a metade do recurso. Isto deveria ser uma meta conveniente para a

    agricultura irrigada.

    O Governo pode desempenhar um papel cataltico ao proporcionar maior suporte aos pro-

    gramas de pesquisa e assistncia tcnica para a agricultura irrigada. Como destaca Hall (1999),

    cinco temas devem ser focalizados: (a) aumento da e cincia de uso da gua particularmente

    importante para melhorar a produtividade de grandes projetos de irrigao; (b) aumento da pro-

    dutividade dos pequenos particularmente relevante para as condies do semi-rido brasileiro

    e dos cintures verdes ao redor das grandes cidades, envolvendo custos efetivos de projetos ba-

    seados nas necessidades parcelares, com especial ateno para os recursos humanos, melhoria

    da capacitao e da reforma institucional, melhor servio de extenso e suporte infra-estrutu-

    ra para crdito e outros inputs e acesso aos mercados; (c) desenvolvimento de uma aproximao

    3 Esta agricultura conhecida como agricultura de sequeiro.

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    integrada para manejo e uso da gua - requer multi-disciplinaridade, viso holstica e desenvol-

    vimento de ferramentas para ajudar os tomadores de deciso resolver o problema de alocao

    e assegurar o desenvolvimento sustentvel; (d) formao de capacidade local para agricultura

    irrigada muitos dos conhecimentos e trabalhos de pesquisas no so adequadamente disse-

    minados e demonstrados. Campos-piloto para testar e demonstrar novas e boas prticas, dias

    de campo ou de demonstrao para transferir tecnologia e workshops sero necessrios para

    maximizar o uso dos conhecimentos adquiridos por consultores, universidades e instituies de

    pesquisa; e (e) suporte para inovao esta talvez seja a chave para o sucesso futuro na obten-

    o de mais riqueza com menor uso de recurso. Solues inovadoras devem ser desenvolvidas

    para encontrar estratgias efetivas de manuteno para melhorar a sustentabilidade e evitar o

    ciclo de construo-negligncia-reconstruo.

    MANEJO INTEGRADO DOS RECURSOS HDRICOS: VISO DEMOCRTICA E SUSTENTVEL

    Existem determinados aspectos inerentes aos recursos hdricos, tal como acontece com o petrleo

    ou qualquer outro bem no renovvel e lucrativo, que mostram que a gua poderia se transformar

    numa fonte signifi cativa de poder econmico ou militar para uma nao. Quando a demanda de

    gua superar a oferta, algumas naes iro justifi car suas aes militares (ofensivas ou defensivas)

    em nome da preservao econmica e da segurana nacional (Schvartz & Singh 1999).

    Uma estratgia efetiva para a sustentabilidade dos recursos hdricos (SRH) envolve a preserva-

    o ecolgica integral das nascentes que fornecem a gua, o uso racional do recurso hdrico, o

    acesso igualitrio ao fornecimento da gua e a participao direta dos consumidores para esco-

    lher como seriam desenvolvidos e manejados os recursos hdricos na bacia hidrogrfi ca (Miller

    2003). A SRH implica que as mltiplas dimenses (econmica, biolgica, poltica, espiritual e

    cultural) dos temas relativos aos recursos hdricos sejam levadas em considerao.

    A difuso de mtodos participativos e alternativos de avaliao um processo que dever estar,

    em breve, em aplicao nos CBH em todo o pas, na medida em que a crise hdrica mundial se

    aprofunde e se considere que a participao do cidado um elemento importante da Lei n

    9.433. Sendo assim, ter-se- que trabalhar em um processo que desenvolva a cooperao, a re-

    soluo das necessidades mtuas e o esforo das partes de ampliar suas opes de repartio/

    distribuio, de tal forma que decises mais inteligentes e com maiores benefcios para todos

    sejam propostas e aprovadas (Delli Pricoli 2003).

    As negociaes baseadas em aproximaes sistmicas reapresentaro, inevitavelmente, a com-

    plexidade da situao. O processo de identifi car interesses e objetivos comuns, assim como de

    explorar aes potenciais de soluo, ajudar a melhorar a situao se o processo de negociao

    estiver baseado na colaborao mediante o aprendizado e na construo de um consenso que

    impea futuros confl itos e venha a piorar a situao atual.

    O uso de aproximaes sistmicas uma metodologia participativa efetiva na tomada de deci-

    ses e na soluo efetiva de problemas de manejo. Esta metodologia pode ser uma ferramenta

    til nos comits de bacia, para ampliar a participao da populao, assumindo o papel de ge-

    radora de informao e/ou simulao, transformando-se assim em sistemas de suporte nego-

    ciao.

    Para Nandalal & Simonovic (2003), a anlise sistmica tem encontrado ampla aplicao no plane-

    jamento dos recursos hdricos. No manejo integrado dos recursos hdricos, os CBH podero utilizar

    a tecnologia de comunicao e informao provenientes de modelos especfi cos desenvolvidos

    com o objetivo de simular as outorgas, os nveis de contaminao, os preos a serem cobrados aos

    diversos consumidores, a disponibilidade dos recursos hdricos, etc., na bacia de interesse baseado

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    na anlise sistmica. J existem no pas aproximaes neste sentido realizadas por Orellana-Gon-

    zlez (2006), Orellana-Gonzlez et al. (2008) e Snchez-Romn et al. (2008a, 2008b).

    Existe uma cegueira hdrica4 que necessita ser urgentemente enfrentada, j que sem gua no

    temos vida nem desenvolvimento nem proteo dos hbitats naturais dos quais somos depen-

    dentes. Se a gua estiver contaminada, ela no estar accessvel e imperioso que sua qualida-

    de seja recuperada atravs de tratamentos adequados.

    A crescente demanda por recursos hdricos um problema de governabilidade. O acesso gua

    pode ser manipulado dos pontos de vista da tecnologia, economia e poltica. Compreender as

    conexes ocultas do mundo dos recursos hdricos, incluindo aqui a gua virtual5 inerente nas

    commodities agrcolas que so comercializadas no mundo, constitui um primeiro passo para a

    soluo do problema. Uma situao de privilgio que o Brasil desfruta no mundo atual e precisa

    ser considerada nas negociaes comerciais no mundo a quantidade de gua virtual embu-

    tida nas commodities produzidas pela agricultura brasileira e que precisa ser adequadamente

    valorizada.

    Existem trs solues para o dfi cit hdrico: (a) a reduo das taxas de crescimento populacional;

    (b) a mudana nos hbitos alimentcios; e (c) a adaptao do nvel de desenvolvimento local em

    funo da disponibilidade de recursos hdricos.

    Boas polticas hdricas de sustentabilidade no so alcanadas apenas com a adoo de princ-

    pios ambientais corretos. Por outro lado, os princpios econmicos de efi cincia para conseguir

    o uso efi ciente dos recursos hdricos no so a soluo nica para o problema. A sustentabili-

    dade dos recursos hdricos atingida na arena poltica. As vozes da sociedade, da economia e

    do meio ambiente tentaro se impor, de forma confl ituosa, s suas prioridades e demandas por

    recursos hdricos.

    CONSIDERAES FINAIS

    Os temas relativos aos recursos hdricos constituem as ilustraes prticas mais claras das carac-

    tersticas multidimensionais dos problemas ambientais. Para amenizar os problemas mundiais

    da crise da gua, mais estudos no mbito das anlises sistmicas devem ser realizados para o

    planejamento adequado dos recursos hdricos.

    Os mtodos sistmicos tm sido muito utilizados nos processos de negociao, destacando-se

    quando so utilizados em recursos hdricos. Mas, todos estes mtodos tm apresentado certa

    complexidade para o pblico leigo j que so essencialmente cientfi cos e fortemente baseados

    na engenharia, com a limitao de que no tm sido ampliados para analisar a segurana hdrica.

    O poder das vozes vem mudando ao longo do tempo. Os profi ssionais ligados ao manejo e

    desenvolvimento de polticas vinculadas aos recursos hdricos tm resistncia de reconhecer

    a natureza poltica da criao das polticas que regulamentam os recursos hdricos. Preferem

    assumir que a informao relativa meteorologia, hidrologia, custos de distribuio da gua

    e o valor das commodities agregado pela gua sero sufi cientes para guiar os elaboradores de

    polticas. Os lderes polticos tm a tendncia de evitar riscos, concentrando-se nas solues

    imediatas dos problemas mais cotidianos. Problemas mais complexos, que podem provocar

    4 Expresso utilizada como uma forma literria para expressar o fato de que a crise dos recursos hdricos est sendo ignorada, provavelmente pela percepo ilusria de abundncia.

    5 gua virtual a gua requerida para produzir, de forma intensiva, commodities tais como cereais. Os importadores no precisam mobilizar gua no lugar onde a produo das commodities acontece nem onde estas so consumidas. A gua virtual a soluo sonhada pelos polticos, onde a economia se encontra em situao de estresse hdrico. A gua virtual economicamente invisvel e politicamente silenciosa (Allan 2002).

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    atritos polticos por envolver princpios econmicos e ecolgicos recebem pouca ateno nos

    discursos polticos e poucos recursos para serem legislados. Dentro destes problemas comple-

    xos, est a poltica dos recursos hdricos.

    Existe um paradoxo que diz que os pessimistas hdricos esto equivocados em suas posies

    pessimistas, mas que estas so teis como ferramentas polticas; e os otimistas hdricos esto

    certos, mas este otimismo perigoso j que transmite uma noo de segurana que favorece

    as posies polticas de laissez faire, laissez aller, laissez passer incorretas na presente situao.

    Nosso foco profi ssional de tcnicos vinculados agricultura irrigada ter que ser: (a) promover

    reformas das obras existentes com o intuito de melhorar a efi cincia no uso da gua e no de

    construir mais obras; (b) estabelecer critrios e mecanismos nacionais para oferecer uma assis-

    tncia tcnica competente para todos os produtores; (c) objetivar os investimentos tanto em

    pesquisa quanto no manejo dos sistemas de irrigao, para melhorar a efi cincia no uso da

    gua; e, fi nalmente, (d) visar ao aumento da produtividade agrcola dos pequenos produtores

    rurais. Este o desafi o dos profi ssionais vinculados agricultura irrigada no Brasil.

    AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem ao Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT), ao Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Cientfi co e Tecnolgico (CNPq) e Fundao de Amparo Pesquisa do Es-

    tado de So Paulo (FAPESP), pelo apoio fi nanceiro a esta pesquisa atravs do Instituto Nacio-

    nal de Cincia e Tecnologia em Engenharia da Irrigao (INCTEI), junto ao Departamento de

    Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade

    de So Paulo.

    REFERNCIAS CITADAS

    Agncia Nacional de guas (ANA). 2004. Disponibilidade e demandas de recursos hdricos no

    Brasil. Ministrio do Meio Ambiente, Braslia, 118 p.

    Allan, T. 2002. Water resources in semi-arid regions: real defi cits and economically invisible and

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    NACIONAIS

    2

  • 27

    CAP

    TULO

    2

    GUA E SADE:ASPECTOS GLOBAIS E NACIONAIS

    Ulisses Confalonieri1

    Lo Heller2

    Sandra Azevedo3

    RESUMO

    Embora seja essencial para o bom funcionamento biolgico, desde a sade humana at os

    ecossistemas, muitos pases e grande parte da populao mundial esto submetidos a estresse

    hdrico. As alteraes no ciclo hidrolgico ocasionadas pelo processo de mudana climtica glo-

    bal tendem a agravar esta situao. Quase 90 % dos cerca de 4 bilhes de episdios anuais de

    diarria em todo o mundo so atribudos a defi cincias no esgotamento sanitrio e na proviso

    de gua de boa qualidade. No Brasil, os principais problemas de sade pblica associados

    gua so: doenas diarricas, doenas transmitidas por vetores (ex. malria e dengue), esquis-

    tossomose e outras helmintoses, leptospirose e intoxicao por cianotoxinas. Sugere-se para o

    Brasil o estabelecimento de metas quantitativas de reduo na incidncia de diarria infantil e

    o desenvolvimento de indicadores integrados para utilizao no monitoramento das condies

    de sade relacionadas gua e ao saneamento.

    Palavras-chave: gua, sade, saneamento, infeces, toxinas, clima, cianobactrias, indicadores

    ABSTRACT

    Although water is recognized as essential for the appropriate functioning of biological systems

    and human health, many countries and a large part of the global population are water stressed.

    The expected changes to the hydrological cycle brought about by the process of global climate

    change will aggravate this situation. Almost 90 % of the 4 billion diarrhea episodes occurring

    globally each year are linked to defi ciencies in sewage disposal and the supply of safe water.

    In Brazil, the most important public health problems associated to water are: diarrheal diseases,

    1 Professor Titular, Universidade Federal Fluminense e LAESA/CPqRR/FIOCRUZ, [email protected] ocruz.br 2 Professor Associado, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, [email protected] 3 Professor Associado, Instituto de Biofsica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected]

  • 28

    CAP

    TULO

    2

    schistosomiasis and other helminth infections, leptospirosis, vector-borne diseases (e.g. malaria

    and dengue fever) and poisoning by Cyanobacteria toxins. It is suggested, for Brazil, the setting

    of quantitative goals for reduction in childhood diarrhea in the next fi ve years as well as develop-

    ment of integrated indicators for the monitoring of water-and-sanitation-related health problems.

    Key words: water, health, sanitation, infections, toxins, climate, Cyanobacteria, indicators

    INTRODUO

    bem conhecida a importncia da gua para os processos vitais e para a sade humana. A gua

    essencial para o funcionamento biolgico em todos os nveis, desde o metabolismo dos orga-

    nismos vivos at o equilbrio dos ecossistemas. Isto se aplica tambm biologia humana, j que

    essencial para sua fi siologia, conforto e higiene.

    Estima-se, no entanto, que cerca de 1,5 bilhes de pessoas no tenham, em todo o mundo, aces-

    so a gua de boa qualidade (UN Statistics Division 2008). Cerca de 80 pases sofrem de estresse

    hdrico (water stress), defi nido como situaes nas quais h um escoamento superfi cial de

    chuva menor que 1000 m2/pessoa/ano (Arnell 2004). A populao nestas regies compreende

    cerca de 40 % do total mundial.

    Em 2002, 21 % da populao dos pases em desenvolvimento no tinham acesso continuado a

    fontes adequadas de gua (UNSD 2008). As Naes Unidas tm como parte de uma das Metas

    de Desenvolvimento do Milnio (Millennium Development Goals, MDGs) a reduo em 50 %,

    at 2015, da proporo da populao mundial, em 1990, sem acesso gua de boa qualidade

    para beber e ao esgotamento sanitrio adequado.

    Com a perspectiva de mudanas importantes no ciclo hidrolgico - em nveis local, regional e

    global resultantes do aquecimento global - as sociedades enfrentam um enorme desafi o para

    o manejo de recursos hdricos e para a proviso de gua potvel. Em vista deste quadro, en-

    fatizada neste artigo a relao entre a quantidade e a qualidade da gua e a sade humana; e

    os desafi os que existem para a melhoria do acesso gua de boa qualidade. So considerados,

    sumariamente, alguns aspectos globais e dada nfase a problemas nacionais e regionais bra-

    sileiros em relao gua e suas implicaes sanitrias.

    Figura 1. Rio Aquidauana durante a cheia (MS) (fotografi a U.E.C. Confalonieri).

  • 29

    CAP

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    2

    GUA E SADE

    Estima-se que cerca de 10 % da carga global de doenas seja devida m qualidade da gua e a

    defi cincias na disposio de excretas e na higiene (Prss-Ustin et al. 2008). Quase 90 % dos cer-

    ca de 4 bilhes de episdios anuais de diarria, em todo o mundo, (que causam 1,5 milhes de

    mortes em menores de cinco anos) so atribudos a defi cincias no esgotamento sanitrio e na

    proviso de gua de boa qualidade. Por outro lado, sabe-se que at 94 % dos casos de diarria

    so passveis de preveno (WHO/UNICEF 2006).

    A gua relaciona-se sade humana de vrias maneiras e as principais so:

    1. Como veculo de agentes microbianos causadores de gastrenterites, especialmente por causa da

    contaminao fecal, ou de outras infeces como leptospirose, comum em inundaes urbanas.

    2. Como veculo de agentes txicos, quer naturais (ex. toxinas biolgicas, como as das cianobac-

    trias; arsnico) ou de origem antrpica (outros contaminantes qumicos).

    3. Como reservatrio de vetores de doenas, como os mosquitos transmissores da malria e

    da dengue e os hospedeiros intermedirios (caramujos) que albergam o verme causador da

    esquistossomose (Schistosoma mansoni).

    4. Impactos fsicos diretos (ex. inundaes em reas povoadas) ou indiretos (ex. danos produ-

    o de alimentos ou infra-estrutura de sade, etc.).

    Figura 2. Crrego em rea inundada do Pantanal de Aquidauana, MS (fotografi a U.E.C.

    Confalonieri).

    SITUAO NO BRASIL

    Alguns critrios clssicos existem em sade pblica para a defi nio de prioridades para inter-

    veno. De modo geral, admitem-se trs aspectos principais:

    1. Nmero de indivduos afetados.

    2. Gravidade dos processos mrbidos (medidas pela mortalidade e incapacidade).

    3. Existncia de tecnologias de preveno/controle.

  • 30

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    2

    No caso dos agravos relacionados gua, ao aplicarmos estes critrios, podemos defi nir as se-

    guintes condies, dentre as mais importantes:

    1. Diarria infantil: ainda importante causa de morbidade no pas (ver pgina 7).

    2. Doenas transmitidas por vetores: destacam-se a malria, praticamente restrita a ambien-

    tes modifi cados na regio Amaznica (com cerca de 540 mil casos em 2006) e a dengue, mais

    importante nas grandes cidades, com cerca de 700 mil casos em 2008 (incidncia em 2007 de

    295,7 casos/100 mil habitantes).

    3. Esquistossomose e outras helmintoses: a esquistossomose origina-se na contaminao

    fecal (por doentes) de corpos dgua como riachos, lagoas e audes, que contenham po-

    pulaes do molusco do gnero Biomphalaria. endmica na regio Nordeste e partes

    da Sudeste. Estima-se a existncia de 8 milhes de portadores no pas. Na regio Nordes-

    te, em 2004, foram diagnosticados 43.759 casos novos (incidncia de 87,8 casos/100 mil

    habitantes).

    4. Leptospirose: geralmente ocorre como conseqncia da contaminao de guas de inunda-

    es urbanas pela urina do rato de esgoto, que contm a bactria causadora. Est, portanto,

    relacionada ocupao do solo urbano em reas defi cientes em drenagem, esgotamento

    sanitrio e coleta de resduos slidos, o que facilita a proliferao dos roedores. Entre 1996 e

    2005, foram diagnosticados 33.174 casos no pas. A maior epidemia j registrada no Brasil foi

    no vero de 1996, na cidade do Rio de Janeiro, com 1.790 casos e 49 bitos.

    5. Intoxicao por cianotoxinas: em nosso pas, o trabalho de Teixeira et al. (1993) descreve

    uma forte evidncia de correlao entre a ocorrncia de fl oraes de cianobactrias no reser-

    vatrio de Itaparica (Bahia) e a morte de 88 pessoas, entre as 2.000 intoxicadas e que apresen-

    taram um quadro grave de gastrenterite pelo consumo de gua do reservatrio entre maro

    e abril de 1988. Entretanto, o primeiro caso confi rmado mundialmente de mortes humanas

    causadas por toxinas de cianobactrias (cianotoxinas) ocorreu no incio de 1996, quando 130

    pacientes renais crnicos passaram a apresentar, aps terem sido submetidos a sesses de

    hemodilise em uma clnica da cidade de Caruaru, Estado de Pernambuco, um quadro clni-

    co compatvel com uma grave hepatotoxicose. Desses, 60 pacientes vieram a falecer at 10

    meses aps o incio dos sintomas. As anlises confi rmaram a presena de cianotoxinas no

    sistema de purifi cao de gua da clnica e em amostras de sangue e fgado dos pacientes

    intoxicados (Azevedo 1996, Carmichael et al. 1996, Jochimsen et al. 1998, Pouria et al. 1998,

    Carmichael et al. 2001, Azevedo et al. 2002).

    6. Situaes complexas devido falta crnica de gua: importante destacar que a relao

    da gua com as afeces sade a ela relacionadas , em geral, muito complexa e mediada

    por vrios fatores de natureza fsico-geogrfi ca, scio-ambiental, econmica e cultural. A Fi-

    gura 1 ilustra esta afi rmativa mostrando como as mudanas climticas podem afetar a gua,

    alm de outros fatores de risco, e provocar doenas no semi-rido nordestino, requerendo

    ateno inter-setorial.

    A Figura 3 mostra a forma complexa e multifatorial de como a escassez de gua no Nordeste

    afeta a sade e os sistemas de ateno mdica. Embora as altas temperaturas e a baixa umida-

    de tenham impactos diretos sobre a fi siologia humana, a maior parte dos problemas de sade

    decorre, indiretamente, de processos scio-ambientais desencadeados pela seca. Os impactos

    mais importantes so os problemas nutricionais, os quais so exacerbados pela queda na pro-

    duo de alimentos, e as conseqncias dos processos migratrios resultantes da economia afe-

    tada (CEDEPLAR/FIOCRUZ 2008). Estes so, principalmente, a redistribuio espacial de doenas

    crnicas, infecciosas ou no (ex. Calazar) e o aumento na demanda sobre os sistemas de sade

    nas reas de destino dos migrantes. Embora haja certa capacidade adaptativa das populaes

    locais s secas, principalmente atravs de aes governamentais de mitigao, os modelos pro-

  • 31

    CAP

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    2

    jetam para a regio uma piora da condio da aridez criando, dessa forma, uma situao sem

    precedentes histricos qual a sociedade ter que se adaptar.

    Embora o Brasil tenha uma posio privilegiada no mundo em relao disponibilidade de re-

    cursos hdricos (ca. 12 % da disponibilidade mundial), h disparidades regionais importantes. Na

    regio Nordeste, por exemplo, existem reas cuja disponibilidade de gua por habitante/ano

    menor que o mnimo de 2.000 litros recomendados pela ONU (Marengo 2008). Deve-se conside-

    rar tambm que a disponibilidade de gua no Brasil depende, em grande parte, do clima, sendo

    que projees apontam para uma reduo da chuva nas regies Norte e Nordeste de at 20 %

    no fi nal do sculo XXI (Marengo 2008). A Organizao Mundial da Sade (WHO) estimou que 2,3

    % do total de mortes em 2002 no Brasil (ou 28.700 bitos) poderiam ser atribudas a defi cincias

    na qualidade da gua, do esgotamento sanitrio e da higiene (Prss-Ustin et al. 2008).

    A cobertura pelos servios de abastecimento de gua nas reas urbanas do Brasil aumentou ca. 4,5

    pontos percentuais (de 87 para 91,4 %) e da populao rural mais signifi cativamente de 9,3 para

    25,7 %, com um acrscimo de 16,4 pontos percentuais, entre 1991 e 2003, segundo as estatsticas da

    PNAD e do Censo 2000. Tal comportamento refl ete a difi culdade de avanar mais na universalizao

    da cobertura urbana, j que a populao ainda desprovida dos servios localiza-se, predominante-

    mente, nas reas perifricas e de urbanizao informal, o que determina a necessidade de adoo

    de programas especfi cos e integrados aos de desenvolvimento urbano. Por outro lado, por maior

    que tenha sido o avano do atendimento populao rural, a cobertura ainda incipiente. Ademais,

    tais dados informam a existncia de 12 milhes de brasileiros nas cidades e outros 22 milhes na

    rea rural que ainda devem ser atendidos pelos servios, adicionando-se a demanda imposta pelo

    crescimento vegetativo populacional. Essa cobertura por rede coletiva de abastecimento de gua

    apresenta maior concentrao de municpios com coberturas menos satisfatria nas regies Norte

    e Nordeste do pas. Embora as estatsticas no revelem com clareza a forma como o abastecimento

    acontece, pode-se inferir que nem sempre o atendimento cumpre com os requisitos considerados

    adequados quanto continuidade do fornecimento e qualidade da gua, o que reforado pela

    constatao do fi nanciamento sem regularidade aos servios e de suas limitaes operacionais.

    Quanto ao esgotamento sanitrio, tambm se nota tendncia crescente e discreta de ampliao

    da cobertura por rede coletora, tendo aumentado 13 pontos percentuais no perodo 1991-2002

    Figura 3. Secas e sade no nordeste brasileiro (CEDEPLAR/FIOCRUZ 2008).

  • 32

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    2

    (de 62 para 75 %). A populao rural, embora tenha exibido acrscimo de cobertura no mesmo

    perodo, permanece com apenas 16 % dos domiclios atendidos, ainda que aqui caiba uma dis-

    cusso sobre a soluo tecnolgica mais adequada para populaes dispersas. Da mesma for-

    ma, o indicador cobertura contm informao apenas parcial, pois no fornece indicaes sobre

    o destino dos efl uentes. Alm disso, cabe a discusso sobre a ambigidade do indicador, pois

    a mera existncia de cobertura por coleta de esgotos no, necessariamente, proporciona uma

    efetiva melhoria nas condies de sade e ambientais. A rede coletora em locais desprovidos

    de interceptores e tratamento de esgotos pode at provocar uma acentuao dos problemas

    sade humana, caso a soluo anteriormente prevalente, invariavelmente de infi ltrao dos

    efl uentes no subsolo por diferentes tipos de fossas, se mantivesse funcionando medianamente.

    Neste caso, a rede termina por concentrar os esgotos nos corpos de gua do meio urbano, ex-

    pondo as populaes e aumentando a circulao ambiental de microrganismos patognicos. A

    prpria presena de interceptores e estaes de tratamento no constitui garantia de proteo

    sade humana e qualidade da gua dos corpos receptores, se considerarmos a efi cincia

    freqentemente reduzida dessas ltimas em remover microrganismos patognicos.

    Quanto natureza do atendimento, a PNSB (IBGE 2000) informa que 4.097 (42 %) dos 9.848 distri-

    tos brasileiros possui rede coletora, mas que apenas 1.383 deles tm estaes de tratamento (14 %

    do total). Contudo, apenas 118 realizam desinfeco dos esgotos. Do total do volume de esgotos

    coletado, apenas 35 % recebem algum tipo de tratamento, resultando em cerca de 9.400.000 m3

    de esgotos brutos encaminhados diariamente aos corpos de gua do pas, considerando somente

    aquele coletado por rede. tambm merecedora de registro a informao de que 3.288 distritos

    com rede (80 %) no possuem qualquer extenso de interceptor provocando, potencialmente, a

    deteriorao da qualidade das guas dos corpos receptores situados nas malhas urbanas.

    Na avaliao do atendimento populacional pelos servios de abastecimento de gua e esgo-

    tamento sanitrio necessrio destacar as assimetrias com que ocorre. Estas podem ser verifi -

    cadas segundo vrias dimenses. Alm da desigualdade de acesso estar associada ao local de

    moradia, se urbano ou rural, ela apresenta tambm uma relao surpreendentemente no clara

    com a renda, qual seja: os mais pobres so os mais excludos. Ademais, estudos vm mostrando

    que o porte das cidades e seu nvel de desenvolvimento humano associam-se positivamente

    com a possibilidade de terem servios com maior cobertura (Rezende 2005).

    Figura 4. Lagoa na regio do Pantanal Sul, MS (fotografi a U.E.C. Confalonieri).

  • 33

    CAP

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    2

    PERSPECTIVAS

    1. MDG: h vrias interconexes entre as Metas de Desenvolvimento do Milnio e gua, es-

    gotamento sanitrio e sade. Talvez, a que sofra conseqncias mais diretas seja a reduo

    da mortalidade infantil (Meta 4 dos MDGs) por doenas diarricas, atravs da melhoria no

    acesso a servios de saneamento e abastecimento da gua. A meta mais especifi camente

    relacionada corresponde Meta 7 (Sustentabilidade Ambiental), que prev a reduo do d-

    fi cit atravs dos servios de abastecimento de gua e esgotamento sanitrio. Com isto, sero

    alcanadas no s melhorias nos nveis de sade, mas tambm na conservao dos ecossis-

    temas e uma menor presso sobre os recursos hdricos comumente escassos (WHO/UNICEF

    2006, Schuster-Wallace et al. 2008). Prev-se que o Brasil conseguir atingir a meta referente

    ao abastecimento de gua, mas ter difi culdades em alcanar a que se refere ao esgotamen-

    to sanitrio. Da mesma forma, a melhoria no manejo da gua, com sistemas aperfeioados,

    reduz a oportunidade para formao de criadouros de mosquitos transmissores de dengue e

    malria (Meta 6: Combater o HIV/AIDS, malria e outras doenas).

    2. Mudana climtica global: o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas) pro-

    jetou, em seu Quarto Relatrio de Avaliao (2007), a reduo na precipitao pluviomtrica,

    especialmente nos trpicos secos, o que aumentar o nmero de pessoas vivendo sob regi-

    me de estresse hdrico. H tambm projees de reduo, nas prximas dcadas, da disponi-

    bilidade de gua doce em regies litorneas como conseqncia da intruso salina decorren-

    te de um aumento do nvel do mar (efeito do aquecimento global). Tambm se espera que a

    reduo no fl uxo dos rios e o aumento na temperatura da gua levaro perda de qualidade

    da gua pela reduo da diluio de contaminantes, pelo menor teor de oxignio dissolvido

    na gua e pelo aumento na atividade microbiolgica (Bates et al. 2008). Como concluso, o

    trabalho do IPCC aponta que as mudanas nos regimes de chuva e temperatura provocadas

    pela mudana climtica global tornaro mais difceis os processos de proviso de gua limpa,

    drenagem e saneamento. Atualmente, o manejo dos recursos hdricos e sua infra-estrutura

    tm sido baseados em conhecimentos sobre climas estveis. As polticas e regulamentaes

    no uso de recursos hdricos devero incorporar informaes oriundas dos cenrios regio-

    nais de mudana de clima. Para o Brasil, estudos e o desenvolvimento de cenrios climticos

    apontam para as regies Norte e Nordeste como as que devero ser mais intensamente afe-

    tadas pelo processo de mudana climtica global (Baettig et al. 2007, Marengo 2007, Ambrizzi

    et al. 2007, Marengo 2008).

    3. Pesquisa, vigilncia e monitoramento: dada a importncia da gua para sade humana,

    aes setoriais de pesquisa e monitoramento so necessrias para um conhecimento mais

    completo da relao gua/sade no pas. Devem ser mantidas iniciativas governamentais tal

    como a de 2008, para o incentivo a estudos de avaliao integrada de risco sade huma-

    na em populaes expostas gua contaminada (Fundos Setoriais de Recursos Hdricos e

    de Sade). Tambm so importantes iniciativas de coleta, organizao e disponibilizao de

    dados sobre gua, esgotamento sanitrio e enfermidades a estes relacionados. Deve ser men-

    cionada, a este respeito, a iniciativa do Ministrio da Sade (Coordenao Geral de Vigilncia

    Ambiental) e da Fundao Oswaldo Cruz, na formao do atlas digital gua Brasil. Reunindo

    indicadores de sade, qualidade da gua e saneamento, em nvel municipal, em todo o pas,

    o atlas permite a visualizao de problemas de abastecimento de gua, padres de consumo

    e perfi l epidemiolgico de enfermidades de veiculao hdrica (http://www.aguabrasil.iact.

    fi ocruz.br).

    4. Universalizao dos servios de saneamento: patente a necessidade de ampliao da

    cobertura pelos servios de abastecimento de gua e esgotamento sanitrio, visando reposi-

    cionar o Brasil no patamar de desenvolvimento perseguido pelo pas e intensifi car o impacto

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    CAP

    TULO

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    na sade da populao. No so pequenos os desafi os para atingir uma situao de universa-

    lidade e eqidade pelos servios, assegurando o acesso a toda a populao urbana e rural

    qualidade dos servios e sua sustentao ao longo do tempo. A incluso das populaes da

    periferia dos grandes centros e da populao rural, a garantia da segurana da gua fornecida

    e a implantao de meios para a disposio adequada dos resduos constituem importan-

    tes desafi os. Verdadeiros avanos nessa direo requerero uma combinao de esforos, ou

    seja, uma poltica pblica adequadamente desenhada e implementada, a disponibilizao de

    recursos fi nanceiros e o aperfeioamento da gesto dos servios. Essas iniciativas necessitam,

    efetivamente, de uma adoo integrada, rompendo a viso de que apenas recursos fi nancei-

    ros so sufi cientes para superar os problemas da rea. De certa forma, h um reconhecimento

    da importncia de priorizao das aes de saneamento e de que o sucesso das polticas

    pblicas impe a adoo de uma viso integrada e de longo prazo, reconhecendo o papel dos

    diferentes atores sociais com a nova legislao federal aprovada no Pas (Brasil 2005, 2007).

    Entretanto, a vontade poltica de superar previsveis entraves para este avano ser indispen-

    svel para o sucesso da implementao desses instrumentos legais.

    5. Proteo da sade humana em relao exposio a agentes txicos: embora as ciano-

    bactrias sejam um dos componentes naturais de qualquer ecossistema aqutico, a ateno

    para a ocorrncia desses microrganismos em mananciais de abastecimento pblico relativa-

    mente recente. A crescente eutrofi zao de reservatrios tem sido produzida, principalmente,

    pelas descargas de esgotos domsticos e industriais dos centros urbanos e pela poluio difusa

    originada nas regies agricultveis. Esta eutrofi zao artifi cial produz mudanas na qualidade

    da gua, incluindo o aumento da incidncia de fl oraes de microalgas e cianobactrias, com

    conseqncias negativas sobre a efi cincia e o custo do tratamento da gua. Em nosso pas, o

    problema das fl oraes intensifi cado pelo fato de que a maioria dos reservatrios de gua

    para abastecimento apresenta as caractersticas necessrias para o crescimento intenso de

    cianobactrias durante o ano todo. impossvel considerar as cianobactrias como microrga-

    nismos patognicos no sentido clssico, pois embora muitas linhagens de diferentes espcies

    desses organismos possam produzir metablitos secundrios bioativos e txicos para clulas

    de diversos grupos de animais, grande parte desses compostos s liberada para a gua aps

    a lise das clulas das cianobactrias. A qualidade da gua poder ser mais comprometida pela

    presena das toxinas em sua forma dissolvida do que por clulas viveis de cianobactrias que,

    potencialmente, devem ser removidas em grande parte durante o tratamento convencional da

    gua. Este pode, por sua vez, levar ao rompimento das clulas desses microrganismos pelo uso

    de compostos qumicos nas diversas etapas desse processo. As cianobactrias esto tambm

    freqentemente associadas produo de compostos que conferem gosto e odor gua pot-

    vel. Embora esses compostos no possam ser considerados txicos, sua presena leva preocu-

    pao s autoridades de sade pois, muitas vezes, implica na rejeio, por parte da populao,

    da gua potvel fornecida e aumento da busca por fontes alternativas de abastecimento, com

    aumento do risco sade pblica. Registros comprovados da ocorrncia de fl oraes txicas no

    Brasil iniciaram-se na dcada de 1980. Os ambientes aquticos localizados em reas com forte

    impacto antropognico apresentavam alta percentagem de dominncia de cianobactrias e

    ocorrncia de fl oraes. Em pelo menos 11 dos 26 estados brasileiros j foram identifi cadas

    espcies txicas de cianobactrias, sendo a maioria dos registros provenientes de reservatrios

    de usos mltiplos (Azevedo 2005). Em muitos casos, as cianobactrias causadoras dos danos

    desaparecem do reservatrio antes que as autoridades de sade pblica considerem uma fl o-

    rao como risco possvel, pois so geralmente desconhecedoras dos danos possveis resul-

    tantes da ocorrncia de fl oraes de cianobactrias e, portanto, assumem que os processos de

    tratamento da gua usuais so capazes de remover qualquer problema potencial. Entretanto,

    vrias toxinas de cianobactrias so, quando em soluo, difi cilmente removidas atravs de um

    processo convencional de tratamento sendo, inclusive, resistentes fervura. Com o apareci-

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    CAP

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    mento freqente de fl oraes de cianobactrias em reservatrios de abastecimento pblico,

    as autoridades de meio ambiente tentam, de modo geral, controlar as fl oraes com a apli-

    cao de sulfato de cobre ou de outros algicidas. Este mtodo causa lise desses organismos,

    liberando as toxinas freqentemente presentes nas clulas para a gua bruta do manancial. Tais

    aes podem causar exposies agudas s toxinas. Alm disso, h evidncias de que popula-

    es abastecidas por reservatrios que apresentam extensas fl oraes podem estar expostas

    a baixos nveis de toxinas por longos perodos (Hilborn et al. 2008). Esta exposio prolongada

    deve ser considerada como um srio risco sade, uma vez que as microcistinas, exatamente

    o tipo mais comum de toxinas de cianobactrias, so potentes promotoras de tumores e, por-

    tanto, o consumo continuado de pequenas doses de hepatotoxinas pode levar a uma maior

    incidncia de cncer heptico na populao exposta. A exposio crnica ou episdica a toxi-

    nas de cianobactrias , certamente, a principal via de exposio humana a esses compostos,

    principalmente considerando a via oral, atravs da gua de abastecimento. Por outro lado, os

    estudos j desenvolvidos no Brasil por Magalhes et al. (2001) e Magalhes et al. (2003) demons-

    traram que peixes (tilpias) e crustceos tambm so capazes de acumular microcistinas em seu

    tecido muscular, s vezes, at com nveis muito acima do limite recomendado pela OMS, o que

    representa um srio risco para a populao que consome esse pescado. Os impactos causados

    pelas cianobactrias txicas em ambientes aquticos brasileiros tm sido potencializados pela

    atividade de piscicultura intensiva com introduo de tanques rede, inclusive em reservatrios

    de usos mltiplos, que incluem o abastecimento pblico, e pelo cultivo intensivo de camares,

    em reservatrios e ambientes estuarinos.

    6. Metais pesados e micro-contaminantes orgnicos: a concentrao de metais pesados no meio

    ambiente ocorre devido aos lanamentos antropognicos associados a efl uentes de indstrias

    metalrgicas e qumicas ou a atividades de minerao, que tm como destino, n