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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA UEFS. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana Bahia 2017

ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA – UEFS.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA

ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO

BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS,

CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979)

Feira de Santana – Bahia

2017

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ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO

BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS,

CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História, da Universidade Estadual

de Feira de Santana – UEFS, como parte dos

requisitos para obtenção do título de mestre.

Linha de Pesquisa: Cultura, sociedade e política.

Orientador: Professor Dr. Aldo José Morais Silva.

Feira de Santana- Bahia

2017

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ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO

BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS,

CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História, da Universidade Estadual

de Feira de Santana – UEFS, como parte dos

requisitos para obtenção do título de mestre.

Linha de Pesquisa: Cultura, sociedade e política.

Orientador: Professor Dr. Aldo José Morais Silva.

FEIRA DE SANTANA AGOSTO DE 2017

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Márcia Carolina de Oliveira Cury (UNEB)

________________________________________________________

Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto (UEFS)

________________________________________________________

Prof. Dr. Aldo José Morais Silva (UEFS/Orientador)

Feira de Santana- Bahia

2017

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“Não aceiteis o que é de hábito como coisa

natural, pois em tempo de desordem sangrenta,

de confusão organizada, de arbitrariedade

consciente, de humanidade desumanizada, nada

deve parecer natural nada deve parecer

impossível de mudar.”

Bertold Brech

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AGRADECIMENTOS

“Se a gente cresce com os golpes duros da vida,

também podemos crescer com os toques suaves na

alma.”

Cora Carolina

Devo agradecimentos a muitas pessoas. O processo de desenvolvimento de uma

pesquisa possuí seus momentos de contentamento, mas também é bem doloroso. São

inúmeras as dificuldades, porém, a existência de companheiros e companheiras durante a

caminhada nos ajuda a seguir em frente. E as contribuições se dão de formas variadas. Seja

uma conversa a respeito da pesquisa, a leitura do nosso texto, as críticas que recebemos, as

aulas com professores e colegas, uma palavra de conforto durante os momentos de angustias,

os momentos de afagos, distração e amizade.

Agradeço a mainha (Marineuza), painho (José) e meu irmão Lucas pelo apoio,

confiança, compreensão, zelo e carinho. Devo muito a vocês, gratidão eterna por tudo que

dedicaram a mim, amo-os profundamente. Também a toda a minha família, tios e tias, primos

e primas, cunhada (Gaby), meu avô e padrinho (Dim véi) e minha avó (Oziria), obrigada pela

consideração e afeto.

Agradeço também ao pessoal de Itaberaba onde vivi minha graduação. A minha tia

Irene e tio Zé Neto, Andréia, Poka, Henrique e meu amorzinho Dudu. Aos colegas de

graduação da Uneb Campus XIII e também a todos os professores e professoras, em especial

a professora Regiane Lopes, querida mestra que muito admiro e participou da banca do TCC,

Marinélia Silva que me orientou na graduação e Lígia Santana pelos cuidados quando eu era

bolsista do Núcleo de História Local (NHL), grata por todos os ensinamentos!. Aos queridos e

queridas que conheci durante a graduação e que tenho muito carinho: Grazy, Priscila,

Daniana, Arilma, Rafael Rosa, Rose, Jéssica, Izac, Jonh, Atílio, Caio, Marcão, Thaianne,

Izaura,Talita, Paulo, Lucas, Silvio, Mondragon, obrigada pelos momentos de leveza e

fraternidade.

Devo agradecer também aos colegas da turma de mestrado, aprendi bastante com

todos vocês. Em especial a Roberta, Leonardo, Hugo, Daiane, Andrei, Luan, Kalila, Zé Luiz,

cuja relação ultrapassou a sala de aula, foi bom tê-los conhecido e compartilhado essa

vivência. Aos professores com quem tive disciplina: Eurelino Coelho, Clóvis Ramaiana,

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Carlos Augusto e Ana Maria, grata pelo rico aprendizado. A seu Julival, funcionário do

mestrado, sempre solícito a ajudar no que precisássemos. E aos coordenadores do programa.

Sou grata ao Laboratório de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais

(LABELU), tive a oportunidade de participar de uma experiência de desenvolver pesquisa de

modo coletivo, espaço em que muito aprendemos com os debates e colaborações entre os

colegas pesquisadores. A Chintamani Santana, Tamires Assad, Roberta Rocha, Leonardo

Amaral, Larissa Penelu, Rui Marcos, Valter Zaqueu, Luan Lima, Andrei Valente, Hugo

Damasceno, Nayara Fernandes, Camila Souza, Tamires Cedraz, Lineker Norberto, Darliton

Paranhos, Elvia Santos, Ricardo Campos, Guillermo Fernandez, Lucas Martins, João Vitor,

Daiane Pereira, Carlos Roberto.

Conheci pessoas maravilhosas durante o mestrado e tive a satisfação de compartilhar

momentos divertidos e afáveis no Feira VI, grata a Rui, Nayane, Lisboa, Maria, Guillermo,

Eric, Mirian, Táfila, Vânia, Duda, Tailane. Agradeço mais uma vez a Roberta, colega de

mestrado, pelo laço de amizade durante esse tempo de vivência em Feira de Santana, foi

muito bom ter participado dessa caminhada junto com você.

A Larissa Godinho, querida amiga com quem dividi o mesmo espaço durante esses

dois anos e pouco em Feira de Santana. As angustias, dúvidas, crises em relação as nossas

pesquisas era tema recorrente nas conversas em casa. Sua presença durante esse processo foi

muito importante para mim, obrigada pela amizade, incentivos, atenção, sorrisos, abraços.

Também a doce Francine, amiga que nos ajudou no processo de mudança para Feira, e com

quem pudemos compartilhar agradáveis momentos, agradeço pela amizade, acolhimento e

carinho.

Ao orientador Aldo Silva por participar com compromisso, paciência e dedicação na

construção desse trabalho, sou grata. Aos professores que participaram da banca de

qualificação Márcia Cury e Eurelino Coelho, pelas valorosas colaborações.

Ao professor Darliton Paranhos (Tom) com quem fiz o tirocínio na Uefs, obrigada por

ter me aceito como tirocinista na disciplina “Seminário interface: ciência política e história”,

aprendi bastante com suas aulas, não somente sobre o conteúdo da disciplina, mas sobre o

exercício do ser professor.

A João Lazaro (Joãozinho) que gentilmente se dispôs a ler um dos capítulos do

trabalho. Também a Iracélli Alves pela leitura cuidadosa e comentários construtivos na

revisão do texto.

Aos funcionários da Câmara Municipal de Boquira que se dispuseram a me ajudar

com as atas da Câmara, em especial a Vando. Também aos funcionários do Arquivo

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Municipal de Boquira. Ao Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Ao senhor Adailson

de Santo Amaro que se mostrou disposto em ajudar na pesquisa, mostrando-me a existência

de notícias sobre a mineradora em alguns jornais. Ao senhor Jason e Dona Ninice de Boquira

que me forneceram documentos. Também a todos os entrevistados que atenciosamente

partilharam comigo seu tempo e suas vivências.

Agradeço a FAPESB pela bolsa concedida durante 19 meses, foi muito importante

esse apoio para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Gratidão a todos e todas que de algum modo tornaram possível esse trabalho!

Esse período que vivi o mestrado foi marcado por momentos de muita luta, os

trabalhadores e mais pobres do país sofrendo ataques duros, por isso mesmo esses dois anos

(2015-2017) foram assinalados por greves, paralisações, ocupações. Também sofremos um

golpe que colocou na presidência um governo ilegítimo, reformas foram e estão sendo

aprovadas nesse governo, golpeando direitos há muito conquistados pela classe trabalhadora,

o que intensificou as mobilizações. Tudo isso acabou afetando o funcionamento da

universidade, consequentemente o andamento do mestrado e a pesquisa.

Até mesmo a nossa área de conhecimento, a História, teve sua importância

questionada, quando da aprovação da reforma do ensino médio em fevereiro de 2017, em que

a disciplina ficaria como optativa. Contudo, historiadores e historiadoras repudiaram tal

imposição e vem lutando pela disciplina, reivindicando a obrigatoriedade da História no

ensino médio. Aliado a isso professores e professoras de história vem sofrendo

desvalorização, censura e criminalização no exercício de seu ofício, acusados de estarem

fazendo “doutrinação esquerdistas” aos seus alunos, tais ações fundamentadas principalmente

na “ideia” do “Escola sem partido”. Tudo isso é muito preocupante e acinzenta nosso futuro

enquanto professoras e professores de história, e do exercício do pensamento crítico nas salas

de aula. São tempos difíceis, o sentimento de incerteza nos perturba. Então, este trabalho é

filho desse momento, de lutas, preocupações, incertezas...

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RESUMO

A pergunta que orientou este trabalho diz respeito ao modo como a localidade de Boquira,

localizada no centro sul baiano, foi afetada pela instalação de uma indústria mineira, entre os

períodos de 1956-1979. O início do processo das atividades de mineração ocorreu em 1956,

ano em que o então presidente da República Juscelino Kubitschek autorizou a exploração de

chumbo na região. Nesse momento o país passava por um processo de expansão do

capitalismo, e a industrialização era vista como um elemento do desenvolvimento econômico

e social. Boquira, naquele período, era um pequeno povoado rural e seus habitantes

sobreviviam do trabalho na lavoura e criação de animais. A exploração do minério provocou

muitas transformações no lugar, e acabou afetando a maneira como as pessoas viviam e

trabalhavam. O objetivo da pesquisa é compreender quais foram as mudanças que ocorreram

em Boquira com o estabelecimento da mineradora, como habitantes do povoado e região

foram afetados com o advento de uma indústria no lugar. Para além disso, é também analisar

as memórias que foram construídas sobre o processo de mineração em Boquira. Neste sentido,

investigamos como foi criada as condições para as atividades mineiras, qual seja, a

expropriação de lavradores de suas terras, para o exercício da mineração; analisamos a forma

como a empresa mineira agia na localidade; examinamos os conflitos ocorridos em razão da

existência e atuação da mineradora; investigamos as memórias construídas pelos antigos

trabalhadores mineiros sobre as vivências no labor das minas. Desse modo, procuramos

evidenciar alguns elementos que compuseram as relações sociais do processo de exploração

mineral em Boquira.

Palavras-chave: Boquira, indústria mineira, conflitos, memórias.

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ABSTRACT

The question this work endeavors to answer is how was the locality of Boquira, located in

south central Bahia, affected by the installation of a mining industry, between the periods of

1956-1979. The mining process began in 1956 when President Juscelino Kubitschek

authorized the exploitation of lead in the region. During that period the country was

undergoing the process of expanding capitalism, and industrialization was seen as an element

of economic and social development. Boquira, at that time, was a small rural village, and its

inhabitants survived from farming and animal husbandry. The exploitation of the ore was the

cause of many changes and ended up affecting the way people lived and worked. The

objective of this research is to understand what were the changes that occurred in Boquira

with the establishment of the mining company, as inhabitants of the village and region were

affected by the advent of a new industry. In addition, it also analyzes the memories that were

created during the mining process in Boquira. In this sense, we investigate how the conditions

for mining activities were created, namely, the expropriation of farmers from their lands, for

the purpose of mining; We analyze how the mining company acted in the locality; We

examine the conflicts that occurred due to the existence and performance of the mining

industry; We investigate the old mining workers' experiences working in the mines. In this

way, we try to show some elements that engendered the social relations associated with the

process of mineral exploration in Boquira.

Key words: Boquira, mining industry, conflicts, memories.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11

1. BOQUIRA E A EXPLORAÇÃO DO CHUMBO ............................................................... 17

1.1. Industrialização no Brasil e na Bahia na década de 1950 .............................................. 17

1.2. O processo de instalação da indústria mineira em Boquira ........................................... 25

1.2.1. A Peñarroya Francesa ............................................................................................. 36

1.3. Boquira e a mineração: as mudanças e as memórias. ................................................... 39

2. O CONTO DO VIGÁRIO: OS AGRICULTORES DE BOQUIRA E A INDÚSTRIA DE

MINERAÇÃO .......................................................................................................................... 55

2.1. Expropriação e resistência dos agricultores de Boquira ................................................ 55

2.2. Desapropriação dos terrenos e o convênio entre o Estado baiano e a indústria de

mineração ....................................................................................................................... 66

2.3. Denuncias do convênio ganham visibilidade ................................................................. 76

2.4. A mineradora e a política local ...................................................................................... 87

3. BOQUIRA E AS ATIVIDADES MINEIRAS: CONTRADIÇÕES, DISPUTAS,

MEMÓRIAS... .......................................................................................................................... 97

3.1. O jornalista Alexandria Pontes: oposição e disputas ..................................................... 97

3.2. Memórias do trabalho na indústria: os mineiros de Boquira ....................................... 118

3.3. Vida, substâncias da memória: as relações entre os companheiros de trabalho .......... 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 147

FONTES ................................................................................................................................. 150

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 154

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11

INTRODUÇÃO

A pergunta que orientou este trabalho gira em torno de como a localidade de Boquira

foi afetada pelo processo de industrialização que se expandia no país durante a década de

1950. Boquira, naquele período, era um pequeno povoado rural. Seus habitantes sobreviviam

da agricultura e criação de animais. De repente, instalou-se uma indústria mineira no povoado

e estes indivíduos se viram submetidos a relação econômica industrial capitalista.

Na dissertação problematizaremos, justamente, qual foi o impacto da instalação de

uma indústria na cidade de Boquira. Para compreendermos o processo, é fundamental

analisarmos como a industrialização foi implementada no país de uma forma mais geral.

Nosso objetivo central é, a partir das experiências de Boquira, contribuir para a discussão

sobre como as regiões rurais foram afetadas pelo desenvolvimento do capitalismo. O que nos

interessa entender é como aquele processo foi vivenciado pelos habitantes do lugar,

examinando como a mineradora agia na região, e como seus moradores relembram o

processo. Portanto, além de tentar compreender as vivências, procuramos, por meios das

memórias, averiguar como o passado vivido é interpretado no presente, entendendo que as

memórias não estão desassociadas das vivências pretéritas.

No que diz respeito ao recorte temporal, a pesquisa situa-se no período compreendido

entre 1956, ano em que iniciou-se a exploração do minério de chumbo em Boquira, até 1979,

período em que se desenrola as principais questões que interessa ao problema da pesquisa.

Preocupou-nos saber como se iniciou a exploração do minério, quais foram as empresas que

participaram do empreendimento; como alguns habitantes do povoado foram afetados pela

mineração; a forma como a empresa agia na localidade, influenciando, inclusive, a política

local; os conflitos envolvendo a indústria mineira; as memórias que os trabalhadores mineiros

construíram sobre as atividades laborais.

Além das narrativas orais, utilizamos jornais, atas da Câmara Municipal de Boquira,

escrituras públicas, revista, livros de memória, e outros. No que diz respeito à fonte oral,

cabem algumas observações, entendemos a história oral como uma metodologia de

investigação1. Enquanto metodologia

2, como salienta Marieta Ferreira, ela pode apresentar

1 Há os que dizem ser a história oral uma técnica, outros uma disciplina. Para esse debate ver: FERREIRA,

Marieta de Moraes. História oral: velhas questões, novos desafios. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,

Ronaldo (Org.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 169- 186.

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questões, mas nunca obter respostas, pois esta só é possível no campo da historiografia e da

teoria da história, “em que se agrupam conceitos capazes de pensar os problemas

metodológicos gerados pela pesquisa histórica” 3. As dúvidas que surgem no momento da

entrevista, que estão implicadas nas relações entre história e memória, devem ser

compreendidas e resolvidas na teoria da história. Acreditamos, apoiadas em Portelli, que “o

trabalho histórico que exclui fontes orais (quando válidas) é incompleto por definição”.4

Tomando como base as fontes orais, adotamos a seguinte metodologia. Realizamos

doze entrevistas com ex trabalhadores da mineradora de Boquira, onze deles exerceram o

cargo de mineiros e outro chegou a ser gerente financeiro da indústria. Transcrevemos os

relatos da maneira como os sujeitos falam, sem fazer alterações nas palavras. Cremos que a

linguagem falada também diz muito sobre os indivíduos e ao grupo social ao qual pertencem.

Optamos também por colocar pontuação nas narrativas por entender que desse modo facilita a

compreensão do relato.

Em relação à experiência com o uso da fonte oral, destacamos que se tratou de um

exercício muito difícil, que demandou muito tempo. O primeiro desafio foi procurar as

pessoas que poderiam ser entrevistadas, saber sobre a disponibilidade para entrevista, adequar

as agendas, etc. Após as entrevistas, todas gravadas com o gravador do celular, partimos para

a transcrição, momento que exigiu maior esforço e tempo. Foram despendidas cerca de, no

mínimo, cinco horas para transcrever cada entrevista, que tinha em média duração de uma

hora cada uma. Aqui aparece outra peculiaridade da fonte oral. Diferente das outras, a fonte

oral é produzida pelos pesquisadores.

No entanto, o trabalho com entrevista não é atravessado apenas por dificuldades. O

exercício de conversar com os entrevistados é uma experiência gratificante, uma relação

marcada por subjetividades. Ouvir os relatos, dar atenção as histórias dos sujeitos desperta a

nossa sensibilidade humana. Por isso não é incomum o envolvimento com suas dores. O

entrevistador, junto ao entrevistado, se indigna, se emociona e sorri. No momento da

entrevista, o mergulho no passado é feito por ambos. A proximidade não nos deixa esquecer

que a história tem cheiro, tem risos, tem dor, tem lágrimas, tem sangue.

2 Como metodologia “[...] apenas estabelece e ordena procedimentos de trabalho – tais como os diversos tipos de

entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias possibilidades de transcrição de

depoimentos, suas vantagens e desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus

entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho –, funcionando como ponte entre teoria e prática.”

FERREIRA , 2012, p. 170. 3 Ibid., p.170.

4 PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História, São Paulo, n. 14, p. 25-39,

fev.1997. Disponível em:<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/11233/8240>. Acesso em: 23

jan. 2016.p.37.

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13

Neste estudo partimos de uma concepção de história que considera tanto as ações dos

sujeitos, quanto as determinações que recaem sobre eles, as circunstâncias que não escolhem.

Como lembra o historiador Eurelino Coelho, seguindo as pistas deixadas por Karl Marx, a

história deve ser pensada “como a dialética entre a ação dos sujeitos históricos (que fazem a

história) e as condições dadas em que tais sujeitos tem de agir (que eles não escolhem).” 5

Lembra Coelho que a dialética como método histórico pensa a relação da

singularidade/subjetividade do evento e a totalidade de relações, e que essas se determinam de

forma recíproca. A totalidade é ela mesma determinada, contraditória, dinâmica.6 Para o

autor, os eventos históricos só podem existir inseridos na totalidade de relações, que são

múltiplas, “e não apenas as „econômicas‟, são consideradas na determinação do concreto”.7

Partindo dessa perspectiva, investigamos as ações dos sujeitos e a peculiaridade do

evento, tentando perceber a dialética do processo, compreendendo que eles não se separam

das relações mais amplas e diversas dentro do qual estão colocados. A pesquisa é relevante na

medida em que a historiografia baiana pouco tem escrito sobre os impactos da

industrialização nas regiões do interior da Bahia, especialmente em se tratando das

localidades rurais. Prova disso foi a dificuldade em encontrar bibliografias que tratam

especificamente dessa questão. Sem muitas pretensões, esperamos que este trabalho traga

algumas contribuições nesse sentido.

Ademais, há poucos estudos historiográficos sobre as atividades de mineração. O tema

da mineração é pouco estudado pelos historiadores. Tanto é assim que quando iniciamos a

pesquisa bibliográfica acerca da temática tivemos dificuldades. A maioria das pesquisas

realizadas foram feitas por pesquisadores e pesquisadoras das áreas de geologia, geografia e

engenharia de minas. A relevância da pesquisa pode ser atestada pelo fato de, em 2015, uma

revista sobre história do trabalho8 ter publicado um dossiê sobre os mineiros e o trabalho em

minerações. O texto introdutório chama a atenção para a importância da realização de estudos

sobre a temática, tal qual está sendo proposto agora. A revista, em sua introdução, destaca o

desastre ocorrido em Mariana (MG), em novembro do mesmo ano. O acontecimento ganhou

visibilidade devido à extensão dos prejuízos sociais e ambientais para a região – mortes,

poluição, destruição de cidades, e muitos desabrigados.

5 COELHO, Eurelino. A dialética na oficina do historiador: Ideias arriscadas sobre algumas questões de método.

História e Luta de Classes, [S.l.], n. 9, p. 7-16, jun. 2010.p.8. 6 Ibid., p. 11-13.

7 Ibid., p. 14.

8MUNDOS DO TRABALHO, DOSSIÊ OS MINEIROS E O TRABALHO EM MINERAÇÕES. Publicação

eletrônica semestral GT “Mundos do trabalho” - ANPUH, v. 7, n. 14. Jul./dez. 2015. Disponível em:

<https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/issue/view/2340/showToc > . Acesso em: fev. 2016.

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Não poderíamos deixar de lembrar, também, o caso de Santo Amaro, na Bahia, onde

foi construída a metalúrgica para o beneficiamento do chumbo que saía de Boquira. A cidade

foi poluída pelo chumbo. A água, o solo, a zona urbana foi contaminada e os ex funcionários

e habitantes foram/são acometidas por diversos tipos de doenças. Santo Amaro é uma das

cidades mais poluídas por minério de chumbo no mundo.9A situação de Santo Amaro foi

denunciada na canção do músico Caetano Veloso, natural da cidade. Em um trecho da música

“Purificar o Subaé” diz: “os riscos que corre essa gente morena o horror de um progresso

vazio matando os mariscos e os peixes do rio enchendo o meu canto de raiva e de pena.

Purificar o Subaé mandar os malditos embora...”.10

As atividades mineiras são consideradas como extremamente necessárias ao

desenvolvimento humano, no entanto, elas trazem problemas, deixando prejuízos

socioambientais enormes. Os ônus são sentidos, especialmente pelas pessoas que moram onde

as empresas são instaladas. Em função disso, é relevante problematizar o tema da

industrialização, com a finalidade de entender as questões que a envolve, para além da

promessa do “progresso” e dos benefícios.

Desse modo, o que nos interessa aqui é perceber como o processo de industrialização é

atravessado por complexidades. Não traz apenas emprego e renda, e crescimento para as

cidades. Por traz do “desenvolvimento” há elementos que precisam ser evidenciados. Por isso,

precisamos saber como efetivamente o processo é experimentado pelos habitantes do lugar

em que as empresas são instaladas. No caso de Boquira, nosso foco é evidenciar como

agricultores locais foram expropriados de suas terras; como a empresa utilizava de sua

influência para exercer poder no lugar; como os sujeitos da zona rural da região foram

submetidos e vivenciaram o duro trabalho no interior nas minas. São questões importantes

que merecem ser colocadas quando se trata do tema da industrialização, pois esta não se

restringe às benesses que são amplamente difundidas. Ainda que saibamos que, de fato, a

instalação de uma indústria gera empregos, é preciso problematizar os seus limites e

interrogar sobre as condições de trabalho oferecidas.

A instalação da mineradora em Boquira também teve como consequência a poluição

ambiental, levando prejuízos sociais à região. O chumbo explorado em Boquira é um metal

pesado, tóxico ao organismo humano. Ainda hoje a cidade convive com o material que foi

extraído das atividades, são os chamados rejeitos. Esse material tóxico fica exposto a céu

9 ARAÚJO, Eliane. et.al., [2012?].

10 VELOSO, Caetano. Purificar o Subaé. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/568986/>.

Acesso em: 15 maio 2017.

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15

aberto. Desse modo, a população local é obrigada a inalar os resíduos de mineração, já que

eles contaminam o ar, se espalhando na poeira. Portanto, a saúde das pessoas está sob perigo

constante. Além da contaminação por vias aéreas, o chumbo pode ser ingerido por meios dos

alimentos e água.11

A presente pesquisa pode contribuir para a história e a memória da cidade de Boquira.

A instalação da mineradora e suas consequências para a localidade foram acontecimentos

importantes, tanto é assim que a temática frequentemente compõe o repertório dos eventos

culturais da cidade, além de estar presente nas narrativas cotidianas das pessoas do lugar.

Nesse sentido, a pesquisa é um pontapé inicial na construção de uma historiografia sobre

Boquira. Esperamos contribuir de algum modo para a compreensão da história do lugar.

A dissertação é dividida em três capítulos. O primeiro analisa como se deu o início das

atividades de mineração em Boquira, como foi o processo da instalação das empresas

mineiras. Além de discutir sobre o cenário do Brasil no período da década de 1950, quando

procurava-se promover a industrialização, direcionando inclusive políticas para esse fim no

nordeste. Aquele contexto contribuiu para que em Boquira, sertão baiano, se instalasse uma

indústria mineira. Trata também sobre como era o pequeno povoado de Boquira antes da

instalação da indústria, as mudanças ocasionadas na localidade a partir das atividades

mineiras. Ademais, examina a memória oficial que se construiu a respeito da atuação da

mineradora no local.

No segundo capítulo tratamos do processo que tornou possível as atividades mineiras

em Boquira, do modo como ocorreu a expropriação dos terrenos para a execução da atividade

mineral. Destacamos, portanto, como alguns agricultores de Boquira vivenciaram aquele

acontecimento, visto que suas terras foram expropriadas para a mineração do chumbo. Nesse

sentido, enfatizamos os conflitos presentes naquele evento, tentando evidenciar alguns

elementos das vivências dos agricultores. Além disso, também examinamos a maneira como

se relacionava a indústria de mineração e a política local, com a finalidade de vislumbrar e

entender as ações da empresa na localidade, a influência e o poder que exercia.

No terceiro e último capítulo investigamos a atuação do jornalista Alexandria Pontes,

nascido em Boquira, personagem que se destacou na localidade devido as várias denuncias

que fez contra a mineradora e a autoridades da região. Seguindo essa figura, iremos desvelar

os conflitos e as contradições existentes no cenário social e político de Boquira daquele

11

ARAÚJO, Eliane. et.al. Passivos socioambientais da minerometalurgia do chumbo em Santo Amaro e

Boquira (BA), Vale do Ribeira (PR) e Mauá da Serra (PR). [2012?]. Disponível em:

<http://www.cetem.gov.br/santo_amaro/pdf/cap5.pdf>. Acesso em: 15 maio 2017.

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16

período. Ademais, analisamos as relações estabelecidas entre as autoridades da região, os

políticos e a mineradora, e a forma como o poder local constituído também era questionado.

Refletimos, ainda, sobre as memórias do grupo de antigos trabalhadores mineiros de Boquira,

em especial sobre suas vivências no labor das minas, as memórias que construíram a respeito

das dificuldades no trabalho, das relações de solidariedade, da perda de companheiros e da

resistência ao serviço. Evidenciamos que existe uma memória coletiva que foi criada pelos

trabalhadores mineiros e que ainda hoje é partilhada pelo grupo.

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1. BOQUIRA E A EXPLORAÇÃO DO CHUMBO

Este capítulo versa sobre o início das atividades de mineração em Boquira e o

processo de instalação da indústria mineira na região1. O estabelecimento da mineradora

naquele povoado, com participação do capital internacional, tem relação com o processo de

industrialização que ocorria no Brasil na década de 1950. Para compreendermos as mudanças

ocorridas após a instalação da mineradora em Boquira, torna-se fundamental analisarmos,

primeiro, o processo de industrialização no Brasil e na Bahia no período em tela. Em seguida,

analisaremos como o processo foi vivido na região de Boquira mais especificamente.

1.1. Industrialização no Brasil e na Bahia na década de 1950

As atividades de mineração são vistas como imprescindíveis para o desenvolvimento

econômico. Para alguns, “a atividade mineira [...] foi a grande força impulsionadora do

desenvolvimento da América Latina” 2. Percebemos, portanto, o significado que tal ramo

possui para um dado setor da economia de um país, o que não significa dizer que tal

empreendimento traz em seu bojo melhorias práticas na vida de todas as parcelas da

população.

No Brasil, as atividades mineiras tiveram início no período colonial, ganhando relevo

a partir do século XVIII, com a extração de ouro e diamante. Naquele contexto a coroa

portuguesa detinha os direitos sobre os minerais.3 Como Caio Prado Júnior indicou, a partir de

1824, estrangeiros começaram a se instalar no país com o propósito de estimular a indústria

de mineração que estava em decadência (tratava-se do ouro). O declínio pode ser explicado,

entre outros elementos, pela ausência de recursos técnicos para a execução da atividade. Os

minerais estavam cada vez mais profundos no solo, e a tecnologia disponível para a

1 Hoje uma pequena cidade do interior baiano, localiza-se na região centro sul da Bahia. Fica próxima as cidades

de Oliveira dos Brejinhos, Macaúbas e Ibipitanga. Segundo o IBGE possui uma população estimada em 2013 de

22.389 habitantes. Disponível em:

<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=290410&search=||infogr%E1ficos:informa%E7%F

5es-completas>. Acesso em: 8 maio 2014. 2 LINS, Fernando Antonio de Freitas. Brasil 500 anos – a construção do Brasil e da América Latina pela

mineração: histórico, atualidade e perspectivas. Rio de Janeiro: CETEM/MCT, 2000. Disponível em:

<www.cetem.gov.br/livros/item/download/51_d2248ca3c4823638e069af222f7b142f>. Acesso em: 20 mar.

2017.p.19. 3 PINTO, Manuel Serrano. Aspectos da história da mineração no Brasil colonial. In: LINS, Fernando Antonio de

Freitas. Brasil 500 anos – a construção do Brasil e da América Latina pela mineração: histórico, atualidade

e perspectivas. Rio de Janeiro: CETEM/MCT, 2000.p.19. Disponível em:

<www.cetem.gov.br/livros/item/download/51_d2248ca3c4823638e069af222f7b142f>. Acesso em: 20 mar.

2017.p.28-29.

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18

exploração na região não respondia fundamentais para a realização da extração. Portanto, para

estimular a produção em 1824 foram abolidas as restrições impostas aos estrangeiros. A partir

de então, “começam a se multiplicar com capitais vindos de fora, em particular ingleses, mas

também franceses.” 4

Em linhas gerais, a bibliografia sobre mineração no Brasil informa que, a partir do

século XIX, grande parte das atividades de mineração, sobretudo com uso de novas

tecnologias, foram realizadas por estrangeiros. Segundo Germani:

[...] pode-se verificar que as novas tecnologias de mineração no Brasil quase

sempre foram trazidas por empresas que tinham suas bases no exterior [...].

A informação mais atualizada era também complementada pela

comunicação por eles mantida com suas bases.5

Aqui verificamos os investimentos de capital internacional que eram realizados, com a

exportação de tecnologia daqueles países para o Brasil, indicando como o país se relacionava

com as empresas bases localizadas em regiões de capitalismo avançado. Os lucros obtidos na

exploração dos minérios no Brasil eram transferidos para os investidores estrangeiros.

*

Aportando no século XX, contexto central da nossa pesquisa, é importante dizer que

na década de 1950 o Brasil passava por um processo de expansão do capitalismo. Neste

contexto, o país impulsionava sua industrialização, nutrindo um efervescente discurso

desenvolvimentista. Foi neste cenário que, em 1956, o então presidente Juscelino Kubitschek

(1956-1961) autorizou o início das atividades da mineração de chumbo em Boquira.

O processo de desenvolvimento industrial no país ganhou impulso durante os

governos de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954). Para Sposito e Santos o governo de

Kubitscheck já teria encontrado as bases para o processo de industrialização, criadas por

Vargas, “entre elas o aparato institucional e técnico, a reforma fiscal para os negócios de

energia e petróleo e os projetos siderúrgicos e hidroelétricos iniciados com Vargas e

inaugurados com JK.” 6

Durante o governo de Juscelino Kubitscheck, de acordo com Sônia Mendonça, o

Estado passou a exercer novas funções na sua atuação econômica que ia desde “banqueiro do

capital privado (por meio das agências públicas de financiamento do crédito industrial), até o

4 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 178.

5GERMANI, Darcy José. A mineração no Brasil - Relatório final. Rio de Janeiro: CTMineral, 2002. Disponível

em: <https://www.finep.gov.br/images/a-finep/fontes-de-orcamento/fundos-setoriais/ct-mineral/a-mineracao-no-

brasil.pdf>. Acesso em: 3 out. 2012.p.9. 6 SPOSITO, Eliseu Silvério; SANTOS, Leandro Bruno. O capitalismo industrial e as multinacionais

brasileiras. São Paulo: Outras Expressões, 2002.p.153.

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19

seu papel de proprietário” 7. Foi elaborado o Plano de Metas, com o qual, segundo a autora,

introduzia pela primeira vez, controlado pelo governo, atividades tanto do capital privado

quanto público (nacional e estrangeiro). 8

O plano de metas estabelecia objetivos de dois tipos. A curto prazo, buscava

acelerar o desenvolvimento industrial do país, aumentando os investimentos

e a sua lucratividade. A médio prazo, visava elevar o nível de vida da

população brasileira, na crença de que a miséria seria superada pela criação

de muitos empregos e de um „moderno modo de vida‟. Para tanto, o plano

dividiu-se em 31 metas, voltadas para quatro setores chaves da economia:

energia, transportes, indústria de base e alimentação.9

A atividade de mineração e metalurgia (indústrias de base) dos metais não ferrosos,

como o chumbo, estava entre os mais importantes para a economia naquele momento, pois o

chumbo era um material estratégico para o setor industrial. O material era utilizado em

baterias, revestimentos de cabos, balas e munições, ligas, pigmentos etc. Ademais, era

fundamental para a produção de baterias automotivas.10

Na década de 1960 a utilização do

chumbo neste tipo de bateria assumiu a liderança do consumo mundial. “Na época a

fabricação de baterias representava 28% do consumo total do metal [...]” 11

. A importância do

mineral explica, portanto, o investimento de multinacionais na mineração brasileira, mais

especificamente na região de Boquira.

No governo JK houve muita participação do capital internacional na industrialização

brasileira. Sposito e Santos argumentam que diferente do governo Vargas em que a

industrialização se caracterizou pelo capitalismo nacional apoiado pelo empresariado local, no

governo Kubitschek “a opção será por um capitalismo associado, quer dizer, uma associação

ou tríplice aliança entre Estado, capital multinacional e capital local.” 12

Segundo Francisco de Oliveira, o governo de Kubitschek, com seu programa de

progredir „cinquenta anos em cinco‟, forçou “a aceleração da acumulação capitalística”, junto

7 MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro:

Graal, 1986. p. 59. 8 Idem.

9MENDONÇA, Sonia Regina de. A industrialização brasileira. São Paulo: Moderna, 2004 (Coleção polêmica).

p.71. 10

PANTAROTO, Hermano Luis. Uma análise da utilização do chumbo na produção de baterias e suas

implicações ambientais. 2008. Dissertação (mestrado em Engenharia de Produção)-Universidade Metodista de

Piracicaba, São Paulo, 2008. 11

SANTOS, Juarez Fontana dos. Relatório técnico 66: perfil do chumbo. [S.l.: s.n], 2009. Disponível em:

<http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1256652/P40_RT66_Perfil_do_Chumbo.pdf/b656b126-e041-

47a3-bc66-7efbbc2086ef>. Acesso em: 10 fev. 2017. 12

SPOSITO E SANTOS, 2012, p. 154.

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20

com a mudança do setor da indústria e suas empresas como elemento chave do sistema. Ainda

segundo o autor:

[...] a implantação dos ramos automobilísticos, da construção naval,

mecânica pesada, cimento, papel e celulose, ao lado da triplicação da

capacidade da siderurgia, orientam a estratégia; por seu lado, o Estado [...]

lançar-se-á num vasto programa de construção e melhoramento da

infraestrutura de rodovias, produção de energia elétrica, armazenagem e

silos, portos, ao lado de viabilizar o avanço da fronteira agrícola „externa‟,

com obras como Brasília e a Rodovia Belém-Brasília. 13

O impulso à industrialização no Brasil foi qualificado, pelo próprio governo

Kubitschek, como nacional-desenvolvimentista. A corrente nacionalista de JK “propunha a

necessidade do capital estrangeiro, porém submetido a controles e normas do Estado”.14

Para

Sônia Mendonça, a ideologia nacional-desenvolvimentista foi usada na tentativa de anular e

adiar as tensões sociais latentes na época. Por meio dela, procurou-se envolver todos os

brasileiros no desenvolvimento do “capitalismo-nacional”. Desse modo, procurava-se

encobrir as contradições que eram imanentes, “afinal, nada mais ideológico do que um

discurso nacionalista em meio à plena abertura da economia ao capital estrangeiro”.15

O discurso nacional-desenvolvimentista foi produzido, principalmente, pelo Instituto

Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1955 para cumprir a função de “pensar o

desenvolvimento do país, seus problemas e alternativas de superação”.16

O pensamento do

ISEB foi influenciado pelas ideias da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),

que procurava investigar a razão do subdesenvolvimento da região e uma alternativa para

superá-lo.17

A CEPAL foi uma organização impulsionada pelos governos latino-americanos, cuja

função central era apresentar políticas e assessoria aos governos. Esse órgão se preocupou em

estudar meios possíveis de promoção da industrialização, e remover os obstáculos ao seu

desenvolvimento. Segundo a CEPAL, a exportação representava o principal empecilho para o

desenvolvimento industrial na América Latina. Por meio da substituição de importações, a

região ficava dependente das exportações. Portanto, considerava necessário aproveitar os

excedentes da exportação para o impulsionar o setor industrial. E defendia a necessidade de

13

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis: Editora Vozes,1981. p.

45-46. 14

MENDONÇA, 1986, p.70. 15

Ibid., p. 68. 16

Ibid., p. 71. 17

Ibid., p. 72.

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21

intervenção do Estado para o desenvolvimento do setor. Para a organização, o capital

internacional seria a chave para o desenvolvimento industrial nos países latino-americanos.18

No entanto, as concepções da CEPAL foram criticadas por estudiosos do período, a

exemplo de Francisco de Oliveira. O autor critica o conceito cepalino de subdesenvolvimento,

que separava o setor econômico em duas categorias: “atrasado” e “moderno”.19

A

categorização da CEPAL classificava as economias pré-industriais compenetradas pelo

capitalismo como “subdesenvolvidas”, indicando que poderiam também avançar e se

desenvolver. Contudo, para Oliveira, não podemos esquecer que “o „subdesenvolvimento‟ é

precisamente uma „produção‟ da expansão do capitalismo”.20

Em outras palavras, grande

parte das economias pré-industriais latino americanas foram geradas pela expansão do

capitalismo mundial. O próprio “subdesenvolvimento” da América Latina foi criado para

atender uma demanda da expansão do capitalismo do centro. Nesse sentido, o

„subdesenvolvimento‟ é fruto da formação capitalista e não simplesmente um estágio histórico

inexorável 21

.

Ao refletir sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, Oliveira indicou que no

início do processo de expansão da indústria no país não houve, ao contrário do que sugere o

pensamento cepalino, um modelo de antagonismo entre a economia agrária e a industrial. No

caso brasileiro, não ocorreu uma ruptura completa entre os dois setores, apesar do segundo ter

se tornado hegemônico após os anos 1930. A própria maneira de acumulação da economia

agrária, mesmo que diferente da industrial foi importante para o desenvolvimento do

capitalismo.22

Para o autor, a oposição, na maior parte das vezes, acontece apenas de modo

formal, pois o “processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de

contrários, em que o chamado „moderno‟ cresce e se alimenta da existência do „atrasado‟, se

se quer manter a terminologia”.23

Para Francisco de Oliveira, a teoria do subdesenvolvimento fundamentou o

“desenvolvimentismo”, que afastou a dedicação teórica e a ação política do problema da luta

de classes, exatamente no momento em que essa situação se exacerbava, quando a economia

se convertia da base agrária para a industrial-urbana. A teoria do subdesenvolvimento, tal qual

18

SANTOS, Theotonio dos. Teoria da dependência: balanço e perspectiva. Florianópolis: Insular, 2015. p. 66-

84. 19

OLIVEIRA, 1981, p. 12. 20

Ibid., p.12. 21

Ibid., p.12. 22

Ibid., p. 40-41. 23

Ibid., p.12.

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22

defende Oliveira, foi “a ideologia própria do chamado período populista” 24

, sendo muito

relevante para o crescimento do capitalismo industrial no Brasil.

A indústria mineira de Boquira foi instalada justamente nesse contexto de preocupação

com o desenvolvimento industrial. Cabe-nos refletir sobre o lugar da Bahia no cenário

nacional. Na década de 1950, segundo Gustavo Pessoti, a Bahia passava por uma estagnação

econômica, relacionada à diversos fatores 25

. Alguns deles são mais evidentes, tais quais:

a) a má infraestrutura viária – problema que persistia desde os tempos da

colônia; b) o fraco mercado interno; c) a escassez de crédito; d) baixos níveis

de escolaridade da população; e) atraso tecnológico e f) persistência na

ênfase ao modelo primário-exportador. Um cenário que apresentava essas

características oferecia poucas possibilidades para desenvolver um setor

industrial.26

A realidade da Bahia refletia as características comuns a outros estados da região

Nordeste. A região não tinha expandido o seu setor industrial. Para superar os problemas

algumas medidas foram empreendidas, a exemplo da criação do Grupo de Trabalho para o

Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), em 1956, com a finalidade de elaborar uma política

para o crescimento econômico da região.27

No entanto, como indica Pessoti, o sucesso de tal

projeto tinha poucas chances de acontecer, devido aos “óbices do próprio cenário nacional e

suas desigualdades internas.” 28

Apesar dos empecilhos, na Bahia os anseios de desenvolvimento industrial não

deixaram de se desenhar. No governo de Antônio Balbino (1954-1959) chegou a ser

construído um projeto de planejamento. O principal artífice do projeto foi Rômulo Almeida,

que acumulou o cargo de secretário da fazenda. A gestão criou um sistema estadual de

planejamento, composto basicamente pela Comissão de Planejamento Econômico (CPE) e

pelo fundo de Desenvolvimento Agroindustrial (Fundagro).“A CPE surgiu com o objetivo de

estudar e diagnosticar a economia baiana, elaborar projetos e criar programas,

institucionalizando o planejamento na esfera estadual”. 29

24

OLIVEIRA,1981, p. 13. 25

PESSOTI, Gustavo Casseb. As políticas de atração de investimentos industriais e o desenvolvimento industrial

da Bahia no período do regime militar brasileiro. In: ZACHARIACHES, Grimaldo Carneiro (Org.). Ditadura

militar na Bahia: histórias de autoritarismo, conciliação e resistência. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 151-181. 26

Ibid., p. 152. 27

Ibid., p. 155. 28

Ibid., p. 157. 29

PESSOTI, 2014, p.157.

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23

Mas, foi apenas nos idos de 1959, no governo de Juracy Magalhães (1959-1963), que

se criou o primeiro plano estadual de desenvolvimento, o “Plano de Desenvolvimento da

Bahia” (Planeb) 30

. Segundo Pessoti, o plano não foi implementado inteiramente por não ter

sido aprovado pela Assembleia Legislativa. Mesmo com alguns pontos não desenvolvidos,

foram executadas ações nos setores agrícola, industrial e comercial. O Estado da Bahia

participou ativamente em tais projetos, tanto como investidor direto, como na condição de

financiador. A proposta que foi implementada com destaque estava relacionada “à instalação

da grande indústria de bens intermediários, representada pela química/petroquímica e por

algumas unidades siderúrgicas e metalúrgicas.31

Na Bahia, no final da década de 1950, as indústrias chamadas tradicionais (têxtil,

fumo, bebidas, produtos alimentares, couros e peles) já estavam começando a perder espaço

para as ditas dinâmicas (química, metalurgia, produção de minérios não metálicos, mecânica,

material elétrico e de comunicação e outras).32

Em 1959, final do governo de JK, foi criada a

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) com o intuito de impulsionar

e organizar o desenvolvimento econômico capitalista da região. O governo, por meio de

incentivos fiscais, procurava descentralizar a indústria no país.33

Para Francisco de Oliveira, a SUDENE foi a “tentativa de superação do conflito de

classes inter-regional e de uma expansão, pelo poder de coerção do Estado, do capitalismo do

centro-sul.” 34

Para o autor, a economia do nordeste não se reproduzia nos termos do modo de

reprodução do capital do Centro-Sul sob direção do estado de São Paulo, que se tornou o

modelo hegemônico a partir de 1930. A preocupação para que a economia do nordeste se

enquadrasse ao modelo predominante se deveu muito aos conflitos de classe na “região” 35

,

envolvendo trabalhadores urbanos e rurais e a classe dominante local, a burguesia industrial e

30

“O GTDN apostava em uma tentativa de repetição no Nordeste do padrão de desenvolvimento capitalista do

Sudeste, enquanto o Plandeb vislumbrava um modelo integracionista ao processo de desenvolvimento do

Sudeste como forma de alcançá-lo de maneira autossustentável na Bahia. Assim como o Plandeb, que não

conseguiu prosperar, a estratégia do GTDN também fracassou, principalmente pelo fato de estar despegada do

cenário dinâmico da economia brasileira na época.” PESSOTI, 2014,, p.158. 31

Ibid., p.158. 32

Ibid., p.160. 33

Ibid., p.161. 34

OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflito de

classes. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. (versão digitalizada: Argo).p.116. 35

O conceito de região usado pelo autor se articula com o econômico e o político, para ele, o que constitui as

regiões se relaciona com o modo de produção capitalista baseado “na especificidade da reprodução do capital,

nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classe peculiar a essas formas e, portanto,

também nas formas da luta de classes e do conflito social em escala mais geral.” Dessa forma, as “regiões”

tendem a deixar de existir em razão da homogeneização da reprodução do capital concentrado e centralizado.

Nesse sentido, para o autor, já não é possível falar sobre uma “região” nordeste nesses termos, já que ela passou

pelo processo de hegemonização burguesa do centro-sul, expansão do capitalismo monopolista no país.

OLIVEIRA, 1981, p.27.

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24

oligarquia latifundiária. A força que ganhava o movimento popular, entre eles as Ligas

Camponesas, apresentava perigo ao próprio capitalismo enquanto sistema, por isso a

importância de se expandir o capitalismo do centro-sul para o nordeste e completar a

hegemonia burguesa internacional-associada no país.36

Segundo Pessoti, o processo de industrialização baiana iniciado na década de 1950 só

se firmou nos anos de 1970.37

De acordo com Guimarães, a partir de 1950 a industrialização,

na Bahia, foi pensada no sentido de estimular uma indústria que se dirigisse para o mercado

regional e nacional, que aproveitasse os recursos naturais da região e a grande quantidade de

mão de obra sem qualificação e, simultaneamente, incentivasse “a imigração dos fatores

escassos – capital, técnica e experiência empresarial.” 38

Todos esses fatores elencados por Guimarães podem ser observados quando

analisamos o processo de instalação e desenvolvimento da indústria mineradora em Boquira

que aproveitou os recursos naturais da região, bem como a abundância de mão de obra sem

qualificação, e a ida de capital nacional e internacional para a região.

Segundo Maria de Azevedo Brandão, foi a partir das décadas de 1960 e 1970 que

houve uma expansão industrial na região nordeste, quando a política governamental buscou

descentralizar o capital do Centro-Sul. Como consequência, na Bahia foram realizados muitos

investimentos, materializados na instalação de várias indústrias, principalmente nos setores

químicos.39

Para Guimarães, foi somente depois do golpe civil militar de 1964 que o

desenvolvimento capitalista se solidificou na Bahia. Esse processo, iniciado no pós-guerra,

não se consolidou antes, apesar de todas as tentativas realizadas por governadores baianos,

porque as diversas frações da classe dominante baiana não conseguiram se articular em torno

de um mesmo projeto e interesse. A fim de enfrentar o problema, o regime ditatorial

instaurado mediou as várias alianças entre diferentes frações burguesas, “sob a égide do

grande capital nacional e internacional que tinha realmente interesses especialmente mais

amplos, promovendo uma rápida expansão econômica nas várias regiões brasileiras.” 40

36

OLIVEIRA, 1981, p. 111-114. 37

PESSOTI, 2014, p.172. 38

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A formação e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (1930-

1964). Revisão em 2003. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal da Bahia,

Salvador, 1982. Disponível

em:<http://www.fflch.usp.br/sociologia/asag/Formacao_e_crise_da_hegemonia_burguesa_na_Bahia.pdf>.

Acesso em: 1 mar. 2017. p. 69-70. 39

BRANDÃO, Maria de Azevedo. A regionalização da grande indústria do Brasil: Recife e Salvador na década

de 70. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 5, n. 4, p. 77-98, out./dez. 1985. Disponível em:

<http://www.rep.org.br/pdf/20-6.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2013. 40

GUIMARÃES, 2003, p. 144.

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25

Em suma, pensando o contexto de forma ampla, percebemos que a Bahia, desde a

década de 1950, buscou desenvolver projetos para desenvolver suas indústrias. A preocupação

com o desenvolvimento industrial no estado baiano estava relacionada a um processo mais

amplo, marcado pelo investimento do governo federal que buscava promover a

industrialização do país. Portanto, o cenário estava propício para a instalação de uma

mineradora na cidade de Boquira, visto que a região possuía uma reserva de chumbo

relevante. Neste sentido Boquira transformou-se em palco da exploração econômica

industrial. Cabe-nos analisar quais foram as principais consequências para a região. Como os

sujeitos dos lugares onde estas indústrias se estabelecem vivenciavam as mudanças

ocasionadas pela instalação das empresas? Como os habitantes das regiões rurais se

submeteram ao trabalho na empresa e como o vivenciou? Como essas empresas atuaram no

lugar em que se instalavam? Considerando que Boquira era um povoado rural, a preocupação

é entender as mudanças ocorridas e a forma como a empresa influenciou as dinâmicas

econômica, política e social do lugar.

1.2. O processo de instalação da indústria mineira em Boquira

Como já foi observado, foi em 1956 que Juscelino Kubitschek, então presidente da

República, autorizou as atividades de mineração de chumbo no povoado de Boquira, pleno

sertão baiano 41

. Naquele momento, o discurso desenvolvimentista estava em alta no Brasil.

Entre os governantes, existia uma grande preocupação em garantir o crescimento industrial,

como parte de um processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

Segundo Francisco de Oliveira, a grande participação do Estado no processo de

industrialização ocorreu após os anos 1930, e a emergência e extensão de suas funções

subsiste ao período Kubitschek.42

Também para Rui Mauro Marini é após 1930 quando

Getúlio Vargas toma o poder que a industrialização se consolida no país 43

. Neste sentido,

para Oliveira “o Estado opera continuamente transferindo recursos e ganhos para empresa

41

A categoria “sertão” historicamente possuiu diversos e diferentes significados, ainda hoje existem várias

formas de conceber o “sertão”. Não queremos adentrar nesse debate, aqui podemos entendê-lo enquanto uma

divisão espacial, como lembra Erivaldo Neves “como categoria analítica da divisão espacial, „sertão‟ exprime

condição de território interior de uma região ou unidade administrativa interna.” NEVES, Erivaldo Fagundes.

Sertão como recorte espacial e como imaginário cultural. In: POLITEIA: His. e Soc., Vitória da Conquista, v.

3, n.1, p. 153-162, 2003.p.157. 42

OLIVEIRA, 1981, p.18-19. 43

MARINI, Rui Mauro. A dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil. 1971. Disponível em:

<https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:307AmQDYjjMJ:https://xa.yimg.com/kq/groups/150

33181/180792861/name/Dialetica%2Bdo%2Bdesenvolvimento%2Bcapitalista%2Bno%2BBrasil.pdf+&cd=1&h

l=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 20 nov. 2016.p.23.

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26

industrial, fazendo dela o centro do sistema”.44

O autor coloca uma questão importante para

pensarmos as ações do Estado no setor industrial: “a quem serve tudo isso?” 45

E deixa claro

que essa participação serviu para a acumulação capitalista industrial e sua hegemonia nas

relações econômicas no país.

O governo via a industrialização como uma importante ferramenta para o “progresso”,

junto com a justificativa de que com ela a pobreza no Brasil iria diminuir. Neste sentido, a

ideia de uma mineradora que se instalava em um local no interior baiano, um povoado rural,

onde os sertanejos sobreviviam do trabalho na lavoura e criação de animais, sem muitos

recursos econômicos e sociais, corroborava com esse ideal de “progresso” e superação da

miséria e do atraso. A concepção de que a industrialização era a mola mestra do

desenvolvimento social fazia parte do pensamento das décadas de 1940 e 1950, defendida

pela CEPAL, por meio “da afirmação da industrialização como elemento aglutinador e

articulador do desenvolvimento, do progresso, da modernidade, da civilização e da

democracia política.” 46

A mineração, dentro deste projeto de “progresso”, era vista como um elemento do

desenvolvimento, e qualquer perspectiva de oposição a essa ideia se fragilizava diante do que

a industrialização poderia representar para o país. Desse modo, secundarizava-se questões

relacionadas aos impactos ambientais, às mudanças no modo de viver dos agricultores locais

devido à expropriação dos terrenos, aos grandes riscos que trabalhadores mineiros

enfrentariam no interior das minas, entre outras.

No que diz respeito a mineração na cidade de Boquira, não se sabe exatamente quando

foi descoberto o minério de chumbo, mas existem informações sobre a descoberta do mineral

já em 1908 47

. No entanto, a memória coletiva dos habitantes de Boquira sugere que um padre

encontrou o chumbo na década de 1950. A narrativa aparece, por exemplo, no relato do

senhor Abelino Manoel, ex mineiro, que trabalhou nas atividades de extração mineral em

Boquira, de 1959 a 1973. Ao recordar a história do padre, diz:

Quando [o padre] Macário descobriu a mina foi na hora da procissão da

missa, gente caminhando pra fazer a procissão, ai as pedrinhas lumiando e

ele panhou, levou pro Rio de Janeiro pra poder examinar, lá era metal...

Quando começou a mina foi carregando ne jegue, carregando as pedras ne

44

OLIVEIRA, 1981, p.19. 45

Idem. 46

SANTOS, 2015, p. 66. 47

FERRAN, Axel Paul Noël de. A mineração e a flotação no Brasil: uma perspectiva histórica. [S. l.]: DNPM,

2007.p. 66.

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jegue, até chegou os estrangeiros que começou a tocar a mina, a gente

trabalhava num cativeiro disgramado [...].48

No relato Abelino Manoel conta a história que é corrente na cidade. O minério de

chumbo teria sido encontrado pelo padre (que depois largou a batina) Macário Maia de

Freitas, de Macaúbas. Naquela época Boquira era um pequeno povoado rural com poucos

habitantes. O vigário teria sido o primeiro a inquirir quais propriedades possuíam o material,

depois começou a explorar o chumbo.

Abelino Manoel se recorda que nas primeiras explorações o minério era extraído e

carregado em lombos de animais. Depois a indústria foi montada com a participação das

empresas estrangeiras. Ao se referir ao trabalho que exerceu como um “cativeiro

disgramado”, o ex mineiro expressa o significado que construiu em sua memória sobre a sua

vivência na função de mineiro, do quanto foi difícil e insalubre. Nesse sentido, como destaca

Alcázar I Garrido, além de nos aproximar dos fatos, as fontes orais demonstram as impressões

e sentimentos das pessoas e grupos que o vivenciaram.49

Para além do relato oral, as fontes jornalísticas também trazem narrativas que atestam

que o minério foi descoberto pelo padre. Em matéria do jornal Opinião, de 24 de novembro

de 1975, apareceu a versão de Joaquim Angêlo, um dos proprietários dos terrenos que foram

usados para a mineração. Diz na matéria que os terrenos dos agricultores foram usurpados, e

essa ação teve início com o padre Macário Maia de Freitas. Segundo Ângelo:

Foi em 1954. Tinha uma velha daqui que estava doente para morrer. Me

pediram para chamar o padre Macário. Era a primeira vez que o infeliz

apiava por aqui. Preveni o Januário que preparasse as montarias e fui esperar

por ele no beco. A comadre Nenzinha preparou um café, ele lavou o rosto e

fomos. No morro do Pelado (atualmente uma das minas exploradas pela

Boquira), o homem parou que não pinicava o olho. Na volta, no Pelado,

tornou a encarrar a serra de novo. Lá é minha terra. Chama pelado porque

não tem mato, até hoje. No outro dia o padre celebrou a missa e voltou pra

Macaúba. Veio depois com Ari Sampaio, Antenor Alves da Silva e Joaquim

Oficial. Atravessou com o jipinho e não deu ousadia a ninguém. Pegaram as

pedrinhas, mandaram fazer análise. Deu fraco. Voltaram de novo. O finado

Virgílio, tio da mulher de Rosalvo, viu que era galena viva. Depois ele já

veio com um engenheiro, o doutor Ailton.50

48

SANTOS, Abelino Manoel dos, Abelino Manoel dos Santos: depoimento [nov. 2012]. Entrevistadora: Alcione

S. Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 49

ALCÁZAR I GARRIDO, Joan del. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Rev.

Bras. De Hist., São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 33-54, set./ago. 1992/1993.p. 39. 50

RUDÁ, Francisco. O feudo do truste Penarroya. Opinão. Rio de Janeiro, 28 nov. 1975.p.11. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=123307&pagfis=3678&url=http://memoria.bn

.br/docreader#>. Acesso em: 16 fev. 2017.

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As duas narrativas, apesar de diferirem em alguns aspectos, afirmam que tudo

começou pelo interesse de Macário Maia de Freitas. Por outro lado, na fala de Joaquim

Angêlo, podemos notar que outros sujeitos foram até o local com Macário. Provavelmente ele

conseguiu com que outras pessoas se unissem a ele na empreitada de explorar o minério de

chumbo em Boquira. No texto do jornal, ao apresentar um técnico da exploração mineral indo

até Boquira, podemos ter indícios da intenção sistemática do religioso em extrair o chumbo

encontrado no sertão baiano. A história do padre também está presente no trabalho de Ferran.

Segundo o autor, Macário foi um dos primeiros a se tornar milionário por meio da exploração

das minas de Boquira51

. O religioso abandonou a batina para se tornar um empresário.

Em 1954, ainda no governo de Getúlio Vargas, foi autorizado, pelo decreto n° 35.915,

de 28 de julho de 1954, o funcionamento da Mineração Boquira Ltda. como empresa de

mineração.52

No documento não aparecia o nome dos respectivos donos ou sócios. O mais

provável é que tenha sido a empresa criada por Macário.

O Diário oficial do Estado de São Paulo, em 1957, fez referência ao grupo Cia.

Acumuladores Prest-O-Lite, pela publicação da ata de uma Assembleia Extraordinária

realizada pela empresa. Naquele mesmo ano, discutiram a deliberação do aumento do capital

social da empresa para investir na Mineração Boquira Ltda.. Na ata, constam informações

sobre a empresa Mineração Boquira Ltda.:

b) a sociedade está devidamente inscrita no DNIC sob n. 64.623, foi

autorizada a pesquisar minérios pelo Decreto n. 36. 795, de 20-1-1955, a

funcionar como empresa de mineração pelo Decreto n. 35.915 de 28-7-1954

e a lavrar minérios de chumbo e associados pelo Decreto n. 39.114, de 30-4-

1956, estando tudo em perfeita ordem e sem possibilidade de contestação

séria a referidos direitos. 53

Apesar da Mineração Boquira Ltda. ter sido criada em 1954, foi apenas em 1956 que

ela começou a lavrar o minério de fato. A autorização para a exploração do chumbo foi dada

pelo presidente da república, Juscelino Kubitschek, por meio do decreto nº 39.113, de 30 de

abril de 1956. O decreto autorizou a Mineração Boquira Ltda. a atuar nos “imóveis

denominados Fazendas Boquira e Tiros, distrito de Boquira, município de Macaúbas, Estado

51

Alex Paul Noël de Ferran, Engenheiro de Minas e geólogo. Foi funcionário da empresa Plumbum e estagiou

na Mineração Boquira na década 1960.FERRAN, 2007, p. 66. 52

RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto n° 35.915, de 28 de julho de 1954. Lex: Coleção de Leis do Brasil,

[S.l.], v. 6, p. 204, 1954. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-35915-

28-julho-1954-338557-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 21 fev. 2017. 53

CIA. ACUMULADORES PREST-O-LITE. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 25 dez.

1957.p.44. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4564173/pg-44-poder-executivo-diario-oficial-

do-estado-de-sao-paulo-dosp-de-25-12-1957/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017.

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29

da Bahia”.54

Na ata, se equivocaram ao escrever o último número do decreto de lavra de 1956,

mas se tratava da mesma determinação.

Ainda na ata, aparecia os nomes de sócios da Mineração Boquira Ltda.. Entre os

nomes estavam: Macário Maia de Freitas (comerciante de Macaúbas-Ba); Antenor Alves da

Silva (farmacêutico de Macaúbas); Antonio de Assis Fernandes Távora (comerciante do Rio

de Janeiro); Carlos Antônio Vignoli (comerciante do Rio de Janeiro); Felisberto Piás de Assis

Távora (comerciante do Rio de Janeiro); Carlos Nagele Filho (industriário do Rio de Janeiro);

Eunice de Assis Távora, (comerciante do Rio de Janeiro). Dentre os sócios, Macário e

Antenor da Silva eram os que possuíam o valor mais alto de capital investido na empresa,

cada um aplicou na empresa o montante de Cr$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de

cruzeiros).55

Na Assembleia Extraordinária, foi aprovado o aumento do capital Cia. Acumuladores

Prest-O-Lite em maquinarias, para investimento na Mineração Boquira Ltda.. O investimento

da Acumuladores Prest-O-Lite foi de Cr$ 36.000.000,00 (trinta e seis milhões de cruzeiros).

O equipamento era destinado “à instalação de uma usina de concentração e outra de

beneficiamento de minério de chumbo em Santo Amaro e Boquira, Estado da Bahia”.56

De acordo com Ferran, no início das atividades de mineração, Macário estabeleceu

negociações com várias empresas para atuar na extração do mineral. Associou-se a uma

empresa norte americana que operava em São Paulo, a Prest-O-Lite 57

. Pela análise da fonte

acima citada, podemos perceber que realmente a Acumuladores Prest-O-Lite participou da

sociedade Mineração Boquira Ltda.. E pela relação de associados que apareceu na ata ficava

visível que várias pessoas se interessaram pela atividade de mineração em Boquira, se

articulando em torno da Mineração Boquira Ltda.. Macário Maia de Freitas, somado à outros

sujeitos, fundaram a empresa.

Contudo, segundo Ferran, com a associação do grupo Prest-O-Lite, não foi possível

desenvolver a atividade da forma apropriada, por não possuírem a tecnologia adequada para

lidar com aquela atividade mineral. Foi então que a Plumbum58

, que já trabalhava com

54

RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto n. 39.113, de 30 de Abril de 1956. Lex: Coleção de Leis do Brasil,

[S.l.], v. 4, p. 159, 1956. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-

39113-30-abril-1956-330080-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 2 ago. 2011. 55

CIA. ACUMULADORES PREST-O-LITE. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 25 dez.

1957.p.44. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4564173/pg-44-poder-executivo-diario-oficial-

do-estado-de-sao-paulo-dosp-de-25-12-1957/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 56

Ibidem, loc. cit. 57

FERRAN, 2007, p. 66. 58

A Plumbum era uma empresa nacional, cujo dono era um industrial português radicado no Brasil, Adriano

Seabra Fonseca.

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chumbo no Brasil, na região do vale do Ribeira (entre São Paulo e Paraná), sugeriu uma

associação com as minas de Boquira. À época, a empresa estava associada a uma

multinacional francesa, Peñarroya, que era especializada em atividades de extração de

chumbo e zinco.59

A sede da Plumbum se localizava em Bocaiuva do sul no Paraná.60

A Plumbum realizava serviços para a empresa Minérios Ferros e Metais Ltda., esta

última com sede em Salvador, capital da Bahia. O fato pode ser atestado pela escritura pública

de locação de serviço e de compromisso, datada de 18 de outubro de 1957, em que as

empresas firmaram uma associação comercial.

Senhora e legitima possuidora dos direitos de preferência, de que trata o

parágrafo 1°, do artigo 153, da Constituição Federal, para a pesquisa e

aproveitamento industrial das reservas minerais existentes nas áreas de terras

pertencentes a José Queiroz Matos, que também se assina José Queiroz de

Matos e sua mulher Virgilina de Jesus Matos, Sérvulo José Soares, que

também se assina Sérvulo Soares dos Santos, Salvador Alves de Oliveira e

José Florêncio de Magalhães e sua mulher Maria Alexandrina Vieira,

brasileiros, agricultores, o primeiro e o último casados e o segundo e o

terceiro viúvos, residentes no imóvel denominado fazenda “Tiros”, no

distrito de Boquira, município de Macaúbas, Estado da Bahia, áreas essas

situadas no mesmo imóvel denominado “Fazenda Tiros”, por força das

cessões que, de tal direito, foram feitos a ela Primeira Contratante, pelos

mencionados proprietários, conforme escritura de cessão de direitos de 26 de

janeiro de 1957, para o primeiro, e 23 de abril de 1957, para os três últimos

[...]. 61

A empresa Minérios Ferros e Metais Ltda. contratava os serviços da Plumbum S/A

para o trabalho de pesquisa mineral em Boquira. Após a realização e aprovação dos serviços

pelo Departamento Nacional da Produção Mineral, “a primeira Contratante se obriga, por

compromisso irretratável que assume desde já, a constituir com ela Segunda Contratante, uma

sociedade por ações para exploração industrial das reservas minerais”, isso se a Plumbum (a

segunda contratante) desejasse realizar o empreendimento.62

Caso a sociedade se venha a constituir o seu capital social será estabelecido

pela Segunda Contratante, a qual, para tanto, terá em vista proporcionar aos

trabalhos de exploração a melhor escala técnica e economicamente

aconselhável; o referido capital será distribuído na proporção de setenta por

cento (70%) para a Segunda Contratante e trinta por cento (30%) para a

59

FERRAN, 2007, p. 68. 60

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo do Judiciário, Escrituras, Cartório 320, Caixa 417, n°

3003, fls. 46 – 46v. 61

Idem. 62

Ibid., p. fl. 47.

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Primeira Contratante, proporções essas que serão sempre respeitadas e

mantidas nas eventuais e futuras variações de capital. [...]. 63

Pelo que aponta a fonte, a Plumbum iniciou as atividades em Boquira não em

associação com a Mineração Boquira Ltda., mas com outra empresa cuja sede localizava-se

na capital baiana. Fica visível que a Plumbum possuía as técnicas necessárias para o

desenvolvimento da pesquisa e um capital superior a Minérios Ferros e Metais Ltda.. A

Plumbum se associou a esta empresa porque ela possuía os direitos de lavras dos referidos

terrenos. A Minérios Ferros e Metais Ltda. conseguiu, mediante negociação com os donos das

terras na localidade de Tiros, o direito para pesquisa e futura exploração. Como a Plumbum

permaneceu na atividade, tudo indica que a associação entre essas duas empresas foi bem

sucedida.

A Plumbum, após iniciar as atividades em Boquira, acabou associando-se a Mineração

Boquira Ltda. Segundo Ferran, após a associação a empresa foi repartida entre os norte-

americanos da Prest-o-lite, os portugueses (da Plumbum), e os franceses 64

. Em 1959 foi

concluída a instalação da indústria mineradora em Boquira.65

Tempos depois, segundo Ferran,

a Peñarroya comprou a parte dos sócios.Vendeu a indústria somente em 1986 ao grupo

gaúcho Luxma66

. Ferran não diz quando exatamente a Peñarroya comprou a parte dos

associados. Na ata de uma assembleia extraordinária da Mineração Boquira S/A de 1970,

ainda aparece os nomes de Macário Maia de Freitas e Cia. Acumuladoes Prest-O-Lite,

também da Minérios Ferros e Metais, além de outros nomes e empresas que não estavam na

relação de associados a mineradora na ata de 1956 que citamos acima67

.

A mineradora mudou a razão social. Em fontes de 1963 já não aparece Sociedade

Limitada (Ltda.), passando a se chamar Sociedade Anônima (S/A). Não sabemos precisar

quando a razão social foi modificada. Em relação aos acionistas, é provável que outras

empresas participassem com algumas ações, porém, o acionista principal passou a ser o grupo

Peñarroya. Portanto, a indústria mineira foi constituída tanto de capital internacional quanto

nacional, sendo o primeiro os detentores da maior parte. Este elemento está de acordo com o

que aponta Sposito e Santos, que a partir do governo de JK a empresa nacional não será mais

63

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo do Judiciário, Escrituras, Cartório 320, Caixa 417, n°

3003, fl. 47 v. 64

FERRAN, 2007, p.68. 65

SANTOS, Aroldo Rodrigues dos. Memórias: de Macacos a Boquira. Boquira: CostaGraf, 2007. 66

FERRAN, op. cit., p.70. 67

MINERAÇÃO BOQUIRA S/A. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 29 ago. 1970.p.20.

Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4927218/pg-20-ineditoriais-diario-oficial-do-estado-de-

sao-paulo-dosp-de-29-08-1970/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017.

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a líder do crescimento industrial, a empresa multinacional passa a cumprir esse papel, e “se

torna a principal responsável pela dinâmica de acumulação industrial, enquanto aquela opta,

em alguns casos, por ser sócio menor, isto é, pela associação com o capital estrangeiro.” 68

Em Santo Amaro da Purificação-Ba, foi instalada uma metalúrgica, a Companhia

Brasileira de Chumbo (COBRAC). O chumbo saía de Boquira para ser beneficiado em Santo

Amaro. O jornal Correio da Manhã, em publicação de 12 de abril de 1959 nos informa sobre

a construção da metalúrgica. De acordo com o periódico:

Acha-se em fase de acabamento a construção de uma usina de redução e

refino de chumbo de Santo Amaro, no Estado da Bahia. O acontecimento se

reveste de grande importância, em virtude da pequena produção dêsse metal

entre nós. A usina é de propriedade da Companhia de Acumuladores Prest-

O-Lite e administrada pela Plumbum S/A. Deverá entrar em operação em

princípios do corrente mês, tratando os minérios de chumbo da mina de

Boquira, da Mineração Boquira Ltda., também administrada pela Plumbum e

localizada na vizinha cidade de Macaúbas.69

A notícia nos informa que em 1959 a Plumbum já estava associada a Mineração

Boquira Ltda., junto com a Ativadores Prest-O-Lite. A Plumbum administrava a indústria. O

jornal justifica a relevância da instalação da metalúrgica pela inexistência, até então, de uma

produção expressiva do mineral no país. Foi a partir de 1960, momento em que já se

encontrava terminadas as instalações em Santo Amaro, que a indústria se desenvolveu

efetivamente.

Destacamos que, naquele contexto, a cidade de Boquira chegou a ser considerada uma

das maiores reservas de chumbo do Brasil. Em 15 de dezembro de 1965 o jornal O Estado de

São Paulo enfatizou que Boquira se constituía na “maior reserva de minério de chumbo de

nosso país.” 70

Se Boquira era a cidade com a maior concentração do minério, cabe-nos

questionar porque a metalúrgica foi instalada em Santo Amaro, não em Boquira. Para dialogar

com o problema, a matéria supracitada nos oferece algumas pistas. Segundo o texto:

Apesar de nossa maior reserva do chumbo estar localizada no município de

Boquira, a 500km de Salvador – Bahia, distante 2.000 km dos principais

centros consumidores – Rio e São Paulo, a COBRAC – Companhia

68

SPOSITO e SANTOS, 2012, p.157. 69

USINA PARA REDUÇÃO E REFINO DE CHUMBO NO ESTADO DA BAHIA. Correio da Manhã. Rio de

Janeiro, 12 abr. 1959.p.3. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_06&pesq=Minera%C3%A7%C3%A3o%20Bo

quira%20S/A&pasta=ano%20195>. Acesso em: 19 fev. 2017. 70

EM BOQUIRA, BAHIA, A MAIOR RESERVA DE CHUMBO DE NOSSO PAÍS. O Estado de São Paulo.

São Paulo, 15 dez. 1965.p.19. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19651215-27810-nac-

0019-999-19-not/busca/Boquira>. Acesso em: 23abr. 2016.

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33

Brasileira de Chumbo, produz chumbo a custo e qualidade que permite

competir com vantagens com o importado das origens as mais diversas.

Outrossim, as dificuldades de outra natureza enfrentadas pela Cobrac, são

ainda de maior monta. De fato, a Cobrac mantém no local da jazida do

minério, em pleno sertão baiano [...], apenas as instalações de concentração

do chumbo dada a falta total de recursos da região. Por sua vez, a

metalização do produto primário situa-se em Santo Amaro, já que esta

região, possui água e energia elétrica suficientes. Mesmo assim, a Cobrac

tem de adquirir o coque e o calcário necessários à metalurgia, em outros

centros, o que agrava ainda mais o custo do chumbo produzido pela

emprêsa.71

Seguindo as linhas acima, a indústria também aumentava os custos da produção com o

gasto em transportes para o deslocamento do minério. Por todas as dificuldades elencadas, e

ainda assim o chumbo extraído em Boquira ser bem competido no mercado, é possível supor

que o empreendimento de fato era bem vantajoso.

Na década de 1960, o jornal O Estado de São Paulo publicou matérias que versavam

sobre a extensão da produção do minério de chumbo no país. Em texto publicado em 26 de

janeiro de 1966 o periódico informou:

O RESULTADO do trabalho pioneiro da Plumbum S/A, fundada por

Adriano Seabra Fonseca, se traduz perfeitamente em sua capacidade nominal

de produção de chumbo da mais alta pureza. Assim, seu volume de

fabricação somado ao da Cobrac, sua associada, representa o consumo

interno do país bem como para suprir boa parte do mercado internacional.72

Observamos que a produção do minério supria o consumo interno, e ainda o

exportava. No ano anterior, em 24 de novembro de 1965, no mesmo jornal, lia-se “o Brasil já

é auto-suficiente em chumbo primário de 99, 98% de pureza”.73

Mais uma vez citava a

Plumbum e a Cobrac como principais produtoras.

Se na década de 1960 houve uma produção expressiva do minério, na década seguinte

observamos um decréscimo significativo. A partir de então, o chumbo não conseguia mais

prover a demanda interna, provavelmente em função do avanço do setor industrial que

71

EM BOQUIRA, BAHIA, A MAIOR RESERVA DE CHUMBO DE NOSSO PAÍS. O Estado de São Paulo.

São Paulo, 15 dez. 1965.p.19. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19651215-27810-nac-

0019-999-19-not/busca/Boquira>. Acesso em: 23abr. 2016. 72

DISTÂNCIA, UM DOS FATORES QUE ONERAM O CUSTO DO CHUMBO NACIONAL. O Estado de

São Paulo. São Paulo, 26 jan. 1966.p.17. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19660126-

27844-nac-0017-999-17-not/busca/Cobrac>. Acesso em: 28 abr. 2016. 73

O BRASIL JÁ É AUTO-SUFICIENTE EM CHUMBO PRIMÁRIO DE 99, 98% DE PUREZA. O Estado de

São Paulo. São Paulo, 24 nov. 1965.p.21. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19651124-

27792-nac-0021-999-21-not/busca/Cobrac>. Acesso em: 28 abr. 2016.

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34

ocorreu no país. Em outras palavras, mais indústrias significava maior consumo do material,

aumentando-se, portanto, a demanda.

Em 18 de julho de 1970, ocorreu a Assembleia Geral Extraordinária dos acionistas da

Cia. Brasileira de Chumbo (COBRAC), realizada em Boquira. A ata do evento foi publicada

no Diário Oficial Estado de São Paulo. A assembleia teve por finalidade discutir a

autorização de um empréstimo que seria feito com o Banco de Desenvolvimento do Estado da

Bahia S/A. Na reunião já possuíam um parecer do respectivo banco concordando em conceder

o empréstimo, que seria usado para as “novas instalações da usina de Santo Amaro” no valor

de Cr$ 2.100.000,00 (dois milhões e cem mil cruzeiros). Os acionistas aprovaram o

empréstimo.74

Notamos que a indústria mineradora estava interessada em melhorar a

produção, ao ponto de tomar empréstimos para investir na metalúrgica. Neste sentido,

podemos sugerir que o cenário era muito favorável à comercialização do chumbo.

Em 1975 ocorreu, em Brasília, o I Simpósio Nacional de não Ferrosos. No evento,

Ueki Shigeaki, Ministro das Minas e Energias, refletiu sobre a situação desses metais no país

naquele momento, bem como sobre as perspectivas da mineração. O chumbo se encontrava

entre os minerais não ferrosos, ou seja, um mineral metálico que não possuí ferro em sua

composição. O ministro falou sobre o rápido desenvolvimento industrial do país que acarretou

na elevação da taxa anual de crescimento do consumo dos não ferrosos. Destacou que, entre

1967 e 1972, a taxa média de aumento do consumo „per capita‟ do metal colocou o Brasil em

posição de relevo em relação aos valores mais altos desta taxa, se comparado com outros

países desenvolvidos ou em desenvolvimento. A exposição do ministro evidencia que o setor

ocupava um lugar estratégico para o desenvolvimento industrial do país. Consequentemente

houve a preocupação em adotar medidas executivas por parte do governo, com o objetivo de

alterar o quadro da insuficiência de chumbo para o mercado interno, “tendo como meta

principal o pleno atendimento do mercado interno e a exportação dos excedentes de alguns

desses metais.” 75

A grande preocupação no contexto era conseguir dar conta da demanda interna. No

caso do chumbo, naquele momento, somente três jazidas estavam sendo aproveitadas

economicamente, quais sejam, Boquira na Bahia; Adrianópolis, no Vale do Ribeira (Panelas),

no Paraná; e no Município de Paracatu em Minas Gerais. Boquira e Adrianópolis eram os

74

CIA. BRASILEIRA DE CHUMBO „COBRAC‟. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 3 out.

1970.p.56. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/5018492/pg-56-ineditoriais-diario-oficial-do-

estado-de-sao-paulo-dosp-de-03-10-1970/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 75

UEKI CONDICIONA APOIO ÀS MULTINACIONAIS. O Estado de São Paulo. São Paulo, 13 ago.

1975.p.25.Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19750813-30792-nac-0025-999-25-

not/busca/Boquira>. Acesso em: 22 abr. 2016.

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locais que mais produziam. Da primeira advinha cerca de 80% da produção nacional, tanto de

minério como de concentrado. De 1965 e 1974 a produção nacional foi de 187 mil toneladas

de chumbo metálico. E o consumo interno, nesse mesmo período, foi de 323 mil toneladas.

Neste sentido, a necessidade de importação tornou-se uma realidade, embora as importações

apresentassem um pequeno valor relativo para “cobrir o „déficit‟ de nossa produção de

chumbo. Desse modo, apesar da necessidade de importação, esse item não representou um

dos mais críticos da balança comercial.” 76

Das minas de Boquira não se extraía apenas chumbo, extraindo-se também o minério

de zinco. Nesse período, as jazidas de zinco de grande importância se situavam na Bahia e em

Minas Gerais. No entanto, a produção era insuficiente para a demanda do país. Em Boquira,

na época, se retirava “243 mil toneladas com teor médio de 2,6% ZN”.77

Diante da realidade exposta, os participantes do I Simpósio Nacional de não Ferrosos,

evento mencionado linhas acima, reforçaram a necessidade de pensar alternativas para

aumentar a exploração dos metais não ferrosos, com a cooperação e incentivo do governo,

considerando a relevância dos minerais para o desenvolvimento da indústria no Brasil.78

A importância dos minérios supracitados, especialmente o chumbo, para as indústrias,

nos leva a refletir sobre os impactos da instalação de uma mineradora em um determinado

local, principalmente em se tratando de cidades do interior, cuja dinâmica se afasta da lógica

industrializante das grandes capitais.

Ao estudar as relações entre trabalhadores e uma mineradora instalada em Jacobina-

Ba, Sara Farias observou como as atividades mineiras se apresentaram associadas ao discurso

de impulsão do crescimento socioeconômico do lugar. A autora argumentou que nas histórias

narradas pelos moradores, a implantação da mineradora trazia a esperança de crescimento

econômico por meio da geração de emprego, renda e desenvolvimento do comércio.79

Em Boquira, as expectativas não foram diferentes. O relato de Abelino Manoel80

é

significativo neste sentido. Ele saiu do município de Seabra na Bahia, de um lugar

denominado Anjical, e foi para Boquira em 1958 com o objetivo de conseguir um emprego na

indústria. Conta o que se ouvia na época sobre a mineradora em Boquira:

76

UEKI CONDICIONA APOIO ÀS MULTINACIONAIS. O Estado de São Paulo. São Paulo, 13 ago.

1975.p.25.Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19750813-30792-nac-0025-999-25-

not/busca/Boquira>. Acesso em: 22 abr. 2016. 77

Ibidem, loc. cit. 78

Ibidem, loc. cit. 79

FARIAS, Sara Oliveira. Enredos e tramas nas minas de ouro de Jacobina. 2008. Tese (doutorado em

História). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. p. 13-55. 80

SANTOS, 2012.

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36

O que ouvia falar, é que o povo dizia que diz que aqui gente rastava dinheiro

com o rastelo. Diz que rastava dinheiro com o rastelo... que naquele tempo

esses empreguinho era uma famona danada, quando eu cheguei aqui o

camarada tinha era que suar, ariscando a vida pra poder ganhar o dinheiro...

Nesse relato podemos perceber a maneira como se noticiava a presença de uma

empresa em um espaço sertanejo, um local onde existia abundância. Um emprego na indústria

era visto como uma grande oportunidade de ganhar muito dinheiro. No entanto, a partir da

narrativa, percebemos que a realidade frustrou as expectativas de parte daqueles que vendiam

a sua força de trabalho.

Como acontece nos trabalhos em indústrias, os que possuíam maior escolaridade

conseguiam um emprego especializado e melhores cargos, enquanto os menos escolarizados

geralmente exerciam a função mais perigosa da empresa, o trabalho no interior das minas

(nesse caso homens). As melhores funções ficaram predominantemente para pessoas vindas

de fora e não para os sujeitos do lugar. Sobre isso trata a geógrafa Iracema Oliveira:

A população local, desta forma, começou a ser absorvida ou utilizada como

a força de trabalho nessa nova dinâmica provocada pela Mineração Boquira-

S/A. As vagas de empregos surgiram e os cargos mais inferiores foram

ocupados pelos boquirenses, por terem pouca ou nenhuma formação, não

fornecendo desta forma, mão-de-obra qualificada.

Os cargos intermediários foram destinados à população do Município de

Macaúbas [...].

Por fim, os melhores cargos foram preenchidos por pessoas que vieram de

Salvador e de outras capitais brasileiras; os cargos de gerência ficaram com

os respectivos donos [...].81

Os habitantes de Boquira e região exerceram os cargos que não exigia qualificação

profissional. Isso se deveu muito a falta de escolaridade dos trabalhadores e a origem rural da

maioria, que como argumenta Paulo Fontes eram características de parte da população do país

naquele período, principalmente das regiões nordestinas. Assevera Fontes, que na geração de

migrantes do pós-guerra, eram muito baixos os índices de educação formal e ainda bem raro

possuírem experiência industrial. A taxa de analfabetismo era bem grande, principalmente

entre os migrantes nordestinos, resultado da fragilidade do sistema educacional do Brasil.82

1.2.1. A Peñarroya Francesa

81

OLIVEIRA, 2011, p. 27. 82

FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Comunidade operária, migração nordestina e lutas sociais: São Miguel

Paulista (1945 – 1966). 2002. Tese (doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2002.p.79.

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37

Em Boquira, a multinacional francesa Peñarroya desempenhou um papel importante

no desenvolvimento da indústria mineradora. A empresa surgiu em 1881 na França, nomeada

Société Minière et Metallurgique Peñarroya, a SMMP. As primeiras instalações de fábricas e

minas ocorreu na Espanha, explorando especialmente o chumbo e o carvão. Mas, ao longo de

suas atividades, também explorou outros minerais como zinco, prata, cobre etc., em diversos

países do mundo. Também participou de outros ramos industriais como a metalurgia,

indústria química, produção de eletricidade e ferrovias. Inclusive o nome Peñarroya faz

referência ao nome de uma localidade espanhola onde a indústria exerceu atividades de

mineração. Participaram de sua fundação vários sócios, a principal acionista em sua criação

foi a família de banqueiros franceses, os Rothschild.83

O nascimento em 1881 do que se tornaria o empório de chumbo Peñarroya

foi o resultado da combinação de certas manobras estratégicas de vários

grupos comerciais, bancários e ferroviários que se reuniram no ambiente de

origem da empresa, no norte da província de Córdoba. [tradução nossa]. 84

Essa indústria se desenvolveu mediante fusões com outras empresas e pelo

estabelecimento de filiais. Tornou-se, assim, uma gigante mineira. Expandiu para os

continentes da África, Ásia e América. Na década de 1930, tinha participação em mais de 30

sociedades, possuindo um grande patrimônio industrial, dividido em quatro continentes. E,

“sem dúvidas, a Espanha já não era, nem voltaria a ser o baluarte desta empresa madura,

convertida em uma autêntica corporação multinacional [tradução nossa].” 85

De acordo com López-Morell, o êxito da indústria pode ser explicado tanto pelo

financiamento dos banqueiros, quanto pelo desenvolvimento técnico. No que se refere ao

primeiro aspecto, a junção entre banco e indústria foi o elemento chave para que ela

conseguisse crescer. Esse fator a distinguia de outras empresas espanholas e estrangeiras do

mesmo ramo. Para o autor isso ocorreu por conta da relação que a empresa conservou com

três casas bancárias que interviram em sua fundação, os Mirabaud-Puerari, Cahen d‟Anvers,

e, sobretudo os Rothschild.86

Estas entidades resolveram o financiamento de curto prazo da sociedade com

uma linha de crédito compartilhada, fundamental para custear os custos

prévios da comercialização de seus produtos. No entanto, sua autêntica

83

LÓPEZ-MORELL, Miguel A. Peñarroya: un modelo expansivo de corporación minero-industrial, 1881-1936.

In: Revista de História Industrial, n. 23, p. 95-135, 2003. Disponível em:<http://www.um.es/mlmorell/63522-

86977-1-PB.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2016. 84

Ibid., p.96. 85

Ibid., p. 120. 86

LÓPEZ-MORELL, 2003, p. 121-128.

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38

contribuição estaria em sua participação nas diferentes ampliações de

capital, com as que a companhia pode financiar confortavelmente seu

processo contínuo de crescimento. [tradução nossa].87

No que diz respeito ao desenvolvimento técnico, percebemos que a indústria se

preocupou em realizar todas as possibilidades técnicas e produtivas necessárias para seu

crescimento. “Esta obsessão tecnológica corria paralela a seu interesse por alcançar a máxima

integração no conjunto de seus processos produtivos e de distribuição”. 88

A Peñarroya

conseguiu “alcançar um nível de desenvolvimento que, por sua intensidade e magnitude, se

converte em um caso inédito na história empresarial espanhola anterior a Guerra Civil.” 89

Entre os países latino americanos em que a Peñarroya atuou estão: Chile, Brasil, Peru

e Argentina.90

No decreto de 29 de julho de 1954, n° 35. 930, Getúlio Vargas autorizou

atuação da Peñarroya no Brasil 91

. A Peñarroya iniciou suas atividades em associação com a

Plumbum que, como mencionado, atuava na região de Panelas no Paraná.92

A implantação da Peñarroya começa em 1950, com a criação de uma

empresa comercial para vender o chumbo francês. A empresa Plumbum,

com sua mina de Panelas, apela para a empresa Peñarroya, que constrói (às

suas expensas, em troca de 50 % das ações) uma lavanderia. A direção

técnica é dada a Peñarroya.93

Após a associação com a Plumbum as empresas começaram a explorar o minério de

chumbo em Boquira. Entendemos que o cenário nacional e internacional desse período

permitiu que se implementasse uma indústria mineira no interior da Bahia. Quando tratamos

da multinacional Peñarroya, percebemos que sua inserção no Brasil contribuiu para a

promoção do avanço do capitalismo brasileiro. Para Rui Mauro Marini, após a segunda guerra

mundial uma nova situação se apresentou à economia internacional capitalista. A partir da

década de 1950 o sistema capitalista superou a crise ao qual estava inserido desde 1910, sendo

“reorganizada sob a égide estadunidense”.94

A concentração de capital em escala mundial,

colocou em posse de grandes corporações imperialistas volumosos recursos, que precisavam

procurar aplicação no exterior. O “fluxo de capital para a periferia se oriento[u] de forma

87

LÓPEZ-MORELL, 2003, p. 121. 88

Ibid., p. 128. 89

Ibid., p. 128. 90

TROLY, Gilbert. La Société Minière et Métallurgique de Peñarroya. In: Réalités Industrielles, p. 27-34, ago.

2008. Disponível em:< http://www.annales.org/ri/2008/ri-aout-2008/Troly.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2017. 91

RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto n° 35.930, de 29 de julho de 1954. Lex: Coleção de Leis do Brasil,

[S.l.], v. 6, p. 213, 1954. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-

35930-29-julho-1954-338605-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 24 fev. 2017. 92

TROLY, op.cit., p.31. 93

Ibid., p. 31. 94

MARNINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. 1973. Disponível em:

<http://docslide.com.br/documents/dialetica-da-dependenciapdf.html>. Acesso em: 21 nov. 2016. p. 23.

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39

preferencial para o setor industrial.” 95

Sposito e Santos também analisa esse fenômeno,

argumentam que desde 1950, após um extenso processo de concentração e centralização de

capital ocorrido nos Estados Unidos e em seguida na Europa “os grupos e as empresas

realizaram investimentos cruzados na tríade e estabeleceram alianças juntos aos Estados

periféricos que estavam promovendo a industrialização.” 96

A Peñarroya chegou ao Brasil trazendo os aparatos tecnológicos que possibilitavam

melhorar as atividades mineiras. Em 1975, Ueki, Ministro das Minas e Energia, falou da

forma como acorria as instalações de multinacionais mineiras no país. Para o ministro, as

empresas receberiam incentivos do governo, se cumprissem as leis brasileiras:

As multinacionais, disse o ministro Ueki, buscam financiamentos e insumos

onde eles sejam mais baratos. Transferem o lucro para onde o Imposto de

Renda for mais baixo. Procuram instalar-se onde a mão de obra custe menos.

Finalmente, vendem seus produtos onde consigam os preços mais elevados.

Com essa sistemática, “é evidente que podem lucrar muito”.97

Os capitais estrangeiros eram investidos no país no sentido de aqui procurarem vários

meios para que seus lucros fossem expressivos. No Brasil, que buscava se industrializar, o

capital internacional, mais especificamente das multinacionais extrativistas, encontrava o

cenário perfeito para investimentos, favorecendo os industriários. Não por acaso, foi instalada

uma mineradora na cidade de Boquira, promovendo mudanças substanciais na dinâmica local.

No próximo tópico analisaremos como a região passou por essas transformações.

1.3. Boquira e a mineração: as mudanças e as memórias.

Boquira, antes da instalação da indústria mineradora, era um pequeno povoado rural e

pertencia a cidade de Macaúbas, Bahia. De acordo com a Enciclopédia dos Municípios

Brasileiros, obra organizada pelo IBGE, Macaúbas tornou-se cidade em 1925. Nas divisões

territoriais de 1936 e 1937, Boquira, na época denominada Assunção, passou a ser distrito de

Macaúbas.98

O município estava incluído no Polígono das Secas99

, segundo recenseamento de

95

MARNINI, 1973, p. 23. 96

SPOSITO e SANTOS, 2002.p.29. 97

UEKI CONDICIONA APOIO ÀS MULTINACIONAIS. O Estado de São Paulo. São Paulo, 13 ago.

1975.p.25. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19750813-30792-nac-0025-999-25-

not/busca/Boquira>. Acesso em: 22 abr. 2016. 98

MACAÚBAS- BA. In: Ferreira, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE. Rio de

Janeiro: Lucas, DF, 1958. p.17.

Page 40: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

40

1950 possuía uma população estimada em 37.481 habitantes, destes 89% viviam na zona

rural, na zona urbana de Macaúbas tinha 1.549 habitantes.100

Boquira segundo esse mesmo

recenseamento possuía 615 habitantes.101

Ainda segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, as principais atividades

realizadas pelos moradores de Macaúbas eram a agricultura, pecuária e avicultura. No

entanto, no momento em que foi realizado o trabalho pelo IBGE publicado em 1958, a

extração mineral já era a principal atividade econômica da cidade, já que Boquira ainda

pertencia ao município. Entre os outros produtos se destacava a feitura da rapadura e farinha

de mandioca, a plantação do feijão, milho, cana de açúcar e mandioca. Na pecuária a criação

de caprinos estimados em 90.000 cabeças, bovinos 40.000, ovinos 37.000, e em menor

quantidade eram criados suínos, equinos, asininos, muares. Quanto ao comércio possuía 75

casas comerciais varejistas e não existia agencias bancárias, entre os produtos importados

tinham tecidos, ferragens, artigos de armarinhos, perfumarias, calçados, possuía também

gêneros secos e molhados do comércio de retalhos. Em 1956 havia onze estabelecimentos do

ensino primário fundamental comum e 903 alunos matriculados, sendo nove mantidos pelo

Estado e dois pelo município. Nesse período não havia hospital, apenas um médico exercia o

oficio na cidade.102

Pelas informações fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) sobre o município de Macaúbas durante a década de 1950, podemos ter alguns

indicativos sobre como se organizava a cidade em termos de atividades produtivas e

comerciais, e qual era o tamanho da população. Podemos argumentar que Macaúbas antes das

atividades mineiras em Boquira, era uma pequena cidade do interior, e se mantinha

predominantemente com a produção rural. Como no período da pesquisa feita pelo IBGE as

atividades mineiras em Boquira já existiam, é possível sugerir que houve um aumento das

casas comerciais em Macaúbas por conta da mineração, os estabelecimentos de comércio

podiam ser de menor número antes da exploração do minério. Boquira nessa época era uma

área rural da cidade de Macaúbas, possuindo no recenseamento de 1950, 615 habitantes, antes

das atividades mineiras as pessoas do lugar sobreviviam do trabalho na lavoura e da criação

de animais. De acordo com a geógrafa Iracema Oliveira:

99

“A Lei 175/36 (revisada em 1951 pela Lei 1.348) reconheceu o Polígono das Secas como a área do Nordeste

brasileiro composta de diferentes zonas geográficas com distintos índices de aridez e sujeita a repetidas crises de

prolongamento das estiagens.”O QUE SE ENTENDE POR POLÍGONO DAS SECAS?. 2009. Disponível em: <

https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1013964/o-que-se-entende-por-poligono-das-secas >. Acesso em 19 jul.

2017. 100

MACAÚBAS-BA, 1958, p.18 -19. 101

Ibid., p. 19. 102

Ibid., p. 19.

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[...] as pessoas que residiam naquela vila, como também as pessoas da

redondeza sobreviviam da forma mais rudimentar possível, extraíam da

natureza o seu sustento, com a colheita de frutas silvestres e cultivando a

terra de forma embrionária exclusivamente para sanar as suas necessidades

básicas. Estas já possuíam algumas ferramentas para trabalhar o solo, casa de

farinha, engenhos para a moagem da cana para a fabricação de rapadura e

cachaça. Produtos esses que seriam comercializados ou trocados por outros

produtos na feira da vila ou consumidos pelos mesmos.103

Para a autora, os habitantes do povoado faziam uso das técnicas que dispunham

naquele período, para satisfazerem as suas necessidades, produzindo sua vida material.104

Entre os produtos que plantavam estavam a mandioca, para a fabricação da farinha, e a cana

de açúcar, para produção da rapadura e a cachaça. Além de plantarem outros alimentos, como

milho, feijão etc. Ainda segundo a autora:

As pessoas viviam humildemente, sobreviviam da forma mais simples

possível até mesmo os proprietários de uma maior extensão de terras não

tinham muito que fazer no meio da caatinga se não criar o gado e ovelhas

soltas, cultivar o solo de forma rudimentar, com as técnicas que possuíam

naquele momento.105

Boquira era então um típico povoado rural em que seus habitantes produziam sua

subsistência. Mas não sobreviviam apenas do que produziam no lugar, pois existia comércio

na região. As pessoas saiam de localidades vizinhas para venderem seus produtos, nos lombos

dos animais. Como lembra o senhor José Pedro, ex trabalhador mineiro, quando criança ele

costumava sair com seu pai, do mesmo município de Macaúbas para vender carga com

produtos em Boquira:

Oia aqui o seguinte, eu conheci aqui a Boquira antes de eu vim pra

mineração, eu era menino oito-dez anos, meu pai vinha vender carga aqui

sabe eu vinha com ele [...] eu já trazia aquela faquinha pra gente chupar

cana, aqui donde tem aquela ponte, aquilo ali pra cima era só canavial e

subia ali, e meu pai ficava lá vendendo carga e eu chegava ali e saltava no

meio do canavial e ia chupar cana, lembro da Boquira naquela época [...].106

103

OLIVEIRA, 2011, p. 18-19. 104

Para Marx, a produção da vida material são os indivíduos produzindo sua existência. Os seres humanos para

viverem diz Marx: necessitam comer, beber, de onde morar, o que vestir e outras coisas, e além dessas primeiras

necessidades eles criam outras. Nesse sentido argumenta que “[...] o primeiro pressuposto de toda a existência

humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em

condições de viver para poder „fazer história‟.”MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São

Paulo, Boitempo, 2007.p. 32-33. 105

OLIVEIRA, op.cit., p. 22. 106

MÁRIO, José Pedro. José Pedro Mário: depoimento [fev. 2013]. Entrevistadora: Alcione S. Conceição.

Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.

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O senhor Aristóteles Mota, ex funcionário da mineradora, e natural da cidade de

Macaúbas, também relembrou suas vivências em Boquira antes da instalação da mineradora.

Em seu relato, informou que Boquira, quando era um pequeno povoado rural,“era uma

pracinha ali com um barracãozinho cheio de bode, e todo mundo aqui de Macaúbas chamando

os de lá, os bunda vermelha, porque aquela terra vermelha danada (risos) era só sentar (...)”.107

Denominar os habitantes de Boquira de os “bunda vermelha” era um termo pejorativo dos

moradores da cidade de Macaúbas para se referir as pessoas da zona rural de Boquira, fazendo

menção ao fato de os moradores do campo estarem sempre sujas com a cor da terra do lugar.

O memorialista Santos, ao tratar de uma personalidade de Boquira, o senhor Ulisses de

Souza Lima, fez referência a atividades comerciais que se realizavam na época, quando

Boquira era ainda um povoado rural. Santos informou que, depois que Ulisses ganhou um

jegue de seu padrinho, começou a trabalhar, ainda menor de idade, com tropas de animais

“levando mercadorias para vender por toda a região, chegando ir até a região de Seabra, de

volta trazia outras mercadorias que aqui não existia, para serem comercializadas”.108

E como

lembrou a geógrafa Oliveira que citamos acima também havia a feira no povoado onde as

pessoas vendiam e trocavam seus produtos109

, e eventualmente também poderiam ir até a

cidade de Macaúbas comprar alguns produtos que não possuíam no povoado.

Acionamos as narrativas acima com a finalidade de assinalar que antes da chegada da

mineradora, as pessoas da região de Boquira possuíam uma lógica de organização, elas não

estavam isoladas. O povoado nutria um comércio que permitia a população acessar produtos

de outros lugares. Havia uma maneira de trabalhar, de trocar os seus produtos, de acordo com

suas necessidades e condições. Uma vida na labuta no campo, com suas graças e dificuldades.

Ao analisar as mudanças que aconteceram em Boquira com o estabelecimento da

mineradora, Oliveira destacou que o pequeno povoado, antes do desenvolvimento da

mineração, não possuía assistência médica, nem possuía prédios escolares. A alfabetização de

algumas crianças era feita por professores de cidades vizinhas, que davam aulas particulares

em alguma casa ofertada por moradores. Atividades como serviços jurídicos, transportes para

viagem a outras cidades e correios, eram oferecidos na cidade de Macaúbas. Portanto, os

107

MOTA, Aristóteles Frota Vilas Boas da. Aristóteles Frota Vilas Boas da Mota: depoimento [maio.2012].

Entrevistadora: Alcione S. Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para

pesquisa histórica. 108

SANTOS, 2012, p. 88. 109

OLIVEIRA, 2011, p.19.

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moradores precisavam se deslocar do povoado para terem acesso a estes serviços.110

De

acordo com as memórias de Abelino Manoel, ex-trabalhador mineiro:

Há, mudou muito, que isso aí tudo era roça. Você sabe onde é o jardim da

saudade... aí eu alcancei enterrando gente ai dento, era um cemitério aquilo

ali, [...] dali pra cá [...], onde era a loja de Evandro, que fica ali naquela rua

do banco, era roça. E aquela rua do lado de cá onde é Manel Dias pra cá era

rua, mais pra lá tudo era roça daí até na vila, o barreiro, o barreiro eu conheci

lá só [...] conheci a casa de seu Otacílio, conheci a casa de Joaquim (de

Biinha) a Casa de Joãozinho de Ninha e a casa do véi Artur, quato casa que

eu conheci ali, e hoje já ta aquela ruona, mas tudo era mato lá.111

A narrativa do senhor Abelino Manoel sobre a localidade de Boquira, apesar de ter

sido sobre o período em que a empresa estava sendo instalada, converge, em linhas gerais,

com os outros relatos em relação às características do lugar antes do estabelecimento da

indústria mineira. O memorialista Santos também tratou das transformações que ocorrerem no

povoado após a instalação da indústria:

A edificação da cidade foi de modo excessivamente rápida! As roças, em

volta do pequeno núcleo habitacional de origem, se transformaram,

instantaneamente, em ruas. As cercas de quiabento (arbusto espinhoso) eram

rapidamente desmanchadas para a construção de mais uma casa na Rua da

Mineração e adjacências.112

Talvez o elemento da rapidez na construção da cidade seja um exagero do

memorialista, mas de fato o povoado rural foi se modificando, as roças passaram a dar lugar

às ruas e casas. Boquira ganhava ares de ambiente urbano. As transformações atendiam

especialmente as demandas da mineradora. Como diz Oliveira: “as máquinas trabalhavam

sem cessar, abrindo estradas e ruas, ou seja, subsidiando toda uma infraestrutura onde iriam

transitar os carros, caçambas e caminhões que transportavam o minério [...]”. Quanto às

construções das casas próximas às novas ruas, abrigariam aos funcionários da indústria

“principalmente aqueles que ocupavam os melhores cargos, ficando as pessoas de cargos mais

inferiores alojados em uma Vila Operária, próxima ao local em que estava instalada a

empresa”.113

É evidente que Boquira se modificou em função das atividades mineiras no lugar; as

mudanças giravam em torno das necessidades da mineradora. A instalação da empresa pode

ter contribuído, inclusive, para a emancipação política da cidade que ocorreu em 1962. O

110

OLIVEIRA, 2011, p.18-21. 111

SANTOS, 2012. 112

SANTOS, 2007, p. 38 -39. 113

OLIVEIRA, 2011, p.26.

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senhor José Lins da Costa, médico natural de Salvador, funcionário da indústria mineira, e

primeiro prefeito da cidade, no ato de transmissão do cargo ao novo prefeito eleito, em 07 de

abril de 1967, pronunciou:

Há quatro anos, o povo dêste município recém criado, honrava-me com a sua

desvanecedora confiança elegendo-me o seu 1° prefeito. Boquira era então,

um típico povoado sertanejo, com suas casas de estilo antigo, telhados

enegrecidos pelo transcurso do tempo geograficamente, era um ponto mal

assinalado pelos cartógrafos nos mapas da Bahia [...]. Naquele tempo, as

suas ruas e bêcos eram mal traçados e sem nenhuma iluminação. Hoje, as

suas lâmpadas elétricas, suas novas ruas e suas novas construções, já são

símbolo desta nova Boquira, a acomodar os próprios destinos políticos,

deixando para trás, na sua longa estrada da vida, muitos séculos de rotina,

para se lançar [...] na era trepidante de seu desenvolvimento econômico e seu

progresso industrial. 114

No discurso do ex-prefeito podemos perceber elementos da antiga Boquira, como ele

fez questão de enfatizar, já que o intuito era o de elogiar as modificações que aconteceram

após quatro anos de emancipação, com o seu respectivo governo, deixando para traz

elementos do passado rural. Na sua fala, fica evidente a maneira como ele percebe essas

mudanças. Para o médico, as mudanças eram fruto de uma nova era de “progresso” industrial

na localidade, seu discurso estava imbuído daquela ideia do crescimento industrial como

gerador do desenvolvimento econômico e social. Ainda nesse discurso, José Lins agradeceu a

mineradora pela ajuda concedida à prefeitura em seu governo:

Agradeço também a colaboração da Companhia, representada na pessoa dos

senhores: Valinne, Prieto e Granger, que muito tem feito por Boquira e

muito nos ajudou em nosso governo, alugando-nos a suas máquinas e

cedendo materiais de construção, a preço quase de custo, sempre com boa

vontade.115

O discurso do ex-prefeito evidencia que a prefeitura e indústria mineira de Boquira

cooperavam, tanto que os representantes da Companhia não deixaram de comparecer ao

evento. Não podemos deixar de assinalar, inclusive, que o primeiro prefeito da cidade era

funcionário da empresa. Ao que indica a fonte, a relação entre a indústria e a prefeitura nesse

momento era bem próxima.

O impacto da instalação de indústrias em áreas tipicamente rurais não é uma

exclusividade de Boquira. Notamos que as transformações ocorridas em Boquira se

assemelham a regiões que passaram por processos semelhantes. O antropólogo Fernando

114

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 10-08- de abril de 1963, a 31 de dezembro de 1968.

Fl. 73. 115

Idem.

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Luciano pesquisou as transformações no trabalho e nos perfis dos operários da antiga usina

siderúrgica Aços Especiais Itabira (Acesita), atualmente a Aperam South America, na cidade

de Timóteo no Estado de Minas Gerais. A localidade de Timóteo era um distrito do município

de Antônio Dias e possuía uma economia “baseada na produção rural, seja de gênero

alimentícios, seja de carvão, o núcleo urbano possuía pouco mais que seis ruas organizadas

em torno da capela de pau-a-pique e seu pequeno cemitério”.116

Muitas mudanças

aconteceram por conta do estabelecimento da Acesita, a exemplo do aumento populacional,

do investimento em construções de várias moradias para os trabalhadores da usina e de uma

vila operária. Ademais, bairros surgiram, escolas, clubes, armazém, cinema, hospital,

farmácia etc.117

Em Timóteo, assim como em Boquira, grande parte dos trabalhadores eram naturais

das zonas rurais, muitos da própria região. A instalação da usina em Timóteo teve início em

1944. Lá, tal qual em Boquira, o fato contribuiu para a emancipação política do antigo

distrito, devido ao “poder estabelecido pela empresa sobre a cidade que ela construiu ao

controlar o mercado de trabalho, a moradia e a política local” 118

, evento presente na memória

coletiva dos trabalhadores.

O caso de Timóteo evidencia como uma empresa é capaz de influenciar e alterar a

dinâmica do local, especialmente quando falamos de locais com características rurais, em que

a instalação de uma indústria de grande porte é a primeira experiência industrial da região.

Não podemos esquecer, como lembra Rodrigo Jesus, que “a estratégia da sociedade capitalista

constituiu na dominação do operário dentro e fora da fábrica” 119

.

Em Boquira, o estabelecimento da mineradora provocou várias modificações. O

pequeno povoado foi se transformando em um núcleo urbano. A cidade se emancipou logo

depois. Então, é comum que essas empresas exerçam seu poder no lugar, até mesmo

interferindo na política e administração do município, fato que iremos analisar nos capítulos

seguintes.

Agora, importa ressaltar que após o estabelecimento da mineradora na cidade de

Boquira, a indústria mineira procurou auferir lucros através de diversos meios. De acordo com

os relatos dos ex trabalhadores, a empresa possuía uma cantina em que era vendido alimentos

116

LUCIANO, Fernando Firmo. Transformações do trabalho e dos trabalhadores do aço na Acesita. 2013.

Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília, 2013. Disponível em:

<http://www.dan.unb.br/images/doc/Tese_116.pdf>. Acesso em: 10 maio 2017.p.69. 117

Ibid., p. 76. 118

Ibid., p. 38-39. 119

JESUS, Rodrigo Paulo de. A constituição da “vila” para os trabalhadores: debates. In: IV Congresso

Internacional de História, 2009, Maringá PR. Anais ISSN 2175-4446, Maringá: [s.n.], 2009. p. 805-814.

Disponível em: < http://www.pph.uem.br/cih/anais/trabalhos/262.pdf>. Acesso: 20 maio 2017. p.806.

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e outros produtos. Os trabalhadores que compravam na cantina tinham o valor descontado de

seus salários. Como lembra os ex mineiro Sebastião “a gente comprava lá e descontava pelo

mês, no pagamento já vinha descontado”.120

Grande parte dos funcionários compravam na

referida venda, principalmente quando não existia mercados e armazéns em Boquira. A

empresa também construiu clubes em que os trabalhadores eram sócios e do mesmo modo

tinham de pagar a mensalidade.121

A mineradora possuía também um açougue e uma pensão

operária em que cobrava aluguéis.122

Fernando Silva, ao tratar sobre trabalhadores rurais em uma fazenda e usina no Estado

de São Paulo, observou que o empregador oferecia aos trabalhadores do canavial e da usina,

nas décadas de 1950 e 1960, alguns serviços e cobravam por eles, descontando do próprio

salário dos trabalhadores. Entre os serviços estavam habitação, assistência médica, armazém,

açougue, farmácia, clube, cinema etc.123

Clarice Speranza revelou que fenômeno semelhante ocorria nas atividades mineiras de

carvão em São Jerônimo no Rio Grande do sul entre 1940-1950. A mineradora retirava dos

salários dos operários gastos com armazéns, cooperativa, farmácia etc., “não raro o tamanho

do desconto (especialmente os do armazém e da cooperativa) deixava o salário líquido

reduzindo a zero”.124

Neste sentido, observamos que as práticas eram comuns no caso em que os operários

tinham que morar próximo ao local do serviço onde era afastado de áreas comerciais. Além

disso, também no caso de uma cidade, bairros ou vilas operárias serem construídas juntamente

às atividades industriais.

Clarice Speranza destaca que o sistema fábrica-vila construído na região de São

Jerônimo também servia para a indústria controlar seus operários, bem como suas famílias.

Desde o uso do hospital, da escola, do clube, do cinema e da igreja, todas construídas pela

empresa, que podia interferir na vida social dos operários. Claro que esse controle não ocorria

120

SANTOS, Sebastião Souza dos. Sebastião Souza dos Santos: depoimento [ago. 2013]. Entrevistadora:

Alcione S. Conceição. Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 121

Idem. 122

MARIO, 2013. 123

SILVA, Fernando Teixeira da. “Justiça de Classe”: tribunais, trabalhadores rurais e memória. Mundos do

Trabalho, [S.l.],v.4, n.8, p. 124-160, jul./dez. 2012. Disponível em:

<https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/viewFile/1984-9222.2012v4n8p124/24538>.

Acesso em: 2 maio 2013.p.156-157. 124

SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre trabalhadores e

patrões nas minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2012. Disponível em:

<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/54071/000837468.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.p.61.

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de forma total, sem resistências.125

A autora argumenta sobre figuras públicas que, embora não

fossem funcionários da empresa, se subordinavam aos interesses dos diretores. Existia até o

elemento da bajulação para conseguir favores e benesses. “Os mestres das crianças, o padre e

os funcionários que deveriam ser públicos: prefeito e delegado” estavam a serviço da

indústria.126

Não devemos perder de vista esse elemento da dominação que uma indústria podia

exercer na região que atuava, especialmente quando o empreendimento se situava em um

local mais afastado de grandes centros urbanos ou quando a região se desenvolvia junto com

as atividades da indústria. Havia várias estratégias que visavam manter o controle dos

trabalhadores. Atrair a simpatia dos operários era uma delas.

Em Boquira, por exemplo, a mineradora instituiu uma festa, em comemoração à Santa

Bárbara, padroeira dos mineiros. A festa ocorria todos os anos no dia quatorze de dezembro.

O dia era considerado feriado, celebrava-se uma missa, a empresa matava vários bois e

distribuía churrascos e bebidas para os mineiros e suas famílias, somente os trabalhadores

participavam dos comes e bebes. De acordo com o ex funcionário Aristóteles Mota, a festa foi

criada pela Plumbum, pois o evento já existia em Panelas no Paraná onde a indústria também

atuava 127

. Os ex mineiros relatam que gostavam da festa, pois era um dia de descontração.

Claro que o evento não deixava de ser uma estratégia da indústria, na intenção de ser vista

como uma boa empresa preocupada com a religiosidade e em oferecer um momento de

diversão aos mineiros.

Ao pesquisar a memória, a identidade e o trabalho de mineiros e engenheiros nas

minas de cobre de Camaquã, no Rio grande do Sul, entre 1970-1996, Jader Nogueira

observou que Santa Barbara também era a padroeira dos mineiros da região. Os trabalhadores

entendiam que a fé na santa os defenderiam dos perigos no interior das minas. Existia um

local apropriado nas galerias para colocar a imagem da santa.128

Diz o autor que a

religiosidade também serviu como forma de controle dos trabalhadores pelos patrões, no

sentido de impor regras morais aos operários, “uma vida desregrada e ociosa seria prejudicial

125

SPERANZA, 2012, p.64. 126

Ibid., p. 68. 127

MOTA, 2012. 128

NOGUEIRA, Jader Escobar. Mineiros e Engenheiros: memória, identidade e trabalho nas minas do

Camaquã entre 1970 e 1996. Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Maria, Rio

Grande do Sul, 2012. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/ppgh/images/MESTRADO/dissertacoes/turma2011/

Dissertacao-Jader-Nogueira%20-%202012.pdf>. Acesso em: mar. 2015.p.122-123.

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aos interesses dos patrões” 129

. Não podemos esquecer também que os sujeitos de diversos

modos resistem as normas e imposições a que são submetidos.

A religiosidade permeava as relações de trabalho desses operários mineiros, e talvez

de fato existisse uma crença verdadeira por parte deles, e possivelmente dos próprios patrões a

padroeira. Mas não podemos perder de vista que a própria invenção da festa de Santa Barbara

pela empresa em Boquira, não deixou de ser também uma maneira dos patrões forjar uma

imagem da indústria para os trabalhadores. Não possuímos informação sobre quando e porque

a empresa iniciou a festa, visto que já acontecia em Panelas no Paraná, talvez o evento

também existisse nas empresas da Peñarroya em outras partes do mundo, visto que Santa

Barbara é considerada pela religião católica a padroeira dessa categoria de trabalhadores.

Então, consideramos que se tratava de elemento comum a devoção e festa a Santa Barbara

pelos mineiros e por empresas mineiras. Sobre o aspecto da festa e o feriado no dia da santa é

possível que tenha surgido até por demandas dos próprios trabalhadores mineiros.

Na época da mineração também havia em Boquira os chamados “bregas”, que na

prática funcionam como casa de prostituição. Não sabemos precisar quando surgiu o exercício

do meretrício no lugar, segundo relatos passou a existir após o advento da indústria mineira.

De acordo com Joaquim, ex funcionário da mineradora, foi “depois da mineração, quando

começou a mineração, já na fama mermo que vinha de fora, que a mineração corria muito

dinheiro [...] e já elas vinha modo isso mermo” 130

. Provavelmente com a atividade industrial

e eventual aumento da população a prática tenha se ampliado. Os “bregas”, de acordo com

alguns relatos, era muito frequentado por trabalhadores da empresa. Neles, trabalhavam

mulheres de diversas regiões, inclusive de outros estados. Segundo relatos, no espaço havia

muitas confusões. Localizava-se em um bairro denominado barreiro. O ex mineiro José

Mario, conta:

[...] lá agora eu sei que tinha muito que frequentava sabe, ia pra lá as vez

bebia bagunçava, muitas vez a polícia pegava pião lá até batia. Porque uma

vez eu tava na pensão operária, e saiu uma turma de sergipano, saiu uns

menino também daqui da Boquira que morava lá na pensão com nós, ai

foram pra lá, e lá começaram a bagunça e as polícia deu neles lá sabe, e

pegou uns lá, e correu atrás de outro pra pegar, esse outro correu de a pé,

naquela época aqui no Narb era só carrapicho e ele caiu dentro desse

carrapicho daqueles cachos assim [...] quando ele chegou na pensão operária

a roupa foi tirada e jogada fora, porque não tinha quem tirasse o tanto de

carrapicho que tinha, carrapicho tava maduro e ele passou correndo dentro

129

NOGUEIRA, 2012, p.125. 130

SANTOS, Joaquim Francisco dos. Joaquim Francisco dos Santos: depoimento [ago. 2013]. Entrevistadora:

Alcione S. Conceição. Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.

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do carrapicho e a roça era grande, quando ele saiu fora já a roupa era só

carrapicho... (risos). As história que eu tenho é só essas assim, [...] lá mesmo

falar verdade eu nunca fui não, nunca fui, só sei que a turma contava muita

história fulano foi lá, sicrano foi, mas eu mesmo não, não sei de muita

história de lá não.131

Poucos ex trabalhadores entrevistados mencionaram os “bregas”, quando o fazia

afirmaram nunca ter estado lá. Alguns fatores podem explicar os silêncios. Primeiro, questões

que envolvem sexualidade e prostituição são temas tabus. Segundo, os entrevistados hoje são

pessoas mais velhas, com família constituída, portanto, falar de prostituição é tocar em

questões morais, ou “imorais”, já que é desta forma que a prostituição é vista por larga parcela

da sociedade. Somando-se a isso, a entrevistadora é mulher, o que pode ter contribuído para

ampliar ainda mais a resistência em falar do tema tabu.

Os poucos que falaram sobre a temática, fizerem referência à casos de violência.

Parece ter sido comum a existência de muitos conflitos no local, alguns chegando a soluções

extremas, a exemplo de assassinatos. Em vista disso, podemos sugerir que o “brega” se

caracterizou como um espaço de lazer e ociosidade, mas também de rixas e conflitos.

Ambiente que preocupava a polícia, mas também um lugar de socialização, quiçá de

discussões políticas, entre os trabalhadores da empresa e demais habitantes de Boquira.

Em outras cidades não era incomum a participação das prostitutas na promoção de

eventos culturais. Na cidade de Jacuípe, na Bahia, Lourdisnete Benevides analisou uma

manifestação cultural organizada pelas prostitutas da chamada rua do fogo. O evento se

constituiu numa homenagem ao santo católico São Roque. Durante a década de 1960, com a

chegada de uma indústria e a expansão da cultura do Sisal, houve o apogeu do meretrício,

com o estabelecimento do canteiro de obras “da empresa STAR, que possibilitou a imigração

de inúmeros operários, técnicos e engenheiros que muito contribuíram para que na Rua do

Fogo, o comércio do sexo de desenvolvesse vigorosamente”.132

De acordo com Benevides,

mulheres de várias regiões migraram para Riachão para exercer a atividade de prostituição

nos “bregas”, tanto mulheres de cidades mais próximas, quanto de outros estados.133

Daniela Nascimento e Iole Vanin, por sua vez, investigaram a marginalidade social de

mulheres que praticavam prostituição no conjunto de meretrícios denominado Brega do 24,

durante o período de 1940-1970, na região de Candeias, Bahia, na ocasião do início das

131

MARIO, 2013. 132

BENEVIDES, Lourdisnete Silva. A louvação das prostitutas do Jacuípe ao Glorioso São Roque.

Dissertação (mestrado em artes cênicas) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003.p. 89. 133

Ibid., p. 89-90.

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atividades petrolíferas. Em 1947 foi autorizada a construção da primeira refinaria de petróleo

do país na região, cujas atividades começaram em 1949. A força de trabalho empregada era

predominantemente masculina. Com as atividades muitos homens migraram para Candeias,

por ela ficar próxima da Refinaria e dos campos de extração. O exercício da prostituição,

sugerem as autoras, surgiu a partir da migração desses trabalhadores para o lugar.134

As autoras dizem que, entre as décadas de 1950-1970, muitas casas de meretrício se

estabeleceram nas imediações da Refinaria, bem como em municípios e povoados próximos a

Candeias. Os petroleiros, como eram chamados os trabalhadores da indústria, eram os

principais frequentadores dos “bregas” por possuírem uma renda maior do que a da população

local135

.“Estes espaços prostitucionais além de serem um local de comércio sexual também foi

ponto de encontro, diversão e lazer destes trabalhadores”.136

Muitas daquelas mulheres

provinham do interior procurando melhores condições de sobrevivência.137

Podemos argumentar que naquele período, na Bahia e talvez em outras regiões que

começavam a se industrializar, aumentou o contingente populacional e a circulação de

dinheiro. Consequentemente as novas urbes acabavam por atrair mulheres de diversos lugares

que se deslocavam para exercerem o trabalho de prostitutas. O fenômeno da industrialização

também suscitou uma grande mobilidade social.

Os fatos apresentados evidenciam que o processo de industrialização em regiões do

interior traz mudanças significativas para o lugar, especialmente para aqueles mais

ruralizados. Marta Cioccari, ao investigar as atividades mineiras, e os trabalhadores do carvão

na região do Baixo Jacuí, no Rio Grande do Sul, percebeu que na região muitas cidades se

desenvolveram junto à mineração. Uma grande onda de migrações aconteceu entre as décadas

de 1940 e 1970. Trabalhadores de diferentes partes do Estado foram atraídos pela mineração,

que acontecia em vários locais da região “promovendo uma urbanização acelerada e um

rápido crescimento da população”.138

Desse modo, percebemos que a instalação de

mineradoras no interior contribuiu para ampliar de forma significativa fenômenos como

migrações, urbanização e aumento da população local.

134

NASCIMENTO, Daniela Nunes do; VANIN, Iole Macedo. As “damas” do 24: industrialização, relações de

gênero, prostituição e oralidade em Candeias/BA (1940-1970). In: VI Encontro Estadual de História – ANPUH-

BA ,2013, Ilhéus BA. Anais ISBN 2175-4772, Ilhéus: [s.n.], 2013. p. 1-10. Disponível em: <

http://anpuhba.org/wp-content/uploads/2013/12/daniela-nunes.pdf >. Acesso: 18 maio 2017.p.4. 135

Idem. 136

Ibid., p.7. 137

Ibid., p. 6. 138

CIOCCARI, Marta. Entre o campo e a mina: valores e hibridações nas trajetórias de mineiros de carvão no

sul do Brasil. Mundos do trabalho, [S.l.],v.7, n.14, p. 75-98, jul./dez. 2015. Disponível em:

<file:///D:/Downloads/42291-150998-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.p.79.

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As mudanças trazem como consequência uma nova dinâmica social que, por sua vez,

contribui para forjar uma ideia de que a industrialização é sinônimo de “progresso”. Fernando

Luciano ao analisar o processo de industrialização da cidade de Timóteo percebeu que o

processo contribui para se formatar um imaginário. Segundo o autor, “Acesita e sua cidade

operária eram oficialmente apresentadas para o restante do país como um eldorado de

desenvolvimento, riqueza e emprego”.139

Como já dito anteriormente, em Boquira também

apareceu esse aspecto. Difundia-se a ideia de que no lugar existia fartura, facilidade para se

ganhar dinheiro. O que se propagandeava eram as vantagens do desenvolvimento, elemento

que ainda está presente na memória da cidade de Boquira.

O livro de memórias intitulado “Memórias de Macacos a Boquira”, de autoria do

professor Aroldo Santos, natural de Boquira, que já citamos ao longo do texto, é uma fonte

importante para pensarmos sobre a construção dessa ideia das benesses ocasionadas pela

indústria em Boquira. Ele é o único livro de memórias sobre a localidade, e pode ser

considerado responsável pela construção da memória oficial da cidade. Qualquer pesquisa e

trabalho que se quer fazer sobre o lugar logo recomendam a leitura da obra. No livro, o

memorialista se preocupou em descrever as mudanças promovidas pela mineradora que,

segundo ele, levou vários benefícios para a região:

[...] uma vez criada a infra-estrutura local, os problemas sociais do local e da

região tornaram-se menos agudos. Como resultado, Boquira, com seu

crescimento e suas instalações urbanas, passou a atrair cada vez mais gente e

acabou por tornar-se autônoma, econômica e socialmente, quando passou a

Município em 1962.140

A professora Brígida Pinheiros, em texto intitulado “Reflexão”, presente no livro

Memórias de Macacos a Boquira, acaba reforçando os mesmos elementos elaborados pelo

memorialista, quando destaca os benefícios gerados pela descoberta e exploração do chumbo.

A autora exalta a existência do minério, entendido como o responsável por tirar Boquira do

atraso rural, proporcionando o desenvolvimento da cidade:

Boquira! O que seria de você se não tivesse galena em seus morros? Teria,

na verdade, continuado estática, esquecida e seu nome nunca teria aparecido

no mapa do Brasil, pois você seria, por um bocado de tempo, ainda ,

Macacos ou Assunção. Sua sorte, ou azar, porém, foi aparecer um padre com

inteligência, raciocínio, cultura e conhecimentos de mineralogia, que se

139

LUCIANO, 2013, p. 92. 140

SANTOS, 2007, p. 123.

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interessou por suas galenas, tirando-lhe da letargia. O milagre do

crescimento econômico aconteceu em você. Deus, através dos fenômenos

geológicos lhe presenteou uma coisa que infelizmente acabou: MINÉRIO.141

Na mesma linha argumentativa de exaltação de um certo “progresso” decorrente da

implantação da indústria mineradora em Boquira, encontramos um poema, da mesma autora.

O poema, não tem data identificada, nele a autora pretendeu relacionar o nascimento da

cidade à mineração, no sentido de demonstrar que o local só ganhou relevância devido as

atividades mineiras.

[...] Uma coisa interessante

Vale a pena relembrar

Nasci de uma simples pedra

Que alguém veio a encontrar

Imaginem vocês todos

Tornei-me mineração

E hoje sou no Brasil

Uma terra com ação

Represento no Brasil

Maior produtor de chumbo

Tenho lugar destacado

Na mineração do mundo.142

As fontes analisadas nos permite perceber que a ideia que relaciona o desenvolvimento

e o “progresso” da cidade ao início das atividades mineiras em Boquira está presente em

diversas memórias, forjando a memória oficial acerca da história da mineradora na região,

bem como a história da própria cidade.

Para José Pedro, ex mineiro, “a mineração naquela época foi muito bom né, deu muito

emprego, a turma ganharam muito dinheiro, só que tem o seguinte, a mineração foi embora e

ficou todo mundo na pobreza...” 143

. A fala do ex mineiro partilha da visão positiva da

mineradora enquanto oportunidade de emprego e salário, destacando que a saída da empresa

não foi boa para região, porque gerou desemprego. Mas os prejuízos não se resumem ao

desemprego.

Por Boquira ter sido um pequeno povoado rural antes da mineradora, muitos dão

ênfase às mudanças positivas que a empresa, com sua respectiva atividade econômica, levou

para a região. Frequentemente citam que a chegada da mineradora trouxe benefícios como:

141

PINHEIROS, Brígida. Reflexão. In: SANTOS, Aroldo Rodrigues dos. Memórias: de Macacos a Boquira.

Boquira: CostaGraf, 2007. p. 139. 142

PINHEIROS, 2007, p. 132. 143

MARIO, 2013.

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criação de emprego e renda, transformação de povoado para cidade e sua emancipação, luz

elétrica, construção de escolas, hospital etc.

No livro de memórias, esses são os aspectos que se sobressai, a memória do

desenvolvimento como a predominante. Embora seja verdade que a indústria tenha gerado

empregos, ainda que precários, além de ter proporcionado elementos que aparecem nas

memórias, precisamos problematizar os silêncios, os não ditos. Há valorização dos elementos

supracitados, esconde outros que merecem ser analisados, a exemplo das difíceis condições de

trabalho enfrentadas pelos mineiros, a dominação da empresa no lugar, os conflitos e

resistências dos lavradores que perderam suas terras para a atividade mineradora.

Portanto, precisamos questionar e interrogar as versões que percebem que a atividade

mineradora levou apenas benefícios à região, descrevendo a mineração somente como o

elemento do “progresso”. Quando propomos problematizar essa memória oficial, não

queremos dizer que não houve nenhuma benfeitoria para o local com a nova atividade

econômica, ou ainda, idealizar um passado rural no qual vivia os habitantes do povoado. O

que queremos é tentar entender como aquele processo ocorreu, dando visibilidade, também, a

aspectos que foram silenciados pela memória oficial. Por exemplo, Santos não faz referência

ao conflito entre os pequenos agricultores e a mineradora, não trata das difíceis condições

enfrentadas pelos trabalhadores das minas. Ele até aborda a morte do primeiro mineiro no

trabalho, mas não faz nenhuma crítica a indústria de mineração:

Sem sombra de dúvida, a Mineração deu sua parcela de contribuição ao

Município. Não esquecendo que, para isso, vários operários, com a força

braçal, chegaram a perder suas vidas. Joaquim Firmino de Oliveira, filho de

Joaquim Zuada – 1° operário a perder a vida no interior da mina, em 04 de

novembro de 1957, dentre outros.144

O memorialista, ao focar nas melhorias urbanas, deixou à margem os conflitos, as

contradições, e outros elementos que estiveram presentes no processo. O problema desta

leitura é que torna o acontecimento homogêneo, harmônico e linear, deixando de lado as

contradições. Nesse sentido, o nosso intuito, é dar visibilidade a outras memórias. Para tanto,

é fundamental fazer uma leitura a contrapelo, na qual, vozes e sentidos diversos dos

hegemônicos devem ser analisadas. Beatriz Sarlo destacou, que o passado é uma zona de

conflitos. A memória e a história estão nesse lugar conflituoso. A história, sempre

desconfiada, não crê na memória que, por sua vez, não acredita em “uma reconstituição que

144

SANTOS, 2007, p. 125.

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não coloque em seu centro os direitos da lembrança (direitos de vida, de justiça, de

subjetividade)”.145

Cremos que é possível a historiografia fazer uso das memórias para escrever história,

realizar a problematização do relato, sem deixar de lado o direito da lembrança, das

subjetividades. Como diz a mesma autora, sobre o relato da experiência, “já não é possível

prescindir de seu registro, mas também não se pode deixar de problematizá-lo”.146

Então, são as memórias marginalizadas dos grupos não hegemônicos que, nos

próximos capítulos, procuraremos evidenciar. Dessa forma, iremos destacar os elementos que

não se manifestam na memória oficial, mas fizeram parte do processo de mineração em

Boquira. Para tal, recorreremos também as fontes orais. Como argumentou Portelli, as fontes

orais “sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não

hegemônicas”.147

Pelos relatos de memórias é possível adentrar nos acontecimentos da

história, dando relevância a dimensão subjetiva dos sujeitos que a experimentam.

Desse modo, os próximos capítulos serão reservados à análise dos aspectos que não

ganharam visibilidade na memória oficial da cidade. Os relatos orais permearão todo o texto.

Trataremos, pois, da expropriação das terras de agricultores locais e do modo como a

mineradora agia na localidade, destacando o peso de sua influência em assuntos diversos.

Com isso, pretendemos demonstrar que os processos históricos não são homogêneos e

harmônicos, como faz crer a memória oficial da cidade de Boquira.

145

SARLO, Beatriz. Tempo Passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das

Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. p. 27. 146

Ibid., p. 117. 147

PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Proj. História, São Paulo, v.14, p. 25-39, fev.

1997.

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2. O CONTO DO VIGÁRIO: OS AGRICULTORES DE BOQUIRA E A INDÚSTRIA

DE MINERAÇÃO

O objetivo deste capítulo é analisar a maneira como se tornou possível a exploração do

minério de chumbo no povoado rural de Boquira, ou seja, tratar de alguns aspectos que

viabilizaram a mineração no lugar; e por meio disso, entender como alguns agricultores da

localidade vivenciaram o processo, pois as atividades mineiras ocorreram mediante o uso de

suas terras, pelas expropriações. Desse modo, destacaremos os conflitos presentes nos

processos de expropriações sofridas pelos agricultores, dando atenção especial às suas ações,

tentando vislumbrar alguns aspectos das suas vivências no povoado. Discorreremos também

sobre a participação do Estado baiano para o desenvolvimento da indústria mineira. Além

disso, analisaremos as relações entre a mineradora e a política local, com a finalidade de

compreender as ações da empresa no lugar, sua influência e poder que exercia.

2.1. Expropriação e resistência dos agricultores de Boquira

Antes da instalação da mineradora Boquira era um povoado rural cuja população local

se organizava e produzia seus meios de vida a partir de uma lógica diferenciada, quando

comparamos com as transformações que a montagem da empresa produziu. Como já

assinalamos no primeiro capítulo, era do campo que as pessoas extraíam os produtos

essenciais para a sobrevivência. Em relação ao comércio, observamos que era realizado no

povoado, em feira livre. Com a instalação da mineradora, o trabalho no campo e as trocas

comerciais na feira continuaram a existir, no entanto, a indústria promoveu outra dinâmica de

trabalho e outras relações sociais na localidade. Porém, é importante dizer que o processo de

transformação daquele lugar não se deu de forma harmoniosa, sem ter havido conflitos e

resistências.

Como já tratamos no capítulo anterior, o início das atividades de mineração em

Boquira contou com a participação do Padre Macário Maia de Freitas, que construiu uma

empresa, associando-se a outros sujeitos, para iniciar a exploração do minério de chumbo.

Agora, cabe-nos analisar como ocorreu aquele processo, refletindo sobre como os terrenos

foram apropriados para o exercício da atividade, já que as terras eram de propriedade de

lavradores locais.

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Em diversas fontes analisadas, constatamos que o padre agiu, em vários momentos,

lançou mão de atos ilícitos para conseguir as terras dos agricultores, e explorar o minério de

chumbo, abundante em Boquira. Seu José 1, natural de Boquira, ex-trabalhador da

mineradora, relembrando o episódio, narra que Macário:

[...] saiu derrubando cerca com trator... o homem trabaiou a cerca todinha,

cercando lá da água até cá onde tinha um ranchinho e lá não tinha

necessidade de Macário mexer, lá tava fora da mineração, mandou derrubar

a cerca todinha do homem, o homem doeçeu [...] esse tempo era duro, o

povo aproveitava [...].

As pessoas do lugar contam que o agricultor morreu de desgosto. Em sua fala, seu

José demonstra o quanto aquele ato desrespeitou o modo de viver, de trabalhar daquele

sujeito. A própria forma de contar do narrador, uma fala carregada de sentimento de

condolência, demonstra isso. Esse fato não foi um caso isolado. Como já mencionamos, as

atividades mineiras que se desenvolveram em Boquira afetaram a maneira de viver e de lidar

com a terra de grande parte da população local. Antes, a propriedade da terra, e a maneira

como lidar com ela, que vinha de uma relação mantida por muitas gerações, era vista como

um direito por aqueles agricultores. Uma espécie de direito adquirido. Mas o processo de

expulsão de seus terrenos, iniciado pelo padre Macário, os fez perceber que os seus direitos

não estavam garantidos, já que as terras herdadas dos antepassados estavam sendo usurpadas.

Ainda segundo seu José, para tomar as terras dos agricultores, Macário agiu de má fé,

quando os convencia a assinar documentos, prometendo pagamentos. Pela assinatura, os

agricultores transferiam a terra para o padre. Não podemos esquecer que na época o índice de

analfabetismo era alto. Nesse sentido, não é improvável que a maioria dos lavradores

soubesse apenas assinar o nome. Segundo o relato:

A confusão dos terrenos, ai, foi Macário começou pegar o nome das turmas,

que ia trabaiar aí, que ia comprar a nossa mermo, ele disse que ia dar 500

contos naquele tempo... mas ele não deu, e depois ele pegou e passou uns

documentos ai, que era padre e ai ele passou [...].

Seu José indica que houve “confusão”, ou seja, conflitos por conta da ação do

Macário. O relato revela também que sua família estaria interessada na venda das terras,

porém o padre não cumpriu com a promessa de pagamento. Não sabemos de fato porque

1NETO, José Domingues. José Domingues Neto: depoimento [mar.2013]. Entrevistadora: Alcione S. Conceição.

Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.

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pretendiam vender 2, talvez precisassem do dinheiro no momento e a área de terra que poderia

ser vendida não fosse a única que possuíssem, ou usariam o dinheiro da venda para comprar

um pedaço de terra maior. Tratavam-se de agricultores pobres que extraia sua subsistência da

lida na roça, e que também passavam por dificuldades, visto que a região lida constantemente

com os períodos de seca. Aquelas pessoas possuíam suas ambições e necessidades e talvez

por isso mesmo tenha pensado na venda de suas terras. Essa é uma das versões sobre o roubo

dos terrenos pelo padre, seu José relembra sobre o caso de sua família.

Em 18 de novembro de 1959 foi publicado um protesto no Diário Oficial do Estado de

São Paulo. No texto aparece um trecho dirigido ao padre Macário com o seguinte teor:

“Pasmem os céus com o crime dêsse padre que para tranquilidade da Igreja, deixou a batina

para viver vida secular de pompa e pecado. Construindo sôbre a miséria dos seus paroquianos

com o chumbo de Boquira”. O protesto destinava-se à empresa de mineração Plumbum S.A.

Como resultado, o Juiz de Direito da quarta Vara Cível da capital de São Paulo, João Pinto

Cavalcante, publicou o edital com a petição que lhe foi dirigida por José Pereira dos Santos,

sua esposa, e outros agricultores. “Os requerentes pretend[iam] [...] positivar a

responsabilidade da Plumbum solidária com a Mineração Boquira Ltda. [...] Chamá-la a Juízo

para responder pelas perdas e danos que lhes [vinham] causando [...]”.3

No texto podemos mapear os motivos do protesto, bem como a história do padre

Macário e de como ele se apropriou dos terrenos dos agricultores. No documento protestaram

cento e vinte e três lavradores, entre homens e mulheres, maridos, esposas, filhos. Tendo em

vista que Boquira era um povoado com poucos moradores, lembremos que no recenseamento

de 1950 possuía 615 habitantes4, devemos considerar que o número de lavradores afetados foi

grande. Através das pessoas e filiação que aparecem no documento, percebemos que se

tratava de propriedade familiar. É possível sugerir que o trabalho na terra era feito pela

própria família, se tratando de uma produção voltada para a subsistência.

O documento se constituiu em uma transcrição da ação rescisória que os lavradores

moveram contra à Mineração Boquira Ltda., no Tribunal de Justiça da Bahia. Portanto,

representativo dos conflitos entre os agricultores e a mineradora, materializados em ações de

2 No momento da entrevista essa pergunta não foi colocada ao entrevistado, a importância da questão para o

trabalho surgiu depois, não conseguimos refazer a entrevista. 34ª VARA – 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 28. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 4 MACAÚBAS- BA. In: Ferreira, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE. Rio de

Janeiro: Lucas, DF, 1958. p.19.

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luta que os lavradores travaram em defesa de suas terras. Por meio desse documento,

inicialmente, iremos analisar a maneira como aparece a história do padre e dos terrenos.

Os requerentes foram esbulhados de suas terras pelo padre Macário Maia de

Freitas e [o] farmacêutico Antenor Alves da Silva da cidade de Macaúbas

que se constituíram em empreza de mineração Mineração Boquira Ltda. para

explorar as ricas jazidas de chumbo existentes nas aludidas terras. Como

histórico dêsse caso já celebre na Bahia sob a rubrica de “Caxixe de

Boquira”.5

A ação rescisória transcrita no protesto informa que todos os autores eram possuidores

das terras na Fazenda Boquira, “ali lavrando desde seus antepassados, pobre lavoura de

subsistência, todos residiam na aludida fazenda.” 6 Macário, ao verificar que nas terras de

Boquira havia chumbo em grande quantidade, envolveu os agricultores em ações de

usucapião, leia-se, “o modo autônomo de aquisição da propriedade móvel e imóvel mediante

a posse qualificada da coisa pelo prazo legal” 7. De acordo com o documento:

O primeiro dos autores, José Pereira dos Santos, foi induzido pelo padre

Macário a outorgar procuração ao advogado provisionado Clovis Abreu da

Silva, dizendo-lhe o vigário ser para providenciar licença de garimpo no

interesse dele autor. Essa procuração dava poderes ao advogado para

requerer usucapião e ceder os direitos ao padre Macário e ao Dr. Antenor da

Silva, poderes de que não teve qualquer conhecimento quando assinou a

referida procuração.8

Pela análise do texto, observamos que a trama foi realizada por Macário junto com um

advogado. Os agricultores assinaram a procuração acreditando se tratar de uma licença para

garimpar, que seria feita em seus nomes. Essa ação do padre começou em 1953. Observamos

também que alguns lavradores possuíam seus interesses, ou seja, estariam dispostos a exercer

a atividade de mineração se os beneficiassem, e que para eles era um proveito legítimo já que

as terras lhes pertenciam. De acordo com o documento a ação de usucapião feita pelo

advogado em nome dos agricultores não obedecia aos procedimentos legais exigidos para o

5 4ª VARA – 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 28. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 6 Ibidem, loc.cit.

7 COSTA, Dilvanir José da. Usucapião: doutrina e jurisprudência. Revista de Informação Legislativa, Brasília,

n. 143, p. 331-334, jul./set. 1999. Disponível em:

<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/524/r143-25.PDF?sequence=4>. Acesso em: 28 fev.

2017.p.321. 8 4ª VARA- 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 28. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017.

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seu cumprimento. Tudo foi feito em segredo de justiça, “a sentença de usucapião foi proferida

com base em falsa prova e com violação do artigo 455 do Código de Processo

Civil”.9Ademais, quem o vigário escolheu para a usucapião tinha propriedade titulada, “outros

autores naquelas ações eram também proprietários. Porque haveria, pois, de ser

usucapientes10

? Nunca o foram intencionalmente”.11

Desse modo, segundo o documento, foi

tudo orquestrado, depois o advogado Clovis Abreu, com as prerrogativas adquiridas com a

procuração, transferiu “os direitos do usucapiente ao padre Macário Maia de Freitas e ao Dr.

Antenor Alves da Silva”.12

Apesar de ali residirem todos com suas famílias, lavrando a terra foram

envolvidos pelo padre Macário Maia de Freitas então vigário de Macaúbas,

em três ações do usucapião, como usucapientes uns e usucapidos13

os

demais, visando aquele vigário criar títulos de domínio das terras em nome

de alguns deles, autores e das terras se apoderar dolosamente [...]. 14

Macário adquiriu as terras onde seriam exercidas as atividades de mineração em

Boquira de forma ilícita. A vitória do padre no processo analisado acima, nos permite sugerir

que, mesmo não agindo totalmente de acordo com a lei, o padre e o advogado conseguiram

apoio de pessoas influentes da região. Os lavradores, contudo, não ficaram passivos diante da

situação, e o documento analisado é prova disso. Eles se articularam da maneira como foi

possível para denunciar a expropriação que sofreram e lutaram por seus direitos. Ainda de

acordo com a fonte:

Todos são donos das terras, uns com título outros com posse imemorial: terra

pobre até pouco tempo onde viviam e trabalhavam seus antepassados – Rica

terra de chumbo, já agora e por isso mesmo cobiçada pelos trustes

internacionais e deles lavradores roubada pelo vigário que se transformou

em grande industrial ligado ao truste americano da Pres-O-Lite à custa da

miséria dos lavradores. 15

9 4ª VARA- 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 29. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 10

Titular da ação de usucapião. 11

4ª VARA- 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 29. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 12

Ibidem, loc. cit. 13

Estado do bem que sofreu usucapião. 14

4ª VARA- 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 28. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 15

Ibidem, loc. cit.

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A partir da fonte analisada é possível traçar parte dos elementos que envolviam a

relação que os agricultores tinham com a terra antes da chegada da mineradora. Residiam no

povoado de Boquira, e as terras eram transmitidas de uma geração para outra. Desse modo,

mesmo aqueles que não possuíam título de suas terras, sentiam-se seus donos. Aquelas

pessoas dependiam de seus terrenos para trabalharem e produzirem seus meios de vida.

Compartilhavam uma condição de existência, tanto no trabalho rural quanto nas demais

vivências cotidianas. Ademais, sugerimos que devido à baixa ou nula escolaridade foram

ludibriadas pela ganância do padre que se aproveitou do prestígio e confiança que seu cargo

transmitia para enganá-los. De repente, os agricultores se viram expulsos de suas terras sem

direitos algum, passando a partilhar também uma situação de injustiça.

Quando falamos de agricultura de subsistência e a importância das terras para aquelas

pessoas, não queremos criar a imagem de um passado rural idílico isento de dificuldades, não

se pode afirmar que era muito fácil os habitantes se manterem e que eles não ambicionavam

outra forma de viver senão aquela. Não sabemos precisar quais eram os tamanhos das terras,

se realmente eram suficientes para toda família se sustentar de forma adequada, o mais

provável é que se tratava de pequenas propriedades. Também não devemos esquecer-nos dos

períodos de seca que marcavam a região e que poderia dificultar o modo de subsistir daquelas

pessoas. Talvez por isso mesmo, alguns agricultores tiveram o desejo de se beneficiar com a

riqueza que existiam em seus terrenos e melhorar as condições sociais de vida. Porém, o que

ocorreu foi que eles não tiveram o poder de decidir o que fariam com suas próprias terras.

Em 28 de novembro de 1975, o jornal Opinião trouxe uma matéria sobre os conflitos

envolvendo a mineração em Boquira e a versão de um dos donos das terras, Joaquim Angelo,

sobre como Macário tomou os terrenos. De acordo com ele “os títulos de propriedade foram

passados para Macário de formas mais diversas, a maioria ilegal”.16

Segundo ele:

Depois, ele [Macário] pediu assinaturas em uma folha de papel em branco.

Disse que era para remodelar a igreja. O povo todo tolo. Assinamos. Ah,

meu amigo, ele passou procuração para o advogado e requereu usucapião e

tirou todo o direito dos verdadeiros proprietários até de ir na serra. Ai ele foi

vender ação para toda a nação de estrangeiros. E nós ficamos para trás. Se a

gente procura advogado, a companhia compra.17

Nessa narrativa aparece outro elemento em relação ao “roubo” das terras por parte de

Macário Freitas. O vigário pediu assinaturas aos habitantes sob a justificativa de que iria 16

RUDÁ, Francisco. O feudo do truste Penarroya. Opinião. Rio de Janeiro, 28 nov. 1975. p. 11. Disponível

em:<http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=123307&pagfis=3678&url=http://memori

a.bn.br/docreader#>. Acesso em: 16 fev. 2017. 17

Ibidem, loc.cit.

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remodelar a igreja, entretanto as usou para realizar a trama. Essa mesma informação está

presente em outro documento, um texto escrito pelo jornalista Genival Rabelo18

em 1974. No

texto o autor narra sua ida a Boquira no início da década de 1970. Ele discorre sobre a

experiência da viagem. O texto tem um tom de denúncia. De acordo com o autor, chegando à

localidade logo ouviu as reclamações dos lavradores espoliados.

Falam todos do vigário que havia descoberto umas pedras diferentes na

montanha [...] Havia levado tais pedras para exame de laboratório no Rio de

Janeiro e, depois, havia pedido procuração aos lavradores para obter ajuda

das autoridades estaduais com o objetivo de construir a igreja. O vigário se

chamava Macário. As pedras diferentes eram chumbo de alto teor. As

procurações foram o hábil expediente para desapropriação de terras para

instalação de uma empresa de mineração. Boquira havia atraído, pela mão de

seu vigário, a cobiça do capital forâneo. De pacata localidade onde os

moradores viviam da agricultura, passou a ser centro de expoliação (sic.) e

luta. [...]. 19

Para Rabelo, portanto, o padre usou sua influência enquanto religioso para enganar os

agricultores. Podemos sugerir também que o padre utilizou diferentes facetas para conseguir

as assinaturas dos lavradores, como no caso da construção da igreja, isso demonstra que

talvez nem todos estivessem interessados na exploração dos minérios em suas terras, mesmo

com a existência da promessa de benefícios, seja pelo lucro com a mineração ou venda dos

terrenos. No pequeno livreto, editado pelo jornalista Alexandria Pontes, natural de Boquira,

reitera a versão que atesta que o padre expropriou os terrenos. Segundo o documento:

No começo foi o dr.Cloves Abreu da Silva. Contratado por padre Macário

Maia de Freitas, tinha como principal missão fazer os agricultores assinarem

„procurações‟ que, mais tarde, lhes dariam respaldo para requerimento de

usocapião (sic.) em benefício de padre Macário e do farmacêutico Antenor

da Silva, sócios na sinistra empreitada de transferir para seus próprios

nomes as terras dos indefesos agricultores de Boquira.

Cloves Abreu já faleceu, mas a missão que lhe fora confiada redundou em

grandes danos para centenas de famílias incautas, uma vez que as terras

riquíssimas que há mais de cem anos pertencem a muitas famílias de

18

Encontramos esse texto no Arquivo Municipal de Boquira, a pasta onde se encontrava o documento não

possuía espelho, nem qualquer outra informação. Trata-se de um texto com finalidade de denunciar a mineradora

em Boquira. De acordo com o texto, Genival Rabelo era amigo do jornalista Alexandria Pontes, natural de

Boquira, que há muito morava no Rio de Janeiro. Rabelo na década de 1970 saiu do Rio para acompanhar o

amigo Alexandria em uma viagem a Boquira, para visitar seus familiares. Foi o momento que conheceram a

atuação da mineradora na localidade, e a situação dos lavradores. 19

RABELO, Genival. A máfia de Boquira. Rio de Janeiro, jul. 1974. Localizado em: Arquivo Municipal de

Boquira.

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agricultores, de uma hora para outra passaram a ser „propriedade‟ do notório

pastor, ele próprio a ovelha mais negra de todo o rebanho.20

Notamos que as fontes sempre trazem o nome de Antenor da Silva que, ao que indica,

também participou da trama junto a Macário. É provável que as expropriações foram

possíveis em função da ajuda de outras pessoas influentes na região. Após a associação das

empresas e o processo de instalação da indústria, o problema dos terrenos continuou.

Homens e mulheres do povoado de Boquira tiveram suas vivências modificadas por

conta da nova relação econômica que se estabeleceu no lugar. Ao se perceberam espoliados,

organizaram ações de resistência. Acionaram a justiça e chegaram a contratar advogado para

tentar recuperar o que tinham perdido. Podemos supor que essa resistência por parte de alguns

lavradores se deu principalmente pela forma como as terras lhes foram tiradas, sem nenhuma

consideração por seus direitos.

Devemos levar em conta que a expropriação não é uma peculiaridade de Boquira, mas

uma característica da maneira de como se desenvolve o capitalismo. Como lembra Virgínia

Fontes, “as expropriações constituem um processo permanente, condição da constituição e

expansão da base social capitalista e que, longe de se estabilizar, aprofunda-se e generaliza-se

com a expansão capitalista”.21

No caso específico de Boquira observamos a existência de uma

expropriação primária, leia-se, quando os trabalhadores rurais, por motivações variadas, são

expulsos de suas terras ou são atraídos para as cidades.22

A partir da perspectiva marxiana,

percebemos que expropriar significa separar os trabalhadores de suas condições sociais de

produção.

Expropriar foi situação necessária para a própria existência do capitalismo. Como

ensina Marx, “a relação capitalista pressupõe a separação entre os trabalhadores e a

propriedade das condições da realização do trabalho.” 23

Para o autor, o processo que criou o

modo de produção capitalista foi a separação entre o produtor e os meios de produção, sendo

este um dos elementos responsáveis por criar as condições para o próprio desenvolvimento do

capitalismo.24

A relação capitalista “ por um lado, transforma em capital os meios sociais de

20

PONTES, Francisco Alexandria (Ed.). Boquira: Advogada impetra no Tribunal de Justiça da Bahia “Habeas

Corpus” para jornalista. Rio de Janeiro: [s.n.], 1976. 24p. p. 19. 21

FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo. Rio Janeiro: UFRJ, 2010. Disponível em:

<http://resistir.info/livros/brasil_capital_imperialismo.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017. p. 45. 22

Ibid., p. 44. 23

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I o processo de produção do capital. [S.l]:

Boitempo, 2013. Disponível em: <http://docs15.minhateca.com.br/559887912,BR,0,0,Marx,-Karl---O-Capital---

Livro-1-(Boitempo).pdf>. Acesso em: 20 maio 2017. p. 961. 24

Idem.

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subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores diretos em trabalhadores

assalariados”.25

Segundo Virgínia Fontes, para que o capitalismo possa se desenvolver é necessário

que haja expropriações. Para que existam trabalhadores “livres” é fundamental que eles

tenham sido expropriados de algum modo, seja de suas terras, ou do acesso aos meios pelo

qual pudessem produzir sua existência. A autora defende que a expropriação não ocorreu

apenas na Inglaterra no processo de desenvolvimento das relações capitalistas ou nos

momentos de “modernização” de outros países, a sua tese é a de que a expropriação é

condição para o desenvolvimento do capitalismo.26

Sobre a expropriação primária diz:

“seguem extirpando os recursos sociais de produção das mãos dos trabalhadores rurais,

incidindo diretamente sobre os recursos sociais de produção, em especial sobre a terra”.27

Reiterando, a expropriação é um dos elementos que criam as bases para o desenvolvimento

das relações capitalistas.

Em Boquira, para que a indústria mineira se consolidasse foi necessário que muitos

lavradores fossem expulsos de suas terras, criando então as condições para que a exploração

mineral pudesse se desenvolver aos moldes capitalistas. Como diz Martins “quando o capital

se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio, em terra de exploração do

trabalho alheio”.28

A propriedade capitalista da terra é portanto distinta da propriedade

familiar em que a terra é um instrumento de trabalho daqueles que o exercem. Neste caso, os

ganhos são gerados por quem trabalha, não provindo “da exploração de um capitalista sobre

um trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho.”29

Como foi analisado no primeiro capítulo, a década de 1950 no Brasil foi marcada por

uma forte industrialização, que se expandiu para o meio rural muito a partir de 1960. Durante

esse processo, por um lado, a industrialização se solidificou e se desenvolveu de forma rápida,

por outro a modernização do setor rural expulsou uma parte considerável da população.30

Neste sentido, o “Oeste” da Bahia – Barreiras e região – se constitui em um exemplo

relevante. A partir de 1960, o agronegócio e a especulação fundiária se iniciaram na região,

25

MARX, 2013, p. 961. 26

FONTES, 2010, p. 21-45. 27

Ibid., p.59. 28

MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência: a questão política no campo. 3. ed. São Paulo: Editora

Hucitec , 1991.p.55. 29

Ibid., p. 54. 30

BRUMER, Anita. Considerações sobre uma década de lutas sociais no campo no extremo sul do Brasil (1978-

88). In: FERNANDES, Bernardo Mançano; MEDEIROS, LeonildeServolo de; PAULILO, Maria Ignez (Org.).

Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas. A diversidade das formas das lutas no

campo . São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009.

v.2,p. 33-52.p.33.

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momento que coincidiu com a fundação de Brasília, a nova capital nacional. A fundação da

nova capital e o desenvolvimento do Oeste da Bahia correspondem ao cumprimento dos

projetos de promoção da “„interiorização do desenvolvimento‟ no país”.31

A partir da década de 1960, passou-se a se construir rodovias para facilitar o acesso

aos centros, foram desenvolvidos projetos e financiamentos públicos para produção

agropecuária. Na esteira dos acontecimentos, em Barreiras e região foi instalado um “sistema

de posse calcado na corrupção dos cartórios e na atuação dos jagunços, „amaciando‟ a terra

para facilitar o processo de grilagem sistemática” que se estenderia durante as três décadas

seguintes.32

Segundo Soares, esse processo de transformação pelo qual a região passou,

visando o desenvolvimento da produção agrícola, resultou em conflitos pela posse da terra,

uso da água, contribuindo para o aumento das desigualdades socioeconômicas tanto entre os

sujeitos quanto entre os municípios:

Os conflitos relacionados a posse da terra tiveram início com o

estabelecimento da grilagem sistemática, iniciado na década de 1970 e

intensificado nos anos 1980, 1990 e 2000. Essa prática fraudulenta converteu

diversas terras públicas devolutas, porém de uso coletivo, extensivo e

sazonal, assim como terras claramente habitadas, de cultivo e moradia

camponesa, em mercadorias a serviço da acumulação e do grande capital.33

Percebemos que as mudanças ocasionadas pelo avanço do capitalismo em áreas rurais,

muitas vezes é acompanhada por diversos conflitos, por conta dos impactos que provocam no

modo de viver e de se organizar das pessoas. Os agricultores que vivem e trabalham nas

terras, por vezes, são vítimas de toda espécie de ações ilícitas para que deixem suas posses ou

propriedades, que agora devem servir ao capital.

No centro sul baiano, houve um caso que nos ajuda a pensar o problema. Na década de

1970, nas terras chamadas Matas do Pau Brasil, localizadas entre os municípios de Vitória da

Conquista e Barra do Choça, foram reivindicadas por um suposto proprietário, fazendeiro de

café. As terras eram ocupadas por posseiros há décadas34

. Os conflitos se iniciaram em um

31

SAMPAIO, Mateus. Oeste da Bahia: capitalismo, agricultura e expropriação de bens de interesse coletivo. In:

XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária “territórios em disputa: os desafios da Geografia Agrária nas

contradições do desenvolvimento brasileiro”, 2012, Uberlândia MG. Anais ISSN 1983-487X, Uberlândia: [s.n.],

2012. p. 1-17. Disponível em: <http://www.lagea.ig.ufu.br/xx1enga/anais_enga_2012/eixos/1125_2.pdf>.

Acesso: 2 mar. 2017. p.8. 32

Ibid., p. 8. 33

Ibid., p. 12. 34

SANTOS, Jânio Roberto Dinis dos; SOUZA, Suzane Tosta. Conflitos no campo e grilagem de terras do

Centro Sul da Bahia. In: Simpósio baiano de Geografia Agrária e Semana de Geografia da UESB: o campo

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momento em que as terras começaram a ser valorizadas pelo fato do Estado fomentar a

expansão cafeeira na região. Em Matas do Pau Brasil “se encontravam, no ano de 1973,

assentadas mais de uma centena de famílias, muitas, com mais de 80 anos de posse da

terra”.35

Os posseiros que se recusaram a sair sofreram todo tipo de coerção, foram presos,

tiveram casas queimadas, foram proibidos de trabalhar nas roças, etc. Após muito tempo de

conflitos, durando cerca de doze anos, o Estado interferiu na situação, e os posseiros não

ficaram com toda a área de terras, uma parte ficou com o fazendeiro. Os posseiros tiveram

grandes prejuízos, perderam roças, casas e outras benfeitorias.36

O fato narrado não se constitui em uma particularidade. As disputas de terra, cujos

fazendeiros na maioria das vezes saíam ganhando vem de longa data e ocorreram em diversas

regiões do país. Como nos lembra Guimarães, na Bahia mais especificamente, a partir da

década 1960 aconteceram diversos movimentos de camponeses e trabalhadores rurais,

principalmente nas regiões baianas mais ricas, como a cacaueira e a pecuarista de Conquista e

Itapetinga, respectivamente.37

Voltando para os conflitos de Boquira, que mais nos interessa, precisamos salientar

que embora haja especificidades, não devemos deixar de percebê-los inseridos nessa lógica de

expansão do capitalismo no Brasil. Santos e Souza argumentam que o projeto de

desenvolvimento pregado para a região era contra a lógica de produção dos camponeses,

pautada na diversidade na produção, e voltada para as necessidades locais, características que

não correspondia as expectativas capitalistas, representando, portanto o atraso38

. Essa é a ideia

que predomina nesses casos, se torna irrelevante a forma de viver e trabalhar dos habitantes

rurais, porque o “atraso” deve ser superado em nome da industrialização e do “progresso”. E

os benefícios desse dito “progresso” na maioria das vezes não são compartilhados com esses

habitantes.

baiano na relação Estado, Capital, Trabalho: espaços de contradições, espaços de lutas, n. 1, 2013, Vitória da

Conquista BA. Anais: ISSN 2318-7832Vitória da Conquista:[s.n.], 2013, p. 1-22. Disponível em:

<http://www.uesb.br/eventos/sbga/anais/arquivo/arquivo%206.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2017. p.2. 35

SANTOS E SOUZA, 2013, p. 3. 36

Ibid., p.17. 37

GUIMARÃES, 2003, p. 136. 38

SANTOS E SOUZA, op.cit., p.21.

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2.2. Desapropriação dos terrenos e o convênio entre o Estado baiano e a indústria de

mineração

Em 21 de fevereiro de 1959, Antônio Balbino, então governador da Bahia (1955-

1959), pelo Decreto n° 17282, desapropriou terras em Boquira, em benefício da mineradora,

sob a alegação de que se tratava de um empreendimento, “capaz de, em pouco tempo, e por si

só, assegurar o abastecimento da quase totalidade do consumo, nacional de chumbo” 39

.

Balbino tentou desenvolver projetos que atendessem aos interesses industriais no estado

baiano, e com esse fim chegou a mandar uma carta para o presidente Juscelino Kubitschek. A

carta sintetizava seu plano de governo, “mostrando sua compatibilidade e

complementariedade com o programa de metas” 40

. Neste sentido, era interesse também do

Estado baiano que a indústria em Boquira se desenvolvesse.

Foi justamente com o propósito de desenvolver a industrialização no Estado da Bahia

que Balbino assinou o decreto, para cumprir a finalidade de fazer funcionar a mineração em

Boquira. O governador também impôs algumas obrigações à empresa. Além de desapropriar

terras, o referido Decreto obrigava a empresa a criar um Núcleo de Assistência Rural de

Boquira, além de oferecer água para a população. Entretanto, segundo Rudá, o núcleo nunca

foi aproveitado pelos agricultores, beneficiando somente “os altos funcionários da Mineração,

e que estabeleceu condições para o fornecimento de alimentos ao seu refeitório”. 41

Sobre a

água, o autor salienta:

A água agora é uma arma nas mãos da empresa e uma das maiores causas da

miséria, como afirmam todos. Os mananciais estão cercados e não há mais

os córregos originais que serviam de „regadio‟ para as culturas. Plantas e

gados são privilégio da Mineração, onde florescem hortas e canteiros,

contrastando com as diminutas roças antes férteis. 42

O exemplar do Diário Oficial onde o decreto de desapropriação foi publicado foi

anexado às 1.300 folhas do processo de Ação Rescisória43

(um tipo de ação destinada a anular

uma sentença já proferida). A ação foi movida por 138 proprietários de terras de Boquira,

contra Macário Maia de Freiras, e sua esposa ; Antenor Alves da Silva, e sua esposa; e contra

39

RUDÁ, 1975, p. 11. 40

GUIMARÃES, 2003, p.116-117. 41

RUDÁ, op.cit., p. 11. 42

Ibidem, loc. cit. 43

Ibidem, loc.cit.

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67

o Estado.44

O advogado responsável foi Sinval Palmeiras, do Rio de Janeiro.45

Os agricultores

não estavam satisfeitos com a desapropriação.

No que diz respeito a questão da água, podemos argumentar que a apropriação feita

pela empresa significou uma grande perda para os agricultores, pois eles necessitavam de

água para cuidar dos animais, das plantas, e do trabalho doméstico. A medida modificou a

lida cotidiana daqueles sujeitos. Todos os prejuízos contribuiriam para que aquelas pessoas,

que compartilhavam um cotidiano e se viram enfrentando o mesmo problema, se unissem

para reivindicar interesses comuns. A Ação Rescisória significou uma tentativa dos

espoliados de reconquistarem suas terras.

[...] começam os lavradores espoliados sua marcha de volta ao domínio de

suas terras. Começam com a presente ação rescisória. Quando se apresentam

unidos para essa luta judiciária. O Estado lamentavelmente sob influência da

Mineração Boquira, Plumbum e Pres-O-Lite desapropria as terras de

chumbo em favor dos espoliadores. Essa desapropriação já foi contestada e

sua revogação se impõe ao Governo face à ilegalidade do decreto em causa.

Isso é matéria de outra ação. A desapropriação das terras litigiosas obriga, no

entanto, os autores ao chamamento do Estado na pessoa do seu insigne

Procurador Geral como réu na lide.46

No entanto, mesmo com essa ação, os agricultores não conseguiram ter de volta as

suas terras. Sabemos disso porque entraram com outra ação em 1975. Falaremos dela mais

adiante. Não conseguimos ter acesso a todo o processo da ação rescisória, apenas a parte que

foi transcrita no protesto publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, que fizemos

referência. A ação de 1975 foi noticiada no jornal O Estado de São Paulo, em 17 de outubro

daquele ano, com o título: “Processo reabre caso das jazidas de Boquira”. Na matéria o

periódico destacou:

[...] Todas essas histórias e denúncias constam de um volumoso processo

número 001274, dado entrada no Fórum de Salvador em 22 de abril de 1959-

de „ação recisória (sic.) contra Macário Maia de Freitas e sua mulher, o

farmacêutico Antenor Alves da Silva; a Mineração Boquira e o Estado da

Bahia‟. Esse processo, que durante muitos anos ficou desaparecido, volta

44

4ª VARA- 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 29. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017. 45

RUDÁ, 1975, p. 11. 46

4ª VARA- 4° OFICIO. Diário Oficial - Estado de São Paulo. São Paulo, 18 nov. 1959. p. 29. Disponível em:

<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4736221/pg-28-poder-judiciario-diario-oficial-do-estado-de-sao-paulo-

dosp-de-18-11-1959/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017.

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agora a justiça baiana, por empenho da advogada Aldenoura de Sá Porto,

que dele pretende retirar subsídio para a sua ação de prestação de contas.47

A lei de desapropriação foi criada pelo Decreto-Lei nº 3. 365, de 21 de junho de 1941,

no governo de Getúlio Vargas. Em seu artigo 2° ficou estabelecido que “mediante declaração

de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados,

Municípios, Distrito Federal e Territórios”.48

O parágrafo 2° do mesmo artigo estabeleceu

ainda que: “os bens de domínio dos Estados, Município, Distrito Federal e Territórios poderão

ser desapropriados pela União,” assim como “os dos Municípios pelos Estados, mas, em

qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”.49

O artigo 5° define quais são

os casos de utilidade pública, entre eles, preconiza o item “f) o aproveitamento industrial das

minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica”.50

A mesma lei estabelece que

os desapropriados deveriam receber uma indenização.

Seguindo as prerrogativas legais, através de uma escritura pública, em 26 de fevereiro

de 1959,o Estado da Bahia torna de utilidade pública uma área desapropriada de 1.277

hectares, na região do ainda Município de Macaúbas, para efeito de desapropriação incluído aí

todas as benfeitorias:

[...] situadas no município de Macaúbas, exceto as instalações industriais, as

construções, as benfeitorias e os imóveis residenciais de propriedade das

empresas de mineração e de beneficiamento de minérios que atualmente

operam dentro da área considerada de utilidade pública [...]. Pelo outorgante

[Estado baiano], por seu representante, me foi declarado que neste ato cede e

transfere,à outorgada [Mineração Boquira Ltda.], como realmente cedidos e

transferidos ficam, para todos os efeitos de direito, desde já, todos os seus

direitos de preferência à pesquisa e exploração do subsolo dessas mesmas

áreas,[...]que, às concessões ora feitas pelo outorgante, corresponde a

obrigação, para a outorgada, de pagar o preço fixado no processo judicial de

desapropriação das sobreditas áreas, constantes do aludido Decreto,

obrigação essa que se tornará efetiva a partir do momento em que, pelos

interessados, sejam apresentados , nos autos da respectiva ação de

desapropriação, os títulos legítimos que asseguram pela lei direito à

indenização, ou antes se o dito preço fôr estabelecido mediante acordo

47

PROCESSO REABRE CASO DAS JAZIDAS DE BOQUIRA. O Estado de São Paulo. São Paulo, 17

out.1975.p. 14. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19751017-30848-nac-0014-999-14-

not/busca/Boquira> Acesso em: 22 abr. 2016. 48

BRASIL. Decreto n. 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriação por utilidade pública. Diário

Oficial da União, Rio de Janeiro, 21 jun. 1941. Seção 1, p. 14427. Disponível em: <

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3365-21-junho-1941-413383-norma-

pe.html>. Acesso em: 28 mar. 2017. 49

Idem. 50

Idem.

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69

ajustado entre outor - desapropriante e Reus – desapropriados, tornado em

notas públicas; [...].51

Com a desapropriação a mineradora ficaria incumbida de pagar a indenização de uma

parte da área desapropriada em troca de benefícios, como a preferência de pesquisa e

exploração da referida área. A área que já estava ocupada pela mineradora também foi

desapropriada, no entanto, as benfeitorias iriam continuar sendo de seu uso, além das outras

terras que foram desapropriadas. Existe outra escritura pública com essa mesma data, em que

a Mineração Boquira Ltda. passa a ser a outorgante e o Estado da Bahia o outorgado:

[...] pela outorgante [Mineração Boquira Ltda.], por seus representantes, me

foi declarado que, reconhecendo os benefícios que a aludida desapropriação

trará para a região onde se acha radicada por interesses industriais, aceita a

desapropriação, mas, a título gratuito, em relação à parte que lhe diz

respeito, [...] desistindo de tôda e qualquer indenização em dinheiro que lhe

seria devida pelo Estado ora outorgado; que em conseqüência cede e

transfere ao outorgado [Estado da Bahia], como por esta e desde já cedido e

transferido fica, domínio e posse sôbre a superfície do imóvel [...] nas

seguintes condições: 1) Reserva o outorgante, para si, os direitos decorrentes

das autorizações de pesquisa e de lavra em seu favor outorgadas pelo

governo Federal bem como os decorrentes de autorização de pesquisas já

requeridas, mas ainda não concedidas, como se proprietária do solo

permanecesse. 2) Reserva-se ainda, o outorgante o direito à ocupação das

áreas necessárias ao exercício de suas atividades, à ocupação dos prédios

residenciais que se encontram dentro da área desapropriada e que sejam

julgados convenientes ao alojamento de seu pessoal, e do uso das servidões52

apontadas no art. 39 do Código de Minas. (Decreto-Lei n° 1. 985, de 29 de

janeiro de 1940). Esta ocupação e uso serão exercidas gratuitamente livres

das indenizações previstas no art. 40 do mesmo Decreto-Lei n° 1.985, e por

todo o tempo em que a outorgante exercer a suas atividades em qualquer

ponto do atual território do Município de Macaúbas; [...].53

A Mineração Boquira Ltda. enumera, ainda, outras condições visando não ter

prejuízos, como fazer uso das árvores da floresta, bem como fazer reflorestamento; fornecer

água para a população extraída do subsolo, caso essa exceda as necessidades da própria

empresa e nos limites das possibilidades técnicas; se caso o Estado baiano decidisse alienar

total ou parcialmente áreas de terras desapropriadas que não fosse ocupada pela empresa e

presente na escritura, deveria informar a mineradora “para que possa ela usar, dentro do prazo

de doze (12) mêses, da preferência para a sua aquisição, pagando o prêço das benfeitorias que

51

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo do Judiciário, Escrituras, Cartório 320, Caixa 435, n°

3079, fl. 20-21. 52

Quer dizer nesse caso, o uso de propriedades vizinhas para fins da atividade mineral. 53

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo do Judiciário, Escrituras, Cartório 320, Caixa 435, n°

3079, fl. 18-18v.

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70

forem pela ora outorgado ali realizadas” 54

, se caso a mineradora não fizesse uso desse direito

de preferência “a venda que for realizada com terceiros deverá sempre ser feita com os

encargos constantes da presente escritura em tôda a sua plenitude.” 55

Como áreas pertencentes à indústria foram também desapropriadas, a empresa decidiu

abrir mão da indenização que o Estado deveria lhe pagar em troca de algumas condições que a

beneficiasse. Então, percebemos que o intuito da desapropriação foi o de assegurar o

funcionamento da empresa, visto que as condições dadas pela mineradora foram atendidas.

Quanto à indenização que seria feita aos proprietários dos terrenos, não há registro de que

todos os donos receberam, e cogitamos que não, já que por conta do “roubo” feito por

Macário, algumas terras legalmente pertenciam a mineradora, sendo ela própria

desapropriada. O que podemos afirmar é que alguns lavradores não aceitaram a

desapropriação.

Existe uma matéria, intitulada “O escândalo do „caxixe‟ de Boquira”, publicada em

março de 1960 n‟O Semanário que atesta a insatisfação. O periódico versa sobre o caso dos

lavradores desapropriados, dando ênfase à relação do governador Baiano Juraci Magalhães

com o episódio. A matéria sugere que o governador apoiava a indústria de mineração em

Boquira em detrimento dos lavradores. De acordo com o texto:

A parcialidade do governador é tamanha – acrescentam – que se recusou a

ouvir as ponderações do bispo de Caetité, dom José Pedro que o procura

para junto a êle interceder pelos pobres e infelizes posseiros, representando

120 famílias desalojadas de suas terras pelo poderoso e corruptor truste

estrangeiro, Juraci quase pôs para fora do seu gabinete o bondoso prelado!56

Juraci Magalhães (1959-1963), também estava preocupado com o desenvolvimento

capitalista na Bahia. Foi em seu governo que se criou o Plano de Desenvolvimento da Bahia

(PLANDEB), que objetivava a recuperação econômica do estado. Embora não tivesse tido

êxito com o plano, conseguiu realizar várias ações no sentido de avançar no setor industrial,

como a instalação de indústrias petroquímicas e melhoramento das condições de transporte no

estado.57

54

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo do Judiciário, Escrituras, Cartório 320, Caixa 435, n°

3079, fs. 18-19. 55

Ibid., fl. 19. 56

BAIANOS DENUNCIAM O FALSO NACIONALISMO DE JURACI, O ESCÂNDALO DO „CAXIXE‟ DE

BOQUIRA. O Semanário. Rio de Janeiro, 19-25 mar. 1960.p. 5. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=149322&pagfis=3007&url=http://memoria.bn

.br/docreader#>. Acesso em: 27 fev. 2017. 57

GUIMARÃES, 2003, p. 127-135.

Page 71: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

71

A matéria denuncia o que seria um pretenso nacionalismo de Juraci Magalhães, que

em campanha se declarou como defensor dos interesses nacionais, e no caso dos lavradores de

Boquira teria se colocado a favor das empresas estrangeiras. O texto traz informações

importantes sobre o incidente:

E assim foi que menos de 5 meses decorridos desde que assumiu o govêrno

da Bahia, estoura em suas mãos o chamado „caso Boquira‟ vergonhoso

„caxixe‟, protagonizado, de um lado pelo poderoso grupo da „Plumbum‟, e

de outro, por uma legião de pobres lavradores espoliados, enganados e

desprotegidos. No govêrno passado as terras pertencentes aos lavradores

foram criminosamente desapropriadas e mais criminosamente ainda

entregues aos trustes representado pela „Plumbum‟. Tão logo investido no

poder o Dr. Juraci Magalhães declarou a imprensa sôbre o assunto, que o ato

desapropriatório fora obtido mercê de um inquestionável tráfico de

influência daí toda a Bahia ficar pensando que, finalmente, justiça seria feita

nesse caso, que se caracteriza como o mais escabroso dos últimos tempos,

ocorridos no Estado [...].58

Segundo o jornal, Juraci Magalhães logo mudou de atitude quando começou a

negociar a questão, e em reunião com os lavradores argumentou que aqueles „estavam mal

orientados sobre o seus direitos ao subsolo‟, e que o melhor a se fazer era os agricultores

aceitarem a proposta do governo, mantendo a desapropriação,“enquanto a „Plumbum‟ ficaria

obrigada a pagar aos lavradores, Cr$ 400.00 por tonelada de minério obtido”.59

Na ata da Câmara Municipal de Boquira, de nove de maio de 1966, foi transcrita uma

escritura pública de Retificação e Ratificação do contrato firmado em 1959 entre o Estado da

Bahia e a Mineração Boquira Ltda. Na escritura já aparece a assinatura do governador Juraci

Magalhães, citada abaixo. A citação longa justifica-se pela riqueza de dados:

[...] ficando a retificação e ratificação feitas:/ Obriga-se a Mineração Boquira

Ltda: a) – A respeitar que os atuais moradores da Fazenda Boquira,

prossigam em suas atividades agrícolas no perímetro do Núcleo de

Assistência Rural de Boquira – NARB, Salvo nas partes que necessite

ocupar para suas atividades industriais e outras delas consequentes, hipótese

em que porá a disposição dos ditos moradores áreas equivalentes para suas

atividades agrícolas no mesmo Município, Salvo se eles concordarem com

outra solução, encaminhada e firmada com a participação de representantes

do Estado. b) A pôr à disposição dos referidos agricultores, bombeados para

58

BAIANOS DENUNCIAM O FALSO NACIONALISMO DE JURACI, O ESCÂNDALO DO „CAXIXE‟ DE

BOQUIRA. O Semanário. Rio de Janeiro, 19-25 mar. 1960.p. 5. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=149322&pagfis=3007&url=http://memoria.bn

.br/docreader#>. Acesso em: 27 fev. 2017. 59

BAIANOS DENUNCIAM O FALSO NACIONALISMO DE JURACI, O ESCÂNDALO DO „CAXIXE‟ DE

BOQUIRA. O Semanário. Rio de Janeiro, 19-25 mar. 1960.p. 5. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=149322&pagfis=3007&url=http://memoria.bn

.br/docreader#>. Acesso em: 27 fev. 2017.

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72

fora dos poços ou captadas em nascentes, 600m³ (seiscentos metros cúbicos)

de água por dia, no mínimo, para uso agrícola dos mesmos agricultores. c) A

contratar, dentro de 30 (trinta) dias, com empresa idônea, a perfuração de

três (3) ou mais poços, para execução dentro do mesmo prazo oferecido pela

empresa e cuja produção integral será, do mesmo modo e na forma acima,

posto à disposição dos mesmos agricultores, não podendo ser menos de

600m³ ( seiscentos metros cúbicos) de água por dia. d) A construir em

Boquira, no local indicado pelo Estado da Bahia, um prédio escolar, um

posto médico e um clube recreativo, e de contribuir com a quantia de Cr$

2.000.000,00 (dois milhões de cruzeiros) para auxiliar a construção do

ginásio de Macaúbas. e) A considerar [...] e, por conseguinte, disponíveis

para aplicação em exercícios posteriores, os saldos porventura não aplicados

no ano e relativos à verba anual de Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil

cruzeiros) com que se obrigou a contribuir para o NARB e destinada à

melhoria das condições agrícolas da região. f) A garantir um mínimo de Cr$

800.000,00 (oitocentos mil cruzeiros) mensais, a partir de primeiro de

novembro de mil novecentos e cinquenta e nove por conta do „royalty‟ que

se obrigou a pagar aos referidos moradores de Boquira e que se tratam as

escrituras que com eles firmou. g) A pagar aos mesmos moradores, para o

minério exportado com teor acima de 50% (cinquenta por cento) de chumbo

metal, a diferença para mais, sobre a taxa base de Cr$ 400,00 (quatrocentos

cruzeiros) por toda tonelada, proporcional à diferença de teor. h) A aceitar a

fiscalização, pelos mesmos moradores e pelo Estado, sobre a quantidade e

teor do minério embarcado, para efeito de cálculo do royalty a pagar do

mesmo modo como à cumprir o critério que for por eles fixado para sua

distribuição entre os que a ele tenham direito. i) A fornecer mensalmente ao

Estado e os mesmos moradores uma conta corrente relativa ao movimento

do royalty referido. [...] 60

Como se vê, o governo tentou fazer uma conciliação entre a empresa e os agricultores

para garantir a exploração do minério. Desapropriou os terrenos e em troca disso a mineradora

teria que pagar os royalties, oferecer água aos lavradores, construir uma escola, posto médico,

clube, criar e manter um núcleo de assistência rural (NARB). Então ficaria a cargo da empresa

oferecer uma série de benefícios aos agricultores desapropriados e demais moradores de

Boquira.

O vereador que requisitou a apresentação da escritura na Câmara dos vereadores de

Boquira, Narciso Pereira dos Santos, solicitou também que fosse enviada uma cópia para o

prefeito da cidade e outra para o gerente da Mineração Boquira S/A. Narciso Santos e

Joaquim Almeida Rodriguês61

, integrantes da legislatura de 1963 a 1966, foram os dois

únicos vereadores que em algum momento apresentaram opinião contrária aos demais quanto

à atuação da empresa, e apenas esses dois fizeram referência a situação dos lavradores na

Câmara.

60

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 10-08- de abril de 1963, a 31 de dezembro de 1968.

Fl. 60 v. 61

Não conseguimos registros das siglas partidárias dos vereadores.

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A solicitação do documento e sua leitura na sessão da Câmara, bem como o

encaminhamento para o prefeito e o gerente da indústria, nos sugere que o convênio não

estava sendo cumprido de acordo com o estabelecido. O vereador estava ali exercendo o papel

de lembrar as autoridades, sobre o que tinha sido firmado há sete anos. Em 29 de novembro

de 1963, em uma sessão da Câmara, pediram a palavra Narciso Santos e Joaquim Rodriguês.

Os dois pretendiam esclarecer porque deixaram de assinar um contrato entre a prefeitura e a

Mineração Boquira. Em ata ficou registrado que:

[...] tendo solicitado a palavra os senhores vereadores Narciso Pereira dos

Santos, e Joaquim Almeida Rodriguês, [...] para comunicarem a esta Câmara

de vereadores que deixaram de assinar o contrato firmado entre a Prefeitura

Municipal de Boquira e as Cias. Mineração Boquira S.A. e a Companhia

Brasileira de Chumbo Cobrac, sobre a concessão de energia elétrica a esta

prefeitura, por discordarem dos têrmos do contrato, que não assegura

nenhum direito a esta prefeitura.62

Percebemos uma clara oposição desses vereadores à Mineração Boquira S.A, aos

outros vereadores e ao prefeito. Curiosamente, eles só participaram da primeira legislatura de

1963-1966. A ata nos permite refletir, ainda, sobre a relação mantida entre a prefeitura e a

empresa. O contrato estabelecido entre elas sugere a participação da empresa no âmbito

administrativo do município. Em outra ocasião, em seis de novembro de 1964, no momento

de votação final da proposta orçamentária para o exercício de 1965 observamos que a

proposta foi aprovada, mas os vereadores da oposição se recusaram a votar, alegando

arbitrariedade do prefeito.

Submetida a votação, obteve quatro votos, favoráveis a aprovação, tendo

dois votos, contrários. Em continuação, o senhor presidente declarou

franqueada a palavra, que foi solicitada pelo vereador Narciso Pereira dos

Santos, para declarar que deixou de votar pela aprovação da proposta

orçamentária do exercício de 1965, porque o senhor prefeito não precisa dos

votos dos vereadores que lhe fazem oposição, como também porque o

senhor prefeito até hoje não executou nenhum dos projetos apresentados e

aprovados pelos os senhores vereadores. A palavra foi também usada pelo

senhor vereador Joaquim Almeida Rodrigues para dizer que confirmava seu

pedido de água e luz para esta cidade. Não em convênio com a Companhia e

sim pela a prefeitura. 63

Aqui verificamos que de fato esses dois vereadores faziam oposição ao prefeito José

Lins da Costa, natural de Salvador. O prefeito era médico e funcionário da mineradora.

62

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 10-08- de abril de 1963, a 31 de dezembro de 1968.

Fl. 26 v. 63

Ibid., fl. 38 v., 39.

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74

Quando Narciso Pereira dos Santos diz que o prefeito não precisava dos votos da oposição,

quis enfatizar que a maioria dos vereadores o apoiava. Aparece outra vez a insistência de

Joaquim Rodrigues, em querer que a prefeitura fosse mais autônoma recusando os convênios

com a mineradora, isso demonstra também o quanto a empresa participava da administração

do município.

Descobrimos que Joaquim Rodrigues era também proprietário dos terrenos que foram

desapropriados para a mineração. No dia 14 de maio de 1965, o vereador Olavo Figueiredo

Costa, leu uma moção felicitando o dia em que a localidade denominada Assunção mudou seu

nome para Boquira, em quinze de maio de 1935. De acordo com o vereador:

Boquira quer dizer terra vermelha, justamente mostrando que o nosso lugar o

seu solo é da cor do sol, este astro que traz riqueza, sorte e tudo enfim para a

humanidade. E tantos outros lugares do Brasil que têem nome indígena

correspondente ao que eles são. E, parecendo que a mudança de nome trouxe

sorte para o lugar, é que hoje aquele que em 1935 era distrito, hoje é

município de valor, pois no seu solo estava escondido a maior mineração ou

maior minério de chumbo do mundo. Estamos de parabéns. Cantemos hino

ao Município que se desenvolve a passos largos trazendo progresso, riqueza,

paz e felicidade para a Bahia e para o Brasil. Portanto, viva 15 de maio de

1935. [...] Em seguida solicitou e obteve a palavra o sr. Vereador Joaquim de

Almeida Rodrigues, que a nossa Boquira é uma terra rica e dar viva para o

Brasil ser dono da nossa terra. Mas o Brasil deve punir os pobres dono

dessas terras que vem da paternidade. Eu vereador Joaquim de Almeida

Rodrigues dono de terras e outros donos de terras e águas sofrendo falta da

riqueza de Boquira, por isso apelo pelo Brasil procurar os documentos que

veio da paternidade se os legítimos donos não estão em sofrimento. Mesmo

assim dou vivas ao Brasil, porque sou brasileiro e peço deferimento.64

Enquanto o vereador Olavo Costa elogiava a riqueza e o desenvolvimento de Boquira,

Joaquim Rodrigues fez questão de lembrar a situação dos lavradores que eram os donos das

terras e, segundo seu julgamento, não estavam tendo acesso à riqueza do lugar. Mais uma vez

aparece a sugestão de que os agricultores não estavam sendo favorecidos com as cláusulas

firmadas no contrato entre o Estado e a mineradora. Na Câmara Municipal Joaquim

Rodrigues representava a minoria, portando, uma voz isolada dentro daquela lógica de poder

estabelecido. Em sete de junho do mesmo ano, Joaquim Rodrigues fala novamente sobre as

terras:

Levar ao conhecimento do Departamento das municipalidades da moção da

grande riqueza de Boquira, que não está no conhecimento de quem tem

64

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 10-08- de abril de 1963, a 31 de dezembro de 1968.

Fls. 43v, 44.

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75

terrenos legalizados e nem suas águas em suas mãos. Procure nos cartórios

os contratos de quem são donos. Os donos que eu conheço estão todos em

miséria. Peço deferimento.65

Percebemos a contradição no cenário social de Boquira dentro da própria Câmara

Municipal, de sujeitos que representavam um dado grupo social. Joaquim Rodrigues

claramente estava ali tentando colocar a questão dos lavradores em pauta. Sugerimos que a

sua posição não significava muito dentro daquele quadro, já que entre oito vereadores, apenas

Narciso Santos parecia ter um posicionamento parecido. Nas reuniões, Joaquim Rodrigues

apelava para que fosse lembrada a condição precária em que estavam os lavradores e se

fizesse algo no sentido de minimizar a situação.

Em seis de maio de 1966, Narciso Santos se pronuncia na sessão da Câmara dizendo:

“nunca deixei de aprovar as contas do sr. Prefeito a fim de não cortar o bem estar do nosso

município. Mesmo que os projetos da bancada oposicionista se acha até essa data

engavetada”.66

Ao que indica a fonte, aqueles que faziam oposição ao prefeito não

conseguiam que projetos fossem desenvolvidos, então, de fato o posicionamento desses

vereadores não possuía força naquele cenário.

A geógrafa Iracema Oliveira discute em seu estudo a relação existente entre a

mineradora e os prefeitos. Constrói uma tabela com o nome de todos os prefeitos (de 1962,

quando Boquira se emancipou, até 1992, fim das atividades de mineração), o período que

cada um exerceu o mandato e o cargo que possuía na empresa. Conclui que, de todos os

prefeitos, em um total de seis, apenas um não desempenhou um cargo na mineradora, sendo

que dois exerceram dois mandatos. A geógrafa entende que os prefeitos e alguns vereadores

estavam ali para defenderem os interesses da indústria.67

Foi o que notamos na análise que fizemos das atas da Câmara Municipal. Até 1979,

período em que nossa pesquisa abrange, vimos que a maioria dos vereadores estavam de

acordo com a relação que se estabelecia entre a prefeitura e a indústria de mineração.

Voltaremos a esse assunto mais adiante.

65

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 10-08- de abril de 1963, a 31 de dezembro de 1968.

Fls.46 v., 47. 66

Ibid., fl.59. 67

OLIVEIRA, 2011, p. 30, 32.

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76

2.3. Denuncias do convênio ganham visibilidade

No jornal O Estado de São Paulo se realizou uma série de matérias tratando de

conflitos envolvendo a Peñarroya, multinacional francesa. Sobre denúncias feitas contra a

empresa. Ademais, organizou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as

atividades das multinacionais no país. A Peñarroya foi acusada por dois deputados, J.G. de

Araujo Jorge (MDB-RJ) e Nóide Cerqueira (MDB-BA), por contrabando de prata, chumbo e

aço, sonegação de impostos, corrupção e assassinatos. Segundo o jornal, os parlamentares

falaram sobre a desapropriação dos terrenos:

Em defesa das propriedades, os agricultores contrataram o advogado

Arnaldo Rodrigues Silveira que, de acordo com os parlamentares perdeu

propositadamente a causa. O advogado passaria a ocupar, em seguida, o

cargo de diretor da Companhia Brasileira de Chumbo que se formara para

aproveitar o minério do Morro do Cruzeiro. Sem recursos para explorar o

minério, o padre Macário associou-se ao grupo Peñarroya, cujo controle de

capital pertence ao grupo Rotschild da França. Logo depois, o grupo

Peñarroya firmou um convênio com o Estado da Bahia, então governado por

Juracy Magalhães, pelo qual as áreas de mineração foram desapropriadas

pelo poder público e doadas a firmas de mineração do grupo Rotschild.68

A fonte sugere que o advogado contratado pelos agricultores teria desistido da causa,

por ter sido persuadido pela mineradora, e teve como recompensa um cargo na empresa. De

fato, Arnaldo Rodrigues Silveira aparece como diretor da COBRAC em ata da empresa,

publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo no ano de 1970.69

Publicações de vários

jornais do país (citamos algumas) evidenciam que o problema ganhou visibilidade e que

durante a década de 1970, muitos anos depois da desapropriação e da instituição do convênio,

a questão ainda estava sendo debatida.

O livreto compilado por Alexandria Pontes, ao qual já nos referimos, trata sobre as

ações dos advogados no caso dos agricultores de Boquira. Diz que os agricultores moveram

ações por meio do trabalho de dois advogados, o primeiro perdeu a ação e o segundo

desapareceu sem dar satisfação, mesmo os agricultores tendo pago os honorários. O primeiro

foi Arnaldo Rodrigues da Silveira, que depois passou “a ocupar o cargo de direção em uma

68

CPI DE MULTINACIONAIS CONVOCOU QUATRO MINISTROS. O Estado de São Paulo. São Paulo, 12

set. 1975.p. 31.Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19750912-30818-nac-0031-999-31-

not/busca/Boquira>. Acesso em: 22 abr. 2016. 69

MINERAÇÃO BOQUIRA S.A...Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 29 ago. 1970.p.20.

Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4927218/pg-20-ineditoriais-diario-oficial-do-estado-de-

sao-paulo-dosp-de-29-08-1970/pdfView>. Acesso em: 17 fev. 2017.

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77

das empresas contra quem advogava, fato que até hoje tem provocado os mais diversos

comentários nos meios judiciários da Bahia”.70

Ainda de acordo com o documento, o segundo advogado, Cístenes de Oliveira, havia

comentários que teria sido instruído para que não mais advogasse na comarca de Macaúbas. O

advogado teria deixado uma carta a um amigo em que expressava sua revolta sobre „a

manifesta intromissão da mineração (Boquira) na política local e a suspeitabilidade do Juiz e

do Promotor, comprometidos com a Mineração, de quem recebem favores e benesses‟71

. Diz

ainda que os trabalhadores naquele momento não possuíam mais recursos para contratar

advogados e a opção que lhes restou foi a de se manifestarem, por meio da imprensa, “para as

autoridades maiores do Estado e da República no sentido de que sejam tomadas providências

saneadoras visando a resguardar os seus direitos”.72

Portanto, apresentamos mais um indício de que os advogados contratados pelos

agricultores foram de algum modo convencidos pelos dirigentes da indústria mineira a

abandonarem a causa. Diante da situação, notamos que os agricultores resolveram recorrer à

imprensa, por não possuírem mais dinheiro para contratar advogados. No Jornal O Estado de

São Paulo foram realizadas diversas matérias ao longo da década de 1970 que faziam

referência ao caso dos agricultores e da mineradora em Boquira. Cremos que o interesse desse

órgão de imprensa em divulgar essas informações esteve relacionado à repercussão que o

assunto ganhou no período, especialmente devido à atuação do jornalista Alexandria Pontes,

natural de Boquira. O jornalista escreveu diversos artigos denunciando a mineradora em

Boquira. Além disso, a empresa estava sendo investigada por uma CPI que inquiria as ações

das multinacionais no país, incluindo a mineradora de Boquira.

Em 8 de outubro de 1976, outra matéria, no mesmo jornal, tratou da denúncia que fez

o deputado emedebista, Aristeu Almeida, acerca dos abusos da mineradora em Boquira:

O deputado emedebista Aristeu Almeida protestou ontem, contra „os abusos

que a mineração Boquira S.A vem praticando em detrimento dos agricultores

locais‟, antigos proprietários de terra, aos quais, segundo ele, a empresa deve

7,9 milhões de dólares. Em discussão na Assembleia Legislativa, Aristeu de

Almeida pediu ao governo do Estado e à justiça baiana que intercedam em

favor dos lavradores de Boquira, investigando quanto a mineradora lhes

deve. Alertou para „a sonegação de impostos, contrabando de ouro e prata,

além de suborno de advogados e autoridades pela Boquira.‟

Utilizando um quadro estatístico elaborado com base em dados de anuários

do IBGE. Anuário Mineral do DNPM e publicações do tipo „Perfil Analítico

70

PONTES, 1976, p. 19. 71

Ibid., p. 20. 72

Idem.

Page 78: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

78

do Chumbo‟; também do DNPM. O deputado tentou demonstrar que a

Boquira e sua associada a COBRAC situada em Santo Amaro da Purificação

produziram 263 945 quilos de ouro e 87 962 quilos de prata, entre 1960 e

1975, além de 450 mil toneladas de chumbo concentrado, entre 1955 e 1975.

„Isso tudo – disse Almeida- sem levar em conta a parte que a mineradora

deixou de declarar, já que não existe fiscalização de suas atividades‟. 73

O deputado não deixa claro porque ele falou da dívida da mineradora para com os

agricultores, fazendo um levantamento sobre o quanto a mineradora estava faturando. No

entanto, aparece na mesma matéria o assunto do convênio entre a mineradora e o governo da

Bahia, descumprido pela primeira. Então, é possível inferir que a indústria de mineração não

estava pagando aos agricultores o que foi estabelecido no convênio.

De acordo com a narrativa do jornalista Rabelo, mencionada anteriormente, depois de

ouvir as reclamações dos agricultores, ele decidiu então ouvir a versão da empresa, junto com

o amigo Alexandria Pontes. O trecho é um relato que o jornalista faz sobre o posicionamento

da empresa, incluindo tons de ironia. Mas, podemos supor que os dirigentes não iriam se

posicionar de outro modo, mas sim, colocar os benefícios que a empresa gerou para o lugar:

Como não podia deixar de acontecer, nada do que havíamos apurado entre os

lavradores foi sequer referido nas declarações dos dirigentes da empresa.

Pelo contrário, na sua versão, a mineração de chumbo era fonte de benéficos

para o município, que possuía um bonito clube, com piscina, onde se

reuniam os sócios do Lions‟Club, uma vez por semana, a atestar que tudo

corria muito bem, havendo perfeito entrosamento entre os objetivos da

mineração e das classes produtoras de Boquira. Queixas, se houvesse, não

passavam da manifestação de ingratidão dos eternos descontentes, que

sempre existem em toda coletividade. Eram resmungos de fracassados na

labuta sempre árida do campo. Mas a empresa de mineração havia

construído um hospital, uma escola, além de ser a maior contribuinte para os

cofres da prefeitura de Boquira.74

Da forma como escreve o jornalista, a fala dos dirigentes aparece como se a

construção do hospital e de uma escola fosse uma dádiva da empresa, sendo que só foi feito

por conta do convênio que fez com o governo da Bahia. É possível perceber a imagem que

tentavam criar da indústria, como se ela houvesse levado apenas benefícios para Boquira. Tal

posicionamento tentava encobrir e/ou minimizar os conflitos.

73

DEPUTADO DENUNCIA ABUSOS DA BOQUIRA.O Estado de São Paulo. São Paulo, 8 out.1976.p.28.

Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19761008-31150-nac-0028-999-28-not/busca/Boquira>.

Acesso em: 23 abr. 2016. 74

RABELO, 1974.p. 4.

Page 79: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

79

Como já foi dito, o convênio entre o governo baiano e a mineradora foi tema de várias

matérias do Jornal O Estado de São Paulo. Em 17 de outubro de 1975 o jornal noticiou:

“Processo reabre caso das jazidas de Boquira”:

A advogada Aldenoura de Sá Porto dará entrada, nos próximos dias, na

justiça de São Paulo, a uma ação contra a Mineração Boquira S.A, visando a

prestação de contas do convênio assinado há 20 anos entre a empresa e o

governo da Bahia, pelo qual a mineradora é obrigada, entre outras coisas, a

pagar royalties aos posseiros das terras onde são exploradas minas de

chumbo e a manter um núcleo de assistência rural. Aldenoura de Sá Porto

denuncia diversas irregularidades, em nome de cerca de 20 posseiros de

Boquira. Segundo ela, a empresa desde o início não vem cumprindo o

convênio e, por outro lado, controla o município com mão de ferro,

instituindo ali um verdadeiro terror.75

Ao que indica a matéria, os agricultores abriram um processo com o objetivo de forçar

a prestação de contas do convênio firmado em 1959. No texto diz que vinte lavradores

entraram com a ação, mas não devemos perder de vista que os nomes das esposas e filhos

talvez não tivessem incluídos. Então, como indicado, o convênio não se cumpriu como se

firmou no contrato. Ainda nessa matéria existe uma justificativa dada por um dos posseiros

sobre o porquê de contratar uma advogada do Estado de São Paulo:

Mas, como na Bahia „todos os advogados e mais uma porção de gente foram

comprados pela Boquira‟, segundo Joaquim Angelo, um dos posseiros, o

processo acabou em São Paulo, nas mãos da advogada Aldenoura de Sá

Porto, que já conseguiu, pelo menos, fazer aparecer o processo da ação

rescisória, que somente nas mãos de um advogado baiano passou cinco anos

engavetado.76

O lavrador afirma que na Bahia não foi possível dar andamento ao processo porque os

próprios advogados acabavam sendo influenciados pela indústria de mineração. Essa mesma

afirmação pode ser atestada em outras fontes, como vimos acima. Não sabemos porque os

lavradores demoraram vinte anos para entrar com esse processo de prestação de contas, talvez

a questão de não encontrarem na Bahia um advogado disposto a levar até as últimas

consequências o processo contra a mineradora, somada aos parcos recursos dos agricultores,

justifiquem a demora. Vimos que denúncias sobre a situação dos antigos donos das terras não

75

PROCESSO REABRE CASO DAS JAZIDAS DE BOQUIRA.O Estado de São Paulo.São Paulo, 17

out.1975.p.14.Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19751017-30848-nac-0014-999-14-

not/busca/Boquira> Acesso em: 22 abr. 2016. 76

PROCESSO REABRE CASO DAS JAZIDAS DE BOQUIRA.O Estado de São Paulo.São Paulo, 17

out.1975.p.14.Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19751017-30848-nac-0014-999-14-

not/busca/Boquira> Acesso em: 22 abr. 2016.

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80

deixaram de ser feitas, como demonstramos com as atas da Câmara de vereadores, mas

podemos supor que não era do interesse de quem estava no poder, tanto na prefeitura de

Boquira quanto no governo do Estado, de intervirem em favor dos agricultores.

Em 17 de setembro de 1976, o Estado de São Paulo pronunciou “relatório oficial é

recusado” se referindo ao relatório feito pela Secretaria da Agricultura da Bahia sobre a

fiscalização do convênio:

Isentando a Mineração Boquira das acusações de não cumprir cláusulas de

um convênio assinada pela empresa com o governo baiano, em prejuízo dos

agricultores antigos proprietários das terras onde se situa a mineradora, foi

considerado incompleto e devolvido, no início da semana pela Procuradoria

Geral do Estado. 77

Então, foi feito nesse momento um relatório que inocentava a mineradora das

acusações, sendo rejeitado. Notamos que foi forjado um relatório em favor da mineradora, o

que, mais uma vez, atesta a influência exercida por aquela empresa. Em sete de junho de

1979, o mesmo periódico informa sobre um reestudo que o governo faria em relação ao

convênio. Diz:

Ao anunciar ontem a disposição de reavaliar o convênio, o secretário da

Agricultura do Estado, Renan Baleeiro, admitiu a hipótese de punir a

Boquira, embora tivesse ressalvado que ao iniciar a reavaliação, “o governo

não tem qualquer posição preconcebida”.78

Decorridos três anos da recusa de um relatório que objetivava a fiscalização do

convênio, o Estado da Bahia se comprometeu a retomar o estudo do convênio. Em 19 de julho

de 1979, O Estado de São Paulo voltou a noticiar: “Será denunciado convênio da BA com a

Boquira”:

Por determinação do governo Antônio Carlos Magalhães, a Procuradoria

Geral do Estado deverá denunciar nos próximos dias o convênio firmado há

mais de 20 anos entre o Estado da Bahia e a Mineração Boquira, subsidiária

do grupo francês Penaroya. Pelo convênio, a Boquira obriga-se a promover

diversos benefícios para os agricultores da área onde se localiza a mina que

explora, a 650 quilômetros de Salvador, mas depois de uma inspeção feita

77

RELATÓRIO OFICIAL É RECUSADO. O Estado de São Paulo. São Paulo, 17 set. 1976.p.15. Disponível

em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19760917-31132-nac-0015-999-15-not/busca/Boquira>.Acesso em:

23 abr. 2016. 78

GOVERNO BAIANO REESTUDA CONVÊNIO. O Estado de São Paulo. São Paulo, 7 jun. 1979.p.22.

Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19790607-31971-nac-0022-999-22-

not/busca/Boquira>.Acesso em: 22 abr. 2016.

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81

recentemente na área, o governo do Estado concluiu que a Mineração

Boquira não vem cumprindo sua parte no convênio.79

Quatro anos depois da matéria tratando sobre o processo aberto pela advogada

Aldenoura Porto, o mesmo jornal noticiou que seria feita uma denúncia pela Procuradoria

Geral do Estado contra o convênio, por este não ter sido cumprido pela mineradora. A

denúncia só ocorreu três meses depois, em 31 de outubro de 1979. O Estado de São Paulo

noticiou: “Bahia denuncia convênio com mineradora”:

O governo baiano decidiu ontem denunciar o convênio que mantém com a

mineração Boquira desde 1959, pelo qual a empresa subsidiária da

multinacional Peñarroya, obrigava-se a promover diversos benefícios aos

agricultores da área onde explora minério de chumbo, a 650 km de Salvador.

A empresa é acusada pelos agricultores de não cumprir o convênio e de três

crimes de morte.80

A fonte evidencia que o convênio realmente não estava sendo cumprindo pela

indústria de mineração. É possível supor que o governo tenha feito a inspeção relacionada ao

cumprimento do convênio, por ter sido pressionado a fazê-lo. Alguns indícios convergem para

tal interpretação, a exemplo das denúncias terem ganhado visibilidade nacional, devido à ação

da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigava as ações da multinacional, e das

matérias sobre o processo aberto pela advogada Aldenoura de Sá Porto, e outras envolvendo a

multinacional Peñarroya. Apesar da repercussão, é curiosa a demora do governo baiano em

rever o convênio, somente quatro anos depois que o processo de prestação de contas foi

aberto.

O Estado protelou a situação por muito tempo. O governador desse período, Antônio

Carlos Magalhães, conhecia muito bem a mineradora em Boquira. Inclusive chegou a receber

título de cidadão Boquirense em 1974. O então governador visitou Boquira na ocasião da

inauguração da Rodovia Estadual (BA – 156), que ligava Boquira a Rodovia Federal (BR-

242). A Revista dos Municípios Brasileiros (ALFA) faz a reportagem, intitula “Boquira,

maior produtor de chumbo do Brasil, recebe a visita do governador”.81

O prefeito da cidade

79

SERÁ DENUNCIADO CONVÊNIO DA BA COM A BOQUIRA.O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 jul.

1979.p.39. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19790607-31971-nac-0022-999-22-

not/busca/Boquira>. Acesso em: 22 abr. 2016. 80

BAHIA DENUNCIA CONVÊNIO COM MINERADORA. O Estado de São Paulo. São Paulo, 31 out.

1979.p.27. Disponível em:<http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19791031-32096-nac-0027-999-27-

not/busca/ Penarroya>. Acesso em: 22 abr. 2016. 81

BOQUIRA, maior produtor de chumbo do Brasil, recebe a visita do governador. Alfa, Salvador: Clodomiro

Alves LTDA, n. 22, nov. 1974.

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82

entregou a Antônio Carlos Magalhães o título de „Cidadão da Região‟. Em agradecimento o

governador fez o seguinte pronunciamento:

Esta região que é tão rica, viveu até bem pouco ilhada, sem nenhum meio

pelo qual pudesse escoar as suas riquezas, mas agora, com a inauguração da

BA – 156 ( ligação BR- 242/ Oliveira dos Brejinhos / BOQUIRA/

Macaúbas) ela se integra definitivamente a todo o Estado, passando assim a

contribuir para o seu desenvolvimento econômico e social.82

Ainda de acordo com a reportagem:

Após a solenidade, o chefe do executivo baiano percorreu as instalações da

fábrica inteirando-se do seu funcionamento e dos detalhes da sua linha de

produção, ouvindo técnicos e diretores da empresa que destacaram a „ajuda

inestimável do Governo Antônio Carlos Magalhães para o desenvolvimento

do empreendimento, que muito significa para a economia do país, do Estado

e, particularmente, para a região de BOQUIRA‟.83

A revista Alfa, visivelmente, procurava elogiar os feitos do governador baiano. Mas o

que nos interessa aqui é demonstrar que o governo vinha apoiando o desenvolvimento da

indústria, com a construção da BA 156 que facilitou o transporte para a empresa. Tal medida

era compatível com o que Carla Pereira, em seu estudo sobre o governo de Antônio Carlos

Magalhães, sugere acerca do seu “alinhamento as concepções desenvolvimentistas do regime

militar [o que] garantiu ao [seu] governo [...] uma estrutura federal que favoreceu o

desenvolvimento da economia baiana” no período de 1971 a 1975.84

De fato, impulsionar o

desenvolvimento da indústria na Bahia, era uma das questões chaves daquele governo:

Dentro da perspectiva de desenvolvimento econômico e industrial do Estado,

construiu o Porto de Aratu, através do qual a Bahia escoaria a maior parte da

sua produção agrícola e industrial, a estrada do feijão (Irecê) e, além disso,

criou cinco distritos industriais no interior do estado nos municípios de

Ilhéus, Conquista, Jequié, Juazeiro e Itaberaba [...].85

A participação do Estado, naquele momento, era uma condição importante para o

desenvolvimento do setor industrial. Na ocasião do “I Simpósio Nacional de não ferrosos”

que aconteceu em Brasília em 1975, o Ministro das Minas e Energias, Shigeaki Ueki,

sinalizava a relevância do auxílio do governo para a iniciativa privada no setor mineral:

82

ALFA, 1974. 83

Idem. 84

PEREIRA, Carla Galvão. Continuidade ou mudança? Análise comparativa entre os governos de Antônio

Carlos Magalhães em 1971-1975 e 1991-1995. 2007. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais) –

Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007. Disponível em:

<http://www.ppgcs.ufba.br/site/db/trabalhos/142013093638.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.p. 13-14. 85

Ibid., p. 66.

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83

Geralmente, os minérios estão nos locais onde inexistem infra-estruturas de

apoio. Como o seu aproveitamento e a sua industrialização representam um

polo de desenvolvimento, criando condições para expansão de outros

setores, o governo deverá criar a infra estrutura sob sua responsabilidade,

investindo, antecipadamente os recursos fiscais que serão arrecadados após o

início das atividades. Se o governo não tomar essa providência e transferir

toda essa responsabilidade para as empresas do setor, dificilmente haverá

condições para a industrialização. [...] Naturalmente, o assunto deve ser,

examinado casuisticamente e o governo está pronto para receber as

propostas das empresas.86

Logo, era importante para o crescimento dessas empresas o apoio governamental, e o

Ministro estava ali destacando que a condição para a própria industrialização no país dependia

dessa ajuda do governo. Para o Ministro, os incentivos ao setor de mineração, nesse caso, dos

minerais não ferrosos, eram de muita importância para o Brasil, pois o país naquele momento

não era autosuficiente na produção de alguns desses minerais, como o chumbo, o zinco e o

cobre.

Não sabemos até que ponto o governador tinha conhecimento sobre a situação do

convênio e dos agricultores, mas sugerimos que, devido ao caso ter ganhado expressão

nacional, aparecendo em vários jornais do país, o governo baiano decidiu interferir e no final

fazer a denúncia do convênio. O que nos faz pensar assim é que era obrigação do próprio

Estado baiano, como firmado no contrato em 1959, fiscalizar o referido convênio. No entanto,

o próprio Estado também não vinha cumprindo sua parte no acordo.

Pedro Campos, baseado em Gramsci, lembra que as ações do Estado não devem ser

vistas separadas das relações sociais, das organizações das classes sociais e suas frações

presentes na sociedade civil, diz que para compreender a ditadura civil-militar brasileira:

Não basta apenas enfocar os sujeitos que lideraram as agências dos aparelhos

de Estado entre 1964-1985 – especificamente os militares, como é mais

usual na bibliografia – mas também as classes sociais e frações de classe, os

organismos da sociedade civil e sua representação junto ao aparelho estatal,

de modo a explicar as medidas e políticas implantadas no período.87

86

UEKI CONDICIONA APOIO ÀS MULTINACIONAIS. O Estado de São Paulo. São Paulo, 13 ago.

1975.p.25. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19750813-30792-nac-0025-999-25-

not/busca/Boquira>. Acesso em: 22 abr. 2016. 87

CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A Ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção

pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985. 2012. Tese (Doutorado em História

Social) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012. Disponível em: <

http://www.historia.uff.br/stricto/td/1370.pdf >. Acesso em: 17 mar. 2017.p. 29.

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84

Em outras palavras, o autor quis dizer que não se pode deixar de analisar a influência

que determinado grupo social ou frações de classe exerce no aparelho do Estado, e como suas

políticas podem explicar essas relações. Com isso querermos argumentar que o Estado baiano

estava ali também para defender os interesses do empresariado industrial. A política

desenvolvida pelo governador ACM demonstra isso. Ademais, o desenvolvimento industrial

compunha o projeto político do governo do país naquele momento, e como demonstramos ao

longo desse trabalho a partir de 1950 na Bahia e no país houve uma grande preocupação em

relação ao crescimento desse setor.

Sendo assim, nesse conflito entre os lavradores e os industriários de Boquira fica

evidente que os empresários representavam uma força política maior. Ainda que a situação

dos agricultores tenha ganhado a atenção do Estado, isso se deu por conta do longo período de

luta travado por eles em que denunciavam as negligencias da mineradora e do próprio Estado.

Segundo Mendonça, também fundamentada em Gramsci, o Estado não representa

apenas o interesse de uma dada classe, grupo ou fração de classe, mas é uma “expressão

universal de toda a sociedade, incorporando até mesmo as demandas e interesses dos grupos

subalternos, mesmo que deles extirpando sua lógica própria”.88

Claro que essa representação

feita pelo Estado em relação a determinado interesses e demandas de grupos, não pode ser

entendida separada das próprias disputas presentes nas relações sociais, as lutas entre as

classes ou grupos antagônicos e até mesmo as disputas no interior de uma mesma classe ou

grupo.

O jornalista Francisco Alexandria, durante a década de 1970, fez várias denúncias

contra a multinacional francesa, e o jornal O Estado de São Paulo faz referência a elas, ao

registrar que “[...] essas denúncias são formuladas também pelo jornalista Francisco

Alexandria, nascido em Boquira, e que há quatro anos mantém uma campanha denunciando

pela imprensa as irregularidades cometidas pela empresa.” 89

Mesmo passando muito tempo

após o estabelecimento do convênio, os agricultores de Boquira não desistiram de reclamar os

seus direitos, que vinham sendo negados pela indústria de mineração, e encontraram no

jornalista conterrâneo um aliado na divulgação da situação vivenciada por eles. Sobre as

ações de Francisco Alexandria trataremos mais detidamente no próximo capítulo.

88

MENDONÇA, Sônia Regina de. O Estado ampliado como ferramenta metodológica. Marx e o Marxismo,

v.2, n.2, p. 27-43, jan. jul./ 2014. Disponível em:

<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:TjuREaQumcwJ:www.niepmarx.com.br/revistadoniep

/index.php/MM/article/download/35/32+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br >. Acesso em: 23 mar. 2017. p. 34. 89

NA BA, SECRETARIA MANDA INVESTIGAR O CASO DE BOQUIRA. O Estado de São Paulo. São

Paulo, 6 ago. 1976.p.27. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19760806-31096-nac-0027-

999-27-not/busca/ Boquira>.Acesso em: 23 abr. 2016.

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85

Em outro documento, um livro autobiográfico de Eurípedes Bonfim,90

ex-funcionário

da mineradora e ex prefeito de Boquira, que, segundo o autor, teve sua vida marcada por

perseguições dos dirigentes da indústria, faz referência entre a relação da mineradora e os

donos das terras:

[...] Novato ainda na empresa, eu não conseguia entender porque a

Mineração tratava tão bem aos seus funcionários, pagava bem, com

gratificações de dois salários no final do ano, e ao povo do lugar, que eram

os legítimos proprietários das terras, não tinham direitos a reclamações,

mesmo havendo esses direitos passados em documentação em cartório.

Descobri também que as autoridades locais e da cidade de Macaúbas- BA da

qual Boquira era município, eram manobrados pela Mineração Boquira, que

na época tinha como Chefe, o português Carlos França e como chefes

imediatos, os franceses André Prieto et Henry Granger.91

Quando Bonfim se refere aos altos salários, ele fala dos salários daqueles que

ocupavam cargos especializados, como no caso dele, que era radiotelegrafista. Segundo ele

seu salário na mineradora era alto quando comparado ao que geralmente se pagava na época.

Na entrevista realizada com o ex- gerente financeiro da mineradora, Aristóteles Mota,

percebemos em sua fala que ele tece muitos elogios a multinacional francesa:

[...] Não, é uma empresa, seguinte, ela no (conceito) trabalhista... [...] eu

trabalhei lá esses anos todos, nunca um empregado foi embora, ou mandado

embora, por falta grave ou por justa causa ou espontaneamente, pagava tudo,

aviso prévio [...] uma empresa... não saiu ninguém lá, por justa causa... e o

ambiente também de trabalho era muito... nós era uma família,

principalmente o pessoal [...] agente tinha uma união danada... uma empresa

muito boa viu... (esses dias) eu vim de Salvador com um amigo meu, a gente

conversando sobre esse assunto “rapaz eu nunca vi uma empresa, como eu

acho que não tem mais aqui” lá no meu trabalho além do décimo terceiro...

[...] meses de gratificação por ano a cada três meses de trabalho eu tinha

direito de ir pra Salvador com ou no avião da empresa [...] passava cinco

dias lá, pago pela mineração [...] além do carro que eu usava da empresa, e o

meu particular (a mineração dava) quarenta litro de gasolina por mês, todo

final de semana tinha lá o NARB e antes tinha [...] que plantava horta tudo

quanto era verdura tinha [...] hospital, médico, telefone, luz,água, jardineiro,

eu tinha um jardineiro que tomava conta da casa [...].92

Nesse relato é possível perceber que os funcionários que ocupavam cargos com uma

remuneração melhor, como o de gerência, por exemplo, possuíam várias regalias. Talvez por

isso o entrevistado enaltece tanto a empresa. Outro trecho importante é quando ele fala do

Núcleo de Assistência Rural (NARB) que, ao que parece estava de fato beneficiando aos

90

BONFIM, Eurípedes. Nem tudo está perdido. [S.I.: s.n., 199-]. 57p. 91

BONFIM, 199-, p., 12. 92

MOTA, 2012.

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86

funcionários da empresa, embora não saibamos até que ponto esteve dando assistência aos

agricultores.

Compreendemos que diferentes sujeitos experimentaram a instalação da indústria em

Boquira de maneiras diversas, como no caso de Aristóteles Mota, natural de Macaúbas. Mota

não concluiu os estudos, foi para São Paulo onde chegou a trabalhar de garçom, e decidiu ir

embora para se empregar em Boquira:

Há... naquele tempo aqui, lá em Boquira não tinha ninguém qualificado e

aqui na época era poucos, então eu desde criança meu pai minha mãe, eu

saia da escola me botava pra ir trabalhar na coletoria estadual na coletoria

federal então tá entendendo...então eu tinha uma leiturazinha a mais(risos),

ai fui pra lá como apontador (pra fazer o ponto do pessoal que ia trabalhar)...

e ai fui galgando degraus... galgando, galgando, até cheguei... é tanto que

parte de escritório tá entendendo, tudo, tudo... contabilidade, eu fecho

balanço na área trabalhista na área fiscal ... então naquele tempo era pouca

gente (...) é aquela velha história aprendi na escola da vida né.93

Aristóteles chegou a exercer a função de gerente financeiro na mineradora. Começou a

trabalhar em 1957, ficando na empresa até 1988. Passou a morar em Boquira após se

empregar na empresa. Em sua fala, pontua muito os benefícios da indústria para o lugar,

principalmente quando passou a ser administrada pela multinacional francesa:

Olha a administração francesa ela tinha... um pessoal mais evoluído, mais...

excelente, a diferença enorme [...] passaram por várias administrações, duas

ou três dirigidas por brasileiros, quando era dirigida por brasileiros as piores

gestões que nós tivemos lá, [...] porque o brasileiro ele é vaidoso ele não tem

humildade, então mandava você fazer um negócio errado você “ó mas isso

aqui não é assim não, é assim” “eu mandei fazer assim faz, faz, tem que

fazer assim”, os franceses não “ó seu Prieto olha isso aqui acho que não fica

muito bom, assim o senhor não acha que fica melhor” “há não, é mesmo,

faz assim” uma diferença. 94

Aristóteles Mota compartilha de uma memória e visão positiva em relação à

mineradora, em especial sobre a administração francesa. Devemos considerar também que

houve diferentes formas dos trabalhadores entenderem e julgarem seu trabalho. Talvez

também o entrevistado possua um sentimento de nostalgia em relação ao seu passado

enquanto trabalhador e por isso supervaloriza tanto a indústria em suas memórias. Existiram

93

MOTA, 2012. 94

MOTA, 2012.

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87

diversas expectativas e experiências dos sujeitos em relação ao emprego na mineradora, que

representava também oportunidade de trabalho. A indústria conseguiu cultivar tal discurso

positivo, justamente por ter montado esse tipo de relação e estrutura que beneficiava alguns

trabalhadores. Ao que parece os que trabalhavam no setor administrativo possuíam muitas

vantagens. No entanto, como vimos, nem todos partilhavam das benesses, como no caso dos

lavradores que tiveram suas terras expropriadas sem nenhuma contrapartida.

Em relação ao resultado da denúncia que fez o governo baiano ao convênio, não é

possível aferir se a indústria de fato se comprometeu a cumprir o que foi estabelecido. Mas a

ausência da informação não traz grandes prejuízos ao nosso trabalho, já que o que nos

interessa é demonstrar como foi criada as condições para que uma indústria mineira se

instalasse no pequeno povoado de Boquira, no qual vários trabalhadores rurais tiveram de sair

de suas propriedades para dar lugar ao empreendimento industrial que se lograva.

Expropriados de suas terras, os lavradores não ficaram passivos diante dos abusos que

sofreram, ainda que fosse uma luta em que eles estavam em desvantagem. Conflitos e

resistências não deixaram de fazer parte daquele cenário.

Os lavradores foram vítimas de toda sorte de enganações e negligências, prejudicados

pela nova dinâmica econômica que se constituiu em Boquira. Além de perderem suas terras e

terem de aceitar a desapropriação feita pelo Estado baiano, tiveram os direitos negados,

mesmo estes sendo firmado entre o Estado e a empresa. Ainda assim, se uniram para

reivindicar seus direitos e denunciar a mineradora, portanto, tratava-se de conflitos pela

apropriação da riqueza social. Os agricultores expropriados de Boquira, assim como outros

casos na história do país, viram como alternativa o caminho da luta para se opor aos abusos

que sofriam.

2.4. A mineradora e a política local

Acreditamos ser importante discutir a relação entre a mineradora e o poder local,

entendido aqui como os representantes políticos, prefeitos e vereadores. Assim será possível

compreendermos melhor a atuação da mineradora em Boquira. Como já foi mencionado, a

maioria dos prefeitos de Boquira na época das atividades de mineração foram os funcionários

da empresa. Na primeira disputa eleitoral em 1962 se candidatou um filho de Boquira,

Manoel José Neto, que inclusive foi autor do projeto de emancipação de Boquira quando era

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88

vereador em Macaúbas. No entanto, venceu José Lins da Costa, que segundo Santos95

,

recebeu o apoio da mineradora.

Na ocasião do empossamento dos vereadores, no dia sete de abril de 1963, para a

primeira legislatura, estava presente e foi orador o ex-padre e naquele momento empresário

industrial, Macário Maia de Freitas.96

Na solenidade de instalação do município em oito de

abril de 1963, participaram da composição da mesa, Carlos França, gerente da mineradora e

Macário Maia de Freitas, que novamente fez uso da palavra no evento.97

Os discursos não

foram transcritos nas atas da Câmara, por isso destacamos apenas a presença dos sujeitos e a

posição que ocupavam enquanto representantes da indústria de mineração.

Nas atas da Câmara de 1963 a 1979 sempre surgem, em vários momentos, elogios de

vereadores à empresa e a concessão de títulos de cidadão boquirense a nomes de gerentes e

pessoas importantes da mineradora. Registra-se também o posicionamento de repúdio contra

quem se posicionasse contra a empresa e as autoridades locais. Fizeram isso com o jornalista

Francisco Alexandria, que fez diversas denúncias contra a indústria mineira e as autoridades

da região.

Um dos que exerceu cargo de gerente da empresa, Carlos Martines França, foi

assassinado em Boquira em 1963 (não se sabe exatamente qual foi o motivo do crime) e em

sua homenagem foi lida uma moção de saudade na sessão da Câmara em oito de abril de

1964.98

Em 1967 foi aprovado na Câmara o erguimento de um busto de bronze do falecido

Carlos França.99

O busto foi colocado numa praça que passou a receber seu nome. Aos dois

de dezembro de 1967, na sessão na Câmara de vereadores lia-se uma resolução firmada pelo

prefeito e pelos vereadores:

Faço saber que o sr. Prefeito Municipal de Boquira, em reconhecimento e

gratidão pelos serviços prestados ao nosso município, resolve conceder aos

senhores Pierre Waline, André Emilien Prieto, Henry Paul Grangere e Dr.

José Lins da Costa o título de cidadão Honorário de Boquira.100

O médico José Lins foi o prefeito de quem falamos, e os outros nomes, pessoas que

desempenharam cargos importantes de chefia na mineradora. Com esses dados queremos

demonstrar que claramente existia uma relação próxima entre a prefeitura e a indústria. Não

95

SANTOS, 2007, p. 44. 96

Livro de ata e termo de posse da Câmara Municipal de Boquira. Livro de posse abril de 1963. Fl. 1 v. 97

Ibid., Fl. 2 v. 98

Livro de atada Câmara Municipal de Boquira. Livro de 10-08- de abril de 1963, a 31 de dezembro de 1968. Fl.

30 v. 99

Ibid., fl. 82 v. 100

Ibid., fl. 94 v.

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podemos ignorar o fato de que a empresa exercia uma influência enorme dentro do poder

político administrativo local, inclusive não podemos esquecer que a sua existência foi o vetor

principal da emancipação da cidade.

O Jornal Opinião publicou uma matéria de título “o feudo do truste Peñarroya” de

1975. O texto traz elementos que nos ajudam a pensar a política eleitoral em Boquira. O título

já ilustra o conteúdo do texto, que sublinha uma suposta dominação que a indústria de

mineração praticava no lugar. A narrativa de Rosalvo Rufino dos Santos, que chegou a se

candidatar a prefeito de Boquira, revela que:

Rosalvo Rufino dos Santos foi candidato a prefeito de Boquira sem a

autorização da Mineração. Ele conta que no dia das eleições, 15 de

novembro de 1972, foi intimado „a prestar esclarecimentos‟ pelo delegado

especial Edivaldo Martins Correia, conforme o memorando nº 016/72, que

ainda hoje guarda em seu poder. “A política, nessa terra, quem financia é a

própria Companhia. Nenhum candidato deles gasta um centavo. Para outros

entrar numa campanha é um bocado duro. Eu mesmo não consigo mais

concorrer com eles, vivo da lavoura e vendo no mercado um porquinho que

mato. Quando fui candidato, cheguei em Macaúbas para assistir à apuração e

tinha policiamento na porta do fórum para não deixar ninguém entrar” -

declara Rufino.101

Essa informação referente ao apoio da mineradora aos candidatos, que já apareceu em

outras fontes, como mencionamos anteriormente. A declaração feita por Rosalvo Santos pode

representar também uma insatisfação por não ter vencido as eleições. Mas ao declarar que a

indústria financiava a candidatura, ele oferece pistas importantes para pensarmos a política

eleitoral da cidade. Percebemos que o candidato apoiado pela empresa concorria as eleições

com uma margem de vantagem significativa. Outro tema que aparece na matéria diz respeito à

corrupção eleitoral:

A corrupção eleitoral declarada motivou o fiscal de urna nº 2 251, Valdemar

Curcino de Souza, a enviar uma carta ao delegado da sublegenda da Arena 2,

Juarez Santana, “para apresentar protestos mais veementes contra o

presidente da citada urna, uma vez que o mesmo, usando de todos os

recursos, não me deixou acompanhar a referida urna até o posto eleitoral,

fato que achei estranho, principalmente porque os mesários designados para

dirigir os trabalhos eleitorais das ditas urnas o foram pelo sr. José Emídio da

101

RUDÁ, 1975, p. 11.

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Silva, funcionário da mineração Boquira, que tem sua sede em nosso

município”.

Nove dias antes dessa comunicação, Juarez Santana escrevia ao Juiz Noel

(sic.) Neto Ferreira, da 65ª Zona Eleitoral, em Macaúbas, para “estranhar o

fato de estar um dos funcionários da Mineração Boquira e Cobrac, de nome

José Emídio da Silva, funcionando no fórum dessa comarca, durante esse

período eleitoral”. Sobre esta autoridade, comenta Rosalvo, “o Juiz daqui da

Comarca, Joel Neto Ferreira, convive com eles (funcionários da Mineração),

troca de roupa dentro da empresa e todo o problema antes de discutir tem

que ir lá dentro primeiro. Só despacha documento nosso se consultar a

companhia. Até as nossas credenciais de fiscais de eleição foi uma

dificuldade para se conseguir.” 102

O trecho denuncia o envolvimento da mineradora no processo eleitoral, enfatizando

que o que Juiz eleitoral da Comarca Joel Neto Ferreira era conivente com a corrupção, já que

ele, como informa o texto, possuía uma relação bem próxima com os funcionários da

mineradora, possivelmente seus dirigentes. Ainda na matéria, fala-se até mesmo em uso de

violência física contra os que faziam oposição ao candidato apoiado pela mineradora:

A violência do truste – O professor primário de Boquira, Edis Xavier dos

Santos, informa que, durante a campanha de Rosalvo e João Figueiredo, foi a

Buicutuba (sic.), lugarejo próximo a Boquira, “lá, um grupo de Zé Lino da

Costa, ex prefeito e atual diretor do hospital mantido pela Companhia, nos

atacou. Quando não esperava, recebi tapas pelas costas, chutes, e disseram

que iam me prender e linchar sob a garantia do Doutor José. Disseram que

eu estava me metendo onde não devia. Quem me agrediu foi Nicanor

Francisco Soares e Rufino Leão, conhecido por Dozinho de Maurício. Ainda

levei dois murros. O João Figueiredo arribou o pé para me arrumar no rosto.

Depois disso, em Boquira, recebia uma intimação da polícia duas vezes por

semana. Como era verbal, não compareci. Mas no fim o delegado Gilson

Menezes mandou por escrito. Alegaram que eu tinha escrito propaganda em

favor de Rosalvo Rufino. Fiquei sendo coagido e censurado. Diziam que

mexer com Zé Lins é perigoso e da vida só presta a liberdade. Quer dizer,

eles queriam me prender”.103

De acordo com a matéria, as denúncias foram feitas em jornais de Salvador em

outubro de 1974. O diretor da indústria de mineração, na época João Ribalta Nunes, enviou

cartas a vários jornais do país, argumentando que eram „inteiramente falsas, em sua totalidade

e em seus menores detalhes, as acusações‟, disse ainda que „prestados estes esclarecimentos,

não voltaremos ao assunto‟. Apesar das cartas, a matéria conclui que, “no entanto, nenhum

esclarecimento foi prestado no sentido de rebater os fatos comprovados.” 104

102

RUDÁ, 1975, p. 11-12. 103

Ibid., p. 12. 104

Ibid., p. 12.

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91

No jornal Estado de São Paulo, em 31 de agosto de 1977, foi noticiado que Edis

Xavier, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Minérios (não

conseguimos informações sobre essa CPI) tece acusações à mineradora em Boquira. “Posseiro

acusa” é o título da notícia que declara:

Ao depor ontem na CPI dos Minérios da Câmara, o posseiro Edys Xavier

acusou a multinacional Penaroya do Brasil S/A de “implantar o terror na

região de Boquira” e fez um apelo ao presidente Geisel, para que mande

investigar o que se passa naquela área. Revelou que a situação é grave, tendo

ele sido preso e torturado por ordem do chefe político local, José Lins da

Costa, que é empregado da empresa e dirigente da Arena. 105

Podemos dizer que se trata do mesmo Edis Xavier que aparece no jornal anterior. A

informação presente nessa matéria é que ele chegou a ser preso e torturado, na outra diz que

queriam prendê-lo, mas deu a entender que não chegou a ser feito. Também descobrimos que

ele era um dos donos das terras de Boquira. Talvez, a prisão tenha ocorrido depois das

informações que ele prestou para a primeira reportagem. Tratou-se de um fato muito grave, e

por ter ido depor em uma CPI, o mais provável é que a prisão tenha acontecido.

O antigo trabalhador mineiro Abelino Manoel, relata sobre como a mineradora se

envolvia diretamente na política, inclusive persuadindo seus trabalhadores a votarem no

candidato que apoiava. O curioso na narrativa do senhor Abelino é que mesmo sob ameaça de

demissão, ele se recusou a fazer o que lhe foi imposto. Isso evidencia que existiam

trabalhadores que também resistiam aos interesses e imposições da mineradora. Diz:

[...] quando era tempo de política assim mesmo, a gente só votava no que

eles queriam, [...] ai os que eles desconfiavam que tinha votado contra, eles

davam a conta [...] eu mesmo não votava a favor deles... só tinha uma coisa

eu não conversava [...] não tinha amigo pra falar pra quem eu votei... eu só

falava pra mulher aqui em casa, mas pros outros de fora eu não falava pra

ninguém.106

Não é apenas uma memória dele. Esse mesmo aspecto aparece no relato do ex-mineiro

Astrogildo Lima. Ele narra sobre a maneira como os operários eram coagidos a votarem nos

candidatos que a indústria de mineração dava apoio, e na fala ele diz que naquela época não

existia liberdade para escolher e divulgar para outros em qual candidato iria votar. Ele conta:

105

POSSEIRO ACUSA. O Estado de São Paulo. São Paulo, 31 ago. 1977.p.26. Disponível em:

<http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19770831-31427-nac-0026-999-26-not/busca/Penarroya>. Acesso em:

22 abr. 2016. 106

SANTOS, 2012.

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E hoje tem a democracia, hoje nós tem o direito de falar: ó eu sou por essa

forma, eu quero viver por essa forma, eu quero seguir tal caminho. E naquele

tempo não podia não, cansemos de ver, por exemplo mermo, mexendo já

com a política também, tivesse conversando contra os políticos daquela

época eles lhe marcava. Na mineração mesmo, se a gente fosse contra eles,

chega lá a conta já tava feita... então o pessoal era obrigado a votar em quem

eles queria, ajuntava o político aqui da cidade junto com a chefia lá, e

dizia:“olha aqui os operários é fechado, tem que votar tudo, quem for contra

é rua”, dizia que era rua né. Se eles descobrisse que a pessoa votou contra,

chegava lá o cartão não tava na chapera não, ali já era a conta... e hoje não,

hoje você vota em quem você quer, você escolhe qual é o candidato que

você quer votar, não precisa ter medo de ninguém... naquele tempo existia

aqui o prefeito da cidade, o primeiro prefeito da cidade era o doutor José

Lins da Costa, ele ia lá da palestra, ai os encarregado reunia os operários

“epa ninguém entra pra mina, vem todo mundo pra aqui”, e reunia num

patiozinho que tinha lá, ai ele chegava lá e falava, tem que votar porque é

desse jeito e daquele outro.107

Na medida em que o narrador estabelece uma comparação do presente com o seu

passado, quando era um operário da mineradora, percebe que diferente de hoje, naquela época

os indivíduos não possuíam o direito de expressar sua vontade e opinião. Ao mesmo tempo,

está claro para ele que aquilo não era uma democracia. Em outra parte da narrativa Astrogildo

Lima chega a comparar a situação vivenciada pelos mineiros com a escravidão, dando

destaque a falta de liberdade que possuíam por trabalhar na empresa:

No seu estudo, você conhece muito o tempo dos escravo, não era judiado?

Então, aqui ai na mina tinha um tipo assim, quase imitando aquele, era

diferente um pouco, mais quase imitando os escravo como é que os

portugueses fazia com aquele povo, com os escravo. Então aqui na mina é

mais ou menos assim, já a coisa foi mudando, foi mudando, agora já não é

assim, cada um tem o direito de falar, de correr atrás, de dizer que eu

conheço eu tenho o meu direito, eu quero o meu direito, conheço meu

direito, naquele tempo não, ninguém podia dizer nada. Ó uma menor vou

falar essa ai, até pra votar você não podia dizer em quem votava, não podia

dizer e outra, eles ia lá perseguir o cara perseguir o operário, tem que votar

ali se não votar, se não votar ali você vai perder o serviço [...] é igual os

escravo, escravidão, escravidão mesmo, e tai então, é por isso que eu não

gosto de chefia que trabaiou na mina, não gosto, não gosto mermo, porque

judiou da gente, judiou de mais, judiou... e gente não sabia cobrar...

analfabeto, ai não entendia de nada, e outra, se procurasse alguma pessoa e

desse uma dica não pudia levar pra lá, se levasse mandava a gente embora ,

gente ficava com medo de sair não tinha outra firma pra trabaiar .108

107

LIMA, 2014. 108

LIMA, 2014.

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Uma das qualidades da fonte oral, como diz Alcázar I Garrido consiste em “penetrar

na percepção do processo histórico feita por indivíduos ou grupos concretos”.109

Essa

percepção que o ex-trabalhador mineiro apresentou, tem a ver com a maneira como ele

experimentou, junto com outros trabalhadores de Boquira, o estabelecimento da indústria na

localidade. Os operários mineiros, além de estarem numa condição de trabalho de grande

risco, estavam também sujeitos a outros tipos de coerção que a mineradora exercia, controle e

dominação sobre os trabalhadores. Esses elementos ganharam muita importância na forma

como Astrogildo Lima construiu sua memória, chegando a assemelhar a condição do mineiro

com a dos escravizados, evidenciando o quanto o labor era degradante, exaustivo que

colocava em risco a vida e a saúde do operário, e ainda tinham suas liberdades negadas, por

isso mesmo o comparou com a escravidão.

Outra denúncia em relação à corrupção eleitoral e aos abusos de poder da mineradora

foi feita pelo então Deputado Aristeu Nogueira, do Movimento Democrático Brasileiro

(MDB). A denúncia foi feita na Assembléia Legislativa da Bahia, e aparece em matéria do dia

8 de outubro de 1976 do jornal O Estado de São Paulo. Segundo o periódico,

Aristeu Almeida referiu-se ainda às “pressões e abuso do poder econômico

praticados pela Boquira no município onde está situada e mesmo nas esferas

estadual e federal, além de corrupção eleitoral e controle das autoridades

municipais.” 110

Aristeu Almeida, professor e economista, foi eleito para o cargo de deputado estadual

pelo MDB de 1975-1979. Exerceu várias funções relacionadas ao setor econômico. Foi chefe

do setor da Agricultura da Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia - CPE

(1957- 1961), chefe do setor Econômico Financeiro do Conjunto Petroquímico da Bahia-

COPEB (1961-1964). 111

Notamos, portanto, que se tratava de uma pessoa que se envolveu

com a área econômica e industrial, participando de projetos para o crescimento do setor.

Nesse sentido, certamente compartilhava da ideia de que era importante a industrialização

para o desenvolvimento do estado baiano. Por isso mesmo é bastante significativo que

naquele momento estivesse denunciando a atuação de uma empresa de mineração na Bahia. O

109

ALCÁZAR I GARRIDO, Joan del. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Rev.

Bras. De Hist., São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 33-54, set./ago. 1992/1993.p. 43. 110

DEPUTADO DENUNCIA ABUSOS DA BOQUIRA. O Estado de São Paulo. São Paulo, 8 out.1976.p.28.

Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19761008-31150-nac-0028-999-28-not/busca/Boquira>.

Acesso em: 23 abr. 2016. 111

DEP. Aristeu Almeida. Assembléia Legislativa do Estado da Bahia. Disponível em:

<http://www.al.ba.gov.br/deputados/Deputados-Interna.php?id=299>. Acesso em: 25 mar. 2017.

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MDB era uma oposição “tolerada” pela ditadura que “possuía dentro de seus quadros

„adesistas‟ ao próprio regime militar e um grupo denominado dos „autênticos‟, ou seja, que

constituía uma verdadeira oposição ao regime”.112

Segundo Espiñeira, no período em que Aristeu Almeida se elegeu, a estrutura

partidária do MDB baiano era controlada pelos adesistas, e a sua campanha foi feita

“inteiramente por fora da estrutura do MDB e denunciando o controle que exerciam sobre a

máquina partidária”.113

O fato demonstra que o deputado não estava de acordo com os

adesistas e, portanto, era contrário ao regime. Não é por acaso que na denúncia apresentada

acima, ele destaca que o abuso do poder econômico da mineradora se dava também em

âmbito estadual e federal. Em função da experiência que ele possuía no ramo da economia e

indústrias, cremos que tinha propriedade sobre a questão. Considerando que era opositor da

ditadura civil militar, percebemos que a sua fala, de algum modo, criticava as próprias

agencias do Estado que fechava os olhos ou até corroborava com tais práticas.

Diante dos fatos evidenciados, percebemos que as pessoas que trabalhavam na

mineradora sofriam maior coerção por estarem vinculadas à empresa, então os dirigentes da

indústria utilizavam do poder de contratar e demitir pessoas para pressionar, coagir,

manipular, perseguir, reprimir. Essas práticas se coadunavam com o cenário de ditadura civil

militar no país. O relato nos permite perceber, ainda, o grande poder político e econômico que

a mineradora exercia na região, fato perceptível em outras fontes, como já foi sinalizado

anteriormente.

Não podemos perder de vista que naquele período o Brasil atravessava uma ditadura

civil-militar. No livro do jornalista Márcio Amêndola de Oliveira, intitulado “Zequinha um

revolucionário brasileiro” 114

, é relatada a trajetória de José Campos Barreto, que foi

assassinado junto com o capitão Carlos Lamarca no sertão baiano. A narrativa evidencia que a

mineradora de Boquira prestou auxílio aos militares, oferecendo transportes para capturar

Zequinha Barreto e Carlos Lamarca, personagens que se destacaram na luta contra a ditadura

112

ESPIÑEIRA, Maria Victória. A resposta da Bahia à repressão militar: a ação partidária da Ala Jovem no

MDB e a militância civil do trabalho conjunto da cidade de Salvador. In: ZACHARIACHES, Grimaldo Carneiro

(Org.). Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes. Salvador: EDUFBA,

2009. p. 215-240. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/diversos/bahia.pdf>.

Acesso em: 26 mar. 2017. p. 216. 113

Ibid., p. 224. 114

OLIVEIRA, Márcio Amêndola de. Zequinha Barreto, um revolucionário brasileiro: um jovem

revolucionário brasileiro que deu sua vida na guerra contra a ditadura, ao lado do lendário Capitão Lamarca.

2008. Disponível em: <http://contextohistorico.blog.terra.com.br/files/2009/12/zequinha-barreto-um-

revolucionario-brasileiro.pdf > . Acesso em: 07 jun. 2013.

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militar, e se encontravam na época em uma região próxima a Boquira, em Brotas de

Macaúbas, no ano de 1971:

A “Operação Pajuçara” foi realizada entre os dias 21 de agosto e 17 de

setembro de 1971, com um efetivo de 215 homens do Exército, da Marinha,

da Aeronáutica, da Polícia Militar da Bahia e do Dops de São Paulo. Desse

efetivo, 40 eram oficiais, 128 praças, dois delegados, 18 inspetores e 27

agentes. A mobilização custou mais de meio milhão de cruzeiros, uma

pequena fortuna para a época. Um relatório reservado informava que,

além dos militares empregados na operação, as Forças Armadas

receberam ajuda material – carros e avião – da Companhia de Boquira,

uma empresa do grupo francês Penarroya, ligado à família Rotschild.115

(grifos nossos).

Não podemos negligenciar a relação da mineradora com os militares. A própria figura

de Antônio Carlos Magalhães, que representava a política desse governo, sua ida a Boquira e

incentivo à indústria, revelam a proximidade entre a mineradora e o governo ditatorial. Pedro

Campos, em seu estudo sobre as empresas do ramo da construção pesada no Brasil durante o

período da ditadura civil-militar analisa a relação existente entre essas indústrias e o regime,

demonstrando como o setor conseguiu crescer durante esse governo, e como alguns grupos

saíram fortalecidos daquele período, formando um oligopólio nacional na área. Para Campos:

[...] alguns empresário do setor não só aprovavam a ditadura e participavam

de seus projetos no setor de obras, mas partilhavam de seus valores e

contribuíam também com sua política de terrorismo de Estado, que cassava

guerrilheiros, torturava-os, prendia-os e matava-os.116

Ao que parece, essa prática de colaboração entre indústria e governo militar era

comum naquele momento. Pelo menos nos casos em que os empresários recebiam apoio do

Estado para o desenvolvimento de sua indústria. Diante disso, podemos presumir que a

mineradora mantinha uma boa relação política com o governo, e isso só aumentava seu poder

na região de Boquira. Entendemos, portanto, que a mineradora tentava controlar o município,

social, econômico e politicamente, garantido seus interesses por meio da influência que

exercia na administração, pela coerção aos seus funcionários, e as negligências em relação aos

direitos dos agricultores que tiveram suas terras expropriadas para a exploração do minério.

No entanto, mesmo diante dessa influência da indústria em Boquira, existiram pessoas

que se posicionaram contra a empresa, fazendo denuncias e resistindo como podiam à lógica

115

OLIVEIRA, 2008, p. 29. 116

CAMPOS, 2012, p. 513.

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estabelecida. É claro que dentro daquele cenário houve pessoas da localidade e região, que

muito se beneficiavam, e por isso defendiam a empresa. Outros, por medo de perderem o

emprego, não contrariavam explicitamente aquele sistema. Mas as resistências cotidianas não

deixaram de acontecer, a exemplo, dos trabalhadores mineiros que no universo do trabalho

criaram estratégias de enfrentamento de tal realidade, das quais falaremos no próximo

capítulo.

No próximo capítulo trataremos, com mais riqueza de detalhes, da relação que a

indústria mineira estabelecia com a política local, destacando a atuação do jornalista

Alexandria Pontes, que foi autor de várias denuncias à mineradora. O jornalista tentou se

envolver na política do lugar e era visto pelas autoridades da região como um agitador social,

sendo por isso repudiado. Além disso, analisaremos as memórias dos trabalhadores mineiros.

Todos os entrevistados são oriundos de regiões rurais. Para a maioria, o emprego na

mineradora se constituiu em seu primeiro emprego no ramo industrial. Portanto, eram sujeitos

que saíram da lida na roça para se submeterem ao trabalho na indústria. Por isso elegemos

esses trabalhadores para a nossa investigação, com a finalidade de compreendermos como

aqueles sujeitos que vieram do trabalho no campo vivenciaram a instalação de uma indústria

em Boquira.

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3. BOQUIRA E AS ATIVIDADES MINEIRAS: CONTRADIÇÕES, DISPUTAS,

MEMÓRIAS...

A proposta deste capítulo é analisar mais detidamente os conflitos que envolveram a

indústria de mineração em Boquira, a política local e as autoridades da região. Para tanto,

destacaremos a atuação do jornalista Alexandria Pontes, refletindo sobre o teor de suas

denuncias contra a mineradora. Partindo delas, pretendemos ampliar a compreensão acerca

dos conflitos e contradições que se apresentaram no cenário político e social de Boquira.

Buscando assim desvelar as redes de relações entre as autoridades da região, os políticos e a

indústria mineira. Também analisaremos as memórias dos trabalhadores mineiros, buscando

compreender a forma como vivenciaram coletivamente o trabalho nas minas. Analisaremos as

dificuldades que enfrentaram naquele serviço, as relações de solidariedade que construíram e

as formas de resistência à exploração. Entendemos que o grupo construiu uma memória

coletiva, ainda compartilhada.

3.1. O jornalista Alexandria Pontes: oposição e disputas

Alexandria Pontes nasceu em Boquira. Era jornalista, morou e atuou por muito tempo

no Rio de Janeiro. É importante fazer uma análise sobre suas ações, pois ele se envolveu nas

disputas políticas e sociais de Boquira. Alguns de seus atos causaram rebuliços na cidade e

região, porque iam de encontro ao poder ali constituído. Cremos, portanto, que investigar suas

ações desnuda alguns aspectos do cenário político e social de Boquira no período que

investigamos. O artigo do também jornalista Genival Rabelo narra que em 1970 ele e

Alexandria viajaram até Boquira para visitar os familiares deste último. Diz Rabelo:

Acompanhei-o num momento de ócio, pelo gosto da aventura, em parte, e

também pela oportunidade de conhecer os sertões baianos. Durante mais de

10 anos de íntimo convívio, Alexandria sempre me falara de Boquira com a

ternura de quem a viu com os olhos da meninice. “Nas águas (época das

chuvas) – costumava dizer-me , você precisa ver: dá de um tudo. Umbú é

lama. Girimum, macaxeira, batata-doce, feijão verde e carne seca sobram na

mesa do lavrador. É uma euforia geral. É verdade que vem depois o estio,

com o seu cortejo de miséria. Mas, dos meus tempos de menino, guardo

recordações muito gratas. Eram as passarinhadas de baladeira.Os banhos de

riacho.A vida livre,de pé no chão, subindo nas árvores do sítio. Uma

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beleza!” Durante todo o trajeto de Kombi, nas trinta e seis horas de estrada

que nos levaram do Rio até Boquira.1

Rabelo conta sobre como Alexandria se lembrava da sua terra, talvez tenha o elemento

da idealização de seu lugar e a sua infância, mas provavelmente nos tempos de chuvas a

alimentação era mais farta para a família de lavradores, no entanto ele não se esquece de

relembrar os períodos de seca e dificuldades. Segundo o autor, os dois amigos foram até

Boquira fazer uma viagem a passeio. No entanto, nesse momento se inteiraram dos

acontecimentos do lugar, quando ouviram as reclamações que os agricultores faziam sobre a

mineradora. Conta Rabelo que após o reencontro de Alexandria com amigos e parentes na

cidadezinha as pessoas “começa[ram] a queixar-se da mineração de Boquira. Cada um tinha

sofrido na carne, tinha sido vítima da expoliação (sic.). E continuava a sofrer”.2 Continuando

sua narrativa o autor informa que “Alexandria fez anotações e prometeu defender o seu

povo.”3A partir desse momento, escreveu diversos artigos sobre a indústria mineira em

Boquira. O objetivo do texto escrito por Rabelo, datado de 1974, foi de denunciar os diversos

processos judiciais abertos contra Francisco Alexandria pelo fato dele ter denunciado a

mineradora diversas vezes, através de seus artigos.

Alexandria abriu a boca. Fez denúncias graves através de uma série de

artigos. Foi o suficiente para que a Máfia organizada em Boquira se

movimentasse e envolvesse o jornalista em vários processos judiciários

injustificáveis. É triste, mas é verdade.4

Analisando as atas da Câmara Municipal de Boquira, vimos que Francisco Alexandria

incomodou políticos e autoridades da região, por conta dos artigos que escreveu. Na sessão da

Câmara, em vinte e oito de maio de 1973, o vereador Osvaldo Monteiro levou para a reunião

um exemplar do jornal Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, no qual havia “a publicação

de duas cartas de autoria dos Bacharéis Joel Neto Ferreira e Ruy Osório, Juiz de Direito e

Promotor de justiça, respectivamente, da Comarca de Macaúbas Bahia”.5 As cartas foram

escritas em resposta a um artigo publicado no mesmo jornal, de autoria de Alexandria Pontes

em treze de março de 1973. As referidas cartas foram transcritas na ata da sessão, com o

objetivo de expressar solidariedade:

1 RABELO, Genival. A máfia de Boquira. Rio de Janeiro, jul. 1974. p.1.

2 Ibid., p.1.

3 Ibid., p.2.

4 Ibid., p.2.

5 Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. Fl. 153.

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[...] às autoridades constituídas e com o fito especial de repelir o injurioso e

desprezível artigo do aludido Francisco Alexandria, figura indesejável em

nosso meio. Agitador social, que só vem trazer intranquilidade aos

trabalhadores desta região, já respondendo neste Município por crime de

Falsidade Ideológica.6

Aqui fica claro o quanto o jornalista aborreceu os vereadores de Boquira, pois estes

últimos se colocaram do lado dos magistrados e contra Alexandria Pontes. A presença da

personagem na cidade e as ideias que difundia não eram bem aceitas pelo legislativo. Tivemos

acesso ao artigo escrito por Alexandria Pontes no qual citou os magistrados. Nas cartas de

resposta feitas pelo juiz e promotor aparecem de fato elementos do texto que o jornalista

publicou. O título do referido artigo era “A triste história de um Senhor Juiz”, no qual

Alexandria Pontes tecia uma série de críticas e acusações ao Juiz de Direito de Macaúbas,

Joel Ferreira e ao Promotor de Justiça, Ruy Osório. Dentre as quais:

O povo da Comarca pergunta como pode S. Exa.ter condições para julgar

inúmeros processos que correm naquela casa de Justiça contra as empresas

de cuja sede o JULGADOR é frequentador assíduo num conluio que já

perdura por mais de seis anos.7

Diz o artigo que o Juiz, após ter ido atuar na Comarca de Macaúbas em 1966, foi

morar em Boquira em uma casa oferecida pela mineradora. Frequentava sempre a empresa e

abastecia sua despensa na cantina da Mineração Boquira, dispunha de uma Chevrolet veraneio

e um avião para viagens urgentes.8 Fez também referência a situação vivenciada pelos

lavradores, que enfrentavam invasões de terras, desvios de suas águas, não cumprimento do

convênio assinado entre o governo baiano e a indústria mineira. Na carta resposta de Joel

Neto Ferreira ele se defende dizendo ser um “homem de bem”, e de nunca ter aceitado favores

e vantagens ilícitas, mantendo-se equidistante da política nas atividades que exerceu. Ao

mesmo tempo em que se defendeu, Ferreira acusou Francisco Alexandria:

Pouco conheço da vida do Sr. Francisco Alexandria, cujo nome completo

parece ser, Francisco Alexandria Pontes, não obstante, fatos notórios e

6 Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. Fl., 153v.

7 Alexandria, Francisco. A triste história de um senhor juiz. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 13 mar.

1973.p.4. Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=6735&Pesq=Boquira . Acesso em:

16 mar. 2017. 8 Ibidem, loc. cit.

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devidamente comprovados, dimensiona a sua figura insignificante, como

farsante, a serviço da injúria e da difamação. Está ele indiciado em inquérito

policial nesta comarca de Macaúbas. A sua revolta contra este magistrado

emerge das medidas legais adotadas nas eleições de 15-11-1972, quando,

sem ser eleitor dessa circunscrição eleitoral ou, comprovadamente de outra,

sem possuir filiação partidária, sem domicilio eleitoral na Zona, interferiu

ilegal e indevidamente no processo eleitoral, com objetivo de promover

agitação e tumultuar as citadas eleições. Apresentou-se em Macaúbas

blasonando prestígio junto às altas autoridades, fazendo-se passar por

repórter desse jornal – Tribuna da Imprensa. Conseguiu ilaquear a boa fé de

muitos, entretanto, um telegrama do Sr. Hélio Fernandes, diretor desse

conceituado órgão de imprensa, deixou desmascarado o falso jornalista que,

por falsa identidade, foi detido e levado preso para a cadeia de Boquira.

Estranhamente, porém, poucas horas depois, posto em liberdade, sem que

fosse apurada a infração penal.9

A fim de demonstrar uma pretensa falta de idoneidade de Alexandria Pontes, o juiz

Joel Ferreira afirmou que o jornalista estava envolvido no comércio de restaurantes, e que

havia saído foragido da cidade de Curitiba-Paraná, acusado de caloteiro por não pagar a seus

credores.10

Para consubstanciar a acusação, o juiz divulgou supostas informações sobre a

conduta do jornalista, com o intuito de tornar nulos os fatos publicados por Francisco

Alexandria, já que no seu entender uma pessoa que em algum momento não agiu

“honestamente” não era digna de confiança. Percebemos também que Alexandria se envolveu

de fato na política de Boquira, no entanto, encontrou dificuldades para prosseguir com a

candidatura, e para o juiz esse foi o motivo que o fez se voltar contra sua figura, acusando-o

de coisas que não tinha a ver com a verdade. Diz ainda:

Para quem se detiver um pouco no exame do malsinado artigo, verificará que

pela linguagem usada, ataque indiscriminado a autoridade constituída,

inconformismo velado à ordem legal, facilidades jornalísticas para veicular

as suas infâmias, tudo isso se amolda dentro de um plano, cuja ideologia é

facilmente identificada. Divisa-se com clareza, que o plano do Sr. Francisco

Alexandria é indispor a numerosa classe obreira de Boquira, contra as

autoridades locais, embora para isso, tendenciosamente, ele crie fatos

inexistentes.11

Esse trecho é muito importante. Demonstra a defesa do Juiz à ordem estabelecida.

Como os escritos de Alexandria de algum modo contrariava a lógica constituída, para o juiz o

jornalista apresentava má conduta, perturbando a ordem. Outra coisa importante é quando ele

diz que Alexandria possuía uma ideologia, cujo objetivo era provocar o descontentamento da

9 Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. Fl. 154.

10 Idem.

11 Ibid., fl., 154v.

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classe trabalhadora de Boquira contra as autoridades do lugar. Quando usa a expressão “cuja

ideologia é facilmente identificada”, sugerimos que o Juiz pretendeu qualificar Alexandria de

“comunista” ou pelo menos simpatizante. Lembremos que era período de ditadura civil

militar12

, e que naquele momento “comunistas” ou mesmo qualquer um que contrariasse

aquele governo eram considerados inimigos do regime. Portanto, ao acusar Alexandria de

possuir ideias subversivas, o juiz tinha a intenção de chamar a atenção das autoridades para o

perigo das ideias defendidas pelo jornalista. No período, qualquer acusação deste gênero

poderia gerar sérios problemas ao acusado, incluindo prisões e torturas.

Naquele contexto havia a Doutrina de Segurança Nacional, que passou a ser lei a partir

de 1968, com o propósito de “identificar e eliminar os „inimigos internos‟, ou seja, todos

aqueles que questionavam e criticavam o regime estabelecido” 13

, e “é bom que se diga que o

„inimigo interno‟ era, antes de tudo, comunista”.14

Como o Juiz defendia a ordem

implementada, sugerir, ainda que implicitamente, que uma pessoa era contrária ao regime,

significava demarcar que aquele indivíduo era adversário da ordem e do governo ditatorial.

Tal acusação, inclusive, poderia justificar perseguição e prisão. Para levantar suspeitas contra

Alexandria, o juiz destaca:

Em seu infeliz artigo, diz ele existirem inúmeros processos tramitando na

comarca de Macaúbas, contra a mineração Boquira S.A., versando sobre

invasão de terras de humildes lavradores, desvio de água, envenenamento de

criações, nas quais centenas de interessados estão prejudicados, porque o

julgador conluiou-se com uma das partes e não tem condições de decidir. O

agitador social, usa aqui a audácia dos irresponsáveis e perfídia dos

inescrupulosos para arquitetar essas sórdidas mentiras, objetivando

tumultuar e confundir a opinião pública, em proveito de sua nefasta

ideologia política.15

12

Esse termo é aqui utilizado no entendimento de que houve participação de setores da sociedade civil no golpe

de 1964 e na ditadura que se seguiu. É bom salientar, como fez questão de lembrar o historiador Demian Melo,

que o uso que tem sido feito desse termo na historiografia brasileira tem incorrido a equívocos e interpretações

perigosas, a exemplo de “distribuir a „culpa‟ ao conjunto da sociedade”. As organizações da sociedade civil que

participaram do golpe têm nome e foram identificados por estudiosos do tema, como René Dreifuss, com o qual

Demian Melo está de acordo, no qual destacam o caráter de classe do golpe, dado por setores do empresariado

capitalista. Inclusive Demian Melo, baseado em Dreifuss, sugere a troca do termo impreciso de “civil-militar”

para ditadura empresarial-militar “implantada a partir de uma insurreição contra-revolucionárias das classes

dominantes.” MELO, Demian Bezerra de. Ditadura “civil-militar”?: controvérsias historiográficas sobre o

processo político brasileiro no pós-1964 e os desafios do tempo presente. Espaço Plural, n° 27, p. 39-53, 2º

sem. 2012. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:XHyj6fXn8DoJ:e-

revista.unioeste.br/index.php/espacoplural/article/download/8574/6324+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>.

Acesso em: 9 abr. 2017. 13

AMÂNCIO, Silvia Maria., et. al. A ditadura Militar e a violência contra os movimentos sociais, políticas e

culturais. In: PRIORI, A., et.al. História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. p. 199-213.p.

200. 14

Idem. 15

AMÂNCIO et. al., 2012, p.200.

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Mas por que o artigo do jornalista deixou o magistrado indignado? Alexandria acusou

o juiz de envolvimento com a indústria de mineração de Boquira. Em relação aos processos

que o Juiz disse não ter existido na comarca de Macaúbas contra a mineradora, indicamos no

capítulo anterior várias ações judiciais contra a indústria mineira por parte dos agricultores,

porém, não podemos afirmar se elas passaram pela dita comarca.

Voltando ao conflito entre Alexandria e o juiz, percebemos que o juiz buscou

relacionar as acusações feitas pelo jornalista a uma suposta ideologia política, muito

provavelmente “comunista”. Dando continuidade às acusações, Joel Ferreira salienta:

Na sua delituosa ação de mutilar a verdade, o insolente articulista afirma que

este juiz em 1966 fixou residência em Boquira, que frequenta a piscina e se

banqueteia, há mais se seis anos com o grupo Penarroya, que lhe abastece a

despensa. Acrescenta ainda que estão colocados a sua disposição um avião e

um Chevrolet veraneio. Todas estas torpes mentiras e insinuações são

totalmente desmascaradas, com os documentos que tenho em meu poder.

Jamais fixei residência em Boquira. Ao ser promovido por merecimento, em

26-04-1966, de imediato providenciei a minha mudança e arranjei casa em

Macaúbas. [...] Apesar de sócio do Clube Alvorada, poucas vezes frequento

a piscina, como membro do Lions Boquira-Macaúbas, clube de âmbito

internacional, tomo parte nas suas reuniões, onde são servidos jantares.

Nunca tive avião ou veraneio a minha disposição [...]. Quanto ao

abastecimento de minha despensa, compro e pago onde melhor me aprouver. 16

No trecho, o juiz apresentou detalhes das acusações que aparecem no artigo de

Alexandria, denuncias que o Juiz se esforçou em refutar. Mas ainda que procurasse se

defender, seus argumentos deixaram pistas relevantes. Ele afirma, por exemplo, ter sido sócio

dos clubes, fato que indica que ele se relacionava, de uma forma ou de outra, com altos

funcionários da mineradora de Boquira, indicando que participavam do mesmo ambiente

social. A carta do Promotor de Justiça possui conteúdo semelhante ao do Juiz, utilizando os

mesmos argumentos, até porque o artigo de Alexandria também acusou o promotor Ruy

Osório de comprometimento com a mineradora. Ainda que os argumentos sejam semelhantes,

a carta do promotor apresenta pistas novas. Nela, Ruy Osório argumenta:

O autor, figura muito pouco conhecida de minha pessoa por ciência, aparece

na região, no mês de setembro de 1970, acompanhado do repórter Genival

Rabelo, autor do livro sobre a vida na Rússia, “No outro lado do mundo”,

distribuindo-o gratuitamente. Coincidentemente, após sua passagem, no

inicio de 1971 estourou uma greve trabalhista na cidade de Boquira, meses

depois deu-se o fenômeno Lamarca. Já no ano de 1972, na fase eleitoral,

16

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. Fls. 154v -

155.

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retorna [Alexandria] como jornalista e assessor da sublegenda 2 da Arena do

Município de Boquira [...] passa a perturbar o processo eleitoral[...].17

Observamos que o promotor também sugeriu, de forma mais enfática inclusive, que

Alexandria era, no mínimo, simpatizante do comunismo, quando diz que o jornalista andava

em companhia de um “autor de livros sobre a Rússia”. Seguindo esta linha interpretativa, o

Ruy Osório relacionou a greve dos trabalhadores que ocorreu em Boquira à presença de

Alexandria e do repórter Genival Rabelo. Além disso, procurou identificar os jornalistas com

a figura do capitão Carlos Lamarca, guerrilheiro socialista que entrou na luta armada contra a

ditadura militar implantada em 1964, em 1971 foi assassinado pelo regime militar na região

de Brotas de Macaúbas, próxima à Boquira.

Os indícios acima demonstram que havia uma preocupação tanto dos vereadores

(como mencionado anteriormente, argumentaram que Alexandria Pontes era um agitador

social que causava intranquilidade aos trabalhadores), quanto do juiz e do promotor com a

ação dos grevistas da indústria de Boquira. Claramente essas autoridades estavam em defesa

da empresa e contra reivindicações dos trabalhadores, que logicamente buscavam melhores

condições de trabalho. Lembremos que os trabalhadores de Boquira decretaram uma greve em

plena ditadura militar, quando essas mobilizações sofriam forte repressão. O discurso

proferido por essas autoridades indicava a defesa da manutenção das coisas do modo como

estavam postas. Embora rejeitem as acusações de Alexandria sobre serem envolvidos com a

mineradora, o fato deles fazerem a defesa da “ordem” e terem sido contra a mobilização de

trabalhadores os contradizem, revelando de que lado efetivamente estavam.

Genival Rabelo, citado pelo promotor e amigo de Alexandria Pontes, era jornalista,

formado também em Direito. Natural de Natal-Rio Grande do Norte, morava no Rio de

Janeiro, onde trabalhou no jornal Tribuna da Imprensa. Rabelo realmente escreveu um livro

sobre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), intitulado “No outro lado do

mundo”. Ao falar sobre Rabelo, Paulo Augusto destaca:

Incomodado desde cedo com a situação do Brasil como país submisso aos

interesses dos países hegemônicos, não arredou o pé um milímetro acerca do

que se determinou fazer, nas páginas dos jornais, desde que decidiu

estabelecer como sua tarefa particular, a defesa do nacionalismo e da

soberania nacional.18

17

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. Fl. 156. 18

AUGUSTO, Paulo. Genival Rabelo: referência no jornalismo brasileiro. 2012. Disponível em: <

http://radarpotiguar.blogspot.com.br/2012/05/genival-rabelo-referencia-no-jornalismo_3247.html >. Acesso em:

8 abr. 2017.

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Para o autor, Rabelo era defensor das riquezas nacionais, e crítico da maneira como

essas riquezas eram apropriadas pelas indústrias estrangeiras. Não tivemos acesso ao seu livro

sobre a URSS. Também não encontramos nenhum documento que comprove a associação de

Genival Rabelo aos partidos socialistas ou comunistas. Não podemos afirmar, portanto, que

ele era um comunista. Ficou claro, entretanto, que era um defensor ferrenho dos interesses

nacionais em detrimento dos estrangeiros. Genival Rabelo sofreu com a censura após o golpe

civil militar, quando trabalhava na Revista Política e Negócio do Rio de Janeiro, e denunciava

“a infiltração do capital estrangeiro na imprensa brasileira” 19

. A revista deixou de existir.

Diante do exposto, observamos que as acusações à Rabelo e Alexandria Pontes

estiveram associadas ao fenômeno do anticomunismo. No Brasil, em vários momentos,

acusações anticomunistas se apresentaram, e de modo recorrentes no período da ditadura

civil-militar. As acusações não eram necessariamente direcionadas à comunistas de fato.

Qualquer indivíduo que questionasse a ordem estabelecida, era facilmente acusado de

comunista, fato que impulsionava prisões, torturas, injúrias. Em outras palavras, o

“comunismo” e os “comunistas” naquele contexto eram alvos de combates porque

representavam a subversão da ordem, a luta contra a ditadura, a “ameaça revolucionária”, a

luta contra o capitalismo. Segundo Carla Luciana, um dos elementos que demonstra a

importância do “comunismo” como um inimigo está nos distintos usos dos termos “que

levaram à prática de considerar qualquer oposição ao sistema como sendo „comunista‟” 20

.

A alcunha de comunista foi usada muitas vezes para denominar sujeitos que na prática

não tinham relação nenhuma com partidos socialistas ou com o pensamento marxista. Eram

acusados apenas por se posicionarem de forma crítica à ordem ou defender projetos

reformistas e que de algum modo tratasse de transformações sociais. Além disso, até em casos

de conflitos pessoais, acusar o oponente de comunista era uma maneira de prejudicá-lo. Como

diz Rodrigo Patto Sá Motta “houve muitos casos em que cidadãos se „tornaram‟ comunistas

devido a querelas de natureza pessoal.” 21

Ainda para este autor, em se tratando do

anticomunismo houve muitos anticomunistas convictos que efetivamente acreditavam na

19

RABELO, GENIVAL DE MOURA. In: ABREU, Alzira Alves de; PAULA, Christiane Jalles de (Coor.).

Dicionário histórico – biográfico da propaganda no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, ABP, 2007.

Disponível em:

<https://books.google.com.br/books?id=nF1URZB4nEkC&pg=PA207&dq=livro++do+outro+lado+do+mundo+

Genival+Rabelo&hl=ptBR&sa=X&ved=0ahUKEwj_rYKHspbTAhXLDZAKHd66CWsQ6AEIKjAD#v=onepag

e&q=livro%20%20do%20outro%20lado%20do%20mundo%20Genival%20Rabelo&f=false >. Acesso em: 9

abr. 2017.p.207. 20

SILVA, Carla Luciana. A onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2001.p.27. 21

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho. São Paulo: Perspectiva, 2002.p. 162.

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existência do “perigo vermelho”. Todavia, em se tratando desse fenômeno “o oportunismo

político foi prática bastante recorrente”. 22

Voltando a querela entre os magistrados de Macaúbas e os jornalistas, consideramos

que a atmosfera anticomunista influenciou os rótulos atribuídos a Alexandria e a Rabelo. Na

prática, ao sugerir que ambos eram agitadores, os magistrados provavelmente pretendiam

levantar suspeitas de que os jornalistas eram “comunistas”, e que estavam contestando a

ordem social posta pelo regime ditatorial em voga.

Retornando aos jornalistas, as informações que indicam que Genival Rabelo era um

defensor dos interesses nacionais, nos ajuda a entender suas denuncias contra a mineradora de

Boquira. Ao que parece, Alexandria simpatizava das ideias do colega, criticando a atuação do

capital internacional no país. Alexandria respondeu ao promotor de Macaúbas, a réplica foi

publicada no jornal Tribuna da Imprensa, destacando:

Insinua o Promotor que eu sou contra o pensamento vigente e deixa claro

que entende por “pensamento vigente” a concessão da exploração do subsolo

pátrio a empresas estrangeiras. No particular, prefiro somar-me aos patriotas

que aplaudem o monopólio estatal do petróleo. Sou dos que se batem pela

valorização do trabalho do brasileiro. Em consequência, não posso aceitar

uma empresa que, no desenfreado apetite de lucro, prejudica toda uma

coletividade, como acontece sabidamente com a exploração pela Penarroya,

do chumbo de Boquira. Empresa que, nos últimos dez anos, sonegou alguns

milhões de cruzeiros de impostos, partes dos quais teria sido suficiente para

construir escolas, fazer postos artesianos, proporcionar assistência social,

enfim, à sofrida população de Boquira, inclusive proporcionando

distribuição de sementes aos pequenos lavradores, e um número não menor

de providências que não ocorrem sequer ao pensamento do dr. Ruy Osório

[...].23

O conteúdo do texto nos indica que o jornalista preocupava-se com a maneira como o

capital estrangeiro atuava no país, e de modo particular em Boquira, onde, segundo ele, agia

sonegando impostos enquanto a população vivia em situação de pobreza. Destaca, ainda, que

a indústria não realizou nenhum benefício que atendesse aos anseios dos habitantes

despossuídos. Francisco Alexandria defendeu o amigo Genival Rabelo que foi citado por Ruy

Osório em sua carta. Alexandria afirmou que o promotor teria feito “insinuações malévolas” a

Rabelo, que foi a Boquira somente acompanhá-lo em uma visita. Elogiou Genival Rabelo

22

MOTTA, 2002, p. 70. 23

Alexandria, Francisco. Corleone e Boquira. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 22 maio 1973.p.4.

Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=11646&Pesq=Boquira>. Acesso

em: 16 abr. 2017.

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enquanto jornalista e escritor, dizendo que “não cabem insinuações perversas, visando a

enxovalhar o nome de tão ilustre patrício”.24

Escreveu ainda:

Embora desnecessário, quero assinalar que, ao contrário do que insinua o

promotor, não sou subversivo, nem comprometido com correntes ideológicas

de qualquer natureza. Sou sim, contra a farsa, a mistificação, o engodo

praticado em Boquira pelo grupo Penarroya, com a aquiescência de homens

que se dizem de reputação ilibada.25

Alexandria fez questão de responder as acusações sobre ele e o colega, refutando a

pecha de “subversivo”. Claro que, se fossem de fato ligados a algum partido socialista ou

comungassem de ideias marxistas, ele não iria dizer, já que estavam sob um governo

ditatorial. Mas não deixa de ser uma possibilidade que os dois jornalistas realmente não

fossem comunistas. Mas é certo que ambos se apresentavam como defensores do “povo”

brasileiro e contra a forma como atuavam as empresas estrangeiras no país. Nesse sentido,

Rabelo destacou:

Não sendo xenófabo(sic.), sei que todas nações precisam de capitais

foraneos para acelerar seu desenvolvimento, desde que esses capitais sejam,

evidentemente, policiados (o termo aqui jamais teve melhor empregado).

Calcula-se que o capital das 15 empresas subsidiárias da Societé Mineral eet

Metalurgique Penarroya, no Brasil, sejam de 400 milhões de cruzeiros.

Como se sabe que trouxeram para o Brasil apenas 20 milhões de cruzeiros. É

fácil avaliar-se que descobriram aqui a galinha dos ovos de ouro.26

Quando Alexandria destaca que a expressão “policiado” nunca foi melhor empregada,

estava se referindo a falta de fiscalização por parte das autoridades competentes em relação ao

empreendimento da mineradora de Boquira que, segundo ele, sonegava impostos,

contrabandeava ouro e prata, omitia o verdadeiro teor do minério de chumbo para diminuir o

valor dos tributos, além de tantas outras arbitrariedades que a mineradora promovia na região.

Sobre a sonegação de impostos, uma matéria do Tribuna da Imprensa, publicada em quatro

de outubro de 1973, informou:

24

Alexandria, Francisco. Corleone e Boquira (I). Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 22 maio 1973.p.4.

Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=11646&Pesq=Boquira>. Acesso

em: 16 abr. 2017. 25

Ibidem, loc. cit. 26

Alexandria, Francisco. Corleone e Boquira - VII (continuação). Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 10 set.

1974.p.4. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=17289&Pesq=Boquira>. Acesso

em: 16 abr. 2017.

Page 107: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

107

Penarroya pagou, na semana passada, em Salvador, 4 bilhões e meio por

sonegação do IPI. O processo, julgado pelo juiz federal Francisco Trindade,

nem sequer teve recurso da Penarroya, tão evidentes eram os números de

débitos para com o governo.27

Portanto, quando cruzamos as denúncias feitas pelo jornalista, com a matéria citada

acima, percebemos a veracidade das acusações, visto que, a empresa foi processada e

obrigada a pagar os impostos que havia sonegado ao Estado da Bahia.

Dando continuidade à sua defesa contra as acusações do juiz de direito, Alexandria

novamente usou as páginas do Tribuna da Imprensa para destacar que o inquérito policial

movido contra ele, ao qual o juiz se referia, realmente existiu, mas teria sido mais uma

arbitrariedade da política local, visto que o inquérito teria sido aberto pelo delegado de polícia

de Boquira, atendendo aos pedidos do gerente da mineradora, Emilien Prieto.

Desde novembro último, quando fui convidado a depor por ter distribuído

em Boquira um manifesto convidando o povo a votar nos seus candidatos e

não nos candidatos da mineração, que o tal “inquérito” está parado, sem

qualquer explicação. Não cabe dúvida de que a criação do inquérito não teve

outro objetivo que o de intimidar este jornalista e os candidatos da ARENA-

2, que tiveram a ousadia de concorrer com os candidatos lançados pela

Mineração. (É sabido que, desde a fundação da Mineração, todos os

prefeitos e vereadores de Boquira vêm sendo eleitos com a sua aprovação,

para o que a empresa dedica verbas apreciáveis. É óbvio que a Mineração

não mantem essa política a troco de nada. Diga-se, a propósito, que o próprio

Dr. Joel Neto Ferreira é um dos principais e mais dedicados cabos eleitorais

dos candidatos da Mineração).28

Aqui aparece informações sobre a participação da mineradora na política local,

elemento analisado no capítulo anterior. O jornalista participou ativamente do cenário político

na região de Boquira durante a década de 1970, mobilizando a população, apoiando os

candidatos que faziam oposição à mineradora. Ele próprio tentou se candidatar. Suas ações

geraram diversos conflitos na cidade, como as fontes vêm apontando. Lembremos que o

jornalista escreveu diversas matérias no Tribuna da Imprensa sobre a atuação da indústria

mineira na região de Boquira, contribuindo para ampliar ainda mais o descontentamento de

muitas pessoas na cidade. Alexandria Pontes foi, portanto, uma figura polêmica que agitou a

pequena cidade de Boquira.

27

NERY, Sebastião. Alberto Silva, o boi, Penarroya e o folclore. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 4 out.

1973.p.4. Disponível

em:<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=12370&Pesq=Boquira>.

Acesso em: 16 abr. 2017. 28

Alexandria, Francisco. Corleone e Boquira (II). Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 23 maio 1973.p.4.

Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=12370&Pesq=Boquira>. Acesso

em: 16 abr. 2017.

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Mas o jornalista não agiu sozinho, encontrando apoio de pessoas que também se

opunham à lógica que ali dominava. Mais que isso, a oposição prestou apoio e solidariedade

ao grupo social que sofria prejuízos com a empresa no local, a exemplo dos pequenos

agricultores e das pessoas que se opuseram ao poder ali estabelecido.

Para justificar seu posicionamento político, Alexandria demarca que os candidatos de

oposição eram da ARENA 2. Mas como um candidato da ARENA poderia ser da oposição, se

o partido representava justamente o regime militar? Após a implantação do bipartidarismo foi

criado, em 1966, o sistema da sublegenda, que se aglutinava nas associações políticas

ARENA e MDB uma diversidade de políticos que vieram tanto dos antigos partidos, quanto

dos novos nomes que ingressaram na política. As sublegendas tinham o propósito de diminuir

os riscos de desgaste da base da ARENA, devido à existência de uma heterogeneidade de

forças políticas em conflitos dentro do partido. Desse modo, “o modelo implantado permitiria

que alas divergentes indicassem seus representantes à disputa, e não necessariamente um

candidato, o mesmo valendo para o MDB”.29

No caso da política local de Boquira, a ata de vinte e dois de julho 1978 indica que em

sessão da Câmara foi dito que não havia bancada do MBD na Câmara Municipal da cidade.30

Tratava-se então da quinta legislatura, mas, podemos supor que depois que o governo

ditatorial implantou o bipartidarismo em 1965, a Arena passou a ser o partido dos edis de

Boquira.

A fim de compreendermos as disputas políticas locais, voltemos às contendas entre o

juiz de Direito e o jornalista. Na carta dirigida a Alexandria, o Juiz afirma que enviou

correspondência ao diretor do Jornal Tribuna da Imprensa, que o respondeu informando que

Alexandria não trabalhava naquele órgão. Mas, o que soa estranho, é que Alexandria

continuou publicando no Jornal; e o próprio dono do periódico, Hélio Fernandes, em vinte e

três de junho de 1971 publicou uma matéria no Tribuna da Imprensa de título “trustes

estrangeiros enriquecem com o minério do Brasil”, fazendo uma série de denúncias a

mineradora de Boquira. Na matéria, entre várias acusações, pode-se ler:

O famigerado grupo Penarroya está no município de Boquira há mais de dez

anos. O que trouxe de útil para o município a não ser a enorme cratera onde

29

BRAGA, Diego Garcia. A ditadura civil-militar em Alegrete: partidos e sublegendas durante a eleição

municipal de 1976. In: XXVIII Simpósio Nacional de História, lugares dos historiadores: velhos e novos

desafios, 2015, Florianópolis SC. Anais ISBN 978 – 85 – 98711-14-0, Florianópolis: [s.n.], 2015.p. 1-15.

Disponível em: <http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1427857028_ARQUIVO_

trabalhoamphu1976.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2017.p.5. 30

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro 16 de novembro de 1976, a 30 de novembro de 1978.

Fl.81v.

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estão sendo feitas escavações, cratera de miséria, analfabetismo, fome etc.,

onde nada pertence ao município e sim à companhia [...].31

Então, ainda que Alexandria não tenha sido funcionário fixo do jornal, as questões que

escrevia sobre a mineração em Boquira era também comungada pelo próprio diretor do

periódico, que não escreveu apenas essa matéria sobre o tema, mas várias. Ao acessar o

Tribuna da Imprensa notamos que existe muitas matérias dedicadas ao tema da indústria

mineira em Boquira, muitas delas assinadas por Francisco Alexandria, Genival Rabelo, Hélio

Fernandes e outros.32

O jornal Tribuna da Imprensa foi fundado por Carlos Lacerda em 1949, e adquirido

pelo jornalista Hélio Fernandes em 1962. Em 1964 o jornal apoiou o golpe militar, mas com a

instituição do Ato Institucional número um, em nove de abril de 1964, que suspendeu direitos

políticos, estabeleceu eleições indiretas para presidência da República, etc., o jornal colocou-

se em oposição ao governo. Provavelmente por isso, Hélio Fernandes, quando candidatou-se a

deputado federal pelo MDB em 1966, teve sua candidatura impugnada. Foi também proibido

de assinar matérias no Tribuna da Imprensa, no qual teve de usar pseudônimo para escrever,

situação que durou até quatorze de março de 1967. Fernandes foi preso, seu jornal chegou a

ser fechado. Ademais, várias de suas matérias foram censuradas devido ao teor de oposição ao

regime ditatorial. Numa declaração em 1969 afirmou que “o jornal não arredou pé de sua

trajetória de nacionalismo, mesmo que as esquerdas a qualifiquem de reacionária e as direitas

de demagógicas e comunistas”.33

Ao que parece, esse jornalista também compartilhava da

ideia de defesa dos interesses do país em oposição a vantagens estrangeiras na “nação” e tudo

indica que o jornal não era vinculado a partidos socialistas.

Durante o regime militar o Tribuna da Imprensa atravessou diversas polêmicas,

especialmente quando demarcava oposição ao regime, denunciando-o. Mas por que o caso de

Boquira, cidade do interior da Bahia, ganhou tanta visibilidade nas páginas do periódico?

Seria em função de possuir um colaborar natural da cidade? Talvez em partes, mas o caso

envolvendo a mineradora de Boquira também foi tratada em outros jornais do país como O

Estado de São Paulo, cujas matérias foram analisadas no segundo capítulo. E o tema também

foi tratado em outros periódicos, como vimos, antes mesmo do assunto ganhar relevância no

31

FERNANDES, Hélio. Trustes estrangeiros enriquecem com o minério do Brasil. Tribuna da Imprensa. Rio de

Janeiro, 28 jul. 1971.p.1. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_03&PagFis=5785&Pesq=Boquira >. Acesso

em: 16 abr. 2017. 32

Para acessar as matérias, visitar o acervo do jornal Tribuna da Imprensa na Biblioteca Nacional Digital.

Disponível em: < http://memoria.bn.br/DocReader/docmulti.aspx?bib=154083&pesq=boquira >. 33

LEAL, Carlos Eduardo. Tribuna da Imprensa. Disponível em:

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tribuna-da-imprensa>. Acesso em: 18 abr. 2017.

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Tribuna da Imprensa. Desse modo, é possível sugerir que houve um número extenso de

publicações pois o tema ganhou visibilidade nacional principalmente durante a década de

1970, e talvez nesse período o Tribuna da Imprensa tenha dado maior importância para o

assunto fazendo com que outros órgãos de imprensa investigassem a questão.

Na sessão da Câmara de Boquira em cinco de outubro de 1973, houve a leitura de um

ofício do Procurador Geral da Justiça de Salvador, Ivan Americano da Costa. O ofício foi

direcionado ao presidente da Câmara, no qual o Procurador acusava recebimento da ata em

que foi transcrita as cartas do Juiz de Direito e do Procurador de Justiça. No documento é

possível ler: “Tomando conhecimento dessa atitude do digno edil Sr. Osvaldo Monteiro,

apoiada pelo plenário, determinei a necessária anotação na ficha de assentamentos do

mencionado representante do Ministério Público”.34

O fato demonstra que os vereadores levaram ao conhecimento da Procuradoria Geral

de Justiça baiana, a situação, bem como seus posicionamentos à respeito. Indica também a

dimensão que ganhava a polêmica, e talvez até um apoio do Procurador Geral aos magistrados

de Macaúbas. Em trinta de novembro de 1973 o vereador Joaquim Oliveira Leite apresenta

uma moção de repúdio na sessão da Câmara ao Francisco Alexandria, que foi aprovada por

unanimidade. Na ocasião, os vereadores se solidarizavam com o prefeito João de Oliveira

Figueiredo e com o ex prefeito José Lins da Costa, alvos dos escritos do jornalista.35 Em

primeiro de outubro de 1974, outra moção de repúdio contra Alexandria, escrita pelo vereador

José Paulo de Menezes, e aprovada por unanimidade.

Senhor Presidente: passo a ler, para trazer ao conhecimento desta Câmara, a

publicação inserida no jornal “Tribuna da Imprensa”, da Guanabara, do dia 9

de julho de 1974, sob o título “Corleonoe e Boquira (v)”, cuja autoria é

atribuída a Francisco Alexandria, mais uma vez, esse indesejável indivíduo,

com a irresponsabilidade e falta de escrúpulos que sempre o caracterizou,

articula mais uma de suas diatribes e infâmias, investindo contra o Poder

Legislativo Municipal e a honra dos seus membros, bem assim do nosso

honrado Prefeito, Sr. João de Oliveira Figueiredo. Chegamos a esta Casa,

escolhido livremente, pelo voto popular. Como representantes do povo,

temos a consciência tranquila de estar honrando o mandato, procurando

cumprir com o dever, na certeza de que, como modestos sertanejos,

honestamente, temos trabalhado pela grandeza e prosperidade no nosso

querido Município. Por isso, repelimos e repudiamos as injuriosas

afirmações de que fomos eleitos pelo poder econômico e que estamos a

serviço de empresa estrangeira. É bom que se diga que Francisco Alexandria

é figura repudiada e indesejada em toda essa região. Em moções aprovadas

unanimente, as Câmaras municipais de Boquira, Macaúbas, Botuporã,

34

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. Fl. 169. 35

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro de 08 de abril de 1968, a12 de junho de 1974. 184v-185.

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Ibipitanga e Oliveira dos Brejinhos, repudiaram a sua ação insidiosa,

especialmente os seus ataques às autoridades constituídas. [...].36

Nessa mesma moção, o vereador fez referência a condenação de Francisco Alexandria

pela Comarca de Macaúbas a três anos e um mês de reclusão, com mandado de prisão feita

pelo Juiz de Direito de Oliveira dos Brejinhos “substituto da Comarca de Macaúbas,

ordenando a sua captura, estando [Alexandria] foragido” 37

. O vereador se referiu a sentença

do Juiz de Direito, na qual Alexandria é acusado de maus antecedentes. Dentre os citados

crimes estavam o de estelionato (emissão de cheque sem fundo) no Estado do Paraná em

Curitiba onde respondeu processo, e também “foi réu em diversas ações civis, tais como:

despejos, executivas, imissões de posse, arrestas, embargos etc.”, além de ter servido na

Aeronáutica e na sua ficha ter constado mau comportamento. Em Macaúbas respondia

também por crime eleitoral. Foi condenado, no entanto, por falsidade ideológica.38

Entendemos, a partir da análise das fontes citadas, que as acusações de Alexandria

contra as autoridades de Boquira e região giravam em torno do comprometimento dos sujeitos

com a indústria de mineração. No entanto, eles refutavam a tal vinculação.

Independentemente de as denúncias serem verdadeiras, ou não, fica visível a existência da

ligação entre aquelas autoridades, ou seja, entre os vereadores e os magistrados, o prefeito e a

indústria. O fenômeno transcende as fronteiras de Boquira. Outras Câmaras dos municípios

vizinhos apoiaram as autoridades alvos das acusações e repudiaram o jornalista. Ou seja,

existe um elemento aglutinador que é o da defesa da ordem constituída.

Na seção de vinte e um de novembro de 1975, da Câmara de Boquira, o vereador

Joaquim Oliveira Leite levou ao conhecimento da plenária o discurso do deputado federal

Horácio Matos (Arena BA), feito na Câmara dos deputados no dia dezenove de setembro de

1975.39

[...] há dias tivemos a oportunidade de ouvir pronunciamento de ilustre

deputado do MDB pela Bahia, no qual S. Ex.ª criticou injustamente os

dignos Srs. João de Oliveira Figueiredo, Prefeito do Município de Boquira,

Dr. Joel Neto Ferreira, Juiz de Direito da Cômarca, e o Dr. Ruy Osório,

Promotor Público, fazendo-lhes injustas acusações e estendendo as suas

críticas ao Poder Legislativo daquela Comuna. Estou certo, Sr. Presidente,

de que o digno parlamentar agiu de boa fé, confiante em informações

fornecidas pelo comprovado criminoso, estelionatário, Francisco Alexandria

Pontes, useiro e vezeiro em subverter os fatos e caluniar. Quero, nesta

36

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro 19 de julho de 1974, a 12 de novembro de 1976. Fls. 3-

3v. 37

Ibid., fl., 3v. 38

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro 19 de julho de 1974, a 12 de novembro de 1976., fl., 4. 39

Ibid., fl. 62.

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oportunidade, fazendo justiça àquelas autoridades respeitáveis sob todos os

títulos, registrar o meu protesto em nome de toda a comunidade do

Município de Boquira, como também dos municípios de Macaúbas,

Botuporã, Oliveira dos Brejinhos, Ibipitanga, os quais se manifestaram por

intermédio dos seus mais lídimos representantes os edis componentes das

suas dignas Câmaras de Vereadores – em moções que dignificam e são

motivo de orgulho para qualquer pessoa de bons costumes.40

No discurso, o deputado apresenta as mesmas informações presentes na ata da sessão

da Câmara de Boquira do dia primeiro de outubro de 1974, no que diz respeito aos

antecedentes de Alexandria em relação aos processos que respondeu e à condenação por

falsidade ideológica na comarca de Macaúbas. Tudo isso, no intuito de desqualificar as

informações dadas pelo deputado do MDB, visto que ela teria sido fornecida por Alexandria.

Talvez se tratasse do deputado federal Nóide Cerqueira do MDB baiano, cuja denúncia feita

foi matéria do jornal O Estado de São Paulo, que nos referimos no capítulo anterior. Então, a

questão tomava o âmbito político a nível federal, podendo envolver também uma disputa

política entre a Arena e MDB.

Nas eleições de 1974 o MDB saiu na frente no pleito para o Congresso Nacional, e

efetivamente ganhou mais espaço no terreno da política. Na época, o governo ditatorial, que

tinha acabado de empossar o Ernesto Geisel (1974-1979), apresentava sinais de desgaste em

razão de problemas na economia, insatisfação social à repressão, e ainda por conta da

proposta de Geisel de realizar uma abertura política “lenta, gradual e segura”.41

Sabemos por meio das atas da Câmara Municipal de Boquira que Alexandria tinha

sido condenado por falsidade ideológica, no entanto não havia sido preso logo quando foi

acusado. Contudo, em agosto de 1976, encontrava-se recluso, sob a mesma acusação.

[...] Alexandria encontra-se preso em Salvador, no 5° Batalhão da Polícia

Militar, condenado por falsidade ideológica.

O crime do jornalista, de acordo com a sua advogada, Aldenoura de Sá

Porto, resumiu-se no fato de ter ele, há 20 anos, modificado no cartório da

Comarca de Macaúbas, à qual pertence o município de Boquira, sua certidão

de nascimento, fazendo nela constar o nome de seu pai... não incluindo no

documento original.

A Associação Brasileira de Imprensa telegrafou ao governador Roberto

Santo>>, pedindo garantias de vida ao jornalista, que agora aguarda o

julgamento de seu pedido de habees (sic.) corpus ao Supremo Tribunal

Federal.42

40

Livro de ata da Câmara Municipal de Boquira. Livro 19 de julho de 1974, a 12 de novembro de 1976. Fl. 62v. 41

BRAGA, 2015, p.1. 42

NA BA, SECRETARIA MANDA INVESTIGAR O CASO DE BOQUIRA. O Estado de São Paulo. São

Paulo, 6 ago. 1976.p.27. Disponível em:<http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19760806-31096-nac-0027-

999-27-not/busca/Boquira>.Acesso em: 23 abr. 2016.

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113

Podemos perceber que a mesma advogada, Aldenoura de Sá Porto, que abriu o

processo em defesa dos lavradores, estava defendendo também o jornalista Alexandria.

Talvez, tenha sido o próprio Alexandria que entrou em contato com ela para abrir uma ação

na justiça à favor dos agricultores. Encontramos no livreto editado por Alexandria Pontes,

anexo o habeas corpus43

requerido pela advogada, em favor do jornalista em 1975.

Na ocasião a advogada argumentou que Alexandria não teria cometido o crime, pois

não teve intenção de prejudicar a terceiros. O que houve foi que não constava na certidão de

Alexandria o nome do pai e dos avós, então foi até a escrivã da cidade de Boquira em 1949

com intenção de consertar o erro. A escrivã teria dito ao jornalista que poderia solucionar o

problema, e que faria requerimento ao juiz da comarca, fazendo com que Alexandria cresse

que tudo estava de acordo com a lei. Foi-lhe dito ainda que o documento seria trocado. No

entanto, fizeram outro registro sem ratificar o antigo. O intrigante na documentação é que a

advogada acusa os dirigentes da Mineração Boquira de armarem para que o jornalista fosse

preso, pois ela não via sentido em acusar seu cliente de um crime depois de vinte e um anos

do ocorrido. Diz que “fora o paciente cidadão anônimo e não hoje esta expressão nacional de

coragem e destemor estamos certos, jamais viria a público fato tão banal e tão sem

relevância!”44

Segundo a advogada, a escrivã fez com que o caso se tornasse público “pois

não havendo segredo de justiça, sendo a escrivã do pequeno lugarejo, conhecedora de tudo

quanto ocorre no cartório, nada mais evidente que relatar esses fatos a todos [...]” 45

De

acordo com o documento, foi um motorista da Mineração Boquira em visita ao Cartório de

Registro Público, que descobriu as irregularidades na certidão de nascimento do jornalista.

Nicolau dos Santos Dantas, semi-analfabeto, descobriu „algumas

irregularidades no assentamento do nascimento do jornalista e, de pronto,

dirigiu petição ao Promotor Público da Comarca em que procurou enquadra-

lo nas penalidades previstas pelo artigo 299 para o crime de falsidade

ideológica...‟46

Então, o que a advogada indica é que não se tratou de uma coincidência, mas uma

manobra da mineradora para prejudicar o jornalista. Para Aldenoura Porto isso aconteceu

43

“Descrição do Verbete: (HC) Medida que visa proteger o direito de ir e vir. É concedido sempre que alguém

sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou

abuso de poder. Quando há apenas ameaça a direito, o Habeas corpus é preventivo. Partes: Qualquer pessoa

física que se achar ameaçada de sofrer lesão a seu direito de locomoção tem direito de fazer um pedido de

Habeas corpus. Essa pessoa é chamada de „paciente‟ no processo. O acusado de ferir seu direito é denominado

„coator„.” SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Glossário Jurídico. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=H&id=155>. Acesso em 21 jul. 2016. 44

PONTES, 1976, p. 6, 7. 45

Ibid., p. 09. 46

Ibid., p. 10

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114

porque Alexandria Pontes estava incomodando a indústria, por conta das denuncias que ele

vinha fazendo da companhia. O motivo da perseguição ao jornalista, segundo o documento, se

deve ao fato de Alexandria:

Desde 1970 vem se ocupando dos problemas relacionados com as injustiças

sociais praticadas pela firma de mineração que atuam em Boquira, sua terra

natal. As suas denúncias têm obtido grande repercussão não somente na

imprensa do país todo como também no próprio Congresso Nacional, onde

não raramente assuntos da maior gravidade relacionados com as falcatruas

cometidas pelas firmas de mineração que agem em Boquira são levantadas e

debatidas.47

Nesse mesmo documento aparece a informação de que a mineradora abriu vários

processos contra Alexandria, que acabaram sendo arquivados. Sendo um deles “instaurado na

Justiça Militar. Pretendiam enquadrar como „subversivo‟. Achavam que o peso da

denunciação caluniosa seria suficiente para fazê-lo calar”.48

Como naquele momento o país

estava sob um governo ditatorial, as liberdades de expressão estavam comprometidas, e a

subversão era considerada um crime contra o governo, cremos que quem o acusou se

aproveitou do contexto de repressão49

para tentar enquadrar o jornalista nesse crime. Esse

processo também foi arquivado. As cartas dos magistrados de Macaúbas, que citamos acima,

também indicam que realmente existiu a iniciativa do juiz e do promotor de insinuarem que o

jornalista se relacionava com “ideias subversivas”. Nesse caso, para eles, Alexandria era um

subversivo que contrariava a ordem.

O livro de Eurípedes Bonfim revela que o juiz de Direito de Macaúbas – Joel Neto

Ferreira – se relacionava com a mineradora. O mesmo juiz que aparece no habeas corpus de

Alexandria Pontes como sendo responsável pelas acusações feitas. Bonfim informa que:

Este mesmo juiz condenou a três anos de prisão, um jornalista filho de

Boquira, o qual denunciava e lutava pelos desmandos da Mineração; e sem

nenhuma providência por parte das autoridades; por haver solicitado através

de petição ao Juiz da Comarca há vinte e quatro anos atrás, a inclusão do

nome de seu pai, na certidão de nascimento, vez que seus pais eram casados

religiosamente; e o meritíssimo condenou-o por falsidade ideológica.50

47

PONTES, 1976, p. 10. 48

Ibid., p. 13. 49

Como lembra Carlos Fico sobre esse aspecto do período da ditadura militar no Brasil, “[...] hoje podemos

afirmar, baseados em evidências empíricas, que a tortura e o extermínio foram oficializados como práticas

autorizadas de repressão pelos oficiais-generais e até mesmo pelos generais-presidentes.” FICO, Carlos. Versões

e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n.47, p.29-

60, 2004. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/a03v2447.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2014. p.36. 50

BONFIM, Eurípedes. Nem tudo está perdido. [S.I.: s.n., 199-]. p. 21.

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115

Observamos que as fontes tendem a convergir sobre os vínculos entre o juiz de Direito

de Macaúbas e a mineradora de Boquira. Por isso, é bastante provável que as relações tenham

de fato existido. Desse modo, notamos que até o aparato jurídico foi corrompido no sentido de

atender aos interesses da indústria. O jornalista Alexandria se mostrou profundamente crítico

a isso. Nos relatos dos ex-trabalhadores mineiros, ele é lembrado como um sujeito sempre em

atrito com a mineradora:“Ele lutou com essa companhia...”51

e “Alexandria era uma pessoa

...sei lá uma pessoa de vontade de miorar alguma coisa, conhecia de muita coisa errada... e ai

aqui a companhia parece que tinha cisma dele.”52

.

Apesar da maioria das memórias convergirem na descrição de que Alexandria era um

incansável lutador contra as arbitrariedades da mineradora, as lembranças de Aristóteles

Mota, destoam um pouco da versão que prevalece. Ao falar sobre o jornalista, o entrevistado

observou:

Alexandria é o seguinte, eu considero ele como um agitador e oportunista e

aventureiro, ele queria era assumir o poder ali e foi muito burro, ele não

assumiu [...] por burrice, naquela época que ele foi candidato lá a eleição

tava nas mãos dele, mas ele fez umas besteirinhas e perdeu a eleição de

bobeira, mas também vejo assim esses tipo de pessoa assim de qualquer

forma serve, porque é... despertou muita coisa... então... alertou tá

entendendo, freou o pessoal ... agora (se você disser) Alexandria chegasse

ali ia querer fazer o bem de todos, ai não, ia fazer o bem dele [...] na época

dele foi boa eu achei válido, pelo menos... não existe é... democracia sem

oposição né, tem que ter.53

Aristóteles Mota foi gerente financeiro da empresa. Talvez por ter ocupado um cargo

de prestígio, sua fala quase sempre defende a mineradora. Segundo ele, “na época o seguinte,

toda administração ali quando a mineração tava foi boa, porque a mineração tava em tudo,

tava em tudo, tudo que pedia a mineração a mineração fazia.” 54

. Apesar de defender que a

mineradora era benéfica para a cidade, ele não deixa de reconhecer que a empresa controlava

tudo, quando, por exemplo, diz que Alexandria “despertou muita coisa”, “freou o pessoal” e

que “a mineração tava em tudo”, dando a entender que de fato a mineração controlava toda a

administração do município, e que precisou de alguém como Alexandria para questionar, e ir

contra o poder exercido pela indústria.

51

SANTOS, Abelino Manoel dos, Abelino Manoel dos Santos: depoimento [nov. 2012]. Entrevistadora: Alcione

S. Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 52

SOUZA, Saturnino José de. Saturnino José de Souza: depoimento [abr. 2012]. Entrevistadora: Alcione S.

Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 53

MOTA, Aristóteles Frota Vilas Boas da. Aristóteles Frota Vilas Boas da Mota: depoimento [maio.2012].

Entrevistadora: Alcione S. Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para

pesquisa histórica. 54

MOTA, 2012.

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116

Nos interessa menos saber se as denúncias que Alexandria Pontes fazia eram

verdadeiras, do que o que tais posicionamentos provocaram. Sendo assim, compreendemos

que, naquele contexto, existia na região de Boquira uma relação de poder envolvendo a

participação da indústria mineira, e a oposição aos seus desmandos na cidade. Na verdade,

qualquer ação que se opusesse aquela lógica era vista como agitação, desordem, e precisava

ser combatida.

Além da oposição expressa feita por Alexandria, alguns moradores da cidade também

apresentaram denuncias contra o Juiz de Direito Joel Neto Ferreira. Chegaram a organizar um

abaixo assinado, colhendo cinquenta assinaturas, exigindo a saída do Juiz. No jornal O Estado

de São Paulo, em sessão sobre notícias de Salvador, anunciava:

50 moradores do Município de Boquira encaminharam ontem ao Tribunal

Regional Eleitoral uma representação, em forma de abaixo assinado, pedindo

o afastamento do juiz eleitoral da comarca Joel Neto Ferreira bem como do

seu substituto Ruy Osório. No documento os signatários acusam Joel Neto

Ferreira e Ruy Osório de estarem comprometidos com a Mineração

Boquira.55

Esses moradores estavam descontentes com a forma como o processo eleitoral estava

acontecendo em Boquira, o mais provável é que se tratasse de pessoas a favor da candidatura

de Alexandria Pontes. E mais uma vez aparece o aspecto do comprometimento das

autoridades com a mineradora, deixando claro que a denúncia dos moradores se relacionava

com a interferência do juiz nas eleições. Isso evidencia que realmente havia pessoas do lugar

que concordavam com as ideias defendidas pelo jornalista Alexandria. Não podemos esquecer

que as pessoas que eram vinculadas a empresa, mediante contratos trabalhistas, não podiam se

posicionar conta a indústria, provavelmente por receio de perderem o emprego – Relatos de

trabalhadores sobre essa questão apareceram no capítulo anterior. Supomos que as cinquenta

pessoas que assinaram o documento não possuíam vínculo empregatício com a indústria. Em

entrevista, seu José relembra a presença de Alexandria nas disputas eleitorais de Boquira:

Alexandria foi o cara que mais lutou aqui pra Boquira, ele foi quem ...aquele

INSS ali nois dá graças a Deus ele, foi quem mandou fazer foi ele por

intermédio do governo, ele foi lá e pediu e o governo fez pra ele, era o

homem que nois podia ter aqui era ele mas [...] não quis...Ele lutou ai com a

mineração brigava com a mineração ai, fazia tudo ai, por causa que ele dizia

que era, ele dizia que a cidade era pobre e a mineração era rica... Ele

55

RELATÓRIO OFICIAL É RECUSADO. O Estado de São Paulo. São Paulo, 17 set. 1976.p.15. Disponível

em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19760917-31132-nac-0015-999-15-not/busca/Boquira>.Acesso em:

23 abr. 2016.

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117

ganhava [as eleições] mas o povo [as autoridades] não dexava ele levar

não,ai foi indo, foi indo ele desgostou, largou pra lá, foi embora. 56

Na memória de seu José e de outras pessoas da região, Alexandria aparece como um

sujeito que lutou pelo bem de Boquira. Os conflitos são narrados como episódios em que o

jornalista demonstrava, de fato, a defesa que fazia da cidade e de seus habitantes menos

favorecidos, em detrimento da dominação que a mineradora exercia no local. Astrogildo

Lima, ex-trabalhador mineiro, conta que em determinada ocasião Francisco Alexandria

conversou com os trabalhadores mineiros e disse-lhes: “chefe, não acredita muito em chefe

não, chefe é que nem mandacaru, patrão, patrão, patrão é que nem mandacaru, não dá encosto

nem sobra.” 57

Este relato demonstra mais uma forma de como a personagem é lembrada, ou

seja, com um sujeito crítico, contrário aos patrões, companheiro dos trabalhadores. Na

expressão aparece a analogia entre o cacto mandacaru, planta típica do sertão nordestino, e os

patrões. Portanto, a metáfora quis indicar que, assim como o mandacaru, os patrões não são

capazes de proteger os trabalhadores.

Os relatos evidenciam que prevalece uma memória que revela Alexandria como um

sujeito bem visto na cidade, no sentido de que as causas pelas quais lutou eram válidas.

Contudo, também teve um relato em que ele foi denominado de oportunista e aventureiro,

pensamento que corrobora com as acusações dos vereadores e dos magistrados.

O ato de narrar é individual, mas a memória é construída socialmente, portanto,

apresenta características do grupo social na qual foi construída. O fato de Aristóteles Mota ter

sido gerente financeiro da mineradora, explica o seu posicionamento, já que ele compartilhava

a visão positiva da indústria mineira na cidade, provavelmente também partilhava da ideia que

o grupo político e os representantes da mineradora possuíam sobre o jornalista Alexandria

Pontes.

A partir do exposto, observamos que apesar de entre os ex-trabalhadores da indústria

mineira prevalecer a versão de que o jornalista era um incansável defensor dos interesses da

cidade de Boquira, apareceu uma versão divergente. Mas, apesar de Mota descrever o

Alexandria como oportunista, ele não nega a importância da ação política de Alexandria.

Como constata Pollak as memórias não são homogêneas, estão sempre em processo de

56

NETO, José Domingues. José Domingues Neto: depoimento [mar.2013]. Entrevistadora: Alcione S.

Conceição. Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 57

LIMA, Astrogildo Alves de. Astrogildo Alves de Lima: depoimento [jan. 2014]. Entrevistadora: Alcione S.

Conceição. Bahia: Boquira, 2014. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.

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118

contradição, disputas e conflitos.58

No caso das memórias elaboradas sobre a indústria em

Boquira e a ação do jornalista, contrário aos desmandos da mineradora na região, notamos

que os eventos são lembrados de acordo com os lugares sociais dos narradores.

Ainda que o jornalista Alexandria possuísse algum interesse em se tornar uma figura

importante em Boquira, almejando, inclusive, tornar-se prefeito (e ele poderia realmente

possuir um projeto político para Boquira distinto do que estava posto). Suas posições não

estavam descoladas da situação concreta vivenciada na localidade, tanto que o jornalista foi

apoiado por parte dos habitantes da cidade, tanto é assim que não foi apenas Alexandria que

denunciou as ações da mineradora, mas os próprios lavradores expropriados que, desde a

década de 1950, já vivenciavam conflitos com a indústria. Nesse sentido, o jornalista tornou

mais visível os conflitos, as contradições e a dominação que já estavam postas na localidade.

Ao analisar os conflitos envolvendo o jornalista Alexandria, os grupos políticos locais,

os magistrados e a mineradora, evidenciamos o cenário de contradição e de disputa na região

de Boquira no período das atividades de mineração. Existia no lugar um poder que foi

constituído pela indústria mineira que não se restringia ao campo econômico, mas político e

social. Tudo girava em torno da empresa, ela que empregava as pessoas e as mantinha no

emprego, o que justificava a coerção aos trabalhadores que, inclusive, eram praticamente

obrigados a votar nos candidatos apoiados pela empresa. Os funcionários que eram muito

beneficiados pela empresa deveriam manter uma relação de cooperação e apoio à indústria, o

que não deixava de ser também uma dependência. Mas para além disso, o que nossa análise

tem revelado é que apesar do poder da indústria, suas imposições não deixaram de ser

contestadas, denunciadas, pois nem todos os habitantes de Boquira estavam satisfeitos com a

forma da mineradora agir naquele espaço. Por isso, é importante analisarmos as memórias dos

trabalhadores mineiros, refletindo sobre como os operários vivenciaram o trabalho na

mineradora, fato que será evidenciado no tópico seguinte.

3.2. Memórias do trabalho na indústria: os mineiros de Boquira

Antes de iniciarmos a análise, vale relembrar os ensinamentos de Eclea Bosi, para

quem o sujeito que lembra, tal qual o historiador, fica impossibilitado de tratar do passado

58

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p. 200-

212, 1992. Disponível em: <http://reviravoltadesign.com/080929_raiaviva/info/wp-gz/wp-

content/uploads/2006/12/memoria_e_identidade_social.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2013.p.5.

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119

exatamente como ocorreu,59

o que não significa defender a impossibilidade de aproximação

com o tempo pretérito. Nesse sentido, as narrativas orais é um meio de nos aproximarmos de

aspectos das vivências dos sujeitos. No caso de Boquira, a fonte oral nos permite acessar

memórias ausentes da memória oficial da cidade. Entendemos que só é possível saber sobre o

vivido quando ele é transmitido, e a oralidade é uma das maneiras de conhecê-lo. Portanto, a

lembrança do vivido abre janelas tanto para a compreensão dos acontecimentos do passado,

quanto para o entendimento dos sujeitos no presente, na medida em que revela como

interpretam o passado vivido.

Desse modo, iremos destacar as memórias que o grupo de trabalhadores mineiros

construiu sobre as vivências do trabalho no interior das minas de Boquira. Através delas,

compreendemos que existe uma memória coletiva daquele grupo social, criada no universo

cotidiano do trabalho, compartilhada ainda hoje pelo grupo. Nos capítulos anteriores já

vínhamos trabalhando com os relatos desses trabalhadores, mas nesta parte, nos dedicaremos

com mais vagar. Procuramos vislumbrar, a partir da memória dos antigos trabalhadores,

alguns aspectos de suas vivências no ambiente de labor, e como estas estão presentes na

constituição das suas memórias.

Entendemos a memória como um fenômeno social. Segundo Pollak, a memória não é

uma manifestação individual como parece ser a priori. “Maurice Halbwachs nos anos 1920-30

já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou, sobretudo, como um

fenômeno coletivo e social.” 60

Henry Rousso também ressalta a perspectiva coletiva da

memória, aceitando a assertiva do sociólogo Halbwachs cuja notoriedade no campo de estudo

das memórias foi a de percebê-la enquanto um fenômeno social. Segundo Rousso a memória

“é uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do

passado”, mas esse passado não é vivido pelo sujeito isoladamente, mas por um “individuo

inserido num contexto familiar, social, nacional. Portanto toda memória é, por definição,

„coletiva‟, como sugeriu Maurice Halbwachs”.61

Partindo do entendimento de que toda memória é coletiva, ainda que as narrativas

sejam individuais, entrevistamos dez ex-trabalhadores mineiros que residem no município de

Boquira, na sede e zona rural. Todos aposentados. No momento da entrevista possuíam entre

59 e 74 anos. Todos eles tem em comum o fato de morarem no campo antes de começarem a

59

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança dos velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

p.59. 60

POLLAK, 1992, p.1. 61

ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Morais

(Coord.). Usos e abusos da história oral. 8. ed.Riode Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 93-101.p. 94.

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trabalhar na empresa de mineração. De todos eles, apenas dois não são naturais de Boquira. O

senhor Abelino Manoel, que nasceu em Seabra, e José Mario, nascido em Macaúbas.

A maioria dos entrevistados teve como primeiro emprego fixo a mineradora de

Boquira. Somente dois deles já tinham tido outra experiência de trabalho assalariado. Na

mineradora, a função de mineiro era exercida por sujeitos de diferentes lugares – municípios

vizinhos, comunidades diferentes na zona rural, até mesmo de outras áreas da Bahia e outros

Estados. Pelos relatos, é possível supor que grande parte dos trabalhadores mineiros era

oriunda de regiões rurais. Como já apontamos no primeiro capítulo, tratava-se de uma

conjuntura em que se expandia o capitalismo no país, e as zonas rurais foram afetadas por

essa industrialização, situação que moldou a forma de viver de muitos sujeitos.

Como já foi abordado, entre 1950 e 1970, período de crescimento da industrialização

no Brasil, instalou-se indústrias em regiões rurais, fato que contribuiu para o aumento do

êxodo rural, já que as pessoas passaram a migrar de forma intensa para os locais onde as

empresas se estabeleciam. Portando, o fenômeno não foi uma peculiaridade de Boquira.

Bernardes et.al., investigaram as memórias de trabalhadores da vila fabril em Anápolis no

estado de Goiás entre 1950- 1970, objetivando tratar sobre a indústria no interior do país,

entendendo o fenômeno dentro do processo de eclosão da industrialização no Brasil. A vila

foi construída devido ao estabelecimento de fábricas, olarias, frigoríficos, cerâmicas etc.

Segundo os autores, as pessoas que iam para a vila fabril em Anápolis saiam de várias

localidades “externas e internas ao estado de Goiás, trazendo algo em comum: origem rural,

precária alfabetização, e um sonho muito grande de mudar de vida expressada como melhoria

na qualidade de vida.” 62

Os dados apresentados nos levam a perceber que naquele contexto, em que o interior

do país se industrializava, as populações do campo, por razões diversas, partiam em busca de

empregos nas indústrias. O perfil destes trabalhadores era de pessoas que não tiveram acesso à

educação formal, e que procuravam melhorar suas condições de vida. É o caso dos

trabalhadores mineiros de Boquira. Como lembra Maria Ciavatta, somente focando o trabalho

na sua especificidade histórica, nas suas mediações particulares, ou seja, “nos processos

62

BERNARDES, Genilda D‟ Arcet al. “Um pedacinho de outrora...”: memória de trabalhadores da vila fabril em

Anápolis, Goiás (1950-1970). Soc. e Cul., Goiânia, v.18, n. 2, p. 149-162, jul./dez. 2015. Disponível em:

<https://www.revistas.ufg.br/fchf/article/viewFile/42428/21352>. Acesso em: 19 abr. 2017.p. 8.

Page 121: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

121

sociais que lhe dão forma e sentido no tempo e no espaço, podemos apreendê-lo ou apreender

o mundo do trabalho na sua historicidade”.63

Todos os ex mineiros iniciaram o trabalho nas minas nas décadas de 1950, 1960 e

1970. Todos possuíam baixa ou nula escolaridade, alguns fizeram o que denominam antigo

primário, outros apenas aprenderam assinar o próprio nome. A maioria das narrativas dos ex

trabalhadores são convergentes no que diz respeito aos principais acontecimentos vivenciados

pelo grupo no trabalho. Apesar da maneira individual de lembrar e das seletividades das

memórias, os relatos se repetem no que tange à escolarização, assim como no que diz respeito

a outros aspectos. Ademais, alguns elementos são enfatizados por uns, e secundarizados por

outros.

Quando um ex mineiro rememora surge de suas lembranças variados sujeitos e

acontecimentos, alguns desses eles mesmos presenciaram outros foram vividos por colegas,

mas se constituiu de forma tão marcante que passou a fazer parte da memória do grupo. Do

modo como sinalizou Pollak, quando fala dos aspectos que constitui as memórias individuais

e coletivas, em primeiro lugar estão os acontecimentos vividos pessoalmente e em segundo

“chamaria de „vividos por tabela‟, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela

coletividade à qual a pessoa se sente pertencer”.64

Pollak também destaca que, mesmo que exista na memória aspectos flutuantes e

mutáveis, ela também é composta por pontos relativamente invariantes e imutáveis. A

explicação para isso, diz o autor, é como se numa história de vida individual – podendo

ocorrer também em memórias construídas coletivamente – “houvesse elementos irredutíveis,

em que o trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a

ocorrência de mudanças”.65

Portanto, é possível afirmar que em Boquira o grupo de

trabalhadores mineiros passou pelo processo de solidificação de suas memórias, pois as

principais memórias que emergem são comuns a todos os entrevistados. As principais

memórias dizem respeito as dificuldades encontradas no trabalho das minas, o choque

provocado pela morte de um companheiro de trabalho, a solidariedade e brincadeiras

construídas entre o grupo nas relações de trabalho.

Acreditamos que a construção e manutenção das memórias não estão separadas das

relações materiais e históricas. Quando os sujeitos produzem sua existência nas relações de

63

CIAVATTA, Maria. A memória dos trabalhadores de classe subalterna a construtores da democracia.

Trabalho e Educação, Belo Horizonte, n. 11, p. 33-48, jul./dez. 2002. Disponível em:

<http://www.portal.fae.ufmg.br/seer/index.php/trabedu/article/view/1247/1008>. Acesso em: 17 abr. 2017.p.37. 64

POLLAK, 1992, p.2. 65

Idem.

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122

trabalho, também constroem identidade, resultado de suas vivências no cotidiano laboral onde

se experimenta uma diversidade de relações, exploração, resistências, solidariedade e

conflitos. Mediante esse compartilhar de relações, de interesses em comum, que um grupo de

trabalhadores pode criar sua identidade e consequentemente suas memórias. Portanto, a

memória é forjada numa condição social determinada, ou seja, a partir de um lugar histórico e

social dado. Ao falarmos de memórias de grupo estamos tratando de identidades, entendida

aqui como lugar de pertencimento. Como lembra Alistair Thomson, a identidade “é a

consciência do eu que, com o passar do tempo, construímos da interação com outras pessoas e

com nossa própria vivência”.66

Portanto, para falarmos das memórias dos trabalhadores precisamos entender o lugar

social no qual estão inseridos, já que suas identidades foram também determinadas pelas

relações sociais de produção. A determinação aqui entendida no sentido que expõe Raymond

Williams, que significa estabelecimento de limites e pressões “seja por alguma força externa

ou por leis internas de um desenvolvimento particular” 67

, existentes na prática social. Isso

não quer dizer que exista uma causa externa que controle completamente as atividades

humanas, mas que estas são limitadas e sofrem pressões, ou seja, as ações humanas não

ocorrem de forma “livre”, mas são condicionadas por forças e leis que atuam sobre elas.68

Em vista disso, notamos que no universo do trabalho, os mineiros de Boquira forjaram

suas identidades, e no presente partilham de uma memória que foi construída ao longo da

trajetória de labor, reminiscências de um passado experimentado com dificuldades, coragem,

necessidade, solidariedade, tristezas, risos. Vivências que os formaram e que fazem parte do

que são hoje. Sujeitos que se submeteram ao árduo trabalho dentro das minas, com o objetivo

de garantirem sua sobrevivência, na expectativa de melhoria de suas condições de vida. Para

nos ajudar a compreender os relatos apresentados pelos ex mineiros, trazemos as funções que

eram exercidas no interior das minas. Iracema Oliveira constrói uma tabela sobre os cargos

exercidos pelos mineiros, quais sejam:

Serviços realizados em sub-superfície:

- Carregador de subsolo: esse funcionário também conhecido como

paleiro, utilizando uma pá enchia as locomotivas com fragmentos de rochas

66

THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias.

Projeto História, São Paulo, v. 15, p. 51-84, abr. 1997. Disponível em:

<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ioPAo6_38QUJ:revistas.pucsp.br/index.php/revph/arti

cle/download/11216/8224+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 24 mar. 2017. p. 57. 67

WILLIAMS, Raymond. Cultura e Materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.p.44. 68

Idem.

Page 123: ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO · CONFLITOS, MEMÓRIAS (1956-1979) Feira de Santana – Bahia 2017 . ALCIONE SOUZA DA CONCEIÇÃO BOQUIRA E A MINERAÇÃO DO CHUMBO: MUDANÇAS, CONFLITOS,

123

após a explosão delas mesmas, ou como os operários chamavam “após a

explosão do filão”.

-Operador de máquina nível 1 e 2: esse tipo de funcionário guiava os

tratores e as caçambas, tanto em sub-superfície (nível 1) como na superfície

(nível 2). Os tratores que trabalhavam dentro da mina tinha como principal

objetivo, juntar os fragmentos de rochas para facilitar o trabalho dos

paleiros. Ou, dependendo da profundidade, do diâmetro ou do grau de

inclinação, os próprios tratores eram incumbidos de carregar as caçambas

utilizando uma pá mecânica. O local de menor acesso e perigo ficava com os

paleiros. Já os caçambeiros trabalhavam mais na parte externa da mina da

seguinte forma: as locomotivas eram carregadas pelos paleiros de rochas

fragmentadas. Após serem carregadas, essas se dirigiam para a superfície

tendo como principal combustível a energia elétrica, transitando através dos

trinta quilômetros de trilhos distribuídos dentro dos túneis. Chegando a

superfície, todo o material que se encontrava nas locomotivas era depositado

nas caçambas e essas depois descarregavam num britador ou moinho, onde

iria fragmentar a rocha em pequenas dimensões. O material derivado desse

processo era encaminhado para a fase de flotação [...].

- Alinhador: esses funcionários tinha como objetivo alinhar os trilhos onde

transitavam as locomotivas, equivaleria dizer, como os trilhos eram

distribuídos dentro dos túneis e obedecia a topografia dos mesmos, havia a

necessidade de em alguns momentos, ter um operário para puxar uma

alavanca que iria dar uma nova direção, um novo rumo à aquelas

locomotivas, quer seja para acabar de preencher os espaços vazios em outro

túnel, quer seja com o intuito de que essas locomotivas atingissem a

superfície quando estivesses completamente cheias de detritos de rochas.

-Escorador: trabalhava basicamente com madeira para escorar a rocha

dentro dos túneis com o objetivo de impedir o desmoronamento dos

mesmos.

-Perfurador de rocha nível 1, 2 e 3: trabalhava com um martelo de furacão

para abrir um determinado buraco na rocha, local esse em que seriam

depositadas as dinamites para a posterior explosão.

- Encarregado ou feitor: sua função era organizar e zelar pelo bom

andamento do serviço. Seria uma espécie de vigia, mas possuía certo poder

perante os outros ordenando a distribuição dos serviços.69

Clarice Speranza informa que o trabalho dos mineiros é um dos mais árduos, perigosos

e insalubres que os humanos já inventaram. Essa categoria de trabalhadores é exposta

constantemente ao risco de acidentes letais ou incapacitantes, “condenados à escuridão, à

poeira, ao frio e calor excessivos, esses operários chegam a ser comparados a toupeiras pelo

escritor francês Émile Zola em seu célebre Germinal." 70

Ao tratar do trabalho dos mineiros de

carvão no município de São Jerônimo no Rio grande do Sul, em especial das lutas que

desenvolveram no campo jurídico entre as décadas de 1940-1950, a autora argumenta que nos

69

OLIVEIRA, Iracema Souza de. A mineração de chumbo e a produção do território de Boquira-Bahia:

Impactos socioeconômicos e exploração do trabalho. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em

Geografia) - Universidade Federal da Bahia, Barreiras, 2011.p. 36-38. 70

SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre trabalhadores e

patrões nas minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2012. Disponível em:

<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/54071/000837468.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.p.41.

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124

anos quarenta “as evidências indicam um cotidiano humilhante, insalubre e degradante” 71

para aqueles operários.

Entendemos, portanto, o quanto o labor no interior das minas é desgastante e

arriscado. As narrativas dos ex-mineiros de Boquira nos permite sustentar a afirmação.

Comecemos, pois, pelo relato do senhor Astrogildo Lima, natural do município de Boquira.

Astrogildo iniciou o trabalho nas minas em 1967. Ao falar das dificuldades naquele serviço,

fez a seguinte exposição:

E a gente fica duído por dento, porque essas coisas é assim, um espinho

entra num pé de uma pessoa , ele tá gritando, mas não foi no pé da gente, foi

no dele né. Ele tá sentindo a dor mais a gente quá, não tá duendo não, mas é

nele...e esse trabaio ai as veiz a gente fala a pessoa fica assim quá, será que

era assim mesmo talvez não era, mais quem entrou lá que viu sabe como é

que foi o sofrimento [...].72

O ex trabalhador usou uma metáfora para entendermos o significado do labor nas

minas. A intenção foi tentar explicar de forma clara como é difícil sentirmos o que ele sentiu

naquele tipo de trabalho. Com a metáfora, Astrogildo quis evidenciar o quanto o trabalho das

minas foi extenuante, e que só quem o experimentou é capaz de saber sobre a agrura daquele

serviço. Astrogildo conta, ainda, que quando começou a trabalhar era solteiro, os pais tiveram

dezessete filhos, na época, o pai, ele e outro irmão trabalhavam para sustentar a família.

Conta:

[...] Falar da minha vida pessoal eu fui uma pessoa muito sofrido, meus pais

teve foi dezessete filho a criação deles foi dezessete. Eu e outro irmão que eu

tinha, ajudava pai dar de comer esses meninos [...]. Eu trabaiava, tinha um

cartão que comprava comida na cantina, comprava arroz, carne no açougue,

óleo essas coisas, “mãe você vai lá e tira pra dar de comer esses meninos”

[...] só tinha eu oto irmão e meu pai trabaiava pra dar de comer eles, então,

trabaiei um ano e não comprei nada pra mim, nada, nada. Eu vim pra pensão

o dinheirinho que sobrava minha mãe fazia a compra na cantina né, pra dar

de comer meus irmãos, não tô alegando não, que eu fiz uma coisa dessa

fiquei satisfeito de minha mãe ficou satisfeito né, o restinho que sobrava que

eu tirava eu pagava a pensão eu ficava sem nada [...].73

Na época, era o trabalho na lavoura que garantia parte da subsistência da família do

ex-mineiro. No entanto, provavelmente o que se obtinha com ela não era suficiente, talvez por

isso Astrogildo teve de trabalhar na mineradora, já que com o salário pôde ajudar seus pais e

71

SPERANZA, 2012, p.42. 72

LIMA, 2014. 73

LIMA, 2014.

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125

irmãos, apesar de ganhar bem pouco no início. Com o salário também teve de pagar o aluguel

da pensão operária em Boquira, onde foi morar algum tempo. Ele morava em um povoado

próximo.

A falta de recursos fez com que Astrogildo Lima fosse trabalhar na empresa de

mineração, na função de mineiro. O que não foi uma condição apenas dele, mas de todos os

entrevistados que por necessidade decidiram se empregar no árduo trabalho de mineiro, a

exemplo de Saturnino José, ex-mineiro, que iniciou o serviço nas minas em 1956. Saturnino

era natural do povoado de Brejo Grande, comunidade próxima de Boquira. Indagado sobre o

porquê decidiu se empregar na mineradora informa: “precisão né... a gente trabalha não é nem

por gosto é que a precisão obriga...” 74

. Após informar o motivo que o levou ao emprego,

conta como era o trabalho:

O trabalho lá era pesado, serviço pesado,você só encontrava serviço pesado,

quem lutava tinha que trabalhar na produção de caçambinha de [...] carregar

o material encher as caçambas, fazer despejo no chaminé,tinha os perfurador

das rocha, com a marteleta né... tudo trem pesado né. Fazia despejo no

chaminé pros outros transporte pegar...fazia despejo no chaminé agora em

baixo outro pegava em outro sobrenivel... o trabalho lá minha fia pra gente

acostumar é sofrido, mas depois que a gente acostuma também da pra ir

tocando.75

O narrador destaca a dureza da função, aspecto enfatizado nos relatos de todos os

mineiros entrevistados. As queixas podem estar relacionadas, entre outros fatores, ao fato da

ruptura com o trabalho no campo, já que o trabalho industrial tem outra dinâmica. Em se

tratando da função de mineiro, precisamos considerar também que é um tipo de labor muito

desgastante. Saturnino diz que no interior da mina fazia muito calor e possuía muita fumaça

devido à explosão das dinamites. Em suas palavras:

Calor minha fia, calor de mais... a gente entrava quando a gente saia tava

chacoalhando água dentro da bota só de suor da gente... só suor, só de entrar

lá... e a fumaça agora... fumaça... a gente detonava e a gente entrava dentro

daquela fumaça terrível [...] quem trabalhava no primeiro horário até que era

bom, agora quem trabalhava no segundo comia muito era fumaça... primeiro

segundo e terceiro horário o melhor horário que tinha era o primeiro,agora o

segundo e o terceiro era sofrido... uma fumaça dentro da mina que não tava

escrito.76

As narrativas são importantes para desvelar um pouco do ambiente laboral das minas.

As dificuldades já começavam no deslocamento. Alguns trabalhadores saíam de suas

74

SOUZA, 2012. 75

Ibid. 76

Ibid.

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126

comunidades rurais para irem trabalhar todos os dias, foi o caso do senhor Sebastião, que

exerceu muitas funções na mineradora. Foi limpador, alinhador, maquinista, chegando a ser

encarregado. Conta que residiu em Boquira apenas por alguns meses, então, todo dia saía de

sua comunidade para trabalhar, na maioria das vezes ia montado em um animal. Na volta para

casa, como tinha companheiros que moravam em comunidades vizinhas, as vezes voltavam

juntos. Lembra que uma vez dormiu no caminho ao sair do trabalho de madrugada:

Um dia eu evinha trabalhava no terceiro turno [...] entrava dez e saia quatro

da manhã, e ai cheguei na serra o sono apertou eu vinha sozinho entrei pra

dentro do mato, embruei com o capa e deitei, quando acordei era dez horas

[...] ai o pessoal já tinha ido lá ver o que tinha acontecido.77

Os trabalhadores que se deslocavam todos os dias da sua comunidade, às vezes

voltavam sem o dia ter raiado, situação que, por vezes, preocupava a família e amigos. Em

uma das entrevistas uma esposa relatou que ficava com “o coração na mão” toda vez que o

marido saía para o trabalho. Um serviço temido, que afetava o contexto familiar e de amizade.

De acordo com os relatos havia diferentes turnos de trabalho, geralmente acontecia em

dupla ou individualmente. As atividades de mineração ocorriam em diversos locais. Como

sublinha Oliveira, “a mineração explorou quatro morros em Boquira, sendo esses localizados

próximos uns dos outros e que eram denominados pelos funcionários de: morros maranhão,

cruzeiro, pelado e sobrado”.78

Geralmente, os mineiros se encontravam na entrada e saída do

trabalho. Durante o serviço, por exemplo, os que trabalhavam no Cruzeiro não se

encontravam com os do Sobrado. Encontravam-se também durante o banho na saída, os do

Pelado e Sobrado usavam o mesmo banheiro.

Abelino Manoel, saiu de Anjical, município de Seabra, para procurar um emprego em

Boquira. Começou o trabalho em 1959 e ficou até 1973. Ele relata sua vivência no trabalho:

Pra mim mesmo foi pesado do começo ao fim. Lá só miorou que teve

segurança, eu já tinha saído [...] o povo já trabalhava com a lâmpada no

capacete, ai eu não alcancei mais, eu já tinha saído. Mas no outro tempo a

gente trabaiava ai adoidado, arriscando a vida mermo, que nem eu mermo

arrisquei a vida lá com fogo faiado foi muitas veiz [...].79

77

SANTOS, Sebastião Souza dos. Sebastião Souza dos Santos: depoimento [ago. 2013]. Entrevistadora: Alcione

S. Conceição. Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 78

OLIVEIRA, 2011, p. 39. 79

SANTOS, 2012.

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127

Oliveira diz que os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) só foram utilizados

pelos mineiros em 1973.80

Se o trabalho nas minas já são penosos, ter sido feito sem uma

segurança mínima certamente o tornou ainda mais perigoso. Além disso, o chumbo é tóxico

ao organismo humano, e provoca muitas doenças, principalmente quando a exposição

acontece por muito tempo. A empresa fornecia leite aos mineiros, pois os médicos da

mineradora recomendavam como forma de prevenir a contaminação pelo chumbo. Oliveira

informa, baseada em referência específica, que na verdade o leite não possui essa função.81

Portanto, os mineiros estavam expostos a toda sorte de perigos, inclusive muitos trabalhadores

morreram dentro das minas em Boquira. De acordo com Abelino:

A gente trabalhava num cativeiro desgramado [...] não tinha segurança

nenhuma, a gente trabalhava com o gasômetro [...] trabalhava mais no escuro

do que claro, descendo desmonte, subindo escada. [...] com o tempo a mina

foi arruinando já começou morrendo gente, morreu um bocado.82

Nas entrevistas todos os ex-mineiros lembram com pesar as mortes que aconteceram

nas minas. Não é possível enumerar a quantidade de mortes e acidentes, mas pelos relatos

podemos afirmar que não foram poucos, já que a cada entrevista vários casos eram

relembrados. Talvez em virtude do caráter trágico e afetivo, na memória desse grupo de

trabalhadores ainda estão vivas essas lembranças.

Além das constantes lembranças, o trabalho vivenciado em outras mineradoras

evidenciam que não era incomum a ocorrência de óbitos neste tipo de atividade. Marta

Cioccari, ao entrevistar ex trabalhadores das minas de carvão em Minas do Leão – Rio

Grande do Sul, encontrou em relatos de ex operários a comoção ao relembrar dos acidentes

nas minas. Partindo de um relato específico, evidencia que um ex mineiro “contou que o

acidente que ocasionou a morte do amigo, em setembro de 1977, foi a tragédia que mais o

chocou, que mais alterou seu estado nervoso.” 83

O principal medo do ex mineiro era o de

morrer nas minas e deixar a família, os filhos pequenos. Por isso, só permanecia naquele

trabalho por necessidade.

80

OLIVEIRA, 2011, p. 52. 81

Ibid., p.56. 82

SANTOS, 2012. 83

CIOCCARI, Marta. Entre o campo e a mina: valores e hibridações nas trajetórias de mineiros de carvão no sul

do Brasil. Mundos do trabalho, [S.l.],v.7, n.14, p. 75-98, jul./dez. 2015. Disponível em:

<file:///D:/Downloads/42291-150998-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.p. 89.

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Observamos, portanto, que as memórias desses operários estão permeadas por

lembranças de um labor demasiadamente extenuante, marcados por acidentes de trabalho,

pela perda de companheiros, perdas estas que no presente ainda lhes causam tristeza.

O senhor José Reis, natural da região de Boquira, ex trabalhador mineiro, trabalhou

durante quinze anos na mineradora, tendo começado no ano de 1970. Em seu relato relembra

um dos acontecimentos que, segundo ele, teria sido um dos mais tristes da atividade mineiras,

qual seja, o acidente. Emocionado, relata:

[...] tem hora que eu falo assim e arrepio [...] já vi menino da Mamona

também futucando a bica... lá o material arriou e pegou ele também... eu sei

que eu fiquei assim de cedo inté tantas horas só tirando minério pra esvaziar,

pra tirar ele dentro da bica já machucado[...]. A gente fala assim... mas a

gente não gosta nem de recordar uns passado assim... é.... sofrer ( se

emociona). Moço, tem tanta coisa que a gente se alembra assim [...] tem tudo

filmado assim... pra ter uma recordação, pra contar direitinho como é que era

as coisas [...]. Mas, é mais difícil do que as veiz a gente fala né não [...] cê

chegar entrar numa boca de mina daquela... aquele fumaçero na frente que cê

nem vê lá a frente.84

No relato o senhor José Reis narra um acidente que ocorreu com um companheiro de

trabalho. Pela comoção do narrador, que chegou a ficar com olhar lacrimoso, percebemos

como essa memória ainda lhe emociona. Nesse sentido, percebemos que, como salienta

Portelli, a análise do testemunho oral permite não só acessar aos elementos materiais do

acontecimento, mas também “a atitude do narrador em relação à eventos, à subjetividade, à

imaginação e ao desejo que cada indivíduo investe em relação com a história.” 85

Quando seu

José se emociona ao recordar a morte de um companheiro e os obstáculos do trabalho das

minas, percebemos o quanto os acontecimentos afetaram sua vida, revelando como o trabalho

dos mineiros era árduo. Além disso, demonstra também a dor que causava a perda de um

camarada. José Paulo, ex mineiro, que começou a trabalhar em 1972, também rememora o

trauma de perder um companheiro vitimado em um acidente de trabalho. Ele nos conta como

os trabalhadores reagiam a morte de um colega.

Com medo, mas aquela hora ali, depois pegava com Deus e trabalhava, no

outro dia ia trabalhar, mas ficava com medo, cismado, e uns até pedia a

conta pra ir embora com medo de trabalhar. Mas a gente já tava acostumado,

a gente pegava com Deus e trabalhava, tem que ter cuidado, a mina é

84

REIS, José Francisco dos. José Francisco dos Reis: depoimento [abr.2012]. Entrevistadora: Alcione S.

Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 85

PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Proj. História,

São Paulo, v. 10, p. 41-58, dez. 1993. p.41.

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129

cuidado. Você trabalhava só em pedra moço, é perigoso meu Deus do céu,

era perigoso ali, mas graças a Deus nunca acidentei lá não.86

Além dos traumas, a fé religiosa também é comum na fala dos entrevistados. Este

elemento aparece como combustível para que eles conseguissem persistir na labuta. A crença

também ajudava os mineiros a se conformarem com a morte dos colegas, por acreditar ser

uma espécie de destino traçado. Como relembra seu Mariano: “faz parte do trabalho né, muito

cuidado que a pessoa tem, mas quando tem de acontecer acontece mermo, as veiz [...]

acontece por simplicidade da pessoa e otos não, é que tem de acontecer mermo né”.87

Então,

culturalmente, para esses indivíduos a morte também era vista como “o dia chegado”. Era

como se a vida e morte fosse predestinada. Apesar dessa crença, o falecimento de um colega

afetava bastante os mineiros. Como lembra Astrogildo Lima:

A gente doecia de mais, era muito doentio, depois de doentio a gente via os

companheiros da gente morrer, então a gente ficava assim meio assim com

aquele sentimento, ver o colega da gente morrer numa situação

precária,panhado em saco de estopa, enchia assim e carrega . Otros, a gente

também era muito afrisado pelo encarregados, pela chefia nera, a direção,

era, nessa época era um ditadura, era uma ditadura, ele chegava e falava

você tem que fazer e fazer mesmo, cê tinha que fazer [...]. 88

No momento da entrevista Astrogildo Lima chegou a ficar com as mãos trêmulas ao

recordar os acontecimentos narrados, pois a memória é capaz de aflorar os sentimentos. O

entrevistado explicou que se lembrar do trabalho na mineradora, de todas as injustiças que

sofreram naquele local, o deixava com sentimento de raiva e mágoa, especialmente quando

lembra dos companheiros mortos nas minas e dos seus cadáveres apanhados em sacos, muitas

vezes aos pedaços. Astrogildo falou sobre o autoritarismo dos chefes, que em várias situações

obrigavam os trabalhadores a realizarem serviços que poria em risco suas vidas. O ex mineiro

exprime a maneira como em sua consciência percebe a forma de exploração que sofriam

naquele trabalho. Um serviço em que eram obrigados a se submeterem ao perigo e que por

vezes ceifava a vida de companheiros. Segundo ele o trabalho melhorou um pouco quando

colocaram segurança em 1973. Dando continuidade, Astrogildo revela que:

86

BRITO, José Paulo de. José Paulo de Brito: depoimento [abr. 2012]. Entrevistadora: Alcione S. Conceição.

Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 87

JESUS, Mariano Francisco de. Mariano Francisco de Jesus: depoimento [maio 2013]. Entrevistadora: Alcione

S. Conceição. Bahia: Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 88

LIMA, 2014.

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[...] tinha que tirar trinta tonelada, trinta vagão daquele que se chama

caçambinha , lá tratava de caçambinha , então era mil quilos, uma tonelada.

Eles queria, tem que tirar trinta tonelada, se não desse cê chegava tava dando

bronca e bronqueava a gente não era com educação não, bronqueva a gente

era como... os pais hoje em dia não tem mais o direito de... é o que eu fico

impressionado, porque naquele tempo eles tratava a gente daquele jeito e

hoje os pais não pode, tem que ter jeito de falar com o filho né, então a

gente era muito maltratado, muito maltratado mesmo... a gente doecia e

vinha aqui no médico era Dr. José Lins ou doutor Jurandir eles... eles fazia a

gente trabaiar doente, „vai trabaiar preguiçoso cê tá embromando‟ era desse

jeito... o cara retava, o cara ficava brabo, eu mesmo, é sério, quando ele

falava assim ... eu ia trabaiar doente, cansei de ir trabaiar doente, mas por

isso ele viu, tô ai, eu tô ai, tô vivo graças a Deus, tô vivo, tô são. Mas eu

saia doente pra ir trabaiar, Jurandir não falava assim com a gente não, mas

doutor José era casca de pau, de madeira ruim. 89

O senhor Astrogildo lembra uma das funções que exerceu nas minas, a de caçambeiro,

que com uma pá de mão, um picareta e um marrão90

ele e alguns colegas tinham que realizar

uma determinada quantidade de produção por dia. Se não o fizesse sofriam reclamações. Na

sua concepção atual, o sentimento de indignação emerge porque se não se pode hoje tratar

mal a um filho, tem que saber conversar e explicar as coisas, então, é inaceitável que eles

tivessem passado por tanta humilhação naquela época, tido suas dignidades feridas por

sujeitos com quem não tinham nenhum vínculo afetivo e familiar. No entanto, a forma que

encontrou para superar o sentimento de indignação e o passado doloroso, foi o de dizer que

está vivo e bem de saúde, apesar de tudo aquilo. O posicionamento de Astrogildo pode ser

explicado de acordo com as colocações de Thomson, quando diz que na tentativa de relembrar

um passado que foi importante procuramos instituir “uma coerência pessoal satisfatória e

necessária entre as passagens não resolvidas, arriscadas e dolorosas de nosso passado e nossa

vida presente.” 91

Isso implica em dizer que Astrogildo e provavelmente outros mineiros

encontraram no presente outras atividades e vivências que contribuem para que vençam as

lembranças de um passado doloroso, já que apesar de tudo eles sobreviveram. No caso do

entrevistado, ele destaca, ainda, que conseguiu sobreviver com saúde. Hoje trabalha no

campo, em sua própria terra.

Astrogildo, antes de se empregar na mineradora era um lavrador. O trabalho na

mineradora foi seu primeiro emprego assalariado em uma indústria. Como pontuado em outro

momento, esta não era uma peculiaridade do ex mineiro. A maioria deles era egressa da zona

rural. Esses homens passaram a laborar em uma dinâmica de trabalho bem diferente do que

estavam acostumados. Passaram a trabalhar sob a fiscalização de terceiros, os chamados

89

LIMA, 2014. 90

Martelo de ferro grande. 91

THOMSON, 1997, p.58.

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encarregados, que exigiam uma cota de produção e reclamavam quando os trabalhadores

frustravam as expectativas pré-estabelecidas. Esse aspecto é um elemento muito importante

para entendermos a própria percepção que esses trabalhadores criaram a respeito do trabalho

nas minas; na medida em que eram acostumados a um modo de produzir rural, cujo trabalho

era realizado em sua propriedade, ou produzindo para outras pessoas. Mas a produção se dava

em outro ritmo. As mudanças promovidas pela nova relação de produção afetaram

diretamente o tempo daqueles sujeitos, impactando suas vidas, de modo a transformar a forma

como eles se viam diante da lógica industrial.

Não por acaso seu Astrogildo fala com hostilidade dos médicos, na medida em que

eles não colaboravam com os trabalhadores. Ao se referir aos que trabalhavam na Companhia,

o trabalhador destaca que os médicos permitiam que fossem trabalhar doentes. Nesse sentido,

o relato nos leva a pelo menos duas interpretações. A primeira está relacionada ao fato de que

os médicos serviam às estratégias da indústria em não permitir que seus funcionários ficassem

ociosos, daí a liberação dos médicos para que os operários trabalhassem, ainda que estivessem

doentes. A outra, tem a ver com a iniciativa/resistência dos próprios trabalhadores. Talvez,

parte deles realmente inventasse doença para se livrar por uns dias de um trabalho extenuante.

Sobre isso, o ex-mineiro Abelino Manoel relembra:

De primeiro era um cativeiro, gente chegava naquele hospital [...] o primeiro

médico que veio pra aqui foi doutor José, não tinha médico aqui não [...]

doutor José se a gente levasse uma machucadurinha ou adoecesse a gente

chegava lá, ele atendia, quando é no outro dia a gente doente ainda, ele já

queria que a gente voltasse pro serviço, se gente não pudesse ele dizia que a

gente tava era embromando, era porque não queria trabalhar. 92

Seu Abelino, tal qual Astrogildo, trabalhava na roça de sua família antes de conseguir

se empregar na indústria, “lá nesse tempo não usava ninguém empregar em nada... eu vim pra

aqui na idade de 20 anos”. 93

Ele saiu de sua localidade para ir até Boquira procurar um

emprego: “saí de longe e ainda vim de a pé, e ainda vim de lá pra aqui na perna, é quatro dias

de viagem na perna.”.94

Abelino Manoel foi mais um trabalhador que saiu da lida na roça, para

se tornar um operário da indústria. A expressão “embromando” aparece nas duas narrativas,

na de seu Astrogildo e Abelino; ao usá-la os médicos queriam dizer que o operário poderia

fingir doença para evitar trabalhar, o que deixava os mineiros irritados com a situação.

92

SANTOS, 2012. 93

Ibid. 94

Ibid.

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Os médicos que trabalhavam para a empresa não queriam que os operários perdessem

um dia de serviço. Estavam ali principalmente para atender aos interesses da indústria.

Afinal, o capitalismo exige tempo e disciplina de trabalho, como lembrou Thompson “na

sociedade capitalista madura, todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado; é uma

ofensa que a força de trabalho meramente „passe o tempo.‟” 95

Outra resposta às condições ruins de trabalho estava no fato de sujeitos que

começavam a trabalhar nas minas, mas não ficavam muito tempo no serviço. Muitos homens

desistiam ao se darem conta do perigo que estavam correndo. O senhor José, que trabalhou

por algum tempo nas minas, mas ficou mais tempo trabalhando em outros serviços na

indústria, relembra sobre um sujeito que não permaneceu naquele trabalho:

[...] tinha cara que chorava, quando pegava um serviço ruim chorava hum...

ai um dia mermo um cara chegou lá [..] ele tava trabaiando assim e caiu uma

ribançeira lá, o homem endoidou, ai a turma “não moço ali é porque você

não soube mexer no desmonte, o desmonte ta [...]” se ele mexe ia arriar tudo

nele, ele não sabia, não explicaram ele direito... ai ele disse “ham é outro que

fica aqui eu vou é embora, aqui é onde o filho chora e a mãe não vê...” ai

eles disse “ não moço mais não é ruim assim também... é porque... cê tem

uns oito dias que você trabaia, de dois mês em diante é que você vai

acustumar... mas não acustuma pra dizer que tô trabaiando aqui e não tem

perigo não, porque de todo lado cai coisa” ai ele disse “ fico não, eu tenho

minha família mas eu vou caçar todo jeito... de ganhar dinheiro de outro

jeito, mas aqui não, não vou falar por soberba mas aqui eu não vou não” ai

não foi mermo não.96

Nesse relato é perceptível que o sujeito estava naquele trabalho para sustentar sua

família. Não somente ele, mas muitos trabalhadores se arriscavam no labor mineiro para ter

que garantir uma renda imprescindível para a sua subsistência e a da família. Na narrativa o

trabalhador decidiu sair e tentar outra maneira de sobrevivência. Isso demonstra também os

perigos presentes no serviço, o que fazia com que homens recusassem o emprego. José conta

outra situação causadora de desistência da função de mineiro:

Teve um cara da Lapa [Bom Jesus da Lapa] que mermo, que foi trabaiar

todo no palitó, ai teve uns que disse, o feitor disse “há ele vai trabaiar é no

escritório” ai ele disse “não moço você tem que ir de bermuda, né assim não,

uma calça veia” ela disse “eu sou homem de vestir roupa véia!”e os meninos

quando ia, ia quase pelado era com aquelas roupinha véia rasgada, ai quando

ele chegou lá dentro ele trabaiou, quando foi na hora de detonar os meninos

botou fogo lá, esse homem endoidou lá, foi preciso todo mundo segurar ele...

quando foi no outro dia... no mesmo dia que chegou ele disse que queria a

95

THOMPSON, E.P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 300. 96

NETO, 2013.

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conta com os direitos dele, ai [...] só trabaiou um dia, pagou ele o dia e deu

uns trocado modo ele ir embora, ele veio embora, veio embora... e nós ria

dele, o homem endoidou.97

O caso relatado por seu José apresenta um sujeito que chegou para exercer a função de

mineiro e não sabia exatamente como iria ser o trabalho. Um indicativo disso eram as roupas

inapropriadas para entrar nas minas. Então, muitos iam para aquele serviço com a perspectiva

de conseguir um salário, sem saber de fato como era enfrentar o labor nas minas. Nem todos

conseguiam permanecer, e optavam por buscar outra alternativa a arriscar sua vida. Seu

Astrogildo, no entanto, preferiu conviver com o risco da profissão para ficar junto da família e

não ter que ir para outro lugar trabalhar:

[...] ai eu fui trabaiando e as veiz eu chegava em casa e meus filho tava lá e

eu oiava pra eles, e eu falava: é vou trabaiar, porque se eu morrer lá, a

mulher recebe o seguro e cria esses meninos, porque se eu sai de lá, vou ter

que ir pra fora, e ficar fora de minhas crianças não dava não né, era

complicado. Ai eu tinha aquela vontade de tá junto com eles né, e eu

trabaiando ai era muito ariscado, mais quando eu saia eu ia lá pra onde tá

eles a noite e ai eu fui trabaiando e os anos foi passando, e ai com pouco

vem outro ano, e é vai outro ano, quando eu pensei que não tinha dez anos,

ai eu falei falta cinco ai com pouco foi chegando, ai eu cheguei e me

aposentei, quando eu me aposentei tinha uma chefia lá que queria que eu

ficasse mais um ano , e eu não, nem um dia, peguei sai, requeri minha

aposentadoria, sai e tô ai né, trabalhando na roça, nunca deixei de trabalhar

não, também nunca trabaiei de empregado em canto nenhum quando eu saí,

mas não paro de trabaiar na roça. 98

A escolha de seu Astrogildo de não querer mais trabalhar de empregado, demonstra

seu estranhamento à lógica de trabalho que não fosse a do campo. Nos permite identificar,

ainda, que possuía uma noção de produção adversa àquela relacionada à industrialização.

Sobre continuar trabalhando no campo, Astrogildo não foi um caso isolado. Muitos

trabalhadores das regiões rurais próximas a Boquira, ou de Boquira mesmo, permaneceram

trabalhando em suas roças, mesmo com o emprego na indústria. O problema do trabalho na

lavoura de subsistência é que não era suficiente para assegurar uma condição de vida melhor,

no sentido de que dependia muito de chuvas para plantação e criação de animais, e a região

não possuía períodos chuvosos longos, e ainda se tratava de propriedades pequenas que talvez

não fossem suficientes para subsistirem, já que as terras pertenciam a toda família.

José Mario, ex mineiro, começou a trabalhar nas minas em 1967. Natural do povoado

de Posto Dantas em Macaúbas, antes de se empregar em Boquira tinha ido trabalhar em uma

97

NETO, 2013. 98

LIMA, 2014.

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usina de açúcar em São Paulo. Ele também continuou trabalhando na roça, mesmo estando

empregado na mineradora, explicou:

Eu quando não tava trabalhando na mineração eu trabalhava na roça, naquela

época eu quase não descansava, porque tinha dia que eu chegava da

mineração e só sentava pra almoçar, terminava de almoçar já ia pra roça,

uma hora dessas assim já tava trabalhando, porque só o salário da mineração

não dava pra gente se manter com a família não, era muito pouco.99

A narrativa revela que permanecer no trabalho do campo era uma alternativa para

manter a família. Mais que isso, também evidencia que o salário que recebia na função de

mineiro não era suficiente para a sobrevivência. Portanto, esses homens possuíam uma dupla

jornada de trabalho, e encontrava na roça a possibilidade de plantar alimento, criar um animal

ou até mesmo trabalhar na roça de outra pessoa e ganhar pelo dia de serviço. Astrogildo Lima

explicou porque continuou no trabalho nas minas mesmo com as dificuldades que tinham de

enfrentar:

[...] o trabalho da mina foi complicado, foi, mais a gente atolerava porque

não tinha outro lugar que ganhava um dinheirinho igual, ai era pouco

também , pelo trabaio lá o ganho era pouco, mais era o maior aqui, e era um

sertão, aqui era um sertão que não tinha apelo, por onde apelar.100

Então, a situação da falta de recursos para suprir as necessidades do viver naqueles

sertões baiano, fez com que muitos homens permanecessem no trabalho de mineiro, mesmo

sabendo o quanto era perigoso. O senhor Ermiro, ex trabalhador mineiro, iniciou nas minas

em 1973. Também era um agricultor antes de se empregar na companhia. Indagado se o

serviço na mineração era melhor que na lida com a roça ele respondeu:

Não, é mais pesado, só que tinha mais uma segurança né, tinha mais um

conforto um pouco, pelo menos tava empregado, a pessoa trabalhar na zona

rural não tem conforto nenhum, não tem segurança nenhuma né, não tem

salário... e lá pelo menos tem mais segurança.101

Ermiro deixa claro que o trabalho nas minas não era melhor do que o da roça, pelo

contrário, era mais penoso. A questão era a de que com o emprego na indústria podia

conseguir um salário, essa é a segurança a que ele se refere, diferente do trabalho na roça.

99

MARIO, José Pedro. José Pedro Mario: depoimento [fev. 2013]. Entrevistadora: Alcione S. Conceição. Bahia:

Boquira, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica. 100

LIMA, 2014. 101

SANTOS, Ermiro Souza dos. Ermiro Souza dos Santos: depoimento [abril 2012]. Entrevistadora: Alcione S.

Conceição. Bahia: Boquira, 2012. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.

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135

Esse era o elemento que faziam os sujeitos vindos das localidades rurais se submeterem

aquele serviço. O senhor Mariano, natural do povoado de Palmeiras município de Boquira, ex

mineiro, iniciou o trabalho na indústria mineira em 1979. Diz:

Na roça era muito devagar pra gente né, (risos) e ai surgiu o emprego ai, ai

vim ai, com muita viagem ainda, foi que consegui fichei, que antes era todo

ano eu ia pra São Paulo trabalhar e tudo, depois que eu fichei ai pronto não

sai mais daí [...] dei muitas viagens ainda pra conseguir.102

O emprego na mineradora fez com que Mariano não retornasse para São Paulo. Por

que esses sujeitos precisavam migrar a procura de emprego? Não identificamos em Boquira e

em outras comunidades rurais próximas ao lugar existência de latifundiários naquele período,

que mantivesse uma relação de trabalho entre fazendeiros e pequenos proprietários, o que

poderia dificultar ainda mais o modo de vida e trabalho das pessoas. O que percebemos pelos

relatos é que se tratava de pequenas propriedades pertencentes às famílias, e como já

destacamos, naquela época era comum as famílias serem numerosas, o que poderia dificultar a

subsistência de todos. Com certeza existiam famílias que possuíam mais terras, e as que

possuíam menos poderiam manter algum vínculo de trabalho com outros, a exemplo do

trabalho na “meia” em que se poderia plantar em terras pertencentes a outrem e ao final ter

parte na colheita. Existia também o elemento das secas e consequente improdutividade da

terra, como já salientamos. Na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, quando tratou sobre

Macaúbas da década de 1950 ainda quando Boquira era distrito daquela cidade, diz que o

município estava entre “os que apresentam êxodo de população rural para os Estados do Sul

do País, principalmente para São Paulo, sendo a corrente migratória muito significativa nos

anos de estio prolongado.” 103

Ao que indica as fontes, o elemento das secas era um fator

importante para as migrações.

Então, existia vários aspectos que poderia dificultar bastante o viver e trabalhar de

alguns sujeitos nas relações de trabalho rural, que faziam com que muitos migrassem a

procura de outra forma de emprego, o assalariado nas indústrias por exemplo. Abelino

Manoel conta que na época em que foi procurar emprego em Boquira, estava pensando em ir

para São Paulo.

102

JESUS, 2013. 103

MACAÚBAS- BA. In: Ferreira, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE. Rio de

Janeiro: Lucas, DF, 1958. p.20.

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136

Porque naquele tempo era muito dificultoso, a gente tinha que ganhar

dinheiro ou em São Paulo ou aqui na mina, eu ia pra São Paulo, depois um

companheiro vinha pra cá e me trouxe. 104

Para entendermos o posicionamento dos sujeitos, e a opção que alguns fizeram de

migrar para São Paulo em busca de emprego, precisamos compreender o contexto. Segundo

Fontes, após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil conheceu um grande crescimento no

processo de migração interna, sobretudo para o estado de São Paulo. Esse fator é muito

relevante para compreender a constituição da classe trabalhadora no país. O pesquisador

lembra que, nesse período, muitos nordestinos migraram para São Paulo, entre eles um grande

número de baianos:

Entre 1952 e 61, aproximadamente 330 mil trabalhadores provenientes da

Bahia foram registrados pelos órgãos paulistas de controle de migração, o

que significa cerca de 30% do total e colocava os baianos, isoladamente,

como o maior grupo de migrantes do período.105

Muitos dos ex trabalhadores mineiros entrevistados falaram que a opção que se tinha

na época era ir trabalhar em São Paulo. Sujeitos que deixavam seu lugar de origem em busca

de trabalho e melhores condições de vida. Francisco de Oliveira argumentou que após 1930,

período que se inicia uma expansão do capitalismo no Brasil, é na “região” centro-sul dirigida

por São Paulo, que o capital se concentra.106

É nesse momento que se aprofunda as

disparidades regionais, as fábricas do nordeste não têm condições de competir em preço e

qualidade com as do sul.107

A esse evento o autor denomina desenvolvimento regional

desigual da economia brasileira, gerado pelo modo de produzir que se pretendeu hegemônico.

Essa lógica impôs sua maneira de reproduzir o capital ao conjunto da economia, o que fez

com que alguns setores e “regiões”, que possuíam uma dinâmica própria de reprodução, não

conseguissem se desenvolver.108

Nesse processo existiu uma grande onda de migrações para os centros industrializados

do país, muitos desses migrantes advindos do Nordeste. Uma mudança começa a ocorrer

quando na década de 1950 essa hegemonia burguesa se volta para o nordeste, que se

caracterizou na criação da SUDENE em 1959. A partir de então implementou-se uma política

104

SANTOS, 2012. 105

FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Comunidade operária, migração nordestina e lutas sociais: São Miguel

Paulista (1945 – 1966). 2002. Tese (doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2002.p. 86. 106

OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflito de

classes. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. (versão digitalizada: Argo).p. 75. 107

Ibid., p. 76. 108

Ibid., p. 114-115.

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137

para o desenvolvimento econômico capitalista da “região” que procurava expandir a

hegemonia burguesa do centro-sul.109

Na esteira dos acontecimentos implantou-se a indústria em Boquira na década de

1950, fato que contribuiu para que muitos homens conseguissem emprego na mineradora,

evitando que migrassem para outras regiões. O que houve, ao contrário, foi uma migração no

sentido inverso, na medida em que pessoas de outros estados passaram a migrar rumo às

minas de Boquira. Isso se desenvolveu por conta dessa industrialização que se voltou para o

interior nordestino, possibilitando outra alternativa para se empregar.

3.3. Vida, substâncias da memória: as relações entre os companheiros de trabalho

A análise elaborada até aqui nos permite evidenciar que a instalação da mineradora em

Boquira mudou completamente a dinâmica do lugar, que passou, inclusive, a receber novos

moradores, migrantes em busca de emprego. Cecilia Sardenberg ao analisar as memórias de

moradores de uma antiga vila operária, ex trabalhadores da Fábrica de tecido São Braz na

cidade de Salvador, situada em Plataforma, a autora destaca que existe uma lembrança

nostálgica sobre a vila fabril. A fábrica foi fundada em 1875, funcionando até 1959. Várias

gerações de trabalhadores viveram e nasceram na vila. A autora identificou nas narrativas de

antigos operários e operárias, um sentimento de nostalgia, uma idealização do passado fabril,

do quanto tinha sido bom ter a fábrica no lugar. Apesar de aparecer também memórias das

difíceis condições de trabalho, dos acidentes e das greves.110

No caso dos ex-mineiros de Boquira ocorre de forma diferente. Existem lembranças

alegres sobre o labor nas minas, que são motivos de risos e considerada a “melhor” parte do

trabalho, diz respeito a relação construída com os colegas de labuta. Mas apesar de ser uma

memória alegre, não se expressa entre eles a nostalgia idealizada da existência da mineradora

na cidade e vontade de retorno daquela realidade, mesmo que reconheçam sobre a

oportunidade de emprego que ela ofereceu. As memórias dos ex mineiros estão mais pautadas

na dificuldade do trabalho, nas relações de amizade e brincadeiras com os companheiros

operários e nas mortes de colegas no serviço.

109

OLIVEIRA, 1981, p. 114-115. 110

SARDENBERG, Cecilia M. B. O gênero da memória: lembranças de operários e lembranças de operárias. In:

ALVES, Ivia Iracema Duarte; MACÊDO, Marcia; PASSOS, Elizete (Org.). Coleção Bahianas. Salvador:

NEIM/UFBA, 1998.p.1-40. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6862 >. Acesso em: 17 abr.

2017.

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138

Um dos aspectos da memória, destacado pelos ex mineiros, diz respeito as relações de

solidariedade e amizade entre o grupo. Tratava-se das “brincadeiras” com os colegas e as

estratégias de resistência que os trabalhadores desenvolveram ao longo da trajetória laboral.

Zé Paulo, ex mineiro, começou a trabalhar em 1972. Ele relata que os mineiros que já eram

veteranos no trabalho realizavam as “treitas”, nada mais do que as estratégias de resistência à

exploração desenvolvida pelo grupo:

O que eu trabaiei nessa mina uma noite não dá, porque eu lembro é de coisa

naquela mina. E na mina o serviço era pesado, mas também nois fazia treita.

Treita? (risos) Era, tinha que fazer, se não fizesse ninguém aguentava

trabaiar quinze anos não, quinze anos aposentava ai, e a gente fazia treita e

tudo, os meninos dizia assim [...] “Eles lá fora na caneta e nós cá dentro na

treita” (risos).111

Na memória de Zé Paulo, o cotidiano de trabalho nas minas possui um lugar especial.

Diz que costuma sempre sonhar trabalhando na mineração, “eu sonho quase todo dia, uma

sonhação, eu sonho com essa mina trabaiano lá dentro, é mermo que eu tô vendo as bocas lá

que eu trabaiei...” 112

. Para explicarmos essas lembranças, cabe-nos recorrer a Ecléa Bosi.

Para a autora a diferença entre a memória dos adultos e a dos velhos, é que este último quando

lembra não está por um momento descansando “das lides cotidianas, não está se entregando

fugitivamente às delicias do sonho: ele está se ocupando consciente e atentamente do próprio

passado, da substância mesma da sua vida.” 113

Para Zé Paulo, relembrar aquele passado é

importante, porque foi parte integrante de sua existência e no presente se ocupar das

lembranças é dar sentido e significado a sua vida. Averiguamos no relato de Zé Paulo que ele

gosta de falar sobre seu passado enquanto trabalhador mineiro, e na sua fala se sobressai as

recordações da relação com os companheiros, as brincadeiras e as “treitas” praticadas pelo

grupo, apesar de também dizer sobre as dificuldades do trabalho. Talvez dar destaques as

memórias divertidas, em que os trabalhadores mineiros eram o centro dos acontecimentos e

da narrativa, tenha sido uma forma do ex mineiro tentar deixar de lado as lembranças mais

tristes e angustiantes. Ele narra sobre as tais “treitas”:

[...] fazia as treitas assim de serviço lá, enrolando... mas você tinha que dá

produção, se não desse produção também... mas tinha o lugar da produção,

que não podia ninguém dava. Sim, das treita [...] enchia a caçamba e jogava

numa bica né, ai né... precisava contar, contar as caçambas [...]. Ai moço, o

transporte era de dois, que era pesado um sozinho não aguentava não. E ai

Joaquim [...] era o encarregado, eu enchia a caçamba bem cheia...

111

BRITO, 2012. 112

BRITO, 2012. 113

BOSI, 1994, p.63.

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[encarregado] “moço, pode aumentar moço, botar meia caçamba!”, [Zé

Paulo] “ó seu Joaquim eu não gosto disso não!”, botava uma, botava três

(risos) [encarregado] “ocê não gosta não?” [Zé Paulo] “não eu não gosto de

aumentar caçamba não!” (risos) não gosta? (risos) botava uma [e dizia que]

botava era três, eu botava cinco botava dez, e ele pensava que eu botava a

continha.114

Essa era a “treita” que se fazia na função de limpador, existia uma determinada

quantidade de caçambas que deveria ser apanhadas, só que no momento de dar o ponto, falar

a quantidade de produção para o chefes, eles aumentava bem mais do que tinham feito. É

relevante destacar que o próprio encarregado mandou aumentar meia caçamba, talvez fosse

conivente com a prática ou estava testando o mineiro, no entanto, Zé Paulo respondeu que não

costumava realizar tal prática, enganando o encarregado. Ele também relatou casos de

“treitas” desempenhadas pelos colegas em outras funções. Relembra outro caso:

Manelinho irmão de pezão, apelido dele era de barrão. Fichou Manelinho e

ai botou ele mais eu na cabiçera [...] ai nois limpemos a cabiçera [...] ai eu

sentei (risos) cara véi né, eu sentei e botei o gasômetro assim nas bota, aqui

assim virado, se o encarregado vim de lá ocê vê os reflexo da lâmpada dele

né, eu botei prá cá e ele também pegou e botou (risos) e eu não falei nada

com ele... Não podia botar não? Podia, mas eu tinha que ensinar ele né, ele

já sabia foi os irmão que ensinou.115

Nesse relato Zé Paulo revela a estratégia desenvolvida pelos mineiros para saber o

momento que o encarregado estivesse indo olhar o serviço, para quando chegasse não os visse

sentados quando deveriam estar trabalhando. Zé Paulo, que trabalhava há muito tempo,

deveria ensinar a estratégia ao novato, no entanto, ele já sabia como proceder porque os

irmãos que também trabalhavam nas minas já havia lhe instruído. Constatamos também que,

assim que chegava alguém novo para trabalhar, os antigos mineiros já cuidavam de ensinar as

estratégias. Como informa Maria ciavatta, “as práticas cotidianas de resistência são múltiplas

e variadas e os conflitos na relação patrão e empregado estão presentes tanto nas ações

individuais dos trabalhadores como na ações coletivas das categorias”.116

Outro elemento importante, bastante relembrado pelos ex mineiros, diz respeito ao que

eles chamavam de “brincadeiras”. Quando relembravam esse assunto era o momento

divertido da entrevista, momento em que riam. O que chamou nossa atenção foi a prática dos

mineiros de apelidarem os colegas, todos os mineiros possuíam um apelido. Tornou-se uma

característica do grupo, inclusive podia ser motivo de conflito caso um novato não aceitasse

114

BRITO, 2012. 115

BRITO, 2012. 116

CIAVATTA, 2002, p.45.

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140

ser apelidado. O apelido podia estar ligado com a aparência da pessoa, uma fala ou

comportamento que soasse engraçado.

Consideramos que para aqueles sujeitos, o “deboche” a “piada”, ou outras formas de

conduta que proporcionasse motivos de riso, possuía significado que fazia parte de uma

cultura e se apresentava nas relações cotidianas das pessoas, podendo ser aceitos ou não pelos

indivíduos. Como enfatizou Thompson, a cultura não pode ser pensada unicamente como

valores, atitudes e significados homogêneos, mas é também “uma arena de elementos

conflitivos”.117

Sobre as tais brincadeiras lembra Abelino Manoel “há era muita amizade, ali

só trabalhava brincando, com brincadeira com o outro né, botando apelido no zonzoto, ali era

um divertimento” 118

. José Mario conta “você sabe como é que é, onde tem uma turma de pião

assim, só conversa coisa que não presta (risos), aquelas brincadeiras doida sabe, um bota

apelido ne um ne outro”119

. José Mario narra como foi dado seu apelido na mineração:

[...] lá cê não podia falar nada errado, cê falasse qualquer coisa, eu mesmo eu

furava duas cabeceira norte e sul detonava toda as duas, furava as duas no

dia e detonava depois. Um dia a rocha endureceu muito sabe e eu só detonei

uma e comecei perfurar a outra, ai eu cheguei e o chefe falou “uai Zé não

detonou as duas não?”, e a piãozada tava ali sabe, eu falei “dotor não deu por

que a pedra endureceu”, ai agora me botaram o apelido Zé pedra dura,

(risos). Era assim você não podia falar nada, que cê já tinha o apelido, era

qualquer coisinha o apelido.120

O apelido tinha também a ver com situações em que os mineiros se envolviam e por

algum motivo os colegas achavam engraçado e decidia a partir daquilo colocar o apelido.

Quando José Mario diz que não podia falar nada errado, é que se algum comentário pudesse

ser associado a outros elementos que fosse motivo de piada, o apelido era dado. Curioso que

ainda hoje os ex-mineiros são conhecidos por seus apelidos, isso demonstra que essa

característica compôs a identidade do grupo. Zé Paulo narra sobre um sujeito que desistiu do

serviço por conta dos apelidos:

Tinha uns que achava ruim no começo, tinha uns que achava ruim até que

saia, pedia a conta pra ir embora. Um tal que botou apelido, um apelido feio,

mão na bunda, mas não é muito feio não (risos). [...] Mané raiz e esse Zé

mão na bunda pegaram uma briga dentro do banheiro [...] e ai botou apelido

de Zé mão na bunda moço, e ai pegaram a chamar ele e ele achou ruim. E

Mané raiz “ei mão na bunda”, Mané raiz não importava não, até hoje chama

ele de mané raiz [...]. Ai não foi nada não, ele trabaiou uns dois mês, quando

117

THOMPSON, E.P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.p.17. 118

SANTOS, 2012. 119

MARIO, 2013. 120

MARIO, 2013.

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141

é um dia “ei mão na bunda!”, “uai que foi, será que esse homem morreu ai

em cima?!”. Hum, pegou as ferramentinha jogou nas costas, chegou jogou lá

na porta do escritório, “me dá minha conta!” “Uai, porque?”, “essa tropa de

vagabundo tão me chamando de apelido!” “Ô moço ô seu Zé deixa de ser

besta seu Zé eles é assim...eles é assim mesmo, todos aqui deles ai tem

apelido, eles não briga” “é, mais eu não quero trabaiar mais não”. E quando

foi, a gente chegou no escritório lá fora, “cadê moço Zé mão na bunda?” “Ô

moço saiu, foi embora pediu a conta e foi embora!”. Bestão mas nunca ele

trabalhou ai modo isso, modo apelido, quem não aguentasse, ai saia mesmo,

era pirraça e a gente chamasse por apelido e não achasse ruim ai pronto não,

mas tudo que achasse ruim...121

Segundo o relato o sujeito que não aceitasse os apelidos e demais brincadeiras do

grupo, desistiam do trabalho, vários casos foram relatados. Talvez seja um exagero da

memória ao associar os apelidos e a saída do serviço, no entanto, o mais provável é que

conflitos em razão disso tivesse mesmo existido. Desse modo, para continuar no serviço

teriam de concordar com as práticas do grupo, que não ficavam restritas aos apelidos. Zé

Paulo rememora: “quando eu saí eu ficava com saudade das brincadeiras, não era do serviço,

das brincadeiras, ô brincadeiras mô...”.122

O que podemos constatar é, apesar da dureza do

serviço os mineiros conseguiam criar meios para escapar do fardo do trabalho, tanto que, o

narrador sentiu falta ao se aposentar não do labor mas da convivência com os companheiros.

Zé Paulo narra sobre outra “brincadeira”:

Era duro, era duro, era serviço, ali na mina era triste, quem guentou... ali na

mina a gente também guentou sabe porque? modo a treita, a gente fazia

treita eita... uma veiz nois tava eu, um menino que chama carbonato, e tonho

de... e tinha oto [...] nois tamo trabaiando lá cabou o... tinha umas tabas...e

deitou, lá nois deitava de cima, botava uma pá e um picarete era uma cama,

cama boa, nois durmia sono lá dento e o cabiçero era o capacete, ai

cabranato deitou numas tabas... De noite?De dia, mais era escura, lá pode

ser de dia pode ser de noite é a mesma coisa. Ai disse “vamo marrar

Cabranato?” “moço vamo marrar Cabranato não porque é perigoso”, vamo

marrar, ai tinha um barbante de marrar os estopim, ai pegou o barbante e

marrou Cabranato com tabua com tudo. Ai disse “ ó agora vai um e vem de

lá com a lanterna” o encarregado andava com a lanterna aqui assim, e o pião

cê conhecia que a lanterna era na cabeça enfiada aqui na cabeça, de longe cê

conhecia que era pião, mas quem era encarregado era aqui assim. Ai e evai

com a lanterna “ó o encarregado ai Cabranato!”ô moço Cabranato lavantou

com essa taba nas costas bá e bá e bá... ô sofrimento e bá, e bá, e bá, “ é

mentira Cabranato, é mentira!” “ô desgraçados, oces me marrou (risos) “ não

faz uma coisa dessas não moço” ai Cabranato ficou veaco não foi dormir

mais não.123

121

BRITO, 2012. 122

BRITO, 2012. 123

BRITO, 2012.

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A brincadeira narrada era a de pregar peça em um companheiro. Ao que parece o

mineiro que foi amarrado não gostou da situação, mas os entrevistados relatam que a maioria

dessas peças se levavam numa boa, principalmente se já fossem colegas há muito tempo.

Porém, não é uma questão fácil de se compreender em termos culturais, todos os significados

daquelas práticas. O que pode ser notado é que as brincadeiras também eram uma maneira dos

trabalhadores se distraírem, darem risada, e não deixava de ser também um elemento de

resistência contra a ordem e trabalho pregado pela empresa. Tanto é, que a peça pregada

demonstra esse caráter, o trabalhador dormindo, e os colegas fingem que o encarregado estava

chegando para dar um susto no companheiro. Isso significa que era muito grave o encarregado

encontrar o mineiro dormindo. Zé Paulo recorda:

Quanto mais velho de mina, é que aprendia as treitas né... (risos)

Aprendia treita... se não fazesse desse jeito a gente não vencia os tempo não

,guentava não, era duro de mais gente, era sofrimento dento daquela mina.

Mas a gente tinha vontade de trabaiar [...] a brincadeira era de mais, até hoje

moço quando se encontra os menino ai, os menino da mina aqui, ninguém

nunca, nunca teve uma confusão, nois não, não brigava, só foi esses besta

que entrava lá e botava apelido, saia logo, não guentava, tinha que sair não

guentava as brincadeiras.124

Nessa parte, Zé Paulo confirma que os mineiros antigos não brigavam por conta das

brincadeiras, apenas os novatos que por não terem se acostumado ao grupo acabava por não

aceitar as práticas. Nesse outro relato de Zé Paulo, é demonstrado como os trabalhadores

desafiavam e burlavam as normas da indústria:

Uma vez o finado Pedro, Pedro de (gadino) trabaiou mais eu [...] parece que

era no segundo, no segundo pegava duas horas da tarde saia nove da noite e

ai lá dento da mina tinha uns aço ele disse “ ô Zé vamo robar uns aço

desse?”eu disse “moço é perigoso!” [Pedro] “moço não tem nada não!”

[...][Zé] “eu vou fazer isso não!”[Pedro] “vambora moço!”. Ai nois vai, de lá

dento da mina pra sair numa boca que tem aculá em cima, nois carreguemo

esses aço, ele já tinha trato com um cara pra vim do barro vermelho pra

modo no oto dia cedo vender os aço. Ai quando foi no oto dia cedinho... ai

nois foi levar os aço lá em cima quando nois chegou lá na boca tava

chovendo, quando nois chegou na boca da mina, lagartixa... ai ele botou, lá

tinha um portão ele botou a cabeça dos aço pro lado de fora. Quando foi no

oto dia cedinho foi um dia de sábado, ele foi madrugada panhou, quando eu

cheguei ne...ele já tava com o dinheiro. Eu tava lembrando disso, quem foi

moço,quem foi o menino que tava aqui dia domingo, foi dia de domingo eu

contando o caso, o menino já riu moço ... mas ave Maria mas se os home

desse fé, era perigo, mandava embora.125

124

BRITO, 2012. 125

BRITO, 2012.

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143

Examinando as narrativas, podemos dizer que nas práticas cotidianas de trabalho os

mineiros também criavam meios para burlar as normas da indústria. Desde o momento que

paravam para pregar uma peça em um companheiro, sentar e dormir no trabalho, roubar

material da empresa, mentir sobre a quantidade de produção feita, e demais “treitas”

realizadas por eles. E na memória esses elementos aparecem como a parte “boa” de se

trabalhar na mina, a relação que construíram com os companheiros de trabalho. As “treitas”

como contou Zé Paulo eram feitas para amenizar o sofrimento do labor, sem as quais não

seria possível ficar tanto tempo naquele serviço.

Ao que parece, a questão das “brincadeiras” estavam presentes em vários ambientes de

trabalho, não sendo caso exclusivo de Boquira. Marta Cioccari também identificou em sua

pesquisa as tais brincadeiras feitas pelos mineiros de carvão. Ela argumenta que as

brincadeiras estavam relacionadas a temáticas sexuais, palavrões, xingamentos, pregar peça.

Também existiam os apelidos que eram considerados uma espécie de batismo quando um

novo mineiro iniciava no subsolo, “os mineiros diziam que a alcunha „pega‟ quando a pessoa

não gosta”.126

Diz que havia casos de mineiros que não participavam dos “brinquedos” e não

aceitavam os apelidos. Salienta a autora que “as brincadeiras ou relações jocosas eram uma

contrapartida à dureza das condições de trabalho enfrentadas no subsolo”.127

Encontramos os elementos apontados pela autora no universo do trabalho nas minas de

Boquira. Os mineiros também desenvolveram as “brincadeiras” para aliviar a rijeza do

serviço. Outro aspecto que chamou nossa atenção nas memórias dos mineiros de Boquira foi a

solidariedade dentro do grupo. Existia um momento no serviço para a pausa da merenda.

Todos os trabalhadores levavam algum alimento e misturavam tudo, para comerem juntos.

Saturnino relembra:

[...] dentro da mina nós merendava... quando era na hora da merenda,

quando tava perto um gritava os outros... outra hora chamava ia lá perto... “ê

tá na hora da merenda!” juntava tudo, cada um levava uma lata de farofa

pegava os pedaço de papelão, saco de plástico e fazia aquele cuscuizão dessa

altura e a turma encostava...era coisa... comia mesmo pra valer, a gente tudo

tinha que levar merenda quando não era bolo era farofa [...]quando a gente

tava muito distante dos outro... pra merendar só... a gente depois que

acostumasse assim merendar junto quando acertava o dia que a gente tava

tão distante tem hora que nem merendava... sozinho...128

126

CIOCCARI, 2015, p.92. 127

Idem. 128

SOUZA, 2012.

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144

Conforme as narrativas, essa ocasião era muito apreciada pelos mineiros. Momento de

descanso, e não deixava de existir também as citadas “brincadeiras”. O intervalo servia para

distração, conversas e brincadeiras. O momento era tão importante que Saturnino diz que

quando não dava para comer junto com os companheiros as vezes nem merendava. Jader

Nogueira, cujo trabalho já citamos no primeiro capítulo, argumentou que entre os mineiros de

Camaquã, apesar dos conflitos, o aspecto da solidariedade era muito importante, já que “a

experiência de trabalhar na mina e o risco inerente ao qual estavam diariamente submetidos

favoreciam a valorização do companheirismo e da união entre os trabalhadores”.129

Também foi relembrado por alguns entrevistados que os mineiros chegaram a parar o

trabalho para fazerem reivindicações, antes mesmo da criação de um sindicato, fato que só

ocorreu em 1986. Sobre o movimento, relembrou seu Abelino:

Nós reunimos tudo, só os trabaiador né, só porque o pagamento era atrasado

o salarinho nunca aumentava, ai agora resolvemos tudo parar o serviço, e

fomos pra boca da mina, chegava lá a gente panhava as ferramentas mas

ficava esperando a decisão deles se dava o aumento, eles não dava, era

perdido formar greve porque... a gente vê... greve desses professores que tá

ai, e o servidor...que vão tirar é pontos deles do servidor por que não aceitou

a proposta do governo [...] vi passando ai no jornal mermo, não vão recebeu

os [...] e esses daí como diz, tem apoio, esses daí tem o sindicato [...] nesse

tempo a gente fazia as greve era adoidado ai, “vamo fazer greve, hoje nois

não vamo trabaiar” (risos) não trabaiava não, mas era perdido.130

No relato, Abelino Manoel fala do caso de uma greve que estava acontecendo naquele

momento da entrevista, e enfatiza que diferente dos servidores da greve citada, eles não

tinham um sindicato para apoiá-los, por isso a greve era malograda. A fala de seu Abelino

revela que para ele as greves só podem ser bem sucedidas se forem mediadas por sindicatos.

Mas na época, talvez não pensasse dessa maneira. Os trabalhadores negavam o trabalho ao

patrão como forma de reivindicar um aumento de salário. Houve outros relatos que falaram a

respeito de uma greve e que conseguiram o aumento de salário que reivindicavam. Por conta

das peculiaridades das fontes orais, não foi possível precisar se foi a mesma greve ou não,

sabemos, porém, que os casos de mobilizações mencionados foi anterior a criação do

sindicato. Em uma fonte que analisamos no primeiro tópico do capítulo, fez referência a uma

129

NOGUEIRA, Jader Escobar. Mineiros e Engenheiros: memória, identidade e trabalho nas minas do

Camaquã entre 1970 e 1996. Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Maria, Rio

Grande do Sul, 2012. Disponível em:

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SANTOS, 2012.

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145

greve dos operários da mineradora ocorrida em 1973, mais uma evidência que atesta a

existência desse tipo de mobilização feita pelos trabalhadores de Boquira. O que mais

interessa no momento é que aqueles trabalhadores chegaram a se reunir para juntos

reivindicarem interesses comuns. E que essas questões se apresentam em suas memórias.

A nossa intenção, ao dar relevo as memórias dos ex trabalhadores, foi a de apresentar

a partir delas, alguns elementos vivenciados pelos mineiros de Boquira no duro trabalho das

minas e como em suas memórias aquele passado se apresenta. Claro que a memória é

construída para dar sentido ao passado vivido e ao próprio presente, porém, não está

desconectada das vivências pretéritas. Como salienta Thomson “há frequentemente uma

congruência entre as maneiras pelas quais as pessoas conceituam o passado e como, na época,

elas experimentaram e reagiram ao ambiente social”.131

Entre os trabalhadores de Boquira, a

memória que prevalece no grupo é a da dureza do trabalho e a resistência a ele, das mortes de

companheiros, e das relações de brincadeiras e amizade que mantinham entre eles.

A escolha em analisar a memória desse grupo em específico se deu em razão de

grande parte dos trabalhadores mineiros serem oriundos de regiões rurais, no intuito de

entender como vivenciaram o fenômeno da industrialização e as memórias que construíram a

respeito. É bom lembrar que o recurso a fonte oral foi imprescindível para que fosse possível

escrever sobre esses sujeitos, pessoas que não deixaram escritos sobre suas vivências. Esse

testemunho histórico vem contribuindo para escrever histórias sobre grupos dominados,

marginalizados, excluídos. Do modo como lembrou Alcázar I Garrido “as fontes orais não são

uma alternativa as fontes escritas; são outro tipo de fonte, não apenas necessária, mas

imprescindível para se fazer história”.132

O estabelecimento da mineradora em Boquira colocou várias pessoas da localidade e

de regiões próximas a se submeterem ao trabalho na indústria. Diversos sujeitos que viviam

na zona rural passaram a vender sua força de trabalho em outra lógica de produção. Foram

trabalhadores que tiveram suas vidas modificadas pelo desenvolvimento do capitalismo.

Devido à condição de pobreza e baixa escolaridade, muitos desses sujeitos foram se arriscar

no interior das minas.

Através das entrevistas procuramos identificar outra face da história que não é relatada

pela memória oficial da cidade. Memórias de trabalhadores que sentiram na pele a experiência

131

THOMSON, Alistair. Histórias (co) movedoras: história oral e estudos de migração. Revista brasileira de

História, São Paulo, v. 22, n. 44,p. 341-364, dez. 2002. Disponível em:

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146

da indústria no local, o trabalho duro nas minas de Boquira, exercendo uma atividade de alto

risco e condições de trabalho insalubres. Percebemos que aquele ideal do “progresso” e do

desenvolvimento, que justificava a expansão da indústria no país, significou para muitos

trabalhadores, vários provenientes de regiões rurais, uma possibilidade de adquirir uma renda

fixa, ficarem próximas de suas famílias e não precisarem ir para outro estado trabalhar. Por

outro lado, também, o preço a pagar era trabalhar em condições penosas, o convívio com

acidentes e mortes, além de uma outra lógica de trabalho no qual seu tempo estava imerso na

lógica da produção “eficiente” do capital.

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147

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao investigar o processo das atividades de mineração na localidade de Boquira Bahia

conseguimos averiguar alguns elementos que compuseram aquele evento, desvelando

importantes aspectos sobre a forma como o advento da instalação de uma indústria mineira

afetou a região. Para além do que a memória oficial da cidade de Boquira costuma dar ênfase,

nosso trabalho demonstrou que aquele acontecimento também esteve permeado de conflitos,

contradições, disputas, dominação.

As transformações políticas, econômicas e sociais no contexto mais amplo e também

local atingiram a localidade de Boquira e consequentemente as vivências dos habitantes da

região. Entendemos que o estabelecimento de uma indústria de mineração em Boquira deve

ser pensada dentro do contexto de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, qual seja, a

década de 1950. Tratava-se de um momento de expansão do capitalismo no país durante o

governo de Juscelino Kubitschek, caracterizado por uma grande participação do capital

internacional na indústria brasileira.

A Bahia nesse período assim como as regiões do nordeste não tinha se desenvolvido

no setor industrial, foi muito a partir da década de 1950 que os governos baianos começaram a

se preocupar e desenvolver projetos nesse sentido. E inclusive o próprio governo federal criou

políticas para o desenvolvimento industrial no nordeste. Nesse cenário a industrialização era

vista como promotora do desenvolvimento social e econômico dos países periféricos e

contribuiria para a superação da miséria e do “atraso”.

Esse “desenvolvimento” não se restringiu aos grandes centros urbanos. Em um

povoado rural localizado no interior do sertão da Bahia em que seus habitantes sobreviviam

do trabalho de subsistência no campo, o empreendimento industrial também chegou. Na visão

que a industrialização pregava, aquele acontecimento representava o “progresso” para o lugar,

na medida em que impulsionaria a urbanização além de gerar emprego e renda.

A mineradora em Boquira se desenvolveu com participação de capital nacional e

internacional, uma multinacional francesa de mineração acabou se tornando a principal

acionista da empresa. O minério de chumbo era um material estratégico naquele momento

para o setor industrial, muito utilizado na produção de baterias automotivas.

O pequeno povoado de Boquira viu-se diante de uma lógica de produção capitalista,

promovendo transformações naquele espaço. Modificando o espaço rural, transformando em

um ambiente que foi se urbanizando e atraindo pessoas de diferentes lugares, a dinâmica

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148

impulsionou novas relações sociais na localidade, que passou a se adequar as demandas da

indústria mineira. A instalação da mineradora naquele sertão baiano corroborava com o ideal

da industrialização enquanto sinônimo de desenvolvimento e superação da pobreza.

O exercício das atividades mineiras em Boquira ocorreu mediante a expulsão de

lavradores de suas terras, modificando a relação que mantinham com a forma de produzir a

subsistência, provocando a luta daquelas pessoas pelo direito a suas propriedades.

Evidenciando a expropriação, uma característica típica da constituição e expansão do

capitalismo. Os lavradores expropriados foram vitimas de toda sorte de enganações e

negligenciais, prejudicados pela nova dinâmica de trabalho industrial que se constituiu em

Boquira, ainda assim se uniram da maneira como foi possível já que não possuíam muitos

recursos, para reivindicar interesses comuns. Percebemos que o avanço do capitalismo em

áreas rurais, diversas vezes é acompanhado de conflitos devido aos impactos que causam no

modo como as pessoas vivem e se organizam.

Constatamos que, por vezes, a empresa foi negligente no que diz respeito aos direitos

dos agricultores expropriados, e ainda na forma como esta agia na localidade de Boquira

exercendo poder político, econômico e social, na medida em que garantia seus interesses por

meio da influência que exercia na administração do município, e na coerção a seus

trabalhadores.

Para algumas pessoas da região a empresa ofereceu uma oportunidade de emprego e

salário, possibilitando que estas se fixassem no seu lugar de origem e não precisassem sair do

Estado da Bahia para se empregar. Contudo, também representou para uma parte daqueles

sujeitos o trabalho no interior das minas em que tiveram de exercer um labor extenuante e

arriscado. A região caracterizada por áreas rurais em que as pessoas trabalhavam no campo

sem possuir escolaridade e qualificação profissional possibilitou o ingresso de inúmeros

homens no trabalho das minas, um serviço cuja qualificação se obteria com a experiência no

labor. Pessoas que tiveram suas vidas modificadas devido a instalação de uma indústria

mineira em Boquira, homens que vieram do trabalho rural para se submeter ao trabalho

industrial assalariado.

Pela análise das memórias dos antigos mineiros de Boquira pudemos verificar como

aqueles trabalhadores vivenciaram o trabalho nas atividades mineiras. Em suas memórias se

solidificaram as lembranças da dureza do serviço, a morte dos companheiros de trabalho e a

relação de amizade e solidariedade que construíram no interior das minas, bem como a

maneira como se articularam para burlar a exploração que sofriam. A investigação nos

permitiu perceber o quão importante é a memória coletiva desse grupo social, na medida em

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que nos aproxima da história da região, pois revela a percepção dos sujeitos históricos acerca

dos lugares sociais que ocuparam e de como viveram e interpretaram suas vivências dentro do

processo de mineração em Boquira.

A instalação e permanência da indústria mineira em Boquira provocou conflitos, já

que algumas pessoas não concordaram e questionaram a lógica que foi ali estabelecida. Os

conflitos revelam as contradições e antagonismos presentes naquele espaço social. Como o

caso dos lavradores expropriados, que por meio de denuncias e ações judiciais brigaram com

a mineradora em defesa de seus direitos. Também as ações do jornalista Alexandria Pontes

que contraditou o modo como as coisas estavam postas em Boquira, fez denuncias a

mineradora e autoridades, até mesmo se envolveu em disputas políticas locais, encontrando

fortes represálias de políticos e autoridades da região. Verificamos também que alguns

habitantes de Boquira também denunciaram a dinâmica de poder ali constituído.

Evidenciando, que existia moradores do lugar que não estavam satisfeitos com a maneira

como a mineradora atuava. Então, diferentes aspectos permearam a história da mineração em

Boquira, marcada por mudanças, expropriação, dominação da indústria, conflitos, disputas,

acidentes e mortes no trabalho das minas.

Em suma, neste trabalho esperamos ter contribuído para uma escrita da história da

cidade de Boquira, analisando o fenômeno da instalação de uma indústria de mineração na

localidade e as mudanças promovidas por essa relação econômica industrial capitalista. Nosso

intuito também foi, a partir de Boquira, contribuir para o debate historiográfico a respeito da

história da Bahia, especialmente do interior, no que toca as transformações promovidas pelo

processo de industrialização que procurava se expandir no Brasil e se iniciou no estado baiano

muito a partir da década de 1950. Almejamos que de algum modo possa servir para pensar

sobre a maneira como as regiões rurais foram afetadas pelo desenvolvimento do capitalismo

no Brasil.

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150

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em 26/08/2013 no povoado de Mosquito em Boquira Ba. Natural do povoado de

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José Francisco dos Reis, 66 anos, ex mineiro. Natural do povoado de Palmeira

município de Boquira. Entrevistado no dia 20/04/2012 na cidade de Boquira.

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153

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20/04/2012 na cidade de Boquira Ba. Natural do povoado de Varginha município de

Boquira.

José Pedro Mário, 72 anos, ex-mineiro. Entrevista concedida em 19/02/2013 na cidade

de Boquira. Natural do povoado de Posto Dantas município de Macaúbas.

Mariano Francisco de Jesus, 61 anos, ex-mineiro. Entrevista concedida em 05/03/2013

na cidade de Boquira. Natural do Povoado de Rasgão município de Boquira Ba.

Saturnino José de Souza, 74 anos, ex-mineiro. Entrevista dada em 14/04/2012 no

povoado de Palmeirinha, Boquira Ba. Natural do Povoado de Brejo Grande município

de Boquira Ba.

Sebastião Souza dos Santos, 66 anos, ex-mineiro. Natural do povoado de Mosquito,

município de Boquira. Entrevistado no dia 26/08/2013 no povoado de Campos,

Boquira Ba.

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