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17 Revista Brasileira de Nutrição Funcional - ano 16, nº66, 2016 Valden Luis Matos Capistrano Júnior Paleo Diet no tratamento da síndrome metabólica: Quais as evidências e quais os riscos? Paleo Diet for treating metabolic syndrome: Which are the evidences and risks? Resumo As dietas que estão na moda, ou as constantemente reinventadas, possuem uma proposta de solucionar a obesidade, que é uma proble- mática que atinge atualmente a população mundial, gerando comorbidades caracterizadas como síndrome metabólica. A dieta paleolítica possui características que poderiam auxiliar no tratamento da obesidade, incluindo o aleitamento materno exclusivo, a inexistência de alimentos processados, a ausência de contato com alimentos lácteos e cereais e o aquecimento como única forma de processamento dos alimentos. A dieta paleolítica poderia ser prescrita, por um curto período de tempo, para melhorar os componentes da síndrome metabólica e para se atingir resultados clínicos em um público específico, mas não como uma prescrição generalizada sem um exame clínico nutricional que pudesse direcionar uma prescrição individualizada. Palavras-chave:dieta, obesidade, paleolítica, nutrição, síndrome metabólica, resistência à insulina, dieta paleolítica. Abstract Diets that are fashionable, or those constantly reinvented, have the proposal offixing obesity, which is a problem that currently reaches the world’s population, generating co-morbidities that are characterized as metabolic syndrome. The Paleolithic diet has features that could help the treatment of obesity, including exclusive breastfeeding, the absence of processed foods, the absence of contact with dairy products, cereals and heating as the only way of processing food. The Paleolithic diet could be prescribed, for a short period of time, to improve components of the metabolic syndrome and to achieve clinical results for a specific audience, but not as a general prescription without a nutritional clinical examination that could direct an individualized prescription. Keywords: diet, obesity, paleolithic, nutrition, metabolic syndrome, insulin resistance, zone diet, paleo diet.

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Paleo Diet no tratamento da síndrome metabólica: Quais as evidências e quais os

riscos?

Paleo Diet for treating metabolic syndrome: Which are the evidences and risks?

ResumoAs dietas que estão na moda, ou as constantemente reinventadas, possuem uma proposta de solucionar a obesidade, que é uma proble-mática que atinge atualmente a população mundial, gerando comorbidades caracterizadas como síndrome metabólica. A dieta paleolítica possui características que poderiam auxiliar no tratamento da obesidade, incluindo o aleitamento materno exclusivo, a inexistência de alimentos processados, a ausência de contato com alimentos lácteos e cereais e o aquecimento como única forma de processamento dos alimentos. A dieta paleolítica poderia ser prescrita, por um curto período de tempo, para melhorar os componentes da síndrome metabólica e para se atingir resultados clínicos em um público específico, mas não como uma prescrição generalizada sem um exame clínico nutricional que pudesse direcionar uma prescrição individualizada.

Palavras-chave:dieta, obesidade, paleolítica, nutrição, síndrome metabólica, resistência à insulina, dieta paleolítica.

AbstractDiets that are fashionable, or those constantly reinvented, have the proposal offixing obesity, which is a problem that currently reaches the world’s population, generating co-morbidities that are characterized as metabolic syndrome. The Paleolithic diet has features that could help the treatment of obesity, including exclusive breastfeeding, the absence of processed foods, the absence of contact with dairy products, cereals and heating as the only way of processing food.The Paleolithic diet could be prescribed, for a short period of time, to improve components of the metabolic syndrome and to achieve clinical results for a specific audience, but not as a general prescription without a nutritional clinical examination that could direct an individualized prescription.

Keywords: diet, obesity, paleolithic, nutrition, metabolic syndrome, insulin resistance, zone diet, paleo diet.

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AIntrodução

As dietas que estão na moda, as constantemente reinventadas ou relembradas possuem uma proposta de solucionar uma problemática que atinge atualmente a população mundial, que é a obesidade1.

O ganho de peso excessivo gera comorbidades que são caracterizadas como síndrome metabólica, no qual o indivíduo, para ser diagnosticado, deve possuir três ou mais alterações metabólicas ou antropométricas como: aumento da circunferência da cintura, hipertensão arterial sistêmica, hiperglicemia, hipertrigliceridemia e redução dos níveis séricos de HDL1.

Mas por trás de todas essas alterações antropométricas e metabólicas, há, obscuramente, um grande estímulo na secreção de insulina (hiperinsulinismo), ocasionado por escolhas alimentares erradas – alimentos que possuem conservantes, corantes, açúcares refinados, sal, gorduras hidrogenadas, entre outros –, que induzem um baixo, porém constante, grau de inflamação gerador de resistência à insulina, dando, assim, início à síndrome metabólica2-4.

Com a observância de todo esse quadro clínico instalado na sociedade devido às desordens alimentares, vários especialistas, em sua prática clínica, e até mesmo a população leiga, com uma potente arma que são as redes sociais, começam a disseminar soluções milagrosas e nutricionais, sendo algumas delas a vinda da “Paleo Diet” (ou dietas dos ancestrais) e a “Zone Diet”.Dentro desse contexto, esta revisão de literatura teve por objetivo realizar o levantamento de artigos referentes ao tipo de dieta como a “Paleo Diet”no tratamento da síndrome metabólica, publicados em periódicos.

Métodos

A revisão de literatura é descrita como a busca de informações sobre um tema ou tópico que resumam a situação dos conhecimentos sobre um problema. O principal objetivo da revisão de literatura é fornecer uma síntese dos resultados de pesquisa, para auxiliar o profissional a tomar decisões na clínica. Neste tipo de estudo, são abordados os tópicos relevantes sobre o tema, de

forma a proporcionar ao leitor uma compreensão do que existe publicado sobre o assunto. Assim, a revisão tem uma função integradora e facilita o acúmulo de conhecimento.

Na busca das fontes bibliográficas, foi consultada a base de dados do NCBI, e para identificar as publicações indexadas nesta base de dados foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “Diet”, “Obesity”, “Paleolithic”, “Nutrition”, “Metabolic Syndrome”, “Insulin resistance”, “Paleo Diet”.

Resultados e discussão

Será apresentada a seguir uma análise dos artigos segundo o objetivo traçado neste trabalho, em que haverá uma descrição da dieta em estudo e da sua relação no tratamento da síndrome metabólica.

Aspectos históricos

A dieta paleolítica possui, como uma de suas propostas, o combate à resistência à insulina. Assim, iniciam-se algumas hipóteses sobre a dieta dos ancestrais, como: “será que a resistência à insulina ocorria devido ao baixo consumo de carboidratos?”. Foi afirmado que, na Era Paleolítica, os nossos ancestrais possuíam uma alta ingestão energética no período de verão para propiciar um aumento de gordura corporal, com o objetivo de sobreviver durante a escassez gerada pelo rigoroso inverno, e essa sobrevivência gerava adaptações como a resistência à insulina. Essas mudanças metabólicas tinham como resultado a menor captação de carboidratos pelos tecidos periféricos, disponibilizando, assim, mais glicose para o cérebro. Apesar da evolução no âmbito alimentar proporcionar fácil adaptação genética, ainda possuímos variantes que promovem a resistência à insulina, ou seja, ainda carregamos alterações epigenéticas5,6.

Atualmente, as sociedades vivem uma cultura alimentar que propicia uma situação obesogênica, situação esta que pode ser observada a partir da pirâmide alimentar invertida (Figura 1): há um incentivo ao consumo de fórmulas infantis, a retirada precoce do leite materno, uma grande variedade nas plantações agrícolas não respeitando

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a sazonalidade, um incentivo ao aumento no cultivo de cereais e consequente consumo dos mesmos, levando a uma modernização da agricultura (aumentando cada vez mais a quantidade de alimentos transgênicos), o que facilita cada vez mais o consumo de produtos industrializados, instalando-se, por conseguinte, a revolução industrial ou a “pirâmide do mundo moderno”7-9.

Todavia, entre 2,6 a 10 milhões de anos atrás,

Figura 1. Pirâmide alimentar do mundo moderno e possível pirâmide da Era Paleolítica.

no Período Paleolítico, existia uma alimentação diferente, mas que atualmente a mídia impõe como tendo uma base rica em proteínas (carnes, peixes e outros), logo acima os vegetais, depois as gorduras saudáveis, seguidos de um consumo moderado de alguns alimentos (frutas, leites, quinoa, arroz integral, sementes, oleaginosas entre outros) e, no topo, um menor consumo de ervas, especiarias, extratos, suplementos e outros alimentos (Figura 1)7-9.

Mas será que a pirâmide da Era Paleolítica representada na Figura 1 era realmente a forma como os ancestrais se alimentavam? Será que

estabeleciam algum percentual ou proporção de macronutrientes a ser consumido? Na realidade não existe uma proporção, ou uma pirâmide que

Mas antes...

Há 2,6 - 10 milhões de anos

Mundo “MODERNO”

Incentivo ao consumo de fórmulas infantis

Retirada precose do leite materno

Variedade nas Plantações Agricolas

Cultivo e Consumo de cereais

Modernização da Agricultura

Produtos Industrializados

RevoluçãoIndustrial

EraPaleolítica

Ervas,especiarias,

Extratos,Chocolate amargo,

Vinho tinto,suplementos (multi-

vitamínicos, ômega-3,probióticos, vitamina D,

whey protein

Alimentos ModeradosFrutas locais e da época, leite integral

fermentados e não pasteurizados, Quinoa,Arroz integral, Oleaginosas, Sementes,

Manteiga de Oleaginosas

GordurasGordura animal, manteiga, óleo de coco, avocado,abacate, produtos à base de coco, azeite de oliva,

macadâmias

VegetaisCrescimento local e Orgânicos

Carne Bovina, Peixe, Galinha, OvosCriação local, alimentos naturais e com certificado de orgânico

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possa realmente mimetizar como uma receita a verdadeira dieta dos ancestrais, pois no Paleolítico a escolha dos alimentos dependia criticamente da latitude geográfica e do clima, conferindo, assim, uma variedade na composição dos macronutrientes e na proporção de alimentos vegetais e animais9. Para demonstrar essa versatilidade da dieta paleolítica, a população das savanas, que se localizam no sudoeste da África, possuía como base do seu hábito alimentar 60 a 70% de vegetais, e não as carnes10.

Outros estudos arqueológicos, utilizando arcada dentária, conseguiram descobrir como era a evolução alimentar e qual tipo de tecnologia era utilizada, pois, se uma civilização pescava, possuía mais tecnologia do que uma tribo que não pescava11. Dessa maneira, observaram que existiam regiões em que os habitantes apresentavam uma arcada dentária maior, e isso significava que eles consumiam carnes; já em outros lugares, povos tinham uma arcada dentária mais proeminente, o que significava que eles consumiam mais frutas, raízes, tubérculos11.

Além desses fatos, há registros do uso de isótopos de carbono 13 para analisar a composição de cabelo dos nossos ancestrais, e nessa pesquisa afirmou-se que as civilizações que consumiam mais carnes possuíam uma concentração de aminoácidos superior às que consumiam mais frutas e vegetais12.

Evidências demonstram que na Era Paleolítica, na Europa, existia um consumo de proteína de diferentes animais, como regiões europeias que consumiam mais lobos ou equinos ou peixes (civilização com maior tecnologia)13. Ou seja, de que região essa “pirâmide da Era Paleolítica” estava falando? De qual tipo de proteína animal estamos falando? Parece que o segredo não é essa forma de pirâmide que foi criada, mas sim o tipo de alimentação que nossos ancestrais tinham.

A grande diferença entre a dieta paleolítica e o estilo alimentar atual é que as crianças recebiam aleitamento materno exclusivo, não existiam alimentos processados, crianças e adultos não tinham contato com alimentos lácteos, não havia o consumo de cereais e, provavelmente, o aquecimento dos alimentos era a única forma de processamento9.

Estudos clínicos

Uma forma de se entender a importância de uma dieta dos ancestrais seria observando a sociedade dos aborígenes australianos, sobre a qual pesquisas foram realizadas antes da introdução de uma alimentação industrializada e após a adoção desse tipo de dieta, assim como depois da retirada do hábito australiano industrializado. Com base nessa observação, alguns pontos foram evidenciados14-16:

1ª - Antes da civilização australiana, a sociedade dos aborígenes era livre de doenças degenerativas;

2ª - Após a adoção da dieta industrializada dos australianos, o nível de saúde dos aborígenes piorou muito;

3ª - Ocorreu o desenvolvimento de altas taxas de obesidade, diabetes e outras anormalidades metabólicas;

4ª - Após uma reversão temporária do tipo de dieta, os aborígenes demonstraram melhora nos marcadores de risco metabólico.

Existe um único estudo clínico randomizado com 210 mulheres na pós-menopausa, idade média de 60 anos, com duração de 2 anos, que apresenta uma distribuição de macronutrientes para a dieta paleolítica17, mas essa divisão foi atribuída com base em estudos que demonstravam que a ingestão mais elevada de proteínas (entre 25 a 30%), uma ingestão menor de carboidratos (30% da energia total) e complementando com uma maior ingestão de gorduras (por volta de 40% e incluindo gorduras monoinsaturadas e ômega-3) promoveria uma redução no peso, na gordura corporal e nos níveis pressóricos e prevenção das doenças cardiovasculares18-20. Nesse estudo clínico com mulheres após o período da menopausa com uma dieta controlada (30% de proteínas, 40% de gorduras e 30% de carboidratos), apresentando características paleolíticas17, foram evidenciados resultados interessantes como:

- Nos primeiros 6 meses, houve redução da gordura e do peso corporal em relação à dieta tradicional com diferença estatística, mas, após 24 meses de tratamento, o grupo de dieta paleo teve um reganho de gordura e peso sem apresentar mais diferença estatística (Figura 2)17.

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- Nos primeiros 6 meses, houve uma redução na circunferência da cintura em relação à dieta tradicional com diferença estatística, mas, após 24 meses de tratamento, o grupo de dieta paleo

Figura 2. Efeito da intervenção dietética em parâmetros antropométricos de massa gorda (A) e peso corporal (B).

Figura 3. Efeito da intervenção dietética sobre o parâmetro antropométrico de circunferência de cintura.

estabilizou, porém o grupo da dieta tradicional continuou com uma pequena perda e, ao final do estudo, não apresentava mais diferença estatística (Figura 3)17.

Meses

Massa Gorda Dieta TradicionalDieta Paleo

NS

kg

0 6 2430

35

40

45

***2,6kg

6,5kg 4,6kg

2,9kg

A

Dieta TradicionalDieta Paleo

NS*** ** *

8,7kg

B

kg

76

7880

8284868890

0 6 12 18 24

Meses

Peso Corporal

4,4kg

Fonte: Mellberg et al.17

Fonte: Mellberg et al.17

Meses

Circunferência da CinturaDieta TradicionalDieta Paleo

NS

cm

**

11cm

5,8cm

0 6 2490

95

100

105

110

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- Uma observação importante é que a dieta paleo promoveu maior perda de massa magra (-1,3 kg) em relação ao grupo com dieta tradicional (-0,4 kg) de maneira estatisticamente significativa (p=0.005)17.

Outro estudo conduzido por Boers et al.21, com menor tempo de duração, demonstrou que o consumo de uma dieta Paleolítica por indivíduos com síndrome metabólica, durante 2 semanas, melhorou vários fatores de risco cardiovascular, porém os autores encontraram dificuldade em provar a manutenção da estabilidade do peso corporal.

Em 2009, um grupo de pesquisadores realizou um estudo clínico randomizado e cruzado com 13 pacientes diabéticos, sem tratamento de insulina, com um valor de hemoglobina glicada de 6,6% (baseline) nos grupos com dieta paleo e seguindo o consenso de diabetes. Após 6 meses de seguimento de estudo, os dois grupos apresentaram redução de hemoglobina glicada, sendo que o grupo de dieta dos ancestrais reduziu para 5,5% (p<0.0001), e o grupo tratado com o consenso de diabetes reduziu para 5,9% (p<0.001). Apesar de a dieta paleolítica ter proporcionado resultado um pouco superior ao outro grupo, isso não significa que o consenso seja pior que a dieta em teste. Uma problemática nesse estudo é o pequeno número de voluntários para se afirmar a superioridade da dieta paleolítica22.

Lindeberg et al.23 compararam a dieta paleolítica com a dieta do Mediterrâneo, por 6 semanas, para averiguar qual promoveria melhor redução na curva de glicose e insulina. Com relação à curva de glicemia, a dieta dos ancestrais promoveu uma redução significantemente estatística (p<0.001), enquanto que o grupo que usou a alimentação do Mediterrâneo não apresentou diferença estatística; na curva de insulina,porém, a dieta do Mediterrâneo conseguiu ser eficiente nos primeiros 40 minutos (p<0.05) de estímulo de insulina, enquanto a dieta paleo foi mais eficiente após 120 minutos (p<0.01) na mesma curva. No término do estudo, os pesquisadores observaram que nenhum dos

grupos apresentou resultados significantes na redução ponderal ou circunferência da cintura, mas a dieta paleolítica promoveu melhoras na tolerância à glicose, independentemente da redução das medidas antropométricas.

Em 2015, na revisão sistemática e meta-análise publicada por Manheimer et al.24, os estudos clínicos randomizados avaliados compararam a dieta paleolítica com outras dietas, considerando parâmetros que classificam a síndrome metabólica em indivíduos com consumo isocalórico ou ad libitum, e verificaram a intervenção dietética que variou nos estudos entre uma semana e seis meses. Os autores consideraram vegetais, raízes, frutas, oleaginosas, peixes, carnes, ovos, azeite de oliva e óleo de coco como alimentos inclusos na dieta paleolítica, considerando excluídos dessa dieta alimentos à base de grãos, legumes, açúcar, produtos industrializados, carboidratos refinados e leite. Indivíduos que seguiram a dieta paleolítica apresentaram melhores resultados em curto prazo sobre os componentes da síndrome metabólica do que aqueles que fizeram dietas de controle baseados em diretrizes.

Dieta paleolítica e equilíbrio ácido-base

Outro ponto importante da alimentação dos ancestrais é o baixo consumo de cálcio, mas com alta ingestão de magnésio, baixo consumo de sódio e consumo de alimentos com propriedades alcalinas. Como consequência, há uma melhor manutenção homeostática, que resulta em uma menor excreção de cálcio25-28. Então, se a dieta paleolítica possui propriedades alcalinas, e os alimentos com propriedades alcalinas são as oleaginosas, as frutas, os tubérculos, cogumelos, raízes e hortaliças, como a base da pirâmide poderia conter carne, de uma forma geral (bovina, aves, peixe)29?

Em 1996, Frassetto et al.30 investigaram o efeito da dieta no equilíbrio ácido-base sérico de 64 voluntários (faixa etária de 17 a 74 anos) submetidos a controle dietético e avaliaram as concentrações plasmáticas de H+, HCO3-, PCO2,

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ERAL (excreção renal ácida líquida) e TFG (taxa de filtração glomerular). Os autores verificaram que, quanto mais idoso é o indivíduo, maiores são os níveis séricos de H+ e PCO2, e menores os de HCO3- e TFG. Além disso, concluíram que estes parâmetros eram diretamente influenciados pela ingestão dietética, sendo maiores os valores quanto mais ácido fosse o perfil de ingestão alimentar dos participantes, e menores quanto mais básico fosse este perfil.

Dessa forma, uma alimentação ácida promove um aumento de CO2, que será eliminado pelo sistema pulmonar, e uma elevação de ácidos carbônicos que necessitará de vários mecanismos de eliminação, como a excreção urinária ou a neutralização por sais alcalinos de cálcio proveniente dos ossos, com consequente calciúria. Outra forma de eliminação é através do catabolismo muscular, que fornece nitrogênio para a excreção renal de ácidos26.

Uma curiosidade com relação à dieta ocidental é que ela apresenta uma PAEL (produção ácida endógena líquida) de 48 mEq/dia,que a caracteriza com uma dieta ácida, ou

seja, um homem ao fim dos 40 anos de idade, em uma dieta ocidental, já teria eliminado, aproximadamente, 50% do total de cálcio existente no tecido ósseo29.

Considerações finais

A resistência à insulina existe para os intolerantes ao carboidrato (diabetes tipo 2, obesidade, e síndrome metabólica), todavia, esta afirmativa é válida para os tolerantes a esse macronutriente (sensíveis a insulina, atletas, com peso corporal normal)? Possivelmente, a dieta paleolítica poderia ser prescrita por curto período de tempo para atingir resultados clínicos em um público específico, mas não de forma generalizada sem exame clínico nutricional que possa direcionar uma prescrição individualizada. Se prescrita adequadamente, a dieta paleolítica pode melhorar componentes da síndrome metabólica, entretanto, há a necessidade de mais estudos de intervenção controlados e randomizados para que esta possibilidade terapêutica possa compor guias de recomendação na nutrição.

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