Álgebra Linear (Versão 78) - Jerônimo c. Pellegrini

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Este texto foi elaborado como um primeiro curso de Álgebra Linear, desenvolvendo conceitos básicos na primeira parte e avançando para outros tópicos e aplicações na segunda parte.O texto começa com espaços vetoriais e aborda matrizes somente após transformações lineares. Isso é feito para que o leitor não tenha inicialmente a impressão de que a Álgebra Linear trata simplesmente de álgebra de matrizes reais, para que de imediato fique claro que espaços vetoriais não são necessariamente compostos apenas de tuplas (há espaços de dimensão infinita facilmente descritos), e também para ilustrar de imediato a natureza abstrata da Álgebra, e da sua relevância em problemas práticos: ao final do primeiro capítulo há vários exemplos de uso de espaços vetoriais em Criptografia, códigos corretores de erros e na solução do cubo mágico. Há também uma boa quantidade de aplicações ao final de todos os outros Capítulos.Os pré-requisitos imprescindíveis para a leitura deste livro são Cálculo em uma variável real e Geometria Analítica. Alguns dos exemplos farão uso de Cálculo em várias variáveis, probabilidade básica, grafos e equações diferenciais – mas estes exemplos podem ser deixados de lado sem comprometer a sequência do texto.

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  • 1lgebra linearverso 7828 de maio de 2014

    jernimo c. pellegrini

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    Sumrio i

    Apresentao vii

    Nomenclatura ix

    1 Espaos Vetoriais 11.1 Estruturas algbricas 11.2 Grupos 21.3 Corpo 5

    F 1.3.1 Operando com corpos 81.4 Espaos vetoriais 91.5 Subespaos 201.6 Aplicaes 291.6.1 Protocolo Diffie-Hellman para acordo de chaves [ grupo ] 291.6.2 Cubo de Rubik [ grupo ] 31

    F 1.6.3 Criptanlise moderna [ corpo; sistemas lineares em corpos ] 331.6.4 Cdigos corretores de erros [ espao vetorial; subespao ] 34

    2 Dimenso e Bases 412.1 Dependncia linear 412.2 Conjuntos geradores e bases 432.3 Isomorfismo e coordenadas 532.4 Mudana de base 582.5 Aplicaes 60

    F 2.5.1 Fractais [ isomorfismo ] 60

    3 Transformaes Lineares 633.1 Kernel e imagem 743.2 Nulidade e posto 773.3 Aplicaes 803.3.1 Transformaes em imagens 80

    4 Matrizes e Transformaes Lineares 85

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    ii SUMRIO

    4.1 Propriedades da multiplicao de matrizes 854.1.1 Matrizes por blocos 854.1.2 Multiplicao por vetor coluna combinao linear 884.1.3 Matrizes triangulares 894.2 Representao de transformaes como matrizes 894.2.1 Mudana de base e similaridade 964.3 Espaos de transformaes 1064.4 Matrizes elementares 1074.5 Sistemas de equaes lineares 1094.5.1 Eliminao de Gauss 1134.5.2 Decomposio LU 1164.5.3 Estabilidade numrica 122

    F 4.6 Matrizes complexas 1224.7 Aplicaes 1234.7.1 Clculo de uma nica coluna da inversa [ decomposio LU ] 1234.7.2 Otimizao linear [ espao-coluna; fatorao LU ] 1244.7.3 rbitas celestes [ mudana de base ] 127

    5 Determinantes 1335.1 Volume orientado 1335.1.1 Orientao 1355.2 Determinantes 1365.3 Existncia e unicidade do determinante 1405.4 Calculando determinantes 1415.4.1 Determinantes de ordem 3: regra de Sarrus 1415.4.2 Escalonamento e decomposio LU 1415.4.3 Expanso de Laplace 1425.4.4 Frmula de Leibniz 1435.4.5 Por blocos 145

    F 5.5 Matrizes complexas 1465.6 Aplicaes 1465.6.1 Regra de Cramer 1465.6.2 rea de tringulos 1495.6.3 O Wronskiano 1505.6.4 Interpolao 151

    6 Autovalores, Autovetores e Diagonalizao 1576.1 Polinmio caracterstico 1616.1.1 Autovalores complexos 1646.2 Diagonalizao de operadores 1646.3 Transformaes lineares e matrizes no quadradas 167

    F 6.4 Diagonalizao simultnea de dois operadores 1676.5 Clculo de autovalores e autovetores 1716.6 Aplicaes 1716.6.1 Potncia de matriz [ diagonalizao ] 1716.6.2 Relaes de recorrncia [ polinmio caracterstico; diagonalizao ] 172

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    6.6.3 Soluo de sistemas de equaes de diferena [ diagonalizao ] 1756.6.4 Exponencial de matriz [ diagonalizao ] 1776.6.5 Soluo de sistemas de equaes diferenciais [ diagonalizao ] 1806.6.6 Cadeias de Markov [ autovalor; autovetor ] 1826.6.7 Classificao de relevncia (pagerank) [ autovalor; autovetor ] 185

    7 Produto Interno 1917.1 Produto interno e norma 1917.2 ngulos e ortogonalidade 2007.3 Projees 2067.4 Ortogonalizao 2127.5 Diagonalizao de matrizes simtricas 215

    F 7.6 Produto interno em espaos complexos 2177.7 Aplicaes 2187.7.1 Soluo de sistemas lineares e mnimos quadrados [ distncia; projeo ] 2187.7.2 Covarincia e correlao [ produto interno; ngulo ] 219

    F 7.7.3 Covarincia [ produto interno; matriz de Gram ] 221

    8 Pseudoinversa 2278.1 Calculando pseudoinversas 2288.2 Matrizes complexas 2298.3 Aplicaes 2308.3.1 Sistemas lineares 230

    9 Forma de Jordan 233F 9.1 Existncia e clculo da forma de Jordan 235

    9.1.1 Subespaos invariantes 2359.1.2 Autovetores generalizados 2359.1.3 Existncia da forma de Jordan (para operadores nilpotentes) 2389.1.4 Existncia da forma de Jordan (caso geral) 2409.2 Estabilidade numrica 2419.3 Aplicaes 2429.3.1 lgebra Linear [ forma de Jordan ] 2429.3.2 Equaes Diferenciais [ forma de Jordan ] 243

    10 Reticulados 24510.1 Ortogonalidade de bases 24710.2 Problemas em reticulados 24810.2.1 Reduo de bases com posto dois: algoritmo de Gauss-Lagrange 24910.2.2 Vetor mais prximo com posto e ortogonalidade altos: algoritmo de Babai 25210.2.3 Posto alto, ortogonalidade baixa (reticulados difceis) 25210.3 Aplicaes 25310.3.1 Criptografia [ reticulados; desvio de ortogonalidade ] 25310.3.2 Cristalografia [ reticulados ] 255

    11 Formas Quadrticas e Bilineares 257

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    iv SUMRIO

    11.1 Formas multilineares 26111.2 Aplicaes 26211.2.1 Classificao de cnicas e qudricas 26211.2.2 Mximos e mnimos de funes em Rn [ formas definidas ] 27211.2.3 Otimizao quadrtica 277

    12 Geometria Afim e Projetiva 28112.1 Geometria Afim 28112.1.1 Espao Afim 28312.1.2 Transformaes Afim 28512.1.3 Coordenadas Homogneas 28712.2 Geometria Projetiva 28912.2.1 Noes intuitivas 28912.2.2 Coordenadas 29112.2.3 Transformaes Projetivas 29112.3 Aplicaes 291

    13 Srie de Fourier 29313.1 Funes Peridicas 29313.2 Srie de Fourier 29813.3 Determinao de coeficientes 29913.4 Forma exponencial 30413.5 Convergncia 30513.5.1 Convergncia quase sempre 30813.5.2 Convergncia pontual 309

    F 13.5.3 Convergncia uniforme 310F 13.6 Transformada de Fourier 314

    13.7 Aplicaes 31613.7.1 Equaes diferenciais [ srie de Fourier ] 31613.7.2 Equao da onda [ srie de Fourier ] 32013.7.3 Msica 321

    F 13.7.4 Compresso de dados [ transformada de Fourier ] 321

    14 Tensores 32514.1 Espao dual e funcionais lineares 32514.2 Covarincia e contravarincia 32614.3 Notao de Einstein 32614.4 Tensores 32714.4.1 Operaes com tensores 327

    F 14.4.2 Produto tensorial de espaos vetoriais 32714.5 Aplicaes 327

    A Reviso: Sistemas Lineares e Matrizes 329A.1 Sistemas de equaes lineares 329A.1.1 Resoluo de sistemas escalonados por linhas 331A.1.2 Resoluo de sistemas lineares na forma geral 332

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    A.2 Matrizes 334A.2.1 Operaes com matrizes 335A.3 Aplicaes 340A.3.1 Circuitos eltricos [ sistemas lineares ] 340A.3.2 Balanceamento de equaes qumicas [ sistemas lineares ] 341A.3.3 Cadeias de Markov [ matrizes ] 342A.3.4 Sistemas de Votao [ matrizes ] 344B Induo Finita 347B.1 Enunciado do Princpio da Induo Finita 347B.2 Demonstraes de igualdades e desigualdades numricas simples 347B.3 Induo em nmero de operaes com matriz 348B.4 Induo em ordem de matriz quadrada 349C Orientao de Bases 351

    D Dicas e Respostas 353

    Ficha Tcnica 369

    Bibliografia 371

    ndice Remissivo 375

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    Apresentao

    Este texto foi elaborado como um primeiro curso de lgebra Linear, desenvolvendo conceitos bsicos naprimeira parte e avanando para outros tpicos e aplicaes na segunda parte.

    O texto comea com espaos vetoriais e aborda matrizes somente aps transformaes lineares. Isso feito para que o leitor no tenha inicialmente a impresso de que a lgebra Linear trata simplesmente delgebra de matrizes reais, para que de imediato fique claro que espaos vetoriais no so necessariamentecompostos apenas de tuplas (h espaos de dimenso infinita facilmente descritos), e tambm para ilustrarde imediato a natureza abstrata da lgebra, e da sua relevncia emproblemas prticos: ao final do primeirocaptulo h vrios exemplos de uso de espaos vetoriais em Criptografia, cdigos corretores de erros ena soluo do cubo mgico. H tambm uma boa quantidade de aplicaes ao final de todos os outrosCaptulos.

    Os pr-requisitos imprescindveis para a leitura deste livro so Clculo emumavarivel real e GeometriaAnaltica. Alguns dos exemplos faro uso de Clculo em vrias variveis, probabilidade bsica, grafos eequaes diferenciais mas estes exemplos podem ser deixados de lado sem comprometer a sequncia dotexto.

    Sees, exemplos e exercciosmarcados comestrela (F) so opcionais, ou porque so difceis ou porqueusam conceitos normalmente no abordados emumprimeiro curso de lgebra Linear, como corpos finitos.

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    Nomenclatura

    Vetores (elementos de um espao vetorial, no apenas vetores em Rn) so grafados em negrito: v,w, . . ..Representamos vetores em Rn como vetores-coluna em todo o texto:

    v =

    v1

    v2...

    vn

    .

    Emtexto corrido e emmuitas frmulas, denotamos tais vetores como transpostas de linhas: v = (v1, v2, . . . , vn)T .Em diversas ocasies, somatrios so denotados apenas por

    i

    . . . ,

    ao invs deni=1

    . . . ,

    sendo sempre possvel determinar, a partir do contexto, quais os valores do ndice i.A nomenclatura usada no livro detalhada a seguir.

    bxe O inteiro mais prximo de x, pgina 293(an) sequncia, pgina 15(fn) Sequencia de funes, pgina 3082A Conjunto de todos os subconjuntos do conjuntoA, pgina 38[v]B Coordenadas do vetor v na base B, pgina 58[A]ij MatrizA aps remoo da linha i e coluna j, pgina 142[X] Espao gerado pelo conjunto de vetores X, pgina 43[id] Matriz de mudana de base, de para , pgina 96

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    dxe arredondamento para cima (menor inteiro maior ou igual a x), pgina 366 Composio de transformaes lineares (e de funes), pgina 67cof(A, i, j) Cofator do elemento aij da matrizA, pgina 142(X, Y) Correlao entre variveis aleatrias X e Y, pgina 220cov(X, Y) Covarincia entre variveis aleatrias X e Y, pgina 220detA Determinante da matrizA, pgina 136diag(A1, . . . Ak) Matriz diagonal com blocosA1, . . . , Ak formando a diagonal., pgina 87diag(a1, . . . , an) Matriz diagonal com elementos a1, . . . , an na diagonal., pgina 337dimV Dimenso do espao vetorial V , pgina 48E(X) Esperana da varivel aleatria X, pgina 65bxc arredondamento para baixo (maior inteiro menor ou igual a x), pgina 366F(f(x)) Transformada de Fourier de f(x), pgina 317F Conjunto de todas as funes de R em R, pgina 13F(L) domnio fundamental do reticulado L, pgina 246id Funo (e transformao) identidade, pgina 63Im T Imagem da transformao T , pgina 74In(M) Inrcia da matrizM, pgina 269u, v Produto interno dos vetores u e v, pgina 191Z2 Corpo finito com dois elementos, pgina 6ker T Kernel da transformao T , pgina 74L(B) reticulado com base B, pgina 245 desvio de ortogonalidade, pgina 247 Produto de Hadamard, pgina 36 Frequncia angular de funo peridica, pgina 293 Soma direta de espaos vetoriais, pgina 27 Ou-exclusivo lgico, pgina 6A Matriz dos conjugados deA, pgina 123x Conjugado, pgina 217

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    SUMRIO xi

    Frequncia de funo peridica, pgina 293Projx(v) Projeo de v em vetor ou subespao x, pgina 209Rn[x] Conjunto (e espao vetorial) dos polinmios com grau n, pgina 12X Desvio padro da varivel aleatria X, pgina 2192X Varincia da varivel aleatria X, pgina 220sgn Paridade de uma permutao, pgina 144 Expanso formal/simblica, pgina 298[T ] Transformao T . Base para domnio e para contradomnio, pgina 96ei Vetor (0, . . . , 1, . . . , 0), pertencente base cannica, pgina 47volA volume do objeto geomtricoA, pgina 291volA volume do objeto geomtricoA, pgina 135 E lgico, pgina 6A Conjugado transposto deA, pgina 123A Matriz adjunta deA, pgina 229A+ Pseudoinversa da matrizA, pgina 227AH Conjugado transposto deA, pgina 123C[a, b] Conjunto (e espao vetorial) das funes contnuas em [a, b], pgina 24C0 Conjnuto (e espao vetorial) das funes contnuas em R, pgina 24Ck Conjnuto (e espao vetorial) das funes k vezes diferenciveis em R, pgina 24d(v,w) Distncia entre os vetores v e w, pgina 197En Erro na aproximao de srie com n termos, pgina 309L2 Espao de funes quadrado-integrveis, pgina 310Mm,n Conjunto (e espao vetorial) das matrizesm n, pgina 54O(B) Orientao da base B, pgina 135Sn Conjunto de todas as permutaes de n elementos, pgina 143Sn Soma parcial de srie, pgina 309V(k1, . . . , kn) Matriz de Vandermonde obtida de k1, . . . , kn, pgina 151V Espao dual, pgina 328V Espao dual, pgina 106

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    Captulo 1

    Espaos Vetoriais

    A lgebra Linear pode ser vista como uma generalizao natural da Geometria Analtica. Da mesma formaque, na Geometria, somamos pares de vetores e multiplicamos vetores por escalares, podemos faz-lo comoutros objetos matrizes (A+ B, kA), funes ((f+ g)(x), kf(x)), sequncias ((an) + (bn), k(an)).

    A lgebra tem como objeto de estudo o comportamento de operaes definidas sobre conjuntos. Algebra Linear trata epecificamente de espaos vetoriais: conjuntos onde so definidas as operaes de somae multiplicao, de forma que fique bem definida tambm a expresso ax+ b.

    Os espaos vetoriais so um dos mais importantes exemplos de estrutura algbrica. A idia abstratade espao vetorial generaliza o conceito de vetores no espao tridimensional de duas maneiras. Primeiro,espaos vetoriais podem ter dimenso maior que tres. E segundo, definimos espaos vetoriais no apenascom vetores geomtricos, mas com diferentes objetos matemticos (por exemplo nmeros, matrizes,polinmios, funes) e podemos tratar desses objetos de forma unificada.

    A fim de melhor contextualizar a definio de espao vetorial, este Captulo traz uma breve descriodo que uma estrutura algbrica, descrevendo tambm grupos e corpos.

    1.1 Estruturas algbricasAlm de nmeros, podemos somar e multiplicar outros objetos o exemplo mais simples talvez seja ode matrizes. Quando definimos soma e multiplicao para objetos diferentes, estas operaes podem ouno ter propriedades semelhantes. Tanto para nmeros reais como para matrizes, a soma associativa:a+ (b+ c) = (a+ b) + c. No entanto, a multiplicao de nmeros reais comutativa (ab = ba), mas acomutatividade no vale, de forma geral, para a multiplicao de matrizes.

    Ao estudar diferetes tipos de objetos e operaes definidas sobre eles, identificamos algumas classes deobjetos para os quais as operaes se comportam de maneira semelhante. Damos a essas classes de objetoscom operaes algbricas o nome de estrutura algbrica.

    Estrutura algbrica (ou sistema algbrico) o nome dado a um conjunto com algumas operaes definidassobre ele. Por exemplo, o conjunto dos nmeros reais com as operaes de soma e multiplicao, (R,+, ) uma estrutura algbrica. O conjunto das matrizes com a operao de soma de matrizes e a operao demultiplicao por escalar (M,+, ) outra estrutura algbrica. Um terceiro exemplo de estrutura algbrica o conjunto dos inteiros com a operao de soma, (Z,+). Cada um destas estruturas tem caractersticasdiferentes, e pode ser classificada de maneiras diferentes, como veremos a seguir.

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    2 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Antes de definirmos algumas estruturas algbricas, definimos o tipo de operao que acompanharoestas estruturas.Definio 1.1 (Operao binria). Uma operao em um conjunto A uma funo que leva um ou maiselementos deA em outro elemento deA ou seja, uma funo f : AA A A.

    Dizemos que uma operao binria se aceita dois argumentos ou seja, da forma f : AA A.Dizemos que uma operao binria associativa, sea?(b?c) = (a?b)?c e comutativa, sea?b = b?a.Um elemento e A neutro para a operao ? se para todo a A, a ? e = e ? a = a. Neste texto, trataremos de operaes com dois argumentos, chamadas de operaes binrias.

    Definio 1.2 (Fechamento). Seja A um conjunto com uma operao ?, e seja B A. Dizemos que B dito fechado sob a operao ? se e somente se a operao com dois elementos deB sempre resulta em outroelemento de B ou seja, x, y B, x ? y B. Exemplo 1.3. As quatro operaes aritmticas definidas nos reais so operaes binrias. Alm disso, nosreais a soma e a multiplicao so comutativas (a+b = b+a) e associativas (a+ (b+ c) = (a+b) + c).

    Os reais so fechados para as quatro operaes.Poderamos tentar definir as quatro operaes aritmticas para os inteiros, mas no vale o fechamento:

    a operao de diviso no tem como ser definida. A intuio nos diz que podemos dividir 9/3 e obter 3, masno o podemos fazer para quaisquer dois inteiros por isso no definimos esta operao para o conjuntodos inteiros, porque os inteiros no so fechados para a diviso. J

    1.2 GruposComo primeiro exemplo de estrutura algbrica, tomamos os grupos.Definio 1.4 (Grupo). Umgrupo umconjunto no-vazioG associado a umaoperao binria : GGG tendo as propriedades listadas a seguir.

    Associatividade: (a b) c = a (b c).

    Existencia de neutro: Deve existir um elemento neutro e G para a operao de grupo: e G :a e = e a = a.

    Existencia de inverso: Para todo a G, h um inverso a G tal que a a = a a = e.Se a operao do grupo for comutativa, dizemos que o grupo comutativo (ou abeliano). Exemplo 1.5. Os inteiros com a operao usual de soma formam um grupo: (i) a soma de dois inteiros um inteiro; (ii) a soma associativa; (iii) o inteiro zero neutro para soma; e (iv), para todo inteiro a, existeum inteiroa tal que a+ (a) = 0. O grupo tambm comutativo. J

    Os conjuntosQ, R e C tambm formam grupo com a operao usual de adio.Demonstramos um teorema bsico sobre grupos.

    Teorema 1.6. SejaG um grupo e x G. Ento o inverso x de x nico emG.

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    1.2. GRUPOS 3

    Demonstrao. Seja x G e a, b inversos de x. Ento

    a = ae

    = a(xb) xb = e, b inverso de x= (ax)b associatividade= eb ax = e, a inverso de x= b.

    Exemplo 1.7. O conjunto {+1,1 } com a operao usual de multiplicao um grupo: (i) 1 1, 1 1,1 1,1 1 pertencem ao grupo; (ii) a operao associativa; (iii) 1 neutro; (iv) tanto 1 como1 soseus prprios inversos. JExemplo 1.8. O conjunto de triplas1 (x, y, z)T R3, que representam vetores no espao tridimensional,com a operao de soma de vetores:

    (x, y, z) + (a, b, c) = (x+ a, y+ b, z+ c)

    um grupo: (i) a soma de dois vetores um vetor tambm com trs nmeros reais; (ii) a soma associativa;(iii) o vetor zero neutro; (iv) para todo vetor v = (x, y, z), existe um vetor v = (x,y,z) tal quev+ (v) = (0, 0, 0). Alm disso, o grupo comutativo. JExemplo 1.9. O conjuntoR com a operao de exponenciao no um grupo, porque no vale a associ-atividade ((ab)c 6= a(bc)). JExemplo 1.10. O conjunto de todas as funes deR emR, com a operao de soma de funes, um grupo.

    A soma de funes associativa: f(x) + (g(x) + h(x)) = (f(x) + g(x)) + h(x), para todas funesf, g, h e todo x R.

    A funo zero, z(x) = 0, o elemento neutro para a operao de soma: f(x)+z(x) = f(x)+0 = f(x),para todos f e x.

    H um inverso para toda funo: f(x) tem como inversa a funo g(x) = f(x), porque f(x) +[f(x)] = z(x). J

    Exemplo 1.11. Dadas duas funes f e g, a composio de f com g, que denotamos fg, tal que fg(x) =f(g(x)).

    Por exemplo, se f(x) = 1/x e g(x) = log(x), ento (f g)(x) 1/ log(x).O conjunto de todas as funes bijetoras de reais em reais com a operao de composio um grupo: a composio de funes associativa: f (g h) = (f g) h. A funo identidade f(x) = x o elemento neutro para a operao de composio porque para todafuno g, f(g(x)) = g(x).

    Como nos restringimos ao conjunto das funes bijetoras, todas tem inversa: f f1 a identidade.J

    1Neste texto, adotamos a representao de vetores como coluna por padro.

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    4 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Exemplo 1.12. O conjunto dasmatrizes quadradas de ordemn, com a operao de soma dematrizes, umgrupo, porque:

    A soma de duas matrizes n n resulta em outra matriz n n. A soma de matrizes associativa. A matriz Z com todas as entradas iguais a zero funciona como elemento neutro, porqueA+ Z = Apara toda matrizA.

    Toda matrizA tem inverso para a operao de soma: A+ [(1)A] = Z, onde (1)A a matrizAcom seus elementos multiplicados por1, e Z a matriz zero.

    J o mesmo conjunto, das matrizes quadradas de ordem n, com a operao de multiplicao de matrizes,no um grupo, porque nem toda matriz tem inversa.

    No entanto, o conjunto das matrizes no-singulares de ordem n, com a operao de multiplicao dematrizes, um grupo. JExemplo 1.13. O conjunto R \ {1 } com a operao ?, definida como

    a ? b = ab+ a+ b

    um grupo: (i) se a, b 6= 1, ento ab + a + b 6= 1 e portanto pertence ao grupo; (ii) a operao associativa; (iii) zero identidade para ?; (iv) o inverso de a a/(a+ 1).

    Desenvolvemos detalhadamente as propriedades (ii) e (iii).(ii)

    (a ? b) ? c = (ab+ a+ b) ? c

    = (ab+ a+ b)c+ (ab+ a+ b) + c

    = abc+ ac+ bc+ ab+ a+ b+ c

    = abc+ ac+ ab+ a+ bc+ b+ c

    = a(bc+ b+ c) + a+ bc+ b+ c

    = a ? (b ? c)

    (iii)

    a ?a

    a+ 1=

    a2

    a+ 1+ a

    a

    a+ 1

    =a2

    a+ 1

    a(a+ 1) a

    a+ 1

    =a2 + a2 + a a

    a+ 1

    = 0.

    O grupo tambm comutativo. JExemplo 1.14. Dado um natural n > 0, o conjunto de todas as matrizes invertveis n n um grupocom a operao usual de multiplicao de matrizes: (i) se A, B so n n, ento AB ser tambm uma

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    1.3. CORPO 5

    matriz nn; (ii) a multiplicao de matrizes operao associativa; (iii) o elemento identidade a matrizidentidade (iv) todas as matrizes do grupo so invertveis.

    Este grupo, no entanto, no comutativo, j que a multiplicao de matrizes no , de maneira geral,comutativa. J

    1.3 CorpoDefinio 1.15. Um corpo consiste de um conjunto e duas operaes, denotadas e+, com as propriedadeslistadas a seguir.

    As duas operaes so associativas. As duas operaes so comutativas. Vale a distributividade de sobre+. H elementos neutros 0 para soma e 1 para multiplicao. Todo elemento do corpo tem um inverso aditivo. Todo elemento diferente de 0 tem inverso multiplicativo.

    Exemplo 1.16. (Q,+, ), (R,+, ) e (C,+, ) so corpos.Para todos estes conjuntos, + e so associativas e comutativas para nmeros reais. Vale a distributividade: a(b+ c) = ab+ ac para quaisquer a, b e c reais. O zero neutro para soma de reais: a+0 = a para todoa; O um neutro paramultiplicao: 1a = apara todo a.

    Para todo real a existe um inverso aditivo, (1)a, tal que (1)a+ a = 0. Todo a 6= 0 tem inverso multiplicativo, que denotamos a1, tal que aa1 = 1.

    O mesmo argumento pode ser repetido paraQ e C.H diferenas importantes entre estes trs corpos: o corpo dos racionais no completo (no contm

    os irracionais, que no podem ser representados como frao); o corpo dos reais completo e ordenado,mas no inclui solues para a inequao x2 < 0; os complexos j incluem estas solues, porque contma unidade imaginria i = 1, mas no se pode orden-los. JExemplo 1.17. Fixado um nmero n, denotamos o conjunto de todas as matrizes de ordem n porMnn.Este conjunto no um corpo com as operaes de soma e multiplicao de matrizes, porque:

    Nem toda matriz diferente de zero tem inversa; A operao de multiplicao no comutativa2. J

    2Um anel omesmo que um corpo, exceto que no vale a comutatividade para multiplicao, e os elementos no necessariamentetem inverso multiplicativo (ou seja, no se define a operao de diviso).Mnn um anel.

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    6 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Exemplo 1.18. Seja Q[2] o conjunto dos nmeros da forma a + b2, onde a, b Q, com adio emultiplicao usuais. Este conjunto um corpo:

    As operaes so as usuais, portanto so associativas e comutativas, e vale a distributividade. H neutros: 0+ 02 para adio e 1+ 02 para multiplicao. Para todo a+ b2 existe inverso aditivoa b2. Para todo (a+ b2) 6= 0 existe inverso multiplicativo

    1

    a+ b2=

    (1

    a+ b2

    )(a b

    2

    a b2

    )

    =a b

    2

    a2 2b2

    =a

    a2 2b2

    b

    a2 2b2

    2,

    e o inverso multiplicativo de a+ b2 tambm da forma x+ y2. Observamos que a2 2b2 6= 0quando a, b 6= 0.

    Finalmente, a soma e multiplicao de elementos em Q[2] resulta em elementos em Q[2]. So-mando,

    a+ b2+ x+ y

    2 = (a+ x) + (b+ y)

    2.

    Multiplicando:

    (a+ b2)(x+ y

    2) = ax+ ay

    2+ bx

    2+ b

    2y2

    = ax+ ay2+ bx

    2+ 2by

    = (ax+ 2by) + (ay+ bx)2. J

    O prximo exemplo o corpo Z2, de extrema importncia em Computao. Este corpo diferente dosoutros corpos que apresentamos por ser finito.Exemplo 1.19. Neste exemplo exploramos um corpo com apenas dois elementos. Podemos representaros valores lgicos verdadeiro e falso como 0 e 1, e estes sero os elementos de nosso corpo.

    As operaes que definiremos so as duas operaes lgicas a seguir: e, tambm denotado por . Por definio, o e de a e b um se e somente se tanto a como bvalem um. A tabela-verdade da operao

    a b (a b)

    0 0 0

    0 1 0

    1 0 0

    1 1 1

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    1.3. CORPO 7

    ou-exclusivo, tambm denotado por . Por definio, o ou-exclusivo de a com b um se e so-mente se a e b tem valores diferentes (um deles zero e outro um). A tabela-verdade da operao

    a b (a b)0 0 0

    0 1 1

    1 0 1

    1 1 0

    O conjunto { 0, 1 } com as operaes lgicas (e) e (ou exclusivo) um corpo: (i) as duas operaesso associativas; (ii) as operaes so tambm comutativas; (iii) distributiva sobre a (b c) =(ab) (ac); (iv) h elementos neutros: 0 para e 1 para; (v) todo elemento do corpo seu prprioinverso aditivo; (vi) O nico elemento diferente de 0 (o 1) tem inverso multiplicativo (ele mesmo).

    Este corpo chamado de Z2, porque subconjunto dos inteiros com dois elementos3. Observe que asoperaes e tambm podem ser descritas usando soma e multiplicao: se a e b pertencem a {0, 1},ento

    a b o mesmo que o resto da diviso de a+ b por 2, e a b o mesmo que ab. JAs operaes em Z2 (e, ou-exclusivo) so normalmente implementadas por circuitos lgicos usados na

    construo de computadores e outros dispositivos digitais.Exemplo 1.20.F Este exemplo est em nvel de abstrao acima do resto do texto, e deve ser consideradoopcional.

    Um nmero chamado de algbrico se raiz de algum polinmio

    anxn + an1x

    n1 + . . .+ a1x+ a0,

    onde os ai so inteiros. Um nmero que no algbrico chamado de transcendental.O conjunto de todos os nmeros algbricos um corpo, chamado de corpo de nmeros algbricos, muitas

    vezes denotado por A. Este corpo contm Q, i = 1, todos os mltiplos de i com coeficientes raci-onais, a razo uera4 , mas no contm nmeros transcendentais como pi e e. Alguns outros nmerostranscendentais (e que portanto no pertencem a A) so

    22, o nmero de Hilbert.

    sen 1, e de maneira geral sen x, cos x e tan x para todo nmero algbrico x diferente de zero.3Este corpo tambm chamado deGF2, ondeGF significa Galois Field, corpo de Galois um corpo de Galois um corpo finito.4 a razo a/b para todos reais tais que a+b

    a= ab. A razo urea est presente na Natureza de diversas formas, e importante

    em muitas reas das Cincias e Artes. Seu valor 1+5

    2, tambm igual frao

    1 +1

    1 +1

    1 +1

    1 +. . .

    .

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    8 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    ii = epi/2 = 0.207879576 . . . 0.12345678910111213141516 . . ., o nmero de Champernowne, que construdo concatenando osdgitos dos nmeros naturais 1, 2, 3, . . .

    H aplicaes importantes deste corpo por exemplo, os nmeros algbricos so usados em um mtodopara obter a fatorao de nmeros inteiros grandes, algo de grande relevncia em Criptanlise.

    No mostraremos neste texto que A um corpo. J

    F 1.3.1 Operando com corposTudo o que pudermos fazer usando as operaes de corpo em nmeros reais, tambm podemos fazer

    com outros corpos. Em particular, interessante observar que podemos resolver equaes e sistemas deequaes em qualquer corpo.Exemplo 1.21. Facilmente resolvemos a equao linear 2x+ 3 = 10 em R, isolando x e obtendo

    x =10 3

    2=7

    2.

    Agora resolvemos equaes lineares em corpos diferentes. Por lineares entendemos equaes onde umaincgnita pode aparecer multiplicada por uma constante (ou seja, um elemento do corpo), mas no poroutra incgnita ou por ela mesma.

    Primeiro, resolvemos 3x+ 10+2 = 1+ 162 emQ[2]: isolamos x e obtemos

    3x = 1 10+ 1622

    3x = 9+ 152

    x = 3+ 52.

    Este exemplo parece bastante natural, porque realizamos as operaes usuais de soma e multiplicao, esuas inversas (subtrao e diviso). Resolvemos agora uma equao em Z2. Como os elementos do corposo apenas 0 e 1, somente eles podem ser usados na equao (ou seja, as constantes e incgnitas valem 0ou 1). Em Z2, as operaes que usamos so soma (ou exclusivo) e multiplicao (e lgico). Observamosque neste corpo a funo inversa da soma ela mesma, porque

    1 1 = 0.

    Embora isto possa, em um primeiro contato, parecer incorreto, nada na definio de corpo impede quesomar dois nmeros seja o mesmo que somar um nmero com seu inverso aditivo.

    Resolveremos agora a equao 1 x 1 = 1. Isolamos x:

    1 x 1 = 0x 1 = 0 (porque 1 x = x)

    x 1 1 = 0 1x 0 = 1

    x = 1. J

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    1.4. ESPAOS VETORIAIS 9

    Exemplo 1.22. Tambm podemos resolver sistemas de equaes lineares.Em Z2, resolvemos um sistema 2 2 (denotamos por para que a notao fique mais limpa).{

    1x 1y = 00x 1y = 1

    Temos imediatamente que y = 1. Substituindo na primeira equao, obtemos

    1x 1 1 = 0x 1 1 = 0 (1x = x)x 1 = 0 (1 1 = 1)

    x = 0

    A soluo de sistemas de equaes em Z2 de grande importncia em Criptografia e Criptanlise. J

    1.4 Espaos vetoriaisUmespao vetorial uma estrutura que generaliza as propriedades de vetores emR3, como as conhecemosda Geometria Analtica. Em um espao vetorial podemos somar elementos e realizar multiplicao nopor elementos do prprio espao, mas por escalares, que so elementos de um outro conjunto (um corpo).Definio 1.23 (Espao Vetorial). Um espao vetorial sobre um corpoK um conjuntoV com duas opera-es, adio de vetores, denotada por+ emultiplicao por escalar, denotada por concatenao. A soma operaem pares de vetores e retorna um vetor (+ : V V V), e a multiplicao por escalar opera em pares deescalar e vetor, retornando um vetor ( : K V V). Para que V e K com as duas operaes formem umespao vetorial as operaes devem ter as seguintes propriedades:

    As duas operaes so associativas:

    c(dv) = (cd)vu+ (v+ w) = (u+ v) + w.

    A soma de vetores (+) comutativa: u+ w = w+ u. A multiplicao por escalar () distributiva, tanto sobre adio de vetores como sobre adio deescalares:

    c(u+ v) = cu+ cv(c+ d)v = cv+ dv.

    Existe um vetor 0, neutro para adio: x+ 0 = x. Para todo vetor x existe um vetorx, tal que x+ (x) = 0. 1v = v (a multiplicao pela identidade do corpo no modifica um vetor).

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    10 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Dizemos que K o corpo subjacente ao espao vetorial V .O espao vetorial com um nico elemento chamado de espao trivial. de vital importncia observar que definimos as operaes como + : V V V e : K V V , e

    que portanto o vetor que resulta da aplicao delas deve sempre pertencer ao espao V onde so definidas.No espao trivial, o nico elemento deve necessariamente ser o vetor zero, porque a existncia do

    neutro aditivo requisito. interessante observar que no definimos em um espao vetorial o produto de um vetor por outro, e

    isto est em consonancia comonome lgebra linear: emuma forma linear,ax+b, multiplica-se a varivelx por um escalar a, mas no pelo prprio x ou por outra varivel. Por exemplo, a forma ax2 + bx + c quadrtica, e no linear.

    A seguir temos exemplos de diferentes espaos vetoriais. Mostramos que so realmente espaos veto-riaois: para isso mostramos que as operaes de soma e multiplicao resultam em um vetor no mesmoespao, e que as operaes tem as propriedades listadas na definio de espao vetorial.Exemplo 1.24 (vetores no plano). O conjunto de todos os vetores no plano com as operaes de soma devetores e multiplicao por escalar um espao vetorial sobre R, porque:

    Os vetores so pares de nmeros reais, que podemos representar como vetores coluna. O corpo R A operao de soma de vetores e a de multiplicao por escalar so associativas. A soma de vetores no plano comutativa (u+ v = v+ u).

    Vale a distributividade de sobre+. Se representarmos os vetores por v =(v1v2

    ), etc, temos:

    c

    [(u1u2

    )+

    (v1v2

    )]= c

    (u1u2

    )+ c

    (v1v2

    )(c+ d)

    (v1v2

    )= c

    (v1v2

    )+ d

    (v1v2

    ).

    O vetor zero, 0 =(00

    ), quando somado a qualquer outro vetor v, resulta em v.

    Para todo vetor v h um outro vetor u, de mesma magnitude e orientao oposta, tal que v+ u = 0. A multiplicao de um vetor qualquer por 1 no altera o vetor.

    Um vetor no plano representado por dois nmeros (ordenada e abscissa), e portanto podemos associarcada vetor como produto cartesiano deR comR. Por isso o plano denotadoR2, e o espao tridimensional denotado R3. De amneira geral, denotamos o espao de n dimenses por Rn (claro, para n > 3 perde-mos a possibilidade de visualizar o espao, mas ainda assim as operaes com n coordenadas so anlogasquelas em R2 e R3). J

    Antes dos prximos exemplos, demonstramos alguns fatos bsicos a respeito de espaos vetoriais.Teorema 1.25. Seja V um espao vetorial e u, v V . Ento

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    1.4. ESPAOS VETORIAIS 11

    i) Se u+ v = v ento u = 0.ii) 0v = 0.iii) Para todo v,v nico, ev = (1)v.iv) c0 = 0 para qualquer escalar cv) Existe um nicow V tal que u+ w = v.

    Demonstrao. Demonstraremos cada item na ordem em que aparecem no enunciado.(i)

    u+ v = vu+ v+ (v) = v+ (v)

    u = 0

    (ii) 0v = (0+ 0)v = (0v) + (0v). Pela propriedade anterior (i) temos necessariamente v = 0.(iii) Sejamv e v dois opostos de v, ou seja,

    v+ v = 0v + v = 0.

    Entov e v so iguais:v = v+ 0 = v+ (v+ v )

    = (v+ v) + v

    = 0+ v

    = v.

    Alm disso, temosv+ (1)v = 1v+ (1)v = (1 1)v = 0v = 0.

    e portanto= v = (1)v.(iv) k0 = k(v+ (v)) para todo v. Usando (iii) que acabamos de provar, temos

    k(v+ (v)) = k(v+ (1)(v))= kv+ (k)(v)= (k k)v= 0v,

    que pela propriedade (ii) acima, igual a 0.(v) Sejam u, v,w tais que u+ w = v. Ento

    u+ w = vu u+ w = v u

    w = v u.

    Como v + (u) definido de forma nica porque u nico (conforme a propriedade (iii) acima), w nico.

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    12 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Exemplo 1.26 (polinmios). Denotamos o conjunto de todos os polinmios em x com grau n e coefici-entes reais por Rn[x].

    Polinmios podem ser somados e multiplicados por escalares: A soma de dois polinmios anxn + an1xn1 + + a0 e bnxn + bn1xn1 + + b0

    (an + bn)xn + (an1 + bn1)x

    n1 + + (a0 + b0). (1.1)

    Por exemplo,(3x3 + 2x2 8

    )+

    ( x3 + x+ 1

    )= (3 1)x3 + (2+ 0)x2 + (0+ 1)x+ (8+ 1)

    = 2x3 + 2x2 + x 7.

    A multiplicao de um real k por um polinmio anxn + an1xn1 + + a0 igual a

    kanxn + kan1x

    n1 + + ka0. (1.2)

    Por exemplo,

    7

    (3x3 + 4x2 1

    )= 7(3)x3 + 7(4)x2 + 7(1)

    = 21x3 + 28x2 7.

    Para qualquer n 0, Rn[x] um espao vetorial. Como estamos trabalhando compolinmios reais, consideramos que o o corpo subjacente com sendoR.

    A soma de dois polinmios de grau n resulta em outro polinmio de grau n, conforme a equa-o 1.1.

    Amultiplicao de um polinmio de grau n por um escalar resulta em outro polinmio de mesmograu (ou em zero, se o escalar for zero), conforme a equao 1.2.

    A soma de polinmios associativa: dados tres polinmios p(x), q(x), e r(x), ento

    (p(x) + q(x)) + r(x) = p(x) + (q(x) + r(x)).

    A multiplicao de um polinmio por um escalar associativa: sejam p(x), q(x), e r(x) trs polin-mios e c, d nmeros reais. Ento

    c[dp(x)

    ]= (cd)p(x)

    p(x) +[q(x) + r(x)

    ]=[p(x) + q(x)

    ]+ r(x).

    A soma de polinmios comutativa: p(x) + q(x) = q(x) + p(x).

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    1.4. ESPAOS VETORIAIS 13

    Vale a distributividade da multiplicao sobre a soma. Sejam p(x) e q(x) polinmios e c, d nmerosreais. Temos

    c[p(x) + q(x)

    ]= cp(x) + cq(x)

    (c+ d)p(x) = cp(x) + dp(x)

    O nmero zero , ele mesmo, um polinmio, e a soma de um polinmio p(x) com zero resulta emp(x). Assim, 0 elemento neutro para soma.

    para todo polinmio p(x) com grau n h um outro, de mesmo grau (p(x), o polinmio p(x)multiplicado por1), tal que p(x) + (p(x)) = 0.

    A multiplicao de um polinmio por 1 no modifica o polinmio. JExemplo 1.27 (funes). Seja F(R) o conjunto de todas as funes de R em R. Por exemplo, f(x) = 2x,g(x) = tan(x) so elementos de F(R). Podemos somar duas funes e multiplicar uma funo por umescalar: sejam f, g F . Ento,

    A soma de f com g f+ g, tal que (f+ g)(x) = f(x) + g(x). A multiplicao de f por um nmero real k kf, tal que (kf)(x) = k(f(x)).

    O conjunto F , com as operaes de soma de funes e multiplicao por escalar, um espao vetorial: A soma de funes comutativa:

    (f+ g)(x) = f(x) + g(x) = g(x) + f(x) = (g+ f)(x).

    A multiplicao de funo por escalar associativa:

    c(d(f(x)) = (cd)f(x)

    A soma de funes associativa:[(f+ g) + h

    ](x) =

    [f(x) + g(x)

    ]+ h(x)

    = f(x) + g(x) + h(x)

    = f(x) +[g(x) + h(x)]

    =[f+ (g+ h)

    ](x).

    Vale a distributividade da multiplicao sobre a soma:

    k(f+ g)(x) = k(f(x) + g(x)

    )= kf(x) + kg(x).

    A funo constante f(x) = 0 o neutro aditivo: para toda funo g,

    (f+ g)(x) = f(x) + g(x) = 0+ g(x) = g(x).

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    14 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Toda funo f tem um inverso aditivo, que (1)f.[f+ (1)f

    ](x) = f(x) + (1)f(x) = f(x) f(x) = 0 = z(x),

    onde z(x) a funo constante zero. A multiplicao de uma funo por 1 no a modifica. J

    Exemplo 1.28 (nmeros reais, operaes trocadas). As operaes usadas em espaos vetoriais no preci-sam ser a soma e multiplicao usuais. Elas precisam apenas ter as propriedades listadas na definio deespao vetorial. Por exemplo, podemos definir o seguinte espao vetorial:

    O conjunto de vetores R (os nmeros reais exceto o zero); O corpo usado R; A operao de soma de vetores a multiplicao de reais: u v = uv A operao de multiplicao por escalar a exponenciao: c v = vc

    Neste espao, o elemento identidade para soma deve ser necessariamente 1: x 1 = x. O inverso aditivode cada elemento x x1. JExemplo 1.29 (matrizes). O conjunto de todas as matrizes reais m n, que denotamosMmn, umespao vetorial: podemos somar matrizes e multiplic-las por escalares, e as propriedades necessrias somantidas. Este um espao vetorial sobre R, porque os escalares que multiplicamos pelas matrizes soreais. JExemplo 1.30.F Este exemplo aborda a relao entre os vetores de um espao e o corpo subjacente, e ilustraum fato muito importante. Tentaremos construir um espao vetorial de duas maneiras parecidas. Umadelas funcionar e a outra no.

    Se tomarmos todas as matrizes 2 2 com coeficientes reais, mas usarmos o corpoQ para os escalares,no teremos problemas. Ao multiplicarmos um escalar racional pela matriz real, obtemos outra matrizreal. Por exemplo,

    m

    n

    (pi 0e2

    )=

    (pimn

    0emn

    m2

    n

    ).

    Assim, podemos ter o corpo subjacente igual aQ, mas commatrizes reais como vetores. Temos um espaovetorial sobreQ.

    J o contrrio no possvel: suponha que queiramos usar apenas matrizes 2 2 racionais e escalaresreais, portanto V o conjunto destas matrizes e exclumos assim todas as matrizes que tem elementosirracionais. As operaes podero resultar em matrizes reais:

    3

    (1 03 2

    )=

    ( 3 0

    33 2

    3

    ).

    Esta ltima matriz tem elementos irracionais, e no pertence a V , portanto no temos um espao vetorial.J

    Exemplo 1.31 (sequncias). Comeamos este exemplo com a definio de sequncias.

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    1.4. ESPAOS VETORIAIS 15

    Definio 1.32 (sequncia). Uma sequncia uma funo deN emR. Sequencias normalmente so deno-tadas por (an), (bn). O n-simo termo da sequncia (ou seja, a valor funo para o argumento igual a n) usualmente denotado por an, bn, etc, sem os parnteses, ao invs da notao tradicional para funesa(n), b(n), etc5.

    Um exemplo bastante conhecido a sequncia de Fibonacci, dada por

    F1 = 1

    F2 = 1

    Fn = Fn1 + Fn2.

    A seguir mostramos os primeiros nmeros da sequncia de Fibonacci.

    F1 = 1 F5 = 5F2 = 1 F6 = 8F3 = 2 F7 = 13F4 = 3 F8 = 21

    Sejam (an), (bn), . . . sequncias. Definimos as operaes de somade sequncias emultiplicaode sequn-cia por escalar da maneira natural. Ento o conjunto de todas as sequencias um espao vetorial:

    i) a soma de sequncias associativa e comutativa;ii) a multiplicao de sequncia por escalar associativa;iii) a sequncia zn = 0 neutra para soma de sequncias;iv) para toda sequncia (an), existe uma sequencia (an) tal que (an) + (an) = (zn). J

    Exemplo 1.33 (solues de equao diferencial).F Uma equao diferencial ordinria uma equao envol-vendo uma funo e uma ou mais de suas derivadas. Por exemplo, suponha que x uma varivel indepen-dente e y uma varivel dependente de x (ou seja, y funo de x). Ento a equao

    y + 2y x+ 3xy = 0

    uma equao diferencial. Normalmente estamos interessados em obter as funes y que satisfazem a equa-o diferencial.

    Considere a equao diferencialy y = 0.

    A equao linear, porque da forma any(n) + an1y(n1) + + a1y+ a0 = f(x). A equao homognea, porque apenas a varivel dependente aparece na equao no vemos avarivel independente nem constantes (a0 = 0, f(x) = 0).

    5Por exemplo, podemos definir uma sequncia (an):a1 = 2

    an = 2an1 + 1

    Temos ento a1 = 5, a2 = 11, a3 = 23, . . .

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    16 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    As solues desta equao so da formay = aex bex

    onde a e b so constantes arbitrrias. As solues formam um espao vetorial: a soma de duas soluesresulta em outra soluo sejam (a,b) e (,) as constantes que determinam duas solues diferentes paraa EDO. Ento

    aex bex + ex ex = (a+ )ex (b+ )ex

    A multiplicao por escalar tambm resulta em outra soluo:c(aex + bex) = (ca)ex + (cb)ex.

    Finalmente, as propriedades de espao vetorial valem: (i) a soma de solues associativa e comutativa;(ii) a multiplicao por escalar associativa; (iii) y = 0 soluo (com a = b = 0), e funciona como neutroaditivo; (iv) toda soluo tem oposto basta multiplic-la por1; (v) multiplicar 1 por uma soluo no amodifica.

    O conjunto de solues para qualquer EDO linear homognea sempre um espao vetorial.Uma excelente introduo s Equaes Diferenciais o livro de Tenenbaum em Pollard [TP63]. Mais

    resumidos, os livros de Coddington [Cod61] e Bear [Bea62] so tambm timos textos sobre o assunto. JExemplo 1.34 (variveis aleatrias). Seja o espao amostral de um experimento aleatrio. Uma varivelaleatria real uma funo X : R.

    O conjunto de todas as variveis aleatrias em um espao vetorial quando usamos a operao usualde soma de variveis aleatrias, e a multiplicao de uma varivel aleatria por escalar real.

    SejamA e B duas variveis aleatrias definidas no mesmo espao amostral, e seja C = A+ B. Paratodo evento simples , C() = A() + B(). Fica portanto claro que:

    A soma de variveis aleatrias associativa e comutativa. A multiplicao de varivel aleatria por escalar distributiva sobre a soma. A varivel aleatria Z, que leva todo elemento de em 0, o elemento neutro para adio. Se A varivel aleatria, ento a varivel aleatria A, que leva os elementos do espao amostralaos valores opostos aos queA leva, tambm .

    Multiplicar uma varivel aleatria por 1 no a modifica.Mostramos ento que o conjunto das variveis aleatrias reais em ummesmo espao amostral um espaovetorial sobre R. JExemplo 1.35 (sequncias de bits).F Mencionamos no exemplo 1.19 o corpo Z2, onde as operaes so oe () e o ou-exclusivo (). Definimos agora um espao vetorial sobre este corpo, de maneira anlogaa Rn sobre os reais. Cada vetor uma sequncia de n bits, e as operaes so:

    Soma: feita elemento a elemento somar o vetorb = (b1, b2, . . . , bn) comovetorb = (b 1, b 2, . . . , b n)resulta em (b1 b 1, b2 b 2, . . . , bn b n). Por exemplo,

    (0, 1, 0, 1, 1)

    (0, 0, 1, 1, 0)= (0, 1, 1, 0, 1)

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    1.4. ESPAOS VETORIAIS 17

    Multiplicao por escalar: feita elemento a elemento multiplicar c pelo vetor (b1, b2, . . . , bn) re-sulta em (cb1, cb2, . . . , cbn). Comoh somente dois escalares no corpo (0 e 1), listamos aqui o efeitoda multiplicao de vetores por eles.

    1 (b1, b2, . . . , bn) = (b1, b2, . . . , bn)

    0 (b1, b2, . . . , bn) = (0, 0, . . . , 0).

    Este espao chamado de Zn2 . JExemplo 1.36 (ciclos em grafo).FF Um grafo uma representao grfica de uma relao em um conjunto.Grafos tem aplicao em uma enorme quantidade de reas das Engenharias, da Computao e da Matem-tica. A figura a seguir mostra exemplos de grafos.

    usual dar nomes aos ns, e desenhar o grafo com os nomes de cada n seu lado.Para poder trabalhar com grafos como objetos matemticos, precisamos dar a eles uma definio for-

    mal. Definimos um grafo como um par (V, E), onde V um conjunto de vrtices (representados grafica-mente como pontos) e E um conjunto de arestas (graficamente so os traos que unem vrtices), deforma que cada aresta em E seja um conjunto de dois dos vrtices em V .

    Damos um exemplo de grafo na prxima figura.

    ab

    c

    de

    f

    O conjunto de vrtices do grafo V = {a, b, c, d, e, f}.

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    18 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    As arestas soE =

    {{a, c}, {a, d}, {b, c},

    {b, e}, {b, f}, {c, d}

    }.

    Um subgrafo uma parte de um grafo.Definio 1.37 (subgrafo). SejaG = (V, E) um grafo. Um subgrafo deG um grafoG = (V , E ) tal queV V e E E.

    O grafo em negrito na figura a seguir um subgrafo do grafo anterior. Neste texto, quando quisermosmostrar um subgrafo, ele ser desenhado em negrito sobre o grafo original, que ser desenhado em tomde cinza claro.

    ab

    c

    de

    f

    O vetor caracterstico de um conjunto de arestas um vetor com E posies. A posio i do vetor um se eiest no subgrafo, e zero se no est. Por exemplo, o vetor caracterstico do subgrafo que mostramos

    {a, b}{a, c}{a, d}{a, e}{a, f}{b, c}{b, d}{b, e}{b, f}{c, d}{c, e}{c, f}{d, e}{d, f}

    0

    1

    0

    0

    0

    0

    0

    0

    1

    1

    0

    0

    0

    0

    Os elementos do vetor caracterstico so 0 e 1. Ser conveniente usarmos as operaes deZ2 nestes vetores.Multiplicar um vetor por 1 o mesmo que realizar a operao de e, e portanto resulta no mesmo vetor(no modifica o subgrafo):

    1 (0, 1, 1, 0, 0, 1)T = (0, 1, 1, 0, 0, 1)T .A multiplicao por zero resulta no vetor zero (e portanto no grafo sem arestas, contendo somente osvrtices), ou seja, multiplicar um subgrafo por zero o faz desaparecer.

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    1.4. ESPAOS VETORIAIS 19

    A soma de dois vetores feita elemento-a-elemento, com a operao de soma em Z2 (ou seja, usandoou-exclusivo):

    (0, 1, 1, 0, 0, 1)T (1, 1, 0, 1, 0, 1)T = (1, 0, 1, 1, 0, 0)T .Em um grafo, esta operao representa a soma de dois subrafos: se uma aresta existe somente em um dossubgrafos, ela passa a existir na soma. Se uma aresta existe nos dois subgrafos, ela deixa de existir na soma.A figura a seguir ilustra a soma de dois subgrafos. Observe que as arestas (a, b), (b, c) e (d, e) existiam emambos os grafos, e no existem na soma (elas aparecem em cinza claro na ilustrao, apenas para facilitarsua identificao).

    ab

    c

    d

    e

    ab

    c

    d

    e

    =

    ab

    c

    d

    e

    Um ciclo em um grafo uma sequncia de arestas (e1, e2, . . . , ek) formam um caminho, iniciando com umvrtice e terminando nele mesmo6. A figura a seguir ilustra um ciclo em um grafo; o ciclo formado pelosvrtices (a2, a3, b1, b0).

    a0

    a1

    a2a3

    a4b0

    b1b2

    b3

    b4

    6Esta definio est simplificada. Para mais detalhes, o leitor poder consultar a literatura de Teoria dos Grafos por exemplo, olivro de Bondy e Murty [BM08]

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    20 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Quando somamos dois grafos, cada um composto por ciclos disjuntos (isto , ciclos que no compartilhamarestas), o resultado tambmumgrafo composto por ciclos disjuntos. No demonstraremos este fato, masilustramos com um exemplo. A figura a seguir mostra dois grafos,G eH. Estes grafos tem dois vrtices (ce d) e uma aresta (cd) em comum.

    G =

    a

    c

    d

    b

    k

    j

    lH =

    c

    d

    e

    h

    g

    i

    O resultado da soma dos dois grafos,GH, mostrado a seguir.a

    c

    e

    h

    d

    b g

    i

    k

    j

    l

    Seja C a unio dos subgrafos sem arestas com o conjunto dos subgrafos de G que consistem de unies deciclos. C com as operaes que definimos um espao vetorial sobre Z2:

    Grafos sem arestas so o elemento neutro (zero), e sua soma com qualquer outro grafo de ciclosresulta no prprio grafo de ciclos;

    A soma de dois ciclos resulta em um ciclo; Amultiplicao de um elemento por 1 resulta no prprio elemento; por 0 resulta no grafo sem ares-tas. J

    1.5 SubespaosDefinio 1.38 (Subespao). Seja V um espao vetorial, e seja tambm U V . Se as mesmas operaesque tornamV um espao vetorial7 tambm tornamU um espao vetorial, entoU um subespao deV . Teorema 1.39. Todo espao vetorial V no trivial tem pelo menos dois subespaos: o prprio V e o espao trivial.Demonstrao. O espao trivial subespao de qualquer espao V porque

    { 0 } V .7Alguns autores dizem queU munido das mesmas operaes de V .

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    1.5. SUBESPAOS 21

    Como s h um elemento no espao trivial, no h vetores a somar. A multiplicao de qualquer escalar por 0 associativa: (cd)0 = c(d0) = 0. O zero neutro para adio (0+ 0 = 0). Para todo vetor no espao trivial (ou seja, somente para o zero), 0+0 = 0. A multiplicao de 1 por 0 igual a 0 (ou seja, no modifica o vetor zero).J V subespao de V porque V V .

    Exemplo 1.40. Considere o espaoR3. O conjunto de pontos da forma (v1, v2, 0) um subespao, porque:(i) a soma de dois pontos desta forma resulta emoutro tambmdamesma forma: (u1, u2, 0)+ (v1, v2, 0) =(u1 + v1, u2 + v2, 0), e (ii) a multiplicao por escalar tambm resulta em outro ponto da mesma forma:c(v1, v2, 0) = (cv1, cv2, 0). Alm disso, (i) a soma de vetores (os pontos) associativa e comutativa; (ii) amultiplicao de vetores por escalar associativa:

    c(du) = c(d(u1, u2, 0))= c(du1, du2, 0)

    = (cdu1, cdu2, 0)

    = (cd)(u1, u2, 0)

    = (cd)u,

    eu+ (v+ w) = (u1, u2, 0) + [(v1, v2, 0) + (w1, w2, 0)]

    = (u1, u2, 0) + (v1 +w1, v2 +w2, 0)

    = (u1 + v1 +w1, u2 + v2 +w2, 0)

    = [(u1 + v1, u2 + v2, 0)] + (w1, w2, 0)

    = [(u1, u2, 0) + (v1, v2, 0)] + (w1, w2, 0)

    = (u+ v) + w;

    (iii) a multiplicao por escalar distributiva:c(u+ v) = c [(u1, u2, u3) + (v1, v2, v3)]

    = c(u1, u2, u3) + c(v1, v2, v3)

    = cu+ cv,

    e(c+ d)v = (c+ d)(v1, v2, v3)

    = c(v1, v2, v3) + d(v1, v2, v3)

    = cv+ dv;

    (iv) o vetor0 = (0, 0, 0) neutropara soma; (v) para todovetor (u1, u2, u3) existe umvetor (u1,u2,u3)tal que (u1, u2, u3) + (u1,u2,u3) = 0; (vi) multiplicar 1 por um vetor v no modifica o vetor.

    Este exemplo mostra tambm que podemos visualizar R2 como subespao de R3 uma vez que igno-rando a terceira coordenada (que igual a zero), temos um plano. J

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    22 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Exemplo 1.41. Sabemos que os reais so um espao vetorial (os vetores so nmeros reais, e o corposubjacente o prprio R). Os racionais no so subespao dos reais, porque a multiplicao de x Qpor escalar real no necessariamente racional: pi (2/3) = 2pi/3. J

    Se sabemos que V um espao vetorial e U V , j sabemos tambm que todas as propriedades dasoperaes em V tambm valem em U (porque as operaes so as mesmas). Resta apenas determinar seeste subconjunto fechado para as operaes de soma de vetores e multiplicao por escalar. Para isso,verificamos que: (i) o vetor zero pertence a U; (ii) as operaes de soma e multiplicao por escalar deelementos deU resultam em elementos tambm deU.

    A figura a seguir mostra, por exemplo, dois subconjuntos de um espao vetorial V . No primeiro caso,U subconjunto, mas h vetores x e y tais que x + y = z / U. Como esta condio j no satisfeita,podemos dizer queU no subespao de V . No segundo caso, a soma de quaiquer x e y est emW, o zeroest emW, e para todo x e todo c, cx est emW, portantoW subespao de V .

    U

    V

    x

    y

    z+

    W

    V

    x

    y

    z+

    0

    cx

    c

    Teorema 1.42. Se V um espao vetorial e U V , de forma que 0 U e U fechado para as operaes demultiplicao por escalar e soma de vetores, entoU subespao de V .Exemplo 1.43. Considere o subconjunto de R2, X = { (x, y) : x+ y = 0 }. X subespao de R2, porque(0, 0) X; a soma de dois vetores de X resulta em outro vetor de X. Sejam (a, b) e (x, y) pontos de X.

    (a, b) + (x, y) = (a+ x, b+ y)

    Somando as coordenadas do novo vetor, temos

    (a+ x) + (b+ y) = (a+ b) + (x+ y) = 0+ 0 = 0.

    a multiplicao de vetores de X por escalar resulta em outro vetor de X. Seja (x, y) vetor em X e c umescalar.

    c(x, y) = (cx, cy)

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    1.5. SUBESPAOS 23

    Entocx+ cy = c(x+ y) = 0c = 0.

    O conjunto X definido acima a reta y = x. H outras retas que so subespaos deR2: basta que passempela origem (porque precisamos do vetor 0.

    Geometricamente, podemos verificar que a adio de vetores nesta reta resulta sempre em outro vetortambm sobre a mesma reta e que a multiplicao por escalar tambmmantmos vetores na reta. Comoalmdisso a reta pasa pela origem, o vetor zero est tambmna reta, e portanto, como soma emultiplicaopor escalar resultam em vetores na reta, e ela contm o zero, trata-se de um subespao de R2.

    4 2 2 4

    4

    2

    2

    4

    00

    x

    y

    O raciocnio geomtrico que fizemos obviamente vale para qualquer reta passando pela origem (e real-mente, so todas subespaos de R2).

    De maneira geral, o conjunto { (x1, x2, . . . , xn) :xi = 0 } subespao de Rn. J

    Exemplo 1.44. Considere o conjunto de pontos X = { (x, y) : x+ y = 1 }. X subconjunto de R2, masno um subespao de R2, porque (0, 0) / X.

    4 2 2 4

    4

    2

    2

    4

    00

    x

    y

    J

    Exemplo 1.45. Considere o subconjunto de R3, X = {x, 2x, x2}. X no um subespao vetorial de R3,porque (1, 2, 1) e (2, 4, 4) pertencem a X, mas sua soma, (3, 6, 5) no pertence a X (porque 32 6= 5). J

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    24 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Exemplo 1.46. Para r R, o conjunto C = { x2 + y2 r2 } no subespao de R2: a multiplicao porescalar leva pontos de C a pontos fora de C: para todo r podemos encontrar um c tal que cx2 + cy2 > r.Geometricamente, o conjunto C define os vetores dentro de uma circunferncia com raio r e qualquervetor emC diferente de zero pode ser multiplicado por algum escalar grande o suficiente para passar a termagnitude maior que o raio. JExemplo 1.47. Podemos tambm voltar a ateno para o conjunto das funes contnuas cujo domnio R, que denotado C0.

    Para verificar que C0 um espao vetorial, verificamos que um conjunto de funes de R em R, eportanto valem os argumentos postos nos itens do exemplo 1.27 e de fato, este conjunto subconjuntode F(R). No entanto, como o conjunto diferente, precisamos garantir a presena do vetor (funo) zeroe o fechamento das operaes:

    A funo constante zero, z(x) = 0, contnua e est definida em R. A soma de duas funes contnuas definidas em R tambm contnua em R. Amultiplicao de uma funo contnua por um escalar resulta em outra funo, tambm contnua.

    J

    Exemplo 1.48. Uma funo contnua pode no ser diferencivel (como |x|, por exemplo) ou pode ser de-rivvel k vezes (onde k pode ser infinito). O conjunto de funes k vezes diferenciveis (ou seja, para asquais a k-sima derivada definida) denotado por Ck.

    Verificamos que Ck um espao vetorial: A funo constante zero, z(x) = 0, derivvel infinitas vezes. A soma de duas funes com a k-sima derivada definida ser uma funo tambm k vezes derivvel. A multiplicao de uma funo com a k-sima derivada definida por um escalar resulta em outrafuno, tambm k vezes derivvel. J

    Exemplo 1.49. O conjunto das funes f : R R contnuas em um dado intervalo [a, b] denotado porC[a, b]. Para qualquer intervalo [a, b] no-vazio de R, C[a, b] um espao vetorial.

    Para verificar que este um espao vetorial, observamos inicialmente que este no um subconjuntode F(R), porque os domnios das funes so diferentes: f : R R, f(x) = x2 diferente de g :[a, b] R, g(x) = x2. No entanto, podemos argumentar que o conjunto formado pelas funes emF(R), restritas ao intervalo [a, b] um espao vetorial, e que C[a, b] subespao desse conjunto, pelosmesmos argumentos que apresentamos para mostrar que C0 subespao de F(R). JExemplo 1.50. As funes pares, mpares, racionais e as funes definidas por polinmios so tambmsubespaos de F(R). JExemplo 1.51. Considere o sistema homogneo de equaes lineares, com n variveis em equaes.

    a11x1 + a12x2 + + a1nxn = 0a21x1 + a22x2 + + a2nxn = 0

    ...am1x1 + am2x2 + + amnxn = 0

    .

    Omesmo sistema pode ser escrito da formaAx = 0, ondeA umamatrizmn, com o coeficiente aij nalinha i e coluna j, x o vetor coluna (x1, . . . , xn)T e 0 o vetor coluna zero. Assim, podemos dizer que as

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    1.5. SUBESPAOS 25

    solues paraAx = 0 so todos os vetores coluna x Rn que stisfazem o sistema homogneo de equaesdefinido porA. Este conjunto de vetores subespao de Rn, como verificamos a seguir.

    i) A soluo com x1 = x2 = = xn = 0 sempre vlida para sistemas homogneos (ou seja, o vetor0 sempre soluo). Para cada linha i, temos

    ai1x1 + ai2x1 + + ainxn=ai1(0) + ai2(0) + + ain(0)= 0.

    ii) A somade duas solues uma soluo: Sejam (x1, x2, . . . , xn) e (y1, y2, . . . , yn) duas solues parao sistema. Ento (x1 + y1, x2 + y2, . . . , xn + yn) tambm soluo: para cada linha i, verificamosque

    ai1(x1 + y1) + ai2(x2 + y2) + + ain(xn + yn)=ai1x1 + ai1y1 + ai2x2 + ai2y2 + + ainxn + ainyn=(ai1x1 + ai2x2 + + ainxn + ainxn

    )+(ai1y1 + ai2y2 + + ainyn + ainyn

    )= 0.

    iii) A multiplicao de uma soluo por escalar resulta em outra soluo. O exerccio 24 pede a demons-trao deste item.

    Note que sistemas homogneos de equaes lineares podemser tambmdefinidos comcoeficientes e vari-veis em corpos diferentes deR. Assim, As solues de um sistema deste tipo onde as variveis e coeficientesso complexos formam um subespao de Cn, e de maneira geral, a solues de um sistema como este emum corpo K qualquer subespao de Kn. JExemplo 1.52.F No espao Z52, os vetores da forma 0xxx0 (ou seja, o primeiro e ltimo elemento so zero)formam um subespao:

    O vetor zero 00000 est contido no subespao; A soma 0xxx0 0yyy0 resulta em um vetor da forma 0zzz0; A multiplicao por escalar tambm resulta em vetores da mesma forma: 0 (0xxx0) = (00000), e1 (0xxx0) = 0xxx0. J

    Exemplo 1.53.F Considere o espao Z42. O conjunto a seguir seu subespao:C = { 0000, 0011, 1101, 1110 } .

    0000 C. A soma () de elementos de C resulta em outro elemento de C:

    0011 1101 = 11100011 1110 = 11011101 1110 = 0011

    Alm disso, a soma de qualquer vetor com ele mesmo resulta em 0000, e a soma de qualquer vetorcom zero resulta no prprio vetor.

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    26 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    A multiplicao () pelos escalares resulta em elemento de C: 0 x = 0 e 1 x = x.J

    Teorema 1.54. SejamU,W subespaos de um espao vetorial V . EntoU W tambm subespao deW.Demonstrao. Como ambos so subconjuntos de V , basta mostrar queUW fechado para as operaes.

    Sejam x, y U W e c um escalar. Como x U e x W, temos cx U e cx W, e portantocx U W,

    Similarmente, como x, y esto tanto em U como emW, x + y tambm devem pertencer a U e aW.Conclumos que x+ y U W.

    Exemplo 1.55. Considere os subespaos de R3:

    A ={(x, y, 0)T : x, y R }

    B ={(x, y, 2y)T : x, y R } .

    Estes subespaos so planos passando pela origem. A interseo deles R = { (x, y, 0)T : x R }, quetambm subespao de R3. JExemplo 1.56. SejaA o espao das matrizes diagonais de ordem tres, eB o espao das matrizes quadradasde ordem tres com trao zero.

    A interseoA B o conjunto das matrizes diagonais de ordem tres com trao zero. Este , tambmum espao vetorial, com as mesmas operaes usuais de soma de matrizes e multiplicao por escalar. JExemplo 1.57. Seja F(R) o espao vetorial das funes reais. Considere dois subespaos de F(R):

    i) O conjunto das funes reais contnuas, C0;

    ii) O conjunto das funes reais pares P.A interseo desses dois formada pelo conjunto das funes reais contnuas pares. Esta interseo tambm subespao de F(R):

    A funo constante zero contnua e par;

    Multiplicar uma funo contnua e par por um escalar resulta em outra funo contnua e par;

    A soma de duas funes contnuas pares uma funo contnua par. JExemplo 1.58. Seja A o espao de todas as sequencias reais constantes, e B o espao de todas as sequen-cias de nmeros inteiros pares. A interseo dos dois conjuntos o conjunto das sequencia de constantesinteiros pares, que tambm espao vetorial. JDefinio 1.59 (Soma de espaos vetoriais). Se V um espao vetorial eU,W V , ento dizemos que

    U+W = {u+w : u U,w W}

    a soma deU eW.

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    1.5. SUBESPAOS 27

    Exemplo 1.60. Os conjuntos A, da forma (0, x, y, 0)T , B da forma (0, 0, y, z)T so subespaos de R4. Asoma destes dois subespaos

    A+ B = {u+ v : u A, v B } .o conjunto A + B contm vetores da forma (0, x, y, 0)T + (0, 0, y, z)T , que o mesmo que (0, x, 2y, z)T ,ou (0, x, y, z)T a primeira coordenada zero, e as outras trs so livres (nenhuma depende da outra).

    Note que h muitos vetores em A B. Por exemplo, (0, 0, 1, 0)T est tanto em A como em B, assimcomo (0, 0, 2, 0)T na verdade, (0, 0, c, 0)T A B para todo c R. JDefinio 1.61 (Soma direta). Seja um espao vetorial V com subespaos U eW. Dizemos que V somadireta deU eW se V soma deU eW, eU W = { 0 }. Denotamos a soma direta por V = UW. Proposio 1.62. SejaV um espao vetorial com subespaosU eW. EntoV = UW se e somente se, para todov V , existe um nico u U e um nicow W tal que v = u+ w,Exemplo 1.63. SejaA o subespao de R3 formado pelos vetores da forma (x, y, 0)T , e seja B o subespaode R3 formado por vetores da forma (0, 0, z)T . Qualquer vetor de R3 pode ser descrito de forma nicacomo a soma de um vetor deA com outro de B:

    (x, y, z)T = (x, y, 0)T + (0, 0, z)T ,

    portanto R3 = A B. Outra maneira de decompor R3 em trs subespaos, X, Y e Z, contendo vetoresda forma (x, 0, 0)T , (0, y, 0)T e (0, 0, z)T , respectivamente. Um vetor de R3 ento pode ser decompostounicamente em

    (x, y, z)T = (x, 0, 0)T + (0, y, 0)T + (0, 0, z)T .

    Podemos generalizar, definindo que para qualquer n, Rn pode ser decomposto em subespaos onde cadasubespao representa algumas das dimenses:

    (v1, v2, . . . , vn)T = (v1, 0, 0, . . .)

    T

    + (0, v2, v3, 0, 0, . . .)T

    + . . .

    + (0, 0, . . . , vn)T .

    De maneira geral, R3 pode ser decomposto na soma direta de trs retas no colineares, ou de um plano euma reta no pertenente a este plano (todos sempre passando pela origem). JExemplo 1.64. A soma do exemplo 1.60 no soma direta, porque um vetor (0, a, b, c) emA+B pode serdecomposto de diferentes maneiras:

    (0, a, b, c)T = (0, a, b, c)T + (0, 0, 0, 0)T

    = (0, a, 0, c)T + (0, 0, b, 0)T

    = (0, a,b

    2, 0)T + (0, 0,

    b

    2, c)T

    ... J

    Exemplo 1.65. Os conjuntos A = { (x, y)T : x+ y = 0 } e B = { (x, y)T : x y = 0 } descrevem duasretasm em R2, ambas contendo a origem. Ento

    A+ B = { (x, y)T : x+ y = 0 ou x y = 0 } ,

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    28 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    mas comoA B = { 0 } eA+ B = R2, ento temosA B = A+ B = R2 J

    Exemplo 1.66. SejaRn[x] o espao vetorial dos polinmios com grau mximo n e coeficientes reais. Con-sidere os dois subconjuntos de Rn[x]:

    Rm1[x], o espao dos polinmios com grau mximom 1; Rm..n[x], o espao dos polinmios com grau entrem e n, mais o polinmio zero, com 0 < m < n.

    Qualquer polinmio de Rn[x] pode ser descrito unicamente como a soma de um polinmio de Rm1(x)com outro de Rm..n[x]:

    anxn + an1x

    n1 + . . .+ amxm + am1x

    m1 + . . .+ a1x+ a0

    =(anx

    n + an1xn1 + . . .+ amx

    m)

    Rm..n[x]

    +(am1x

    m1 + . . .+ a1x+ a0)

    Rm1[x]

    .

    Note que o lado esquerdo pode ser zero (que pertence a Rm..n[x]) se todos os coeficientes ali forem zero.Assim, temos Rn[x] = Rm[x] Rm..n[x].

    Mais concretamente: sejaR4[x] o conjunto de todos os polinmios com grau nomximo 4. EntoR4[x]pode ser decomposto, por exemplo, em

    R2[x], o espao dos polinmios com grau mximo 2; R3..4[x], o espao dos polinmios com grau entre 3 e 4, mais o polinmio zero.

    Qualquer polinmio de grau menor ou igual a quatro pode ser escrito como a soma de (i) um polinmio degrau entre 3 e 4, ou zero, e um polinmio de grau no mximo 2:

    a4x4 + a3x

    3 + a2x2 + a1x+ a0

    =(a4x

    4 + a3x3)

    R3..4[x]

    +(a2x

    2 + a1x+ a0)

    R2[x]

    . J

    Exemplo 1.67.F Sejami) A o espao gerado pelas sequencias de bits 0110 e 1001;ii) B o espao gerado pela sequencia de bits 0100;iii) C o espao gerado pela sequencia de bits 1000.

    O espao Z42 igual aA B C. TemosA = {0000, 0110, 1001, 1111},

    B = {0000, 0100},

    C = {0000, 1000}.

    Qualquer vetor (sequencia de bits) de Z42 pode ser escrita como soma de vetores desses conjuntos. J

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    1.6. APLICAES 29

    1.6 AplicaesEsta Seo detalha trs exemplos prticos do uso de estruturas algbricas: o primeiro e o terceiro em Crip-tografia; o segundo na determinao de um mtodo para resolver o cubo mgico (ou cubo de Rubik); oterceiro em Criptanlise; e o ltimo em cdigos corretores de erros. Grupos so tambmmuito usados emalgumas reas da Qumica e da Fsica [Bis93; Ham89; Cor97].

    1.6.1 Protocolo Diffie-Hellman para acordo de chaves [ grupo ]A Criptografia nos oferece mtodos para realizar comunicao privada, mesmo que o canal (meio) usadoseja pblico. Por exemplo, podemos usar Criptografia para enviar mensagens secretas pela Internet, epara acessar sistemas bancrios sem que intrusos obtenham nossa senha, e poderamos citar uma grandequantidade de outras situaes onde a Criptografia nos protege, garantindo sigilo.

    Antes da era moderna da Criptografia, o mtodo usado para encriptar e decriptar mensagens envolviaapenas uma chave secreta: se umamensagem encriptada com chave (senha) k, ela pode ser decriptadapor qualquer um que conhea aquela chave.

    Suponha que Alice e Bob queiram trocar mensagens em segredo8, mas estejam fisicamente distantes(em pases diferentes, por exemplo). Suponha tambm que eles s podem se comunicar por um canalinseguro: cartas que so bisbilhotadas pelo servio secreto, telefone grampeado, ou conexo insegura porrede de computadores. Aparentemente impossvel que os dois consigam faz-lo sem se encontraremfisicamente, porque teriam que definir uma chave secreta para poderem encriptar asmensagens e ambosprecisam conhecer a mesma chave.

    Em 1976, Whitfield Diffie eMartin Hellmanmostraram como resolver este problema, apresentando ummtodo para que duas pessoas possam definir conjuntamente um segredo, comunicando-se apenas porcanais pblicos9. Este mtodo foi publicado com o ttulo New directions in Cryptography [DH76]. Hojeo mtodo conhecido como protocolo Diffie-Hellman para acordo de chaves. A seguir descrevemos de maneirasimplificada o mtodo desenvolvido por eles.

    Alice e Bob devero portanto determinar, de comum acordo, um segredo (a chave criptogrfica parase comunicarem, por exemplo) mas que s podem se comunicar em pblico (postando recados em umquadro de avisos, usando uma linha telefnica grampeada, ou atravs de uma rede de computadores des-protegida).

    O protocolo Diffie-Hellman usa operaes em um grupo. Para um exemplo simples10, usaremos umgrupo definido da seguinte forma: o conjunto de elementos { 1, 2, . . . , p 1 }, ondep umnmero primo.A operao de grupo para dois elementos a e b a b = resto da diviso de ab por p. Por exemplo, sep = 7, ento para calcular 5 6, fazemos 5 6 = 30, e tomamos o resto da diviso de 30 por 7, que 2.Exemplo 1.68. Escolhemos, para fins didticos11, p = 5. Os elementos do grupo so { 1, 2, 3, 4 }.

    Calculamos como exemplo 2 2. Temos 2 2 = 4, e o resto de 4 5 4, portanto 2 2 = 4.Agora calculamos 3 2. Temos 3 2 = 6. O resto de 6 4 2, portanto 3 2 = 2. J

    8 comum em Criptografia darmos nomes aos dois usurios de um sistema criptogrfico de Alice e Bob.9O mtodo funciona de forma que duas pessoas poderiam us-lo em uma sala com diversas outras pessoas: os dois participantes

    ditam em voz alta nmeros um ao outro, e depois de um tempo ambos conhecem um segredo que ningum mais na sala conhece.10Em situaes prticas, h diversas restries quanto forma como o grupo definido; a apresentao do protocolo neste texto

    foi simplificada.11Na prtica, p deve ser muito grande.

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    30 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Em grupos definidos desta forma, sempre haver pelo menos um elemento g que podemos usar paraescrever todos os outros elementos usando a operao de grupo. Chamamos este elemento de gerador dogrupo. No exemplo anterior, podemos escrever todos os elementos usando somente g = 2. Por exemplo,

    O elemento 4 pode ser escrito como 2 2, porque calculamos 2 2 = 4, e o resto de 4 5 4. O elemento 3 pode ser escrito como 2 2 2:

    2 2 2 = (2 2) 2 (a operao associativa)= 4 2 (j calculado antes, 2 2 = 4)= resto de 8 5= 3.

    O mesmo pode ser feito para o elemento 1:

    2 2 2 2 = (2 2) (2 2) (a operao associativa)= 4 4 (j calculado antes, 2 2 = 4)= resto de 16 5= 1.

    Vemos portanto que podemos escrever todos os elementos usando somente 2:

    2 = 2

    4 = 2 2 (2 2 = 4. Resto de 4 5 4)3 = 2 2 2 (Resto de 8 5 3)1 = 2 2 2 2 (Resto de 16 5 1)

    comum usar a notao ga paraa vezes

    ggg g, portanto

    2 = 21

    4 = 22

    3 = 23

    1 = 24

    Em grupos como este, calcular ga a partir de g e a pode ser feito rapidamente, mas calcular a a partir dega extremamente demorado: para p perto de 22048, um computador demoraria centenas de anos paraterminar o clculo.

    Depois de definir p e determinar g (que podem ser pblicos), Alice e Bob seguem os passos a seguir.1. Alice escolhe aleatoriamente seu segredo, 1 < a < p.2. Bob tambm escolhe seu segredo, 1 < b < p.3. Alice envia para Bob ga.4. Bob envia para Alice gb.

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    1.6. APLICAES 31

    5. Alice, tendo o valor enviado por Bob, calcula (gb)a, que igual a gab (verifique!).6. Bob faz o mesmo, e calcula (ga)b, obtendo tambm gab.

    Agora Alice e Bob tem o mesmo valor, gab, que pode ser usado como senha, porque conhecido apenaspor eles. Os dados enviados em pblico e que podem ser capturados pelo adversrio so ga e gb, mas comestes dois valores seria difcil calcular a, b ou gab, e portanto Alice e Bob atingiram seu objetivo.

    O grupo que apresentamos neste exemplo no o nico usado com o protocolo Diffie-Hellman emaplicaes prticas grupos diferentes, com operaes mais complexas so usados. No entanto, o protocolo definido para quaisquer grupos onde haja um gerador12, facilitando sua exposio e estudo.

    A dificuldade de determinaradadoga neste grupo fundamental emCriptografia: dizemos que f(a) =ga uma funo de mo nica, porque fcil de calcular mas difcil de inverter13 (a definio precisade difcil fica fora do escopo deste texto, mas est relacionada com o tempo necessrio para efetuar aoperao).

    A exposio do protocolo Diffie-Hellman e de diferentes usos de grupos em Criptografia padro naliteratura da rea. O livro de Douglas Stinson bastante acessvel [Sti06]; o de Katz e Lindell traz umadiscusso mais aprofundada dos fundamentos tericos [KL08].

    1.6.2 Cubo de Rubik [ grupo ]Grupos so usados no estudo do mtodo para soluo do cubo de Rubik, e este um exemplo importantede grupo (e de estrutura algbrica) porque os elementos do grupo so movimentos.

    O cubo de Rubik um quebra-cabeas tridimensional no formato de cubo que permite rotacionar cadauma de suas seis faces nos dois sentidos (horrio e anti-horrio). Desta forma, o cubo tem cada face divididaem nove pequenos quadrados, e cada face tem inicialmente uma cor diferente das outras.

    Ao rotacionar as faces, elas ficam em configuraes diferentes. Em cada configurao as faces podem apre-sentar suas parties (os pequenos quadrados) com diversas cores diferentes.

    O objetivo do jogador levar o cubo da configurao em que estiver para a configurao inicial, comcada face tendo uma nica cor.

    O grupo usado no estudo do cubo de Rubik tem como elementos o conjunto de todas as possveis mo-dificaes na configurao do cubo (ou seja, todas as sequncias de rotaes das faces) mais o movimentonulo, e a operao do grupo a concatenao (aplicao em sequncia). As rotaes so descritas usandoa seguinte notao:

    F a face da frente (Front);12H grupos que no so gerados por um nico elemento.13Mais precisamente, dado y = f(x), difcil encontrar algum elemento em sua pr-imagem.

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    32 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    B a face de trs (Back); U a face de cima (Up); D a dace de baixo (Down); L a face da esquerda (Left); R a face da direita (Right).

    A figura a seguir mostra as faces F, T e R.

    Denotamos a rotao no sentido horrio pelo nome da face: F a rotao da face frontal 90o no sentidohorrio.

    A rotao no sentido anti-horrio denotada pelo nome da face com a marca de um apstrofo: F arotao da face frontal 90o no sentido anti-horrio.

    Duas rotaes iguais em seguida formam uma rotao de 180o, que denotada pelo nome da face comuma indicao: F2 o mesmo que F seguida de F.

    Os elementos do grupo so as rotaes bsicas, j mencionadas (F, B, U, . . ., F , . . . , F2, . . .) e suascomposies em sequncia, FUB, F2DU, etc. Note que FFF = F2F = F .

    O movimento nulo denotado por E (Empty).Verificamos que o conjunto e operao dados realmente um grupo: A operao de grupo (duas rotaes) resulta em outro elemento do grupo. A operao associativa. O movimento nulo o elemento neutro. Para cada rotao existe outra no sentido contrrio, e se as realizarmos em sequncia no alteramosa configurao do cubo (e isso portanto equivalente ao movimento nulo).

    A operao do grupo no comutativa basta observar que de maneira geral, FR leva a uma configu-rao diferente de RF.

    Um dos fatos bsicos sobre grupos que podemos usar ao raciocinar sobre o cubo o primeiro teoremaque provamos: todo elemento em um grupo tem um nico inverso e portanto toda sequencia de movi-mentos, da maneira como as definimos, tem uma nica sequncia inversa.

    O grupo descrito nesta Seo pode ser usado para derivar um mtodo para soluo do cubo de Rubik(onde soluo significa levar o cubo de qualquer configurao para a inicial) o leitor poder consultar,por exemplo os livros Notes on Rubiks Magic Cube, de David Singmaster [Sin81] e Adventures in GroupTheory: Rubiks Cube, Merlins Machine, and Other Mathematical Toys, de David Joyner [Joy08].

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    1.6. APLICAES 33

    F 1.6.3 Criptanlise moderna [ corpo; sistemas lineares em corpos ]Uma cifra uma ferramenta criptogrfica usada para garantir sigilo em comunicaes: umamensagem

    qualquer, representada como uma sequncia de bits (e portanto um elemento de Zn2 ), misturada auma chave secreta (que outra sequncia de bits), de forma que um intruso no possa identificar mais amensagem (e nem possa, claro, obter a chave secreta). Quando a mensagem chegar ao destinatrio, achave secreta novamente usada para decodificar a mensagem.

    textoclaro

    cifra(encriptao)

    textoencriptado

    chave

    A Criptanlise trata de verificar se uma ferramenta criptogrfica segura: tenta-se quebrarmtodos crip-togrficos a fim de realizar algo semelhante a um controle de qualidade.

    Omtodo da criptanlise algbrica consiste em representar um criptossistema como um sistema de equa-es. A soluo deste sistema poder ser uma chave ou mensagem secreta (e portanto resolver o sistemadeveria ser difcil).

    Desenvolveremos um exemplo muito simplificado de cifra e mostraremos como ele pode ser quebrado.Suponha que a entrada seja uma sequncia de quatro bits, b = b3b2b1b0, e uma chave, que uma

    sequncia de quatro bits, k = k3k2k1k0. A sada uma sequncia de quatro bits, c = c3c2c1c0, e a cifraopera da seguinte maneira:

    k1 b0 b3k2 = c3k2 b1 b2k3 = c2k3 b2 b1k0 = c1k0 b3 b0k1 = c0

    Se conhecermos um par de texto claro e encriptado, podemos simplesmente substituir os bi e cj, obtendoum sistema linear. Suponha, por exemplo, que b = 1001 e c = 1010. Ento o sistema linear a resolver emZ2

    k1 1 1k2 = 0k2 0 0k3 = 1k3 0 0k0 = 0k0 1 1k1 = 1

    Facilmente determinamos que a chave usada foik = k3k2k1k0 = 0100,

    como fcil verificar subtituindo k e b e obtendo o texto cifrado c.O sistema descrito fcil de quebrar por vrios motivos, mas o mais evidente que ele se resume a um

    sistema linear. Suponha que a cifra fosse, ao invs disso, determinada pork1k2 b0 b3k0k1k2 = c3k2k3 b1 b2k1k2k3 = c2k3k0 b2 b1k0k1 = c1k0k1 b3 b0k3k2 = c0

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    34 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Ainda que conheamos um par de texto claro e o texto cifrado obtido dele, no to simples determinar achave: supondo que b = 1100 e c = 1010, o sistema que teramos que resolver

    k1k2 0 1k0k1k2 = 1k2k3 0 1k1k2k3 = 0k3k0 1 0k0k1 = 1k0k1 1 0k3k2 = 0

    queno linear, e envolve equaes de grau trs. Assim, a no-linearidade uma essencial para a seguranade uma cifra criptogrfica.

    Algoritmos criptogrficos so projetados como sequencias de operaes em estruturas algbricas, deforma que seja fcil execut-las e que seja difcil invert-las sem a chave.

    Alguns exemplos de critpossistemas quebrados usando criptanlise algbrica so o AS/5, usado no pa-dro GSM de telefonia mvel, e o Keeloq, usado em dispositivos digitais em chaves de automveis.

    O livro de Douglas Stinson [Sti06] traz uma breve introduo Criptanlise, embora no aborde a Crip-tanlise Algbrica, que tem como pr-requisito um curso bsico de lgebra Abstrata. Sobre CriptanliseAlgbrica h o livro de Gregory Bard [Bar09] e o de Andreas Klein [Kle13] (estes dois ltimos requeremconsidervel capacidade de abstrao e preparo em lgebra, Combinatria e Estatstica).

    1.6.4 Cdigos corretores de erros [ espao vetorial; subespao ]Quandoumamensagemeletrnica transmitida na formade sequncia de bits, possvel que a transmissoinclua erros na mensagem alguns dos bits podem vir trocados, porque os canais de transmisso no soperfeitos. Para detectar e automaticamente corrigir estes erros as mensagens podem ser codificadas deuma forma especial, usando um cdigo corretor de erros.

    Ao usar um cdigo corretor de erros, enviamos mais informao do que apenas a mensagem, para queseja possvel detectar quando um erro ocorre. fcil perceber que informao adicional permite detectare corrigir erros: se enviarmos cada mensagem cinco vezes, e em uma das vezes ela for transmitida comerro, o receptor decidir que as quatro mensagens iguais devem ser aquela correta, e a quinta, diferente,deve ter sido transmitida com erro. O envio de mltiplas cpias, no entanto, no eficiente: na verdade possvel corrigir erros usando menos redundncia.

    Em cdigos corretores de erros necessrio medir quo diferentes duas palavras so. Para isso usadaa distncia de Hamming.Definio 1.69 (Distncia de Hamming). A distncia de Hamming entre duas sequncias de bits (ou seja, en-tre dois vetores deZn2 ) a quantidade de posies emque eles diferem. Denotamos a distncia deHammingentre a e b por d(a, b). Exemplo 1.70. Exemplificamos com a distncia entre alguns vetores.

    d(01011, 01000) = 2

    d(0101, 0101) = 0

    d(0001, 1010) = 3. J

    Supomos aqui que as mensagens a serem enviadas so divididas em blocos de k bits.O emissor codifica as mensagens de k bits em palavras maiores, comn > k bits. Os bits adicionais sero

    usados para permitir a deteco e correo de erros. Por exemplo, suponha que k = 2 e n = 5. O emissor

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    1.6. APLICAES 35

    ento transforma as mensagens originais de 2 bits em outras mensagens com 5 bits:

    00 0000001 0101110 1011011 11101

    Este um cdigo que permite representar 4 palavras diferentes usando 5 bits, por isso chamado de [5, 4]-cdigo. Est claro que o emissor no usar todas as possveis sequncias de 5 bits.

    A palavra enviada do emissor ao receptor sempre uma daquelas quatro palavras de cinco bits. Obser-vamos que estas palavras formamumsubespao deZ52: o zero est contido no conjunto; amultiplicao ()por 0 ou por 1 resulta em palavra tambm no conjunto; e finalmente, a soma tambm resulta em palavradeste conjunto:

    01011 10110 = 1110101011 11101 = 1011010110 11101 = 01001

    Aps uma mensagem ser enviada, o receptor ter cinco bits. Se os bits corresponderem a uma das quatropalavras do cdigo, ele decidir que no houve erro e aceitar a mensagem. Se os bits no formarem umapalavra do cdigo (ou seja se os bits pertencerem a Z52 mas no ao subespao do cdigo), ele decidir quehouve um erro.

    Quando o receptor detecta um erro, ele automaticamente troca a mensagem recebida por uma do c-digo aquela que for mais prxima (usando a distncia de Hamming) da que foi recebida.

    Um subespao de Zn2 pode ento ser visto como um cdigo corretor de erros. O fato de cdigos destetipo serem descrtos como subespaos deZn2 no coicidncia: para que os algoritmos usados para detectare corrigir erros funcionem como projetados, o cdigo deve necessariamente ser subespao de Zn2 , e noapenas subconjunto.

    O livro de Hefez e Villela [HV08] um texto introdutrio aos cdigos corretores de erros.

    ExercciosEx. 1 Mostre que ({ 0, 1 } ,) um grupo.

    Ex. 2 Na Seo 1.6.1 apresentamos uma estrutura e dissemos que um grupo. Verifique que de fatose trata de um grupo (isso inclui, alm de demonstrar que as propriedades valem, mostrar tambm que aoperao de grupo sempre resulta em outro elemento do grupo e que nunca resultar em zero, que nopertence ao grupo). Tambm dissemos que usando aquela operao do grupo, (ga)b = gab. Mostre queisso verdade.Ex. 3 Prove que em qualquer grupo, o elemento neutro nico.

    Ex. 4 No exemplo 1.18 exibimos o corpo Q[2], formado pelos nmeros da forma a + b2. Pode-seobter infinitos corpos como este, trocando2 por outros nmeros. Que nmeros so estes? Demonstre oque foi afirmado neste exerccio (que realmente se pode obter infinitos corpos desta forma).

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    36 CAPTULO 1. ESPAOS VETORIAIS

    Ex. 5 O produto de Hadamard de duas matrizesA e B a matrizC tal que cij = aijbij. Dadosm e n, sejaM o conjunto de matrizesm n com coeficientes reais. Determine se (M,+,) um corpo, onde oproduto de Hadamard.

    Ex. 6 Prove que o conjunto de todas as sequncias de Fibonacci um espao vetorial (h infinitas pos-sveis sequncias de Fibonacci, cada uma comeando com diferentes valores p