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JOSÉ MARIA DE MOURA

Cl APITULO DHY6IENE AUMENTAR ALIMENTOS

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA Á

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

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PORTO IMPRENSA INTERNACIONAL

166, Rua da Victoria, 166

1891

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CONSELHEIRO-DIRECTOli

VISCONDE DE OLIVEIRA SECRETARIO

RICARDO D'ALMEIDA JORGE

CORPO DOCENTE P r o f e s s o r e s p r o p r i e t á r i o s

l.a Cadeira—Anatomia descripti-va e geral João Pereira Dias Lebre.

2 a Cadeira—Physiologia . . . Vicente Ur bino de Freitas. 3. a Cadeira —Historia natural dos

medicamentos e materia me­dica Or. José Carlos Lopes.

4 a Cadeira—Pathologiu externa e therapeutica externa . . . Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

5." Cadeira—Medicina operatória Pedro Augusto Dias. 6." Cadeira —Partos, doenças das -

mulheres de parto e dos re-cem-nascidos Dr. Agostinho Antonio do Souto.

7.1 Cadeira— Pathologia interna e therapeutic» interna . . . Antonio d'OIiveira Monteiro.

8 * Cadeira—Clinica medica . . Antonio d'Azevedo Maia. 9." Cadeira—Clinica cirúrgica. . Eduardo Pereira Pimenta.

lo." Cadeira—Anatomia palhologi-ca Augusto Henrique d'Almeida Brandão

11.* Cadeira—Medicina legal, hy­giene privada e publica e to­xicologia Manoel Rodrigues da Silva Pinto.

12.* Cadeira—Pathologia geral, se-meiologia e historia medica. IlTydio Ayres Pereira do Valle.

Pharmacia Isidoro da Fonseca Moura.

P r o f e s s o r e s j u b i l a d o s

Secção medica José d'Andrade Gramacho. Secção cirúrgica Visconde de Oliveira.

P r o f e s s o r e s s u b s t i t u t o s

Secção medica j Antonio Placido da Costa. * '1 Maximiano A. d'Oliv.* Lemos Junior.

Secção cirúrgica Ricardo d'Almeida Jorge. I Cândido Augusto Correia de Pinho.

D e m o n s t r a d o r d e a n a t o m i a

Secção cirúrgica Roberto Belarmino do Rosário Frias.

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A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento da Escola de 23 d'abril de 1840, art. i55).

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DE

MEUS P A E S

Nào vos possuir hoje enche-ma a alma de profunda magua ! . . .

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DE

MEU IRMÃO

MINHAS IRMÃS

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JOAQUIM JOSÉ PINTO

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AOS MEUS ÍNTIMOS

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O discípulo reconhecido.

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ALIMENTOS

Dividirei este meu trabalho em 3 capítulos: no 1." tratarei dos alimentos em geral; no 2.° occupar-me-hei dos alimentos tirados do reino vegetal e no 3.° dos tirados do reino animal.

CAPITULO 1.°

Todos os seres vivos, para se sustentarem, care­cem de elementos tirados do meio ambiente. Os que occupam a base da escalla absorvem-os directamen­te, as espécies superiores precisam fazer-lhes sof-frer uma elaboração anterior, chamada digestão, e as substancias que a soffrem são os alimentos que vamos definir.

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Chama­se alimento tudo o que pôde contribuir para a conservação do organismo são e reparação das perdas que n'elle se dão constantemente.

Em razão da complexidade dos phenomenos de nutrição .­a­­que os alimentos devem satisfazer, ­estes são, pela maior parte, misturas de diversas espécies chimicas, (matérias proteicas, hydratos de carbone, corpos gordos, agua, saes mineraes, etc), cuja in­tervenção é absolutamente necessária para a conser­vação do organismo no seu estado normal; porisso, um alimento é tanto mais perfeito, isto é, capaz de preencher todas as necessidades da nutrição, quanto mais se approxima d'esta composição ; haja em vista o leite.

O exercício das diversas funcções elimina cons­tantemente do organismo substancias de natureza mui différente, como são o acido carbónico, ureia, agua, saes, n'uma palavra todas as substancias co­nhecidas pelo nome de excrementicias.

0 fim da alimentação ó reparar estas perdas e o organismo deve encontrar nos alimentos todos os materiaes que entram na composição dos productos excrementicios, quer venham já formados nos ali­mentos (como agua, certos saes mineraes), quer no estado de compostos que possam soffrer diversas me­tamorphoses na sua passagem atravez da economia.

Além das substancias que não fazem senão atra­vessar o organismo soffrendo n'este acto transforma­ções d'ordem physica ou chimica, os alimentos devem conter outras que se fixem na rede dos tecidos para os renovar, e substituir os elementos gastos que são eli­minados debaixo da forma de matérias de desnutrição.

Um alimento, no sentido absoluto da palavra, é pois uma substancia complexa, e para satisfazer a tão variados fins só o consegue pela mistura de pro­ductos muito différentes pela sua composição chimica :

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assim para os organismos superiores não ha um ali­mento, mas alimentos, cuja reunião é indispensável ao bom e regular mnccionalismo da economia. Se é pois fácil e racional considerar como alimento, d'urn modo geral, toda a substancia que entretém a vida dos tecidos e serve para o seu crescimento, nota-se no entanto que, quando se quer levar a analyse até mais longe, esta definição, que parece clara e racio­nal, está longe de satisfazer e cahe, por completo, em muitos casos.

Ha animaes e tecidos diversos; está longe de ser demonstrado que as substancias que servem para crescimento do organismo sejam as mesmas que ser­vem para sua conservação.

Erafim nota-se que, se uma substancia constitue um alimento para um organismo determinado, para outro, converte-se, senão n'um veneno, ao menos n'uma substancia inerte e incapaz de entreter o func-eionalismo da economia viva.

Uma criança de tenra edade, alimentada exclu­sivamente de carne, sopporta tão mal este género de alimentação, como um adulto a do leite. Dever-se-hia pois definir, sob o ponto de vista scientifico, o alimento em relação á funcção do animal, do te­cido ou mesmo da cellula que deve utilisal-o, e de­baixo das condicções em que este alimento entra na economia. Alguns exemplos elucidarão, esta serie de difllculdades : a cellulose da palha é alimentar para o cavallo e não o é para o homem ; a saceharose, e a lactose injectadas nas veias d'um cão encontram-se por completo nas urinas e não podem ser utilisadas eòmo alimentos, se não forem antecedentemente mo­dificados por uma diastase.

Desde os trabalhos de Dumas e Liebig, os ali­mentos têm sido divididos em respiratórios e plás­ticos.

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u Os alimentos respiratórios são constituídos por

hydratos de carbone, corpos gordos, que necessitam, para suas transformações no organismo, do oxigénio absorvido nos pulmões : a combustão assim produ­zida ó uma fonte de calor.

Os alimentos plásticos, mais especialmente des­tinados á renovação dos tecidos por assimilação, são representados pelas matérias proteicas e são exclusi­vamente azotados.

Esta divisão, toda artificial, não obstante o seu apparente rigor, não permitte defflnir scientificamente a palavra alimento; e, se é certo que os hydratos de carbone não são suííicientes, mesmo em presença do azote do ar ou dos saes ammoniacaes, para ope­rar no seio da economia a synthèse dos compostos albuminóides necessários para a constituição dos te­cidos, não está menos claramente demonstrado que os alimentos plásticos bastam, na ausência dos ali­mentos respiratórios, ao menos durante algum tem­po, para a conservação da vida, substituindo o em­prego dos últimos: a formação dos corpos gordos, apezar d'uma alimentação exclusiva de matérias al­buminóides, é ainda um facto certo.

De resto, aqui, como em todos os problemas de biologia, quanto mais se avança no estudo d'uma questão, tanto mais ella se complica, em consequên­cia d'um conhecimento mais exato e mais estreito das condicções em que se produzem os diversos phenomenos. Os trabalhos de M. Pasteur demonstram que a transformação e gasto do assucar são um phe-nomeno intracellular, onde se pôde desenvolver ca­lor e acido carbónico, sem o concurso do oxigénio exterior.

Dumas e Liebig estabeleceram uma divisão muito absoluta rejeitando portanto os termos intermédios.

Em consequência da impossibilidade d'uma cias-

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sificação racional baseada sobre o gosto e emprego physiologico das substancias alimentares, é uso es­tudar os alimentos agrupados debaixo de formas se­gundo que a natureza os apresenta, e é realmente o que importa mais ao medico e ao hygienista visto que este methodo encara o alimento tal como elle é introduzido no tubo digestivo.

Nós estudaremos pois successivamente os ali­mentos tirados do reino vegetal, depois os que pro­vém do reino animal.

Alimentação segundo o paiz e condição social

A necessidade da nutrição é não somente a mais imperiosa e a mais irresistível, como também a mais difficil de satisfazer ; é para se nutrir que a espécie humana desenvolve mais intelligencia, e é só de nossos dias que os progressos da civilisacão livraram a humanidade de morrer de fome.

Os cereaes formam o fundo da alimentação da maior parte dos povos, e cada um cultiva os que melhor se produzem em relação ao solo e clima: o arroz é o mais espalhado.

Ê o alimento exclusivo da maior parte dos ha­bitantes da Asia que forma mais de metade da popu­lação do globo.

O arroz consome-se em todas as outras partes do .mundo, mas em menor escala.

Depois vem o trigo no ponto de vista de sua importância. Ê o cereal dos paizes civilisados e so­bre tudo dos povos da Europa.

0 seu consumo na America tem augmentado sempre desde as primeiras culturas, e no resto do globo, á medida que a civilisação avança.

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O trigo tende a substituir o centeio do qual se faz uso somente nos povos pobres.

Podemos dizer o mesmo das outras gramineas, cuja cultura diminue á medida que a do trigo augmenta. O pão do trigo é o melhor dos alimentos tirados do reino vegetal, attendendo unicamente ao emprego preponderante que tem na alimentação dos povos civilisados.

A cevada cultiva-se ha muitos annos, e, se­gundo Pliuio, é a cultura mais antiga de todos os cereaes ; desempenhava um papel importante na ali­mentação dos paizes septentrionaes e paizes monta-nhozos porque germina em lodos os terrenos e ama­durece depressa.

Na Suécia, em alguns cantões dos Alpes e em •"* certos pontos de França usa-se mistural-o com o cen­

teio e com trigo. 0 milho necessita calor; sendo a zona da sua

cultura entre 42.° e 45°; serve para a alimentação publica em alguns departamentos de França, Lom­bardia, Grécia, Hespanha e Portugal. 0 milho miúdo é só consumido pelos prelos d'Africa.

Com excepção das gramineas, o trigo mourisco nutre os camponezes da Bretanha e outros pontos; a farinha de pau ou mandioca é consumida por al­guns indígenas dos mares do sul ; emflm a batata desde o fim do secnlo passado tomou uma importân­cia de primeira ordem na alimentação dos europeus.

As gramineas não se produzem egualmente por toda a parte. A energia vegetativa do solo diminue, com a temperatura do equador para pólos.

A cultura do trigo não se dá acima de 62.° de latitude ; outros farináceos, alguns fruclos rústicos, o morango e framboesa, encontram-se a maiores latitu­des; depois só se encontram coniferas, pequenas bé­tulas, fetos, e emfim musgos e lichens. A alimenta-

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ção dos povos modiíica-se e torna-se cada vez mais reparadora caminhando para os pólos.

Quanto mais intenso for o frio tanto maior é a necessidade d'uma boa alimentação.

Nos trópicos o apetite é pequeno havendo ne­cessidade de o despertar por meio de condimentos e espécies.

Os legumes e fructos tão abundantes e saboro­sos dos nossos climas despertam-n'o mais vivamente que uma alimentação animal e sobretudo de carnes de açougue.

Nos paizes meridionaes esta disposição é menos acentuada; entretanto a necessidade de alimentos reparadores não é ahi tão forçada como nos paizes frios.

A sobriedade dos hespanhoes é conhecidíssima em todo o mundo; os italianos contentam-se com uma alimentação pouco substancial.

Em França ha uma dififerença considerável entre a população do Meio-dia e as outras.

Caminhando mais para o norte temos a raça An-glo-saxonia que necessita, para satisfazer o seu grande apetite, d'uma quantidade considerável de alimentos e sobretudo de carnes. Emfim os povos mais próxi­mos do norte, os norueguezes, islandezes, lapões etc. nutrem-se quasi exclusivamente de carne e sobretudo de peixe defumado, salgado e sècco, juntando-lhe al­gum pão de aveia misturado com palha e algumas vezes casca de betula; emquanto que os esquimós, mais visinhos do limite das terras habitáveis, não co­nhecem outra alimentação além da carne e óleo de foca do qual ingerem grandes quantidades. Indepen­dentemente d'estas dilï'erenças geraes devidas á la­titude, cada povo tem seus costumes e suas preferen­cias; mas o que é justo notar, é que por toda a parte que as nações europeas se estabelecem, ahi in-

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troduzem os seus gostos e hábitos culinários, e os in­dígenas que estão em relação com elles em breve os aceitam.

Em todos os povos civilisados os habitantes das cidades nutrem-se melhor que os dos campos. Em primeiro lugar o seu pão é melhor; só consomem trigo, empregando no seu fabrico a melhor farinha.

Em Paris, por exemplo, ha pouco pão de infe­rior qualidade. Só diffère no modo de preparação e o consumo do pão de luxo vae crescendo.

Os próprios trabalhadores já não fazem gasto d'outro.

0 aldeão pelo contrario guarda para si o peor pão; é elle que consome o centeio que semeia para seu uso e à mistura de centeio e trigo dá-lhe o nome de pão de mistura. N'outros paizes faz-se a mistura de farinha de trigo com aveia, cevada ou milho miúdo.

No campo o peneiramento é imperfeito, e a amas-sadura defeictuosa; o pão é mal cosido, conserva-se durante muito tempo e por isso algumas vezes está bolorento quando se come.

As papas de trigo negro, de aveia e milho miú­do, os legumes e sobretudo a batata formam o ma­gro regimem do aldeão. Junta-lhe algumas vezes leite e pouca manteiga ; mas a carne entra em pe­quenas proporções, o que constitue a differenca de alimentação entre o aldeão e o obreiro.

Está calculado que a ração media de carne de açougue para cada individuo é de 34,k 754 por anno ou 95 grammas por dia, mas a divisão é mal feita, e os que menos precisam são os que mais conso­mem. O gasto nas cidades excede o dos campos.

Em Paris, a ração média ó de 84 kilos por anno e por pessoa; nas capitães de departamento é de 47 kilos, e suppondo que as cidades e villas de me-

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nor importância gastam proporcionalmente á sua po­pulação, para o habitante dos campos não fica mais do que 19 kilos por anno ou 52 grammas por dia, ao passo que a ração do homem abastado é de 176 grammas sem attendermos a outros alimentos deli­cados que nunca apparecem na mesa do aldeão.

A media precedente applica-se á população rural no seu conjunto ; mas se attendermos a que algumas pessoas ricas vivem no campo durante todo o anno, ou só parte d'elle; se attendermos a que pessoas abastadas das aldeias se alimentam como as das ci­dades, a precentagem para o camponez é minima.

Ha pontos onde só se faz consumo de carne nos dias de festa, casamentos, baptisados. Outros ha onde só apparece duas ou três vezes por anno, ha­vendo na Bretanha aldeões que nunca a viram.

Hoje as coisas estão completamente mudadas. Por Ioda a parte o camponez come carne de porco. Este animal é fácil de crear.

Concorrentemente com o porco consomem-se grandes quantidades de carneiros e cabras nos paizes montanhosos, e bois e vaccas n'outros pontos ; mas por toda a parte a quantidade é inferior ás exigên­cias da hygiene.

A alimentação do aldeão é quasi exclusivamente vegetal e não é sufflciente para entreter as suas for­ças; não corresponde ao gasto das forças feito pelo trabalho do campo.

Se apezar da má alimentação, elles vivem e tra­balham, isso é devido á sua permanência no meio d'ar puro, ao trabalho dos campos, á vida regularissima, é a ausência de qualquer excitação prejudicial.

Apesar da robustez e boa saúde, adoecem algu­mas vezes; as dyspepsias, enterites, são communs nos campos e a desynterja manifesta-se nos grandes calores,

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A etiologia d'estas doenças parece ser o abuso dos feculentos, fructos, e sobretudo ao mau alcool de que o aldeão em geral abusa. 0 trabalhador ali-menla-se d'uma maneira mais lrygienica. Gome me­nos feculentos, gasta mais carne e a esta alimenta­ção junta outras substancias que não existem nas aldeias, bebe vinho, cerveja, ou cidra às refeições, e assim é mais robusto e produz maior somma de trabalho.

Este está em relação com a alimentação. Quanto mais se trabalha, mais necessária se torna uma boa alimentação e vice-versa.

Salvo condições especiaes o regimem alimentar do trabalhador é em toda a parte'melhor do que o do aldeão e, se apezar d'isso adoece mais vezes, e na classe se réalisa maior mortalidade, é porque o vi­ver das cidades é mais doentio e as casas de habi­tação são insalubres, achando-se assim sujeito a epi­demias e a ser victima de seus excessos, porque o trabalho é rude e os accidentes frequentes.

N'uma palavra vive n'um meio tão máu para o physico como para a moral. Se o aldeão cujas con­dições exteriores são muito mais favoráveis se nu­trisse melhor, se o regimen animal não fosse tão pobre, trabalharia mais e recolheria mais e melhores productos do solo em que vive.

É este o circulo vicioso em que diariamente gi­ram as questões económicas, e é á hygiene que per­tence rompel-o; mas para isso, é necessário compre-hender antes de tudo que o regimen das classes la­boriosas não é questão de bem estar ou de satisfação, mas uma questão de dynamica.

0 corpo social, no seu conjuncto, é uma grande maquina que desenvolve tanta mais força quanto maior fòr a quantidade de combustivel e melhor a sua qualidade.

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Ora a população agricola é duas vezes mais nu­merosa que a industrial, concebe-se portanto até que ponto é conveniente e necessário desenvolver as fon­tes alimentares d'esta classe tão considerável e tão mal nutrida.

A maior dificuldade está em vencer os precon­ceitos e rutina dos camponezes. Os trabalhadores das cidades comem com prazer alimentos que o al­deão repelle de bom grado. Em todos os grandes centros come-se carne de cavallo ao passo que nos campos rejeita-se por completo. Não se çomprehende bem a repugnância para a carne d'esté animal tão limpo e elegante. Em França, durante as guerras do primeiro império, os soldados comiam carne de ca-vallos e mulas mortos ou feridos no campo da ba­talha. Assavam-n'a, ás postas, nas fogueiras dos acam­pamentos, e o cirurgião em chefe do exerciio S. D. Larray, serviu-se d'ella muitas vezes para caldos de seus doentes.

0 gasto da carne de cavallo foi outr'ora prohi-bido em França; mas pôde comel-a quem quizer desde 1816 para cá. Apezar dos esforços de Cadet, Parmentier, Pariset e Geoífroy —Saint-Ililaire tem ha­vido grandes difllculdades para a propagação do seu consummo.

Bastou o cerco de Paris para dissipar a repu­gnância que havia para este alimento. Decorre ainda assim meio século desde a auctorisação até que se abriu em Paris o primeiro açougue de carne de ca-callo. A sua abertura deu-se a 9 de julho de 1886 e, durante os primeiros quatro annos o numero de animaes abatidos foi de onze mil representando 1.887:350 kilos de carne. Durante os cinco mezes que durou o cerco de Paris comeram-se todos os animaes que havia dentro das muralhas, 65:000 ca-vallos foram sacrificados á alimentação publica. 0

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numero triplicou nos annos seguintes; e a media hoje é 13:000 cavallos por anno e o rendimento de carne limpa é de 300:000 kilos. No entanto é pouca relativamente á grande quantidade de cavallos e muares, que excede cem mil cabeças. Nos centros de segunda ordem ha também estes açougues, mas per-de-se grande quantidade de carne.

Se o uso d'esta carne se propagasse ás villas e aldeias, os seus habitantes, as classes laboriosas em geral teriam além da alimentação ordinária, uma outra animal. Mas a maior difficuldade ainda assim está em encontrar animaes próprios para serem aba­tidos nas aldeias porque os talhos onde quer se abrem.

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CAPITULO 2.

Alimentos em particular

ALIMENTOS TIHADOS DO REINO VEGETAL

Os alimentos fornecidos pelo reino vegelal tem uma importância considerável, pelo menos egual á dos tirados do reino animal.

Os cereaes encerram com effeito todos os ele­mentos primordiaes e indispensáveis á nutrição : sub­stancias albuminóides (albumina, caseina, legumina, glutina, fibrina vegetal, etc.) Hydratos de carbone (amido, dextrina, glucose) matérias gordas, saes mi-neraes e agua: são pois alimentos completos como o prova a alimentação exclusiva de populações in­teiras por meio de vegetaes ; e, se um similhanle regimen é, pela maior parte das vezes, insuííiciente para o homem, isso depende mais d'uma adaptação especial, resultado do habito, do que da quantidade de trabalho physico ou cerebral que lhe é imposto por condicções da- sua actual existência.

A alimentação de vegetaes basta para a maior parte dos animaes; e experiências bem conhecidas que consistem em submetter um animal herbívoro a uma alimentação de carne, e um carnívoro a um re­gimen de vegetaes, mostram quantas vezes o orga­nismo se presta facilmente á apropriação dos mate-

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riaes de nutrição que lhe são offerecidos, e permit-tetn ao mesmo tempo comprehender como a alimen­tação necessária para uma dada espécie, pôde trans-formar-se completamente, ou soffrer modificações, com o tempo e com o habito.

Todavia, fazendo excepção para os cereaes, o azote existe em pequena escala nos vegetaes ; assim para obter uma ração Sufflciente para a nutrição é necessário augmentai' a proporção d'estes.

Os vegetaes não se limitam só ao fabrico da substancia alimentar, fazem reservas destinadas, já para occorrer ás despezas do trabalho suplementar que tem lugar na época da floração e fructificação, já para fornecer á nova planta ainda incapaz de nu-trir-se por si só, um alimento que desempenhe ás funcções da gemma do ovo e do leite nos peque­nos mamíferos, alimento que o fará desenvolver para que possa tirar do solo e da atmosphera os elemen­tos necessários para sua vida.

0 vegetal possue unicamente o poder de cons­truir a mulecula orgânica de différentes substancias alimentares; o animal ó somente capaz de as modi­ficar ou destruir.

Os alimentos vegetaes são pois os alimentos por excellencia,d'onde outros são derivados; são também os mais importantes e portanto principiarei por elles.

I—Composição immediata dos alimentos vegetaes

A) Matérias albuminóides — Um estudo muito completo das substancias proteicas existentes nos ve­getaes foi feito n'estes últimos annos por Rithausen. A grande analogia que existe entre os albuminóides do

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reino vegetal e animal foi posta em evidencia por Liebig, que insistiu muito sobre este facto notável.

Brittner concluiu egualmente das suas investi­gações que as substancias proteicas de origem animal não são senão modificações dos compostos da mesma natureza nos vegetaes : segundo este sábio, a fibrina do sangue, e a fibrina vegetal, darão como a albu­mina do ovo, a albumina do soro e albumina vege­tal, os mesmos resultados, sob a influencia dos re­agentes geraes das matérias albuminóides.

Submettendo uma planta fresca á acção d'uma prensa, d'ella corre um sueco leitoso mais ou menos trasparente, que se turva com o calor, e deixa pre­cipitar a albumina coagulada; uma pequena quanti­dade de substancia proteica fica em dissolução, em be­neficio dos saes ou ácidos existentes em suecos frescos.

Os grãos são as partes mais ricas em matérias albuminóides ; a legumina, análoga á albumina, des­empenha quasi as mesmas funações na alimentação.

0 trigo contém além d'isso um composto aná­logo á fibrina animal.

A substancia azotada attinge grandes propor­ções em alguns vegetaes como prova o quadro se­guinte, devido a Moleschott. Para 1:000 partes.

Peras 2,35 Pecegos 3,15 Feijões 6,32 Uvas . 7,40 Batata . . . . . . . . . .­ . . 13,23 Nabo 15,48 Castanhas ; 44,16 Arroz 50,18 Milho miúdo 79,14 Trigo. . . . . . :­'■".• 5 . . . . . 135,24 Centeio . . s . . . 107,24 Ervilha . . 223,25 Feijão 325,23 Lentilhas. . . . . . . "'. . ' . . . 264,76

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Albumina vegetal — Sob esta denominação com-prehendemos as substancias proteicas não precipitá­veis pelos ácidos diluídos, coaguláveis pelo calor só, e que se podem isolar dos vegetaes por maceração ou expressão a frio.

Os grãos dos vegetaes e sementes oleaginosas são as que contém esta albumina em maior escala. A quantidade de carbone, hydrogenio e enxofre d'es­tas substancias é sensivelmente a mesma e distin-tinguem-se por sua différente solubilidade nos ácidos e alcalis. As cinzas das albuminas vegetaes variam de 2 a 6 °jr

Caseínas vegetaes — As investigações de Rit-thausen levaram-n'o a distinguir três espécies de caseinas vegetaes:

1.° legumina dos antigos auctores; 2.° conglu-tina, corpo mui visinho do precedente, mas distin-gue-sc d'elle por alguns caracteres; 3.° gluten-ca-seina, que forma a parte do gluten insolúvel no al­cool frio ou fervente (fibrina vegetal de Liebig, zimorne de Tadei, albumina insolúvel vegetal de Berzelius).

Estes 1res corpos são pouco solúveis na agua pura, e muito nas lixivias alcalinas fracas, e soluções dephosphatos alcalinos básicos; são precipitados d'es-tas soluções pela acção dos ácidos ou da pressão.

Legumina — A legumina é pouco solúvel na agua, tanto a quente como a fria. Torna-se solúvel nos ácidos e alcalis depois de estar por algum tempo em agua fervente. Ë solúvel nos licores alcalinos fracos e soluções de phosphatos alcalinos básicos. Ë dissolvida pelo acido acético concentrado.

Por analyse de Ritthausen sabe-se que contém menos carbone e oxigénio mais azote c menos enxo­fre, que a albumina vegetal.

Conglutina — Esta materia proteica avizinha-se da gliadina ; pouco solúvel em agua fria ou ferven-

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te, torna-se facilmente solúvel nas lixívias alcalinas diluídas ; os ácidos precipitain-n'a d'estas soluções. Por oxidação e em presença da agua a conglutina dá como a legumina, uma mistura d'ácidos aspatico e glutanico, leucina tyrosina ; a sua composição 6 análoga á legumina.

Gluten-caseina — Esta substancia, insolúvel na agua fria e quente, soffre na agua fervente uma mo­dificação tal, que a torna insolúvel nos alcalis e áci­dos; o mesmo resultado se obtém quando se deseja secal-a em estufa sem a deshydratar por meio do alcool. É solúvel n'alguns ácidos mas mais nas li­xívias alcalinas diluídas. D'onde é precipitada pela addicção de soluções de saes metallicos. Tem compo­sição muito análoga ás precedentes.

Gluten — Bilthausen encontrou n'este composto quatro princípios distinctos : uma parte insolúvel no alcool (gluten-caseina de que acabamos de fallar), outra solúvel composta dos princípios seguintes : gluten, fibrina, gliadina, e mucedina. A primeira d'estas substancias que é solúvel nos ácidos e alcalis, obtem-se pura precipitando uma solução fria do ex­traio alcoólico por um excesso d'etlier.

A gliadina — mais solúvel na agua alcalinisada que na pura é muito solúvel na agua addicionada d'alcool até 70 °/0. Obtem-se tratando o gluten por um excesso d'agua em ebulição, ficando em solu­ção. Parte d'elle soffre transformações que lhe dão o aspecto gelatiniforme, d'onde a denominação de gelatina vegetal, e apresenta algumas analogias com esta substancia.

Ë solúvel nos ácidos e alcalis, e é precipitada d'essas soluções, pelos saes mettalicos.

Mucedina — Esta substancia de composição muito similhante a gliadina, distingue-se d'ella por a sua maior solubilidade na agua.

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B) Ihjdratos de carbone — A cellulose, o amido, a dextrina e os assucares formam os compostos hy­drocarbonados que se encontram nos vegetaes.

O amido, visto ser a substancia alimentar mais espalhada no reino vegetal, é a mais importante.

A cellulose é uma substancia alimentar, quando se encontra em condiccões de ser atacada pelos sue­cos digestivos.

O seu grão de cohesão é muito variável, encon­tra­se nas plantas n'um estado de dureza desde o caroço da azeitona até á medulla do sabugueiro ou tecido dos cogumellos.

Qualquer que seja a sua estruetura, é sempre capaz de ser alimento para uma espécie determinada: a cellulose dos cogumellos é alimento para o ho­mem, a da palha para o cavallo, a dos mais duros paus é alimento para os insectos xylophagos.

Pelo que respeita ao amido e assucar : estes são sempre compostos próprios para a alimentação que exige fáceis transformações no tubo digestivo.

No homem e animaes superiores estes com­postos são assimilados no estado de glucose ; é a ultima transformação que soffrem os hydratos de carbone para servir á nutrição, transformação só completada no intestino pela acção do sueco pancrea­tico.

A característica dos hydratos de carbone, no seu ponto de vista chimico, é conterem oxigénio e hydrogenio nas proporções da agua.

Como o seu nome o indica, resultam da união do carbone com os elementos d'agua. ■

Para serem gastos no organismo torna­se neces­sária a intervenção do oxigénio livre, para queimar o carbone, d'onde a denominação de alimentos de caloriflcação, denominação egualmente applicavel aos corpos gordos.

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À quantidade d'estes compostos nos alimentos vegetaes é considerável.

C) Matérias gordas—Todos os vegetaes encerram proporções variáveis de substancias gordas, reunidas sobretudo nos fructos: ordinariamente existem, em liberdade, nos cotyledons, raras vezes no pericarpo, como na azeitona.

Estes compostos análogos ás matérias gordas de origem animal, differem somente na quantidade de glycerides liquidos ou sólidos.

Saponificam-se egualmente pelos ácidos e alcalis, dando origem aos mesmos compostos.

Alguns d'estes corpos contem ácidos gordos par­ticulares (acido linoleico do óleo de linhaça, acido ricinolico do óleo de rícino, etc.)

A proporção de matérias gordas, que pôde ser considerável, varia em geral de 2 a 50 ^IOO. Farinha de milho 87,1 Linhaça 300 a 350 Colga 300 a 410 Papoula 340 a 630 Noz 580 Eicino <>20 outras tabeliãs dão resultados análogos.

D) Saes mineraes—A natureza e qualidade dos compostos mineraes contidos nos différentes alimentos d'origem vegetal variam em proporções consideráveis.

Em geral, as cinzas dos vegetaes são formadas pela maior parte de potassa e acido pliosphorico.

II—Classificação dos alimentos vegetaes

Pelo que fica dito, vc-se.que as substancias ali­mentares d'origem vegetal apresentam grandes diffe-

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renças em sua composição; e por consequência na proporção dos alimentos primordiaes que encerram.

Tendo em vista unicamente o valor nutritivo d'estes alimentos primordiaes, podemos classificar as substancias alimentares, d'origem vegetal, do modo seguinte :

í.° grupo — Leguminosas.—2.° grupo —Ce-reaes. — 3.° grupo—Fructos, raizes, tubérculos fa­rináceos. — 4.° grupo — Legumes berbaceos. — 5.° grupo—Fructos.

l.° Leguminosas. — Os grãos das luguminosas são os mais ricos em matérias albuminóides; só se encontra maior quantidade no queijo, alimento de origem animal.

E! porisso que os chinezes preparam, com massa d'ervilhas, um queijo a que chamam toa-foo.

O quadro seguinte representa em media a com­posição dos grãos das leguminosas sob o ponto de vista de princípios alimentares:

Agua. ._ 137 Albuminóides 234 Hydratos de carbone 569 Matérias extractivas 18 Matérias gereas . , 20 Saes rnineraos 22

Na alimentação os grãos das leguminosas em-pregam-se em natureza; a sua farinha, e sobretudo a da ervilhaca, serve para falsificar a do trigo.

As leguminosas constituem alimentos muito ri­cos; mas suas substancias albuminóides são menos assimiláveis que as da carne.

Voroschilolf comparando em si mesmo, o valor nutritivo da carne e das ervilhas, notou melhor assi­milação da carne e creação de maior força muscular ; notou mais o augmento do peso especifico do corpo

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com regimen animal, ao passo que com o regimen vegetal diminuia.

2.° Cereaes. — Dá-se este nome ás principaes gramíneas alimentares como: trigo, centeio, cevada, aveia, milho, arroz, sorgo etc.; e tendo em vista y sua riqueza em substancias azotadas collocal-as-hemos na seguinte ordem decrescente: trigo, cevada, cen­teio, aveia, milho, trigo mourisco, arroz etc.

Os cereaès são empregados na alimentação de­baixo de formas variadas. Alguns empregam-se em natureza; outros não são empregados senão depois da moagem, e o produclo mais importante fabricado com suas farinhas é o pão.

0 pão é conhecido da mais alta antiguidade, foram porém os Gaulezes os primeiros que descobri­ram e applicaram a levadura de cerveja como fer­mento do pão. Viria agora a propósito fallar da fa­bricação do pão, seria, quando mais não fora, ex­tremamente curioso, porém isso nos levaria para fora do nosso campo; desistimos d'esse intento e di­remos apenas que o pão deve á sua textura parti­cular, consequência d'uma boa fermentação, a supe­rioridade que o distingue, no ponto de vista alimentar, de todos os outros produetos que se podem preparar com os cereaes e mesmo com as leguminosas.

A porosidade do pão bem fabricado é tal, que se embebe instantaneamente do liquido em que se mergulha, o que produz uma prompta desassociação da massa, o explica a sua fácil digestão.

Em consequência d'estas propriedades o pão realiza o alimento mais perfeito produzido pelo reino vegetal, em rasão da assimilação quasi completa das substancias azotadas.

Por isso é capaz só por si de entreter a vida durante muito tempo.

Relativamente á composição chimica, acha-se

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uma difïcrença notável entre o miolo e a côdea do pão, devendo portanto ter applicações différentes; é na côdea que se encontra maior quantidade de azote o maior solubilidade; o que é confirmado pelas ana­lyses. Se o valor alimentar d'uma substancia depen­desse da proporção de azote albuminóide que contem, poder-se-hia dizer que a crosta tem um valor nutri­tivo duplo do miolo: no pão fresco a quantidade de azote total é de 13 °/0 para a crosta e 6 u/0 para o miolo. Este facto junto á maior solubilidade da crosta na agua permitte avaliar o valor alimentar dos caldos com pão torrado, panadas, preparados com a crosta, biscoutos, etc.

Deve pois concluir-se que o valor alimentar do pão é tanto mais considerável quanto a crosta é mais espessa, com a condição de que esta crosta não seja sobreaquecida no forno, que o pão não seja esfogueado, o que produz em lugar da crosta normal uma pellicula cinzenta debaixo da qual existe um espaço vasio que proteje o miolo contra a elevação de temperatura, o pão assim preparado não está cosido no interior; é mais rico em agua que se não evaporou atravcz da pellicula impermeável, e por conseguinte mais diilicil á digestão e menos nutritivo.

Trigo — As farinhas de todos os cereaes são susceptíveis de servir para o fabrico do pão. A do trigo está em primeiro lugar tanto por sua composição chimica como pela fácil aclimação a todos os terrenos para sua cultura.

A qualidade d'uma farinha pelo que respeita á panificação, depende da sua riqueza em gluten, e a proporção d'esté, da natureza da planta, do terreno, e influencias d'estaçao. A quantidade de gluten va­ria pouco nas diversas espécies de trigos.

No entanto podemos dizer, firmados em ana­lyses, que a composição chimica do trigo é constante.

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Esta uniformidade de composição do trigo tor-nam-n'o o mais precioso de todos os cereaes, se bem que a sua importância era maior n'outros tempos, quando a impossibilidade das trocas e das communi-cações rápidas dava origem a medonhas carestias cuja memoria a historia ainda conserva.

A elevação de temperatura necessária para a evolução da planta é pouco considerável e portanto as iuíluencias climatéricas pouco se fazem sentir.

Cevada — Relativamente ao seu poder alimenli-cio a cevada occupa o primeiro lugar depois do tri­go. A importância d'esté cereal é devida ao fabrico da cerveja.

Não se emprega em geral na alimentação, no entanto ha paizes pobres que a misturam com outras farinhas para fazerem pão, mas este fica trigueiro e pouco levantado, tendo além disso um sabor e cheiro desagradáveis e sendo além disto de difficil diges­tão. Emprega-se em certos paizes (Algeria, Hespanha) para alimento dos cavallos. Em virtude de resistir ao frio, assim como a aveia, constitue um alimento precioso para os habitantes das regiões pollares.

Centeio — Este cereal é o mais empregado para a alimentação do homem depois do trigo. Dá-se em terrenos que não produzem trigo e resiste mais às intempéries. E debaixo, d'esté ponto de vista consti­tue a alimentação de povos atrazados em agricultura ou cujo terreno, por ser pouco fértil, os obriga a usa­rem de alimentos menos delicados e mais fáceis d'obter.

A quantidade d'esté cereal tende a diminuir á medida que a riqueza publica augmenta e a agricultura réalisa novos progressos, mas apesar disso, não deixa de desempenhar um precioso papel na alimentação.

O centeio é mais pobre em gluten, que a ce­vada ; encerra maior proporção de substancias solu-

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veis dotadas de propriedades hygroscopicas que pre­judicam a conservação da farinha. A mistura de fa­rinha de centeio, cevada e trigo fornece um pão do­tado d'um sabor especial e susceptível de se conser­var por mais tempo fresco, em razão das proprieda­des hygroscopicas da farinha do centeio. Um incon­veniente grave do centeio, provem de que o seu grão é facilmente atacado por um parasita, que se nutre á custa das substancias contidas no fructo, apparece no perisperma e desenvolve-se de tal maneira que attinge um comprimento quatro ou cinco vezes maior que os grãos ordinários ; toma uma forma arqueada análoga ao esporão do gallo, d'onde o nome de es­porão do centeio (cravagem do centeio) muito ap-plicada em therapeutica.

0 consummo do centeio assim avariado occa-siona accidentes graves de intoxicação que algumas vezes simulam a existência d'epidemias.

Aveia — E' empregada na alimentação do homem só em paizes muito pobres. Este fructo goza de pro­priedades alimentares, muito enérgicas ; é ao mesmo tempo um estimulante em consequência de princí­pios aromáticos particulares. 0 emprego de caldo de papas de aveia, para a alimentação de crianças ra-chiticas e dos convalescentes tem dado excellentes resultados, e hoje o seu uso está muito espalhado ; foi na Inglaterra, Manda e Escócia que o seu em­prego se generalisou.

A aveia deve parte das suas propriedades nu­tritivas a uma materia gorda que contém o grão des­pojado de seus invólucros : os princípios sapidos e es­timulantes são contidos nas partes corticaes e invólu­cros dos fructos.

Prepara-se um pão levemente estimulante, mis­turando farinha de trigo com 2 ou 3 décimos de fa­rinha de aveia bem peneiradas.

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Milho — O milho distingue-se dos outros cereaes por sua riqueza em materia gorda, que excede a da aveia, qualidade que o torna um precioso alimento para a engorda dos gados.

E' em rasão da união de matérias gordas, tendo também em dissolução principios aromáticos e esti­mulantes, e das substancias hydrocarbonadas e albu­minóides que contém, que o milho constitue um typo de alimento completo : assim um a dois kilos de fari­nha de milho, e um pouco de queijo bastam para a alimentação d'um aldeão da Lombardia. E' em al­guns paizes a base da alimentação.

0 pão preparado com milho é de consistência molle, hygroscopico, pouco agradável ao gosto e o bolor invade-o facilmente.

Trigo mourisco — Este cereal conhecido vulgar­mente pela denominação de trigo negro, cultiva-se sobretudo em certas regiões da Bretanha e Norman­dia onde a visinhança dos mares o abriga de tem­peraturas excessivas. Produz-se em terrenos pobres, razão porque a sua cultura se espalha em certas re­giões do litoral. Seu valor nutritivo é muito inferior ao dos outros cereaes na proporção de 10 % segundo Payen e M. de Gasparin encontra-o superior, 112 por 100. M. Isidore Pierre, que fez notáveis estudos so­bre sua cultura e emprego, considera-o como um ali­mento são, substancial e económico.

Em razão da pequena quantidade de gluten que contém, a massa, feita com farinha de trigo negro, não leveda, e forma uma massa porosa. Consome-se este cereal debaixo da forma de pasta que con­stitue depois de fria uma massa dura susceptivel de se cortar á faca reprezentando pão não levedado.

Arroz — Em certos paizes como a China e nas vastíssimas regiões da índia, Africa e America o seu emprego substitue o dos outros cereaes. Entre nós

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cultiva-se também em grande escala. Sob o ponto de vista nutritivo não pôde ser comparado a nenhum dos antecedentes pela sua pouca riqueza em sub­stancias azotadas e gordas; mas attendendo ao seu grande emprego na Europa, é o cereal de que mais consumo se faz na alimentação do homem.

A sua preparação é fácil d'ahi o grande consu­mo. 0 arroz possue, sob o ponto de vista alimentar, propriedades que as theorias modernas ainda desco­nhecem ; porque apezar d'estas o considerarem como alimento muito insufficiente, elle serve de base de alimentação a populações numerosas, e grande nu­mero de indivíduos fazem d'elle um uso exclusivo ; como quer que seja, o arroz é, incontestavelmente, pela importância do seu consumo, uma substancia alimentar de primeira ordem ; e os obstáculos á sua producpão occasionam terríveis fomes cujo theatro frequente são as indias.

A cultura do arroz exige, durante a maior parte do período da vegetação, humidade permanente, d'onde resultam, para os lugares em que a cultura se faz em larga escala, graves cauzas de insalubri­dade. A' acção da humidade deve juntar-se a d'uma temperatura elevada; a agua deve ser estagnada, para não arrastar as plantações, d'onde a formação de pântanos prejudiciaes á saúde publica. Entre nós esta cultura soffreu grande opposiçâo devida ás re­clamações dos povos pelas epidemias que occasiona-va. Emprega-se ainda no Oriente no fabrico de be­bidas fermentadas.

3.° Fructos, raizes e tubérculos farináceos. — Os representantes mais importantes d'esté grupo são a castanha e a batata. As castanhas tem, em cer­tos paizes pobres, um papel importante na alimenta­ção dos homens e dos animaes; a colheita do frueto é fácil e de pouco trabalho. Os habitantes d'algumas

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regiões montanhosas de França, Italia, Suissa, Cór­sega e mesma de Portugal fazem com ellas e com um pouco de lacticinio ? a alimentação exclusiva du­rante o inverno ; como porém contém pequena quan­tidade de matérias albuminóides, por isso são obri­gados a ingerir grandes quantidades. Acontece, ainda em maior escala, o mesmo com as batatas. Estas, co­sidas e misturadas com leite coagulado, formara, as­sim como as castanhas, a alimentação exclusiva nas regiões pobres, durante o inverno. Seria necessário ingerir 5 kilos de castanhas e quasi o quádruplo de batatas para attingir a porporção de substancias azo­tadas necessárias á alimentação d'um trabalhador. As batatas estão pouco expostas ás alterações cauza-das pelas vicissitudes de temperatura e humidade. A sua alteração mais frequente é a putrefacção. A ba­tata no nosso paiz é hoje atacada d'uma moléstia que os lavradores denominam arejo, que tem feito esca-cear o género, diminuindo a producção, o que cons­titue uma calamidade para as classes pobres.

4.° Legumes herbáceos. —Comprehendemos sob a denominação de legumes herbáceos, folhas comes­tíveis, assim como outras partes das plantas de teci­dos novos e tenros, formadas de delgadas membra­nas de cellulose, que encerram em suas cellulas sue­cos ricos em matérias azotadas e outros princípios alimentares. Na maior parte dos casos, estas plantas são submettidas a processos especiaes de cultura, que determinam uma demora notável na nutrição da planta, que tem por fim impedir o desenvolvimento de substancias amargas, algumas vezes mesmo, ve­nenosas, o que se dá quando a vegetação é livre. Os legumes herbáceos não podem constituir por si só uma alimentação sufíiciente; o seu emprego na ali­mentação é utilissimo porque fazem variar o regimen alimentar, e associar, nas proporções convenientes,

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princípios ricos em matérias azotadas aos hydralos de carbone e saes mineraes. Esta alimentação intro­duz na economia, saes alcalinos, sobretudo alcalinó-terrosos, (saes de cálcio, de magnesia, d'acidos orgâ­nicos) de que o organismo tem falta e que não en­contra, nas carnes, leguminosas e cereaes, em pro­porções convenientes.

Pelo que respeita á composição immediata dos legumes herbáceos podemos estabelecer três cate­gorias :

1.° Legumes ricos em azote e em matérias al­buminóides como : aipo, couves, etc. A maior parte das plantas que constituem este grupo encerram, além dos compostos aromáticos, princípios azotados e sulfurados, cuja acção excitante deve ser tomada em consideração.

2.° Legumes ricos em principios mucilaginosos e salinos, taes como chicorea, alface, espinafre, etc., nos quaes predomina agua e depois substancias hy-drocarbonadas (mucilagein,' amido, inulina) e saes orgânicos de base de potassa e cal cujos ácidos são malico e exalico.

3.° Legumes ricos em principios ácidos; taes como azeda, tomate, tenro rebentão de aspargo, em que existem notáveis quantidades de oxalatos, ma­laios, citratos ácidos de potassa e cal. Os principios aromáticos e sapidos contidos em muitos legumes actuam também como condimentos, e sua acção exer-ce-se sobretudo nas funcções digestivas, renal e de geração.

5.° Fructos. — Os fructos aproximam-se do grupo precedente pela proporção d'agua; encerram assu-car, ácidos orgânicos, substancias mucilaginosas e pe­quenos vestígios de albuminóides. Servem, também como os legumes herbáceos, para variar e tornar a alimentação mais agradável, communicando-lhe prin-

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cipips assucarados, aromáticos e saborosos que o ho­mem procura instintivamente. Pela riqueza relativa d'estas substancias em assucar, o seu emprego se­não exclusivo, ao menos muito considerável, na ali­mentação, pode occasionar perturbações digestivas muito graves. 0 homem ingere um volume conside­rável d'estes alimentos pouco substanciaes, mais ou menos ácidos, para attingir o equivalente nutritivo indispensável ; e a qualidade indigesta dos tecidos vegetaes, mesmo os mais tenros, junta á facilidade com que os suecos servem de excellente terreno para o desenvolvimento de organismos inferiores, différentes dos que se encontram normalmente no tubo digestivo, explicam porque tal re^imen.não pode ser conservado por muito tempo sem alteração da saúde. Por­isso os frurtos não devem entrar, senão em pequena proporção, na alimentação, em virtude dos princípios aromáticos que produzem uma fadiga dos órgãos digestivos.

ALIMENTOS TIRADOS 1)0 REINO ANIMAL

Os produetos fornecidos pelo reino animal para alimento do i homem, são muito numerosos, se bem que a cifra das espécies animaes de que se faz uso ó pequena relativamente ao seu numero. A impor­tância dos alimentos d'esta classe é considerável e o augmento do seu consumo está em relação com o bem estar dos individuos, e com toda a certeza, com a sua saúde e vigor.

A carne de açougue é, com effeito, de todas as substancias alimentares azotadas, a que desempenha maior papel. A experiência ensina­nos que as maté­rias albuminóides da carne, são mais fácil e comple­

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tamente assimiláveis que as dos vegetaes; algumas d'estas atravessam o tubo digestivo sem soffrerem* metamorphose alguma que as torne assimiláveis.

Os tecidos ou os elementos orgânicos não podem, com effeito, intervir nos phenomenos de nutrição senão em rasão da sua alterabilidade.

Os princípios immediatos de natureza albumi­nóide, tirados do reino animal, realizam o typo mais perfeito dos alimentos azotados, ao passo que a maior parte dos productos vegetaes, passados em revista, realizam o typo mais perfeito dos alimentos hydro­carbon ados.

Quando submettemos á analyse immediata as différentes vari'dades de carnes de que geralmente se faz uso na alimentação, encontramos resultados mui différentes dos fornecidos pela mesma analyse nos veg.'taes. Devamos portanto estabelecer distincção entre as matérias azotadas de natureza albuminóide (matérias azotadas proteicas) e aquellas cujas proprie­dades différera das precedentes (matérias azotadas não proteicas).

EUfca distincção baseada em factos d'o dem chi-mica, e confirmada pela experiência physiologica: basta para isso alícndermos ás propriedades e noções chimicas das différentes albuminas comparadas com a da xantina e compostos de amido. Além das substan­cias azotadas, que existem em grande escala nas carnes, encontramos pequenas quantidades de sub­stancias hydrocarbonadas, corpos gordos, saes e agua.

I — Princípios constitutivos

A) Matérias azotadas proteicas — São os mais importantes: formam a trama dos tecidos animaes e

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distinguem-se pela complexidade de sua composição, delicadeza de suas reacções, que levariam a fazer admiltir a existência de innumeras variedades. O es­tudo de suas propriedades, no ponto de vista que nos occupa, leva-nos a admittir duas grandes sub-divi-sões. Na primeira collocamos as matérias albuminói­des propriamente ditas de que a albumina do ovo e do sangue são os representantes: estas distinguem-se das seguintes pela proporção dos seus elementos, que contem mais carbone e menos azote, e pela fa­cilidade com que são atacadas pelos sucos digestivos.

A segunda divisão comprehende as matérias proteicas a que damos o nome de collarjenes porque pela cozedura prolongada se resolvem em gelatina ou substancias análogas. Tem menos carbone que as albuminóides propriamente ditas, geralmente mais ricas em azote, e no tubo digestivo não soffrem mo­dificações que as tornem proprias para a vida.

0 typo d'estas substancias é a osseina. A calcinação de todas estas substancias dá pe­

quena quantidade de cinzas onde predomina o acido phosphorico.

Matérias azotadas não proteicas—Existem em to­dos os alimentos azotados=carne, leite, ovos, queijo etc., proporções variáveis de substancias azotadas de composição menos complexa que as substancias pro­teicas e que são termos intermédios da metamorphose das albuminóides.

Algumas d'estas substancias tem um papel ac­tivo e util nos phenomenos da digestão; outros pelo contrario constituem productos inertes e algumas vezes até nocivos. Estes derivados azotados das ma­térias albuminóides são representados pela creatinina, crealina, xanthina, hypoxantinina ou sarkina, carnina, acido úrico, guanina, leucina, tyrosina, aos quaes po­demos juntar as lencomainas recentemente descriptas

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pelo professor Armand Gautier, xanthocrialinina, cru-socrealinina, amphicreatinina e a adenina assignalada por Kossel.

Estes compostos não são próprios para a nutri­ção; experimentam apezar disso transformações no seio da economia e podem até contribuir pela sua combustão para o desenvolvimento d'uma parle do calor necessário ao organismo : são sempre alimentos muito imperfeitos cujo emprego principal é actuar como excitantes do estômago e nervos gustativos em rasão do seu gosto e aroma agradáveis.

E sob este ponto de vista podemos referir-nos ás analogias estreitas entre a carnina, sarkina, xan-thina, acido úrico, adenina, cafeína, princípios activos de café, chá e chocolate.

N'estes últimos annos foram encontrados, nos vegetaes, compostos amidonados taes como, adenina e xanthina que se julgavam exclusivos do reino animal.

A grande analogia de composição que se nota entre as substancias albuminóides de origem vegetal e as de origem animal concorda perfeitamente com as observações precedentes.

As distinccões entre o reino animal e vegetal que tendem a desapparecer, pelo que respeita á phy-siologia, devem ser conservadas pelo que respeita á alimentação porque, urna alimentação exclusivamente vegetal é insufficiente, e a experiência demonstra á evidencia, que o azote dos compostos albuminóides vegetaes não é assimilado no homem e carnivoros tão completamente, como o dos animaes.

C) Substancias hydrocarbonadas — Estes compos­tos encontram-se em pequena proporção nas carnes ; a sua quantidade augmenta em certos productos ali­mentares d'origem animal como o queijo, leite e t c

D) Matérias gordas — Os corpos gordos formam uma parte considerável dos alimentos d'origem ani-

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mal; são as substancias proteicas que juntas a estas, formam a quasi totalidade d'estes alimentos.

Apresentam-se, á temperatura ordinária, no es­tado liquido ou solido segundo que em sua compo­sição predomina a oleina, ou stearina e palmitina. Ha um grupo de substancias gordas notável pela pre­sença do phosphoro ; a lecitina é o typo d'estes com­postos ; encontra-se no ovo, cérebro, sangue e carne de certos peixes.

E) Matérias mineraes — Agua. Este corpo forma a septuagesíma parte do peso dos tecidos animaes. Desempenha um papel importante na constituição d'estes tecidos; não está interposta, mas combinada, e sua presença em tão grande proporção é indispen­sável para o regular funccionamento dos órgãos : é o verdadeiro meio dos actos nutritivos.

Os saes mineraes que se encontram nos alimentos d'origem animal são os que já figuraram na constitui­ção dos vegetaes, aos quaes devemos juntar os que são introduzidos na economia animal pelas aguas ; a proporção de cada um d'elles é muito variável. Nas substancias fornecidas pelo reino animal encontra: mos o chloreto de sódio, phosphatos e carbonatos al­calinos, e alcalino-terrosos, vestígios de magnesia, ferro, silica, fluor e manganesio.

Vamos agora vér, com alguns detalhes, as dif­férentes cathegorias de alimentos tirados do reino ani­mal. O numero d'estas matérias é considerável e sua diversidade é tal que não é possível dar d'elles uma classiíi cação.

II — Principaes alimentos d'origem animal

A) Carne de açougue — As partes comestíveis dos

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différentes animaes, cuja carne é conhecida pela de­nominação de «carne de talho», differem muito pouco entre si atlendendo à sua composição elementar, e sob este ponto de vista aprezentam uma grande ana­logia com os tecidos do homem, d'onde é fácil con­cluir que são estes os alimentos mais próprios para desenvolver os nossos órgãos e reparar as perdas que o organismo soffre constantemente sob a influencia de causas variadas.

Recordaremos aqui que o tecido muscular com-põe-se chimicamente de duas partes: substancia muscular, propriamente dita, e um residue insolúvel formado pelo sarcolemma, núcleos musculares e gor­duras. O sarcolemma aproxima-se dos tecidos elás­ticos, no entanto é atacado pelo sueco gástrico e lentamente dissolvido nos ácidos e alcalis diluidos ; quando é fresco, é digerido pela trypsin a.

Estas propriedades approximal-o-hiam antes das substancias collagenes, porque gelatinisa pela coc­ção. Quanto aos núcleos musculares, constituídos pela maior parte pela nucleina, são inatacáveis pelos lí­quidos digestivos.

A substancia muscular propriamente dita, ou plasma muscular, obtida pelo processo de Kiihne, apresenta-se debaixo da forma d'um liquido xaropo-so, não filante, opalino, de côr amarella, neutro ou fracamente alcalino, se bem que Moleschott e Battis-tini encontraram uma reacção levemente acida no musculo em repouso.

O plasma muscular coagula-se, exponlaneamen-te, á temperatura ordinária, dando origem a uma substancia especial, a myosina, ao mesmo tempo que se separa um produeto liquido constituindo o soro ou sueco muscular.

A myosina aproxima-se muito da paraglobulina, da qual se distingue, no entanto, por caracteres im-

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portantes. Coagula a 55°; a agua e ácidos diluídos operam n'ella o mesmo phenomeno ; e quando se dá no musculo, logo depois da morte, produz a rigidez cada­vérica. Sob o ponto de vista chimico a myosina, repre­senta d'algum modo um termo intermédio entre apara-globulina e a librina. Segundo Nane seria ella que for­maria nas fibrillas musculares a substancia anisolropa.

O soro muscular, ou o estrato aquoso do mus­culo, encerra os princípios immediatos seguintes.

1.° Albuminóides: albuminate de potassa, e duas variedades de albumina coagulada.

2." Fermentos solúveis ou diastases. 3." Peptonas. 4.° Uma materia corante análoga á hemoglubina

e que se encontra ainda no musculo a que se tirou lodo o sangue por meio de lavagens ; demais esta materia corante encontra-se no sangue de aniraaes que não tem hemoglubina.

5.° Matérias azotadas não proteicas, creatina, xanthina, sarkina, carnina, leucina, thaurina, urea, acido úrico.

6.° Principios não azotados: gorduras livres ou combinadas, glycogene, glycose, dextrina, acido sar-colatico, e ácidos gordos voláteis, cuja existência du­rante a vida, é duvidosa, e que parecem antes re­sultar d'um começo d'alteracao e decomposição dos albuminóides.

7.° Saes orgânicos e mineraes entre os quaes predominam phosphatos ácidos e a potassa.

8.° Agua que forma três quartos do peso do musculo. A proporção d'agua é maior nos animaes fêmeas e novos. 0 musculo que contem maior quan­tidade d'agua é o coração.

9.° Gazes que consistem principalmente em acido carbónico, pouco azote, e vestigios d'oxigenio, cuja existência no musculo vivo é negada por alguns an-

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ctores. À quantidade d'azote na carne muscular é em media 3,4 a 3,8 °/0 para s carne fresca, e 10,6 a 14,10 °/0 para a secca. Ë pelas proporções relativas dos princípios immediatos que as carnes differem no­tavelmente, segundo os órgãos de que provém, se­gundo as condições a que o animal foi submettido, segundo a espécie, raça, alimentação e edade dos animaes. Assim nos animaes submetlidos a engorda, a proporção de matérias gordas pôde exceder très quartos a das substancias azotadas seccas. A carne d'animaes novos, por sua consistência molle, sua qua­lidade gelatiniforme e aroma quasi nullo ou mesmo pouco agradável, depois de cosida, não tem sido tão utilisada na alimentação como a dos outros. Das ob­servações feitas por Ghewreul, sobre a carne dos animaes submettidos a um regimen alimentar tendo por fim uma engorda rápida resulta : 1,'a materia gorda encontra-se ahi em maior proporção. 2.° esta materia gorda é mais fusivel. 3.° a carne normal pro­duz um caldo notavelmente superior, sob o ponto de vista do aroma, propriedades nutritivas e estimulan­tes, ao fornecido pela carne d'um animal engordado rapidamente. 4.° a parle flbrinosa da carne normal possue maior tenacidade e maior resistência á acção da agua fria do que a do animal em questão ; se a carne d'estes parece mais molle é porque contém mais gordura. 5.° a producção d'estas carnes dá-se em animaes que não vivem ao ar e sol, phenomeno análogo ao que produz o estiolamento das plantas.

As qualidades alimentares e organolepticas das carnes variam com a alimentação dada aos animaes, e differem ainda segundo as regiões do organismo do animal.

Os vitellos, nutridos exclusivamente com leite Île vacca até aos quatro ou cinco mezes, fornecem uma carne de côr pallida que se torna branca pela

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cosedura, e a que uma leve torrefação dá um cheiro e gosto agradável, sabor e gosto que já não appare-cem se o leite dos dois últimos mezes fòr substituído por forragens.

A carne de carneiro adquire qualidades orga-noleplicas excepcionaes quando este animal pasta em campinas ricas em plantas aromáticas.

Certos principios aromáticos que existem nas plantas (cruciferas em geral) dão á carne do animal nutrido com taes substancias um gosto desagradá­vel, o contrario acontece com outros princípios aro­máticos : o sabor da carne de coelho do monte é mais agradável que o do coelho manso.

Esta mesma differença se nota com relação ás secreções dos animaes : assim ovos de gallinhas, em cuja nutrição entram em grande proporção insectos, larvas e vermes, adquirem um cheiro desagradável; acontece ainda o mesmo com o leite d'animaes sub-mettidos a certos regimens.

Estas considerações tem em hygiene uma alta importância: as melhores qualidades alimentares de­pendem d'estas circumslancias múltiplas, e não é in­différente debaixo do ponto de vista d'uma boa e sã alimentação, offerecer aos indivíduos alimentos sabo­rosos e agradáveis, estimulando o apetite, d'uma as­similação fácil e a mais perfeita possível.

Desde as primeiras analyses de carnes devidas a Schutz e Berzelius, numerosos trabalhos se tem feito para chegar a resultados mais certos e completos ; entre estes avultam os de Gh. Mené em 1874 que, por serem muito extensos, não cabem nos limites d'esté trabalho.

Estes resultados offerecem ainda o interesse de serem obtidos em condicções similhantes ; e todos el­les mostram evidentemente que a composição do producto conhecido pelo nome genérico de carne,

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não é a mesma em todos os animaes e diffère tam­bém d'uma parte para outra do animal, e que por consequência ha porções que são mais ricas em priu-cipios nutritivos : estas são por sua ordem «lombo, anca, coxa e espádua». Às massas musculares das pernas e parte inferior das costellas, do peito, ven­tre, pescoço e cabeça, só fornecem carnes de terceira ou quarta qualidade, tendinosas ou membranosas, menos agradáveis, e algumas vezes pouco fáceis de mastigar. Relativamente á sua digestibilidade as car­nes dividem-se em : carnes brancas, vermelhas e ne­gras.

As carnes brancas são constituídas por mammi­fères novos e aves domesticas, mais especialmente, gallinaceas ; são nutritivas, de sabor agradável e de fácil digestão.

As carnes vermelhas, mais nutritivas e de mais diílicil digestão, são de mammiferos adultos, mais particularmente dos ruminantes.

As carnes negras provém de mammiferos e aves que vivem no estado selvagem. Differem das prece­dentes por sua menor riqueza em matérias gordas e collagenes, e pela presença de maior quantidade de substancias extrativas que lhe dão um sabor muito accentuado.

Estes alimentos são fortemente estimulantes, de mais difficil digestão que os precedentes.

A digestibilidade das carnes depende da sua cohesão e da dureza das suas fibras, assim como da proporção de substancias gordas que encerram.

B) Carnes cosidas—Em todos os tempos, e mesmo entre os povos mais bárbaros, o homem procurou, mesmo instintivamente, tornar mais saborosa e mais fácil de dividir a carne dos animaes que destinava para seu sustento ; e o meio sempre mais empregado foi a cozedura.

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Este modo de preparação dos alimentos não só augmenta a sua digestibilidade em virtude de modi­ficações physicas que lhes faz experimentar, mas também determina a formação de productos que actuam como excitantes sobre a mucosa estomacal, e provocam um estado de erethismo do apparelho di­gestivo que se acompanha d'uma secreção abundante dos suecos digestivos destinados a transformar os ali­mentos ingeridos em productos assimiláveis: oíferece ainda a grande vantagem de destruir, por uma ele­vação de temperatura, os germens de parasitas que se podem encontrar á superficie ou na espessura dos tecidos, que ás vezes transmittem affecções muito gra­ves. A arte cullinaria prepara a carne por dois pro­cessos. Expõe directamente a carne á acção d'uma temperatura elevada, temos assim a carne assada ; ou faz intervir a agua n'esta operação, é a carne co­sida propriamente dita com propriedades différentes da antecedente.

Sendo a carne assada, a sua superficie exterior attinge rapidamente uma temperatura de 130° a 150°, ao passo que as partes internas estão apenas á tem­peratura 50 a 60. A coagulação e dissecação da su­perficie determina a formação d'um revestimento que protege as partes centraes contra a acção d'uma temperatura elevada e impede a evaporação, de modo que, estas partes soffrem, a uma temperatura muito elevada e em prezença da agua, ácidos e productos empireumaticos formados sob a influencia da temperatura, uma maceração que tem por fim desagregar as fibras, permittindo a coagulação par­cial da albumina.

A carne conserva assim todo o seu valor nutritivo. As analyses de Payen e Playfair mostram que a

composição da . carne pouco varia assando-a ; por consequência não ha vantagem alguma em aconse*

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lhar aos doentes e convalescentes o uso de carne crua, menos saborosa, excitando sempre um senti­mento de repugnância ; menos fácil de digerir e ca­paz de introduzir no tubo digestivo ovos de entozoa-rios ou germens de doenças.

A cozedura da carne por meio da agua modi­fica muito mais profundamente a sua composição. Ha desagregação dos tecidos, tornando-se mais molles e saborosos, podendo assim utilisar-se na economia carnes muito duras.

A agua pôde intervir na cocção da carne ou no estado de vapor ou no de liquido: quando inter­vém n'este estado, as modificações experimentadas pela maior parte dos princípios immediatos, são muito profundas. As substancias collagenes são transforma­das mais ou menos completamente em gelatina; os principios albuminóides experimentam em geral mo­dificações que os torna mais refractários á acção do sueco gástrico ; as substancias solúveis deixam os te­cidos e espalham-se no liquido ambiente, emquanto estes mesmos tecidos absorvem, em compensação, uma parte do liquido em que mergulham ; ao mes­mo tempo os condimentos penetram as partes insolú­veis, communicam-lhes os seus aromas e juntam a sua acção á da agua e do calor.

Estas metamorphoses dão-se em grande escala quando a carne é posta primeiro em maceração e que a temperatura da agua é levada lentamente á ebulição. Se a carne é pelo contrario submettida desde logo a uma temperatura elevada, produz-se á superficie d'esta uma camada d'albumina coagulada cuja presença impede a saida do sueco das partes subjacentes. No primeiro caso obtém-se um caldo ex­cellente, ao passo que a carne é desprovida de todas as propriedades nutritivas, e no segundo, dá-se o con­trario.

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tíi

C) Caldos — A dissolução aquosa dos elementos solúveis ou susceptíveis de soffrer modificações que os tornem solúveis, contidos nas carnes, constituem o producto que se designa sob o nome de caldo. Fa­zendo abstração dos saes mineraes cuja acção exci­tante deve ser posta de parte, as substancias dissol­vidas no caldo são formadas, quasi na totalidade, por matérias orgânicas azotadas não proteicas, e que não tem valor algum nutritivo. Os únicos alimentos con­tidos no caldo são uma millesima d'albuminose pro­veniente da acção dos ácidos da carne sobre a myo-sina, 10 a 15 milésimas de gelatina, e uma pequena quantidade de inosite. O acido láctico, a creatina, a creatinina, a sarkina, a xanthina e leucomainas, as-signaladas por M. Armand Gauthier, são productos que se encontram na maior parte das excreções e não constituem alimentos, nem impedem a desassimi-lação, como se pretendeu. Similhante papel atribue-se talvez, á carnina, por sua analogia com a theorbo-mina (principio activo do café e cacau).

Pelo que respeita á albumina cuagulada essa separou-se pela operação da escumação.

Assim diremos com Bouchard que, para um in­dividuo forte, o caldo não é util senão quando é muito agradável.

E' um excitante das funcções digestivas; por seus princípios extrativos e aromáticos, determina a secreção dos suecos digestivos. Acontece o mesmo com os convalescentes, pessoas fracas e doentes.

O seu emprego alimentar é mais accentuado n'es­tas circumstancias; quando é necessário ofíerecer ao apparelho digestivo alimentos leves, de fácil digestão, e excitar levemente as funcções d'esté apparelho: os saes do caldo são necessários porque restituem ao doente, em dieta, substancias que elimina constan­temente pelas excreções,

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Poucas questões relativas à alimentação se tem estudado com mais cuidado que a do caldo.

Os trabalhos da commissão chamada, commissão da gelatina, composta por Magendie, Dupuytrem, Se-rulles, Ghevreil, Flourens, deram os seguintes resul­tados :

«A qualidade do caldo depende sobretudo da quantidade da carne empregada na sua preparação, e do modo de a cozer'. A proporção de materia orgâ­nica contida no caldo pôde variar de 5 a 30 gram­mas por litro; a media do caldo dos hospitaes é de 12 a 15 grammas. O caldo dos ossos e de gelatina possue propriedades nutritivas muito fracas. Pôde considerar-se como alimento de poupança.»

Liebig indicou um processo de fazer caldos que poderemos chamar intermediário ao caldo ordinário e ao extrato de carne. «250 grammas de carne são picadas o diluídas em 500 grammas d'agua destilla-da; addicionam-se a esta mistura 3 gottas d'acido chlorhydrico e 2 a 3 grammas de sal marinho; deixa-se tudo em maceração durante, pelo menos, uma hora, agitando frequentemente a mistura, e faz-se depois passar atravez d'uma peneira de malhas apertadas. Lava-se a carne com agua sufflciente para obter 500 grammas de liquido ; ou, melhor ainda, submette-se a massa que ficou na peneira a uma leve pressão.

O acido chlorhydrico augmenta a proporção de syntonina que é fornecida pelos princípios albumi­nóides da carne. Entretanto o caldo assim obtido é bastante nutritivo e de sabor agradável mas, o cheiro de «carne fresca» é nauzeante para algumas pessoas; cheiro que se lhe tira por meio da ebulição, mas a maior parte dos principios albuminóides coa­gulam e o liquido perde uma parte do seu valor nutritivo.

0 caldo além da sua acção estimulante e pepto-

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genica tem a vantagem de communicar um sabor e aroma dos mais agradáveis a um certo numero de substancias pouco saborosas por si mesmas, taes como fécula, pão, gluten, etc., permitlindo assim utilisai'as suas propriedades nutritivas.

Tem-se pretendido obter, por evaporação do caldo a banho-maria, um producto que possa conser­vasse, e reproduzir por simples dissolução na agua, o caldo primitivo.

D) Extractos de carne—Estas preparações foram feitas com o fim de condensar debaixo de pequeno volume, d'um manejo e transporte fácil, os princípios nutritivos da carne.

Até aos últimos annos o mais espalhado dos ex­tractos era o preparado pela formula de Liebig. Este producto que não reprezenta mais do que, caldo con­centrado, quasi completamente isento de gelatina e gorduras para evitar uma fácil e rápida alteração, não pôde ser considerado como alimento ; porque, admittindo, como o faz Liebig, que uma gramma d'esté extracto corresponde a 32 de carne, esta quan­tidade de carne muscular não dá em média, segundo as experiências de Chevreul, senão 44,k 50 de caldo contendo um gramma por kilo de matérias albumi­nóides solúveis, segundo as analyses Ritter; seria pois necessário absorver uma quantidade considerá­vel de extracto de carne de Liebig para encontrar nas substancias ingeridas as proporções d'albuminóides suíficientes para a alimentação; e esta ingestão não deixaria de ser perigosa, por causa da grande pro­porção de saes mineraes contidos n'este extracto e sobretudo, saes de potássio que, em alta dose, são tóxicos.

Ch. Bernard e Grandeau notaram que a injec­ção intra-venosa de meia gramma de chloreto de po­tássio matava um coelho. Novas esperiencias referi-

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das nos archivos de Virchow, mostrara quanlo esta substancia é toxica. Ora o extracto de carne de Liebig contém mais d'um quinto do seu peso, de cinzas, ricas em saes de potássio.

0 dr. Muller refere na sua these que encontrou sempre accidentes, mais ou menos graves, segundo as doses de extracto empregado na alimentação dos doentes. Refere este observador que quando juntava á sua alimentação ordinária 30 grammas de extrato, durante as 24 horas, era atacado de diarrhea serosa.

À alimentação exclusiva d'esté extracto, em ani-maes, produzia ao fim de 1res dias, a mesma diarrhea; o animal perdia a vontade de comer, e introduzin-do-lhe no estômago, por meio d'uma sonda, pilulas de extracto com miolo de pão, o animal ao sexto dia entrava em colapso.

A conclusão impõe-se naturalmente ; não podem ser considerados os extractos de carne como bons ali­mentos e o seu consumrao deve ser limitado, em ra­zão dos accidentes que podem produzir, d'uma parte, a ingestão de grandes doses de saes de potássio, de que não é possível desembaraçai-os e, d'outra parte, a d'alguns princípios do grupo das leucomainas.

Os extractos de earne, por mais bem preparados e aperfeiçoados que sejam, peccam todos por excesso de saes mineraes e por falta de matérias albuminói­des. Em rasão da impossibilidade de preparar dire­ctamente, com carnes, extractos ricos em princípios assimiláveis e que não contenham grandes propor­ções de saes de potássio, a industria prepara com carne outros productos que denomina peptonas. A analyse feita n'estes productos mostra que são mais ricos em substancias albuminóides e pobres em saes de potássio.

A alimentação com estes preparados mostra que são mais próprios para entreter a vida, mas ainda

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assim, não são, mesmo misturados com pão, sulli-cientes para a alimentação. Empregam-se nas mes­mas condicções que os extractos de carne.

A dissecação que se faz soffrer a todos estes preparados, extractos de carne e peplonas, para lhes assegurar a conservação e o transporte sob pequeno volume, tem o inconveniente de tirar-lhes o aroma, que dá ao caldo e carne -assada fresca o valor que tem.

E) Pó de carne — Para remediar a insuíficiencia nutritiva dos extractos de carne tem-se seccado sim­plesmente a carne e reduzido a pó, depois de a des­embaraçar da gordura, partes tendinosas etc. Os pós de carne foram pela primeira vez empregados na guerra da Crimeia em 1856. Formam, quando bem preparados e obtidos de carnes sãs e de boa quali­dade, um alimento muito nutritivo sob pequeno vo­lume. O seu emprego tem sido extraordinário na ali­mentação e convalescença d'um certo numero de doenças.

Apezar do grande consummo d'estes produclos, alteram-se facilmente, embora bem preparados, e pos­suem todos um sabor e cheiro desagradáveis, algu­mas vezes mesmo repugnante, a ponto de ser necessá­rio addicionar-lhes substancias aromáticas, taes como, rhum, kirsch ou essência de hortelã, o que consti­tue, emfim, ume mistura já pouco agradável a inge­rir por um homem sadio, reduzido pelas circumstan-cias, a este modo de alimentação, e tanto mais re­pugnante para um doente, para quem a necessidade da alimentação constitue, quasi sempre, um sacrifício dos mais penosos.

M. Poincarré mostrou que estes produclos em, virtude das suas propriedades organolepticas, não eram absorvidos pelos cães senão quando estavam para morrer de fome.

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fie,

N'uma these inspirada por M. DujardinUeaumelz, M. L. Robin considera-os como muito nutritivos e de faeil digestão, d'onde concluimos que o seu emprego deve ser conservado.

F) Aves —caça—peixes — crustáceos e mollus-cos —Depois do que fica dito a respeito da carne de açougue, pouco nos resta dizer das restantes carnes que concorram para a alimentação do homem.

Já fizemos a dislincçào, superficial é verdade, entre a carne de talho (carnes vermelhas) e a for­necida pelas aves (carnes brancas) e a caça (carnes negras.

As aves formam uma alimentação agradável e de fácil digestão, excepto o pato e ganso, por sua riqueza em matérias gordas.

A caça é um alimento muito saboroso, ao qual se attribuem propriedades excitantes e aphrodisiacas ; esta alimentação convém ás pessoas de vida activa. Alguns reptis entram também na alimentação do ho­mem.

A carne de peixe constitue um alimento são e agradável ao gosto, sobre tudo, o peixe do mar. Esta carne é sufficientemente rica em principios nutritivos para poder substituir a carne d'açougue.

Os antigos, como Galeno, pensavam que a carne de peixe convinha mais ás pessoas sedentárias, fra­cas ou convalescentes e idosas. As propriedades ex­citantes da carne de peixe são conhecidas da mais remota antiguidade. Heródoto refere que os egypcios prohibiam o uso d'esla carne aos sacerdotes ; e o au-clor da physiologia do gosto diz : o peixe possue uma grande quantidade de hydrogenio e phosphoro, isto é, o que ha de mais combustível na natureza; d'onde se conclue que a ichthyophagia é uma dieta quente, o que poderia legitimar certos encómios dados outr'ora a algumas ordens religiosas, cujo regimen era dire-

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ctamente contrario ao do seu voto, já reputado o mais frágil.

As analyses de Payen mostram que as quanti­dades de azote e carbone que fornece a carne do lúcio e da carpa, approximam-se das fornecidas pela carne de vacca; no salmão e enguia esta proporção é menor, e muito menor ainda no barbo. Certos pei­xes de carne densa, corada e saborosa, mais ou me­nos infiltrada de gordura, formam, com o auxilio de molhos, uma excellente alimentação, mas que, sendo de difflcil digestão, não convém a todos os estôma­gos. A carne de peixe é susceptível de se impregnar, com grande facilidade, de substancia odoríferas e, provavelmente também de productos solúveis- exis­tentes na agua em que vivem.

Payen cita este caso : a agua d'um poço, desde muito tempo impregnada de productos pyrogenicos, provenientes da dislillacão secca de matérias animaes, adquirira, embora a parte solúvel fosse pequena, um cheiro tão pouco sensível, que os cavallos bebiam-n'a sem repugnância, e as carpas e tenças n'ella viviam e desenvolviam-se ; mas apezar d'isso a carne d'es-tes peixes, muito corada d'escuro, tinha não só um cheiro desagradável, mas também um gosto tal, que se não podia comer. Um effeito do mesmo género, ãínda que menos accentuado, se produz nos peixes d'agua doce que, vivendo em aguas estagnadas e li-: mosas das lagoas e tanques, contrahem um cheiro sensivelmente pútrido que obsta ao seu consummo. E' talvez a um phenomeno similhante que devem attri-buir-se as qualidades venenosas que apresentam cer­tos peixes em condicções mal determinadas ; deve-se no entanto dizer que as qualidades venenosas appa-recem sempre nas mesmas espécies.

Entre as causas determinantes d'estas proprie­dades venenosas avulta a exercida pela nutrição de

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que os peixes fazem uso, seja normalmente, seja ac-cidenlalmente : assim os que se nutrem de certas es­pécies de lioloturias, medusas, molluscos, esponjas e monadas. tem muitas vezes determinado accidentes sérios.

Tem-se notado que a ingestão d'ovos de certas espécies de peixes pôde occasionar accidentes gra­ves, algumas vezes morlaes, emquanto que a carne é inoffensiva : estas espécies não podem pois ser co­midas senão em certas edades e épocas do anno, como é por exemplo o barbo, o lúcio, o congro, etc.

O lugar onde o peixe é pescado, assim como o processo empregado para este fim, tem também uma notável influencia.

Os crustáceos e molluscos contribuem em larga escalla para a alimentação, sobretudo nas populações do litoral. Alguns echinodermes, ouriços, holoturias, entram egualmenle na alimentação de populações pobres.

111 —Miúdos dos animaes

O sangue, a quasi totalidade das vísceras tho-racicas e abdominaes, a pelle e o sebo dos différen­tes animaes de açougue constituem o que denominam, restos de animaes. Alguns são ulilisados como ali­mentos.

0 sangue e particularmente o de porco, tem pa­pel importante como substancia alimentar. O sangue de boi, carneiro, veado, não é aproveitado, pelo seu cheiro e sabor desagradáveis ; quanto ao de porco, que tem propriedades antagonistas, é quasi exclusi­vamente empregado no fabrico de chouriços e mor-cellas, ou come-se em natureza depois de cozido,

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O saugue tem um inconveniente grave, é o de se alterar com extrema facilidade e adquirir proprie­dades venenosas que tem causado accidentes mor-taes. Pôde ser o vehiculo de germens perigosos, o carbúnculo, por exemplo.

Ás visceras tem nos açougues o nome de miú­dos : dividem-se em miúdos vermelhos (coração, pul­mões, fígado, baço, (vulgo passarinha) rins e miúdos brancos (cérebro, thymus, lingua, tripas, bexiga e pés).

A) Mhidos vermelhos — Os miúdos vermelhos são pela maior parte substancias alimentares dotadas de propriedades bem nutritivas: o seu sabor e aroma são inferiores ao da carne muscular ; entretanto cer­tos órgãos, o fígado gordo, os rins, formam, bem pre­parados, manjares delicados e procurados.

Coração — 0 coração é de todos os miúdos o que se approxima mais, por sua composição e estru-ctura, da carne muscular. O seu poder nutritivo é considerável pela quantidade de gordura que con­tém. 0 seu valor nutritivo é superior ao venal, por­que ó superior ao d'um peso egual de carne sem osso: dtá um bom caldo; e pelo seu preço pouco elevado, constitue um alimento precioso para as clas­ses pobres.

Fígado — Este é, um dos miúdos mais ricos em substancias alimentares; e entre os productos aná­logos tirados dos outros animaes de açougue, o fí­gado de veado, no estado fresco, é o mais estimado. 0 fígado dos patos, submettidos a engorda, consti­tue, sob o nome de foie gras, um alimento de luxo.

Pulmões ou bofes —Estes órgãos formam um alimento pouco apreciado em razão da sua consistên­cia esponjosa, do seu sabor e cheiro nauseoso.

As suas qualidades nutritivas são incontestáveis; e o seu baixo preço fal-o entrar utilmente na ali-

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mentição do pobre ; consegue-se por meio de tem­peros apropriados dar-lhe um gosto agradável.

• Rins— Da mesma maneira que o fígado estes órgãos possuem avultada proporão de matérias albu­minóides, coaguláveis pelo calôr, de modo que o seu poder nutritivo, é máximo, quando submettido a fraca cozedura.

B) Miúdos brancos — Os miúdos brancos são me­nos nutritivos que os vermelhos e a carne : as pre­parações culinárias a que se submettem, não tem outro fim senão transformar em gelatina, materia pouco assimilável, a maior parte das substancias col-lagenes que contém. Fazemos uma excepção para os miolos em razão da sua composição chimica especial; são ricos em matérias gordas e phosphoro : attribuem-se-lhe propriedades levemente excitantes. Sob o ponto de vista de sua composição immediata podemos ap-proximal-os dos ovos.

IV —Ovos

Os ovos das gallinaceas são os que tem maior gasto, porisso occupar-nos-hemos somente d'estes. Ha uma diíferença notável no volume dos ovos. Nos de gallinhas, pequenas e grandes, a quantidade da clara é quasi egual, mas a quantidade da gemma é mais considerável nas maiores e o peso da casca superior nas pequenas. A alimentação suppõe-se ter alguma influencia sobre estes factos e diz-se que a cevada augmenta o volume da gemma, emquanto que o pen­teio, o da clara. 0 peso médio d'um ovo de gallinha é de 50 a 60 grammas.

A nutrição exerce também influencia sobre o gosto dos ovos; assim os que provém de gallinhas

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nutridas com grãos, são mais saborosos que os das que se nutrem d'hervas ; o cheiro de certas plantas aromáticas communica-se aos ovos d'um modo muito accentuado ; e acontece o mesmo com relação ao cheiro e sabor desagradáveis que adquirem os ovos de gallinhas nutridas com larvas ou vermes. Algu­mas vezes, os ovos são quasi desprovidos de casca, isto observa-se nos que provém de gallinhas muito gordas e é sempre indicio d'uma alimentação pobre em saes calcareos.

A casca do ovo é constituida por uma mistura de carbonato e phosphato de cal, de carbonato de magnesia, d'oxido de ferro e d'uma substancia orgâ­nica que contém enxofre. A clara é quasi exclusiva­mente formada por albumina ; encontram-se ahi tam­bém alguns gazes, como acido carbónico e saes am-moniacaes voláteis. Na gemma predominam princí­pios gordos.

Das analyses feitas na clara e gemina se de-prehende o seu valor nutritivo

As matérias albuminóides, gordas, hydrocarbo-nadas e saes mineraes existem no ovo nas mesmas proporções que no sangue ; cada um d'estes princí­pios alimentares primordiaes n'elle representa, quasi como para o leite, o typo d'um alimento completo. A a'bumina encontra-se em quantidade quasi tão grande como na carne de boi, e as gorduras em maior ci­fra ; o ovo fornece ao tecido ósseo e nervoso os ali­mentos necessários • para a sua constituição, pelos phosphatos terrosos e licithina que contém.

A digestão dos ovos é maxima quando se co­mem crus ou levemente cosidos. A coagulação das matérias albuminóides, e principalmente da albumina da clara, diminue d'um modo notável a acção que sobre ella tem os suecos digestivos: e esta acção é tanto mais longa e diflicil quanto a solidificação da

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albumina é mais perfeita : a coagulação da gemma não determina os mesmos phenomenos ; os suecos digestivos tem sobre ella a mesma acção, quer crua, quer coagulada.

Os ovos crus, constituem, em razão de suas qualidades reparadoras, e de sua fácil digestão, um alimento por excellencia para os convalescentes, so­bre tudo para os que manifestam perturbações gastro inteslinaes.

Uma excellente preparação sob este ponto de vista é a dos ovos quentes porque a divisão e mis­tura intima dos alimentos da gemma com os da clara fazem com que a albumina se preste mais á acção dos suecos digestivos.

Os ovos quando expostos ao ar, deixam evapo­rar atravez de1 sua casca uma certa quantidade d'a-gua, e ao fim de poucos dias nota-se haver n'elles, collocando-os entre o olho e uma luz, um espaço va-sio d'escuro aspecto, operação que permitte distin­guir os ovos estragados dos sãos. A camará d'ar occupa nos ovos frescos um espaço pequeno; assim, quando se mergulham rapidamente em agua ferven­te, a casca fende-se, o que não acontece com os ovos d'alguns dias, nos quaes o espaço vasio é suffleiente para permittir uma compressão do gaz capaz de im­pedir a roptura da casca por dilatação do liquido in­terno.

Uma propriedade muito interessante dos ovos, sob o ponto de vista hygienico, é a porosidade da sua casca. Durante a cocção dos ovos, a agua em que estão mergulhados dissolve uma pequena quantidade d'albuminae de substancias solúveis que passam atra­vez da casca ; estabelece-se assim uma corrente de en­dosmose e exosmose que permitte aos compostos em dissolução na agua penetrar no interior dos ovos, misturando-se ahi com as substancias alimentares.

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Todo o mundo sabe que ovos cosidos em agua, carregada de principios aromáticos, adquirem um cheiro mais ou menos forte; e poderia mesmo ser perigoso comer ovos cozidos em agua com substan­cias toxicas em dissolução.

A porosidade da casca tem sido invocada para explicar o mecanismo da alteração expontânea dos ovos, quer se conservem ao ar livre, quer se empre­guem outros meios de os guardar.

A experiência de todos os dias ensina-nos, que, ovos perfeitamente sãos em apparencia, sem nenhuma lesão da casca, acabam algumas vezes por se putrefa­zerem dando o cheiro bem característico d'ovos po­dres. Outros, collocados nas mesmas condicções, con-servam-se bem, mesmo nos grandes calores do es­tio, durante muitos dias, e mesmo semanas, sem sof-frerem outra modificação que não seja a d'uma disse­cação apparente do seu conteúdo. 0 conteúdo dos ovos putrefactos examinado ao microscópio apresenta-se cheio de bactérias cujas portas d'entrada foram os poros.

V — Leite

Se fosse possivel fazer uma classificação racional dos alimentos, seria pelo leite que deveria principiar o estudo.

Destinado a prover a todas as necessidades dos mammiferos de tenra edade, desde que nascem até que adquirem força para procurar por si alimento, o leite deve, com efeito, conter todos os alimentos primor-diaes que são necessários para o entretenimento das funcções e para um rápido crescimento dos tecidos. Em nenhum alimento se encontram, em tão perfeitas

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proporções, os princípios azotados, hydrocarbonados, corpos gordos e saes mineraes.

A mistura mesmo dos saes mineraes é uma ma­ravilhosa reunião, capaz de prover á formação dos tecidos e de todos os humores.

Phosphatos alcalinos e terrosos destinados á ela­boração dos ossos ; saes de potassa para os músculos 6 glóbulos do sangue ; saes de soda para o soro san-guineo e outros humores ; corpos simples taes como o fluor, o manganez, o ferro, não existindo senão em pequeníssimas proporções mais ou menos accen-tuadas em certos tecidos, mas indispensáveis para sua integridade e perfeição ; todas estas substancias, simples ou complexas, se encontram no leite e justi­ficam a denominação^ de alimento typo, d'alimento completo, que se lhe dá.

0 leite, attendendo a que serve de alimento aos novos mammiferos, é um alimento completo, pode­mos mesmo dizer que réalisa a perfeição do alimento. Mas um alimento não pôde ser considerado d'um modo absoluto, e se satisfaz aos mammiferos de tenra edade, não aconlece o mesmo para com os adultos.

0 leite é sufflcieutemente capaz de conservar a vida chim individuo durante muito tempo, mas este regimen exclusivo dá-se somente com um individuo doente, convalescente n'uma palavra; com um indi­viduo cuja vida está reduzida ao minimo. A menor actividade, seja cerebral, seja physica sobretudo, é absolutamente incompatível com o regimen lácteo exclusivo. Por maiores que tenham sido os progres­sos da sciencia, os methodos d'analyse biológica não nos explicam satisfatoriamente, porque o leite d'uma espécie animal réalisa o typo mais perfeito do ali­mento para os animaes da sua espécie.

Simon demonstrou que o estômago de cada mammifero é mais apto que nenhum outro para co-

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agular o leite da sua espécie. Filhol e Joly confirma­ram isto mesmo pelo que respeita à digestão dos lei­tes d'origem différente. O facto é absolutamente certo ; e hoje 6 um facto conhecido de todos que, o leite de mulher para a creança é incomparavelmente supe­rior ao doutra origem animal.

Composição chimica do leite — 0 leite é, ao mesmo tempo, uma solução, mas sobretudo urna emulsão de gordura, de caseína e de certos saes mineraes, entre os quaes predomina o phosphalo de cal. Se reco­lhermos leite n'um tubo antecedentemente estereli-sado, com todas as precauções necessárias para im­pedir a entrada de todo o gérmen, vè-se, passado tempo, o leite separado em quatro camadas sem sof-frer a menor alteração.

A camada inferior, a mais densa e ao mesmo tempo a mais delgada, é formada por um deposito de phosphato tribasico de cal; a segunda é consti­tuída por um liquido que tem em suspensão um pre­cipitado granuloso, excessivamente fino, de caseína solida; a terceira é um liquido opalescente contendo caseína em solução; emfim a camada superior é for­mada quasi na totalidade por glóbulos butyricos.

Esta constituição physica explica até certo modo, a facilidade com que o leite é atacado pelos suecos diges­tivos e a perfeição quasi completa da sua assimilação.

A composição chimica do leite de différentes proveniências varia, de resto, d'uma maneira notá­vel segundo o regimen alimentar, segnudo o estado de mais ou menos saúde ; e sobretudo, segundo o methodo d'analyse. 0 leite contém muitos fermen­tos de que Duclaux fez um estudo muito completo, alguns existem no leite, outros, vem do exterior. Di-videm-se em aeróbios e anaeróbios.

0 seu estudo, se bem que interessante, não cabe nos limites d'esté trabalho.

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O leite dá origem a productos de transformação muito importantes sob o ponto de vista alimentar, e sobre os quaes fallaremos : a manteiga e o queijo.

A. manteiga é um producto de transformação do creme, que se separa rapidamente quando se aban­dona o leite a si mesmo n'uni logar fresco.

0 queijo resulta da coagulação da caseina e da sua transformação mais ou menos profunda debaixo da influencia dos fermentos já mencionados. Sob es­tas duas modificações, e no estado natural, o leite tem uma parte considerável na alimentação de todos os habitantes do globo : fornece quasi a única fonte de materia azotada, d'origem animal, em certos pai-zes pobres.

0 leite de vacca, o mais vulgar, não é o único que entra na alimentação ; hoje gastam-se em grande escalla o de cabra e o de jumenta.

M. Féry, n'um notável e consciencioso estudo, fornece documentos muito interessantes acerca do leite de mulher, jumenta, vacca e cabra.

As conclusões a que chegou por numerosas ana­lyses comparativas, effectuadas cora escrupuloso cui­dado, mostram que existe uma diferença entre es­tes leites, não somente pelo que respeita á quanti­dade dos elementos dosados, mas ainda sob o ponto de vista das propriedades especiaes d'alguns.

Assim, pelo que diz respeito á caseina, não so­mente a proporção varia 10 gr. por litro, para o leite de mulher, 12 gr. para o de jumenta, 30 gr. para o de vacca, e 40 gr. para o de cabra, mas também o estado em que ella se encontra, não é o mesmo.

Henri Ferry refere sobre este assumpto a expe­riência seguinte :

Em quatro tubos d'ensaio lança 10 cent, cúbicos lie leile de cabra, vacca, jumenta e mulher, deita

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depois em cada um dos tubos uma gotta d'aeido acé­tico e colloca as misturas n'uma estufa a 38.° Em quatro outros tubos lança as mesmas quantidades de leite, ás quaes junta, uma gotta de fermento liquido e colloca as misturas nas mesmas condições.

Ao fim d'hora e meia notam-se os seguintes re­sultados. 0 leite de cabra e vacca forma no tubo em que existe fermento, uma massa compacta; pódem-se voltar os tubos, sem que corra uma gotta liquida; nos tubos onde havia acido acético, a massa coagu­lada, em logar de occupar todo o liquido fluctua so­bre uma camada de soro. 0 leite de jumenta apre­senta leves flocos de caseína, no tubo cora acido acé­tico; a coagulação é um pouco mais pronunciada no outro tubo, a manteiga sobrenada no liquido : a coa­gulação é de resto bem manifesta.

0 leite de mulher apresenta o aspecto seguinte : uma camada gordurosa, misturada com uma peque­níssima quantidade de flocos de caseina, sobrenada no liquido contido no tubo que tem acido acético; o aspecto no outro, é idêntico, sendo os glóbulos de caseina mais abundantes.

A differença existente entre as quantidades de caseina, contida no leite, não basta para explicar estas differenças ; porque, diluindo o leite de vacca n'um ou dois volumes d'agua egual ao seu, a pro­porção da caseina desce a 15 e 10 grammas por li­tro, e apezar d'isso, notam-se, coagulações manifes­tas, e em massas compactas.

0 estado em que se encontra a materia gorda varia também : o leite de jumenta, além da diffe­rença de côr, tem a curiosa particularidade de ficar, durante mezes inteiros, n'um estado semi-liquido.

D'estas experiências conclue-se que, no leite de mulher, a caseina existe n'um estado particular, que facilitei, a sua digestão no estômago da creança.

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O leite que, pela natureza da sua caseína, se approxiraa mais do da mulher, é o da jumenta. Creanças alimentadas com este leite comíirmam de sobejo as experiências de laboratório. Devemos atten-der também á proporção dos saes mineraes contidos no leite, tanto pelo que respeita á alimentação do novo ser, como da mãe ; as differenças são conside­ráveis : são em menor quantidade na mulher, maior na jumenta, cabra, e sobretudo na vacca. A rapidez de crescimento do. novo animal, a massa d'esque-leto, que é necessário denenvolver, são, evidente­mente, as principaes cauzas que influem na produc-ção dos alimentos mineraes.

A composição do leite varia segundo um grande numero de circumstanrias, mas mais particularmente, segundo a região habitada pelos animaes, e seu modo de alimentação. A edade, segundo Yernois e Beque-rel, não tem influencia sensível sobre a composição do leite.

As vaccas nutridas no curral dão leite mais rico em lactose, mas contendo menos manteiga e maté­rias fixas. A composição do leite varia ainda com as différentes horas do dia : a quantidade de manteiga cresce desde pela manhã até ao meio dia, chegando mesmo a attingir o duplo da que contém de tarde.

Pelo que respeita á influencia exercida pela ali­mentação, nota-se que sendo esta abundante augmenta notavelmente a proporção de manteiga, emquantoque o assucar e caseína ficam constantes. Os alimentos ricos em azote, augmenlam muito a quantidade do leite e tornam*n'o mais-rico em corpos gordos. A producção do leite diminue por qualquer mudança na alimentação.

A ingestão de certas plantas communica ao leite propriedades desagradáveis e até mesmo prejudiciaes.

A composição chimica do leite das vaccas atta-cadas de doenças, sofre modificações ainda pouco

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conhecidas, se bem que muito importantes sob o ponto de vista da hygiene. As analyses feitas sob este ponto de vista não nos dão indicações precisas sob a qualidade do leite dos animaes doentes. Toda­via, na falta de experiências concludentes, a simples prudência, manda banir taes productos da alimen­tação.

A castração feita na vacca no estado de saúde não altera o leite, fica pobre ou rico como antes. A quantidade de caseina fica quasi normal; a lactose soffre alteração para mais ou para menos. A quanti­dade do leite também não soffre alteração conside­rável, e as vaccas continuam a produzil-o durante bastante tempo. Emfim o leite das vaccas castradas possue um sabor mais agradável do que o das que o não são.

VI —Manteiga

Esta produccão desempenha grande papel na ali­mentação; é d'ella que se servem algumas popula­ções pobres, para complemento da alimentação ve­getal, muito pobre em matérias gordas. E', depois da carne a substancia alimentar, proveniente de ani­maes, que tem maior valor e importância; é um ali­mento de grande consumo, devido á sua reputação universal, adquirida pela superioridade de certos pro­ductos. A manteiga representa, com effeito, a totali­dade das gorduras contidas no leite ; encerra além disso, certa proporção de caseina coagulada, em me­nor ou maior quantidade, segundo o processo de pre­paração, alguma agua interposta, lactose e princí­pios aromáticos.

A riqueza do leite em materia gorda e a com-

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posição d'esta variam com a rapa, natureza da pas­tagem e mesmo segundo cada individuo.

A materia gorda em suspensão no leite sepa­rate mais ou menos completamente pelo repouso a uma temperatura suave, e segundo certas condicções physicas que nos não merecem interesse : esta mate­ria gorda misturada ainda com outros elementos do leite, chama-se creme.

Em virtude de condicções variáveis, a riqueza do creme em manteiga, varia muito : assim encon-tram-se cremes que dão 18 °/0 de manteiga, depois de batido o leite, e outros 70 0/°.

A experiência mostra ainda que os quatro quin­tos, somente, de matérias gordas contidas no leite, se encontram no creme ; e que, nas condicções or­dinárias, 100 partes de leite destinado á preparação da manteiga, fornecem 8 partes de creme, 90 par­les de leite desnatado, e 2 % perdidos por evapo­ração.

A composição centesimal do creme é composta de 58,63 d'agua; 35,0 materia gorda, caseina 2,75, lactose 3,12, cinzas 0,50. Umproducto que tenha uma composição análoga a esla, não pôde conservar-se por muito tempo ao ar livre sem ser impregnado de vegetações cryptogamicas Os micro-organismos, de que falíamos no leite, operam aqui também a decom­posição do creme em productos odoríferos e saborosos que o tornam impróprio para qualquer gasto. Os ger­mens d'estes micro-organismos são abundantíssimos rias queijeiras, de modo que a sua acção damnosa só se evita conservando o creme em lugar fresco ou separando immediatamente a manteiga. Por maiores cuidados que haja, a manteiga contém sempre sub­stancias facilmente alteráveis, mesmo nas que são muitas vezes lavadas com agua. A fusão seria o único processo de separar a agua, caseina e corpos extra-

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nhos, mas esta pratica priva a manteiga do seu aroma por volatilisação. A manteiga, depois de batida, en­globa no seu interior os germens dos micro-organis-mos, que apezar de não terem terreno favoral, com-tudo evolvem e dão origem ao valerianate, butyrato e acetato d'ammoniaco que commiinicam á manteiga, directamente ou por meio dos ácidos postos em li­berdade, o cheiro característico da manteiga rançosa.

Tem-se pretendido impedir as alterações da man­teiga pela addição de productos antisepticos, taes como boro, acido bórico, acido oxalico etc; mas estes processos não attingem o fim que se tem em vista porque não actuam indistinctamente, nem com egual energia, sobre todos os fermentos.

Por sua constituição physica, pela presença de caseina e agua interposta, e também devido á pre­sença de germens das mucedineas, que tem a pro­priedade de saponificar as gorduras, é que a man­teiga fornece ao organismo um alimento de fácil di­gestão, e em que toda a materia gorda é ulilisada.

Sabe-se que os corpos gordos liquefeitos primeiro no estômago, são em seguida emulsionados no intes­tino delgado pelo sueco pancreatico, assim como pela biiis e saes biliares. Esta emulsão e saponifleação con­secutiva effectua-se tanto mais facilmente, quanto os ácidos gordos são mais solúveis. Por outro lado está também demonstrado que um corpo gordo, liquido, encerrando um pouco d'acido livre, emulsiona-se fa­cilmente sem necessidade da mistura intima com uma solução alcalina : n'este caso está a manteiga quando fresca porque encerra n'este estado 10 a 25 centigr. por kilo d'acido volatil.

Por tudo isto se vê que a manteiga constitue o mais atacavel e mais digestivel dos alimentos gor­dos, e sob este ponto de vista nenhum outro corpo se lhe pôde comparar.

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VII —Quei jo

O queijo é um alimento rico em azote, que se obtém com leite d'um certo numero de animaes ; e mais especialmente com o de vacca, ovelha e cabra. E' constituído por caseina misturada a uma certa porção de gordura e saes arrastados na coagula­ção. A preparação d'estes productos é antiquíssima. A importância do queijo, como substancia alimentar depende não somente da riqueza em matérias nu­tritivas, mas também de que, os différentes modos de preparação, fazem d'estes productos, alimentos variados d'um gosto excellente, permittindo a in­gestão d'uma grande quantidade de pão, qualidades apreciáveis para as classes operarias que precisam fazer economias na alimentação.

0 fabrico do queijo permitte, além d'isso, nos paizes ricos em pastagens, gastar uma grande quan­tidade de leite, que se não poderia consumir n'esses lugares e que, sendo no estado natural muito alterá­vel para se conservar, muito volumoso e muito pe­sado para que se podesse transportar a grandes distancias, teria de perder-se senão fora este em­prego.

Os queijos dizem-se magros ou gordos segundo provém de leite a, que se tirou ou não o creme. Esta denominação não é rigorosa visto que a ex­tracção do creme ao leite não o priva do toda a gordura.

Dividem-se ainda os queijos em cosidos que, são de longa duração ; queijos crus, de massa firme ; queijos molles, salgados, d'uma conservação mais ou menos longa ; e queijos molles frescos que se devem comer quasi immediatamente.

Os queijos cozidos são fabricados com leite de

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vacca ; os principaes são os de Gruyère, de Parme­san e de Bresse.

Os crûs fahricam-se já com leite de vacca, já com o de ovelha e cabra como é o Roquefort, que tem um representante de primeira qualidade em Por­tugal, fabrica-se na Beira Baixa districto de Castello Branco, conhecido por, queijo da serra.

Temos ainda os queijos molles frescos que se fabricam sobretudo com leite de vacca e cabra, muito vulgares entre nós. A coagulaçfio do leite obtem-se, em todos os casos, pela addição da coalheira (1).

Escolhe-se de preferencia a coalheira do vitello ; raspa-se a face mucosa, de modo a tirar-lhe a ca­mada superficial e os grumos de leite coagulado, de que está coberta ; depois junta-se sal ao producto d'esta raspagem, e secca-se ; para se empregar dei-xa-se macerar em agua avinagrada, ou melhor ainda, em leite azedo. Uma colher de liquido assim obtido basta para coagular 10 a 25 litros de leite.

Os estômagos de mammiferos novos ainda em lactação contém só coalheira, isto é, a diastase ca­paz somente de provocar, á temperatura convenien­te, a coagulação do leite, mas incapaz d'outra mo­dificação. A' medida que o animal avança em edade, e muda de alimentação, nota-se o desapparecimento da coalheira que dá lugar á pepsina ; e finalmente não se encontra mais que pepsina nas glândulas da mu­cosa estomacal mesmo nos seres que no estado adulto tem regimen lacleo.

Este facto dá a razão porque não é indifférente á escolha do fermento para o fabrico do queijo ; uma diastase mais activa que a coalheira é capaz de de­terminar mais profunda metamorphose na caseína,

(1) Chama-se assim ao quarto est imago dos ruminan­tes que ainda mammam e de que se im para coalhar o leite.

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que a sua simples coagulação, podendo compromet­te!' o trabalho de preparação do queijo e até deter­minar, n'este alimento, a preseuça de productos tó­xicos, do grupo das ptomainas, como os que se ori­ginam nas carnes em putrefação.

M. Duclaux em seus trabalhos sobre o queijo, e manteiga, levou as suas pesquizas até ás modifica­ções soíMdas pela caseína durante a maturação do queijo; e demonstrou não haver differença entre as transformações soffridas pela manteiga e caseina.

Os micróbios produzem, á custa da caseina, com­postos ammoniacaes que tornam a massa alcalina ; d'onde resulta uma saponilicação que põe em liber­dade a glycerina, transformada a seu turno, e ácidos gordos que, saturando o ammoniaco á medida que se forma, permittem continuar, sem interrupção, a acção dos micro-organismos.

Pelo que respeita á materia gorda, esta experi­menta uma modificação que a converte n'um com­posto resinoide, solúvel no alcool, petróleo, sulfureto de carbone, essência de therebentina ; que se tume-faz e torna gelatinoso em presença da potassa con­centrada, e pouco e pouco se dissolve n'ella diluída, formando uma verdadeira resina. Esta substancia ab­sorve rapidamente o oxigénio do ar, sob a influen­cia da luz solar; e, pelo contacto prolongado com a massa alcalina do queijo, transforma-se completa­mente numa massa amarella solúvel na agua.

Duclaux considera este processo como a princi­pal via de regressão das matérias gordas, permit-tindo a transformação d'estes compostos em produ­ctos solúveis na agua, e representando, muito pro­vavelmente, um papel importante na assimillação.

Voltemos aos phenomenos que se dão na matu­ração do queijo.

Depois da coagulação da caseina, fraguemen-

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ta-se esta e deixa-se escorrer para a separar do so­ro, sendo sempre necessária a pressão para haver urna perfeita separação do soro.

A maturação do queijo é o desenvolvimento de metamorphoses que transformam pouco a pouco a caseina em substancias solúveis.

Dá em primeiro lugar, sob a acção de diastases segregadas pelos microorganismos contidos no leite e arrastados no coagulo, um producto de composição análoga á sua, peptona-caseina, solúvel na agua.

A estes compostos assimiláveis reunem-se novos derivados, attestando um desdobramento mais ou menos profundo da mollecula albuminóide, indo desde estes productos incristalisaveis, mal definidos, cha­mados matérias extractivas, misturados com compos­tos amidonados, menos complexos, taes como leucina e tyrosina, até aos saes ammoniacaes d'acidos gordos, voláteis, e mesmo ao carbonato d'ammoniaco, termo ultimo e o mais simples d 'estas transformações : estas substancias, se bem que não gosam de propriedades assimiláveis, merecem todavia fixar a nossa attenção; constituem poderosos estimulantes das funcções di­gestivas e gosam, na alimentação, um papel pelo menos tão importante como os condimentos.

Além da acção estimulante d'estes princípios de­vemos attender á grande quantidade de fermentos contidos no queijo, e cuja acção, vem juntar-se á das matérias extractivas dos compostos amidonados e dos saes ammonicaes, para activar a digestão.

0 emprego do queijo á sobremesa não é somente uma satisfação gastronómica, mas uma pratica das mais recommendaveis, sob o ponto de vista da esti­mulação impressa ás funcções digestivas.

As différentes espécies de queijos diíTerem entre si pela natureza e proporção dos différentes compos­tos de que acabamos de fallar.

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No gruyère, segundo Hochard por exemplo, no-ta-se a existência quasi exclusiva da peptona-caseina misturada com pequena porção de caseina ainda in­tacta.

Nos queijos que soífreram uma fermentação mais ou menos profunda, predominam os productos de transformação do grupo das matérias extractivas dos compostos amidonados, e dos saes amraoniacaes d'ácidos gordos voláteis. N'outros queijos encon-tram-se as duas espécies de productos misturados em proporções quasi eguaes. E' de fácil comprehen-são que, em todos os casos, ura queijo qualquer pôde mudar de typo, segundo estão mais ou menos avan­çadas as modificações, que deve sotfrer para chegar ao estado perfeito.

Assim o gosto e o aroma de cada espécie de queijo varia consideravelmente com a maturação. Os productos que se formam durante este trabalho são até dotados d'uma tal acção, sobre os órgãos do gosto e olfacto, que podem tornar o queijo impróprio para ser comido se se encontram em proporção exa­gerada; e como a sua producção continua, é evidente que existe, para cada espécie de queijo, um grau exacto de maturação, muito conhecido e apreciado pelos amadores, antes ou depois do qual, este ali­mento, não possue as qualidades gustativas que se requerem no seu consummo.

E' pois importante que se a fermentação, que amadurece o queijo, não deve ser levada muito longe, devendo marchar com certa lentidão, não é menos indispensável que esta maturação se faça sempre com as mesmas espécies de micro-organis-mos.

Da leitura de analyses sobre as différentes espé­cies de queijo, conclue-se que o de Parmesan, que contém quasi metade do seu peso de substancias azo-

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tadas, e quasi o sexto de matérias gordas, constitue um alimento muito rico em princípios nutritivos.

Consome-se em grande escala na Italia misturado com macarrão, e sob esta forma fornece um alimento quasi perfeito em rasão da reunião, em proporções consideráveis, dos três grupos de princípios alimen­tares primordiaes, hydrocarbonados, fornecidos pelo macarrão, substancias azotadas de natureza proteica, e matérias gordas, fornecidas pelo queijo.

As outras espécies de queijo contem egualmente, mas em menor escala, os mesmos princípios, pelo que, concluímos, que o queijo é um bom alimento.

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PROPOSIÇÕES

Anatomia—Tendo em vista a distribuição do nervo intermediário de Wrisberg,

P n y s l o l o g i a — Pode sustentar-se que preside á faculdade gustativa.

M a t e r i a m e d i c a — Para applicação dos medica­mentos, o methodo d'ingestâo leva vantagens aou outros.

O p e r a ç õ e s — Como meio d'exploraçâo dos apertos da urethra, reprovo o emprego das sondas metallicas.

P a t h o l o g i a e x t e r n a — Nenhum tratamento das doenças das vias urinarias é efficaz sem antisepsia rigorosa.

P a t n o l o g i a i n f e r n a — A pigmentação, na doença d'Addisson, reconhece como causa primaria, uma pertur­bação funccional da porção abdominal do nervo grande sympathico.

P a r t o » — Não ha dados scientificos que provem a regularidade do parto.

P a t h o l o g i a g e r a l — Os ruidoa de sopro das veias jugulares não são característicos da anemia.

A n a t o m i a p a t h o l u g l c a — Na tuberculose o tu­bérculo é caracterisado pela digenerecencia vitreo-caseosa.

M e d i c i n a l e g a i — A docimasia pulmunar é o meio mais precioso de investigação em questões d infanticídio.

APPRO VADA P Ô D E IMPRIMIR-SE

Ví< O director,

D. Lebre. Visconde d'Oliveira.