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LIVRO debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras.
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Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza
Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras
Organizado por:
João Roberto Lopes Pinto
Brasília 1a edição
2012
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Organizado por João Roberto Lopes Pinto
Brasília, 1a edição, 2012.
ISBN 978-85-88232-05-1
Ambientalização dos Bancos e Financeirização
da Natureza - Um debate sobre a política ambiental do BNDES
e a responsabilização das Instituições Financeiras
1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
2. Salvaguardas socioambientais 3. Financeirização da natureza
4. Ambientalização das Instituições Financeiras
5. Violações de Direitos Humanos
6. Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Edição: Patrícia Bonilha
Revisão: Daniela Lima
Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - [email protected]
Apoio:
Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza
Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras
Organizado por:
João Roberto Lopes Pinto
Brasília 1a edição
2012
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Contexto Internacional
Contexto Territorial
SUMÁRIOApresentação - Coordenação RB
Introdução - João Roberto Lopes Pinto
BNDES e violações de direitos - Marilda Teles Maracci
Ambientalização dos bancos: da crítica reformista à crítica contestatária - Fabrina Furtado e Gabriel Strautman
Banco Mundial: um exemplo para o BNDES? - Lucia Ortiz
A responsabilidade do BNDES pelas violações de direitos humanos - Jadir de Anunciação de Brito
Considerações e Recomendações - João Roberto Lopes Pinto
A história se repete como farsa - Diana Aguiar
BNDES e violações de direitos: fichário dos casos - Marilda Teles Maracci
Caso TKCSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico
Caso UHE Belo Monte
Caso UHE Santo Antônio e UHE Jirau
Caso Veracel Celulose
Caso Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016)
Caso Vale Moçambique
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75
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6
O Estado brasileiro tem financiado a destruição da natureza: impactos em suas populações
7
ApresentaçãoCoordenação Nacional da Rede Brasil*
Teles Maracci, aprofundadas em um fichário apresentado no
final da publicação, colocam em xeque a abordagem da política
socioambiental do BNDES.
As contradições do modelo de desenvolvimento, promovido
pelas IFMs e defendido pelo Estado brasileiro, capturado pelas
corporações que compõem os blocos hegemônicos de poder no
cenário nacional, são abordadas nos textos de Fabrina Furtado e
Gabriel Strautman, ex-secretários executivos, e por Lúcia Ortiz e
João Roberto Lopes Pinto, membros da Coordenação Nacional
da Rede Brasil. Estes autores explicitam as semelhanças das
políticas socioambientais em desenvolvimento pelo BNDES
vis-à-vis o processo de ambientalização do financiamento ao
desenvolvimento acompanhado de estratégias de financeirização
da natureza promovidas pelo Banco Mundial.
Na sequência, o estudo aponta perspectivas baseadas em uma
estratégia política de abordagem jurídica sobre a responsabilidade
subsidiária dos agentes financeiros, apresentada por Jadir Brito,
e apresenta recomendações para a atuação da Rede Brasil e dos
movimentos sociais que, de forma mais ampla, convergem para
uma maior e necessária incidência da sociedade organizada sobre
o BNDES e os rumos de desenvolvimento do país.
O texto complementar de Diana Aguiar apresenta uma análise do
contexto internacional de fortalecimento e reconfiguração das IFMs
no período pós-crise financeira de 2008. Fruto de um projeto apoiado
pela Fundação C.S. Mott, este artigo integra a proposta da Rede Brasil
de atualizar-se sobre o novo papel das IFMs e a atuação do G20.
Como parte do processo de incidir sobre o tema do
financiamento ao desenvolvimento e, especialmente, sobre
o BNDES, a Rede Brasil participou de debates regionais,
organizou oficinas e publicou duas revistas Contra Corrente
Com um acúmulo de quase duas décadas na articulação e
luta contra-hegemônica no campo do monitoramento
crítico das Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), a
Rede Brasil apresenta esta publicação com o objetivo de contribuir
para o debate sobre a atuação e as políticas socioambientais
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). Outro propósito que se busca alcançar aqui é a
valorização das experiências de resistência nos territórios,
desenvolvidas pelas organizações-membros e pelas parceiras da
Rede, diante de projetos e políticas destas instituições.
Desafiada a aportar na análise sobre as salvaguardas
socioambientais do BNDES, como estratégia potencial de controle
social de um dos maiores bancos públicos de desenvolvimento
do mundo, a Rede Brasil desenvolveu este estudo com o apoio
financeiro da articulação de fundações CLUA (Climate and
Land Use Alliance). Aliando conhecimentos e a expertise de
pesquisadores de diversas áreas, a Rede buscou fortalecer o
debate interno, apresentado aqui por ex-secretários executivos
e membros da sua Coordenação, articulado ao acúmulo de
redes parceiras, como a Plataforma BNDES e a Rede Brasileira
de Integração dos Povos (Rebrip), e à valiosa colaboração
acadêmica de especialistas na área jurídica e de análise de
conflitos socioambientais. São textos autorais que não expressam
necessariamente o posicionamento da Rede Brasil, mas que
convergem e contribuem para as conclusões e recomendações
deste processo de debates empreendido pela Rede.
O primeiro artigo é fundamentado em casos concretos que
explicitam os impactos socioambientais e as violações de direitos
humanos de projetos financiados pelo BNDES, tanto dentro
como fora do Brasil. As evidências elencadas no texto de Marilda
8
com os temas da ambientalização do financiamento e da
financeirização da natureza. Nesse contexto, merece destaque a
oficina “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES:
Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”.
Realizada em Rio Branco, no Acre, em outubro de 2011, esta atividade
foi promovida com o apoio do Fórum da Amazônia Ocidental
(Faoc), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação
Popular (CDDHEP), da CLUA e da Fundação Heinrich Boell.
Antecipada por visitas a campo, a oficina priorizou os
testemunhos de organizações, pesquisadores, trabalhadores e
trabalhadoras das diversas regiões da Amazônia. A partir dessa
perspectiva, o debate abordou, principalmente, o distanciamento
entre os anseios e propostas populares para a sustentabilidade
na Amazônia e a real possibilidade de resguardo de direitos
diante da implementação de projetos definidos pelas políticas
de aceleração do crescimento econômico, financiadas pelos
bancos de desenvolvimento. Esta oficina também trouxe à tona o
questionamento sobre a efetividade da estratégia de salvaguardas,
especialmente quando são definidas pelas instituições financeiras,
sem adequadas condições de participação e controle social e de
respeito e incorporação das visões locais de desenvolvimento.
A Rede Brasil, com base de definições de suas Assembleias de
2007, 2010 e 2012, como membro fundador da Plataforma BNDES
e integrante do Grupo Operativo desta articulação, decidiu
focar sua contribuição nas estratégias de responsabilização do
BNDES. Neste sentido, ancora-se em sua própria experiência
no monitoramento crítico das políticas e salvaguardas
socioambientais das IFMs, na articulação regional e internacional
com organizações sociais e redes parceiras para a denúncia dos
impactos da atuação nacional e internacional do BNDES e no
papel deste Banco e das IFMs na geração de dívidas e violações
de direitos sociais e ambientais na implementação de projetos
relacionados à infraestrutura e aos megaeventos esportivos.
A tese da responsabilização subsidiária do BNDES, fortalecida
nos debates realizados na IX Assembleia Geral da Rede Brasil, que
contou com a presença do Ministério Público Estadual do Pará,
além dos pesquisadores desta publicação, é defendida aqui a partir
de todo este acúmulo e dos diversos ângulos de análise brindados
pelos autores. Ela também é reforçada em um contexto em que as
estratégias e políticas socioambientais das instituições financeiras,
longe de garantir os direitos das populações ou reconhecer
os direitos da natureza, representam novas formas de impor a
velha ideologia neoliberal e implementar, ao mesmo tempo que
mascarar, um novo ciclo de acumulação do capital. Tendo como
base o aprofundamento da apropriação dos espaços e serviços
públicos, este ciclo também se fundamenta na financeirização
dos bens comuns e da vida num sentido mais amplo.
Neste momento de reconfiguração da economia, as mesmas
instituições financeiras geradoras das crises se fortalecem,
apresentando-se como uma “solução”, a ponto de lograrem
em substituir a política e os direitos por suas condicionantes e
salvaguardas. Enquanto atuam para garantir privatizações, demissões
massivas, redução dos benefícios e perda dos direitos conquistados
pelos trabalhadores no Norte Global, avançam, no Sul, suas políticas
de privatização da gestão ambiental e de apropriação do intangível.
Através de reformas políticas e novas leis, permite-se classificar os
componentes da natureza como “capital natural” para que os bancos
e as corporações os transformem em títulos financeiros que podem
ser especulados em bolsas de valores.
É, portanto, mais do que nunca necessário rever os velhos
discursos e formas de atuação das instituições financeiras e
fortalecer a resistência e a mobilização social no questionamento
do papel do Estado no atual modelo de desenvolvimento.
Esperamos que as diversas contribuições deste estudo aportem na
reflexão das organizações, redes e movimentos sociais para além
do âmbito da Rede Brasil e animem ações da Plataforma BNDES
no controle social e redirecionamento de um dos maiores bancos
públicos na busca por justiça econômica, social e ambiental.
* A partir de 17 de agosto de 2012, data de encerramento da IX Assembleia Geral da Rede Brasil, a sua Coordenação Nacional passou a ser composta das seguintes organizações: Amigos da Terra Brasil, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará e Instituto Mais Democracia. No entanto, é importante ressaltar que esta publicação foi concebida e produzida pela Coordenação anterior, composta por: Amigos da Terra Brasil, Centro de Pesquisa e Assessoria - Esplar, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e Rede Alerta Contra o Deserto Verde.
9
Introdução
Opresente estudo se inscreve no contexto de
monitoramento e incidência sobre o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
realizado, desde 2007, tanto pela Rede Brasil sobre Instituições
Financeiras Multilaterais como pela Plataforma BNDES,
articulação de organizações e movimentos sociais brasileiros
voltada a democratizar o referido Banco, da qual a Rede Brasil é
membro fundador.
Em sua última reunião geral, ocorrida na Escola Florestan
Fernandes em junho de 2011, as organizações que compõem
a Plataforma BNDES reafirmaram que “a crítica ao padrão
de financiamento do BNDES que sustenta o modelo de
desenvolvimento em curso é o ponto central de unificação
da Plataforma”. Após estes cinco anos de atuação, percebe-se
que as questões levantadas pela Plataforma não apenas
permanecem justas e necessárias, mas ganharam um
sentido de urgência dadas a escala alcançada pelo BNDES no
financiamento ao desenvolvimento e as resistências do Banco,
ainda muito fortes, em se abrir para um debate mais amplo com
a sociedade organizada.
Como um dos eixos prioritários de seu plano de ação, as
organizações da Plataforma defendem a “corresponsabilização
e responsabilização judicial do BNDES: a Plataforma reunirá
argumentos para comprovar a responsabilidade judicial do
BNDES pelas violações de direitos dos trabalhadores e das
populações atingidas pelos empreendimentos financiados
pelo Banco”. Nesse sentido, a Rede Brasil assumiu a tarefa
de subsidiar o processo de aprofundamento das discussões
sobre salvaguardas socioambientais e corresponsabilização
do BNDES como via de controle social e de pressão pública a
João Roberto Lopes Pinto*
democratizar e transformar as práticas do banco em prol do
desenvolvimento com justiça social e ambiental.
O BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvimento
do mundo, não possui política de transparência, de acesso
à informação, não aplica critérios de gênero e raça nem
salvaguardas socioambientais que tenham sido construídas
sob o controle ou com participação da sociedade civil. Ao
mesmo tempo, o Banco viabiliza projetos controversos, de alto
risco socioambiental e com elevada concentração dos fluxos
financeiros a grandes empresas nacionais atuando dentro e
fora do Brasil.
A partir da exigência de um empréstimo do Banco Mundial
direcionado às políticas de gestão ambiental - aprovado em 2008
e um dos maiores recebidos na história das relações do Brasil com
o Banco - o BNDES comprometeu-se com o desenvolvimento de
uma política de salvaguardas sociais e ambientais, sem ter tornado
público e transparente o processo ou os procedimentos resultantes
deste compromisso.
Através de um projeto apoiado pelo consórcio Climate and
Land Use Alliance (CLUA), a Rede Brasil contratou este trabalho
com três objetivos/hipóteses, assim descritos no termo de
referência que orientou o presente estudo:
“1) Demonstrar, através de estudos de caso concretos que
envolvam a violação de leis nacionais e acordos internacionais
e a aplicação de instrumentos jurídicos por parte do Ministério
Público ou da sociedade civil organizada, que o fortalecimento
e aplicação das leis nacionais constituem uma via passível de
corresponsabilização do BNDES e de pressão pela adequação
das suas políticas sociais e ambientais.
2) Analisar os êxitos, falhas e desafios das políticas de critérios
10
e salvaguardas ambientais e dos instrumentos de compliance
por parte de Instituições Financeiras Multilaterais como o Banco
Mundial vis-à-vis o processo de construção de políticas e
salvaguardas socioambientais no BNDES.
3) Explicitar as contradições nas políticas de salvaguardas
sociais e ambientais do Banco Mundial e sua incorporação
nas políticas do BNDES, sem transparência e por meio de
empréstimos que impliquem o ajuste estrutural das políticas
ambientais nacionais, no sentido de sua flexibilização e não de
sua salvaguarda”.
Para dar conta destes objetivos, o estudo foi subdividido
em quatro partes, que ficaram a cargo de diferentes
pesquisadores. Na primeira parte, a pesquisadora Marilda
Maracci sistematiza casos de violações de direitos associadas
a empreendimentos financiados pelo BNDES. O estudo
se baseia nos seguintes casos de megaprojetos: Usinas
Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho (RO),
e de Belo Monte, em Altamira (PA); Polo Siderúrgico da
ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA),
no Rio de Janeiro (RJ); monoculturas de celulose da Veracel,
na Bahia; Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e
Olimpíadas 2016); e o projeto da Vale de extração de carvão no
distrito de Moatize na província de Tete, em Moçambique. Na
sistematização, além das características do empreendimento
e da participação do Banco, foram levantados os impactos
sociais e ambientais, bem como ações judiciais existentes.
Na segunda parte, os pesquisadores Fabrina Furtado e Gabriel
Strautman contextualizam e analisam a efetividade do processo
de construção e aplicação de salvaguardas socioambientais e de
mecanismos de participação e resolução de conflito pelas IFMs,
particularmente pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), e sua relação com o BNDES. Na terceira
parte, a pesquisadora Lúcia Ortiz recupera e avalia a influência
recente do Banco Mundial, através de empréstimos, estudos
e cooperação técnica, na formulação das políticas públicas na
área de meio ambiente no Brasil, bem como a reprodução deste
modelo e receituário pelo BNDES.
Já na quarta seção, o pesquisador Jadir Brito empreende
uma análise, partindo do caso do BNDES, do processo de
ambientalização das instituições financeiras, bem como
do marco legal da “responsabilidade solidária” do agente
financeiro por danos sociais e ambientais associados aos
projetos financiados. Por fim, o pesquisador João Roberto Lopes
apresenta um conjunto de Considerações e Recomendações a
partir do estudo realizado, no intuito de responder não apenas
aos objetivos/hipóteses inicialmente propostos, mas também
de contribuir para a atuação da Rede Brasil no monitoramento e
incidência sobre o BNDES.
Para que se possa melhor contextualizar este estudo, é
importante descrever, mesmo que brevemente, sobre o
histórico da Rede Brasil, o papel e a importância do BNDES,
a trajetória da Plataforma BNDES e, por fim, a “Política
Socioambiental do BNDES”.
Histórico da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais
A Rede Brasil tem como tema central de sua atuação uma
perspectiva crítica sobre o financiamento ao desenvolvimento.
Dentre suas 80 organizações filiadas, estão movimentos sociais,
entidades sindicais, institutos de pesquisa e assessoria, associações
profissionais e ONGs de todas as regiões do país, com atuação
em âmbito local, regional e nacional. Essas organizações
trabalham em diversos temas e setores das políticas públicas,
como educação, saúde, trabalho, seguridade social, infância,
infraestrutura, gênero, meio ambiente, agricultura, reforma agrária,
urbanização, planejamento econômico, entre outros.
O objetivo geral da Rede Brasil é ser articuladora da sociedade
civil brasileira, através de suas representações, para atuarem
como sujeitos no monitoramento, na elaboração e execução
das políticas públicas e no acompanhamento de ações pontuais
do setor privado, garantindo, principalmente, os interesses da
sociedade diante das Instituições Financeiras.
A constituição da Rede Brasil, em 1995, foi resultado de dois
11
anos de debate e avaliação crítica entre diversas organizações e
movimentos sociais sobre a atuação das Instituições Financeiras
Multilaterais (IFMs) no Brasil. Foram identificadas a amplitude,
a diversidade e a complexidade do conjunto de problemas
em diferentes setores compreendendo políticas e projetos
do governo brasileiro com financiamento e assistência de
IFMs, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
Ao mesmo tempo, identificou-se a ausência de mecanismos
que favorecessem o enfrentamento destes problemas através de
processos nacionais. Era necessário compreender o tratamento
de políticas e projetos financiados pelas IFMs no país como uma
questão de interesse nacional, com ênfase nas responsabilidades
das várias partes direta e indiretamente envolvidas, no governo e
nas IFMs. Alguns dos marcos históricos da atuação da Rede Brasil
estão referidos nos artigos dos pesquisadores Fabrina Furtado,
Gabriel Strautman e Lúcia Ortiz.
Tal percepção levou à avaliação de que ações conjuntas
ou articuladas da sociedade civil junto às IFMs e ao
governo brasileiro poderiam contribuir para a formação
de tais mecanismos e apresentar resultados mais amplos e
eficazes para o enfrentamento e a superação dos problemas
identificados do que iniciativas individuais, fragmentadas e
dispersas, como vinha ocorrendo até aquele período.
A Rede Brasil foi concebida basicamente para:
::. Propiciar a socialização de informações sobre políticas
e projetos, fortalecendo o engajamento de grupos sociais
interessados, afetados ou beneficiados, seus representantes e
organizações da sociedade civil em geral;
::. Servir como um fórum coletivo de discussão sistemática e
permanente e facilitar a formação de consensos sobre as várias
problemáticas identificadas;
::. Subsidiar a articulação entre organizações da sociedade civil
no país para ações e intervenções diante do governo e das IFMs;
::.Contribuir para o estabelecimento de canais de interlocução
com o governo e as IFMs sobre questões relativas a políticas e
projetos de desenvolvimento.
Desde a VII Assembleia Geral, realizada em 2007, a Rede
Brasil passou a monitorar também as ações do BNDES, que,
atualmente, ocupa a posição de segundo maior banco de
fomento do mundo. Vale dizer que foi durante a referida
Assembleia que Luciano Coutinho, presidente do BNDES,
comprometeu-se com a agenda da Plataforma BNDES. Em
2010, a Rede Brasil criou, no âmbito da sua coordenação, o GT
BNDES, responsável por cuidar da agenda de acompanhamento
do Banco por dentro da Rede e fazer a interlocução com a
Plataforma BNDES.
O papel e a importância do BNDES
Ao longo da sua história, o BNDES não assumiu apenas o papel
de vultoso financiador. Devido à qualificação técnica do seu
corpo burocrático e do acesso às informações sobre os agentes
econômicos, este Banco contribuiu na modelagem das diferentes
etapas do desenvolvimento brasileiro.
O BNDES foi peça-chave no fomento ao nacional-
desenvolvimentismo, patrocinando a investida do Estado em
projetos de infraestrutura, insumos básicos e indústria de base,
voltados a dar suporte à industrialização do país, valendo-se do
modelo de “substituição de importações”. Com o esgotamento
deste modelo, no contexto de liberalização econômica dos anos
1990, o Banco tornou-se formulador, gestor e financiador do
programa de desestatização, voltado a assegurar a “inserção
competitiva” do Brasil na economia global. Atualmente, o BNDES
tem contribuído, na esteira das privatizações, para a formação
de grande grupos econômicos privados, sob o discurso dos
“campeões nacionais”, centrados no setor de commodities
(agropecuária, etanol, papel e celulose, mineração e siderurgia,
petróleo e gás), com participações cruzadas nos setores de
construção civil, hidroeletricidade e telecomunicações.
É importante ressaltar que o BNDES foi o condutor oficial
e fornecedor de crédito para as privatizações no Brasil, que
alienaram centenas de companhias públicas a preços abaixo
do mercado. Juntamente com consultorias internacionais,
12
o Banco elaborou os editais de privatização de estatais
e disponibilizou recursos públicos subsidiados para os
vencedores dos leilões de desestatização.
Como o modelo brasileiro das privatizações priorizou
a venda das estatais em blocos, estimulou a formação de
consórcios entre empresas, contando com a participação
também do BNDES no capital das empresas privatizadas.
Vários conglomerados dos setores de construção civil,
agricultura, extrativismo e energia, que hoje se expandem
internacionalmente graças ao crédito facilitado do BNDES,
ganharam escala internacional exatamente a partir da
incorporação do patrimônio público, via privatizações.
Nos anos 2000, com esses capitais já tendo alcançado
internamente ao Brasil taxas de lucro e esquemas de acumulação
expressivos, foi ainda mais aprofundada a aliança histórica das
elites com o Estado brasileiro, que, com o impulso creditício
do BNDES, dedicaram-se com vigor à internacionalização
das empresas brasileiras. A concentração dos investimentos
destes grandes grupos no setor de commodities responde,
particularmente, à explosão de demanda por estes produtos na
esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês1.
Desde 2003, primeiro ano do governo do ex-presidente Lula
da Silva, os desembolsos do BNDES aumentaram em quatro
vezes, tendo passado de R$ 35,1 bilhões (US$ 12,15 bilhões) para
R$ 139,7 bi (US$ 74,5) no final de 2011, segundo ano do primeiro
mandato de Dilma Roussef, sucessora e membro do Partido dos
Trabalhadores (PT), o mesmo de Lula (ver Tabela 1).
Esse crescimento da centralidade do BNDES pode ser bem
exemplificado na participação do Banco no financiamento dos
quase 400 projetos de infraestrutura que constavam da primeira
etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado
em 2007, que simboliza os governos Lula e Dilma e que está
centrado em obras físicas – aquelas mais visíveis à população.
Os financiamentos do BNDES na primeira parte do PAC
somavam, em março de 2010, R$ 117,5 bilhões (US$ 66 bilhões)
de um total de R$ 208 bilhões (US$ 116 bilhões) nos setores de
energia elétrica, petróleo e gás, rodovias, ferrovias e marinha
mercante, saneamento, urbanização e metrôs. O PAC 2, lançado
naquele mesmo mês, previa investimentos de R$ 958,9 bilhões
até 2014 e de mais R$ 631,6 bilhões em obras a partir de 2015 –
totalizando R$ 1,59 trilhão (US$ 886 bilhões), para os quais o
BNDES, a se manter a tendência atual, deve contribuir com
mais de 50%.
Os beneficiários preferenciais do crédito do Banco têm sido os
grandes grupos econômicos, forjados no contexto anteriormente
descrito. Destacam-se aí os grupos Bradesco, Itaú, Votorantim/
Aracruz, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Grupo Vicunha, Queiroz
Galvão, Camargo Corrêa, Grupo EBX, Gerdau, Perdigão/Sadia,
JBS/Bertin, Vale/Bradesco.
Tabela 1 - Desembolsos do BNDES
Ano Valores (em R$ bilhões)
2003 35,1
2004 40
2005 47,1
2006 52,3
2007 64,9
2008 92,2
2009 137,4
2010 168,4
2011 139,7
Fonte: sítio do BNDES na internet.
Com este volume de desembolsos, o Banco é responsável
por 20%, em média, de todo o crédito no país. Sem dúvida, esta
expressiva participação tem ajudado nas taxas positivas de
crescimento da economia, mas com expressivos custos sociais
e ambientais não apreciados ou contabilizados. Os grandes
projetos agropecuários,minerossiderúrgico, hidroelétricos e
extrativos têm gerado, por todo o país, graves impactos sobre
os territórios e o mundo do trabalho. No caso destes grandes
empreendimentos, o Banco se compromete, normalmente,
13
com o financiamento de 60 a 80% do valor total do projeto,
tornando-se desta forma fiador e viabilizador dele.
Os recursos do Banco têm origem em quatro fontes principais:
repasse do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), voltado para
financiar atividades de geração de trabalho e renda e qualificação
de mão de obra; o retorno dos créditos concedidos; os ganhos
com aplicações e participações; e repasses do Tesouro. A
participação do FAT na receita do Banco é, em média, de 44%,
sendo, portanto, sua principal fonte de recursos. Sobre o peso
dos repasses do Tesouro, vale assinalar que, de 2008 (no quadro
da crise financeira internacional) até 2011, foram repassados R$
230 bilhões por meio de emissões de títulos da dívida pública,
segundo dados do Relatório Gerencial do BNDES, de janeiro de
20122. Desse modo, os repasses do Tesouro já têm se constituído
na segunda fonte mais importante de receita do Banco.
O Banco trabalha com diferentes taxas, sendo elas fortemente
subsidiadas e com períodos de carência e pagamento dilatados
nos empréstimos de longo prazo. Normalmente, o BNDES
trabalha com a taxa de juros de longo prazo, atualmente em 5,5%
ao ano, acrescida da sua taxa de remuneração (spread) e taxa
de risco de crédito. Segundo um estudo produzido pelo próprio
Banco, a taxa média anual de remuneração, com maior peso na
composição da taxa final, caiu de 2,3%, em 2005, para 1,2%, em
2008 (GIAMBIAGI; RIECHE; AMORIM, 2009). No caso da Usina
Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, a previsão é que o consórcio
vencedor tenha cinco anos de carência e vinte para pagar.
Segundo as estatísticas operacionais do BNDES, nos últimos
dez anos, os desembolsos se concentraram,
em média, 75% em empresas de grande
porte e 55% na região Sudeste. No caso do
porte das empresas, verifica-se, a partir
de 2010, uma tendência de elevação dos
desembolsos para as micro e pequenas
empresas, mas que permanecem abaixo
dos 20% do total desembolsado no período.
Sobre a distribuição regional, verifica-se
uma elevação importante, a partir de 2009,
dos desembolsos para a região Nordeste, mas sem, contudo,
alterar o perfil desigual da distribuição regional: em 2010, o valor
dos desembolsos para o Sudeste foi de mais de cinco vezes o
valor destinado para o Nordeste (ESTATÍSTICAS, 2012).
A presença do BNDES no setor de micro e pequenas empresas
é ainda menor se considerarmos que o Banco classifica como
microempresas empreendimentos com faturamento anual de
até R$ 2,4 milhões e pequena empresa com até R$ 16 milhões,
um valor dez vezes maior do que o que estabelece o Estatuto
da Microempresa, R$ 244 mil e R$ 1,2 milhão, respectivamente.
Estes dados revelam, de um lado, o reforço da desigualdade
regional e, de outro, o insuficiente apoio aos setores mais
geradores de empregos.
O Banco também atua comprando ações no mercado de
capitais por meio de sua subsidiária, o BNDESPar, cujo volume
de participações societárias em 2010 somava R$ 103 bilhões.
Com participações no capital dos principais grupos econômicos
privados do país, o Banco participava, em 2009, no capital de 22
das 30 maiores multinacionais brasileiras (ALMEIDA, 2009).
São também conhecidos os casos de envolvimento direto do
Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,
como nos casos da Votorantim e Aracruz, Perdigão e Sadia, Itaú
e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin e na malfadada
tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês
Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado
pelo Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros. No
caso, por exemplo, da Perdigão/Sadia, tal fusão representou, em
Tabela 2
Comparativo Desembolsos - US$ bilhões
Ano BNDES BID BID/Bird
2005 19,34 9,72 15,05
2006 24,03 11,83 18,32
2007 33,32 11,06 18,18
2008 50,26 10,49 18,1
2009 68,78 18,56 30,42
Fonte: Demonstrativos de desembolso BNDES, BID e Bird
14
alguns segmentos de produtos alimentícios, um controle de até
80% do mercado, como alertado pelo Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável pela defesa da
concorrência no país.
A internacionalização de empresas brasileiras patrocinada
pelo BNDES é notável, particularmente, na América Latina,
Caribe e África Lusófona. Nesse sentido, o Banco vem
constituindo diferentes e agressivos mecanismos institucionais
e financeiros para ampliar os investimentos destas mesmas
empresas em outros países. É importante chamar a atenção
para o fato de que a entrada do BNDES no financiamento
a projetos de empresas brasileiras no exterior não tem se
limitado à operação de linhas específicas de financiamento para
comércio exterior. Assiste-se, com efeito, a um processo rápido
de internacionalização do próprio Banco, que hoje já supera
em muito, em termos de desembolsos, o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (Bird),um braço do Grupo
Banco Mundial (ver Tabela 2).
A partir de 2002, o Banco passa a financiar projetos fora
do país, com a contrapartida de que sejam contratados bens
e serviços de empresas nacionais. A carteira do BNDES no
exterior, somava US$ 13 bilhões em 2010. Segundo matéria
publicada na imprensa, 80% dos seus financiamentos no
exterior tinham como beneficiários as “quatro irmãs”: as
empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e
Queiroz Galvão.
O Banco abriu, em 2009, um escritório de representação
em Montevidéu, no Uruguai, e, em 2010, a “BNDES Limited”,
na cidade de Londres. Esta nova subsidiária em território
europeu tem como objetivos captar recursos e fortalecer
os investimentos brasileiros no exterior. Além disso, ela
foi indicada pelo próprio Luciano Coutinho como possível
administradora do Fundo a ser constituído com os recursos
gerados com a venda do petróleo da camada Pré-Sal. Ainda
em 2010, o BNDES abriu outra subsidiária, a Agência de
Crédito à Exportação do Brasil SA – Exim Brasil, bem como um
Fundo Garantidor do Comércio Externo. No final de 2011, o
governo brasileiro autorizou o Banco a patrocinar processos de
aquisição e fusões de grupos brasileiros no exterior. Também
em 2011, o BNDES fechou, no âmbito dos BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), um acordo de cooperação com
os bancos de desenvolvimento dos países do bloco. Nele,
preveem-se a facilitação de transações e projetos em comum e
a formulação de um arcabouço que possa prover financiamento
a projetos de interesse comum, visando à constituição de uma
entidade interbancária no futuro.
Se a escala alcançada hoje pela atuação do BNDES já
nos obriga a falar de uma nova centralidade do Banco, no
cenário que se projeta para a próxima década, seu papel
tende a se agigantar em conexão com a oligopolização da
economia brasileira. Sem dúvida alguma, tal oligopolização,
com todos os seus passivos sociais e ambientais, vem sendo
concebida e fomentada deliberadamente como condição da
internacionalização dos grandes grupos econômicos. Cabe
ressaltar, portanto, que a centralidade não se refere apenas
ao seu papel de financiador ou de mero executor de políticas
definidas pelo governo federal. O Banco é também formulador
e compõe o centro decisório do governo sobre as políticas
de desenvolvimento.
As populações têm seus direitos sistematicamente violados: em nome do lucro
15
Trajetória da Plataforma BNDES
Em julho de 2007, a Plataforma BNDES nascia com o objetivo
de incidir sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, a
partir da atuação sobre o BNDES, órgão do Estado que exerce,
historicamente, papel central no fomento e na formulação do
desenvolvimento da base produtiva e financeira do país. O
documento “Plataforma BNDES”, encaminhado ao presidente do
Banco, Luciano Coutinho, em junho de 2007, traz um diagnóstico
crítico sobre a atuação desta instituição financeira, bem como
proposições no sentido da sua reorientação.
O diagnóstico já destacava a reorientação do Banco, a
partir das privatizações dos anos 1990, como “agente de um
desenvolvimento que persegue a ‘inserção competitiva‘ do País
no contexto global (...) no sentido de priorizar o atendimento
dos mercados externos; favorecer setores exportadores, em
geral com baixa agregação de valor; e internacionalizar capitais
de origem nacional”.
A crítica dirigia-se ao papel do BNDES no financiamento à
concentração econômica, viabilizando grandes conglomerados
empresariais e financeiros, prioritariamente nos setores de
mineração e siderurgia, papel e celulose, agropecuária, petróleo
e gás, hidroelétrico e etanol, com intensos e extensos impactos
sociais e ambientais.
As proposições contidas no documento apontam para a
necessidade de se estabelecer mecanismos de controle social
sobre a atuação do Banco, bem como sua reorientação em
favor de uma maior diversificação produtiva e descentralização
econômica. Tais proposições foram formuladas em quatros
eixos: publicidade e transparência; mecanismos de participação
e controle social; critérios sociais e ambientais a serem
observados na análise, aprovação e acompanhamento dos
projetos; e políticas setoriais voltadas à inversão de prioridades da
política operacional do Banco.
Até o final de 2009, a Plataforma estabeleceu uma interlocução
direta com o gabinete da presidência do Banco, concentrando-se
em duas agendas prioritárias: a adoção pelo Banco de uma
política pública de informação e a adoção de critérios sociais
e ambientais em seus financiamentos, particularmente
para os setores de etanol e hidroelétrico. A forma como o
Banco recepcionou estas duas agendas revela o seu papel na
viabilização da concentração da economia brasileira.
Após muitas pressões, o BNDES abriu, pela primeira vez na sua
história, de modo parcial, as informações sobre a sua carteira
de projetos. Em 2009, o Banco criou o “BNDES Transparente”.
No entanto, os dados constantes no sítio eletrônico do Banco
cobrem apenas os projetos contratados a partir de 2008; antes
disso não se tem informação acerca dos projetos. Isso fere não
apenas o princípio da publicidade na administração pública,
assegurado pelo Art. 37 da Constituição Federal, como também
contraria a lei de acesso à informação pública (Lei No12.527/2011),
que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012.
Já no caso dos critérios sociais e ambientais, o Banco vem
assumindo o “discurso verde” e a “prática cinza”. Às investidas da
Plataforma no sentido de contribuir para a adoção de critérios e
salvaguardas sociais e ambientais nos procedimentos e contratos,
o Banco foi evasivo, quando não refratário. As resistências do
Banco em mudar procedimentos e práticas conduziram as
organizações da Plataforma BNDES a chamar atenção para o fato
de que, ao não assumir sua responsabilidade social e ambiental,
o Banco agia como corresponsável pelas violações de direitos
geradas pelos projetos por ele financiados.
Dessa forma, a Plataforma organizou no final de 2009 o I
Encontro Sul-Americano de Populações Atingidas por Projetos
Financiados pelo BNDES. Uma carta, resultado do Encontro,
em que a Plataforma reafirmava suas reivindicações, foi
encaminhada a Luciano Coutinho, em 25 de novembro de 2009.
Ele limitou-se a dizer, diante de uma delegação de representantes
de populações atingidas pelas Hidrelétricas de Jirau e Santo
Antonio, no Rio Madeira, e de Belo Monte, em Altamira, pelas
plantações de eucalipto no sul da Bahia e norte do Espírito Santo
e pelas intervenções brasileiras na Bolívia e no Equador, que não
se preocupassem porque medidas já estavam sendo tomadas
16
para a adoção de uma política socioambiental pelo Banco. Após
esta conversa, a interlocução da Plataforma com a presidência
do Banco foi totalmente interrompida. No final de 2010 foi
formalmente aprovada a “Política Socioambiental do Sistema do
BNDES”, sem que o Banco tivesse feito uma consulta ampla com
setores organizados da sociedade.
Política Socioambiental do BNDES
Embora já dispusesse de uma nomeada “política ambiental”
desde os anos 1980, foi somente em novembro de 2010 que o
BNDES incorporou, em um capítulo específico de sua Política
Operacional, a “Política Socioambiental”. De acordo com o
próprio Banco, “a decisão por essa nova forma de organização
da Política Operacional reforça tanto a aplicação das diretrizes
socioambientais para elaboração de produtos, linhas,
programas e fundos do BNDES, como a prática mais alinhada
à incorporação das questões social e ambientais no principal
macroprocesso operacional do BNDES: o fluxo de concessão
de apoio financeiro”. Tal fluxo compreende o que também
se chama, na linguagem do Banco, de “ciclo do projeto”,
compreendendo as etapas de enquadramento, análise,
aprovação, contratação e acompanhamento das operações.
A “Política Socioambiental do Sistema BNDES” foi instituída
como contrapartida do Empréstimo Programático de Política
para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável
Brasileira (SEM DPL, na sigla em inglês) do Banco Mundial,
no valor de US$ 1,3 bilhão – em que a política ambiental desta
instituição serve de referência para o BNDES. Os empréstimos
do Bird, historicamente associados às malfadadas políticas
de ajuste fiscal, apresentam-se agora em sua versão soft de
condicionalidades socioambientais.
Vale dizer que este empréstimo foi precedido, como
contextualiza a pesquisadora Lúcia Ortiz, por outro
empréstimo do Bird para o Ministério do Meio Ambiente
(MMA), intitulado Projeto de Assistência Técnica para a
Agenda de Sustentabilidade (TAL SAL, na sigla em inglês),
que já indicava a necessidade de maior eficiência, leia-se
celeridade, nos processos de licenciamento ambiental. Como
se verá ao longo deste trabalho, o SEM DPL apresenta outras
condicionalidades que também apontam para a flexibilização
da legislação e gestão ambiental e para a criação de um
mercado do clima no país.
Diferentemente do que a formalização da iniciativa faria
supor, persiste no BNDES, mesmo depois de instituída a
sua Política Socioambiental, a situação reconhecida em um
documento do próprio SEM DPL, do Bird, de que “um problema
que o Departamento Ambiental e Social do BNDES reconhece e
que luta para resolver é que a maioria dos projetos financiados
diretamente pelo BNDES não passaram pelo pleno processo de
avalização ambiental e social” (grifo nosso).
Nas diretivas da Política Socioambiental está o
comprometimento formal do Banco com o que determina a
legislação ambiental brasileira, seja a observância das devidas
licenças (prévia, de instalação e operação), seja o compromisso
com a avaliação e correção de impactos esperados nos projetos.
Mas, como se verá adiante, se o Banco avança em instrumentos
de avaliação de riscos socioambientais, ele não deixa claro os
mecanismos contratuais de que se vale para a mitigação e/
ou correção de impactos esperados, nem tampouco de que
instrumentos e procedimentos de acompanhamento das
operações dispõe para a correção de tais impactos. Dito de outro
modo, o Banco avalia os riscos socioambientais dos projetos
que financia, mas não parece, de fato, levá-los em conta na
operacionalização de seus financiamentos.
Para além da exigência do licenciamento, na fase de
enquadramento e análise dos projetos, o Banco vem
estabelecendo alguns mecanismos de aferição e avaliação
dos riscos socioambientais dos projetos. Já em 2008, o Banco
anexou ao Roteiro de Informações para a Consulta Prévia dois
questionários, com a finalidade de avaliar o impacto ambiental
e social esperado do projeto (Anexos 6 e 7, respectivamente).
O Banco se comprometeu, igualmente, em produzir “guias
socioambientais setoriais” a fim de “apoiar tecnicamente as
17
unidades operacionais do BNDES na análise socioambiental
de projetos”, com a indicação de “diretrizes de desempenho
socioambiental”, bem como de “riscos socioambientais
relacionados com a operação” por setor. Os primeiros guias
produzidos foram para os setores de açúcar e álcool, soja
e pecuária. Segundo consta na própria política, “os guias
têm caráter orientador e seu conteúdo não cria obrigações
adicionais às decorrentes da legislação brasileira e das
resoluções da Diretoria do BNDES” (grifo nosso).
Na etapa do enquadramento das operações, o Banco realiza,
com base na avaliação dos aspectos sociais e ambientais
dos beneficiários, a “Classificação da Categoria Ambiental”
do empreendimento:
A – “atividades intrinsecamente relacionadas a riscos
de impacto ambiental significativos, em que o licenciamento
requer estudos de impacto, medidas preventivas e ações
mitigadoras”;
B – “atividades envolvendo impactos ambientais mais leves
ou locais e requer avaliação e medidas específicas”;
C – “atividade não apresenta, em princípio, risco ambiental
significativo”.
Segundo o que determina a Política Socioambiental, “a
Categoria Ambiental estabelecida para o empreendimento
determina procedimentos distintos nas fases de Análise
e Acompanhamento da operação”. Embora a Plataforma
BNDES tenha reclamado sem sucesso de que o Banco desse
publicidade ao enquadramento dos projetos pelas categorias
ambientais, pode-se constatar, valendo-se dos casos de
megaprojetos apresentados neste estudo, que tal classificação
não tem redundado em procedimentos distintos nem de
análise, muito menos no acompanhamento da operação. As
informações sobre impactos ambientais esperados não se
transformam em condicionantes ou salvaguardas nos contratos
de financiamento, caracterizando-se como mero levantamento
de informações a respeito dos projetos financiados e não, como
deveria ser, de instrumentos efetivos de qualificação ambiental
dos desembolsos do Banco.
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Na etapa de análise, aprovação e contratação dos projetos, o
Banco afirma realizar a “avaliação do beneficiário sobre a sua
regularidade junto aos órgãos de meio ambiente, pendências
judiciais e efetividade da atuação ambiental”. Considerando
novamente os casos aqui tratados, em que ocorrem graves e
recorrentes irregularidades e violações de direitos associadas a
projetos financiados pelo Banco, fica também evidente que esta
avaliação, caso efetivamente ocorra, não tem efeitos práticos.
O Banco afirma, ainda, que nesta etapa empreende a “avaliação
dos empreendimentos quanto aos principais impactos sociais e
ambientais, inclusive no seu entorno, sua correspondência, quando
for o caso, com as ações preventivas e mitigadoras propostas no
licenciamento ambiental”, bem como a “inclusão de possíveis
condicionantes de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a
partir da análise realizada (do cliente e do empreendimento), em
complemento às exigências previstas em lei, quando for o caso”.
Embora nos faltem os termos dos contratos de financiamento
firmados pelo Banco e os empreendimentos estudados, pode-se
afirmar, tomando mais uma vez os casos deste estudo, que tais
avaliações e condicionantes ou não são praticadas ou são nulas.
Mas, talvez, o que mais chame a atenção na descrição da Política
Socioambiental do BNDES seja a forma como o Banco descreve a
etapa de “acompanhamento das operações”, onde se lê que “são
verificados: o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras,
obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes
presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o
caso”. Restaria perguntar, à luz dos casos aqui estudados, quando
é que o Banco entende ser o caso de ele verificar o cumprimento
de condicionantes, pois, novamente, parece tratar-se de letra
morta. Tal percepção é ainda mais reforçada pelo fato de que não
há nenhuma menção do Banco sobre se há e quais seriam os
mecanismos de acompanhamento dos projetos intrinsecamente
impactantes em termos sociais e ambientais.
Somente para três setores específicos o BNDES estabelece
obrigações adicionais ao que determina a lei, o que o Banco chama
de “diretrizes e critérios socioambientais setoriais específicos”. Este é
o caso das salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que
não poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia
e do Pantanal; de termelétrica a combustíveis, que estabelece
restrições na emissão de partículas na atmosfera; e da pecuária/
frigoríficos, que determina o cadastramento dos fornecedores e
a exigência da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que
a aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente,
na autodeclaração do tomador do empréstimo, não contando
novamente o Banco com instrumentos de monitoramento e
fiscalização do seu cumprimento.
Além da revisão de suas práticas operacionais, a Política
Socioambiental do BNDES inclui mudanças na estrutura
organizacional do Banco. Foi instituída, também em 2010, a área
ambiental, que elevou o status da temática ambiental, anteriormente
limitada a um departamento para uma superintendência
do Banco. Tal superintendência compreende hoje o antigo
Departamento Ambiental do Banco e o Fundo Amazônia.
A regulamentação do Fundo Amazônia, em 2008, também
consta como uma das contrapartidas do empréstimo SEM
DPL, do Banco Mundial. A gestão pelo BNDES de novos fundos
ambientais voltados a estruturar um mercado do clima no país,
como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre Mudança
do Clima, será tratada no artigo de Lúcia Ortiz. Outro aspecto
da Política Socioambiental a ser abordado pela pesquisadora
diz respeito à abertura de uma linha de crédito pelo Banco para
qualificar órgãos estaduais de licenciamento, no contexto de
avanço das reformas no sistema de concessão de licenças e
gestão ambiental, avaliado pelo Banco Mundial como um dos
principais entraves para o desenvolvimento brasileiro.
1 Para uma análise mais detida sobre o papel do BNDES nos últimos vinte anos, ver TAUTZ, C. Et alli, 2011.
2 Segundo o economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “até 2008, o estoque de empréstimos do Tesouro ao BNDES era de R$ 10 bilhões, e hoje está em R$ 311,8 bilhões (dados de fevereiro de 2012). Com os R$ 45 bilhões a mais que o governo vai emprestar ao BNDES [provavelmente, entre 2012 e 2013], o volume chegará a quase R$ 360 bilhões” (O ESTADO, 2012).
* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de 2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil.
19
Marilda Teles Maracci*
Os estudos de caso apresentados nesta publicação abordam
quatro setores e se aprofundam em oito megaempreendimentos,
sendo um deles fora do Brasil. São eles: no setor celulósico,
a Veracel Celulose S.A., no extremo sul da Bahia, e a CMPC
Celulose Riograndense, em Guaíba, no Rio Grande do Sul; no
setor energético, as Usinas Hidrelétricas (UHEs) Santo Antônio
e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, na bacia
do Rio Xingu, no Pará; no setor da construção civil, o ProCopa,
em Fortaleza, no Ceará, e outras grandes obras urbanas nas
doze cidades brasileiras que sediarão a Copa do Mundo, em
2014, e as Olimpíadas, em 2016, no Rio de Janeiro; e, por último,
Este texto apresenta exemplos emblemáticos de grandes
empreendimentos que se caracterizam pela lógica
da minimização de custos financeiros relacionados à
mitigação e compensação dos impactos socioambientais1, em
detrimento dos critérios de eficiência econômica e de justiça
social e ambiental. Atuam em consonância com “um certo
padrão de acumulação do capitalismo brasileiro, inaugurado
com as privatizações e a liberalização comercial dos anos 1990,
baseado na formação e fortalecimento de conglomerados
privados (nacionais e estrangeiros), fomentados pelos fundos
públicos, via capital estatal e paraestatal (empresas estatais e
fundos de pensão)”2.
Megaprojetos e violações de direitos
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20
no setor da mineração/siderurgia, o conglomerado industrial-
siderúrgico-portuário da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica
do Atlântico (TKCSA), na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, e
a Vale Moçambique Ltda., na Bacia Carbonífera de Moatize da
província de Tete, em Moçambique, na África. Um fichário repleto
de informações e detalhes sobre estes oito casos simbólicos
encontra-se no Contexto Territorial, na parte final deste livro.
Eles explicitam que o mesmo padrão de sistemáticas e graves
violações de direitos é repetido pelos mesmos conglomerados
empresariais onde quer que eles se instalem, independente das
diferenças de dinâmicas e da diversidade regional, cultural, social,
econômica e ambiental dos povos e das regiões.
Os megaprojetos em questão ilustram, de modo quase
visceral, o desenvolvimentismo historicamente praticado no
Brasil que é fundamentado na concepção de crescimento
econômico (aumento da quantidade de bens, produtos e
serviços produzidos) e na busca da inserção competitiva do
Brasil no contexto global, através do “aumento na quantidade
dos produtos exportados e na quantidade de grandes empresas
brasileiras com presença forte no mercado internacional” (REDE
BRASIL SOBRE INSTITUIçõES FINANCEIRAS MULTILATERAIS,
2008, p. 13)3. Trata-se de um modelo que concentra renda e
poder e produz elevados custos socioambientais.
É oportuno observar que, no que se refere aos
empreendimentos produtivos, grande parte ou quase a totalidade
da produção destina-se à exportação direta, a exemplo da
celulose, mineração e siderurgia, ou à exportação indireta, caso
das hidrelétricas em construção na Amazônia, em que grande
parte da energia produzida será destinada a “grandes indústrias
eletrointensivas que exportam alumínio e minério de ferro com
baixo valor agregado, gerando pouquíssimos empregos na
região; e não para atender as populações mais pobres, como
afirma o discurso oficial do governo” (CARTA DA ALIANçA EM
DEFESA DOS RIOS AMAzôNICOS PARA DILMA ROUSSEFF,
Brasília, 8 de fevereiro de 2011).
Todos os megaempreendimentos aqui abordados têm
outra característica comum: contam privilegiadamente com
megaempréstimos concedidos pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com condições
incrivelmente favoráveis. No caso do projeto de exploração
de carvão mineral da Vale em Moçambique, o BNDES não
disponibiliza informações sobre a sua participação nos
investimentos. No entanto, o Banco possui aproximadamente
10% do consórcio ValePar, controlador da Vale com 53% do capital
votante. Ele é também detentor das denominadas “ações de ouro”
(golden share), adquiridas no período da privatização, o que lhe
confere o poder de veto sobre as principais decisões da empresa.
É importante ressaltar que o BNDES cumpre, nos governos
Lula e Dilma, o papel de indutor do crescimento, promovendo
a “transferência massiva de recursos públicos, acompanhada
de flexibilização institucional”4. Neste sentido, “chama atenção
os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose,
petróleo e gás, hidroelétrico e agropecuária, que receberam
juntos quase a totalidade do meio trilhão de reais desembolsados
pelo BNDES, no período Lula”5.
Desde a década de 1950, o BNDES atua como instrumento
de fomento da indústria brasileira. Desse modo, favoreceu
consideravelmente, por exemplo, a implantação de complexos
agroindustriais celulósicos, como a Veracel e a Riograndense,
que ainda hoje contam com tais fomentos. Através dos Planos
de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC II), os governos Lula
e Dilma direcionam prioritariamente recursos, via BNDES, na
expansão da infraestrutura. Como é o caso da construção das
criticadas usinas hidrelétricas na Amazônia, que são implantadas
sobre áreas de rica sociobiodiversidade, a exemplo dos territórios
indígenas. Nessa mesma linha de “aceleração do crescimento”
a partir de grandes investimentos públicos, megaobras urbanas
de preparação para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016
são construídas seguindo referências urbanísticas das Cidades
Globais e promovendo dramáticos deslocamentos compulsórios
das populações de baixa renda.
Indiferente aos questionamentos de parte da sociedade civil
organizada em relação às suas prioridades de investimento, o
BNDES cresce visivelmente: “desde 2005 o volume de créditos
21
do BNDES aumentou 391% e é maior
do que o Banco Mundial” (GARCIA,
2011)6. Com participação acionária na
maioria das empresas envolvidas com
os megaempreendimentos, o BNDES
não apenas financia, como é também
corresponsável pelas opções de
investimentos. De janeiro a agosto de
2006, o BNDES aprovou financiamentos
de R$ 3 bilhões para projetos de expansão
da produção de papel e celulose,
que somam R$ 5,5 bilhões7. “Para a
Veracel II [ampliação da Veracel], o
BNDES desembolsará R$ 1,4 bilhão8. Se
compararmos este valor com a quantidade
de empregos gerados, cada posto de
trabalho no novo projeto da Veracel
custará R$ 486.111,009.“
Para os empreendimentos das UHEs
de Santo Antônio e Jirau, em Porto
Velho, o BNDES destinou um total de
R$ 13,3 bilhões, apesar dos pesados questionamentos quanto
à viabilidade econômica e ambiental dessas obras desde o
início dos processos de licenciamento10. “O valor do possível
novo empréstimo, anunciado pelo presidente do Banco,
Luciano Coutinho, não foi informado, mas o BNDES havia se
comprometido a financiar até 80% (cerca de R$ 25 bilhões) dessas
obras” (PLATAFORMA BNDES, 2011)11. Segundo informações
do Ministério Público Federal (MPF), disponibilizadas no sítio
eletrônico do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, em fevereiro
de 2012, “o empréstimo solicitado pela Norte Energia para
Belo Monte é de R$ 24,5 bilhões e existem onze processos
questionando o empreendimento que ainda não foram julgados
(...) considerando um cenário de custo total do empreendimento
de aproximadamente R$ 30 bilhões (previsão mais recente de
custos para Belo Monte)”12.
Observa-se, em todos os empreendimentos aqui tratados, um
certo comportamento padrão ou falhas crônicas compondo as
violações constatadas tanto no processo de planejamento quanto
nas fases de construção, agravando-se na fase de operação.
E, como já afirmado anteriormente, o BNDES não se vale de
critérios socioambientais na análise e aprovação dos projetos,
nem tampouco de mecanismos de acompanhamento dos
impactos dos projetos que financia.
Os megaempreendimentos são especialmente emblemáticos
no que se refere às injustiças socioambientais, pois geram uma
enormidade de graves impactos sociais, ambientais, fundiários,
violações sistemáticas de direitos ambientais, trabalhistas e
direitos da pessoa humana (indivíduo e coletivo), violam acordos
internacionais, leis nacionais, políticas fiscais ou políticas
setoriais específicas, além de forjar e aprofundar desigualdades
econômicas, sociais e regionais, historicamente produzidas
nas áreas de implantação dos referidos empreendimentos e
Rena
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Mais de 150 mil pessoas serão removidas de suas casas por causa dos megaeventos esportivos: jogo sujo
22
seu entorno. Todas estas violações se avolumam na conta do
passivo das empresas financiadas pelo BNDES e, portanto, na
conta do próprio Banco, o que o torna inquestionavelmente
corresponsável pelas violações.
Este é o caso da migração de trabalhadores, recorrentemente
subdimensionada nos Estudos de Impactos Ambientais
(EIAs). Trata-se dos deslocamentos de expressivas massas de
trabalhadores que ocorrem em função das ofertas temporárias
de empregos na fase de construção/implantação dos projetos.
No entanto, após a finalização desta fase, os trabalhadores
ficam sem emprego e têm suas condições de vida agravadas no
território que, via de regra, já é bastante limitado no provimento
dos serviços públicos. O subdimensionamento de problemas
associados ao deslocamento de milhares de trabalhadores para
as áreas atingidas, gerando inchaços urbanos, crescimento
desordenado e falta de perspectivas, constitui uma característica
comum a estes megaprojetos financiados pelo BNDES. A
migração na fase da construção da UHE
Belo Monte, estimada em mais de 100
mil pessoas, é um exemplo recente
deste recorrente subdimensionamento.
O resultado é o aumento exponencial da
população e da ocupação desordenada
dos aglomerados urbanos nos locais
próximos à implantação da obra. Os
problemas decorrentes são o aumento
considerável da violência, de homicídios,
do tráfico de drogas, da venda de
bebidas, da prostituição (inclusive
infantil), o colapso nos serviços e
espaços públicos (hospitais, ruas, escolas,
postos de saúde, etc.), a elevação do
custo de vida, entre outros.
Estas violações “contribuem para a
fragilização dos mecanismos de controle
social conquistados pela sociedade
civil e impactam de modo severo
e, às vezes, irreversível o meio ambiente e as populações”13,
muitas destas já fragilizadas no campo dos direitos territoriais
e/ou socioambientais. Dentre outros feitos perversos da
implementação dos megaprojetos, destacam-se o das remoções
compulsórias de comunidades urbanas empobrecidas e o da
expropriação de populações das áreas rurais de seus meios de
produção, territórios e modos de viver, acentuando os níveis de
degradação ambiental e de pobreza. Este é o caso das populações
que trabalham e vivem no meio rural em regime de economia
familiar e relação comunitária, como os ribeirinhos, extrativistas,
pescadores, agricultores familiares, indígenas e quilombolas.
Explicitamente, diversas categorias de trabalhadores envolvidos
nestes empreendimentos sofrem as mais variadas violações de
direitos, inclusive condições de trabalho análogo ao escravo,
conforme amplamente denunciado pelos movimentos sociais.
Entre as características que compõem este quadro estão
as chamadas “relações promíscuas” entre diversas escalas
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Antes mesmo do início das obras no Rio Madeira, a população já sofria os impactos: mercantilização da natureza
23
governamentais e do parlamento e as grandes corporações
empresariais (nacionais/transnacionais), a exemplo da relação
entre o setor elétrico do governo – Ministério de Minas e Energia
(MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Eletrobrás –
e grandes construtoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e
Andrade Gutierrez14. Vale destacar também que as construtoras
ocupam, juntamente com o setor celulósico, mineradoras
e siderúrgicas, lugares privilegiados no ranking dos grandes
doadores para campanhas eleitorais a cargos executivos e
proporcionais. Os favorecimentos decorrentes destas relações
são viabilizados pela ausência de transparência e de vigilância
social, situação esta que se agrava “quando se tem, por um
lado, a hipertrofia do poder de algumas corporações e, de
outro, a fragilidade do sistema brasileiro de financiamento de
campanhas, abrindo brechas para que tais favorecimentos sejam
recompensados por apoios de campanha, declarados ou não”
(BADIN, PINTO, TAUTz & SISTON, 2010, p. 7)15. A sobreposição
de interesses privados sobre os públicos torna-se ainda mais
incidente se considerarmos a realidade local, de maior fragilidade
institucional, em que, na maioria dos casos, as prefeituras
municipais são carentes de recursos e as possibilidades de
controle social são ainda mais frágeis.
Observa-se, portanto, que em todos os casos aqui
apresentados as decisões no planejamento das implantações
destes megaprojetos “são tipicamente orientadas mais por
uma lógica privada do que critérios de eficiência econômica,
justiça social e sustentabilidade ambiental, ou seja, interesses
públicos estratégicos, consagrados no arcabouço legal a partir da
Constituição Federal de 1988” (MOVIMENTO XINGU VIVO PARA
SEMPRE, CARTA PARA DILMA, 8 de fevereiro de 2011).
É bastante grave a falta de acesso à informação e de
participação informada das populações locais e, ainda, a
ausência de diálogo entre o governo e a sociedade civil no
planejamento destes setores econômicos, o que constitui outro
comportamento padrão em todos os estudos de caso abordados
aqui. Nesse sentido, cabe destaque para o caso das obras de
infraestrutura para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em
que se verifica, além da ausência de diálogo e transparência, a
falta de negociação prévia de projetos de remoções populacionais
compulsórias, bem como das alternativas existentes. Inclui-
se, em relação aos demais casos no Brasil, o processo de
licenciamentos por órgãos ambientais de EIAs “incompletos
e distorcidos da realidade como base para a realização de
audiências públicas” que têm apenas caráter protocolar (e não de
sério e democrático debate público), conforme exaustivamente
denunciado pelos movimentos sociais. Incluem-se, ainda,
as desconsiderações dos parcos resultados das audiências
na tomada de decisões sobre a viabilidade ambiental, social
e econômica dos empreendimentos em questão, bem como
o descumprimento das já insuficientes condicionantes
determinadas nos EIAs, mesmo estas sendo apresentadas sempre
de modo subestimado nos relatórios.”Inúmeras denúncias,
apelos, demandas e preocupações dos povos indígenas e dos
movimentos sociais são ignoradas pelo governo”, denuncia o
Movimento Xingu Vivo16.
Dentre as violações envolvendo os projetos relativos à
Copa e às Olimpíadas, são simulados estudos ambientais e
processos de licenciamento ambiental, em um procedimento
de exceção que revela clara infração ao estado de direito
vigente, segundo denúncias feitas pela Articulação Nacional
dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop),
que reúne organizações populares das doze cidades-sede da
Copa, Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos
Humanos no Brasil”, verificam-se “(...)atropelos legais, aportes
adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos
de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de
alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica,
ambiental e jurídica”. Esta situação repercute nas “violações de
direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos
de infraestrutura,(...) a despeito das cifras milionárias destinadas
às obras”. Por estas e outras violações envolvendo as obras para
a Copa e as Olimpíadas, constata-se que o padrão de violações
perpetradas no campo é reproduzido no espaço urbano.
Tal procedimento revela a total desconsideração e abandono
24
de experiências inovadoras com capacidade de propostas
alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico, tanto
aquelas protagonizadas pelas camadas populares em suas
diferentes expressões socioculturais quanto aquelas resultantes
de subsídios, análises e recomendações de renomados
especialistas, como o estudo crítico realizado por um Painel de
Especialistas tornado público em 200817, a Carta à Presidente
Dilma, enviada por Vinte Associações Científicas em 19 de maio
de201118, e a Carta à Dilma Rousseff, enviada por mais de 350
acadêmicos em 1o de junho de 201119.
Ainda em relação aos estudos prévios, estes desconsideram a
dinâmica ambiental e social dos territórios (relações territoriais
específicas), das populações tradicionais atingidas direta e
agressivamente pelas transgressões aos seus
direitos, negando a existência de impactos
negativos e riscos associados (desconsiderando,
inclusive, informações científicas disponíveis),
a exemplo dos grupos indígenas que vivem
especialmente nas áreas do avanço desenfreado
de hidrelétricas na Amazônia. É também o que
ocorre nas regiões onde enormes extensões
de terras são apropriadas para o plantio da
monocultura de eucalipto para indústrias de
celulose, desterritorializando preferencialmente
populações tradicionais camponesas e
indígenas, como é o caso dos Tupinambás
no extremo sul da Bahia, onde opera a
transnacional Veracel Celulose20. A não realização da oitiva das
comunidades indígenas, num claro descumprimento do artigo
231 da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), compõe o rol das falhas crônicas
mais evidentes nestes casos.
Em relação ao costumeiro descumprimento da legislação
ambiental, ocorre uma franca violação das normas que regem
os procedimentos de licenciamento ambiental, a exemplo das
concessões das licenças de instalação e de operação antes
de serem atendidas as condições das licenças prévias. Esta
violação figura como um comportamento padrão nestes tipos de
empreendimentos no Brasil. Neste contexto, verifica-se uma forte
ocorrência de atos de improbidade administrativa envolvendo o
poder Executivo nas escalas local e federal dos empreendimentos.
Alguns exemplos são o favorecimento de interesses das empresas
em detrimento dos direitos socioambientais, bem como o delito
de corrupção passiva e ativa no poder Legislativo, particularmente
na escala local, conforme denúncia apresentada em fartos
documentos e relatórios produzidos pelos movimentos sociais, e
já mencionado anteriormente.
Os processos de planejamento, implantação e operação destes
empreendimentos são fortemente marcados pela atuação do
Ministério Público (Federal e Estaduais), inclusive do Trabalho,
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As mulheres têm feito um enfrentamento permanente à indústria da celulose: em defesa da vida
25
pelo ajuizamento de grande quantidade de Ações Civis Públicas,
envolvendo também expressiva quantidade de disputas judiciais
em função de um largo espectro de crimes de violações de
direitos trabalhistas e socioambientais, constituindo uma situação
de extrema gravidade no campo dos direitos humanos.
Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego
no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as hidrelétricas de Santo
Antônio e Jirau receberam, cada uma, mais de mil autuações
por violações à legislação trabalhista. Esta situação decorre
do elevado nível de terceirização dos empregos e da intensa
precarização do trabalho, incluindo casos comprovados de
trabalho escravo. Também cabe destacar que a Veracel Celulose
está sob investigação do Ministério Público do Trabalho,
envolvida em 863 processos na Justiça do Trabalho (dados
até 2007) e um acúmulo de multas determinadas pelos órgãos
públicos ambientais, além das dezenas de Ações Civis Públicas
movidas pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual da Bahia.
No caso da UHE Belo Monte, já se acumulam treze ações
ajuizadas pelo Ministério Público Federal, no estado do Pará,
contra as ilegalidades e violações de direitos humanos21, além das
ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Neste contexto de dramáticos conflitos sociais e ambientais, as
cooptações, perseguições, criminalizações e ameaças de morte,
entre outras ações por parte das empresas, em parceria com forças
policiais militares e da área judicial, compõem praticamente o
cotidiano de pessoas, comunidades, movimentos e entidades
civis que integram os coletivos de resistência às violações dos
direitos aqui tratados. Este processo é verificado em todos os
oito casos de megaprojetos trazidos nesta publicação. É bastante
fácil constatar o forte aparato policial que fornece segurança às
empresas construtoras, como a situação em pleno curso vivida
pelos trabalhadores da construção da UHE Belo Monte e do
complexo hidrelétrico no Rio Madeira. Mais grave ainda são as
denúncias do uso de milícias na segurança da TKCSA. As greves
dos operários dos canteiros de obras destes empreendimentos
denunciam situações de superexploração do trabalho, com longas
jornadas e baixos salários, falta de atendimento adequado à saúde,
problemas de transporte e segurança, incluindo demissões e
ameaças de demissão.
Chamou a atenção da sociedade civil organizada no Brasil o
fato de os governos do distrito de Moatize e da Província de Tete
terem acionado a Polícia da República de Moçambique (PRM) e
a Força de Intervenção Rápida (FIR) para reprimirem de forma
brutal e violenta os protestos das mais de 700 famílias reassentadas
pela empresa Vale Moçambique na região de Cateme, no dia 10
de janeiro de 2012. A FIR é uma unidade da polícia moçambicana
conhecida no país pelas repressões violentas e pelo uso excessivo
de força contra civis desprotegidos. Curiosamente, uma unidade
da FIR, alimentada por fundos da empresa Vale, está instalada nas
estradas que conduzem a Tete e Cateme22.
A Vale Moçambique tem impactado de modo drástico a comunidade de Moatize: acima da lei
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A chantagem locacional também é um dos aspectos do
comportamento padrão destes projetos. Ela é efetivada por meio da
fábula da geração de empregos e de “(...) informações distorcidas e
enganosas sobre os empreendimentos, caracterizando-se como
uma espécie de panaceia para os problemas de desenvolvimento
regional, como se, em um passe de mágica, os empreendedores
fossem capazes de zerar um déficit histórico de políticas públicas
(...)” (CARTA DA ALIANçA EM DEFESA DOS RIOS AMAzôNICOS
PARA DILMA ROUSSEFF; 8 de fevereiro de 2012)23 e a produção de
desigualdades econômicas e sociais.
As localizações destes empreendimentos, que na sua maioria
obedecem a uma lógica de intervenções físicas de grande
envergadura, resultam basicamente de escolhas que se dão
conjuntamente ou com o aval dos governos federal, estaduais
e municipais. São áreas de vulnerabilidade social (situações de
pobreza, privação social e vulnerabilidade institucional diante
da precarização de políticas públicas), áreas de vulnerabilidade
socioambiental no território, áreas com populações já
enraizadas desprovidas de regularização fundiária e áreas onde
aparecem como primeiras vítimas povos indígenas, ribeirinhos,
comunidades de pescadores, quilombolas, entre outras. Foi assim
em Moçambique, na Baía de Sepetiba, no extremo sul da Bahia e
assim continua, sucessivamente, a acontecer. Esta mesma lógica
está em pleno curso nas cidades brasileiras que sediarão a Copa
2014 e no Rio de Janeiro, que também sediará as Olimpíadas
2016. Para estas populações, o eixo central das violações de seus
direitos está no “direito de ficar”, que se desdobra em um amplo
espectro de violações dos direitos humanos e ambientais.
A contaminação química (efluentes, dejetos e emissões
industriais,) dos solos, das águas e do ar faz parte deste vasto
espectro, comprometendo a segurança alimentar, a saúde das
comunidades no entorno e a própria vida nessas terras. Essa
é a realidade, há décadas, nas áreas onde se estabeleceram
as indústrias de celulose a partir da apropriação de largas
extensões de terras para o cultivo de monoculturas de eucalipto.
Nelas, é grande a contaminação química do solo, das águas
e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados) pelo uso
intensivo de agrotóxicos e formicidas24. Nessa conta, devem-
se incluir o alto consumo de água pelas plantações e fábricas
de celulose e a consequente redução de água disponível nas
comunidades vizinhas devido à rápida secagem de rios, córregos
e lagos, resultante dos cultivos de eucalipto. Alguns anos depois
do plantio, as plantações de monocultura têm um impacto
considerável sobre a recarga hídrica na superfície e no lençol
freático (REVISTA SCIENCE, 2004)25. “(...) Os rios e lagos que restam
estão envenenados por causa do uso de veneno na plantação”,
afirmam moradores da comunidade de Ponto Maneca, município
de Eunápolis, na Bahia. É fato que a implantação da Veracel, nesta
região, causou uma considerável redução da sociobiodiversidade,
atingindo milhares de pessoas, entre indígenas, agricultores
familiares, quilombolas e pequenos povoados26.
Nos casos que envolvem as atividades da empresa Vale, por
exemplo, são alarmantes os níveis de poluição atmosférica
com particulados provenientes de ferro e de emissões de CO2: a
Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), uma joint venture
da Vale com a ThyssenKrupp, “vem causando inúmeros impactos
negativos na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de
8.000 famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias
residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro” (Campanha
‘PARE A TKCSA!’, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia
causou um aumento de 600% na concentração média de ferro
no ar na área de sua influência em relação ao período anterior
ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi constatado
e denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em abril
de 201227. De acordo com dados da própria empresa, a TKCSA
também elevará em 76% as emissões de CO2, o que significa mais
de 12 vezes o total da emissão de todo o município. Reforçando as
críticas feitas pelos moradores da região, a Fiocruz constatou um
aumento de 1.000% 28 na concentração de ferro no ar da região”
(RELATóRIO DE INSUSTENTABILIDADE DA VALE 2012). Isso
revela que a “CSA, sozinha, produzirá 9,7 milhões de toneladas
de dióxido de carbono (CO2)”, de acordo com informações do
Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense
27
(UFF), em 2010, ultrapassando em três ou quatro vezes o
estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo
requerimento do MPRJ29.
Além disso, as atividades da pesca e a renda dos pescadores
estão gravemente prejudicadas pela obra da TKCSA, o que
resultou em seis processos judiciais (do total de nove movidos
contra a empresa) que preveem indenizações para 5.763
pescadores da Baía de Sepetiba (REDE BRASIL ATUAL, 18 de
abril de 2012). Na Bacia Carbonífera de Moatize, na província de
Tete, as comunidades atingidas denunciam a poluição gerada
pelas minas da Vale Moçambique (de Chipanga e do Vale), bem
como a contaminação das águas com impactos diretos à saúde,
além das alterações nas relações sociais, destruição das formas
de sustento, deslocamento de atividades econômicas locais e
mudanças radicais nas culturas tradicionais30.
Os casos emblemáticos abordados nesta publicação vitimam,
portanto, populações tradicionais e originárias cujas existências
se vinculam necessariamente a ambientes sociobiodiversos,
ampliando, aprofundando ou gerando conflitos territoriais/
fundiários e socioambientais. Inclui-se nesse comportamento
padrão dos empreendimentos a vitimação de populações
em situação de fragilidade econômico-social numa relação
direta com a segregação socioespacial urbana, decorrentes das
forças do mercado seguidas de práticas discriminatórias das
agências governamentais.
Os expressivos deslocamentos populacionais, como os
forçados (literalmente expulsões) ou as remoções compulsórias,
em áreas rurais ou urbanas, feitos inclusive com uso de
violência e intimidação, figuram notadamente como
comportamento padrão constatado em todos os casos aqui
relatados. A expulsão de famílias e/ou de comunidades inteiras
pelo uso da violência consta, por exemplo, no passivo da
empresa Veracel (esta também foi a prática empregadapela ex-
Aracruz Celulose, atual Fibria, no Espírito Santo). Expulsões por
desestruturação das economias locais podem ser constatadas
nas áreas de atuação da TKCSA, da Veracel e das hidrelétricas
na Amazônia. Remoções compulsórias (ou reassentamentos
involuntários) de famílias são feitas, com claras violações de
direitos humanos, nas áreas das obras de preparação para a
Copa do Mundo e as Olimpíadas. No caso da UHE Belo Monte,
que alagará 668 km2 e secará 100 km do rio na chamada Volta
Grande do Xingu, está previsto o deslocamento forçado de cerca
de 40 mil pessoas, atingindo direta e indiretamente catorze
comunidades indígenas do Médio Xingu, incluindo também
ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e outras
populações que habitam ao longo dos rios amazônicos31.
No caso das obras de construção dos megaprojetos de
mobilidade urbana no contexto da Copa do Mundo e das
Olimpíadas, as remoções compulsórias têm sido feitas de modo
dramático e, muitas vezes, truculento. Elas são feitas sem que
sejam providenciados os serviços e meios de subsistência nas
áreas de realocação dessas famílias, sem que as comunidades
removidas tenham participado do planejamento das remoções,
sem que tenham recebido avisos sobre as remoções com
antecedência suficiente e tendo indenizações bastante limitadas.
“Ao invés de informações, o que recebemos foram ameaças”
(CARTA À PRESIDENTA DILMA ROUSSEF, AO GOVERNADOR
DO CEARÁ, CID GOMES, E À SOCIEDADE CEARENSE. Comitê
Popular da Copa - Fortaleza, 26 de fevereiro de 2012).
Os movimentos sociais urbanos que compõem os Comitês
Populares da Copa são unânimes na percepção de um claro
A TKCSA emitiu, sem controle, grande quantidade de substâncias tóxicas: sérios danos à saúde da população
Rio+
Tóxi
co 2
012
1 Carta da Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos para Dilma Rousseff. Brasília, 8 de fevereiro de 2011. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2011/10/21/referencias-utilizadas-na-elaboracao-de-cartas-de-advertencia-a-instituicoes-financeiras-sobre-o-complexo-belo-monte/.
2 BADIN, PINTO, SISTON & TAUTZ. “O BNDES no período Lula e a reorganização do capitalismo brasileiro”. Disponível em: www.plataformabndes.org.br.
3 “BNDES – que desenvolvimento é esse?”. Por: Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais, julho de 2008. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento.
4 BADIN, LOPES PINTO, TAUTZ & SISTON. “O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário”. In: Os anos Lula: Contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento. Cf. também: “Desembolsos do BNDES crescem 568% na década”. Sabrina Lorenzi, iG RJ, 27/1/2011. http://economia.ig.com.br/desembolsos+do+bndes+crescem+568+na+decada/n1237970078829.html.
5 ______________. “O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário”. In: Os anos Lula: Contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento.
6 GARCIA, Ana S. “BNDES e a expansão internacional de empresas com sede no Brasil”. Outubro de 2011. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento.
7 MOTA, Marcelo. “BNDES vê investimentos de R$ 20 bi em papel e celulose até 2010”. Disponível em: www.ibtimes.com.br/articles/20060920/bndes.htm.
8 “A primeira fábrica da Veracel foi um dos maiores investimentos privados no primeiro governo de Lula. O empréstimo do BNDES foi da ordem de U$ 1,25 bilhão e a empresa gera, atualmente, um pouco mais de 3.000 empregos; sendo apenas 700 empregos diretos e o restante indiretos, precarizados” parecer crítico ao relatório de impacto ambiental do projeto Veracel II” – Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia, julho de 2011, pág. 10).
28
processo de gentrificação fortemente relacionado à produção
da assepsia urbana, “uma vez que a adequação das cidades ao
megaevento pressupõe a formatação de Cidades Globais”32.
Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos
Humanos no Rio de Janeiro”, produzido pelo Comitê Popular da
Copa e das Olimpíadas deste município (18 de abril de 2012)33, a
política de preparação da cidade é de militarização.
A Vale Moçambique, por sua vez, na conclusão da primeira
fase do seu projeto de mineração, reassentou 1.313 famílias, o
equivalente a 7 mil pessoas, que estão vivendo em precárias
condições, inclusive passando fome. Segundo o jornalista
moçambicano Jeremias Vunjanhe34, o reassentamento
feito pela empresa apresenta infraestrutura de má qualidade
comprometendo, desde o início, as condições mínimas de
habitação. Não há transporte nem acesso à água e energia. A terra
é imprópria para a agricultura, o que resulta na fome aguda e
subnutrição. Esta situação é ainda agravada pelo descumprimento,
por parte da empresa, dos compromissos assumidos de
indenização e da “provisão trimestral de produtos alimentares
durante os primeiros cinco anos de reassentamento”. O jornalista
moçambicano denuncia ainda a “restrição à circulação de
pessoas através da instalação de uma vedação em volta da Vila
de Moatize e das vias de acesso aos recursos minerais”. Ele
também critica o “permanente abandono e desamparo a que
as comunidades reassentadas foram sujeitas pelas instituições
de Justiça, do Estado, do governo, às quais organizações sociais
têm recorrido, nos últimos dois anos, com vistas à reposição dos
direitos violados, através de petições, queixas e reclamações que,
infelizmente, continuam sem respostas”35.
A remoção forçada representa, assim, uma ruptura na
sociabilidade, a perda de referências e um sofrimento social
que se estabelece pela involuntariedade, pelo constrangimento
e por se tratar de uma transição para condições de vida
invariavelmente mais precárias que as anteriores.
Por fim, os casos aqui apresentados explicitam as distorções
da política de financiamento do BNDES, que ignora todos os
impactos e violações mencionados anteriormente e que resultam
* Marilda Teles Maracci é Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Rede Alerta Contra o Deserto Verde.
dos seus investimentos. “Na percepção de muitos movimentos
e organizações sociais destas regiões já está ficando claro que
o BNDES vem substituindo o BID [Banco Interamericano de
Desenvolvimento] e o Banco Mundial em financiamentos a
projetos com graves impactos sociais e ambientais em seus
territórios [...]” (BADIN, LOPES PINTO, TAUTz & SISTON, 2010,
p. 3). A subordinação do direito público ao direito privado está,
sem dúvida, na raiz do conjunto destas violações. O fichário dos
estudos de casos, apresentados com riqueza de informações
mais adiante neste livro, explicita a urgência de questionar e
transformar o atual padrão de acumulação capitalista sustentado
pelo Estado brasileiro.
9 “Parecer crítico ao relatório de impacto ambiental do projeto Veracel II” – Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia – julho 2011 (pág.10). Parecer crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia e Fundação Padre José Koopmans.
10 REPóRTER BRASIL. “O BNDES e sua política socioambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada”. Fevereiro de 2011. Cf. também: “Desembolsos do BNDES crescem 568% na década”: http://economia.ig.com.br/desembolsos+do+bndes+crescem+568+na+decada/n1237970078829.html
11 “BNDES se apressa em garantir recursos para Belo Monte”. 18 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/143-bndes-se-apressa-em-garantir-recursos-para-belo-monte.
12 “Depois de recusa do Banco Central, MPF insiste em fiscalização no BNDES para Belo Monte. MPF pediu a fiscalização por causa da envergadura da operação de empréstimo, que pode ser um dos maiores da história do Banco”. Publicado em 28 de fevereiro de 2012. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2012/02/28/depois-de-recusa-do-banco-central-mpf-insiste-em-fiscalizacao-no-bndes-para-belo-monte/.
13 Nota Pública de Repúdio à realização do “Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários”. Março de 2012. Disponível em: http://www.agb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=121; http://comitepopulario.wordpress.com/2012/03/28/nota-publica-de-repudio-a-realizacao-do-workshop-internacional-sobre-deslocamentos-involuntarios/ e outros.
14 “(...) é motivo de grande espanto e preocupação a verdadeira corrida para construir uma quantidade enorme e sem precedentes de novas hidrelétricas na Amazônia nos próximos anos: em torno de 70 grandes barragens (UHEs) e 177 PCHs, inclusive 11 grandes hidrelétricas somente na bacia do Tapajós/Teles Pires, segundo dados do PNE e do PDE” (Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Carta à Dilma, 8 de fevereiro de 2011).
15 Cf. nota 4.
16 Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Carta à Dilma, 8 de fevereiro de 2011.
17 “Painel de Especialistas - Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Especialistas vinculados a diversas Instituições de Ensino e Pesquisa identificam e analisam, de acordo com a sua especialidade, graves problemas e sérias lacunas no EIA de Belo Monte”. Organizado por Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos e Francisco del Moral Hernandez. Belém, 29 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2011/10/21/referencias-utilizadas-na-elaboracao-de-cartas-de-advertencia-a-instituicoes-financeiras-sobre-o-complexo-belo-monte/.
18 Vinte Associações Científicas, dentre as quais a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências, já haviam enviado carta à presidente Dilma pedindo o cumprimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas, especialmente o de consulta prévia, livre e informada. A violação deste direito resultou, em abril (2011), na recomendação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela paralisação das obras de Belo Monte. Disponível em: http://www.advivo.com.br/sites/default/files/documentos/cartaassociacoescientificas.pdf.
19 Mais de 350 acadêmicos, incluindo professores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros, enviaram uma carta à presidente Dilma Rousseff expressando sérias preocupações relativas a violações de direitos humanos e descumprimento da legislação ambiental brasileira no processo de Belo Monte (Informe nº 966: Ibama autoriza Belo Monte sem cumprimento de condicionantes. Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 2 de junho de 2011. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=5595.).
20 É importante considerar que uma situação praticamente idêntica ocorre no norte do Espírito Santo, área em que a Fibria opera (antes denominada de Aracruz Celulose). Nesta região, atualmente vivem dezenas de comunidades, entre indígenas e quilombolas, que ainda resistem ilhadas em meio à monocultura de eucalipto, expostas a toda sorte de impactos socioambientais dramáticos e violações dos direitos humanos.
21 “Nota Pública sobre a ocupação do canteiro de obras de Belo Monte”. Movimento Xingu Vivo Para Sempre et all. Altamira (PA), 28 de outubro de 2011.
22 “O que vale o preço do desenvolvimento?”. Macua Blog - A opinião de Justiça Ambiental (JA!), 20 de janeiro de 2012. Disponível em: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2012/01/o-que--vale-o-pre%C3%A7o-do-desenvolvimento.html.
23 Disponível em: http://terradedireitos.org.br/biblioteca/carta-da-alianca-em-defesa-dos-rios-amazonicos-para-dilma-rousseff/.
24 Uso de agrotóxicos à base de glifosato (Roundup da Monsanto) nas plantações.
25 Revista Science. “Trading Water for Carbon with Biological Sequestration”. Robert B. Jackson et al. Dezembro de 2004, vol.310 p.1944-1947 (citado por: “Parecer Crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II”, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes)) e Fundação Padre José Koopmans (Eunápolis, Bahia, julho de 2011).
26 Situação idêntica ocorre no norte do Espírito Santo (municípios de Aracruz, São Mateus e Con-ceição da Barra), onde a empresa Fibria (antes denominada Aracruz Celulose), uma das proprietárias da joint venture Veracel Celulose S.A. na Bahia, desenvolve a mesma atividade da monocultura de eucalipto em grandes extensões de terras.
27 “Relatório dos atingidos pela Vale cita ‘insustentabilidade’ e critica ‘incoerente posição’ da mineradora”. Virginia Toledo/Rede Brasil Atual. Publicado em 18/04/2012. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2012/04/relatorio-dos-atingidos-pela-vale-denuncia-insustentabilidade-e-critica-a-antagonica-posicao-da-mineradora.
28 Relatório da Fiocruz caso TKCSA 2011: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”.
29 Requerimento do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) à 2ª Vara Criminal do bairro Santa Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, que faz parte da segunda ação penal contra a TKCSA, de junho de 2011, por crime ambiental, conforme a Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais).
30 Segundo o “Dossiê dos Impactos e Violações da Vale no Mundo” (abril de 2010), referindo à exumação de corpos pela Vale em Moçambique, “a população se recusa a ceder os cemitérios que se encontram dentro das áreas de concessão mineira da Vale. Enquanto a Vale se desdobra no fabrico de caixões para a exumação dos corpos, as populações entendem que é absurdo remover os corpos dos seus entes queridos, e é uma violação gravíssima a uma tradição secular”. Disponível em: http://atingidospelavale.files.wordpress.com/2010/04/dossie_versaoweb.pdf.
31 “Vale candidata a pior empresa do mundo”. Justiça nos Trilhos, 09 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.justicanostrilhos.org/comment/reply/876.
32 “Copa do Mundo para Todos – O retrato dos vendedores ambulantes nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014”. Publicado em abril de 2012 por StreetNetInternational. Disponível em: http://apublica.org/2012/04/copa-nao-e-para-pobre-os-ambulantes-zonas-de-exclusao-da-fifa/
33 “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro”. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/qwd9xw10jsknc55/Dossi_Megaeventos_e_Viola_es_dos_Direitos_Humanos_no_Rio_de_Janeiro.pdf.
34 Jeremias Vunjanhe é jornalista graduado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Modlane de Maputo, Moçambique. Atualmente é coordenador da Área de Mídia da Justiça Ambiental (JA!) e da campanha de Monitoria do Projeto de Mineração da Vale em Moatize.
35 “Vale: novos conflitos em Moçambique. Entrevista especial com Jeremias Filipe Vunjanhe”. Instituto Humanitas Unisinos. 26 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/506152-vale-novos-conflitos-em-mocambique-entrevista-especial-com-jeremias-filipe-vunjanhe-.
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31
Ambientalização dos bancos: da crítica reformista à crítica contestatóriaFabrina Furtado e Gabriel Strautman
O ano de 2009 foi um marco para o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES):
pela primeira vez a instituição ultrapassou a casa
dos R$ 100 bilhões em desembolsos, alcançando a marca de
R$ 137,4 bilhões1. Em novembro daquele mesmo ano o Rio de
Janeiro, cidade que abriga a sede do Banco, foi também o local
do I Encontro de Populações Sul-Americanas Atingidas por
Projetos Financiados pelo BNDES.
Ao longo da última década a economia brasileira vem
experimentando um expressivo ciclo de expansão, caracterizado
por consecutivas taxas de crescimento econômico. Dificilmente
isso teria sido possível sem a existência do BNDES, instituição
financeira integralmente pública, fundada em 1952, e principal
instrumento para a implementação das políticas industrial, de
infraestrutura e de comércio exterior brasileiras. O BNDES é a
principal, senão a única, fonte de financiamento de longo prazo
no Brasil. Para que conseguisse cumprir o papel de garantidor
de recursos suficientemente capazes de sustentar a expansão da
economia brasileira, o Banco teve seu capital multiplicado por
oito em apenas uma década. O BNDES, no entanto, não se limita
a ter um papel de mero financiador de projetos. Por integrar o
corpo de acionistas de várias empresas e conglomerados, este
Banco tem um profundo conhecimento dos principais setores da
economia brasileira, o que lhe atribui uma enorme capacidade
de planejamento econômico.
Os representantes de comunidades atingidas por projetos
financiados pelo BNDES no Brasil e na América do Sul (região de
crescente atuação do banco nos últimos anos) vivenciaram, no
Encontro do Rio de Janeiro, três dias de intensos debates e de
um rico processo de intercâmbio de experiências de resistência
e contestação aos grandes projetos de infraestrutura e empresas
transnacionais. Ao final, eles enviaram uma importante mensagem
à opinião pública: o BNDES, através dos projetos que financia e
ajuda a conceber, é também responsável pelos irreversíveis impactos
causados às comunidades e ao meio ambiente.
A escalada dos conflitos sociais e ambientais em contextos
de expansão da economia é algo que tem sido cada vez mais
comum, especialmente nos países do chamado mundo
em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a pressão de
organizações da sociedade civil e movimentos sociais pela
responsabilização das instituições financeiras, a exemplo do
que agora acontece com o BNDES, não é algo inédito. Desde
a década de 1980, pelo menos, instituições como o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
são alvo de críticas pelo envolvimento na formulação de
políticas e projetos polêmicos. Em resposta, o Banco Mundial
foi o primeiro a adotar uma política de salvaguardas, passando
assim a exigir de seus “clientes”, como são chamados os
países, que os impactos socioambientais dos projetos fossem
considerados desde a fase de concepção.Gui
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32
Este pioneirismo do Banco Mundial lhe rendeu a posição de
modelo a ser seguido pelas demais instituições financeiras e o
papel de porta-voz do conceito de desenvolvimento sustentável,
que, de acordo com o Banco, seria capaz de equilibrar o
crescimento econômico e a geração de trabalho e renda com a
proteção ao meio ambiente. Entretanto, quase três décadas após
a aplicação das salvaguardas, diferentes segmentos críticos ao
caráter da atuação do Banco Mundial continuam a questionar
a suposta responsabilidade ambiental do Banco. De um lado,
grupos que acreditam na importância das salvaguardas defendem
o seu aprimoramento, de outro, grupos veem na sua criação mais
um instrumento de retórica das instituições financeiras.
Considerando o exposto, a proposta deste texto é resgatar o
debate sobre a adoção de salvaguardas socioambientais por
instituições financeiras, mapeando as diferentes vertentes
existentes neste debate. O objetivo central será, portanto, o de
identificar elementos para subsidiar o debate sobre a recém-
anunciada Política Sociambiental do BNDES, cujas fragilidade
e limitação têm sido objeto de análises e questionamentos da
própria Rede Brasil. É relevante ressaltar que a referida Política
Socioambiental do Banco se constitui como contrapartida do
Empréstimo Programático de Política para o Desenvolvimento
em Gestão Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em
inglês) do Banco Mundial, autorizado em 2009, no valor de US$
1,3 bilhão – em que a política ambiental do Banco Mundial serve
de referência para o BNDES.
Cabe destacar que o BNDES, um banco público brasileiro, se
realmente se preocupasse com parâmetros para a sua política
ambiental facilmente os encontraria na legislação federal. No
ordenamento jurídico brasileiro, existem dispositivos legais
que obrigam as instituições bancárias a se preocuparem com
aspectos ambientais em suas operações de crédito, como a lei
que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, e
a Lei de Crimes Ambientais, de 1998 (Repórter Brasil, 2011). Na
prática, no processo de aprovação de novos financiamentos, o
Banco se limita a verificar se as diretrizes ambientais definidas
pela legislação, como consulta prévia e avaliação de impacto
ambiental, dentre outras, foram cumpridas ou não pelos órgãos
ambientais competentes. Além disso, como resposta às pressões
realizadas pela sociedade civil, o BNDES adotou em 2008
um conjunto de cláusulas sociais que preveem a suspensão
antecipada de financiamentos que produzam violações de
direitos humanos, mas que só se aplica em condenações de
última instância. Em 2009, o Banco começou a divulgar seus
dados operacionais, ainda que muito insuficientes, através do seu
“portal da transparência”.
Para subsidiar a elaboração de estratégias referentes à
questão socioambiental e ao BNDES, uma reflexão sobre as
perspectivas em torno das salvaguardas e as IFMs surge como
um instrumento importante, ainda mais considerando o
histórico de atuação de diversas organizações e da própria Rede
Brasil neste campo. Na busca de contribuir para essa reflexão,
este artigo apresentará as perspectivas de dois diferentes olhares
sobre as salvaguardas. Reconhece-se que as estratégias de
atuação diante das IFMs são muito mais complexas do que será
apresentado aqui, e que não é possível dividi-las em apenas
duas vertentes independentes pois envolvem, em distintos
momentos da história, do contexto político e das condições
de ação, uma complexa rede de relações entre elas, e que
nem uma nem a outra são implementadas de forma isolada.
Entretanto, o interesse é compreender os possíveis usos e
riscos das salvaguardas através da escolha de perspectivas e
estratégias representativas, e não realizar estudos exaustivos
sobre todas as perspectivas e estratégias. Para realizar este
exercício metodológico, o texto do professor Acselrad (2010)
“Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento
por justiça ambiental” foi grande fonte de inspiração. Nele, o
autor analisa a apropriação da questão ambiental por parte de
organizações e movimentos sociais refletindo sobre o que é
chamado de ecologismo de resultados, pragmático e tecnicista,
por um lado, e ecologismo combativo, contestatório, por outro.
As categorias utilizadas no caso deste artigo são a de crítica
reformista e crítica contestatória.
Primeiramente, este artigo apresenta o debate sobre
33
salvaguardas, seu histórico e alguns conceitos importantes.
Na segunda parte, há uma reflexão sobre a crítica reformista
e questões como transparência, mecanismos de prestação de
conta e participação. A terceira seção apresenta os argumentos
do que aqui se denomina crítica contestatória, aproveitando
o debate sobre salvaguardas para realizar uma análise mais
estrutural sobre o processo de ambientalização das IFMs, seus
mecanismos de participação e de investigação independente e a
relação com a crítica. A última parte traz algumas considerações
finais e questões a serem aprofundadas.
A construção deste artigo é resultado de mais de dez anos
de experiência do autor e da autora no monitoramento de
IFMs, incluindo o papel dos dois como secretária e secretário
executivos da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais, período durante o qual participaram de consultas
e reuniões do Banco Mundial, BID e BNDES, atividades de
formação e mobilização de populações atingidas por estas
instituições, além de processos de monitoramento, avaliação e
denúncias de alguns dos casos aqui citados. O trabalho contou
ainda com um esforço de pesquisa em fontes secundárias para
construir os elementos teóricos fundamentais ao debate sobre
salvaguardas, participação e o papel da crítica.
1. O debate sobre salvaguardas: salvaguardando o quê?
A palavra salvaguarda significa, de acordo com o dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa, proteção e garantia dadas por
uma autoridade ou instituição; o que serve de defesa, de amparo;
ou, ainda, privilégio ou vantagem de certa classe ou espécie.
Quando o que está em discussão é a aplicação de salvaguardas
por uma instituição financeira responsável pelo financiamento
de projetos, estamos falando de um conjunto de políticas e
diretrizes que são aplicadas sobre estes projetos para garantir que
eles “não provoquem dano algum2”.
Subjacente ao conceito de salvaguardas está a noção de que
os tomadores de recursos da instituição financeira devem ser
capazes de se antecipar aos efeitos considerados indesejáveis
nos projetos, procurando evitá-los, quando possível, e mitigá-
los, quando necessário. Com efeito, técnicas como a avaliação
prévia de impactos ambientais, consulta prévia às comunidades,
planos de mitigação de impactos, além de políticas específicas
para projetos que envolvam reassentamento involuntário
de populações ou impactos sobre comunidades indígenas
começaram a ser aplicadas. Em alguns casos, a política de
salvaguardas de um banco pode também ser aplicada para
impedir o envolvimento dele em determinados tipos de projeto.
A política de salvaguardas do Banco Mundial, por exemplo,
veda a participação da instituição em projetos envolvendo a
conversão significativa de habitats naturais ou operações com
madeireiras comerciais.
Durante a década de 1980, o Banco Mundial foi alvo de duras
críticas de organizações da sociedade civil por sua omissão e
negligência em relação aos danos sociais e ambientais causados
pelos projetos financiados. Pressionado, este Banco acabou
adotando uma política de salvaguardas socioambientais (ver
tabela 1), sendo posteriormente seguido por outras agências de
desenvolvimento, como o (BID) e o Banco de Desenvolvimento
Asiático (BDA).
Por sua vez, a Corporação Financeira Internacional (IFC, do
original em inglês), agência ligada ao Grupo Banco Mundial que
financia exclusivamente o setor privado, possui uma política de
salvaguardas específica. Também como resultado da pressão
por parte de organizações da sociedade civil, em 2006 o IFC
adotou uma série de Políticas e Padrões de Desempenho sobre
Sustentabilidade Socioambiental (ver tabela 2) para orientar seus
clientes na gestão de riscos sociais e ambientais em setores como
os de petróleo, gás e mineração. A política do IFC se diferencia
das demais salvaguardas do Banco Mundial por ser “baseada em
resultados”. Assim, seus clientes deverão seguir uma série de
princípios de sustentabilidade mais amplamente definidos, em
vez de objetivos específicos. Ao proceder dessa maneira, o IFC dá
a seus clientes maior flexibilidade para escolher que ferramentas
utilizar para alcançar estes resultados esperados.
No entanto, a adoção de salvaguardas bem como os demais
34
instrumentos de prestação de contas e democratização não
livraram as (IFMs) das críticas. Com o tempo, percebeu-se
que as normas e procedimentos concebidos em resposta
às pressões da sociedade civil, como condições essenciais
para o financiamento de projetos, terminaram não sendo
adotadas – ou satisfatoriamente adotadas – pelos próprios
bancos. A partir daqui, identificam-se pelo menos dois
grupos críticos das IFMs com diferentes interpretações para
os problemas de implementação das salvaguardas: o primeiro
deles é o dos reformistas, que acreditam nas salvaguardas
como um instrumento de reforma dos bancos e atribuem a
falhas operacionais os problemas na implementação; o outro
grupo, dos contestatários, argumenta que as salvaguardas
são instrumento de retórica, sendo, portanto, muito mais um
discurso do que necessariamente uma prática. Para este grupo,
o objetivo final das salvaguardas é a neutralização da crítica
ao modelo de desenvolvimento do qual os bancos são um
instrumento central.
2. A crítica reformista
Os reformistas consideram as salvaguardas um eficiente
instrumento para a promoção de um desempenho
ambientalmente responsável pelos bancos, mas desde que
aplicadas adequadamente. Neste sentido, a crítica reformista
mira na falta crônica de transparência, canais de participação
direta e de mecanismos eficientes de prestação de contas e
responsabilização como principais desafios a serem superados
pelos bancos multilaterais.
2.1 Transparência
A falta de transparência, por exemplo, impede que se
saiba como os projetos são avaliados, seja do ponto de vista
econômico-financeiro, seja do ponto de vista socioambiental.
Logo, sem transparência não há como saber de que forma as
salvaguardas são efetivamente implementadas nos projetos
financiados pelas instituições financeiras. Embora a maioria
das IFMs tenha implementado políticas de acesso à informação
(ou disclosure) ao longo dos últimos anos, estas ainda deixam
muito a desejar. Uma das críticas feitas aos relatórios de
acompanhamento de projetos divulgados pelo Banco Mundial,
por exemplo, é a de que estes apenas apresentam dados
agregados, que impedem uma visualização mais precisa sobre
os impactos que estão sendo efetivamente provocados pelos
projetos. Além disso, a maioria destes relatórios é resultado
das chamadas “inspeções de escritório”, ou seja, não adota
como fonte primária de informação o contato direto com as
comunidades (FOX, 2001; HERBERTSON, 2010).
O caso do IFC é ainda mais grave: o banco é conhecido pela
sua prática de implementar e monitorar projetos de portas
fechadas e por deixar por conta das empresas beneficiárias de
seus empréstimos a comprovação dos resultados definidos
pelos seus “Padrões de Performance”. Isso é particularmente
problemático nas operações de financiamento que o IFC
realiza através de intermediários financeiros, pois não há meios
de se certificar se estas instituições aplicam as diretrizes de
sustentabilidade exigidas pelo IFC.
2.2 Prestação de contas: o caso do Painel de Inspeção
do Banco Mundial e do Mecanismo de Investigação
Independente do BID
Para os críticos reformistas, a existência de canais de prestação
de contas e accountability, complementares à política de
transparência, é também necessária para uma aplicação eficiente
das salvaguardas. Neste sentido, mecanismos de mediação de
conflitos como o Painel de Inspeção do Banco Mundial surgem
servindo como via para que os interessados nos projetos e
suas comunidades identifiquem e resolvam problemas que se
manifestam quando deixaram de ser observadas salvaguardas
sociais e ambientais do Banco (BANCO MUNDIAL, 2009).
A criação do Painel de Inspeção pelo Banco Mundial em
1993 foi vista como uma das principais vitórias da sociedade
35
civil internacional relativas às políticas das
IFMs, após intensa mobilização e pressão de
redes, ONGs e movimentos sociais de vários
países. A exemplo do que aconteceu com
as salvaguardas, outras IFMs seguiram
a iniciativa do Banco Mundial, criando
mecanismos semelhantes ao Painel de
Inspeção. O BID, por exemplo, em 1994
criou o Mecanismo de Investigação
Independente (MII), que em 2010 passou
a se chamar Mecanismo Independente
de Consulta e de Investigação (Mici).
Em 1999, o IFC e a Agência de Garantia de
Investimentos Multilaterais (Agim), ambas do
Grupo Banco Mundial, também criaram o Escritório
do Ombudsman para a Verificação da Obediência às
Regras (Office of the Compliance Advisor Ombudsman –
CAO) (BM, 2009; BID, 2010).
Tomando como exemplo o Painel de Inspeção do Banco
Mundial, o processo de funcionamento é o seguinte: duas
ou mais pessoas afetadas por um projeto financiado pelo
Banco, que considerem que o projeto violou as salvaguardas,
podem escrever ao painel pedindo uma investigação. Uma
vez recebido e registrado o pedido, o painel determina a
elegibilidade desse pedido, ao qual a gerência do Banco tem
a oportunidade de dar uma resposta inicial, concentrada
geralmente no fato de terem sido ou não observadas as
políticas pertinentes da instituição naquele projeto em
particular. Caso conclua que o pedido é elegível, o painel
recomenda uma investigação completa à diretoria
executiva (BANCO MUNDIAL, 2009).
Entretanto, a crítica reformista reconhece
que é mais fácil falar do painel do que usá-
lo efetivamente. Mesmo em casos em que as
pessoas atingidas estão informadas sobre o painel
e as políticas do Banco e seus pleitos ajustam-
se às incumbências do painel, os custos e riscos
de registrar uma
reclamação podem
ser substanciais.
Os custos envolvem
recursos humanos
necessários para o
processo, altamente técnico,
de preparar uma reclamação,
registrá-la e fazer lobby por ela. A
percepção de riscos também depende de
que potenciais reclamantes estejam sujeitos a
ameaças de retaliações. Finalmente, a motivação
para usar um canal institucional como o Painel
de Inspeção não pode ser suposta como sempre
presente. Os procedimentos do painel e a linguagem
política extremamente técnica do Banco requerem tanto
uma proficiência em inglês quanto um alto nível de
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Os impactos da atuação das instituições financeiras estão presentes em todo o território: financiando a destruição
36
familiaridade e tolerância com a cultura legal ocidental, sem
mencionar uma aceitação implícita da legitimidade do Banco
enquanto instituição.
A experiência revela ainda que raramente as IFMs cancelam
um empréstimo por uma falha na obediência de suas próprias
políticas de salvaguardas, o que reduz os incentivos ao
encaminhamento de queixas aos mecanismos de mediação de
conflitos. Em 1995, uma queixa feita ao Painel de Inspeção do
Banco Mundial pelo financiamento pelo IFC de uma barragem
hidrelétrica no Rio Bío-Bío, no Chile, abriu um lamentável
precedente: o Banco provocou e negociou o vencimento
antecipado de um empréstimo e a empresa ficou desobrigada
a cumprir as salvaguardas. Como já foi dito, o IFC está fora do
poder do Painel, e viria a criar o seu próprio mecanismo apenas
quatro anos mais tarde. Mesmo assim, a direção do Banco
Mundial não quis estender o poder do Painel de Inspeção sobre
o IFC e, assim, recusou permissão para uma inspeção. Porém a
reclamação fez James Wolfensohn, então presidente do Banco,
estabelecer uma averiguação ad hoc e independente. Mas a
companhia de energia chilena pagou, adiantadamente, a sua
dívida, evitando assim o escrutínio do Banco Mundial.
Vale lembrar que o IFC já foi alvo de diversas críticas
também no Brasil por financiar projetos de graves impactos
socioambientais. Alguns exemplos são a expansão de plantação
de soja do Grupo Amaggi no leste do Mato Grosso, a Aracruz
Celulose e a ampliação de uma das maiores empresas do setor de
carne bovina do país, a Bertim, na Amazônia. No caso da Aracruz,
a empresa antecipou o pagamento da dívida que tinha com o
IFC, no valor de US$ 50 milhões, o que levou o Banco a afirmar
que, assim, estava encerrada sua relação com a multinacional
e a sua responsabilidade em torno das questões cobradas pela
sociedade civil, em especial pela Rede Alerta Contra o Deserto
Verde e a Rede Brasil. Em relação ao caso Bertim, o Banco foi
obrigado a cancelar o empréstimo depois de denúncias e de
uma ação movida pelo Ministério Público Federal do Pará de
que a empresa estaria comprando gado de fazendas envolvidas
em desmatamento ilegal e de propriedades localizadas dentro
da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, e fornecendo os produtos
derivados dos animais nos mercados brasileiro e internacional
(REDE BRASIL, 2004; CARTA MAIOR, 2005; GREENPEACE, 2009).
Caso semelhante ao da hidrelétrica no Rio Bío-Bío aconteceu
no Brasil com o então MII, do BID, no financiamento ao projeto
da Hidrelétrica de Cana Brava em 2005. Desde o início do projeto,
vários conflitos foram gerados e denúncias foram apresentadas
pelos atingidos pela obra envolvendo a empresa – a Companhia
Energética Meridional (CEM), subsidiária da Tractebel Energia
da Bélgica –, o governo e os financiadores. Após a realização de
uma auditoria social, o BID reconheceu a sua responsabilidade
pelas falhas operacionais do projeto, destacando a violação da
sua própria Política Operacional de Reassentamento Involuntário.
O Banco também se comprometeu a “continuar a ter uma
obrigação moral em manter uma reputação positiva, garantindo
que todos os atingidos pelo projeto fossem beneficiários da
implementação do projeto”. Apesar disso, um representante do
BID observou que dificilmente o BID poderia exigir medidas da
Tractebel já que esta, em maio de 2005, exerceu o seu direito
de pré-pagar o empréstimo do BID inteiramente, como
estipulado nos documentos de financiamento, livrando-se das
obrigações assumidas junto ao Banco3, incluindo a aplicação
das salvaguardas.
2.3 Participação
Diante da observação dos problemas existentes na aplicação
das políticas de salvaguardas bem como da insuficiência dos
mecanismos de solução de conflitos das IFMs para fazer os
bancos respeitarem suas próprias diretrizes, as organizações
da sociedade civil insistem na importância dos canais de
participação direta, como meio de promover o diálogo
sobre o aperfeiçoamento destes instrumentos de reforma
das instituições. Como resultado dessa pressão, as IFMs têm
realizado inúmeros processos de consulta sobre suas políticas
setoriais (revisão da política de integração do BID, da política
energética e climática do Banco Mundial), além das suas próprias
37
salvaguardas. No entanto, há um descontentamento por parte
da sociedade civil, pois as consultas têm sérios problemas
metodológicos (documentos de discussão são divulgados com
pouca antecedência das consultas, geralmente em inglês e na
internet, sem ampla divulgação, levantando dúvidas sobre o
caráter da representação que atende aos convites) e não há meios
de saber como efetivamente os bancos consideram as críticas
que lhes são dirigidas.
A crítica reformista argumenta ainda que alguns traços
da própria cultura institucional dos bancos ajudam a
entender a razão pela qual as IFMs não respeitam seus
próprios procedimentos. Em um banco, os funcionários
são recompensados pela quantidade de desembolsos que
conseguem realizar, e não necessariamente pela qualidade.
Nesta mesma perspectiva, a aplicação de salvaguardas tem
impactos diretos nos custos operacionais de um projeto
e também em relação à aceitação de casos pelo painel de
inspeção. A realização de missões de monitoramento, a
produção de relatórios e a correta aplicação de avaliações de
impacto e consulta aumentam os custos operacionais dos
projetos e, principalmente, levam tempo, uma variável-chave
nos financiamentos de longo prazo. Na queda de braço entre a
eficiência socioambiental e a eficiência econômica, a força da
última revela-se, portanto, ainda preponderante.
3. A crítica contestatória: da eficiência socioambiental à
justiça ambiental
Conceitos são apresentações gerais da realidade, portadores
de significados. No entanto, podem ser apropriados de forma
distinta e ter representações diferentes dependendo do ator, seu
contexto histórico cultural, seus interesses e posicionamentos
ideológicos. Como define Hajer (2005), o discurso, produzido
e reproduzido através de distintas práticas, é um conjunto
de ideias, conceitos e categorias que dão significado aos
fenômenos sociais e físicos. A análise de discurso rejeita
a ideia de uma só realidade baseando-se na existência de
várias realidades que são socialmente construídas. Ela é capaz
de revelar o papel da linguagem na política; a inserção da
linguagem na prática; ilustrar por que determinadas definições
tornam-se mais “populares”; e explicar os mecanismos que
resultam em certas políticas e não em outras. Em relação ao
discurso ambiental, não é o meio ambiente apenas que está em
debate e sim o projeto de sociedade que é promovido sobre a
bandeira da proteção ambiental.
Os significados atribuídos às palavras em torno do conceito
de salvaguardas como proteção, garantia, defesa e amparo são
apropriados de formas distintas. O que é proteção, garantia,
defesa e amparo para o Banco Mundial é, sem dúvida, distinto do
que representa para uma comunidade tradicional que há anos
vive em um território ameaçado em todos os sentidos por um
projeto financiado pelo Banco. Talvez esta comunidade veja a
política de salvaguardas mais como uma forma de “privilegiar e
garantir vantagem da classe” que propõe, elabora, implementa e
financia aquele projeto em nome da proteção, defesa, garantia
e amparo da comunidade e de seu território. O que são efeitos
indesejáveis? O que o Banco Mundial caracteriza como dano? O
que significa de fato “evitar, quando possível, e mitigar, quando
necessário”? Quando é impossível e quando é desnecessário?
Estas são algumas questões das quais a crítica contestatória parte.
A crítica contestatória está fundamentada na percepção –
também construída como resultado de anos de monitoramento
das IFMs – de que estas instituições não podem ser reformadas
e de que mudanças de discurso não têm significado mudanças
na prática. São vários os exemplos de violações de salvaguardas
nas IFMs. Além dos casos acima mencionados, os seguintes
projetos foram alvos de denúncias por violações de salvaguardas
do Banco Mundial no Brasil: Projeto de Biodiversidade do
Paraná, Projeto de Gestão de Recursos Naturais de Rondônia,
as hidrelétricas de Yacyretá e Itaparica e o Projeto de Reforma
Agrária para Alívio da Pobreza. No caso do BID, o novo
Mecanismo de Investigação Independente, criado em 2010, já
recebeu seis denúncias, incluindo o projeto de desenvolvimento
urbano de São José dos Campos. Além disso, processos de
A expansão da plantação de soja em Mato Grosso foi financiada pelo IFC: denunciado pelos impactos socioambientais
38
avaliação das suas próprias políticas, tais como a Comissão
Mundial de Barragem4 e a investigação do Grupo de Avaliação
Independente sobre o setor extrativista do Banco Mundial5,
geraram recomendações que nunca foram incorporadas pela
instituição. No caso da Comissão Mundial de Barragem, cujo
resultado evidencia a inviabilidade social, ambiental e econômica
da construção de barragens, pode-se argumentar que o Banco
Mundial reduziu seus empréstimos diretos para tais projetos. No
entanto, além de o Banco continuar considerando hidrelétricas
como energia renovável, não utilizou os resultados do estudo
para eliminar outras formas de participação, inclusive política,
na implementação de um modelo de desenvolvimento baseado
na construção de grandes projetos de infraestrutura, mudando
assim a lógica da sua política energética. Quando questionado
sobre o uso dos resultados da CMB em relação à sua
participação no Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (mesmo
sendo de forma indireta, através do
financiamento de estudos técnicos
que subsidiaram a liberação do
licenciamento ambiental), o Banco
respondeu que como os governos
não adotaram os resultados da
Comissão o Banco também não
poderia. A crítica contestatória
não defende o uso de nenhuma
condicionalidade por parte do
Banco, pois isso significaria
reconhecer a legitimidade desta
instituição, mas uma resposta
como esta poderia ser considerada
dois pesos para uma medida; um
posicionamento bastante cômodo.
Portanto, neste debate sobre
ambientalização das instituições
financeiras, adota-se como
ponto de partida de análise uma
crítica sistêmica, para questionar,
em vez de celebrar, a adoção de políticas de salvaguardas
socioambientais e a criação de mecanismos de mediação de
conflitos e de canais de participação direta pelas IFMs. Dito isso,
é importante ressaltar que as salvaguardas, como também a
pressão por transparência e participação, consideradas neste
caso como instrumento de luta e não como fim, foram utilizadas
pelo campo contestatório em momentos de luta em que tais
instrumentos eram considerados estratégicos. É diferente utilizar
as salvaguardas como um instrumento de luta dentro de um
objetivo central de mudança do modelo de desenvolvimento e
superação das injustiças ambientais de utilizá-las como fim, sem
questionar os impactos negativos e os limites da sua elaboração,
incorporação e implementação por parte de instituições como
as IFMs. No campo da crítica contestatória, fica evidente quando
um instrumento como as salvaguardas torna-se um obstáculo na
luta por uma mudança sistêmica e é, por isso, abandonado.
Vere
na G
lass
39
O que fundamenta essa visão é a percepção segundo a
qual tais instrumentos servem de base para a apropriação
de um discurso ambiental que contribui para a antecipação
e a neutralização da crítica ao padrão de desenvolvimento
dominante. Sendo assim, a incorporação da questão ambiental
por parte das IFMs precisa ser contextualizada e problematizada,
tendo em mente também a fase “social” das IFMs, na qual a
incorporação de questões sociais se deu no contexto de um
discurso que buscava “humanizar” o capitalismo.
É possível afirmar que o tema ambiental começou a ser
percebido como uma questão pública internacional nos anos
1960, quando os desafios da degradação ambiental e os limites
do crescimento econômico foram evidenciados. Este processo
foi consolidado durante a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente Humano, em Estocolmo em 1972. No mesmo
ano, o Clube de Roma, Organização Não Governamental (ONG)
internacional composta principalmente de representantes do
setor privado e da academia, comissionou um estudo chamado
Os limites do crescimento. Os autores mergulharam na velha tese
de Thomas Malthus sobre o perigo do crescimento populacional
e na teoria da escassez dos “recursos” (entre aspas porque o uso
do termo recursos atribui uma ideia de mercado para algo não
mercantil: a natureza) naturais. As propostas foram baseadas no
controle populacional e na economia de “recursos” em matéria e
energia para garantir a continuidade da acumulação do capital. O
debate sobre as razões pelas quais a natureza é apropriada e sobre
as relações sociais de exploração que fundam tal apropriação é
escondido por trás da teoria da escassez (ACSELRAD, 2010).
Assim, em 1984 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas, realizou um
estudo sobre a degradação ambiental e as políticas ambientais
que resultou no relatório Nosso Futuro Comum. O objetivo do
estudo era propor meios de harmonizar o desenvolvimento
econômico e a conservação ambiental. Esta publicação
aparece como um instrumento para a introdução de políticas
de sustentabilidade ecológica ao processo de globalização
econômica, tendo como conceito orientador o desenvolvimento
sustentável (LEFF, 2009).
Para Acselrad (2008), a partir dessa construção do processo
de ambientalização, entendido como a existência de novos
fenômenos ou novas percepções de fenômenos relacionados
à interiorização da questão pública do meio ambiente pelas
pessoas e por grupos sociais, que leva a mudanças de linguagem,
práticas sociais e processos de institucionalização, “velhos
fenômenos são renomeados como ‘ambientais’”, a partir
dos quais surgem ações unificadas em torno da proteção
ao meio ambiente. Com o processo de ambientalização
dos Estados6 e das IFMs, a estratégia passou a ser superar a
visão de que a questão ambiental seria um obstáculo para
o desenvolvimento, encontrando formas de promover os
propósitos desenvolvimentistas, como a busca por maiores
lucratividades dos capitais em nome da geração de emprego e
renda, garantindo assim uma legitimidade para a questão.
Este processo é também conhecido como modernização
ecológica, definida por Hajer (1996) como uma resposta
política-administrativa para a última manifestação do dilema
ecológico, com base na suposição de que a crise ecológica pode
ser superada através da inovação tecnológica e processual, de
instrumentos de mercado da colaboração e da construção do
consenso. As instituições políticas seriam capazes de internalizar
preocupações ecológicas e conciliar o crescimento econômico
com a resolução dos problemas ambientais. Neste contexto,
o meio ambiente deixa de ser um obstáculo ao crescimento,
passando a ser seu novo motor. É essa percepção do meio
ambiente que a crítica contestatória argumenta ser a das IFMs.
A crítica em torno da modernização ecológica se dá em
diversos níveis e está relacionada com o uso que é feito do
discurso ambiental, como também a prática. Esta modernização
foi impulsionada por uma elite de políticos, especialistas e
cientistas que impõe suas definições do problema e suas
soluções, buscando manter o interesse das elites industriais
através de instrumentos políticos como as IFMs. Neste caso o
discurso ambiental é utilizado como forma de legitimação e
instrumento para garantir a continuação e o aprofundamento
40
de políticas neoliberais: tudo deve ser permitido em nome
do meio ambiente. Essa perspectiva adota como pressuposto
que a degradação ambiental é uma externalidade, uma falha
do mercado e que, consequentemente, é preciso “internalizar
os custos ambientais”, valorar bens não econômicos, onde
o mercado prevalece sobre o não mercantil. O processo de
valorização da natureza gera uma nova fonte de renda capitalista,
seja através da redução de custos por causa dos programas
de sustentabilidade ambiental corporativa e ganhos em
competitividade, da elaboração, comercialização e dominação
sobre novas tecnologias e das isenções fiscais, seja através da
criação do lucrativo mercado de “serviços e ativos ambientais”.
Desse modo, a modernização ecológica seria um caso de
falsas soluções para problemas reais. Existe uma realidade mais
profunda por trás da retórica oficial da modernização ecológica:
a tecnocracia disfarçada que representa um obstáculo para as
soluções verdadeiras. Como o tema ecológico foi incorporado
pelos aparatos de poder, tornou-se um pretexto e um meio para
controlar mais ainda a vida e o ambiente social (ACSELRAD,
2010; HAJER, 1996; LEFF, 2009).
3.1 Salvaguardas –”modernização ecológica para a
neutralização da crítica”
A diferenciação entre a crítica reformista e a contestatória pode
ser relacionada com o que Acselrad (2010) chama de “substituição
do ambientalismo contestatário por um ecologismo de
resultados, pragmático e tecnicista”, desenraizado, que ocorreu
ao longo dos anos 1990. Embora este movimento não tenha sido
generalizado, houve uma tentativa de neutralização das lutas
ambientais por parte, principalmente, das IFMs, mas também
por empresas poluidoras e governos, sobrevivendo aqueles com
fortes vínculos com os movimentos sociais. O autor (ibid, p.13)
sugere que:
parte do “ecologismo desenraizado” respondeu
favoravelmente ao discurso consensualista propugnado
por agências multilaterais, de apologia da parceria
público-privada, de deslegitimação da esfera nacional
em favor da esfera local, de favorecimento das ações
fragmentárias em detrimento da coerência articulada da
ação política.
A substituição da crítica contestatória pelo tecnicismo seria
um propósito comum a organismos multilaterais, governos e
empresas poluidoras. Em relatório para o Brasil, o Banco Mundial
dizia “reconhecer seu papel de catalisador” na promoção da
participação da sociedade civil (GARRISON, 2000). Atuando de
forma antecipada, podemos dizer que através da elaboração
de políticas de salvaguardas, por exemplo, estas instituições
estariam capturando os movimentos de contestação ao modelo
de desenvolvimento dominante no contexto do projeto de
“modernização ecológica”.
Em relação à ideia de neutralização da crítica, vale citar
o trabalho realizado por Boltanski e Chiapello, na obra O
Novo Espírito do Capitalismo, em que a crítica é apresentada
como grande motor que dinamiza o espírito do capitalismo,
fornecendo a sua justificação moral. Os autores mostram como
o capitalismo utiliza-se da crítica, de algo que lhe é alheio ou até
hostil, para se justificar, mesmo quando o objetivo da crítica não
seja estabelecer um espírito capaz de possibilitar a acumulação
do capitalismo, e sim de reformar ou superar o sistema. Essa
apropriação é realizada através de três formas:
1. A crítica serve para deslegitimar o “último”
espírito do capitalismo e reduzir a sua eficácia enquanto
justificativa. Por exemplo, no final dos anos 1960 o
capitalismo estadunidense encontrou fortes tensões
entre o ascetismo protestante que pregava o valor do
trabalho e da poupança e um estilo de vida baseado no
gozo imediato do consumo, estimulado pelo crédito
e pela produção em massa. A crítica ao ascetismo
protestante acabou deslegitimando o espírito capitalista
até então dominante, colaborando para um processo de
41
transformação para a fase materialista da sociedade
de consumo do capitalismo. Este processo teve
como resultado uma desmobilização dos trabalhadores
como consequência de uma mudança nas suas
expectativas e aspirações.
2. Ao criticar o processo capitalista, a crítica obriga
seus porta-vozes a se justificarem em termos do bem
comum. Assim, o capitalismo se legitima incorporando
parte dos valores em nome dos quais foi criticado. Por
exemplo, depois das muitas críticas ao Consenso de
Washington, instituições como o Banco Mundial e o BID
adotaram o discurso da “humanização” do capitalismo,
promovendo políticas setoriais, escolhendo uma parte
dos “pobres” a ser beneficiada, para justificar a sua
preocupação como social. Mais recentemente percebeu-
se um processo de ambientalização destas instituições.
Ou seja, tanto o Banco Mundial quanto o BID elaboraram
salvaguardas ambientais e implementaram investigações
independentes de seus projetos. A hidrelétrica de Cana
Brava está entre os muitos casos de projetos financiados
por estas instituições que resultam em conflito, mesmo
com a existência de salvaguardas ambientais e sociais.
Ainda neste caso, cada vez que o MAB elaborava uma
crítica ao Banco, este respondia com determinada “ação”,
seja ela uma auditoria social, seja a criação de um Fundo
de Desenvolvimento Regional. Embora o discurso e
algumas normas sejam modificadas, a estrutura, a lógica
e a prática destas instituições permanecem a mesma, e a
crítica acaba sendo colocada a serviço do fortalecimento
da legitimidade delas.
3. Outro possível impacto da crítica se refere à
possibilidade de o capitalismo escapar da exigência
de reforçar suas justificativas, tornando-se assim mais
dificilmente decifrável, “embaralhando as cartas”,
plantando a confusão e desarmando a crítica. Neste
caso, o capitalismo responde à crítica não através da
incorporação de dispositivos mais justos, mas sim
mudando a forma imediata de obtenção de benefícios,
deixando a crítica sem saber como explicar o “novo”.
Um exemplo pode ser a economia verde, o atual
argumento central dos governos e das IFMs para
combater o que eles chamam de crise ecológica. Este
movimento está, aparentemente, deixando alguns
grupos ambientalistas sem crítica enquanto, no fundo,
aparece como uma nova “roupagem” para um velho
modo de produção e consumo. Outro exemplo é o
fato de que a agenda de instituições como o Banco
Mundial e o BID no Brasil deixou de ser dominada por
financiamento direto aos projetos, passando a se dar
através da assistência técnica. Ou seja, em vez de investir
diretamente em projetos de hidrelétricas, fornecem
assistência técnica ao governo para implementá-los, se
“esquivando” da crítica.
Embora tendo como base a argumentação de que o
capitalismo sempre se renova com a ajuda da crítica, o objetivo
de Boltanski e Chiapello (ibid) não é reduzir o papel da crítica ao
conceder força para o inimigo, e sim mostrar a sua importância
e a necessidade dela de sempre recomeçar. O que os autores
defendem é o fato de a crítica não poder nunca “cantar vitória”.
Não se podem ignorar os defeitos dos novos dispositivos
criados para “atendê-la”. Neste sentido, é possível argumentar
que, em um primeiro momento, a criação de salvaguardas, de
mecanismos de investigação independente, de processos de
participação e transparência foram importantes. No entanto,
não se pode perder de vista como no capitalismo, neste caso
em relação às IFMs, através da contínua implementação de
determinado modelo de desenvolvimento, independente dos
mecanismos e das políticas criadas, a crítica inicial se desatualiza
e, muitas vezes, acaba voltando contra si mesma. No entanto,
a crítica é capaz de desnaturalizar os fenômenos sociais,
mostrando inclusive que a mudança é possível, que as decisões
– de construir ou não uma hidrelétrica, a escolha em torno de um
projeto de desenvolvimento, por exemplo – podem ser diferentes.
42
Assim sendo, resta à crítica contestatória seguir preservando
o espaço de crítica contra o modelo de desenvolvimento e
tratando de colocar a questão ambiental de tal forma que ela
seja parte estruturante da construção de um projeto político
contra-hegemônico.
Vale ressaltar também a discussão de Bolstanski em outra obra
na qual o autor escreve sobre a necessidade da crítica. De acordo
com ele, há neste mundo uma nova classe dominante, cada
vez mais heterogênea, que cria uma nova cultura internacional
baseada na economia e na gestão. Esta elite é responsável por
operar o mundo como ele é e por relativizar as regras; regras
que quando necessário são flexibilizadas e violadas. São regras
a serem obedecidas apenas pelos outros, os dominados. Os
dominantes – que pertencem ao mundo das instituições
financeiras, das grandes empresas e do Estado – dividem
em comum uma visão secularizada das regras. Como afirma
Boltanski (2009, p. 219), “pertencer a uma classe dominante
é, antes de tudo, estar convencido que pode-se transgredir a
letra da regra, sem trair seu espírito. Mas esse gênero de crença
não vem à mente senão dos que pensam poder encarnar a
regra, pela boa razão que eles a fazem”. Por que, então, elaborar
salvaguardas sociais e ambientais? Seria porque são elaboradas
para serem violadas?
3.2 Canais de Participação Direta – “apropriação da crítica”
Como parte do processo de neutralização da crítica estão
também os mecanismos de participação. Isso porque grande
parte do ecologismo pragmático acabou atuando diretamente
nos espaços estatais, “prestando serviço” aos aparatos
burocráticos do “setor ambiental dos governos”, fornecendo
informação, informação técnica e mediando conflitos,
colaborando para a ambientalização do setor privado e das
IFMs. A crítica contestatória respondeu: “A nossa luta original
era por um novo modelo de desenvolvimento e não por buscar
soluções paliativas”, pois “não somos consultores, queremos
mudar a sociedade”e “nosso papel não é o de trabalhar para o
governo; não é o de ocultar o conflito, mas dar-lhe visibilidade”
(ACSELRAD, 2010, p. 106).
Relacionado a esta análise, encontra-se o debate sobre a
importância da participação para a manutenção do capitalismo
contemporâneo. No contexto de uma reflexão (e proposta) sobre
o planejamento insurgente, Miraftab (2009) analisa a participação,
através da inclusão, como instrumento de dominação. Neste
sentido, o capitalismo neoliberal vem se utilizando das relações
com a sociedade civil para garantir estabilidade nas relações
Estado-sociedade. Portanto, sugere a autora, o planejamento
insurgente torna-se instrumento importante para contestar o
terreno da inclusão e dominação.
No seu artigo sobre planejamento insurgente, Miraftab (2009)
fala da necessidade de superar a dominação realizada através
da inclusão do capitalismo neoliberal, a tentativa de estabilizar
as relações Estado-sociedade através da inclusão da sociedade
civil no processo de governança. O neoliberalismo é entendido
aqui não como um projeto econômico, mas como um projeto
ideológico, um conjunto de políticas, ideologias, valores e
racionalidades. Por ser um projeto ideológico, o capitalismo
neoliberal depende de legitimação e da percepção por parte da
sociedade de que existe inclusão.
Diferentemente do capitalismo expansionista mercantil
da era colonial, o capitalismo atual não depende mais
prioritariamente da força militar ou da coerção para se
manter. Quando possível, o poder hegemônico é conquistado
através do consentimento da sociedade e da percepção de
inclusão. Similar ao pensamento de Boltanski, Miraftab explica
que argumentações econômicas não são suficientes para
justificar as políticas atuais. É necessário criar discursos com
base em valores, como a liberdade e o progresso (ibid).
A autora utiliza-se de leituras gramscianas para examinar por
que instituições como o Banco Mundial (e o BID) começaram
a incluir a participação nas suas agendas institucionais. A
compreensão da hegemonia como relações normalizadas
e da contra-hegemonia como práticas e forças capazes de
desestabilizar tais relações ajuda a entender o poder da inclusão
A produção de commodities para exportação é financiada pelas IFIs: investindo em um modelo infértil
43
neoliberal. São vários os exemplos de
como a participação de comunidades,
movimentos e organizações em
projetos de desenvolvimento
de instituições, como o Banco
Mundial e o BID, despolitizam a luta
e ampliam o controle do Estado
sobre a sociedade, permitindo a
permanência do status quo através
da estabilização das relações Estado-
sociedade; através da eliminação
do conflito. No entanto, argumenta
Miraftab, os movimentos também
são capazes de se apropriarem das
aberturas no sistema hegemônico
para garantir suas ações contra-
hegemônicas. Não são limitados
ao que ela chama de invited spaces,
espaços de participação criados
pelas autoridades para os quais os
movimentos são apenas convidados.
Também são capazes de inventar espaços de participação e de
se reapropriarem de velhos espaços para exigir seus direitos e
fortalecer a sua luta contra-hegemônica. Ou seja, trata-se de
priorizar os espaços resultantes de mobilizações e ocupações,
como ocorreu quando o Movimento dos Atingidos Por
Barragens (MAB) ocupou a sede do BID em Brasília por causa
de Cana Brava, em vez das consultas das IFMs que, para a crítica
contestatória, em nada têm resultado a não ser legitimar o
ilegitimável.
3.3 Mecanismos de Resolução de Conflitos – “ação antecipada
e desjudicialização”
Neste contexto não é difícil compreender por que projetos de
disseminação de tecnologias de resolução de conflitos tenham
sido implementados no continente nos anos 1990. Foram vários
os programas do Banco Mundial, do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), mas também de universidades
como a de Harvard, Berkeley e Flórida (ACSELRAD e BEzERRA,
2009). Como já mencionado, em 1993, o Banco Mundial criou
o Painel de Inspeção com o objetivo de investigar projetos
financiados pelo Banco para determinar o cumprimento ou
não das políticas e procedimentos operacionais, incluindo
salvaguardas sociais e ambientais e, em 1994, o BID criou um
mecanismo independente para “aumentar a transparência,
responsabilidade institucional e efetividade” do Banco, que
foi substituído pelo Mecanismo Independente de Consulta e
Investigação em 2010 (BANCO MUNDIAL, 2009; BID, 2010). Estes
mecanismos vêm servindo como instrumentos de mediação
de conflito entre o solicitante impactado pelo projeto, o governo
e a empresa envolvida. Em 2011, o representante do Banco
Mundial, debatendo com representantes da sociedade civil sobre
Vere
na G
lass
44
os impactos da Copa do Mundo durante a consulta deste Banco
sobre sua nova Estratégia País, afirmou que o Banco estaria
fornecendo seu know-how para o governo brasileiro em torno
da resolução de conflitos como consequência das remoções7.
Não é à toa que, em março deste ano, a Articulação Nacional
dos Comitês Populares da Copa, conjunto de organizações,
movimentos e militantes que vêm denunciando as violações
de direitos decorrentes da realização de megaeventos, elaborou
uma carta criticando um seminário realizando pelo Ministério
da Cidades em parceria com o Banco Mundial. O convite dessas
instituições explicita o objetivo:
O objetivo do workshop (Internacional sobre Deslocamentos)
é buscar soluções concretas para o Brasil no enfrentamento
dos desafios relacionados a deslocamentos involuntários, por
meio da reunião de especialistas e formuladores de políticas
em âmbito nacional e internacional. Serão compartilhadas
experiências e melhores práticas em formulação e
implementação de políticas, legislação e abordagens para
reassentamentos e deslocamentos involuntários, buscando
relacioná-las com os desafios-chave para as autoridades
brasileiras (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2012, p. 1).
No entanto, o que significa resolver, prevenir ou mediar um
conflito? São várias as perspectivas em torno de conflitos sociais
que vão desde a ideia do conflito como sinal de que algo está
errado, resultado de um desequilíbrio que precisa ser eliminado
para garantir a coesão social, aos que defendem que a existência
de conflito reflete a dinamicidade do sistema, sendo este capaz
de promover um aperfeiçoamento no sistema ou até a sua
superação através de reformas ou revoluções (VAINER, 2007). O
conceito de resolução de conflito, no entanto, tem como base a
perspectiva de que os conflitos ocorrem por falta de instituições
e que a paz e a harmonia deveriam provir de um processo de
despolitização dos litígios, através de táticas de negociação
direta capazes de prover “ganhos mútuos”. Os conflitos devem
ser prevenidos e seu tratamento tecnificado através de regras e
manuais (ACSELRAD e BEzERRA, 2009). Mas de onde surgiram
estas propostas e quais os seus objetivos?
A perspectiva dominante percebe o conflito como um
desequilíbrio a ser corrigido. Neste sentido, é possível
compreender por que a resolução, a prevenção e a mediação
de conflitos ganharam vigência nos dias atuais. Vale lembrar a
fala de um ex-presidente do Chile que, em 2003, declarou que
“um país sem coesão social é conflitivo. Um país conflitivo não
é competitivo. Para competir no exterior, é preciso coesão social”
(FOLHA DE S.PAULO, 2003, p. A27, apud. ACSELRAD e BEzERRA,
2009, p. 2). Logo, para garantir a competição é necessário banir o
conflito e para tanto é preciso banir também a política, considerada
uma ameaça à construção de estratégias vencedoras. A política e a
ação coletiva são substituídas pelo consensualismo.
Banir o conflito significa banir a luta social, um meio através
do qual grupos sociais constituem-se como sujeitos políticos,
geram identidades, projetos e práticas coletivos e ação política
autônoma (VAINER, 2007). E como ocorre a mediação? De
acordo com Acselrad e Bezerra (2007), os defensores dos
mecanismos de resolução e mediação de conflito os justificam
primeiro sem referência à compensação econômica, citando
a carência de instituições, a redução de custos, a necessidade
de submeter os litígios à apreciação de experts e a necessidade
de participação. Vale lembrar que o documento do BID (1999)
“Reassentamento Involuntário nos Projetos do BID: Princípios e
Diretrizes”, elaborado para “apresentar os princípios e estratégias
a serem seguidas no caso de projetos de desenvolvimento
financiados pelo Banco que resultam em relocação involuntária”
(ibid, prefação), inclui, entre outras questões, a necessidade
de um painel independente de peritos para projetos com
grande probabilidade de causar significativos impactos de
reassentamento. Considera-se que os peritos agem em torno
de um bem “maior”. Inclui também o princípio de “Assegurar
Participação da Comunidade”. A auditoria Social também
menciona a necessidade de especialistas sociais e a importância
da participação.
Essas justificativas desconsideram o debate sobre correlação
de forças. Desconsideram que são as leis e o combate às relações
desiguais no exercício do direito que podem melhor defender
45
os interesses de grupos sociais em conflito contra empresas e
contra o governo. Como afirma Vainer (2007), a mediação supõe
a existência de uma neutralidade, uma isenção de todos os
interesses, posições e condições de classe. Se essa neutralidade
fosse possível, ela ainda teria de ser baseada em determinados
valores e parâmetros, não passíveis de mediação. Usando o
exemplo do BID, o documento mencionado também defende
que “A maneira mais justa de se resolver disputas é através
de procedimento de arbitragem independente envolvendo
instituições e indivíduos considerados neutros por ambos os
lados”. Não são os valores do Banco que orientam os indivíduos
que participam dessas iniciativas? O problema também ocorre
ao constatar-se que, quando tais mecanismos funcionam,
seus resultados, sendo contrários aos interesses dos criadores,
são geralmente ignorados. Isso pode ser verificado com o caso
de Cana Brava: quando os resultados do Mici e da primeira
auditoria não foram divulgados, o Banco permitiu que a empresa
adiantasse a sua dívida para, assim, não ter nenhuma obrigação
com as normas do BID; e quando as irregularidades divulgadas
não foram corrigidas.
Existe ainda a justificativa com base na compensação
econômica. Duas virtudes são enfatizadas neste caso. Primeira,
consideram a possibilidade de que todos os atores envolvidos
no conflito possam vencer, tendo algum tipo de compensação
(ACSELRAD e BEzERRA, 2009). Pode-se argumentar que no caso
de Cana Brava, com a criação do Fundo de Desenvolvimento
Regional, todos os atores ganharam alguma compensação. No
entanto, como pode ser percebido pela fala do Movimento, a
compensação não foi justa e muito menos igualitária.
A segunda virtude refere-se ao fato do ganho proveniente da
possibilidade de evitar que os litígios cheguem à esfera judicial,
o que seria indesejável (ibid). No entanto, recorrer ao Ministério
Público é uma estratégia central dos movimentos envolvidos em
conflitos. No caso de Cana Brava, a esfera judicial foi claramente
evitada pela empresa, inclusive através do adiantamento do
pagamento da sua dívida com o BID.
Vale ressaltar que a compensação econômica pode ser
considerada um instrumento de esvaziamento da possibilidade
de evidenciar o confronto entre diferentes modelos de
desenvolvimento. Ou seja, o MAB não luta apenas por
compensação econômica, luta por uma transformação no
modelo energético e de desenvolvimento. Essa questão
não apareceu nos documentos do BID ou nos processos de
negociação. Ocorre também que propostas como fechar a
hidrelétrica, evitar a construção de outras com os mesmos
impactos, banir a Tractebel de pelo menos receber financiamento
novamente do BID ou do BNDES também são ignoradas a partir
da realização da compensação. Na lógica do “modelo harvardiano”
de negociação, conforme escrito por Fisher e Ury (1985), que
o próprio título do livro, Como chegar ao sim: a negociação de
acordos sem concessões, sugere, o objetivo da negociação é
superar as resistências, a disputa, o conflito e garantir a aprovação
de empreendimentos (ACSELRAD e BEzERRA, 2009). O direito de
dizer não ao projeto não é considerado.
O documento do Banco Mundial (2009) sobre o Painel de
Inspeção não deixa dúvidas sobre o real objetivo da mediação
e negociação:
Quando membros da Gerência do Banco ou da Diretoria
levantam a questão do “custo” do Painel de Inspeção em virtude
de demoras em projetos, basta apenas recordar os dias de
Narmada, Polonoroeste, Transmigração e o empréstimo para o
Setor da Energia, no Brasil, para saber que o Banco não poderia
reverter jamais à era anterior ao Painel. Alguns daqueles projetos
foram postergados por anos (bem mais longamente do que
uma investigação do Painel), devido a protestos locais, consultas
públicas insuficientes, violações de políticas e direitos humanos,
falha na elaboração do projeto, falta de supervisão ambiental e
social, entre outros problemas (p. 117) .
Considerações finais
A questão ambiental não é uma questão nova. Há muitos
anos ecologistas e intelectuais tentam chamar atenção para
os impactos do modelo de desenvolvimento sobre a natureza,
46
levantando questionamentos sobre a relação sociedade
e natureza sendo construída em nome deste modelo. No
entanto, foi somente nos anos 1970 que ela se tornou uma
questão pública, uma questão política, sendo incorporada
pelas instituições públicas e privadas, inclusive as financeiras.
Como novos fenômenos são construídos? Como velhos
fenômenos passam a ser concebidos de outra forma? O que
gerou e como se deu a construção dessa “união” de todos pela
“proteção ambiental”? É essa a questão central por trás deste
debate sobre salvaguardas ambientais.
Se existe algo que o monitoramento de instituições
financeiras (e políticas) tem nos ensinado é que nada é realizado
por estas instituições à toa. Não é necessário apelar para
teorias da conspiração para perceber que existe algo por trás
do discurso ambiental. Existe algo por trás do debate sobre
salvaguardas ambientais porque, afinal, como salvaguardar
algo que tem significados diferentes, representações materiais
e simbólicas diferenciadas e conflitantes? Como conciliar
diferentes valores, princípios e estratégias de desenvolvimento?
É possível fazer isso através de demandas por mais
transparência, participação, controle social e melhorias
técnicas, pela mediação e resolução de conflito, ou seja,
por reformas pontuais? Ou estaremos, desse modo, apenas
legitimando mais uma forma de apropriação e neutralização
da crítica e das lutas sociais por justiça e dando ao capitalismo
outra justificativa moral? Isso não significa necessariamente
negar essas estratégias por completo em todos os momentos
de luta, mas sim problematizá-las e levantar os riscos de se
focar nelas como fim ou como prioridade.
O discurso das IFMs, muitas vezes, tenta camuflar a existência
de diferentes projetos de sociedade. Para essas instituições, o
conflito ocorre somente quando os diferentes interesses não
foram negociados. Salvaguardas sociais e ambientais, além
de processos de consulta, seriam suficientes para garantir
o interesse de uma comunidade atingida.
Seus interesses estariam salvaguardados
e as denúncias em torno da violação de
salvaguardas não estariam sendo realizadas
porque os projetos de sociedade são distintos
e sim porque algum interesse escapou da
negociação. Para resolver, basta realizar
uma consulta e um processo de negociação.
Para tanto, ignora-se, o debate em torno da
correlação de forças. A razão do mercado
continua predominando e a negociação é
controlada pelos dominantes. Ignora-se o
fato de que os valores, princípios e projetos de
sociedade não são negociáveis.
Os interesses econômicos não são mais Em protesto contra a hidrelétrica de Cana Brava, os atingidos por barragens ocuparam a sede do BID em 2005 - Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
47
suficientes para justificar o capitalismo. As IFMs precisaram de
mais criatividade para ganharem legitimidade. Transparência,
processos de participação, consultas, mecanismos de
investigação independente, painéis de investigação, portal da
transparência e necessidade de participação são alguns dos
instrumentos utilizados. Muitas vezes, atores em potenciais
conflitos se encontram sem muita escolha a não ser acreditar
neste discurso, inclusive porque algumas das questões surgem
das suas próprias demandas, principalmente no que diz respeito
ao tema da participação. No entanto o que na maioria das vezes
acaba acontecendo é a despolitização dos conflitos, passando
uma ideia da possibilidade da neutralidade e do consenso.
Mas onde existem valores, princípios e projetos não existem
neutralidade nem consenso. O objetivo de tais políticas e
instrumentos, no fundo, acaba sendo o de superar as resistências,
a disputa, o conflito e garantir a aprovação de empreendimentos,
de determinados interesses.
O debate sobre a adoção de salvaguardas por instituições
financeiras nos ajuda a perceber e refletir sobre tais aspectos.
A participação no processo de elaboração das salvaguardas e
a sistematização das denúncias geradas com a violação delas,
sem dúvida, fortaleceram a ação coletiva das organizações
da sociedade civil envolvidas no processo e também das
populações atingidas pelos projetos. Cada denúncia exigiu
uma reação da empresa, do Banco e do governo, talvez mais
do que os processos de negociação. No entanto, apesar de
mostrar diversas irregularidades, os relatórios das IFMs nos
casos mencionados aqui neste artigo não foram utilizados para
beneficiar os atingidos e as atingidas. Afinal, como exigir das
instituições algo que para elas nem é considerado um problema?
Como negociar o interesse coletivo de populações atingidas e o
interesse de uma transnacional e de uma instituição financeira?
Daí surge, inclusive, o risco de se criar instrumentos e políticas
para estas instituições que podem servir para evitar o processo
judicial. Mesmo reconhecendo todas as limitações do sistema
judiciário na garantia e promoção de direitos, não se pode deixar
de questionar quem poderia defender melhor as populações
atingidas, o Banco Mundial, o BID ou o ministério público? Como
poderiam os especialistas do Mici ou do Painel de Inspeção
serem neutros? O que precisa um profissional para trabalhar
em uma instituição como esta se não estar de acordo com seus
valores e princípios?
Instituições Financeiras Multilaterais, como o Banco Mundial
e o BID e cada vez mais o BNDES, estão, sem dúvida, entre os
melhores exemplos de instituições que se apropriam da crítica
promovendo mudanças discursivas ou criando normas a serem
violadas para garantir a legitimação. Depois de anos de críticas
aos impactos sociais e ambientais de seus projetos, criou-se o
discurso do capitalismo humano e, agora, o capitalismo verde.
Criaram-se salvaguardas sociais e ambientais e, em alguns
casos, não financiam mais diretamente os projetos reconhecidos
por gerarem conflitos, fornecem ¨ajuda¨ técnica. Na maioria
dos casos, é possível verificar não somente a violação de
salvaguardas, o uso do Painel de Inspeção ou do Mici e outros
instrumentos para banir o conflito, mas também como as
IFMs incorporaram determinadas demandas dos movimentos
responsáveis pelas denúncias no plano do discurso mas que,
na prática, pouco serviram para o fortalecimento da luta para
além de demandas materiais pontuais nem revelaram uma
mudança estrutural na atuação da instituição. Tais demandas
não deixam de ser importantes, pois afinal os atingidos e as
atingidasprecisam se alimentar e ter um teto sobre a cabeça,
mas, como bem explica Boltanski, a luta não pode cantar vitória,
precisa reconhecer como o dominante pode utilizar-se desta
vitória para debilitar a luta maior em torno de valores e princípios.
O campo crítico não pode perder de vista que na tentativa de
se banir o conflito está a tentativa de banir a ação autônoma de
sujeitos políticos que buscam justiça, contrapondo-se às relações
desiguais no exercício do direito, das quais depende o atual
padrão de acumulação altamente concentrador da renda, de
gênero e raça e predador da natureza e da sociedade.
Assim sendo, é possível argumentar que promover e
radicalizar os conflitos significa reconhecer a sua contribuição.
O que teria acontecido se o MAB não tivesse realizado um
48
acampamento na frente da barragem, diversas mobilizações
e ocupado a sede do BID? O que teria acontecido se os
moradores de Pinheirinho não tivessem resistido bravamente
à reintegração de posse? Pode parecer que pouco mudou, mas
a mensagem enviada por estas lutas aos capitalistas de plantão
é que a vida deles não será facilitada, outra barragem não será
construída sem resistência, moradores legítimos não serão
retirados de suas terras sem resistência, sem luta; mostram que
ainda existem sujeitos políticos coletivos lutando para romper
com o sistema injusto e desigual e construir projetos de uma
sociedade distinta. Isso passa por rejeitar políticas e estratégias
de prevenção, resolução e mediação de conflitos. O conflito
não pode ser resolvido, prevenido nem mediado, ele deve ser
reconhecido, fortalecido e radicalizado.
O conflito é também constitutivo do sujeito. Na vida da
resistência e da opressão, ele serve também para colocar a
força da resistência à prova, mesmo quando a resistência não
consegue superar a opressão. Sem resistência, somos apenas
vítimas das situações. Como dizia o poeta maranhense Antônio
Gonçalves Dias “Viver é lutar”. Isso passa pela renovação da
crítica, por “tomar de volta aquilo que nos foi apropriado”. Mas
ficam as questões: quais são as verdadeiras possibilidades
de ação? Como atuar em um contexto onde por mais que a
restrição, a opressão e a repressão não sejam total, tampouco é
a liberdade? Qual seria o papel de uma rede de monitoramento,
denúncia e mobilização frente às instituições financeiras? A
transformação do capitalismo e seu sistema de justificação
transformaram também o papel dos movimentos de resistência.
Talvez o desafio esteja na análise das crises como elemento de
refundação da crítica, da radicalização do conflito e da ação.
Dito tudo isso, tem um ponto neste debate todo que é mais
que evidente e que talvez seja a maior contribuição do autor
e da autora deste artigo como resultado da experiência na
Rede Brasil. O papel das organizações e de redes como a Rede
Brasil precisa ser construído a partir da sua ação nos territórios.
A avaliação do uso de instrumentos como as salvaguardas
precisa ser realizada com base nas realidades, demandas e
necessidades de comunidades atingidas pelas IFMs, pelo
BNDES e por suas políticas e projetos. Como bem questionou
nossa companheira de luta Jutta Kill, na IX Assembleia Geral
da Rede Brasil, o papel de uma rede ou organização é abrir
o espaço político ou ocupá-lo em nome de comunidades
atingidas? Se for só abrir o espaço político, tudo bem, mas se
for ocupar, então, de onde veio este mandato? Nem o campo
da crítica reformista nem da crítica contestatória podem ter
este mandato. Assim sendo, a apropriação das reflexões aqui
apresentadas para a elaboração de estratégias de luta diante das
IFMs em geral só faz sentido se for construída com os sujeitos
sociais em resistência e enfrentamento, só faz sentido se for
contextualizada e territorializada. É verdade que a maioria
das reflexões surgiu exatamente da experiência com estes
sujeitos, mas não para por aqui. Afinal, quem somos nós para
definir o que é melhor para quem, de fato, sente e enfrenta, no
cotidiano, na pele, a dor e a luta de ser uma atingida ou um
atingido? Podemos contribuir com as nossas articulações,
reflexões e compreensão sobre experiências passadas, suas
oportunidades, limites e riscos, mas jamais definir o que não é
nossa atribuição definir.
Gab
riel S
trau
tman
“Sem resistência, somos apenas vítimas das situações”: conflito é constitutivo do sujeito
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Anexos
Tabela 1 – Política de Salvaguardas do Banco Mundial
Política Principais características Última revisão
OP4.01 Avaliação ambiental
• as consequências ambientais potencias dos projetos deveriam ser identificadas no início do ciclo do projeto• avaliações ambientais e planos de mitigação são requeridos para projetos com impactos ambientais ou reassentamento involuntário significativos• avaliações ambientais deveriam incluir a análise de desenhos ou localizações alternativos, ou considerar a “falta de opção”• requer participação pública e o fornecimento substancial de informações
1999
OP4.04 Habitats Naturais• proíbe financiar projetos “envolvendo a conversão significativa de habitats naturaisa menos que não haja alternativas factíveis”• requer análises de custo/benefício ambientais• requer avaliação ambiental com medidas de mitigação
2001
OP4.36 Florestamento • proíbe financiar operações de madeireiras comerciais ou a aquisição de equipamento para o uso em florestas úmidas tropicais primárias 2002
OP4.09 Manejo de pragas• apoia manejo ambientalmente correto de pragas, incluindo manejo integrado de pragas (mas não proíbe o uso de pesticidas altamente perigosos)• o manejo de pragas é responsabilidade do tomador do empréstimo no contexto da avaliação ambiental de um projeto
1998
OP4.12 Reassentamento involuntário
• implementado em projetos que deslocam ou removem pessoas fisicamente em consequência da perda de bens produtivos, mudanças no uso da terra ou da água• requer participação pública no planejamento do reassentamento como parte da avaliação ambiental do projeto • intenciona restaurar ou melhorar a capacidade de gerar renda dos relocalizados
2001
OP4.10 Povos indígenas
• o propósito é assegurar que os povos indígenas beneficiem-se de projetos de desenvolvimento financiado pelo Banco e evitar ou mitigar efeitos potencialmente adversos sobre eles• aplica-se a projetos que podem afetar negativamente a povos indígenas (exemplo: projetos de infraestrutura como estradas, represas, indústrias extrativas, etc.) ou quando os povos indígenas são definidos como beneficiários • requer a participação dos povos indígenas na criação de planos de desenvolvimento de povos indígenas• os problemas são frequentemente identificados em EIA-RIMAS
2005
OP4.11 Patrimônio cultural• o propósito é dar assistência na preservação do patrimônio cultural, como sítios com grande valor arqueológico, paleontológico, histórico, religioso e cultural• política geral é procurar dar assistência na sua preservação e evitar sua destruição• desencoraja o financiamento de projetos que vão causar danos ao patrimônio
2006
OP4.37 Segurança de represas
• aplica-se a grandes represas (15 metros ou mais de altura)• requer acompanhamento por especialistas independentes em todas as etapas do ciclo dos projetos• requer preparação de planos detalhados para a construção e operação e inspeções periódicas pelo Banco• requer avaliação ambiental
2001
OP7.50 Projetos em cursos de água internacionais
• cobre cursos de água que sejam fronteiras entre dois ou mais Estados, assim como qualquer baía, golfo, estreito ou canais fronteiriços a dois ou mais Estados• aplica-se a projetos de represas, de irrigação, controle de enchentes, navegação, águas e esgotos, e industriais• requer notificação, acordos entre Estados, mapas detalhados, pesquisas sobre os recursos hídricos e estudos de viabilidade
2001
OP7.60 Projetos em áreas em disputa
• aplica-se a projetos onde existem disputas territoriais• permite ao Banco continuar com um projeto se os governos concordarem que “sujeito à resolução da disputa, o projeto proposto para o país A poderá continuar, sem prejuízo para as pretensões do país B”• requer imediata identificação de disputas territoriais e descrições em toda documentação pertinente do Banco
2001
50
Tabela 2 – Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental do IFC
Política Principais objetivos Última revisão
PS1: Sistemas de gestão e avaliação socioambiental
• Busca identificar e avaliar os riscos ambientais e sociais e os impactos do projeto;• Adota uma hierarquia de mitigação para antecipar e evitar ou, quando a prevenção não é possível, minimizar e, onde os impactos residuais continuam, compensar os riscos e impactos para os trabalhadores, as comunidades afetadas e o meio ambiente;• Busca promover a melhoria do desempenho ambiental e social dos clientes através do uso efetivo dos sistemas de gestão;• Busca garantir que as reivindicações das comunidades afetadas e de outras partes interessadas sejam respondidas e gerenciadas apropriadamente;• Busca promover e proporcionar meios para o engajamento adequado das comunidades afetadas durante o ciclo de projeto e garantir que as informações relevantes, do ponto de vista ambiental e social, sejam divulgadas e disseminadas.
2006
PS2: Condições de emprego e trabalho
• Busca promover o tratamento justo, não discriminatório e com igualdade de oportunidades para os trabalhadores;• Busca estabelecer, manter e melhorar a relação trabalhador-gestor;• Busca promover o cumprimento de leis nacional de emprego e direitos trabalhistas;• Busca proteger os trabalhadores, incluindo as categorias de trabalhadores vulneráveis, como crianças, trabalhadores migrantes, trabalhadores terceirizados, abrangendo os trabalhadores da cadeia de fornecimento do cliente;• Busca promover condições seguras e salubres de trabalho e a saúde dos trabalhadores;• Busca evitar o uso de trabalho forçado.
2006
PS3: Prevenção e redução da poluição
• Busca evitar ou minimizar impactos negativos na saúde humana e ao meio ambiente por evitar ou minimizar a poluição proveniente de atividades do projeto;• Busca promover o uso sustentável dos recursos, incluindo energia e água;• Busca reduzir as emissões de GEE relacionadas ao projeto.
2006
PS4: Saúde e segurança da comunidade
• Busca antecipar e evitar impactos adversos sobre a saúde e a segurança da comunidade afetada durante a vida do projeto, sejam de circunstâncias de rotina e não rotineiras;• Busca assegurar que a salvaguarda do pessoal e dos bens seja realizada de acordo com os respectivos princípios de direitos humanos e de forma a evitar ou minimizar os riscos para as comunidades afetadas.
2006
PS5: Aquisição de terra e reassentamento involuntário
• Busca evitar e, quando a prevenção não é possível, minimizar o deslocamento ao explorar alternativas ao desenho do projeto;• Busca evitar o despejo forçado;• Busca antecipar e evitar ou, quando a prevenção não é possível, minimizar os impactos sociais e econômicos da aquisição de terras ou restrições no uso da terra por (i) proporcionar uma compensação pela perda de bens ao custo de reposição e (ii) garantir que as atividades de reassentamento sejam implementadas com a divulgação adequada de informação, consulta e participação informada das pessoas afetadas;• Busca melhorar ou restaurar as condições de vida e padrões de vida das pessoas deslocadas;• Busca melhorar as condições de vida entre as pessoas fisicamente deslocadas através da provisão de moradia adequada e com segurança da posse em locais de reassentamento.
2006
PS6: Conservação da biodiversidade e gestão sustentável de recursos naturais
• Busca proteger e conservar a biodiversidade;• Busca manter os benefícios dos serviços do ecossistema;• Busca promover a gestão sustentável dos recursos naturais vivos através da adoção de práticas que integram as necessidades de conservação e prioridades de desenvolvimento.
2006
PS7: Povos indígenas
• Busca garantir que o processo de desenvolvimento favoreça o pleno respeito pelos direitos humanos, dignidade, aspirações, cultura e seja baseado em recursos naturais e meios de subsistência dos povos indígenas;• Busca antecipar e evitar os impactos negativos dos projetos sobre as comunidades dos povos indígenas ou, quando a prevenção não é possível, minimizar e/ou compensar tais impactos;• Busca promover benefícios de desenvolvimento sustentável e oportunidades para os povos indígenas de maneira culturalmente apropriada;• Busca estabelecer e manter um relacionamento contínuo com base em consulta informada e participação com os povos indígenas afetados por um projeto durante todo o ciclo do projeto;• Busca garantir o consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas afetadas, quando as circunstâncias descritas neste Padrão de Desempenho estiverem presentes;• Busca respeitar e preservar a cultura, o conhecimento e as práticas dos povos indígenas.
2006
PS8: Patrimônio cultural • Busca proteger o patrimônio cultural dos impactos adversos das atividades do projeto e apoiar a sua preservação;• Busca promover a partilha equitativa dos benefícios provenientes do uso do patrimônio cultural.
2006
51
Bibliografia ACSELRAD, H. A constitucionalização do meio ambiente e a ambientalização truncada do Estado brasileiro. In OLIVEN, R.; RIDENTI, G; BRANDÌO, G. (Org.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec/ANPOCS, 2008. p. 225-248.
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_____. BID finaliza auditoria social do projeto hidrelétrico de Cana Brava no Brasil. 2004a. Disponível em: http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2004-05-25/bid-finaliza-auditoria-social-do-projeto-hidreletrico-de-cana-brava-no-brasil,127.html. Acesso em: 23 de janeiro de 2010.
_____. Relatório final da Auditoria Social – Plano de Reassentamento da Usina Hidrelétrica de Cana Brava, 2004.
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FISCHER, Roger. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1985.
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HERBERTSON, Kirk. What is the Future of the World Bank Group’s Environmental and Social Safeguards? Disponível em: http://www.wri.org/stories/2010/01/what-future-world-bank-groups-environmental-and-social-safeguards. Acesso em: 5 de janeiro de 2012.
1 Este recorde foi novamente superado em 2010, quando o BNDES desembolsou R$ 168,4 bilhões; só a Petrobras recebeu um empréstimo de R$ 25 bilhões nesse ano. Em 2011, o volume de desembolso do Banco caiu para R$ 139,7 bilhões, uma redução de 17% justificada como esforço do governo para conter a pressão inflacionária na economia.
2 Tradução livre da expressão original do idioma inglês “do no harm”.
3 Após várias mobilizações no local do projeto e a instalação de um acampamento contínuo em frente ao portão da barragem, um confronto entre a Polícia Militar de Goiás e os agricultores, resultando na prisão de lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e no ferimento de várias pessoas, no dia 31 de maio de 2005, 300 agricultores atingidos pelas barragens de Cana Brava e Mesa da Serra ocuparam a sede do BID em Brasília. Os agricultores exigiram uma solução para o impasse em torno das 946 famílias expulsas no processo de construção da obra. A partir da ocupação, o Banco iniciou um diálogo com as prefeituras dos municípios atingidos pela barragem para identificar áreas com potencial econômico e social na região, e com o governo federal e a Tractebel-Suez para a criação de um fundo de desenvolvimento. O Fundo de Desenvolvimento Regional Serra da Mesa/Cana Brava previa um amparo de R$ 5 milhões para a implantação de programas e projetos para garantir a sobrevivência econômica das famílias de seis cidades que perderam suas casas após a construção das duas usinas hidrelétricas e que não foram enquadradas em auditorias como aptas a receber a indenização. Para Gilberto Cervinski, da coordenação do MAB, os R$ 4,5 milhões não serão suficientes para resolver a situação das famílias: “Deveria haver um programa de moradia, de instalação de luz. Este valor corresponde ao faturamento de quatro ou cinco dias de uma empresa só” (AGÊNCIA BRASIL, 2006). A última informação recebida do Movimento indicava que grande parte dos recursos estava sendo usada para atividades que desrespeitavam a história, tradição e costumes dos agricultores.
4 Ver www.dams.org 5 Ver http://www.worldbank.org/oed/extractive_industries/
6 O que Acselrad (2008) caracteriza como processo truncado por ter sido ao longo do tempo interrompido, incompleto ou impedido de ser levado a cabo.
7 A fala do representante do Banco Mundial foi captada como resultado da participação na consulta do Banco Mundial em 2010.
* Fabrina Furtado e Gabriel Strautman são economistas e foram secretários executivos da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais entre os períodos 2005-2008 e 2008-2012, respectivamente.
52
MAB. Atingidos por barragens ocupam BID. 1 de junho de 2005. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/06/318125.shtml. Acesso em: 23 de janeiro de 2012.
MIRAFTAB, Faranak. Insurgent Planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, 2009; 8, 32-50.
REDE BRASIL SOBRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS. Banco Mundial, Participação, Transparência e Responsabilização: a experiência brasileira com o Painel de Inspeção. Flávia Barros (Org.). Brasília, 2001.
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Repórter Brasil. O BNDES e sua política ambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada. Disponível em: www.reporterbrasil.org.br. Acesso em: fevereiro de 2011.
VAINER, Carlos. Palestra no Seminário Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos. Salvador, 2007. Disponível em: http://www.observaconflitos.ippur.ufrj.br/novo/ analises/TextoVainer.pdf. Acesso em : 13 de outubro de 2011.
Vere
na G
lass
53
54
O Banco Mundial influencia a formulação das políticas públicas de meio ambiente no Brasil: avanço da devastação
55
Um breve olhar sobre a atuação de duas influentes
instituições financeiras no Brasil, hoje, mostra-se
bastante revelador do modelo de sociedade que elas
defendem e definem. Por um lado, o Banco Mundial convoca
a sociedade civil para reavaliar, de modo protocolar, a sua
política de salvaguardas sociais e ambientais, ao mesmo
tempo que formaliza um empréstimo de assistência técnica
para alterar o marco regulatório de energia e mineração
no país. Por outro, o BNDES, ao passo que se consolida em
nível regional como instituição financeira pública mais
relevante que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) juntos, se projeta e às corporações
brasileiras no cenário internacional e anuncia sua nova
política socioambiental como uma resposta às condicionantes
estabelecidas por um empréstimo do próprio Banco Mundial.
Neste contexto, cabe perguntar: quais as lições relevantes
a serem aprendidas pelo BNDES com o Banco Mundial
no sentido de salvaguardar a justiça social e ambiental da
aplicação do modelo de desenvolvimento que promovem
estas instituições financeiras?
Este artigo recupera e avalia a influência recente do Banco
Mundial, através de empréstimos, estudos e cooperação técnica,
na formulação das políticas públicas na área de meio ambiente
no Brasil, bem como a reprodução deste modelo e receituário
pelo BNDES. Seu intuito é explorar argumentos que compõem
a crítica à política socioambiental do BNDES, assim como
questionar a proposição e incorporação de salvaguardas e
mecanismos de verificação como parte de uma estratégia política
que busca o controle social para o redirecionamento do modelo
de desenvolvimento promovido pelo Banco e pelo Estado
brasileiro, em um contexto de flexibilização das leis ambientais.
Neste sentido, o texto traz uma avaliação das implicações
políticas e operacionais do Empréstimo de Assistência Técnica
e do Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/SAL, sigla em inglês
para Technical Assistance Loan/Structural Adjustment Loan),
financiados pelo Banco Mundial com o propósito de cooperar
na “melhoria” das políticas de gestão ambiental do Ministério
do Meio Ambiente (MMA). Ambos precedem o Empréstimo
Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão
Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em inglês),
aprovado em março de 2009, no valor de US$ 1,3 bilhão para o
SEM DPL I e US$ 700 milhões para o SEM DPL II, sendo um dos
maiores empréstimos do Banco Mundial já concedidos ao Brasil.
Desrespeitando a soberania brasileira, mais uma vez, o Banco
Mundial impôs como uma das condicionantes deste empréstimo
que o BNDES desenvolva a sua Política Socioambiental, além
do “aperfeiçoamento” do processo de licenciamento com o
propósito de reduzir os índices de judicialização das licenças
ambientais dos megaprojetos de geração de energia no país.
Este artigo também faz um alerta sobre o significado do
empréstimo SEM DPL outorgar ao BNDES um papel orientador
e financiador de políticas de gestão ambiental aos órgãos
ambientais federal e estaduais, para além da formulação de suas
próprias políticas operacionais.
Na área da política de clima, contemplada de forma central pelo
SEM DPL e capitalizada pelo BNDES, são analisados os impactos
Banco Mundial: um exemplo para o BNDES?Lucia Ortiz*
Dani
el B
eltr
á/G
reen
peac
e
56
da atuação do Banco Mundial sobre as políticas de mercados
climáticos e eixos setoriais da Política Nacional sobre Mudança
do Clima (PNMC). O enfoque é dado ao Plano Agricultura
(que, na verdade, trata-se do Agronegócio) de Baixo Carbono
(Plano ABC) e às contradições do modelo da economia verde,
impulsionado pelo BNDES que, agora, atua como gestor dos
novos fundos ambientais e de clima, vis-à-vis o conjunto
dos impactos socioambientais promovidos pela carteira de
operações do Banco.
IFMs: mais do que financiar projetos, implementar ideologias
Instituições financeiras, como o Banco Mundial e o BNDES,
têm um papel que vai além do empréstimo e da geração de
dívidas para implementar projetos de “desenvolvimento” ou da
criação de novos produtos, fundos e mercados, que interessam a
qualquer banco.
As chamadas instituições de Bretton Woods, o Banco Mundial
e o Fundo Monetário Internacional (FMI), foram criadas no
pós-guerra com o compromisso de atenderem às demandas
de reconstrução e desenvolvimento. Este último é um termo
carregado de ideologias cunhadas para justificar a polarização
econômica da ordem mundial daquela época e dar forma a
uma visão de futuro a ser perseguida, vinculada ao progresso e
ao crescimento econômico, e que, atualmente, é cada vez mais
questionada como intangível, injusta e insustentável.
A partir dos anos 1980, impactos diretos relacionados a
megaprojetos financiados pelas Instituições Financeiras
Multilaterais (IFMs) nos chamados países em desenvolvimento,
decididos e implementados à revelia das populações locais, como
obras de irrigação e hidrelétricas, começaram a ser questionados
publicamente e atingiram repercussão internacional.
Na década seguinte, o movimento antiglobalização
multissetorial juntamente com o Jubileu Sul, articulação que
tem como um de seus temas principais o cancelamento das
dívidas dos países do Sul Global, passaram a incidir e denunciar
os projetos destas instituições financeiras, inclusive os que
já recebiam a roupagem do “desenvolvimento sustentável”,
e as políticas de endividamento do Banco Mundial e do FMI,
associadas às receitas e condicionantes que impunham a
liberalização do comércio e dos serviços e a desregulamentação
do Estado. A sociedade civil internacional também se atentava,
naquele momento, para a utilização de recursos públicos para
efetivar privatizações e fusões, abrindo o campo de atuação
das corporações multinacionais (no caso do Brasil, recursos
provenientes do próprio BNDES).
Já nos primeiros anos 2000, a relevância política e econômica
dos bancos multilaterais passou a ser ofuscada pelas instituições
financeiras públicas dos países emergentes, como o BNDES
no Brasil, e outras privadas, assim como por espaços globais
de poder que se consolidam cada vez mais como decisivos
e orientadores da economia global. Dois exemplos destes
espaços são o G8 (grupo formado pelos, então, sete países mais
industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo -
Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e
Canadá - mais a Rússia) e o G20 (grupo que reúne as 19 maiores
economias do mundo mais a União Europeia). Em um mundo
multipolar, estas instituições financeiras passam a subordinar-se
aos novos blocos de poder internacionais e suas corporações,
menos do que representar Estados “sombra” tão diretamente
vinculados ao seu maior acionista, os Estados Unidos.
A partir da crise financeira de 2008, o Banco Mundial e o
FMI voltaram a se capitalizar e assumir o status de agentes
reguladores, retomando seus papéis políticos na economia,
a serviço dos interesses dos grandes Estados-corporações,
inclusive os emergentes como o Brasil. Neste ínterim, tanto
o Banco Mundial como o BID desenvolviam estratégias e
discursos para legitimarem-se como fornecedores de soluções-
empréstimos e gestores de novos recursos, negociados em
nível multilateral em resposta à consolidação da crise climática.
Aproveitando-se da preocupação crescente da sociedade com
este tema, estas instituições fomentaram novas lógicas de pensar
e criaram oportunidades para os fluxos de capital financeiro,
ainda que investindo massivamente no mesmo modelo fóssil
57
de desenvolvimento. Também os setores privados dos bancos
multilaterais, como o Departamento de Setor Privado (PRI, sigla
em inglês), do BID, e a Corporação Financeira Internacional
(IFC, sigla em inglês), do Banco Mundial, e os bancos públicos
nacionais, como o BNDES, passaram por uma recapitalização a
partir da abertura de novos ambientes de investimento.
Os novos mercados ambientais, deflagrados junto com a crise
climática e ambiental, e a tentativa de consensualização de um
marco político global com a promoção da economia verde,
como via de solução e reinvenção do capitalismo financeiro,
contaram com a expertise técnica e política do Banco Mundial.
A partir da elaboração de arcabouços lógico, político e legal, este
Banco impulsionou, no Brasil, os mercados climáticos na política
nacional de clima, o ajuste estrutural das políticas do MMA e a
operação-piloto de fundos e programas de negócios ambientais
no BNDES.
Um exemplo dessa estratégia foram as doações de cooperação
técnica do BID para que diversos países da América Latina
implementassem políticas de cotas mandatórias de uso de
agrocombustíveis, seguidas de empréstimos do PRI e do IFC
para grandes corporações para a produção de etanol e biodiesel.
Mais explícitos são os estudos do Banco Mundial sobre a
Agricultura de Baixo Carbono (ABC) - adotados como base do
plano setorial da Política Nacional sobre Mudança do Clima, que
envolve o BNDES no gerenciamento de parte dos empréstimos
- e os diversos fundos-piloto de REDD e mercados de carbono
implementados pelo Banco Mundial, cuja lógica e modelo se
reproduzem nos chamados fundos verdes do BNDES, como
se verá adiante.
Portanto, pelo papel definidor de políticas e do modelo de
desenvolvimento que as instituições financeiras públicas,
como o BNDES, desempenham, a sociedade organizada exige
que sejam salvaguardadas as condições de transparência e
controle social para além das suas políticas de empréstimos
e desembolsos para a implementação de projetos de
infraestrutura, exportação ou mesmo conservação ambiental.
A demanda, antes de tudo ao Estado, é pela garantia dos
direitos de participação e controle social sobre as instituições
financeiras públicas, assim como sobre os seus projetos
políticos de desenvolvimento.
Rede Brasil: pioneirismo na denúncia sobre o projeto
político das IFMs
Durante décadas, as Instituições Financeiras Multilaterais
(IFMs) definiram estratégias para os países sem que a sociedade
civil nem os Parlamentos tomassem ciência de seus conteúdos.
No caso do Brasil, eram documentos restritos aos bancos e aos
ministérios da Fazenda e do Planejamento. A Rede Brasil, desde
a sua fundação em 1995, analisa e disponibiliza o conteúdo dos
documentos de estratégia, as políticas e os projetos setoriais do
Banco Mundial e de outras instituições financeiras.
Em 1997, a Rede Brasil, através da atuação junto ao Congresso
Nacional, teve acesso e divulgou pela primeira vez, e em
português, a Estratégia de Assistência ao País (CAS, sigla
em inglês para Country Assistance Strategy). Considerado
um documento secreto pelo Banco Mundial, ele explicitava
as intenções da “abertura econômica aos investimentos
internacionais”, que, de acordo com a agenda neoliberal,
significava privatizações e desregulamentação, contidas
na forma de condicionalidades aos empréstimos ao país. A
iniciativa sinalizou que, a partir daquele momento, as políticas
e ações do Banco estariam na mira das organizações da
sociedade civil. Esse fato gerou a abertura de um diálogo do
Banco Mundial (e, posteriormente, do BID) com a sociedade
civil sobre suas políticas. Desde então, outros documentos
dos bancos que são de interesse da sociedade brasileira
passaram a ser analisados pela Rede Brasil, possibilitando a
organizações e movimentos sociais uma maior qualificação
para fazer resistência, intervenção e denúncias sobre os
impactos das políticas e dos projetos dessas instituições sobre o
desenvolvimento humano das populações.
Alguns documentos analisados pela Rede Brasil que
escrutinam as estratégias políticas das IFMs para o país são:
58
Estratégia de Assistência ao País 2000-2003, A Experiência
Brasileira com o Painel de Inspeção do Banco Mundial,
Impactos Negativos da Política de Reforma Agraria de Mercado
do Banco Mundial, Estratégia de Assistência ao País 2003-
2007, o empréstimo de ajuste do Banco Mundial para o
Brasil, aprovado em 2004, o já mencionado Empréstimo de
Assistência Técnica/Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/
SAL) e a Estratégia de Parceria com o Brasil 2008-20111.
Além do acompanhamento de projetos financiados
pelos bancos públicos, a Rede Brasil apoia a resistência
nos territórios e, por vezes, incide diretamente sobre os
empréstimos através do uso dos mecanismos formais de
informação e monitoramento das IFMs, como os painéis de
inspeção. Sua trajetória política é, portanto, historicamente
contra-hegemônica e focada no questionamento e
enfrentamento das IFMs. Desse modo, a Rede Brasil não pode
ser capturada ou neutralizada pelas estratégias de diálogos,
participação e resolução de conflitos construídas ao longo
dos anos pelo Banco Mundial, e por outras instituições
financeiras, em resposta às críticas sociais à sua atuação.
A Rede Brasil se propõe a colocar em xeque as políticas e
mecanismos das IFMs e formular, com base no aprendizado
e nas demandas das populações atingidas, mecanismos que
garantam justiça na correlação de forças nos processos de
negociação; de modo geral, estes mecanismos não foram
internalizados por estas instituições.
Ao mesmo tempo, a Rede não perde de vista o seu propósito
de construção de conhecimento e de enfrentamento crítico à
atuação dos bancos nas distintas fases de implementação do
modelo neoliberal e, consequentemente, aos seus impactos
sobre os territórios e sobre as populações. É com esta mesma
perspectiva que vem, desde 2010, desenvolvendo uma análise
crítica sobre o processo de financeirização da natureza a partir
do desenvolvimento de novos marcos para as políticas de
gestão ambiental sendo implementados no Brasil, em estreita
correlação com empréstimos e cooperação entre o Banco
Mundial e o BNDES2.
TAL/SAL: O pioneirismo do Banco Mundial no ajuste das
políticas públicas para o meio ambiente
Desde 2004, o Banco Mundial introduziu os Empréstimos
de Política para o Desenvolvimento como uma forma de
condicionalidade “mais suave e gentil”, de modo a substituir
os empréstimos de ajuste que tinham se tornado alvo da
desaprovação pública nos anos 19903.
Durante o primeiro mandato do governo Lula, o Empréstimo
de Assistência Técnica/Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/
SAL) apoiou uma tentativa de eficientização e de choque de
gestão do MMA. No entanto, uma avaliação de seus resultados e
impactos nunca foi debatida publicamente.
“Incluir a sustentabilidade ambiental na formulação,
desenvolvimento e implementação das políticas do governo
federal” foi, segundo o MMA, o objetivo formal da Reforma
Programática da Sustentabilidade Ambiental (SAL Ambiental)4. O
programa de empréstimos junto ao Banco Mundial teve como
finalidade fortalecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(Sisnama) e incluir a dimensão ambiental nos setores de energia,
saneamento, desenvolvimento agrário e turismo, entre outros.
Para dar apoio a este programa foi idealizado o Projeto
de Assistência Técnica para a Agenda da Sustentabilidade
Ambiental, mais conhecido como TAL Ambiental. Coordenado
pelo MMA, este projeto teve como objetivo apoiar a realização
de estudos, diagnósticos, análises e capacitações necessárias
à consolidação e ao avanço das políticas públicas de
desenvolvimento sustentável.
No período da sua implementação, o MMA sofreu uma
profunda reestruturação. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi separado em
duas entidades: uma voltada somente para o licenciamento
ambiental, cujo indicador de eficiência passou a ser a velocidade
e o número de liberações de licenças ambientais; e a outra,
chamada de Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), foi direcionada para o gerenciamento
de áreas de proteção ambiental e florestas.
59
Como consequência, ao enfrentar cortes salariais e demissões,
os funcionários do Ibama entraram em greve em 2007 e a
agência empregou consultores para responsabilizarem-se pelo
licenciamento de grandes e polêmicas obras em tramitação,
como a do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira.
Nesse cenário, a pressão do governo para que o Ibama liberasse
o licenciamento deste projeto foi impulsionada por um estudo
financiado por outro empréstimo de assistência técnica do
Banco Mundial, dessa vez ao Ministério de Minas e Energia
(MME), através do Empréstimo de Assistência Técnica para o
Setor Energético (Estal, sigla em inglês). Através da contratação
de um consultor indiano foi emitido um diligente e providencial
parecer técnico, referente à dinâmica dos sedimentos do Rio
Madeira, que foi capaz de eliminar uma das barreiras centrais
apontadas pelos técnicos nacionais para o licenciamento. Pago,
portanto, pelo Banco Mundial, o consultor fez um parecer após
apenas dois dias de trabalho de campo que resolveu as últimas
pendências técnicas e permitiu a concessão de uma inédita
“licença parcial” para o projeto5 6.
A Rede Brasil questionou a participação do Banco Mundial
neste episódio7 e participou também de algumas etapas de
monitoramento do empréstimo TAL/SAL, comparecendo a
reuniões no MMA8. A maior preocupação levada pela Rede
nestas ocasiões era justamente o fato de que as políticas de
salvaguarda, informação e transparência desenvolvidas pelo
Banco Mundial não se aplicavam a estas modalidades de
empréstimos. O monitoramento, a rastreabilidade e a avaliação
dos impactos e resultados dos empréstimos de ajuste ou
cooperação técnica, vis-à-vis seus objetivos e as políticas do
próprio Banco Mundial, eram confundidos com a aplicação
do orçamento e dos programas de governo, por vezes sem
seguimento adequado pelos ministérios e, em especial, pela
própria sociedade civil junto ao MMA.
Por outro lado, o empréstimo TAL/SAL resultou no
desenvolvimento de um acordo de cooperação técnica inédito,
firmado em junho de 2005 entre o MMA e o Fórum Brasileiro
de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (Fboms), através do seu Grupo de
Trabalho (GT) Energia. Cerca de cinquenta organizações de todo
o Brasil encararam o desafio pragmático de influenciar, a partir
dos seus conhecimentos técnicos e políticos, os procedimentos
do licenciamento ambiental.
O acordo aprofundou, no âmbito da sociedade civil, o debate
propositivo sobre os procedimentos nacionais e internacionais
de licenciamento e planejamento, com enfoque nas obras
previstas para o setor energético9. Este processo resultou em uma
série de estudos, documentos e recomendações, cujo conjunto
considera as avaliações de escopo e alternativas de projetos a
partir das realidades e potencialidades locais e, sobretudo, das
demandas regionais de desenvolvimento a partir da perspectiva
das populações, e não dos bancos ou das corporações.
O resultado deste exercício se aproxima do instrumento,
posteriormente desenvolvido pela Rede Brasileira de Justiça
Ambiental, conhecido como Avaliação de Equidade Ambiental10.
No entanto, as recomendações feitas por este conjunto
da sociedade civil nunca foram incorporadas pelo MMA.
Paralelamente, este ministério contava também com o
apoio da Associação das Indústrias de Base do Brasil (ABDIB)
para aprimorar o licenciamento ambiental. Os resultados
desta parceria estabelecida com o setor industrial foram
visivelmente mais eficazes ao serem incorporados nas práticas e
procedimentos para uma maior agilidade do licenciamento.
Ainda que calcado no discurso propagado de que todos os
setores - governo, corporações e sociedade - devem unir-se
pela proteção ambiental e no consensualismo promovido por
instituições como o Banco Mundial, este episódio explicitou
que a desigual correlação de forças e os inconciliáveis
interesses e visões de classes impossibilitam um processo real
de participação da sociedade organizada no desenvolvimento
de políticas públicas.
O acordo de cooperação técnica foi rompido pelo GT Energia
do Fboms no início de 2007 devido ao “não alcance” dos
objetivos, seja no âmbito da implementação das propostas
de procedimentos para o licenciamento, seja na realização
60
de atividades de capacitação popular e jurídica sobre o tema.
Politicamente, foi concomitante a mais uma derrota política do
MMA, diante de um governo desenvolvimentista que anunciava,
goela abaixo da sociedade e do próprio ministério, o início da
construção da UHE de Santo Antônio, no Rio Madeira, em 2008.
A pressão do Banco Mundial em “aprimorar o licenciamento
ambiental” se dava também através de outros esforços para
flexibilizar a legislação ambiental e reduzir os índices de conflitos
e judicialização de grandes obras de infraestrutura. O estudo
Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no
Brasil: Uma Contribuição para o Debate, publicado em março
de 2008 pelo próprio Banco Mundial, por exemplo, teve um
considerável impacto e foi muito bem recebido pelo MME11.
Segundo Guilherme Carvalho, então membro da Coordenação
Nacional da Rede Brasil, neste estudo “os bancos multilaterais
demonstram preocupação quanto à capacidade do Ministério
Público de criar embaraços aos empreendimentos considerados
fundamentais pelas IFMs aos seus portfólios e às estratégias
dessas instituições para o país”12.
Nesta publicação, o Banco Mundial questiona a legitimidade
do Ministério Público (MP) de mover determinadas ações, por
considerar que o MP não possui competência necessária para
suscitá-las, enfatizando particularmente os casos relacionados
ao processo de licenciamento de hidrelétricas. A questão do
prazo para a concessão de licenças constituía uma das maiores
preocupações do Banco ao considerar, portanto, que a ação do MP
não apenas deixaria de contribuir para a resolução de conflitos,
como adicionaria mais variáveis a um processo considerado
demasiadamente demorado e um entrave ao desenvolvimento.
Além de diagnosticar a legislação ambiental e, ainda que não
explicitamente, propor a regulação e o controle do MP sobre os
processos de licenciamento, o documento trazia recomendações
explícitas de propostas de leis e reformas políticas, tais como:
1 - “Formulação e adoção de Lei Complementar,
esclarecendo as responsabilidades da União e dos estados
em relação ao licenciamento ambiental”.
Proposta que, de fato, viria a resultar na sanção pela presidenta
Dilma Rousseff, em 8 de dezembro de 2011, da Lei Complementar
n° 140, que regulamenta o artigo 23 da Constituição Federal
e define as atribuições da União, estados e municípios na
proteção do meio ambiente, incluindo as competências para
emitir licenças ambientais e gerir o uso da fauna e da flora
silvestre. As mudanças significativas na nova legislação acabam
com o processo centralizado que existia até então, dividindo
essas atribuições e competências entre estados e municípios,
ficando a maioria dos processos de licenciamento ambiental sob
responsabilidade dos municípios.
2 - “A adoção de mecanismos de resolução de conflitos
para o processo de licenciamento, especialmente para
grandes projetos, de modo a minimizar a transferência
para o Judiciário de várias questões que deveriam ser
resolvidas dentro do escopo do processo administrativo de
licenciamento ambiental”.
Estratégia já comentada no artigo anterior, de Fabrina Furtado e
Gabriel Strautman, em que se propõe a substituição do estado
de direito por consultas e encontros com desigual correlação de
poder, conduzidos por especialistas de suposta neutralidade.
Dando seguimento à estratégia de destravar os constrangimentos
ambientais e acelerar a realização das grandes obras, em março de
2012, o governo brasileiro e o Banco Mundial assinaram mais um
contrato de empréstimo para o MME, no valor de US$ 106 milhões.
O financiamento para o Projeto de Assistência Técnica dos Setores
de Energia e Mineral (Meta, sigla em inglês) tem como objetivo
“contribuir para ampliar e consolidar os avanços dos setores
energético e mineral brasileiros, dando apoio à competitividade
e ao crescimento econômico e sustentável do país”. Os recursos
serão destinados ao desenvolvimento de projetos como o das
hidrelétricas-plataforma - aplicado no Complexo Tapajós – para
atender a requisitos e cuidados com o meio ambiente.
Na ocasião da assinatura do contrato, o diretor do Banco
Mundial para o Brasil, Makhtar Diop, afirmou que a matriz
energética do Brasil é a mais limpa do mundo e um exemplo
para o Banco13.
Como se vê, a atuação do Banco Mundial, ainda que possa ter
61
sido limitada por suas políticas de salvaguardas com relação a
empréstimos diretos a projetos de grande risco socioambiental,
como as hidrelétricas na Amazônia, seguiu contundente no
sentido de viabilizá-los através da flexibilização da legislação
nacional como um projeto político embutido nos empréstimos
de ajuste e cooperação técnica.
SEM DPL e BNDES, rezando a cartilha do Banco Mundial
no choque de gestão ambiental
A relação do BNDES com o Banco Mundial tem se mostrado
estruturante, indo além do desembolso ou dos esforços políticos
conjuntos na implementação de megaprojetos, como as obras do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou da Iniciativa
para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
(IIRSA). Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou o
Empréstimo Programático de Política para o Desenvolvimento
em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, sigla em inglês) para
o Brasil, com um valor de US$ 1,3 bilhão, em sua fase inicial, a
serem alocados e geridos pelo BNDES.
A exemplo do que foram os polêmicos empréstimos para ajustes
estruturais, na fase de liberalização das economias periféricas, para
a privatização e eficientização dos serviços públicos, nos anos
1990, e dos investimentos do TAL/SAL, dos anos 2000, o SEM DPL
teve por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas
e diretrizes do sistema de gestão ambiental”.
As ações políticas propostas incluem:
- a formulação e aprovação de uma nova Política
Institucional Socioambiental para o BNDES, que
incorpore o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o
Protocolo Verde e a aplicação desta nova política para a
carteira completa de projetos do BNDES;
- a elaboração dos procedimentos de investimentos para
o BNDES gerir os riscos sociais e ambientais para os
sessenta subsetores da economia (incluindo energia,
agricultura e transporte);
- o preenchimento de 600 vagas no Ibama, no MMA e no
ICMBio e o apoio aos planos de zoneamento Ecológico
e Econômico, descritos no Programa Amazônia
Sustentável (PAS);
- subsídio à elaboração do marco regulatório para o novo
Fundo Amazônia e a implementação do Plano Nacional
de Recursos Hídricos.
Os resultados incluem os seguintes objetivos (grifados
pela autora, por apresentarem as oportunidades financeiras
decorrentes da política ambiental proposta e apoiada pelo
empréstimo do Banco Mundial):
- aperfeiçoamento do processo de licenciamento
ambiental através da diminuição do número de licenças
disputadas na justiça pelo Ministério Público em 20% em
comparação com a média do período de 2002-2007;
- aumento das reduções de emissões de gás de efeito
estufa planejadas, em 20 milhões de toneladas de
CO2 equivalente/ano, através do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), do BNDES, e projetos do
Plano Nacional de Mudanças Climáticas;
- aumento da Gestão de Florestas Naturais Sustentáveis de
áreas públicas e privadas de 27.000 km2 para 50.000 km2;
- apoiar uma área de 500.000 hectares através do Fundo
Amazônia por promover atividades de uso sustentável
da terra;
- redução de 110.000 toneladas de poluentes despejados
nos rios, devido à aprovação dos projetos de saneamento
do BNDES.
Nos documentos relativos ao empréstimo e suas
condicionantes, a ausência de um processo de análise
62
de risco ambiental e social para a maioria dos projetos
financiados diretamente era apresentada como justificativa
para a “ambientalização” do BNDES. Também se somava a
essa justificativa o fato de este Banco não exercer um papel
de autoridade em relação às considerações ambientais e
sociais, como parte do processo de avaliação de seus projetos.
Entretanto, desde o início da contratação do empréstimo
até hoje, a sociedade civil organizada tem expressado
preocupações quanto ao processo, diretrizes e resultados
concretos da aplicação de uma nova política ambiental no
BNDES sob orientação do Banco Mundial.
Apesar de não serem novas as críticas em relação à fragilidade
e à insuficiência do BNDES na área da gestão socioambiental,
reconhece-se que efetivamente este Banco só se mobilizou
em função das condicionalidades colocadas no âmbito
do empréstimo SEM DPL pelo Banco Mundial14. Contudo,
seu padrão de atuação se mantém aquém, com a exclusão
no processo em curso de qualquer diálogo ou consulta a
organizações e instituições da sociedade.
Uma vez que a própria política ambiental do Banco Mundial
é questionada em dezenas de países, o modelo a orientar o
BNDES não apresenta grandes perspectivas e torna-se mais um
dos focos de ação dos grupos que atuam sobre as instituições
financeiras multilaterais, como a Rede Brasil.
A política ambiental do BNDES se desenvolve em um contexto
de avanço das reformas no sistema de licenciamento e na gestão
ambiental e de uma adequação mais profunda para que as
políticas ambientais passem a dar sustentação e sejam orientadas
para os novos mercados ambientais. Estes, por sua vez, exigem
também uma espécie de ajuste estrutural que libere o meio
ambiente da proteção do Estado.
Esta política ambiental, portanto, inclui, além da revisão de suas
práticas operacionais, a estruturação da gestão de novos fundos
ambientais, como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre
Mudança do Clima; financiamentos para a recomposição de
biomas associados à negociação no mercado pelo BNDES dos
direitos aos créditos de carbono gerados; financiamentos na área
de inovação tecnológica e de incentivo ao aço verde (siderurgia
que utiliza carvão de base florestal, um dos eixos do Plano Setorial
da Política Nacional sobre Mudança do Clima); e, finalmente, a
abertura de uma linha de crédito para qualificar órgãos estaduais
de licenciamento.
Esta última diretriz, ao mesmo tempo que indica que o
BNDES reconhece a fragilidade dos processos estaduais de
licenciamento ambiental dos projetos que financia, coloca o
Banco em um patamar duvidoso de expertise para recomendar
processos de aprimoramento na gestão ambiental. Além
disso, esta proposta pode se tornar uma via de pressão e
condicionantes para que os órgãos estaduais agilizem as
licenças de empreendimentos financiados pelo próprio Banco,
deflagrando um conflito de interesses.
Os fundos verdes e o ABC do (agro)negócio climático
O Banco Mundial foi pioneiro na disputa pelos promissores
recursos financeiros para a Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD). Ele lançou o
seu Forest Carbon Partnership Facility (FCPF) em 2007, destinado
a ajudar os países a “se prepararem” para o REDD e estabelecer
alguns projetos-piloto de comercialização de carbono florestal.
Desde o seu início, o FCPF foi orientado para tornar-se
a “entidade coordenadora geral de todas as agências de
implementação da preparação para o REDD (readiness)”, com
o Programa de Investimento Florestal (FIP), também do Banco
Mundial, se esforçando para atingir o mesmo status no que diz
respeito à implementação do REDD.
Neste sentido, o financiamento foi empenhado por Noruega,
Alemanha, Holanda, Japão, Austrália, Finlândia, Suíça, Espanha,
Dinamarca, França, Reino Unido e Estados Unidos. Em junho
de 2010, com um total de US$ 151,8 milhões de doações, apenas
US$ 10 milhões haviam sido efetivamente gastos, caracterizando
um importante período de capitalização do Banco, que ocorreu
de forma similar em outros fundos chamados “verdes”. O FIP
prometeu, em 2008, recursos um pouco acima de US$ 560
A proposta central da economia verde não é a defesa do meio ambiente: transformar a natureza em mercadoria
63
milhões, mas nada havia sido
alocado até agosto de 201015.
Desde antes da crise financeira
deflagrada em 2008, o Banco
Mundial já tinha a intenção
de assumir a liderança no
financiamento do clima e promover
os mercados de carbono. Os Fundos
de Investimento Climático do Banco
Mundial (CIFs) foram estabelecidos
em 2008, quando catorze países
prometeram alocar US$ 6,5 bilhões
para dois fundos: o de Tecnologia
Limpa e o Estratégico para o Clima
(Clean Technology Fund e Strategic
Climate Fund.)
Atualmente, 45 países
em desenvolvimento estão
implementando projetos de
tecnologia, manejo de florestas
e expansão de energia renovável através dos recursos
gerenciados pelo Banco Mundial.
Os países desenvolvidos, por sua vez, optaram por ter o
Banco Mundial como o gestor de suas contribuições já que,
assim, teriam maior controle sobre os recursos devido à
estrutura de governança do Banco orientada aos doadores:
“um dólar, um voto”. E nas negociações da 16ª Conferência
das Partes para a Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre a Mudança do Clima (COP 16), realizada em Cancum
em 2010, eles também conferiram ao Banco o papel de
depositário do Fundo Verde do Clima.
Mais recursos seguem sendo mobilizados via CIFs até que o
Fundo Verde do Clima torne-se operacional. O Banco Mundial
tem a parceria de outras IFMs nos CIFs, como o BID, o Banco
Asiático de Desenvolvimento e o Banco Europeu para a
Reconstrução e o Desenvolvimento.
Atualmente, segundo o seu próprio departamento de
marketing, o Banco Mundial conta com doze fundos de carbono,
que já capitalizaram US$ 2,74 bilhões. Dezesseis governos
e 66 empresas privadas de vários setores já contribuíram
financeiramente para estes fundos e facilidades16.
O Banco introduziu papéis de créditos verdes especificamente
para financiar a mitigação e a adaptação climática, criando, ao
mesmo tempo, um novo produto financeiro e uma fonte de
mercado para a capitalização de seus fundos sobre aquilo que
deveria ser a transferência de fundos públicos, não geradora de
dívidas financeiras - como reconhecimento da responsabilidade
histórica dos países industrializados na geração da dívida
climática. Atualmente, mais de US$ 2,3 bilhões em créditos
verdes já foram emitidos através de 43 transações em dezesseis
moedas diferentes.
O Banco também lançou um “programa multicatástrofe”, com
bônus de seguro, acessível aos países em desenvolvimento e
coberto pelos mercados de capitais. Orgulha-se de ser a maior
Rodr
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Gre
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64
fonte mundial de financiamento para a redução de riscos de
desastres e reconstrução, tendo emprestado, desde 2007, US$
9,2 bilhões para 215 projetos de recuperação pós-desastre;
orgulha-se também do seu portfólio crescente nesta área. O
Banco Mundial contabilizou a monetização de 9,5 milhões de
Certificados de Emissões Reduzidas para o Fundo de Adaptação
da Organização das Nações Unidas (ONU), atingindo a captação
de US$ 163 milhões, a partir destes mercados, em 2011.
Sem dúvida, a crise climática contribuiu bastante, e deve seguir
contribuindo, com a saúde financeira do Banco Mundial, um
exemplo seguido por outras instituições financeiras.
O envolvimento do Banco nas negociações sobre a mudança
climática e a sua estratégia de “ganha-ganha” diante do caos
climático têm sido muito criticados pela sociedade civil. Com
o intuito de amenizar estas críticas, o Banco criou mecanismos
de participação de observadores sobre seus fundos, incluindo
representantes da sociedade e dos povos indígenas, e uma série
de salvaguardas. Dentre estas, estão a aplicação do princípio
do consentimento livre, prévio e informado e medidas para
salvaguardar os direitos dos povos indígenas e mecanismos de
responsabilização (accountability) do Banco, incluindo a sua
Política Operacional (OP) sobre as avaliações ambientais (OP
4.01), povos indígenas (OP 4.1), recursos culturais físicos (OP 4.11)
e o reassentamento involuntário (OP 4.12).
Ou seja, os mesmos mecanismos criados para supostamente
resguardar as populações nos países em desenvolvimento dos
impactos dos megaprojetos financiados pelo Banco, como
as hidrelétricas, as indústrias extrativas ou as de combustíveis
fósseis, seriam também aplicáveis quando se trata de tentar
assegurar que fundos climáticos sejam, de fato, verdes. Além
disso, novos produtos e mercados financeiros asseguram
o staus quo das IFMs na manutenção das suas políticas de
desenvolvimento.
Por esta razão, o apoio do SEM DPL para a elaboração de
regulamentações para o Fundo Amazônia e outros fundos
verdes no BNDES, bem como a legitimação do Plano Setorial da
Agricultura de Baixo Carbono pelos estudos do Banco Mundial,
merecem um exame minucioso considerando os contínuos
esforços da instituição em se tornar um agente nas negociações
climáticas globais.
Fundo Amazônia (FA)
O governo brasileiro criou, em agosto de 2008, com recursos
doados pelo governo da Noruega e em resposta às pressões pela
redução das contribuições do desmatamento da Amazônia ao
aquecimento global, o Fundo Amazônia (FA). Com o BNDES
como seu gestor, este fundo é um mecanismo de financiamento
de projetos que tem como objetivo prevenir e combater o
desmatamento, além de promover a conservação e o uso
sustentável da floresta Amazônica.
Na época de sua criação, o governo empenhou-se em
construir uma alternativa institucional nacional às alternativas
multilaterais então apresentadas, como o Banco Mundial, mas
contou com um empréstimo deste para estabelecer as bases para
o seu funcionamento. O FA, diferentemente dos outros fundos
administrados pelo BNDES, criou um Comitê Orientador do Fundo
da Amazônia (Cofa), formado por representantes de governo, do
setor empresarial e de organizações da sociedade civil.
A criação do FA foi reconhecida como a primeira iniciativa
de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação
Florestal (REDD) no mundo, gerando, assim, uma grande
expectativa e despertando a atenção internacional das
agências de cooperação, governos, empresas e imprensa.
Por esse motivo, passou a haver uma exigência, ao BNDES,
por transparência e informações que viabilizassem um
acompanhamento social efetivo e pelo desenvolvimento de um
padrão de atuação específico para este Fundo.
As organizações da sociedade civil no Comitê, o Instituto
Socioambiental (ISA) e a Federação de órgãos para Assistência
Social e Educacional (Fase), indicadas pelo Fboms, pautaram sua
atuação por garantir a transparência, assegurar o controle social
e a democratização do acesso aos recursos do Fundo, para que as
organizações locais sejam, de fato, as beneficiárias dele.
65
Atualmente, permanece o desafio de dar maior transparência
ao fluxo de avaliação e contratação dos projetos, aos pré-
requisitos de elegibilidade e sobre como os critérios definidos
pelo Cofa são aplicados nos procedimentos de análise dos
projetos. Também cabe ao BNDES desenvolver modelos de
aplicação de projetos diferentes dos utilizados para a análise e
contratação dos seus financiamentos que, pela sua natureza, não
são apropriados para os objetivos do FA.
No início da operação deste fundo, os procedimentos, as
prioridades e a estrutura burocrática do BNDES acabavam por
inibir o acesso a ele por parte de pequenas organizações da
sociedade civil e beneficiar aquelas de grande porte, como a The
Nature Conservancy (TNC), uma organização conservacionista
de origem estadunidense que recebeu R$ 16 milhões do FA, entre
os cinco primeiros projetos contratados para o terceiro setor.
O FA já contratou 23 projetos no valor total de R$ 477
milhões17. Sobre os valores já contratados, R$ 876 milhões são
do governo da Noruega, R$ 54 milhões da Alemanha e R$ 7,9
milhões da Petrobras18.
O grande desafio, porém, é alinhar a política de financiamento
do BNDES para a região com os objetivos orientadores do FA,
para que este não se torne meramente uma via de mitigação
de impactos negativos dos grandes projetos financiados pelo
próprio Banco. A perspectiva conservacionista dos projetos até
aqui contratados sugere que o foco tende a ser o de mitigação,
articulado às oportunidades de mercados de carbono a serem
exploradas. Enquanto uma proposta muito mais consistente
e necessária seria o investimento na implementação de um
desenvolvimento regional sustentável que valorize a diversidade
cultural e biológica da região, inserida em um contexto
de geração de renda e que seja alternativa ao modelo de
megaempreendimentos extrativos voltados ao mercado global.
A meta estabelecida através do empréstimo SEM DPL, de que
a política ambiental do BNDES apoiasse “uma área de 500.000
hectares através do Fundo Amazônia por promover atividades
de uso sustentável da terra”, também aponta para uma
contabilidade de carbono/território a ser inicialmente mapeada
como potencial de incorporação dos mercados de carbono
florestal em desenvolvimento e lançados de forma pioneira pelo
Banco Mundial.
Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC)
O Fundo Clima, do BNDES, se destina a aplicar a parcela de
recursos reembolsáveis do Fundo Nacional sobre Mudança
do Clima, ou Fundo Clima, um dos instrumentos da Política
Nacional sobre Mudança do Clima vinculado ao Ministério do
Meio Ambiente, criado pela Lei 12.114 em 09 de dezembro de
2009 e regulamentado pelo Decreto 7.343, de 26 de outubro
de 2010.
É o primeiro fundo no mundo a utilizar recursos oriundos da
participação especial dos lucros da cadeia produtiva do petróleo
para financiar ações de mitigação e adaptação às mudanças
climáticas e seus efeitos.
Coordenado pelo MMA, o Comitê Gestor do FNMC é composto
de representantes governamentais, comunidade científica,
empresários, trabalhadores e organizações não governamentais
e foi anunciado durante a COP 16 do Clima, em Cancum, em
dezembro de 2010. As organizações representantes da sociedade
civil são o Vitae Civilis, membro da coordenação do GT Clima,
indicado pelo Fboms, e a TNC, ONG internacional indicada
pela rede Observatório do Clima. Cabe ao comitê administrar,
acompanhar e avaliar a aplicação dos recursos em projetos,
estudos e empreendimentos de mitigação e adaptação da
mudança do clima e seus efeitos.
Para o governo, este Fundo tem um papel estratégico na
“promoção do modelo de desenvolvimento sustentável de
baixo carbono”19. Neste contexto, apoia atividades voltadas para
o combate à desertificação e para a adaptação à mudança do
clima, ações de educação e capacitação, projetos de REDD+,
o desenvolvimento de inclusão de tecnologias, a formulação
de políticas públicas, as cadeias produtivas sustentáveis e o
pagamento por serviços ambientais, entre outras atividades que
abrem caminho aos mercados verdes.
66
O Fundo dispõe de um orçamento de R$ 229 milhões, sendo
R$ 200 milhões (87%) reembolsáveis na forma de empréstimos
e financiamentos voltados para a área produtiva, gerenciados
pelo BNDES. Os outros R$ 29 milhões seriam administrados
pelo MMA em projetos de pesquisa, mobilização e avaliações
de impacto das mudanças do clima, podendo ser repassados
para os estados e municípios por meio de convênios e termos
de cooperação. O FNMC pode ainda receber recursos de outras
fontes, inclusive doações internacionais, que venham a ser
estabelecidos no âmbito da Convenção do Clima.
O foco deste Fundo está no apoio das ações estratégicas
de combate às mudanças do clima identificadas nos planos
setoriais articulados pelo Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas (FBMC) e previstos no Plano Nacional sobre
Mudança do Clima (PNMC). Dois planos trazem as ações
para prevenção e controle do
desmatamento: Amazônia e
Cerrado. Os outros três são
específicos para os setores de energia
(amplamente focado na expansão da
hidroeletricidade e da agroenergia),
agricultura (Plano ABC) e siderurgia
(ambos focados na eficientização de
grandes plantações de alimentos ou
de árvores para carvão vegetal).
Cabe ressaltar que estes planos
setoriais têm sido criticados
pelos movimentos sociais e por
organizações da sociedade civil por
serem considerados simples versões
esverdeadas de planos setoriais
do PAC. A crítica também afirma
que continuam ausentes os planos
específicos de redução das emissões
reais que envolvem temas centrais
para a mitigação das mudanças
climáticas, como a redução do uso de
combustíveis fósseis; a agroecologia; a economia solidária e o
desenvolvimento de mercados locais; as redes comunitárias de
construção de cisternas e o manejo comunitário dos recursos
hídricos; e a mobilidade e a reorganização da ocupação das
áreas urbanas.
Ao contrário do FA, o FNMC não tem foco no apoio a ações e
projetos do terceiro setor. Com os recursos a serem destinados
na forma de financiamentos públicos pelo BNDES, ele é
direcionado aos setores públicos, pelo MMA, e às demandas do
setor privado.
Desse modo, projetos do agronegócio, como o plantio
direto e a expansão dos transgênicos, são apresentados em
nova roupagem como projetos inovadores de adaptação aos
efeitos das mudanças climáticas. Conhecidos no jargão da
sociedade civil como “falsas soluções”, eles vêm na esteira da
Gui
lher
me
Rese
nde
Os bancos se apropriaram da crise climática como uma oportunidade de capitalização: saúde financeira
67
sensibilização com a problemática do clima e da pavimentação
do caminho para a chamada economia verde.
Plano ABC – Agronegócio de Baixo Carbono
O Estudo de Baixo Carbono para o Brasil, lançado pelo
Banco Mundial em maio de 201020, legitimou as bases dos
planos setoriais de mitigação de carbono no âmbito da
Política Nacional sobre Mudança do Clima, em especial o de
Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que trata do uso de solo
para agropecuária e florestas. No ano anterior, uma consultoria
internacional de empresas para o setor financeiro, a McKinsey
& Company, também lançou seu estudo Caminhos para uma
Economia de Baixa Emissão de Carbono no Brasil.
Ambos tiveram seus gráficos e “curvas de custo de
oportunidade” amplamente utilizados por gestores e funcionários
do governo para justificar a formulação de políticas públicas que
favorecem as opções de mercado para os negócios do clima,
calculadas com base na mudança de um “cenário de referência”
para outro, identificado como de “baixo carbono”.
As principais ações propostas pelo estudo no cenário de
referência (projeção para 2030 das tendências históricas,
dinâmicas e tendências atuais) são pertinentes ao maior fator
de emissões de gases de efeito estufa pelo Brasil: a mudança
do uso do solo (expansão da agricultura e pecuária) e do
consequente desmatamento. O cenário alternativo, chamado
de “baixo carbono” pelo Banco, não contesta a expansão do
agronegócio, da pecuária e das monoculturas para a produção
da agroenergia, fomentados amplamente pelo BNDES.
Pelo contrário, parte do princípio de que estes são “motores
fundamentais da economia brasileira” e trata de reforçar o
crescimento continuado destes setores, tentando acomodar
esta expansão no cenário de “baixo carbono”, juntamente
com os compromissos ambiciosos do Brasil de redução de
desmatamento. Também naturaliza o desmatamento ilegal
como parte do cenário de referência, reforçando a ideia da
necessidade de pagamento para o cumprimento da legislação.
O estudo reforça que, com ajustes tecnológicos que
reduziriam as emissões, o agronegócio e a pecuária poderiam
crescer ainda mais. Isso, somando-se ainda às oportunidades
de redução de emissões com a ampliação do uso do etanol
e do biodiesel, assim como as vastas oportunidades para os
negócios de “reflorestamento” (leia-se plantações de árvores),
tanto da reserva legal e das áreas de preservação permanente
como de pastagens degradadas. Inclui ainda a “compensação”
com o plantio de florestas comerciais ou florestas de produção,
especialmente para produção de carvão vegetal para o aço e
ferro através de monoculturas de espécies comerciais21.
No mesmo ano de 2010, iniciaram-se as discussões do
governo federal para elaboração dos planos setoriais no âmbito
da PNMC, contando com a participação de ONGs indicadas
pelo Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. O grupo de
trabalho formado para a construção do Plano ABC teve como
objetivo avaliar seus subprogramas, a acessibilidade das linhas
de financiamento ofertadas para a agricultura de baixo carbono
canalizadas pelo BNDES a outras instituições financeiras e
debater as possibilidades e desafios para a conciliação das metas
brasileiras de redução de emissões e o aumento da produção
de alimentos, fornecendo subsídios para a transformação dos
mercados em direção a uma agricultura de baixo carbono.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa) instituiu em junho de 2010 o programa Agricultura de
Baixo Carbono (ABC), com ações inseridas no Plano Agrícola
e Pecuário que incentivam iniciativas básicas com metas e
resultados previstos até 2020:
- Plantio direto na palha, com o objetivo de ampliar
os atuais 25 milhões de hectares para 33 milhões de
hectares, com redução relativa de emissões estimadas
em 16 a 20 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;
- Recuperação de pastos degradados, com previsão de
recuperação de 15 milhões de hectares e redução de 83 a
104 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;
- Integração lavoura-pecuária-floresta, aumentando a
68
utilização do sistema em 4 milhões de hectares para
evitar a liberação entre 18 e 22 milhões de toneladas de
CO2 equivalentes;
- Plantio de florestas comerciais, com foco em aumentar
a área de 6 milhões de hectares para 9 milhões de
hectares;
- Fixação biológica de nitrogênio e tratamento de resíduos
animais.22,23
Nota-se que o estímulo à expansão do agronegócio é
diretamente proporcional ao cálculo de créditos de redução
de emissões, gerando, a partir da ficção de um cenário futuro,
uma enxurrada de títulos negociáveis no mercado de emissões
e justificando as políticas públicas de incentivo ao modelo
agroindustrial exportador, em detrimento de outros setores
não contemplados nos planos de mitigação das mudanças do
clima, como o da agroecologia. Os recursos públicos, para o
Plano ABC, disponíveis via BNDES, alcançaram, para a safra
2011/2012, R$ 3,150 bilhões, contemplados no plano agrícola e
pecuário, com limite de financiamento de R$ 1 milhão, taxas
de juros de 5,5% ao ano e prazo para pagamento de cinco a
quinze anos24.
Bolha dos fundos verdes: novo negócio para o BNDES e as
corporações brasileiras
Como já afirmado anteriormente, o empréstimo SEM DPL,
anunciado em 2008 e aprovado em março de 2009, apresentou
como uma condicionalidade do Banco Mundial a criação de uma
política socioambiental pelo BNDES.
Apesar de este Banco não ter deixado de concentrar o dinheiro
público nas grandes corporações, como a Vale (mineração), a
Fibria (celulose) e a Cosan (agrocombustíveis, hoje pertencente
à Shell), ele, paralelamente, criou uma série de fundos verdes
para lucrar com as crises do clima e da biodiversidade, cujas
responsáveis são as corporações destes mesmos setores.
O que parece contraditório não é. Somente a contínua poluição
e degradação da natureza pode tornar os bens comuns escassos
e, assim, elevar seu preço nos mercados e nas bolsas de valores;
ou seja, no mundo das instituições financeiras que, hoje,
controlam a política. Assim, o Banco Mundial, que não é nenhum
exemplo de sustentabilidade, influencia com sua agenda
neoliberal a financeirização da natureza e da política ambiental
do Brasil, adotada também pelo BNDES.
Independentemente de contabilizar qualquer redução de
impactos ou a efetiva aplicação de salvaguardas socioambientais
nos seus projetos, o BNDES já lançou uma série de fundos e
produtos financeiros verdes: Fundo Amazônia, Fundo Clima,
Iniciativa BNDES Mata Atlântica, BNDES Florestal (destinado
também ao “reflorestamento” com monocultura de espécies
exóticas comerciais), BNDES Project Finance (engenharia
financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de
um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse
mesmo empreendimento), BNDES Compensação Florestal (de
apoio à regularização do passivo de reserva legal em propriedades
rurais destinadas ao agronegócio e à preservação e valorização
das florestas nativas e dos ecossistemas remanescentes), BNDES
Proplástico - Socioambiental (apoio a investimentos envolvendo
a racionalização do uso de recursos naturais, MDL, sistemas de
gestão e recuperação de passivos ambientais e financiamento
de projetos e programas de investimentos sociais realizados por
empresas da cadeia produtiva do plástico), ECOO11 - iShares
Índice de Carbono Eficiente Brasil (constituído por ações de
empresas brasileiras que divulgam suas emissões de CO2), BNDES
Empresas Sustentáveis na Amazônia, BNDES Fundo de Inovação
em Meio Ambiente, FIP Brasil Sustentabilidade (foco em projetos
de MDL e com potencial para gerar Reduções Certificadas de
Emissões) e FIP Vale Florestar (em áreas degradadas na região de
abrangência de Carajás).
A aprovação do Novo Código Florestal, com o lançamento
de um novo e gigante mercado de Certificados de Reserva
Ambiental (CRA), ou seja, de compensação (offseting) de
69
biodiversidade, registrados em títulos que serão também
produtos financeiros, é um fato emblemático que explicita
como as leis podem criar mais oportunidades de mercado do
que de proteção ambiental. Os projetos de lei em tramitação
no Congresso Nacional, como os PLs sobre REDD e sobre
Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), estão também
orientados para lançar novas bolhas verdes, cuja operação exige
ajustes profundos na lógica das políticas ambientais. Eles passam
pela revisão do papel do Estado na gestão ambiental e na garantia
dos direitos dos cidadãos a um ambiente equilibrado para o
de regulador de mercados verdes, e pela perda de direitos e de
soberania das populações nos territórios, em um favorecimento
de novos direitos das corporações, dos investidores, dos
mercados e das instituições financeiras.
É importante ressaltar que estas instituições influenciam
políticas públicas que flexibilizam a proteção ambiental e
enfraquecem os direitos sociais conquistados, ao mesmo tempo
que sugerem sua gradual substituição por critérios, salvaguardas,
práticas operacionais e novas oportunidades, produtos
financeiros e fundos verdes que resultam no aumento e na
concentração do seu poder político e no menor controle social
das políticas de desenvolvimento.
Em outras palavras, as políticas ambientais, orientadas pela
cooperação técnica de instituições como o Banco Mundial ou
geridas por instituições financeiras como o BNDES, tornam
contraditória qualquer iniciativa de regulamentação através
de critérios e salvaguardas porque implicam um processo que
se aprofunda na perda de direitos e na contínua deterioração
do papel do Estado como garantidor deles, em detrimento
dos interesses e novos direitos do mercado, sendo agora
assegurados por lei.
Tal como o Banco Mundial, o BNDES tem se utilizado de uma
estratégia de capitalização diante da crise ambiental como central
à sua política socioambiental. Fortalecer essa lógica através da
criação de critérios e salvaguardas, seja para o financiamento
de grandes obras e projetos, seja para aqueles produtos e fundos
que deveriam ter como premissa a proteção e conservação
ambientais, significa deslocar o foco do debate sobre o modelo
de desenvolvimento e do papel central que as instituições
financeiras vêm desempenhando na sua promoção.
Salvaguardas do Banco Mundial e critérios setoriais do
BNDES: dois pesos e duas medidas
As salvaguardas socioambientais do Banco Mundial foram
elaboradas como uma resposta às criticas sobre a atuação da
instituição e a seu duplo padrão ao lidar com legislações, ou
mesmo a falta de resguardos legais às populações e à natureza,
em países em desenvolvimento diante da implementação de
megaprojetos financiados pelas IFMs em seus territórios.
As salvaguardas, como políticas de aquisição de terras,
reassentamento involuntário de povos indígenas ou de redução
da poluição, davam conta de nivelar ou padronizar os guias de
operação do Banco em diferentes países com (ou sem) políticas
distintas quanto à propriedade territorial, populações tradicionais
ou limites e controle da poluição. Tais limites, padrões ou
restrições, aliados a uma política de informação pública sobre
os projetos, as operações e sobre as instâncias e momentos
decisórios no Banco, dariam à sociedade organizada meios para
acionar os instrumentos de monitoramento (compliance) como
estratégia complementar dos movimentos de resistência às IFMs
e seus projetos.
No caso do Brasil, até pouco tempo atrás, as política nacionais
de gestão ambiental e territorial, inclusive o Código Florestal, que
incide sobre a propriedade privada reconhecendo a função social
e ambiental da terra, eram vistas como completas e avançadas
em comparação à maioria dos países em desenvolvimento. Isto
antes dos ataques ideológicos, técnicos e políticos do próprio
Banco Mundial ao Sisnama, ao sistema de licenciamento
ambiental e ao desmonte ruralista do Código Florestal, que se
tornou um marco para o mercado financeiro de compensações
de biodiversidade e pagamentos por serviços ambientais.
Mesmo assim, se o BNDES se propusesse a simplesmente
observar e respeitar a legislação brasileira nos financiamentos
70
que concede aos projetos no Brasil e no exterior, e fornecesse
acesso à informação para o seu monitoramento, salvaguardaria
as comunidades de situações tais como o cercamento e a
proibição de acesso das populações às áreas próximas da mina
de carvão da Vale em Moatize, por exemplo.
Quanto ao financiamento no Brasil, o BNDES reafirma seu
compromisso com a legislação nacional25, em especial com a
“avaliação do atendimento a exigências ambientais legais, em
especial o zoneamento ecológico-econômico e o zoneamento
agroecológico, e a verificação da inexistência de práticas de atos
que importem em crime contra o meio ambiente”. Também,
como resposta a sucessivas denúncias, se compromete com
a “pesquisa cadastral do beneficiário que inclui verificação de
apontamentos referentes a trabalho análogo a escravo (consulta
aos dados do Ministério do Trabalho e Emprego) e a crimes
ambientais”, sem, contudo, explicitar se e quando os resultados
dessa pesquisa levam a recusar ou limitar os financiamentos às
empresas (ou beneficiários) solicitantes, a não ser em diretrizes
setoriais específicas, como as desenvolvidas para o setor da
pecuária e da cana-de-açúcar.
O BNDES estabelece ainda uma “avaliação do atendimento
a exigências sociais legais e a verificação do atendimento
às políticas do BNDES relativas às medidas de qualificação e
recolocação de trabalhadores se, em função do empreendimento
apoiado, ocorrer redução do quadro de pessoal; à proteção de
pessoas portadoras de deficiência; e à inexistência de práticas
de atos que importem em discriminação de raça ou gênero,
trabalho infantil ou trabalho escravo ou de outros atos que
caracterizem assédio moral ou sexual”. Tais políticas internas
não são claramente divulgadas ou passíveis de monitoramente
e verificação pela sociedade civil a ponto de considerarem-se
salvaguardas no sentido em que se aplicam ao Banco Mundial.
Por fim, o BNDES estabelece ainda diretrizes para a política
socioambiental, entre as quais: “atuar alinhado com as políticas
públicas e legislações vigentes, em especial com o disposto na
Política Nacional de Meio Ambiente” e “desenvolver e aperfeiçoar
permanentemente produtos financeiros voltados a objetivos de
cunho social e ambiental e incorporar critérios socioambientais
aos demais produtos, quando couber”. Além disso, estabelece três
critérios setoriais, analisados aqui com brevidade, que tampouco
são denominados salvaguardas.
Os “critérios socioambientais para o apoio ao setor de geração
elétrica”, ao contrário de responderem a uma das demandas
formais apresentadas ao Banco pela Plataforma BNDES para
a adoção de uma política pública de informação e de critérios
sociais e ambientais em seus financiamentos para o setor
hidroelétrico, definem somente limites máximos elegíveis
para termelétricas alimentadas por combustíveis fósseis (óleo e
carvão mineral).
Como a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) 382, de 2006, não incluiu as termelétricas quando
estabeleceu limites de emissão de poluentes à atmosfera por
fontes fixas, como fez para as indústrias de celulose, cimento
e siderurgia, delegou o estabelecimento de normas específicas
para fontes com relevância regional, como o carvão mineral,
aos estados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a articulação
das indústrias do setor carbonífero buscou, a partir de 2007 no
Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), a definição
de limites máximos acima dos permitidos nos licenciamentos
dados pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)
nas últimas décadas. O objetivo era a criação de um novo
mercado de licenças de poluição para aqueles empreendimentos
que, ao contribuírem com a poluição instalando novas
termelétricas a carvão, pudessem ainda assim negociar “créditos
de poluição” por não usarem uma cota máxima e extremamente
permissiva estabelecida sob sua influência por resolução
estadual. Já o BNDES, responsavelmente, estabelece limites mais
restritivos em comparação a esta malfadada iniciativa, visando à
utilização das melhores tecnologias disponíveis, ainda que com
limites duas vezes superiores ao recomendado na época por
técnicos da Fepam26.
Todavia, cabe questionar o papel do BNDES na definição
de tais limites em substituição às políticas de saúde pública e
meio ambiente que o Estado teria o dever de promover para
71
assegurar o direito constitucional dos cidadãos a um ambiente
equilibrado. Nesse sentido, cabe questionar também o seu
financiamento à expansão de empreendimentos que usam
fontes obsoletas e altamente poluentes de geração de eletricidade
e com reconhecidos passivos ambientais no Brasil, como o
carvão mineral, além de empresas com registro de passivos já
reconhecidos pelo próprio BNDES e que exploram os leilões de
termelétricas fósseis, como a Bertin e a MPX27.
Já as “diretrizes e critérios ambientais para o apoio ao açúcar
e ao álcool” tiveram como clara motivação as denúncias
dos movimentos reunidos no I Encontro Sul-Americano de
Populações Impactadas por Projetos Financiados pelo BNDES,
realizado em novembro de 2009, no Rio de Janeiro, e as
proposições elaboradas pela ONG Repórter Brasil, em 201128.
Esta organização avalia que as políticas de salvaguarda do
BNDES carecem de transparência e foco, ainda que tenham
avançado com a criação de critérios específicos para o
financiamento do setor da pecuária e a assinatura de um termo
de cooperação com o Ministério Público do Trabalho (MPT), de
modo a não financiar empresas que praticam trabalho escravo
ou infantil.
Para o ramo sucroalcooleiro, a Repórter Brasil sugeriu
mecanismos específicos para a análise de riscos socioambientais
e o acesso e controle públicos dos critérios e das operações para
este setor. Além disso, demandou procedimentos de cobrança
de cumprimento de suas salvaguardas, medidas cabíveis de
ajustes e sanções e condições de monitoramento dos impactos
dos projetos financiados, dando publicidade às ações de
auditoria e de sua metodologia, bem como às sanções aplicadas.
Quanto aos casos com condenação por crimes ambientais e
de trabalho escravo, sugere a adoção de medidas por parte do
BNDES independente de sua inclusão nas listas do MTE e do
Ibama e a adoção de uma política de acolhimento de denúncias
e recomendações dos ministérios públicos, considerando,
prioritariamente, a tramitação de ações correntes na justiça
que possam implicar o impedimento do desenvolvimento da
atividade fim como barreira para o repasse de recursos, até que as
questões tramitem em julgado.
O BNDES divulgou na sua política setorial para a cana, em
2012, o acolhimento de parte destas recomendações, assim
como das Resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN)
nº 3.813 e 3.814, de 26 de novembro de 2009, que condicionam
o crédito rural e agroindustrial para a expansão da produção
e da industrialização da cana-de-açúcar ao zoneamento
Agroecológico e vedam o financiamento da expansão do
plantio nos biomas Amazônia e Pantanal e na Bacia do Alto
Paraguai, entre outras áreas. O BNDES informa que a falsidade
das declarações e/ou informações requeridas por parte do
beneficiário poderia acarretar o vencimento antecipado dos
contratos, sem prejuízo da aplicação das sanções legais cabíveis,
mas não especifica seus próprios mecanismos de avaliação de
conformidade com tais critérios.
Por fim, as “diretrizes específicas para a concessão de apoio
ao setor de pecuária bovina” respondem a um processo
de campanhas e denúncias da sociedade civil organizada,
que contou também com o apoio do Ministério Público e
denúncias do Tribunal de Contas da União (TCU), envolvendo
o BNDES, grandes empresas como a Bertin e as ações de
desmatamento ilegal29.
Tais exemplos, ao mesmo tempo que expõem as fragilidades
do BNDES, sua preocupação diante das críticas da sociedade
civil organizada e a efetividade das denúncias e protestos sociais,
explicita os limites e as contradições entre os interesses do Banco
e sua tentativa de adequação e legitimação destes através de sua
política socioambiental.
Indica também que a setorização de diretrizes ou salvaguardas
confere um duplo padrão ao Banco ao lidar com determinados
setores em detrimento de outros que não estejam sob a mira da
sociedade organizada ou com pressão suficiente para influenciar
as ações do Banco.
Desta forma, a Plenária dos Movimentos Sociais, realizada
em Brasília em maio de 201230, defendeu e desafiou o BNDES
a: ampliar a aplicação da determinação do TCU quanto às
salvaguardas contratuais para casos de superfaturamento para
72
todos os projetos financiados pelo Banco, e não apenas para
aqueles realizados no âmbito da Copa do Mundo de 2014;
não financiar empresas com ações tramitando na justiça, e
a suspender suas atividades fins, não se limitando aos casos
de empresas condenadas em última instância; financiar
massivamente a agricultura familiar e campesina, a diversificação
da matriz energética e produtiva do país, a infraestrutura social
de transporte e saneamento públicos, o micro e pequeno
empreendimento e os empreendimentos da economia solidária.
Considerações finais
O Banco Mundial nunca teve salvaguardas para o seu projeto
neoliberal. Soube muito bem capturar a crítica da sociedade civil e
neutralizá-la em processos de consulta, participação, construção
e tentativas frustradas de uso de mecanismos complexos de
transparência e responsabilidade (accountability), bem como criar
os caminhos para desviar-se da sua própria burocracia para a
execução de projetos polêmicos e o aprofundamento do modelo
de “desenvolvimento”, entre eles o repasse de recursos para outras
instituições financeiras como o BNDES.
Através da sua capacidade de formulador de opinião, de
pensamentos e de políticas liberais, forjou consensos e a
aceitação social às suas teses, velhas ou novas. Atua nesse
sentido desde a disseminação da ideologia dos pós-guerra,
passando pelos processos de privatização e liberalização da
economia, pela maquiagem do desenvolvimento sustentável
e, mais recentemente, pela forçada união de setores e classes
em nome da proteção ambiental e do enfrentamento da crise
do clima. Também é parte do modus operandi do Banco a
forçosa tentativa de conciliação contraditória entre crescimento
econômico, degradação ambiental e aumento da lucratividade
com a escassez dos serviços ambientais dos bens comuns,
promovida pela economia verde. O Banco atua também
com o claro propósito de invisibilizar a luta e a emergência e
convergência de novas classes, para além dos trabalhadores
formalizados, como mulheres, indígenas, camponeses e
populações atingidas no campo, na cidade ou na floresta.
A Rede Brasil, ao longo dos seus 17 anos de atuação, se pautou
pela construção dos caminhos da transparência, do controle
social e da incidência, tendo como aliados atores políticos
nacionais, como os movimentos sociais e o Parlamento, e redes
internacionais, de modo a escrutinar, denunciar e resistir às
formas de implementação do modelo neoliberal pelo Banco
Mundial e suas consequências.
Já o BNDES não tem política de informação suficiente sobre
sua carteira de projetos. Não tem mecanismos de participação
e transparência na discussão e construção de sua política
socioambiental. Esta foi resultado de uma condicionante de
um empréstimo do Banco Mundial para eficientizar a gestão
ambiental no Brasil. Tal como o Banco Mundial se reinventou
e se recapitalizou com o discurso da crise climática e a
preocupação ambiental, e agora se fortaleceu assim como o
FMI com a crise financeira, o BNDES segue a mesma cartilha.
Cresce privilegiando grandes conglomerados de corporações
nacionais e aprofundando o modelo agroexportador
extrativista, ao mesmo tempo que cria novos fundos e
produtos financeiros para lucrar com os mercados da escassez
ambiental. Estes fundos captam recursos no exterior e com
os grande projetos desenvolvimentistas nacionais, como
a exploração do pré-sal, e geram ativos e saúde financeira
para o Banco, assim como para estas próprias corporações
que têm, por força das políticas públicas de nova geração
recomendadas, entre outros pelo Banco Mundial, obrigação
de adquirir títulos no mercado para a compensação de seus
impactos sociais e ambientais não evitados pela burocrática
política de salvaguardas.
Cria-se, assim, um complexo círculo vicioso, que não
dispensa uma intrincada arquitetura financeira e de
comunicação para maquiar a realidade de verde e impor
uma tênue, porém eficaz, aceitação social, apresentada como
suposto consenso e capaz de abafar, neutralizar e invisibilizar
conflitos latentes e a resistência à imposição do modelo
neoliberal sobre os territórios e a vida das pessoas.
73
1 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da guerra de movimento à guerra de posição - Análise do documento ‘Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011’. Rede Brasil, janeiro de 2009, em: http;//www.rbrasil.org.br
2 Ver edições III e IV da revista Contra Corrente, da Rede Brasil em: http://www.rbrasil.org.br
3 MC ELHINNY, Vincent. Empréstimos de política ambiental do Banco Mundial ao BNDES - deslocando o dinheiro ou o meio ambiente? Movendo dinheiro ou consolidando uma política ambiental? Bank Information Center, setembro de 2009, em: http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx
4 http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/tal-ambiental-assistencia-para-agenda-sustentavel 5 ALAM, Sultan. Projeto Rio Madeira – Estudos Hidráulicos e de Sedimentos: Relatório Preliminar. Ministério das Minas e Energia. Brasília, janeiro de 2007.
6 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: a tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Adital, julho de 2009, em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=40702&lang=PT
7 Ver correspondência entre Rede Brasil e Banco Mundial em: http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Resposta+do+Banco+Mundial+a+carta+da+sociedade/10653 8 Em Brasília, 22 de dezembro de 2005, 10 e 23 de fevereiro e 21 de junho de 2006, do Relatório da Rede Brasil 2006.
9 Ver sobre o Termo de Cooperação entre MMA e Fboms em: http://www.fboms.org.br/files/energia/Termo_coopFBOMS_MMA.pdf 10 Ver sobre Avaliação de Equidade Ambiental em: http://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/Encarte_AEA_2ed.pdf
11 BANCO MUNDIAL. Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no Brasil: uma contribuição para o debate. Banco Mundial, março de 2008, em: http://siteresources.worldbank.org/INTLACBRAZILINPOR/Resources/Relatorio_PRINCIPAL.pdf
12 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: a tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Adital, julho de 2009, em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=40702&lang=PT13 Ver notícia sobre empréstimo do Banco Mundial para o Projeto de Assistência Técnica dos Setores de Energia e Mineral (Meta) em: http://pmdb.jusbrasil.com.br/politica/8446719/lobao-contrato-que-beneficia-projetos-no-setores-de-energia-e-mineral 14 TAUTZ, C.; Siston, F.; Lopes Pinto, J. B.; Badin, L. O BNDES no período Lula e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. In: CORECON e Centro de Estudos para o Desenvolvimento. Os anos Lula - contribuições para um balanço crítico 2003/2010. Ed. Garamond, 2010, em: http://www.plataformabndes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=67&Itemid=29
15 AMIGOS DA TERRA INTERNACIONAL. REDD, as realidades em branco e preto, novembro de 2010, em: http://www.foei.org/redd-realities-pt 16 Dados do Banco Mundial em: http://climatechange.worldbank.org/content/climate-finance-and-world-bank-facts 17 Dados do Fundo Amazônia em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/export/sites/default/site_pt/Galerias/Arquivos/Informes_Portugues/2012_07_20_informe_15jul12_portugues.pdf
18 Dados do Fundo Amazônia em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Doacoes/
19 Ver sobre o Fundo Clima, em: http://www.ecodebate.com.br/2010/10/27/decreto-regulamenta-fundo-nacional-sobre-mudanca-do-clima-fnmc-ou-fundo-clima/
20 WORLD BANK. Brazil low carbon country case study, maio de 2010 em: http://siteresources.worldbank.org/BRAZILEXTN/Resources/Brazil_LowcarbonStudy.pdf
21 Ver entrevista com análise sobre o estudo ABC, do Banco Mundial, em: ohttp://www.ecodebate.com.br/2010/07/02/estudo-de-baixo-carbono-brasil-uma-reciclagem-do-discurso-dos-velhos-atores-entrevista-com-lucia-ortiz-e-camila-moreno/
22 Dados do Programa ABC em: http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-sustentavel/programa-abc
23 Dados do Programa AB em: http://www.agricultura.gov.br/abc/ 24 Dados do BNDES em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/abc.html
25 Da Política Socioambiental do BNDES em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Politicas_Transversais/Politica_Socioambiental/analise_ambiental.html
26 ECOAGÊNCIA. Governo do RS muda representantes em colegiado para tentar aprovar limites de poluentes das usinas a carvão fora de qualquer bom-senso em: http://nejrs.blogspot.com.br/2008/08/governo-do-rs-muda-representantes-em.html e Ambiente Já, 2008: Governo Yeda manipula Consema para aumentar tolerância com poluição de termelétricas em: http://ambienteja.info/ver_cliente.asp?id=130859
27 Com dificuldades para tocar seus projetos, Bertin negocia venda de ativosGrupo ofereceu usinas termoelétricas a alguns investidores, entre eles a MPX, de Eike Batista,23 de fevereiro de 2011, em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,com-dificuldades-para-tocar-seus-projetos-bertin-negocia-venda-de-ativos,683229,0.htm
28 REPóRTER BRASIL. O BNDES e sua política socioambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada, fevereiro de 2011, em: http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/BNDES_Relatorio_CMA_ReporterBrasil_2011.pdf
29 BNDES ajudou a patrocinar desmatamento da Amazônia, diz TCU: a auditoria aponta falha na coordenação dos programas do governo, a cargo da Casa Civil, 23 de outubro de 2010, em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,bndes-ajudou-a-patrocinar-desmatamento-da-amazonia-diz-tcu,628829,0.htm
30 Carta aberta da Plenária dos Movimentos Sociais ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, 2 de maio de 2012, em: http://cupuladospovos.org.br/wp-content/uploads/2012/05/CartaAberta-1.pdf
* Lucia Ortiz é Coordenadora do Programa Justiça Econômica – Resistência ao Neoliberalismo – Amigos da Terra Internacional e Membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.
74
O BNDES financia a transnacionalização das empresas brasileiras: exportação de violações
O presente estudo examina os efeitos causados pelos
contratos de financiamento de instituições financeiras
na violação de normas nacionais e internacionais
de proteção e promoção dos Direitos Humanos Econômicos,
Sociais, Culturais e Ambientais (Dhescas) de grupos e populações
vulneráveis. São também examinadas as possibilidades de
aplicação dos instrumentos jurídicos, por parte do Ministério
Publico ou da sociedade civil, para o fortalecimento da
implementação dos Dhescas na promoção da justiça ambiental1,
sob a perspectiva da responsabilidade solidária dos bancos,
especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), por se tratar de uma instituição
financeira pública.
Diante das desigualdades econômicas e das injustiças
ambientais2 a que estão submetidas as comunidades pobres
no Brasil, a Rede Brasil solicitou que este estudo examinasse as
seguintes questões:
a) Como avançar no acesso das comunidades afetadas e
organizações sociais às vias legais de corresponsabilização
dos agentes financeiros por violações de acordos e leis sociais
e ambientais?
b) As vias legais de corresponsabilização podem ser formas de
pressão política por mudanças nos rumos e nas práticas
do BNDES?
A responsabilidade do BNDES pelas violações aos direitos humanosJadir Anunciação de Brito*
Breve resumo histórico
O BNDES, a partir de 19763, passou a incoporar a variável
ecológica nos seus negócios através de mecanismos de
mercado que favoreceram a apropriação do capital sobre a
natureza por instrumentos financeiros. Para uma compreensão
desta financeirização da natureza é importante compreender
que naquele período crescia o debate internacional sobre o
desenvolvimento sustentável, sobretudo em decorrência dos
inúmeros impactos socioambientais das atividades econômicas
e das decisões da I Conferência da Organização das Nações
Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, na Suécia, em 1972. Estas medidas contratuais
ambientais do BNDES passaram a ser implementadas mesmo
antes da Lei 6938/81, que estabeleceu o conceito de “poluidor-
pagador”, bem como o modelo regulatório de responsabilidade
bancária sobre o destino dos financiamentos, e criou os marcos
gerais dos condicionantes para a regulação do uso da natureza
na perspectiva formal do desenvolvimento sustentável.
Na década de 1980, a conjuntura internacional passou cada vez
mais a incorporar o debate ambiental, inclusive associando-o
aos interesses de mercado. Esta conjuntura foi pressionada
pelos movimentos sociais internacionais e também pelos
crescentes impactos na natureza e nas populações mais pobres,
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que passaram a sofrer diretamente os danos das externalidades
ambientais e sociais geradas pelo capitalismo industrial.
A demanda por uma regulação ambiental internacional
caracaterizadora da responsabilidade ambiental das instituições
financeiras passou a ser pautada em vários países. A inclusão
da variável ecológica nas atividades das instituições financeiras,
em especial o BNDES, ganhou organicidade a partir do
intercâmbio destas com o Banco Mundial, que promoveu a
inclusão institucional da agenda ecológica nos bancos a partir
da criação de requisitos formais de sustentabilidade como
condição para apoio aos projetos de financiamento. Houve,
inclusive, a criação de linhas específicas de financiamento
para a implementação de projetos industriais de conservação e
recuperação do meio ambiente sem nenhuma vinculação com
compromissos no combate das desigualdades e da pobreza
causadas pelos danos ambientais.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento, a Rio 92, influenciada por uma grande rede
de atores políticos dos movimentos sociais e das Organizações
Não Governamentais (ONGs), aprovou princípios e mecanismos
formais para a promoção do denominado desenvolvimento
sustentável. Embora com baixa implementação e poucos
impactos sobre as externalidades ambientais, os princípios e
mecanismos formais, entre outras funções, estabeleceram a
regulação das instituições financeiras através da possibilidade da
sua responsabilidade solidária no destino dos financiamentos4.
Entretanto, estes mecanismos tiveram um efeito adverso ao
favorecer o surgimento de uma espécie de mercado da natureza
institucionalizado, pelo qual os recursos ambientais passaram a
ser mais um ativo da revalorização e da reprodução do capital.
No Brasil, a Rio 92 favoreceu uma crescente retórica do
desenvolvimento sustentável ou da sustentabilidade ambiental,
presente nas concepções das políticas públicas, nos modelos
regulatórios e nos projetos de desenvolvimento econômico
que se dirigiram para a criação de condições do surgimento
do chamado “mercado verde”, da capitalização da natureza5
ou ainda do indeterminado conceito de “economia verde”. A
variável ecológica nos contratos de financiamento bancário foi
um instrumento de revalorização do capital, da renda da terra
e da expansão da indústria, especialmente da construção civil,
do agronegócio e do comércio, causando conflitos ambientais,
supressão de direitos historicamente conquistados e impactos
que agravaram a pobreza e as desigualdades social e ambiental6.
Nos anos 1990, o governo brasileiro instituiu, por meio da Lei
6938/81, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), ainda
em vigor. Esta Política criou os conceitos de poluidor-pagador
e de responsabilidade financeira ambiental e, formalmente,
estabeleceu condicionantes ambientais para a contratação
de operações bancárias, para atividades industriais, para o
licenciamento ambiental, o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(Sisnama) e a fiscalização administrativa dos órgãos ambientais.
O licencimento ambiental, prescrito no modelo regulatório
brasileiro dos anos 1980, já estabelecia condições “verdes” para
a apropriação capitalista da natureza, especialmente ao regular
os condicionantes ecológicos e sociais para o financiamento
bancário a empreendimentos geradores de impactos ambientais
e violações de direitos. A instituição da responsabilidade
bancária solidária pelo destino dos financiamentos, de forma
adversa, fortaleceu uma financeirização das políticas públicas
ambientais, seja pelas condicionantes ambientais estabelecidas
como critérios para a liberação de financiamentos bancários,
seja pelo favorecimento de uma ambientalização das instituições
financeiras por meio da retórica ambiental para a expansão do
capital financeiro.
Houve uma baixa eficácia da implementação da
responsabilidade bancária. Por outro lado, houve um aumento
das normas contratuais bancárias relativas à responsabilidade
das instituições financeiras. Dois exemplos são as disposições
aplicáveis aos contratos do BNDES e as normas e instruções
de acompanhamento previstas na resolução nº 665/877. Estas
disposições aumentaram o controle sobre a liberação dos
recursos financeiros e dos condicionantes contratuais formais
para essa liberação sem, contudo, inovarem na aplicabilidade
e na fiscalização dos impactos da aplicação deles. Estes
76
condicionantes significam que o próprio banco, por imposição
legal, reconheceu os riscos ambientais e sociais dos seus
financiamentos e, consequentemente, a sua corresponsabilidade
ou responsabilidade solidária pelo destino deles. No entanto,
embora tenha prescrito condicionantes contratuais, o BNDES
não estabeleceu mecanismos bancários de monitoramento,
fiscalização e controle dos impactos gerados na destinação dos
recursos liberados. Essa circunstância transcorreu apesar de o
Banco possuir mecanismos legais, contratuais, para a resilição
ou rescisão contratual, bem como outros, a exemplo dos Termos
de Ajustamento de Conduta (TACs) e do ajuizamento de ações
de responsabilização dos seus financiados pelo descumprimento
dos condicionantes socioambientais contratuais e pelos
impactos gerados. Não há informações de precedentes da
utilização destas medidas jurídicas legais e contratuais para
fins de exigir dos financiados o cumprimento de cláusulas
contratuais relativas aos eventuais danos socioambientais
decorrentes da aplicação dos recursos.
Ainda na década de 1990, os marcos regulatórios ambientais
brasileiros favoreceram o aprofundamento da financeirização
das políticas públicas ambientais e da ambientalização dos
investimentos econômicos. Este processo é consolidado por
meio de várias iniciativas institucionais, a exemplo do Protocolo
Verde e das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), que estabeleceram condicionantes para a liberação de
financiamentos por meio de resoluções, como as nº 001/86, nº
006/86 e nº 237/97.
A legislação da responsabilidade ambiental brasileira, formada
nos anos 1980 e 1990, permitiu ao setor financeiro, a exemplo
do BNDES, desenvolver, mais recentemente, um conjunto de
ativos financeiros para a denominada “economia verde”8, cujo
objetivo imediato era a reprodução do capital financeiro no
Brasil, que favoreceu a consolidação de um mercado da natureza
que expandiu os seus investimentos mesmo com violações dos
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
(Dhescas)9. A responsabilidade ambiental bancária brasileira
pouco favocereu a implementação das políticas públicas de
fiscalização de controle, de manejo, uso dos serviços e recursos
ambientais, tampouco estabeleceu um desenho institucional
justo e democrático de apropriação social da natureza capaz de
orientar condições para a sustentabilidade fora dos parâmetros
de desenvolvimento orientado pela mercantilização da natureza
e da vida. Assim, o BNDES, mesmo antes da Rio 92 e sob a
orientação do Banco Muncial, já buscava condições de liberação
de financiamento de modo que permitisse condições formais de
inclusão da variável ambiental na liberação de financiamento:
“Em 1989, foi criada a primeira unidade ambiental do BNDES,
cuja atribuição foi coordenar o processo de internalização da
variavel ambiental nos procedimentos operacionais do Banco. As
operações passaram a receber classificação de acordo com o seu
impacto ambiental”.
Sob a influência da Rio 92 e da retórica do desenvolvimento
sustentável, o capital financeiro é estruturado juridicamente de
forma a possuir mais segurança para a sua reprodução. O BNDES
declarou que “assinou acordos internacionais que visavam à
recuperação de áreas ambientalmente degradadas, como o
contrato de financiamento do Programa Nacional de Controle da
Poluição Industrial, assinado com o Banco Mundial e o Eximbank
do Japão (atual JBIC), no valor total de US$ 100 milhões”10.
O Banco Mundial criou um conjunto de estratégias adotadas
pelo BNDES através de mecanismos como o Empréstimo
Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão
Ambiental Sustentável (SEM DPL, sigla em inglês de Sustainable
Environmental Management Development Policy Loan), que
permitiram a consolidação da organização do capitalismo
financeiro “verde” no Brasil através da financeirização das
políticas públicas ambientais, da flexibilização da legislação
ambiental e da minimização da promoção e da proteção
dos Dhescas nos conflitos ambientais11. A introdução dos
Empréstimos de Política para o Desenvolvimento (DPLs, sigla em
inglês), como uma forma de condicionalidade flexibilizada12 para
os negócios das instituições financeiras, criou condições “verdes”
para a reprodução do capital, especialmente na América Latina.
No Brasil, a criação da Diretoria de Meio Ambiente no BNDES
77
está relacionada à implementação do SEM DPL, cuja função
seria criar instrumentos para o desenvolvimento em Gestão
Ambiental Sustentável no Brasil, com apoio financeiro
do Banco Mundial. Entretanto, os SEM DPLs representam
mais do que exigências formais de contratos para a
liberação de recursos do capital financeiro internacional,
ou aportes de recursos financeiros internacionais. Os
SEM DPLs se constituíram em um modelo de política
ambiental e financeira com a introdução de instrumentos
da chamada ecoeficiência, a exemplo dos Mecanismos
de Desenvolvimento Limpo (MDLs), das tecnologias para
a redução do desmatamento na Amazônia e dos usos
dos recursos hídricos, entre outros, que expressamente
permitiram uma apropriação da natureza pelo capital13.
O comprometimento da política de salvaguardas
socioambientais do BNDES, a partir de 2008, não atendeu aos
princípios da informação e da participação ambiental, sendo
as resultantes desta política a revalorização do capital no
mercado contemporâneo, e não propriamente a construção
de instrumentos capazes de combater as desigualdades e
injustiças socioambientais14, assegurando a apropriação social
da natureza pelas populações mais pobres15, para acesso,
manejo e uso sustentável dos recursos e serviços ambientais16.
Os MDLs não favoreceram a implementação dos Dhescas,
posto que estes mecanismos são instrumentos de políticas
públicas de mercado cuja centralidade não é a sustentabilidade
socioambiental, mas sim a reprodução do capital financeiro
por meio da “economia verde”17. Além disso, eles causam mais
injustiças ambientais às populações vulneráveis18.
Marco regulatório sobre a responsabilidade ambiental
dos agentes financeiros
O marco regulatório da responsabilidade ambiental do
capital, inclusive o financeiro, por danos socioambientais, entre
outros dispositivos, está contido no artigo 225, parágrafo 3º da
Constituição Federal de 198819:
CAPÍTULOVI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preserva-lo para as presentes e futuras gerações.
(...) § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica
obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de
acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
VII - redução das desigualdades regionais e sociais.
Conforme dispõem os artigos 225 e 170, inciso VII da
Constituição Federal, as condutas e atividades consideradas
lesivas que possam causar danos sociais e ambientais sujeitam
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independente da obrigação de reparação dos
danos. Os danos causados pelo poluidor ao ambiente e às
populações, inclusive por instituições financeiras como o BNDES,
são uma responsabilidade Civil Objetiva, Cumulativa e Solidária.
Estes danos acarretarão a responsabilidade civil objetiva, na
qual não será permitido ao poluidor alegar as excludentes de
caso fortuito, força maior ou culpa de terceiros para se excluir
78
das obrigações de reparação dos impactos sociais e ambientais
gerados por suas atividades. Comprovada a autoria dos danos,
poderão ser aplicadas, de forma cumulativa, sanções civis – para
reparação em dinheiro ou in natura; sanções penais – inclusive
para as empresas e bancos; e sanções administrativas, que
também podem ser aplicadas em conjunto com as anteriores
e poderão levar à interdição definitiva das atividades da pessoa
jurídica. A responsabilidade ambiental pelos impactos sociais e
ambientais é considerada solidária, pois o poluidor indireto, a
exemplo das instituições financeiras, pode ser responsabilizado
conforme a Lei 6938/81.
A responsabilidade das instituições financeiras pelo destino
dos financiamentos ambientais é expressamente prevista
nesta mesma Lei20, que disciplina a Política Nacional do Meio
Ambiente nos seus artigos 3, 4, 12 e 14. Em seu artigo 3, esta Lei
prescreve que os poluidores podem ser os responsáveis diretos
ou indiretos pelos impactos sociais e ambientais. No artigo 12,
prescreve expressamente que as entidades de financiamento,
bem como os órgãos de financiamento e incentivo
governamental, condicionarão a aprovação de projetos às
normas estabelecidas pelo Conama. O mesmo artigo prescreve,
ainda, que estas entidades condicionarão a aprovação de projetos
habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta
lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões
expedidos pelo Conama. O artigo 14 afirma que “sem obstar a
aplicação de penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar
ou reparar os danos causados no meio ambiente”.
Outro fundamento jurídico para a responsabilidade
bancária ambiental é o decreto regulamentador no 99.274/90,
que regulamenta a Lei 6938/81 e define o “poluidor” como:
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável direta ou indiretamente por atividade causadora
de degradação ambiental. Sob esta premissa surge uma
vertente interpretativa da responsabilidade socioambiental
das instituições financeiras.
A responsabilidade ambiental por danos sociais e ambientais
pode ser causada pelo poluidor direto e indireto. Na hipótese
de poluidor indireto – a exemplo das instituições financeiras
responsáveis por financiamentos causadores de danos à natureza
e às populações –, juridicamente, a responsabilidade civil será
solidária, ou seja, todos que na cadeia causal tenham contribuído
para a atividade que causou o dano social e ambiental são
considerados passíveis de serem corresponsáveis na reparação
dos danos. É importante mencionar que a responsabilidade
civil do poluidor, além de solidária, é objetiva, nos termos da
Constituição e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,
posto § 1º do artigo 14, que estabelece que a obrigação de reparar
os danos ambientais surge, independentemente da existência de
culpa, ou seja, da imperícia, da imprudência e da negligência:
“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas
pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessarias à preservação
ou correção dos inconvenientes e danos causados
pela degradação da qualidade ambiental sujeitara os
transgressores:
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade. O Ministério Público da União e
dos estados tera legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao
meio ambiente”21.
Como expõem os estudos e pesquisas jurídicas22, a interpretação
das instituições financeiras de serem consideradas solidárias
com o destino do financiamento do projeto que cause danos
sociais e ambientais pressupõe a relação entre a responsabilidade
civil objetiva e a teoria do risco integral. Para tanto, para que
se considere a hipótese da reparação do dano ambiental, as
instituições financeiras devem ser consideradas responsáveis pelas
consequências do destino dos seus financiamentos.
79
A Lei 6938/81 estabelece ainda no seu texto a hipótese
normativa da responsabilidade das instituições pelos recursos
destinados ao financiamento de projetos que tenham risco
de causarem impactos ambientais, à medida que estabelece
que cabem obrigações pelo estabelecimento de exigências
contratuais para diminuir os riscos ambientais por meio
de condicionantes. Trata-se da teoria do risco integral que,
agregada com a variável da natureza, implica o conceito do risco
socioambiental do investimento, conforme o artigo 12 desta
mesma Lei:
“Art. 12 - As entidades e órgãos de financiamento e
incentivos governamentais condicionarão a aprovação de
projetos habilitados a esses benefícios de licenciamento,
na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos
critérios e dos padrões expedidos pelo Conama.
Paragrafo único. As entidades e órgãos referidos no
caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos
a realização de obras e aquisição de equipamentos
destinados ao controle de degradação ambiental e à
melhoria de qualidade do meio ambiente”.
Os condicionantes legais, assim como as licenças ambientais
estabelecidas pela Política Nacional do Meio Ambiente para a
concessão de financiamentos por instituições financeiras para
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, caracterizam
a responsabilidade ambiental das instituições financeiras pelo
destino do financiamento ambiental.
Esta responsabilidade não está circunscrita aos aspectos
civis e administrativos, mas também abrange a imputabilidade
penal da pessoa jurídica e seus diretores nos termos da Lei
9.605/98, de Crimes Ambientais e sanções administrativas. Os
impactos ambientais gerados pelas instituições financeiras
poderão gerar a aplicação da responsabilidade ambiental
conforme os artigos 2, 3 e 4 da Lei de Crimes Ambientais. É
importante destacar que o parágrafo único do artigo 3 desta
Lei prescreve que a responsabilidade das pessoas jurídicas não
exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes
do mesmo fato. Ou seja, poderá haver responsabilidade penal
ambiental das instituições financeiras, por danos ambientais e
sociais diretos ou indiretos, desde que provada a culpabilidade
dos acusados. Assim, nos casos de financiamentos ambientais
causadores de poluição indireta, as instituições financeiras
poderiam ser denunciadas por meio das figuras penais de
partícipe ou da coautoria de crimes ambientais pelos impactos
socioambientais gerados.
Este exame da legislação brasileira leva à conclusão
de que as instituições financeiras, ao liberarem
financiamentos para projetos com potencial poluidor ou
causador de efetivo dano social e ambiental, poderão ser
responsabilizadas de forma objetiva, cumulativa e solidária
na fase de pré-aprovação e concessão de financiamento,
na fase pós-concessão de financiamento e respectiva
assinatura do contrato de financiamento ou na aplicação
das verbas financiadas.
Outro argumento relevante para a responsabilização das
instituições financeiras por impactos ambientais e a criação
de desigualdades sociais é a regulação do sistema financeiro
nacional, que expressamente prescreve a possibilidade da
corresponsabilidade ou da responsabilidade civil solidária
das instituições financeiras e seus diretores pelos danos
causados por suas atividades de financiamento ou por
qualquer irregularidade na sua concessão de crédito que
contrarie a legislação. Além disso, compete ao Banco Central
fiscalizar os contratos bancários de concessão de crédito para
apurar atos irregulares das instituições e de seus diretores,
havendo prescrições expressas para que, independente das
sanções penais e administrativas, haja a possibilidade da
responsabilidade civil objetiva e solidária por irregularidades
na liberação do financiamento bancário23. Ora, esta hipótese
consolida os argumentos da possibilidade da responsabilidade
civil bancária, objetiva e solidária pelos financiamentos
ambientais causadores de impactos socioambientais e
desigualdades sociais.
80
Salvaguardas do BNDES: flexibilização
da legislação socioambiental e financeirização
das políticas públicas ambientais
Uma das linhas de financiamento do BNDES que causam
danos socioambientais é aquela dirigida para os projetos de
implantação da silvicultura do eucalipto que, face à natureza dos
modelos dos empreendimentos agrários, são caracterizados como
monoculturas. A monocultura do eucalipto requer cultivo em
largas extensões territoriais, comprometendo o desenvolvimento
de culturas agrícolas de pequenas escalas. Como aponta
Vandana Shiva24, as monoculturas são consideradas geradoras
de impactos territoriais e ambientais materiais e imateriais. Estes
impactos ocasionam o empobrecimento territorial, a diminuição
da biodiversidade e desigualdades sociais e econômicas no
desenvolvimento das populações devido à sua insustentabilidade
como modo de produção25.
Na dimensão simbólica, as monoculturas fomentam
reducionismos ideológicos sobre a produção e causam a
invisibilidade de sujeitos sociais e de seus saberes, reduzindo o
seu poder político. Os recursos financeiros aplicados no estado
do Espírito Santo nos empreendimentos relativos à monocultura
são geradores de severos conflitos socioambientais, como os
casos dos litígios nas comunidades indígenas dos Tupiniquim
e dos Guarani26 e na quilombola de Linharinho27. As disputas
nestes territórios transcorrem contra as políticas da apropriação
capitalista sobre os territórios e ambientes, que prejudicam a vida
das populações e a natureza presente nestas regiões. Conforme
informações dos estudos de caso apresentados no final desta
publicação, os movimentos sociais resistem contra este modelo
dominante da monocultura do eucalipto e, de forma propositiva,
fazem uso da política e do direito para reivindicar o uso adequado
do patrimônio natural da biodiversidade28.
No Rio de Janeiro, a aprovação da Lei 5.067/2007, que autoriza
a silvicultura do eucalipto, causou forte reação dos movimentos
sociais, sobretudo dos integrantes da Rede Alerta Contra o
Deserto Verde. Esta legislação é o principal instrumento formal
para a implantação da monocultura do eucalipto neste estado.
Ela criou uma contrapartida reduzida de 30% para até 15% de área
vegetal nativa a ser reflorestada pelas empresas, sem nenhuma
obrigação de compensações socioambientais para as populações
locais. Esta Lei permite a demarcação de áreas para a implantação
da monocultura do eucalipto, sem que haja participação social
e, em alguns casos, sem a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) nem licenciamento ambiental. Atualmente,
esta Lei está sendo questionada por uma Ação Direta de
81
Inconstitucionalidade (ADIn) no Supremo Tribunal Federal (STF),
de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag)29.
A monocultura de eucalipto cresce no Brasil a partir do vultoso
estímulo do capital financeiro público. Em 2005, a área ocupada
por esta atividade era de cerca de 3,4 milhões de hectares do
território nacional (65% das áreas de “florestas” plantadas). A
Aracruz Celulose, fundada em 1972, mas que já atuava no Espírito
Santo sob o nome de Aracruz Florestal, é a principal empresa
a realizar apropriações privadas de territórios para a expansão
da produção do eucalipto em larga escala. Em 2006, a área de
apropriação privada para o plantio do eucalipto em larga escala,
somente no Espírito Santo, já era de 208 mil hectares. A Aracruz
Celulose apresenta-se como uma significativa expressão do
capital financeiro fundiário no Brasil30 pois o seu controle
acionário é exercido pelos grupos Safra (28%), Lorentzen (28%),
Votorantin (28% - participação contraída da Mondi, em 4 de
outubro de 2001) e pelo BNDES (12,5%). Vale salientar que a
financeirização do capital fundiário indica ser caracterizada por
negociações de suas ações preferenciais nas Bolsas de Valores de
São Paulo, Nova Iorque e Madri31.
Conflitos territoriais e resistência social às políticas
ambientais e financeiras do BNDES
Os negócios da monocultura do eucalipto, financiados pelo
BNDES, causaram conhecidos impactos sociais e ambientais no
norte do Espírito Santo, como substituição da floresta de Mata
Atlântica por eucalipto; conflitos fundiários com comunidades
e povos autodeclarados tradicionais, com apropriações
privadas sobrepostas em áreas reivindicadas para preservação
permanente, como matas ciliares e terras ocupadas por pequenos
agricultores; alto consumo de recursos hídricos na produção do
eucalipto; devastação de nascentes e matas ciliares; e interrupção
de rios por barragens e estradas32.
Devido às apropriações indevidas da Aracruz Celulose, as
comunidades indígenas de Comboios, Caieiras Velhas e Pau
Brasil, famílias Tupiniquim e Guarani, passaram a ocupar
apenas 40 hectares de terras, cercadas por plantações de
eucalipto. A partir dos anos 1970, estas comunidades indígenas
organizaram-se em movimentos de resistência. As comunidades
autodeclaradas remanescentes de quilombos também se
envolveram em vários conflitos com a Aracruz Celulose para
que fossem respeitados os seus direitos33. Conforme o relatório
da Plataforma Dhesca, existem cerca de cem comunidades
quilombolas no Espírito Santo. Somente nos municípios de
Conceição da Barra e de São Mateus há 32 comunidades
quilombolas, agregando cerca de 1.200 famílias. Nesta área, a
situação jurídica é de uma apropriação privada por sobreposições
territoriais, com plantio de eucalipto, com uma taxa de ocupação
de 68% do total do seu território34. Nestes municípios, na área
do Sapê do Norte, encontram-se Linharinho, São Jorge, São
Domingos/Córrego de Santana (12.596 hectares), São Cristovão/
Serraria (8.500 hectares) e Córrego Angelim (12.945 hectares).
A Aracruz apropria-se de áreas destinadas à agricultura, o
que eleva os valores das terras, dificultando a implementação
da reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), conforme denuncia o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST). Em 2003, havia cerca de 65
mil famílias esperando serem assentadas no Espírito Santo35.
Além dos múltiplos e conflituosos marcos de regulação de
uso do território, observa-se que os agentes do Estado por
meio dos poderes Judiciário e Executivo, na interpretação e
aplicação destas normas nos conflitos de apropriação territorial,
tomam decisões amparados em regras de sustentabilidade
constantes em procedimentos de licenciamentos ambientais.
Estas favorecem o avanço da liberação do financiamento das
apropriações e dos usos privados em detrimento da apropriação
social da terra e dos ambientes no Espírito Santo.
O capital financeiro do BNDES possui um papel ativo na
expansão da monocultura do eucalipto no Espírito Santo e
na Bahia, seja pela liberação de financiamentos públicos,
seja por decisões judiciais e administrativas justificadas em
legislações fundiárias e ambientais que permitem usos e
82
apropriações privadas de territórios e ambientes sobrepostas
a áreas historicamente ocupadas por povos e comunidades
autodeclaradas tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores
artesanais), pequenos agricultores e trabalhadores sem-terra.
Percebe-se também que a atual flexibilização ou liberalização
da legislação ambiental e as interpretações restritivas da função
social e ambiental da terra são outros fatores justificadores das
ações do Estado em favor da expansão do capital da monocultura
do eucalipto no Espírito Santo.
No capitalismo, a terra não possui valor econômico
próprio para a acumulação produtiva. O seu valor monetário
decorre da força de trabalho sobre o território. No campo, o
capital financeiro se dirigiu para investimentos fundiários,
empreendendo relações entre capital e propriedade da terra,
tomando a forma de capital financeiro fundiário36. Assim, a
valoração da terra como renda capitalizada decorre não só da
exploração da mais-valia dos trabalhadores, como também
dos encargos e lucros agregados à produção agrícola37 e das
possibilidades de valoração ambiental de territórios pelo capital
financeiro fundiário.
No contexto da crise ambiental do capitalismo contemporâneo,
os recursos ambientais são cada vez mais incorporados à
renda da terra como ativos financeiros de sua valorização. E as
instituições financeiras, sob o véu da retórica da sustentabilidade
ambiental, cada vez mais liberam financiamentos que atribuem
valor econômico às terras, aumentando, assim, as desigualdades
sobre as populações que as habitam38.
Desse modo, a terra e o ambiente de bem natural se
constituem em mercadoria. A “mercantilização da natureza”
não é um fenômeno novo39, foi um dos vetores da expansão
colonial, na qual o meio ambiente era matéria-prima para o
empreendimento do “progresso” do capital. A teoria da renda da
terra passa a ser reelaborada pela “renda da natureza”40, conforme
o modelo do neoliberalismo ambiental contido no conceito
de desenvolvimento sustentável41. O imaginário42 da natureza
capitalizada43 como discurso de apropriação da biodiversidade
está presente, por exemplo, nos projetos de monocultura44.
O enfrentamento aos impactos da crise ambiental45 e do
financiamento do desenvolvimento sustentável46 envolve
também disputas no campo ideológico do desenvolvimento e
da sustentabilidade. Incluem-se aí o “credo da ecoeficiência” e
a expertocracria47 como componentes presentes nas retóricas
dos sujeitos sociais capitalistas. Como aponta Leff, o discurso
do desenvolvimento sustentável simplifica a complexidade
dos processos naturais, destrói as identidades culturais, pois
as submete ao universalismo da tecnologia ambiental para
readaptar a natureza como meio de produção e riqueza48. A razão
instrumental do capitalismo, diante da crise ambiental, propõe
enfrentá-la por meio da criação das denominadas “tecnologias
limpas”, das biotecnologias das sementes transgênicas49, das
monoculturas e dos mecanismos de mercados de carbono
como os MDLs (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) - que
impulsionam o mercado dos recursos naturais, a exemplo dos
“mercados do ar”. Nas áreas urbanas o racionalismo instrumental
formula “respostas” à degradação ambiental, através de ações
políticas amparadas nos conceitos abstratos de cidades
sustentáveis e de sociedade de riscos50, sob a desconsideração
das injustiças socioambientais51. Todos estes conceitos e práticas
integram a objetividade da crise ambiental52. Assim, a degradação
é reduzida a um colapso objetivo, como consequência da
entropia do meio ambiente na produção capitalista.
Desse modo, a variável ambiental é incorporada à renda da
terra como um ativo financeiro para a sua valorização. Essa
representação do capital, discursivamente, toma contornos
preservacionistas nas apropriações do capital. Os processos de
globalização ou de mundialização53 firmam “consensos” verticais
sobre os modos de desenvolvimento, organização e participação
de sujeitos sociais na apropriação e uso de territórios e
ambientes. A expansão do capital sobre os territórios é legitimado
nos modelos de Estados territoriais54, instituidor de demarcações
de territórios jurídicos sobrepostos aos territórios ocupados
historicamente por povos e comunidades praticantes de relações
materiais e simbólicas55 com a natureza.
Contudo, na dimensão local, os “consensos” verticais globais
83
convivem com as multiterritorialidades56. Neste sentido, Milton
Santos afirma: “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma
razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”57.
A ordem global e a local são geneticamente opostas, mas há
aspectos de uma presentes na outra58. Os conflitos territoriais e
ambientais podem ser caracterizados como litígios de políticas de
escalas59, pois a ordem global externa dos interesses econômicos
transnacionais se impõe aos interesses locais. Assim, os
globalismos e localismos60 constituem-se campos de disputas61
entre identidades múltiplas62, ora pelo domínio, ora pela
resistência às apropriações mercantis de territórios e ambientes.
No âmbito local é possível identificar práticas de resistência
contra-hegemônicas63 de descolonização epistemológica64.
No Brasil, a exemplo de outros países periféricos, observa-se a
criação de movimentos sociais constituídos por sujeitos sociais
com referenciais identidades territorializadas, como indígenas,
quilombolas, sem-terra, populações ribeirinhas, atingidos por
barragens, entre outros sujeitos, cujas identidades moldam os
territórios, e os territórios moldam suas identidades65. Destas
relações entre identidades culturais de defesa de territórios e
ambientes são formadas representações sociais de resistência às
apropriações do capital demarcadas pela cartografia dominante66.
O território tem que ser entendido como o território usado, não
o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A
identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence 67.
O BNDES libera financiamentos, expandindo os
seus negócios por meio da promoção de processos de
territorialização-desterritorialização-reterritorialização
(TDR)68 de povos e comunidades para a relocalização da sua
produção69. Nas construções recentes de grandes usinas
hidrelétricas, como Jirau e Santo Antônio, os negócios
das instituições financeiras causaram também o efeito
da relocalização da produção70. Os processos de TDRs
são facultados no Brasil pelo denominado “fechamento”71
de territórios e ambientes para assegurar a rentabilidade
financeira da terra. Esse “fechamento” é identificado no
cercamento72 material e imaterial de territórios e ambientes,
a exemplo dos casos da implantação da monocultura do
eucalipto e de empreendimentos imobiliários em áreas
ambientais. O “fechamento” de territórios através da cerca
da terra73 requer processos, instrumentos normativos, atores
institucionais e de autoridades do Estado: juízes, promotores,
desembargadores, executantes das decisões judiciais e
legisladores para assegurar proteção à renda da terra ao capital.
As apropriações de territórios e ambientes são implementadas
através do imaginário da natureza capitalizada74 nas implantações
de monoculturas75, no uso de sementes transgênicas, na
privatização da biodiversidade76 e nos projetos imobiliários em
sítios ambientais. Vandana Shiva sustenta argumentos de que
as monoculturas negam a importância da diversidade para a
sustentabilidade e, com isso, não reconhecem as comunidades
distintas participativas e descentralizadas dos modelos
hegemônicos de desenvolvimento77.
As instituições financeiras, enquanto atores hegemônicos,
também formulam estratégias, a exemplo das tecnologias de
consensos78 nos conflitos da produção79. Contudo, identificam-
se a afirmação de políticas territoriais participativas e a
corporificação de direitos: a apropriação socialmente justa do
espaço herdado, dependente da ação coletiva, e a subjetivação
de direitos, que sustenta a afirmação de sujeitos plenos80 de
direitos coletivos de propriedade intelectual, reconhecimento
cultural e desenvolvimento como direitos humanos na
categoria dos Dhescas81. Mas há inúmeros obstáculos para
o reconhecimento de identidades culturais territoriais, de
regularização territorial e de garantia de acesso ao patrimônio
da biodiversidade82.
Os movimentos sociais reagem à mercantilização da natureza
por meio de práticas coletivas de resistência. O sentido do
termo resistência é interpretado como direitos coletivos de
oposição aos modelos hegemônicos de apropriação mercantil
e dominação cultural. A crítica ambiental83 está presente na
ambientalização do MST, do Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB) e de povos e comunidades tradicionais, entre
outros, como meio de resistência.
84
Instrumentos processuais e administrativos de proteção
às comunidades afetadas
Retomando a primeira questão da Rede Brasil expressa no
início deste texto sobre como as comunidades afetadas e as
organizações sociais podem “avançar no acesso às vias legais
de corresponsabilização dos agentes financeiros por violações
de acordos e leis sociais e ambientais”, é importante perceber
que este avanço passa em primeiro plano pela política e não
propriamente pelo direito. É neste sentido que pode se dar,
efetivamente, o avanço no acesso das comunidades afetadas
e de organizações sociais aos mecanismos processuais e
administrativos para caracterização da responsabilidade
ambiental (civil, administrativa e penal) dos agentes financeiros
por violações de convenções internacionais de proteção aos
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
(Dhescas), da Constituição Federal e do ordenamento jurídico na
proteção social e ambiental.
A sociedade civil organizada em movimentos sociais
construiu uma agenda de reivindicações de direitos
individuais e de reformas sociais, econômicas, ambientais
e culturais que, formalmente, foram asseguradas como
um projeto na Constituição de 1988. Porém para muitos
juristas os direitos sociais e econômicos constitucionais que
estabeleciam um projeto de reformas na sociedade brasileira
não teriam autoaplicabilidade por serem considerados normas
programáticas como meras intenções ou projetos sociais
contidos na Constituição. Para outros, os direitos sociais, dentre
eles os ambientais, os culturais e os econômicos de natureza
redistributiva, dependeriam de regulações do poder Legislativo
ou de intervenções do poder Executivo através de políticas
públicas e dotações orçamentárias.
Em face da interpretação da falta de autoaplicabilidade de
vários dispositivos sociais da Constituição Federal de 1988, a
concretização de direitos sociais passa por disputas políticas na
administração pública e no poder judiciário. Entretanto, diante
da possibilidade da ausência de regulação, esta Constituição
estabeleceu mecanismos processuais para sanar as omissões dos
poderes Legislativo e Executivo. Estes mecanismos foram sendo
lentamente apropriados pelos cidadãos e pelos movimentos
sociais, como as ações judiciais que transferiam as lutas
políticas e sociais disputadas no interior da sociedade e das suas
instituições para os tribunais.
É importante destacar que este processo de transferência
de poderes para o Judiciário, denominado de judicialização84,
implicava não só a ampliação do número de ações judiciais
a interferir nas relações sociais, como também nas decisões
políticas, pela substituição do poder político da sociedade pelos
procedimentos do poder Judiciário nas decisões dos conflitos.
Este processo põe em risco a própria democracia, pois cada vez
mais as decisões políticas, típicas de serem solucionadas por
poderes estatais constituídos por critérios eletivos, passaram a ser
tomadas pelo poder Judiciário, caracterizando o ativismo judicial.
Não são apenas os movimentos sociais que estão submetidos
à judicialização. As corporações e as elites representantes do
capital, ao longo dos anos 1990 e 2000, cada vez mais também
utilizaram os mecanismos judiciais para garantir os seus
interesses políticos, sociais, econômicos e culturais.
As demandas envolvendo a resistência social aos agentes
financeiros na liberação de recursos ao financiamento de
projetos potencialmente poluidores ou causadores de efetivo
impacto ambiental envolvem disputas no poder Judiciário e
conflitos políticos no seio da sociedade por meio de organizações
do terceiro setor85, ONGs 86 e movimentos sociais87.
As reformas sociais e econômicas previstas na última
Constituição, devido ao processo de globalização econômica
do neoliberalismo por meio de organismos financeiros
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI)
e o Banco Mundial, estabeleceram para o Brasil e outros países
“do terceiro mundo” uma agenda de reformas constitucionais
que suprimiu ou alterou direitos sociais e econômicos,
especialmente os Dhescas, para favorecer a reprodução e a
ampliação do capital no Brasil.
Estas reformas constitucionais neoliberais foram enfrentadas
85
por estratégias distintas de resistência e de insurgência dos
movimentos sociais. De um lado, algumas organizações sociais
optaram pela resistência e insurgência direta na cidade e no
campo para a garantia das reformas sociais. Por outro, houve
a ação de movimentos sociais por novos eixos de luta: “a
transformação da exploração de classes e das discriminações
pelo direito”, “a construção de uma cultura de direitos” e “o
reconhecimento de direitos e sua efetividade judicial para
a transformação social”. Nestes eixos de atuação, a luta de
transformação social deixou cada vez mais a arena política
e foi dirigida para o palco institucional do poder Judiciário,
especialmente os autos dos processos judiciais, com suas regras
procedimentais próprias que limitam o pleno exercício das
disputas políticas em defesa das reivindicações populares.
Assim, o Direito – fundamentalmente, seus mecanismos
processuais – passa a ter, nos segmentos de movimentos
sociais, papel central nas resoluções
de disputas de interesses. Esta
opção pelo Direito como meio
de transformação ocorreu em
detrimento do papel da política –
das mobilizações e organizações
sociais populares – nas lutas de
resistência e insurgência direta
em defesa da agenda das reformas
sociais e econômicas. Em face
desse papel central do Direito, os
movimentos sociais passaram a
mudar as suas agendas da reforma
no campo político para as lutas
“pela cultura de direitos” e “pela
efetividade judicial de direitos e
políticas”. Estas agendas produziram
uma maior demanda de ações
judiciais individuais e coletivas
no primeiro grau de jurisdição e
um aumento de ações diretas no
controle de constitucionalidade no STF. A opção de privilegiar
o Direito à política por parte de segmentos dos movimentos
sociais produziu um efeito adverso aos seus fins, pois favoreceu
a judicialização e a hegemonia do papel político decisório do
Judiciário, o denominado ativismo judicial, na resolução dos
litígios por reformas sociais, questões ético-morais, econômicas,
políticas e culturais referidas ao Direito, especialmente o
constitucional, cuja arena própria de decisão política seriam os
poderes Legislativo e Executivo ou mesmo a própria manifestação
direta da soberania popular. Como exemplo, é possível identificar
a judicialização da resistência dos movimentos sociais nas lutas
contra as privatizações ocorridas nos últimos governos federais na
chamada “guerras de liminares”.
A judicialização é caracterizada pela exacerbação da atividade
judiciária, por meio da “naturalização social e política” do
poder Judiciário como única ou última instância nas decisões
86
Vere
na G
lass
A estratégia para garantir as reformas sociais deve priorizar a luta política: de volta para as ruas
sobre quais valores e interesses são os direitos admitidos
pela Constituição. Uma das causas da judicialização foram as
conquistas processuais dos movimentos sociais que aprovaram
na Assembleia Constituinte de 1987/88 a ampliação do acesso
à justiça através do alargamento da jurisdição coletiva, por
mecanismos processuais de tutela de interesses difusos e
coletivos: ação popular, ação civil pública,ação civil coletiva,
dissídios coletivos, mandado de injunção, habeas data e outras;
e, por outro lado, a ampliação da participação da sociedade
civil e instituições estatais e não estatais no controle de
constitucionalidade por via de ações diretas: ação direta de
inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade,
reclamação Constitucional, arguição de descumprimento de
preceito fundamental e outras.
Dentre os efeitos do surgimento da judicialização e do
ativismo judicial, o mais intenso é a consolidação de uma
hegemonia discursiva e processual do poder Judiciário em
decisões próprias do poder político acerca de valores ético-
morais, interesses socioeconômicos e culturais em disputas na
sociedade brasileira. Outro efeito desta hegemonia são os riscos
ao funcionamento da democracia, com o açambarcamento lento
e gradual da manifestação da soberania popular e das instituições
da democracia representativa brasileira na argumentação,
interpretação e decisão acerca de quais os valores e interesses são
admitidos como direitos constitucionais.
O ativismo judicial, devido a esta intensificação da hegemonia
política do Judiciário, coloca em risco o funcionamento da
ordem democrática, especialmente a divisão e autonomia entre
os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), a vontade do
poder constituinte originário e as manifestações da mutação
constitucional oriundas da sociedade civil nos temas de decisões
políticas fundamentais.
No ativismo judicial, a exemplo da judicialização, há a
transferência de poderes decisórios da sociedade para o
STF. As causas que contribuem para esta situação são as
mesmas da judicialização: por um lado, a existência de rol de
direitos fundamentais – individuais e sociais – conquistados
sem implementação devido às omissões dos poderes
Legislativo e Executivo, e, por outro, o aumento do acesso
popular às jurisdições coletiva e individual e ao controle de
constitucionalidade. Este ativismo judicial pode ser identificado
em casos recentemente julgados pelo STF, entre eles: a
demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no qual o
STF criou o estatuto da demarcação com dezoito condições; a
questão sobre a suplência parlamentar pertencer aos partidos ou
às coligações; a Lei da Ficha Limpa; a Lei da Biossegurança, que
permitia pesquisa em células-tronco; e o direito de greve dos
servidores públicos.
O ativismo judicial, além de intervir na vida social e política
por meio de processos e procedimentos formais, também se
expressa pela “politização do poder Judiciário”. Esta politização
transcorre também fora dos processos judiciais, no seio da
sociedade. Nesse sentido, são exemplares as declarações de
magistrados e chefes de tribunais, para veículos de imprensa,
expressando opiniões sobre temas em processo de discussão na
sociedade e no próprio Judiciário.
São exemplos das opções de judicialização das disputas
econômicas e sociais pelo capital: os casos de construção de
empreendimentos econômicos que demandam licenciamento
ambiental e urbanístico; a expansão do agronegócio em área
de proteção ambiental; os litígios socioambientais em torno
das grandes obras de construção de hidrelétricas; as disputas
em torno da implementação das políticas públicas de reforma
agrária; os empreendimentos dos megaeventos para a Copa
do Mundo e as Olimpíadas e a defesa de interesses sociais da
moradia; a edificação de grandes indústrias na área de metalurgia
e mineração e os conflitos de interesses com populações
tradicionais, como indígenas e quilombolas; e as disputas em
torno das ações afirmativas. Ou seja, observa-se que o próprio
capital opta cada vez mais pela judicialização e pelo ativismo
judicial nas questões econômicas e sociais que poderiam ser
decididas no campo das instituições políticas.
Uma das influências do processo de judicialização das
lutas políticas dos movimentos sociais decorreu, em parte, da
87
defesa da mudança da realidade pelo Direito. A esta percepção
de Constituição deu-se o nome de Constituição Dirigente,
que, na Europa e mesmo no Brasil, atribuiu à Constituição a
tarefa de ser portadora de um projeto de transformação social.
Os movimentos críticos do Direito, especialmente o “Direito
alternativo” e, dentro dele, a corrente do “Positivismo de
combate”, apostaram na efetivação dos direitos fundamentais e
no exercício da cidadania previstos no novo texto constitucional,
por meio do uso alternativo de mecanismos processuais.
Distintamente do movimento crítico do Direito denominado
“Direito achado na rua” ou “Direito Insurgente”, que formulava a
luta pelo Direito nos conflitos sociais no campo das lutas políticas
não institucionais, o “Positivismo de combate”, por exemplo, por
efeito adverso das suas estratégias, fortaleceu a ampliação das
lutas institucionais pelo Direito por meio do estímulo à ampliação
do acesso à justiça, o que gerou a judicialização das lutas sociais
e fortaleceu o papel mais ativo dos tribunais e do Supremo
na resolução de litígios políticos e sociais. Estas condições de
estímulo de acesso à justiça para assegurar a eficácia do Direito
e as reivindicações sociais favoreceram a lenta transferência do
palco das mobilizações das lutas sociais das “ruas” e do campo
para o poder Judiciário, através dos mecanismos processuais.
A resposta da sociedade civil organizada à judicialização e
ao ativismo judicial passa pelo fortalecimento das instituições
democráticas, a exemplo dos movimentos sociais, com a
redefinição das formas sociais e institucionais e o controle social
e popular das instituições públicas, em particular das financeiras
como o BNDES.
As possibilidades para a superação da judicialização e do
ativismo judicial do “Estado-Juiz” passa pela garantia efetiva
de um Estado de Direito Justo e Democrático, com volta à
sociedade do poder de decidir em última palavra sobre a política
e o reconhecimento de direitos constitucionais. Em outras
palavras, as possibilidades de superação da judicialização e do
ativismo passam pelo fortalecimento da democracia participativa.
Este processo implica a ampliação dos mecanismos decisórios
da soberania popular, com efetiva utilização dos instrumentos
de participação popular nas decisões políticas, reformas,
direitos, valores ético-morais, culturais, interesses sociais e
econômicos a serem interpretados como direitos construídos
a partir da Constituição. A construção do diálogo democrático
institucional e social só poderá transcorrer com a superação da
hegemonia decisória e retórica do poder Judiciário na sociedade
contemporânea. Para tanto, o aspecto relevante é a discussão
de um novo papel a ser atribuído ao juiz – poder Judiciário, não
enquanto guardião último ou exclusivo da Constituição, mas
como uma das instituições da sua proteção. A superação do
ativismo judicial do “Estado-Juiz” passa pelo aprofundamento do
entendimento que as atribuições do poder Judiciário não estão
acima do exercício da soberania popular, mas sim circunscritas
aos limites da democracia constitucional e das suas atribuições
no arranjo da divisão de poderes do regime democrático.
Conclusão
As salvaguardas ambientais do BNDES expressam um
modelo de política ambiental que aponta para a flexibilização
da legislação ambiental e a apropriação do mercado sobre a
natureza, com o aumento das desigualdades ambientais sobre
as populações vulneráveis. A resistência das comunidades que
sofrem os impactos sociais e ambientais das instituições que
financiam este modelo deve passar além da outorga ao poder
Judiciário da possibilidade de resolução dos conflitos.
Não se trata de abandonar os mecanismos procedimentais
administrativos e processuais para a responsabilização dos
agentes financeiros por violações dos Dhescas e Direitos
Constitucionais. Estes são instrumentos importantes para
a resistência; porém não pode haver uma substituição
da luta política pelo Direito, tampouco pelo Judiciário,
marcadamente integrado por segmentos das elites
dominantes. Apesar disso, é importante destacar que há
vários mecanismos materiais e processuais de proteção
aos interesses sociais e ambientais das comunidades
atingidas por projetos financiados pelo BNDES, a exemplo
88
dos seguintes: Ação Civil Pública, Ação
Popular, Mandado de Segurança Coletivo,
Habeas Data, Ação Civil Coletiva, Controle
de Constitucionalidade, Termo de
Ajustamento de Conduta, Audiência Pública
no Licenciamento Ambiental e Tutela
Processual Penal.
Em relação à outra postulação gerada
“se as vias legais para a responsabilidade
ambiental do BNDES podem ser formas de
pressão política por mudanças nos rumos
e nas práticas do BNDES”, a resposta seria
“em termos”. Pois estas vias, como meio de
pressão, dependem das condições externas
ao processo judicial ou administrativo,
a exemplo dos interesses do capital em
relação aos empreendimentos que utilizam
recursos e serviços ambientais e como
estes estão articulados com a mídia. Não é
possível assegurar se os processos judiciais
e administrativos podem ser instrumentos
de pressão por mudanças nas práticas do BNDES, até porque tais
alterações demandam ações dos poderes Legislativo e Executivo
na implementação das políticas públicas e articulação política
para a formação de novas agendas.
A via política das organizações sociais e comunidades
atingidas por projetos e empreendimentos do capital indica ser
mais eficaz do que a judicial. Contudo, a via judicial, inclusive
a internacional, poderá ser eventualmente instrumento de
reconhecimento dos Dhescas e de questionamento de políticas
públicas, a exemplo da demarcação da reserva Raposa Serra
do Sol, pelo STF88, e da Comissão Interamericana89 de Direitos
Humanos acerca da construção da hidrelétrica de Belo Monte,
no Rio Xingu.
Jadir Anunciação de Brito é Doutor em Direito do Estado pela Pontífice Universidade Católica (PUC-SP), Professor da Escola de Ciências Jurídicas e do Programa de Pós-Graduação em Direito, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH)-Unirio
1 “Por Justiça Ambiental entende-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.” HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre Justiça Ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. http://www.professores.uff.br/seleneherculano/publicacoes/resenhando-debate-justica-ambiental.htm2 “Entende-se por Injustiça Ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis.” HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre Justiça Ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. http://www.professores.uff.br/seleneherculano/publicacoes/resenhando-debate-justica-ambiental.htm
3 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/historico.html
4 “A importância que os aspectos ambientais começaram a ter nos anos 1970 e 1980 implicou também o surgimento de legislação ambiental nos Estados Unidos (EUA) e no Reino Unido, ligada aos bancos. Em 1980, os EUA criaram a legislação Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (Cercla, sigla em inglês, que mais tarde ficou conhecida como a Superfund Law), na qual os bancos poderiam ficar responsáveis pela limpeza dos danos ambientais causados pelos seus devedores. Os bancos europeus não foram expostos a este tipo de responsabilidades até aos anos 1990 (BOUMA et al., 2001). Em 1995 o Reino Unido cria o UK Environmental Act, onde os bancos poderiam ter uma responsabilidade de segundo nível relativamente aos danos ambientais os seus devedores.” http://www.bancaeambiente.org/pdf/doc.Inclusao.pdf
89
Mitc
hell
Ande
rson
A responsabilização dos agentes financeiros deve ser feita como complemento da via política: resistência e enfrentamento
ou do risco social e ambiental. Nas operações indiretas automáticas, realizadas por meio de instituições financeiras credenciadas, cabe aos agentes financeiros verificar a regularidade social e ambiental do cliente e do empreendimento apoiado e o atendimento a normativos relacionados aos aspectos sociais e ambientais, em consonância com as diretrizes da Política Socioambiental do BNDES.” http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/Politica_Socioambiental/analise_ambiental.html
15 “A política ambiental do BNDES afirma que ‘os investimentos em melhoria no desenvolvimento socioambiental são indutores do desenvolvimento econômico e social’. Os investimentos em ecoeficiência, gestão ambiental, inovação tecnológica das empresas com benefícios ambientais, apesar de estarem associados a um aumento de custos no curto prazo, representam a passagem para uma nova etapa no médio e longo prazo”, enfatiza Marcio Macedo da Costa, Chefe do Departamento de Políticas e Estudos Ambientais da Área de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). http://www.febraban.org.br/financassustentaveis/Painel1-marcio.html
16 Meio ambiente pela metade. A nota média parcial dos bancos no bloco de questões referentes ao meio ambiente foi de 2,19, sendo a mais alta a do ABN Amro Real (3,50 ou “regular”), e a mais baixa a do Santander (1,00 ou “péssimo”). No bloco de questões voltadas ao meio ambiente, foram verificadas sobretudo as políticas de meio ambiente e consumo sustentável das instituições, bem como a existência ou não de critérios socioambientais na concessão de crédito. Somente o ABN Amro Real apresentou critérios específicos para a concessão de crédito, além da criação de fundos éticos, e ficou com a melhor colocação, ainda dentro do conceito “regular”. Itaú e Bradesco ficaram logo em seguida - também com conceito “regular” - por apresentar indicadores de sustentabilidade e ações ambientais, embora restritas a algumas agências. Mas os dois bancos também declararam realizar análises de risco ambiental na concessão de crédito. Os demais bancos tiveram avaliação abaixo de “regular”, pois possuem apenas algum tipo de ação de ecoeficiência, isto é, dedicam-se a reduzir o consumo de água, energia, papel ou plástico em suas atividades rotineiras. Foram genéricos na menção a critérios ambientais para conceder crédito. Já o Santander, que recebeu a pior colocação nesse bloco de questões, relatou não possuir nenhum critério ou processo de gestão de risco socioambiental. Ainda que algumas instituições tenham ficado à frente de outras, a nota média geral obtida pelos bancos foi bastante baixa, de 2,08. Apenas duas instituições ficaram acima da mediana (2,5 em uma escala de 0 a 5), que é o limite entre “ruim” e “regular”: Bradesco, com 2,60, e ABN Amro Real, com 2,75. http://www.idec.org.br/arquivos/RSE_bancos_RelatorioFinal.pdf
17 “Alguns órgãos oferecem a possibilidade de financiamento integral ou parcial de atividades de projetos no âmbito do MDL. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), oferece um Programa de Apoio a Projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Pró-MDL, que financia o pré-investimento e o desenvolvimento científico e tecnológico de atividades de projeto no âmbito do MDL por meio de linhas de financiamento reembolsáveis e não reembolsáveis (http://www.finep.gov.br/pro- gramas/pro_mdl.asp). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece uma linha de crédito para “estudos de viabilidade, custos de elaboração do projeto, Documentos de Concepção de Projeto (PDD) e demais custos relativos ao processo de validação e registro” (http://www.bndes.gov.br/ambiente/meio_ambiente.asp), além do Programa BNDES Desenvolvimento Limpo, que é um programa para a seleção de Gestores de Fundos de Investimento, com foco direcionado para empresas/projetos com potencial de gerar Reduções Certificadas de Emissão (RCEs) no âmbito do MDL. (Português: http://www.bndes.gov.br/programas/outros/desenvolvimento_limpo.asp; Inglês: http://www.bndes.gov.br/english/clean_development.asp). Adicionalmente, a Caixa Econômica Federal conta com uma linha de crédito para o financiamento integral de atividades de projetos no âmbito do MDL em áreas como saneamento, bombeamento de água e pequenas hidrelétricas, por exemplo.” http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/61463.html
18 Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Por justiça ambiental, ao contrário, designamos o conjunto de princípios e práticas que: a - asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b - asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c - asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas,
5 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. SOARES, Guido. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002.
6 http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/
7 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/download/disaplic.pdf
8 O BNDES possui também participação em três Fundos de Investimentos em Participações (FIPs) voltados a projetos ambientais: FIP Brasil Sustentabilidade: Foco em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e com potencial para gerar Reduções Certificadas de Emissões (RCE); Capital comprometido do Fundo: R$ 410 milhões; Participação do BNDES: 48,6%; Gestores do fundo: Latour Capital e BRZ Investimentos; FIP Caixa Ambiental: Foco em saneamento, tratamento de resíduos sólidos, geração de energia limpa e biodiesel; Capital comprometido do Fundo: R$ 400 milhões; Participação do BNDES: 17%; Gestor do fundo: Banco Santander; FIP Vale Florestar: Atuação preferencialmente em áreas degradadas na região de abrangência de Carajás; Volume estimado do Fundo: R$ 605 milhões; Participação do BNDES: 20%; Gestor do fundo: Global Equity. http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/
9 http://www.dhescbrasil.org.br
10 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/historico.html
11 “Empréstimo do Banco Mundial para o BNDES. Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou um Empréstimo Programático para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, na sigla em inglês) de US$ 1,3 bilhão para o governo brasileiro, a serem alocados no BNDES. Os DPLs fazem parte de uma nova modalidade de empréstimos voltados para as Políticas de Desenvolvimento e substituem os tão criticados empréstimos para ajustes estruturais dos anos 1990. O SEM DPL tem por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas e diretrizes do sistema brasileiro de gestão ambiental” e dentre as propostas apresentadas estão apontadas mudanças na legislação ambiental, reformas no Ministério de Meio Ambiente (MMA) e a elaboração de uma nova política ambiental e social do BNDES. A implementação, o monitoramento e a avaliação serão realizados de forma conjunta pelo MMA e BNDES.” TAUTZ, Carlos; SISTON, Felipe; PINTO, João Roberto Lopes; BADIN, Luciana. O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. Disponível em: www.plataformabndes.org.br
12 http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx
13 “O que é mais impressionante em relação ao SEM DPL é a sua conexão com quase todas as principais iniciativas políticas ou legislativas relacionadas ao clima no Brasil. O empréstimo lista como ações prioritárias ou gatilhos (a forma como o Banco define condições) a reestruturação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para acelerar o licenciamento ambiental; a aprovação e implementação de um Plano Nacional de Mudanças Climáticas; uma Política Institucional Socioambiental para o BNDES, incluindo a formulação de procedimentos ambientais e sociais subsetoriais para os principais setores de investimento, como energia, cana-de-açúcar – biocombustíveis – e pecuária, dentre outros; a regulação do Fundo Amazônia;[iv] apoio e implementação da Lei de Gestão das Florestas Públicas Brasileiras.” http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx
14 “Em conformidade com as suas políticas e diretrizes, o BNDES dispensa especial atenção aos aspectos sociais e ambientais inerentes ao cliente e ao empreendimento. Para a concessão do apoio financeiro, são observados: as legislações aplicáveis; as normas setoriais específicas; a política de responsaibilidade social e ambiental do beneficiário; a regularidade ambiental; o risco ambiental do empreendimento; além de práticas socioambientais que elevem o patamar de competitividade das organizações e dos setores econômicos e contribuam para a melhoria de indicadores sociais e ambientais não só dos empreendimentos, mas também do país. Com base em toda essa análise, o Banco pode realizar estudos complementares e solicitar informações adicionais e, ainda: recomendar a reformulação do projeto; ofertar recursos para reforço das medidas mitigadoras; estimular a realização de investimentos sociais e ambientais voltados para o âmbito interno (funcionários e cadeia de fornecedores) e externo (desenvolvimento local, sociedade e meio ambiente) dos beneficiários; e, em casos extremos, não conceder o apoio financeiro em face da não conformidade
90
planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d - favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. Declaração de princípios disponível em: http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/pagina.php?id=229>
19 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm
20 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm
21 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm
22 ADAMI, Humberto. A Responsabilidade Ambiental dos Bancos. http://www.ibap.org/direitoambiental/artigos/ha.htm
23 Art.10 (...) VI - Exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/1989)Art. 42. O art. 2 da Lei nº 1808, de 7 de janeiro de 1953, terá a seguinte redação: “Art. 2. Os diretores e gerentes das instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelas mesmas durante sua gestão, até que elas se cumpram.Parágrafo único. Havendo prejuízos, a responsabilidade solidária se circunscreverá ao respectivo montante” (Vide Lei nº 6.024, de 1974). Art. 43. O responsável pela instituição financeira que autorizar a concessão de empréstimo ou adiantamento vedado nesta lei, se o fato não constituir crime, ficará sujeito, sem prejuízo das sanções administrativas ou civis cabíveis, à multa igual ao dobro do valor do empréstimo ou adiantamento concedido, cujo processamento obedecerá, no que couber, ao disposto no art. 44, desta lei.Art. 44. As infrações aos dispositivos desta lei sujeitam as instituições financeiras, seus diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e semelhantes e gerentes às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - Advertência. II - Multa pecuniária variável. III - Suspensão do exercício de cargos. IV - Inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições financeiras. V - Cassação da autorização de funcionamento das instituições financeiras públicas, exceto as federais, ou privadas. VI - Detenção, nos termos do § 7º, deste artigo. VII - Reclusão, nos termos dos artigos 34 e 38, desta lei. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4595compilado.htm
24 “A ‘silvicultura científica’ foi a falsa universalização de uma tradição local de exploração dos recursos florestais que nasceu dos interesses comerciais limitados que viam a floresta somente em termos de madeira com valor comercial. (...) O reducionismo do paradigma da silvicultura científica criado pelos interesses industriais e comerciais violentam tanto a integridade das florestas quanto a integridade das culturas florestais que precisam das florestas e de sua diversidade para satisfazer suas necessidades de alimento, fibras e moradia.” SHIVA, Vandana. Monocultura da mente, op. cit., p.33.
25 “(...) O paradigma da Revolução Verde substituiu o ciclo dos nutrientes por fluxos lineares de insumos de fertilizantes químicos comprados de fábricas e produtos comercializados de bens agrícolas.” SHIVA, Vandana. Idem, p. 75 e 77.
26 Disponível em: http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 14/2/2007.
27 Disponível em: http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 20/8/2007.
28 PARDO, Arturo Escobar. Movimentos sociais e biodiversidade no Pacífico colombiano. In: SANTOS, Boaventura (Org.). Semear outras soluções, os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 368.
29 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2611341
30 MEDEIROS, Leonilde Servolo. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado. Rio de Janeiro: CPDA/UFRJ e UNRISD, 2002.
31 Disponível em: http://www.aracruz.com.br/show_arz.do?act=stcNews&id=4&lastRoot=258&menu=true&lang=1. Último acesso em: 19/11/2008.
32 Eucalipto / Aracruz Celulose e Violações de Direitos Humanos – PAD 2007. Maria Elena Rodriguez e Daniel Silvestre.
33 “Violações...” op.cit.
34 “Violações de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais…”, op. cit.
35 FASE: The Case of Aracruz Celulose in Brazil: Export Credit Agencies exporting unsustainability. Vitória, 2003. p. 18.
36 MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado no Brasil. Rio de Janeiro: CPDA/UFRJ e UNRISD, 2002. p. 10.
37 MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Ciências humanas, 1979. p. 15.
38 MOREIRA, Roberto. Terra, poder e território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 193.
39 Cf. PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
40 “A ressignificação da teoria da renda da terra ‘como renda da natureza’ e a compreensão das produções do conhecimento tecnológico, da imagem e da cultura impõem mudanças no entendimento da terra e da questão agrária. MOREIRA, op.cit., 2005. p. 82.
41 MOREIRA, Roberto José. Economia política da sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista. MOREIRA, Roberto José (Org.). In: Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: PRONEX, CPDA, UFRRJ, Tempo Presente, 1999.
42 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente. São Paulo: Editora Gaia, 2003. p. 89
43 Cf. O‘CONNOR, Martín. El mercadeo de la Naturaleza. Sobre los infortunios de la naturaleza capitalista. In: Ecología Política. n. 7. Barcelona: Editorial Icaria, 1994.
44 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 92.
45 “A crise ambiental se torna evidente nos anos 1960, refletindo-se na irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e marcando os limites do crescimento econômico. (...) a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza.” LEFF, Enrique. Saber ambiental, p. 17.
46 “O discurso da sustentabilidade monta um simulacro que, ao negar os limites do crescimento, acelera a corrida desenfreada do processo econômico para a morte entrópica”. Idem, p. 23.
47 “Tomar em cuenta las obligaçiones ecológicas se traduce así, en el contexto del industrialismo y la lógica del mercado, en una extensión del poder tecno-burocrático”. GORZ, Andre. Ecologia Política. Experttocracia autolimitación. Ecology As Politics. South End Press, 1979.
48 LEFF, Enrique. Saber ambiental. p. 26.
49 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 70.
50 Cf. SMITH, Denis. Business and the environment: towards a paradigm shift. In: Business and Environment:implications of a new environmentalism. New York: St. Martins Press, 1993. BECK, Ulrich. Risk Society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain, 1992.
51 MOREIRA, Roberto. Ecologia e economia política: meio ambiente e condições de vida (mimeo). Rio de Janeiro, outubro de 1989, p. 20.
91
52 ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. p. 13.
53 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo, 1996. p. 9.
54 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Invenção de novas geografias: a natureza e o homem em novos paradigmas. Território, Territórios, Ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 377.
55 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007. p.77-79.
56 HAESBAERT, Rogério. Identidades territoriais da multiterritorialidade à “reclusão” territorial (ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). Disponível em: http://tercud.ulusofona.pt/GeoForum/Ficheiros/23GeoForum.pdf. Acesso em: 10/2/2008.
57 SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2004. p. 339.
58 Idem, ibidem, p. 339.
59 ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Cidades, ambiente e política. Rio de Janeiro: Garamond. p. 14.
60 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. In: Lua Nova, n. 39, 1997, p. 108.
61 ROS, Carlos Javier. Roberto José Moreira. A construção de contra-hegemonias nas sociedades contemporâneas: uma perspectiva analítica. In: Globalismos, localismo e identidades sociais. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José. Rio de Janeiro: Imprima Express, 2007. p. 19.
62 MOREIRA, Roberto José. Identidades sociais em territórios rurais fluminenses . Identidades sociais. In: MOREIRA, Roberto José (org.). Ruralidades no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 19.
63 Cf. ROS, Carlos Javier; MOREIRA, Roberto José. A Construção de contra-hegemonias nas sociedades contemporâneas: uma perspectiva analítica. In: Globalismos, localismo e identidades sociais. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José. Rio de Janeiro: Imprima Express, 2007. p. 19.
64 GROSFOGUEL, Ramón. La Descolonizacion de La Economia Política y los Estúdios Post Coloniales. Transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. In: Revista del Centro de Estúdios Latinosamericanos (CELA), “Justo Arosemena”. Panamá: R. Panamá, 1994.
65 HAESBAERT, Rogério, op. cit.
66 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Invenção de novas geografias: a natureza e o homem em novos paradigmas. Território, Territórios, Ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 377.
67 SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: Território, Territórios, Ensaios sobre ordenamento territorial. SANTOS, Milton; BECKER, Bertha K. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 383.
68 Bernardo Mançano Fernandes. osal.clacso.org/espanol/html/documentos/Fernandez.doc
69 ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Op.cit, p. 13.
70 “A velocidade dos fluxos de mercadorias acelerou-se a níveis sem precedentes e propagou o processo de desterriorialização e reterritorialização de capitais” ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Op. cit, p. 13.
71 PRATT, Maru Louise. Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. São Paulo: Edusc, 1999. p.72.
72 COSTA, Maria de Fátima Tardin. A cerca jurídica da terra na produção capitalista da cidade. Mestrado (Dissertação em Direito da Cidade). Rio de Janeiro: UERJ, 2005.
73 BALDEZ, Miguel Lanzellotti. A terra no campo: a questão agrária. Direito achado na rua. v. 3. Introdução Crítica ao Direito Agrário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2002.
74 O´CONNOR, Martín. El mercadeo de la Naturaleza. Sobre los infortunios de la naturaleza capitalista. In: Ecología Política. n. 7. Barcelona: Editorial Icaria, 1994.
75 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza de do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 92.
76 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente. São Paulo: Editora Gaia, 2003. p. 89.
77 “A diversidade é chave da sustentabilidade (...) a conservação da biodiversidade requer a existência de comunidades com sistemas agrícolas e médicos distintos (...) a descentralização econômica e a diversificação são condições necessárias à biodiversidade.” SHIVA, Vandana. Biopirataria, op.cit, p. 113.
78 “Tecnologias de formação de consenso são então formuladas de modo a caracterizar todo litígio como problema a ser eliminado. E todo conflito remanescente, por sua vez, será visto como resultante de carência de capacitação para o consenso e não como expressão de diferenças reais entre atores e projetos sociais, a serem trabalhadas no espaço público.” ACSERALD, op.cit, 2006, p. 25.
79 “(...) a utilização das estratégias socioambientais como um fator importante de legitimação da dinâmica competitiva defendeu-se que o entendimento, a priori, do processo formador das estratégias técnico-concorrenciais corporativas da Aracruz seria considerado imperativo à compreensão posteriori da dimensão político institucional das suas estratégias socioambientais.” ANDRADE, José Célio Silveira; DIAS, Camila Carneiro. Conflito Cooperação. Análise das estratégias socioambientais da Aracruz Celulose S.A. Ilhéus-Bahia: Editora da Uesc, 2003. p. 315.
80 RIBEIRO, Ana Clara Torres, op.cit, p. 102.
81 http://www.dhescbrasil.org.br/_plataforma. Acesso em: 7/7/2006.
82 CASTILHO, Ela Wiecko. Disponível em: WWW3. esmpu.gov.br/linha_editorial/outras-publicações
83 LEFF, Enrique. Racionalidade. p. 227.
84 “O termo judicialização refere-se à ampliação das interferências do poder Judiciário nos assuntos e decisões sobre as quais valores ético-morais, interesses sociais, políticos e econômicos são interpretados e admitidos como direitos pela Constituição. A judicialização é caracterizada por processos institucionais (processos, conciliações e mediações) e não institucionais (manifestações discursivas na mídia do Judiciário). Nesses processos, o poder Judiciário – especialmente o Supremo Tribunal Federal – substituiu, por um lado, a sociedade civil organizada e os seus mecanismos de democracia direta (plebiscito, referendo e deliberações da iniciativa popular de leis) e, por outro, as instituições políticas da democracia representativa (poder Legislativo ou poder Executivo) nos debates e decisões (...)”. BRITO, Jadir Anunciação de. Judicialização. In: Dicionário da Educação no Campo. CALDART, PEREIRA, Isabel Brasil. ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. Rio de Janeiro/São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Valêncio/ Expressão Popular, 2012.
85 http://www.socioambiental.org/prg/pol.shtm
86 http://www.dhescbrasil.org.br
87 http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/conquistas-da-campesina-com-jornada-lutas
88 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/pet3388CB.pdf
89 http://global.org.br/programas/belo-monte-cidh-convoca-governo-a-responder-sobre-nao-cumprimento-de-medidas-cautelares/
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O Estado brasileiro financia massivamente os megaprojetos das corporações: megaimpactos
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O Estado brasileiro financia massivamente os megaprojetos das corporações: megaimpactos
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Considerações e RecomendaçõesJoão Roberto Lopes Pinto*
Considerações
1. As violações de direitos associadas aos projetos financiados
pelo BNDES, nos casos aqui sistematizados, são variadas,
extensas e sistemáticas. Embora sejam observadas diferenças
entre os casos, considerando o meio rural e o urbano, bem
como a distinção de setores beneficiados, pode-se dizer que
os megaprojetos que foram objeto do presente estudo seguem
um padrão de violação de direitos associado a um modelo de
desenvolvimento econômico. Tal padrão está relacionado à
escala destes megaprojetos, normalmente nos setores intensivos
em natureza, ligados invariavelmente aos mesmos grupos
econômicos, que concentram grande poder de ingerência sobre
as instituições públicas locais e nacionais, a exemplo do BNDES.
Tal como afirma Marilda Teles:
os empreendimentos em questão são especialmente
emblematicos no que se refere às injustiças
socioambientais, pois geram uma enormidade de graves
impactos sociais, ambientais, fundiarios, violações
sistematicas de direitos ambientais, trabalhistas e direitos
da pessoa humana (indivíduo e coletivo). Violam
Acordos Internacionais, Leis Nacionais, Políticas Fiscais
ou Políticas Setoriais específicas, forjam e aprofundam
desigualdades econômicas, sociais e regionais
historicamente produzidas nas areas de implantação dos
referidos empreendimentos e seu entorno.
Entre as formas de violação constatadas, que aprofundam o
quadro de desigualdade econômica, social e regional nas áreas
de implantação destes megaprojetos, destacam-se: condições
de trabalho análogas à escravidão; remoções forçadas de
comunidades urbanas pobres; expropriação de populações de
áreas rurais dos seus meios de produção, territórios e modos de
viver; desmatamento, contaminação dos solos, da água e do ar,
com comprometimento da biodiversidade, disponibilidade e
qualidade de recursos naturais; desestruturação das economias
locais e fragilização da agricultura familiar, comprometendo
a segurança alimentar; falta de informações e de participação
informada das populações locais sobre os projetos; migrações
massivas de trabalhadores no período de construção das obras,
gerando inchaços urbanos, aumento da violência, precarização
Para apresentar da forma mais objetiva possível as Considerações e Recomendações,
no intuito de contribuir para o debate quanto aos resultados deste estudo, passamos abaixo
a elencá-las pontualmente.
94
dos serviços públicos locais, alto custo de vida; especulação
imobiliária, gerando a expulsão de populações para áreas
de periferia das cidades; irregularidades nos processos de
licenciamento ambiental; passivos trabalhistas e fiscais das
empresas beneficiárias; enfraquecimento das instituições
públicas e legislações locais em favor dos interesses das
empresas beneficiárias; e criminalização de movimentos sociais,
com perseguições e ameaças de morte.
Este mesmo padrão de violações é reproduzido fora do país.
Atualmente, o BNDES é o principal fiador da internacionalização
de grupos privados nacionais, particularmente em direção à
América Latina e à África Lusófona. No caso, apresentado em
detalhes ao final desta publicação, da exploração de carvão
mineral a céu aberto pela Vale em Moatize, em Moçambique,
repete-se o padrão de violações com restrição de circulação
e movimentação das comunidades atingidas pelo projeto,
violações dos direitos à informação, reassentamento de 1.500
famílias em condições desumanas, crescimento populacional
desordenado do distrito de Moatize e da província de Tete e o
domínio da empresa Vale sobre as instituições públicas locais e,
mesmo, as nacionais.
Importante também chamar a atenção para o fato de que este
padrão de violação resulta do que bem identifica Jadir Brito em
seu texto como “fechamento” de territórios e ambientes para
assegurar a rentabilidade financeira da terra. “Esse ‘fechamento’
é identificado no cercamento material e imaterial de territórios e
ambientes, a exemplo dos casos da implantação da monocultura
do eucalipto e de empreendimentos imobiliarios em areas
ambientais urbanas. O ‘fechamento’ de territórios através da
cerca da terra requer processos, instrumentos normativos, atores
institucionais e de autoridades do Estado: juízes, promotores,
desembargadores, executantes das decisões judiciais e
legisladores para assegurar proteção à renda da terra ao capital.”
Dito de outro modo, as violações seguem um padrão de
subordinação da vida em um dado território aos interesses de
acumulação privada.
2. A responsabilidade solidária e, em alguns casos, a
responsabilidade direta, subsidiária, do agente financeiro em
relação ao risco gerado pela atividade econômica é um dado
de realidade, inclusive no âmbito jurídico e administrativo. Ao
não assumir esta responsabilidade em seus procedimentos de
análise e acompanhamento, bem como nos seus contratos de
financiamento, de forma a evitar, corrigir ou compensar eventuais
danos, o agente financeiro se torna tão responsável quanto a
empresa pelas violações de direitos humanos.
Conforme chama a atenção Jadir Brito, a responsabilidade
solidária do agente financeiro é algo já previsto em nossa
legislação ambiental. A Lei 6938/81, que disciplina a Política
Nacional do Meio Ambiente (PNMA), é clara em determinar
que o risco integral de uma atividade econômica, no sentido da
geração do dano ambiental, é de responsabilidade da empresa –
princípio do “poluidor pagador” –, mas que também é assumido,
solidariamente, pelo agente que financia a atividade. Não por
acaso a lei determina que cabe ao agente financeiro não apenas
observar se há ou não licenciamento ambiental, mas também
fiscalizar o cumprimento do que ele determina.
Segundo o inciso IV do Art. 3 da Lei 6938/81, entende-se
por “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou
privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade
causadora de degradação ambiental”. Já o Art. 12 afirma
que “as entidades e órgãos de financiamento e incentivos
governamentais condicionarão a aprovação de projetos
habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta
Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões
expedidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”.
De acordo com o parágrafo único deste mesmo artigo, “as
entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão
fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de
equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental
e à melhoria da qualidade do meio ambiente”. No § 1º do Art. 14
lê-se “é o poluidor obrigado, independentemente da existência
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Além disso, a responsabilidade das instituições financeiras não
95
está circunscrita aos aspectos civis e administrativos, mas abrange
também a responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus
diretores, nos termos da Lei 9605/98, de Crimes Ambientais. De
acordo com o Art. 2 da Lei 9605/98, “quem, de qualquer forma,
concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas
penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem
como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de
órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de
pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem,
deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.
Já o Art. 3 acrescenta “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas
administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei,
nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no
interesse ou benefício da sua entidade”.
3. No final de 2010 foi formalmente aprovada a Política
Socioambiental do Sistema do BNDES, sem que o Banco tivesse
feito uma ampla consulta com os setores organizados da
sociedade. Chama a atenção que essa Política Socioambiental
foi realizada como uma das contrapartidas do Banco Mundial,
através do Empréstimo Programático de Política para o
Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM
DPL), de US$ 1,3 bilhão em sua primeira fase, para o governo
federal, a ser gerido pelo BNDES. Os conhecidos “Empréstimos
de Política para o Desenvolvimento” do Banco Internacional
para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), historicamente
associados às malfadadas políticas de ajuste fiscal, apresentam-
se agora em sua versão soft de condicionantes socioambientais,
voltados a promover a financeirização e, por conseguinte, a
flexibilização das políticas sociais e ambientais.
O BNDES afirma em sua nova política socioambiental que
procede a avaliação do beneficiário sobre a sua regularidade com
a legislação ambiental, inclusive avaliando e acompanhando
os principais impactos esperados e o cumprimento de ações
preventivas e mitigadoras previstas no licenciamento ambiental.
Contudo, verifica-se que se trata de uma política formal e sem
efeito prático, que busca responder às condicionantes legais
para a concessão de financiamento à atividade potencialmente
poluidora. Ao responder à formalidade de prever condicionantes
em seus financiamentos, o BNDES está assumindo a sua
corresponsabilidade, pois elas somente se justificam por ser o
agente financeiro reconhecido pela Lei como solidariamente
responsável pelos riscos gerados pela atividade.
Vale aqui retomar o argumento de Jadir Brito:
Estes condicionantes significam que o próprio banco,
por imposição legal, reconheceu os riscos ambientais e
sociais dos seus financiamentos e, consequentemente,
a sua corresponsabilidade ou responsabilidade solidaria
pelo destino deles. No entanto, embora tenha prescrito
condicionantes contratuais, o BNDES não estabeleceu
mecanismos bancarios de monitoramento, fiscalização
e controle dos impactos gerados na destinação dos
recursos liberados. Essa circunstância transcorreu apesar
de o Banco possuir mecanismos legais, contratuais, para
a resilição ou rescisão contratual, bem como outros, a
exemplo dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs)
e do ajuizamento de ações de responsabilização dos seus
financiados pelo descumprimento dos condicionantes
socioambientais contratuais e pelos impactos gerados.
Não ha informações de precedentes da utilização
destas medidas jurídicas legais e contratuais para fins
de exigir dos financiados o cumprimento de clausulas
contratuais relativas aos eventuais danos socioambientais
decorrentes da aplicação dos recursos.
Mesmo no caso dos três únicos setores para os quais o
Banco define “obrigações adicionais” ao que consta da lei
ambiental brasileira, a fragilidade dos mecanismos de controle
e acompanhamento as torna pouco efetivas. Este é o caso das
salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que não
poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia
e do Pantanal; de termelétrica, que estabelece restrições na
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O desrespeito à legislação é característica comum dos empreendimentos no Brasil: sintomático
emissão de partículas na atmosfera; e de frigoríficos, que
determina o cadastramento dos fornecedores e a exigência
da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que a
aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente, na
autodeclaração do tomador dos empréstimos, não contando o
Banco com instrumentos de monitoramento e fiscalização do
seu cumprimento.
Há limitações evidentes na referida política socioambiental,
marcada por orientações indicativas e ausência de
mecanismos transparentes e efetivos de avaliação, controle e
acompanhamento de impactos esperados dos projetos, bem
como do cumprimento de eventuais condicionantes previstas
nos licenciamentos. Ao mesmo tempo, o BNDES não prevê
sanções contratuais no caso de eventuais danos e passivos
socioambientais gerados pelo projeto.
A exigência do Banco se limita, na prática, a verificar se o projeto
possui licenciamento, negligenciando todas as outras exigências
da Lei, inclusive a que determina aos agentes financeiros que
“deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e a
aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação
ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente”.
Além do fato de que o licenciamento não é um salvo
conduto, pois a execução do projeto precisa ser acompanhada
e fiscalizada, a recorrência de graves irregularidades nos
processos de licenciamento de grandes projetos financiados
pelo Banco exigiria uma postura ainda mais criteriosa do BNDES.
Infelizmente, o que se verifica é o contrário disso. Isso fica
evidente pelo fato de ele seguir liberando os financiamentos
mesmo quando os projetos são objeto de ações judiciais por
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e
O desrespeito à legislação é característica comum dos empreendimentos no Brasil: sintomático
irregularidades nos licenciamentos e violações de direitos, como
fartamente documentado nos casos sistematizados neste estudo.
O Banco trabalha menos na perspectiva de condicionalidades
e mais na de incentivos às chamadas “boas práticas
socioambientais”, estabelecendo linhas de financiamento,
com spread zero para projetos de responsabilidade social e
ambiental pelas empresas. Com isso, em vez de estabelecer
limites e eventuais sanções, o BNDES acaba premiando as
empresas com novos e baratos recursos. Cria também, valendo-
se da conscientização sobre as crises ambiental e climática e
da escassez ambiental provocada inclusive pela degradação
decorrente dos megaprojetos que financia, uma série de novos
produtos financeiros de compensação ambiental, através dos
quais se capitaliza com novos recursos, públicos ou privados, e
os pinta de verde. Tais contradições tornam-se ainda maiores
quando se sabe que os recursos do seu Fundo Social, não
reembolsável e composto de um percentual do lucro líquido do
Banco, têm sido destinados para fundações empresariais.
Ao não estabelecer salvaguardas sociais e ambientais efetivas
para seus desembolsos e financeirizar relações que deveriam se
pautar pela observância de direitos, o BNDES ajuda a fragilizar
ainda mais a legislação ambiental brasileira. Essa estratégia se
articula com outras iniciativas nos campos do Executivo e do
Legislativo, como, por exemplo, a desqualificação do processo de
licenciamento de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a aprovação
do novo Código Florestal.
4. O formalismo da resposta do BNDES ao que determina
a legislação ambiental brasileira se inscreve no contexto
do que autores deste estudo chamam de ambientalização
das instituições financeiras ou financeirização das políticas
socioambientais. Como afirmam Gabriel e Fabrina:
(...) com o processo de ambientalização dos Estados
e das IFMs, a estratégia passou a ser superar a visão
de que a questão ambiental seria um obstaculo para o
desenvolvimento, encontrando formas de promover
os propósitos desenvolvimentistas, como a busca por
maior lucratividade dos capitais em nome da geração de
emprego e renda, e garantindo, assim, uma legitimidade
para a questão.
Em complemento, segue a afirmação de Lúcia Ortiz:
Os novos mercados ambientais, deflagrados junto
com a crise climatica e ambiental, e a tentativa de
consensualização de um marco político global com a
promoção da economia verde, como via de solução
e reinvenção do capitalismo financeiro, contaram
com a expertise técnica e política do Banco Mundial
na elaboração de arcabouços lógico, político e legal
que impulsionaram, no Brasil, os mercados climaticos
na política nacional de clima, o ajuste estrutural das
políticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a
operação piloto de fundos e programas de negócios
ambientais no BNDES.
Tal estratégia fica patente ao se considerar as outras
contrapartidas associadas ao referido empréstimo do Banco
Mundial, como a reestruturação do Ibama para acelerar
o licenciamento ambiental e a implementação da Lei de
Gestão das Florestas Públicas Brasileiras, que regulamenta
mecanismos de arrendamento e privatização das florestas.
Esta contrapartida conecta-se a outra que diz respeito à
regulamentação do Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES,
composto de recursos não reembolsáveis fruto de doações e
destinado a “contribuir para o combate ao desmatamento da
floresta, além de iniciativas que promovam a conservação e o
uso sustentável da região”. Esta, que talvez seja, da perspectiva
do Banco, a sua principal política ambiental proativa, está
voltada a preparar um mercado de serviços ambientais a
serem transformados em certificados e créditos negociados
nas bolsas de valores.
Um exemplo concreto está a ser implementado pelo
98
governo do Acre, que recebeu do Fundo Amazônia o valor de
R$ 60 milhões para “fomentar práticas sustentáveis de redução
do desmatamento, com pagamento por serviços ambientais,
valorizando o ativo ambiental e florestal para consolidar uma
economia limpa, justa e competitiva (...)”. É justamente neste
estado que as bases da “economia verde” encontram-se mais
avançadas no mundo.
Em 2010, foi instituída no Acre uma lei estadual, antes
mesmo da aprovação de uma legislação em âmbito nacional,
que regulamenta o pagamento e a certificação de serviços
ambientais para efeito de comercialização de títulos em
bolsa de valores. Os recursos repassados pelo BNDES, via
Fundo Amazônia, para o governo do Acre visam exatamente
constituir o mercado de serviços ambientais. Ou seja, o
governo entra estruturando e regulamentando o mercado
para permitir a posterior entrada do setor privado. Vale
dizer que o governo do Acre estabeleceu um acordo com
o governo do estado da Califórnia, nos Estados Unidos,
envolvendo também a província de Chiapas, no México,
para o fornecimento de créditos por pagamento de serviços
ambientais para a compensação de emissões de CO2 pela
indústria da Califórnia.
Além do Fundo Amazônia, o Banco vem constituindo e
operando outros fundos voltados a promover o mercado de
carbono e serviços ambientais. O Fundo Clima do BNDES
se destina a aplicar a parcela de recursos reembolsáveis do
Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, ou Fundo Clima,
um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do
Clima, criado em 2009 e vinculado ao MMA. O foco do fundo
está no apoio, ao setor privado e ao próprio MMA, por vezes
substituindo sem adicionalidade seus recursos orçamentários
para ações estratégicas de combate às mudanças do clima
identificadas nos planos setoriais do Plano Nacional sobre
Mudança do Clima (PNMC), previstos por Lei, assim como
o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e a
Política Nacional sobre Mudança do Clima.
Em janeiro de 2011, o Banco lançou o Fundo do Índice
Carbono na BM&F Bovespa, formado por ações de empresas
que compõem o Índice de Carbono Eficiente (ICO2). Destaque
também para o Programa BNDES Desenvolvimento Limpo,
que é um programa para a seleção de Gestores de Fundos de
Investimento com foco direcionado para empresas/projetos
com potencial de gerar Reduções Certificadas de Emissão
(RCEs) no âmbito dos Mecanismos de Desenvolvimento
Limpo (MDL).
Vale dizer que tais iniciativas também se inscrevem no
contexto de outro plano setorial da PNMC, em especial o
Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), diretamente
referida ao “Estudo de Baixo Carbono para o Brasil”, lançado
pelo Banco Mundial, em 2010.
Segundo Lúcia Ortiz:
(...) o cenario alternativo, chamado de “baixo carbono”
pelo Bird, não contesta a expansão do agronegócio,
da pecuaria e das monoculturas para agroenergia,
fomentados amplamente pelo BNDES (...) Nota-se que
o estímulo à expansão do agronegócio é diretamente
proporcional ao calculo de créditos de redução de
emissões, gerando, a partir da ficção de um cenario
futuro, uma enxurrada de títulos negociaveis no mercado
de emissões e justificando as políticas públicas de
intensificação do incentivo e do crédito ao modelo
agroindustrial exportador, em detrimento de outros
setores não contemplados nos planos de mitigação das
mudanças do clima, como agroecologia, por exemplo.
Assiste-se, como alertam os autores, a um processo de
financeirização das políticas ambientais e, por conseguinte,
da própria natureza, esvaziando dramaticamente o sentido
público do direito e dos bens comuns. Uma financeirização não
apenas na transformação dos contratos de financiamento em
mecanismos “extralegais” de viabilização de projetos social e
ambientalmente impactantes, mas também de abertura de um
99
novo mercado, da chamada “economia verde”, que, mantendo
a mesma lógica compensatória, vai servir para justificar a
continuidade da degradação socioambiental. Degradação
operada e controlada pelos setores intensivos em natureza, que,
por sua vez, terão neste mercado novas fontes de acumulação.
Nos dizeres da referida pesquisadora:
O que parece contraditório não é. Somente a contínua
poluição e degradação da natureza pode tornar os
bens comuns escassos e, assim, elevar seu preço nos
mercados e nas bolsas de valores; ou seja, no mundo das
instituições financeiras que, hoje, controlam a política.
Assim, o Banco Mundial, que não é nenhum exemplo de
sustentabilidade, influencia com sua agenda neoliberal
a financeirização da natureza e da política ambiental do
Brasil, adotada também pelo BNDES.
5. O principal argumento que se levanta contrariamente à tese
da corresponsabilização do agente financeiro é o de que não
seria possível estabelecer o elo causal entre o financiamento
e o dano causado. Se este pode ser um argumento passível de
contendas judiciais, no caso do BNDES e dos projetos estudados
ele de forma alguma se aplica. O Banco financia de 60% a 80%
do valor dos projetos, ou seja, sem o financiamento do BNDES
não haveria projeto. Além de viabilizador dos projetos, o Banco
é, em muitos dos casos, acionista das empresas que compõem
os consórcios ou grupos responsáveis pela implementação dos
projetos. Nestes casos, a responsabilidade do Banco pelo dano
não é indireta ou solidária, mas direta e subsidiária.
No caso da Veracel, sistematizado neste estudo, em que o
Ministério Público Estadual (MPE) da Bahia acabou por suspender
o processo de licenciamento ambiental para ampliação do
plantio de pinus e eucalipto por conta de graves irregularidades,
o Banco possui 30% do capital da Fibria, detentora de 50% da
referida empresa. Por conta disso o MPE apresentou uma
notificação judicial ao Banco alertando, em conformidade com a
legislação ambiental, o financiamento a “ações ilícitas da Veracel,
daí podendo surgir responsabilidade solidária para o referido
Banco, pelo ilícitos ambientais praticados em parceria”.
6. Se olharmos para além dos projetos, focando os grandes
grupos econômicos beneficiários do crédito do Banco, veremos
que o BNDES e o seu braço de participações, o BNDESPar,
que acumulava em 2010 aplicações de R$ 100 bilhões, atuam
como viabilizadores das próprias estratégias de concentração
e conglomeração destas empresas. Isso se dá para além
dos financiamentos, seja por meio de capitalizações, de
patrocínio a processos de fusões e aquisições, seja pelo apoio à
internacionalização de capitais.
Alguns estudos que têm se dedicado a olhar a rede de
proprietários últimos na estrutura societária destes grandes
grupos econômicos demonstram que o BNDES, juntamente
com os fundos de pensão das estatais (Previ, Petros, Funcef),
representam os principais elos que sustentam esta rede
oligopolista, onde figuram Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade
Gutierrez, Queiroz Galvão, Gerdau, Ultra, Vicunha, Itaú, Bradesco,
Votorantim, EBX, JBS e Perdigão, com participações cruzadas nos
referidos setores.
São também conhecidos os casos de envolvimento direto do
Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,
como nos casos de Votorantim e Aracruz (Fibria), Perdigão e Sadia
(Brasil Foods), Itaú e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin
e na tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês
Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado pelo
Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros.
7. O Banco não possui, como já afirmado, uma política de
divulgação de informações relativas ao Sistema BNDES. Em
2009, o Banco adotou o chamado “BNDES Transparente”, que
dá publicidade somente a projetos privados contratados a partir
de 2008 e não inclui os projetos fora do país. A não publicidade
da totalidade da carteira de projetos é algo que fere o princípio
constitucional da publicidade no uso do recurso público,
bem como desrespeita a recém-aprovada Lei de Acesso à
100
Informação (Lei 12.527/2011).
Considerando o exposto acima, corre-se o risco de assistirmos
ao BNDES se precavendo e adotando medidas protelatórias na
prestação de informação à sociedade brasileira. E já há sinais
disso. Com a oportunidade da entrada em vigor da Lei de Acesso
à Informação e da já consolidada pauta da Plataforma BNDES
de defesa de adoção de uma política pública de informação
pelo BNDES, o Instituto Mais Democracia tomou a iniciativa
de encaminhar ao Serviço de Informação ao Cidadão da
Controladoria Geral da União (CGU) um pedido de informações
sobre o Banco. O pedido reproduz a histórica pauta por
transparência do Banco, expressa no documento de fundação da
Plataforma (2007) e reforçada em diversos outros documentos
nestes últimos cinco anos.
A resposta do Banco à solicitação do Mais Democracia foi
evasiva e protocolar, onde se lê “esclarecemos que o BNDES
esta envidando seus melhores esforços no sentido de atender
às proposições colocadas”. Na resposta, o Banco não se
compromete com prazos e informações a serem divulgadas. Vale
lembrar que, conforme faculta a Lei de Acesso, caso a resposta ao
pedido de informação não seja satisfatória cabe recurso.
8. Sobre as cláusulas sociais existentes no Banco, desde 2008,
verifica-se o comprometimento em realizar o vencimento
antecipado do crédito caso a empresa beneficiária seja
condenada, em última instância, por questões relativas à
discriminação de raça ou gênero e às condições de trabalho
análogas à escravidão. Ou seja, a condenação deverá ter
transitado em julgado, sem possibilidade de recurso.
Considerando as diferentes formas de violação de direitos
trabalhistas nos projetos aqui estudados, bem como as
centenas de ações judiciais impetradas pelo Ministério
Público, a hesitação do Banco em responder a situações
de violação não apenas contribui para persistências e
agravamento delas, como acaba por comprometê-lo com
situações de insegurança jurídica, potencialmente prejudiciais
ao próprio retorno dos investimentos.
Ainda sobre as questões de raça e gênero, chama a atenção
a recorrente determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) que, desde 2007, explicita a necessidade do Banco de
avançar na observância destas questões. Vale citar, no Art. 86 da
LDO 2012:
(...) as agências financeiras oficiais de fomento,
respeitadas suas especificidades, observarão as
seguintes prioridades: (…) IV - para o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES:
(...) b) financiamento de programas do Plano Plurianual
2012-2015, especialmente as atividades produtivas que
propiciem a redução das desigualdades de gênero e
étnico-raciais; (…) g) redução das desigualdades regionais,
sociais, étnico-raciais e de gênero, por meio do apoio
à implantação e expansão das atividades produtivas;
(...) h) financiamento para o apoio à expansão e ao
desenvolvimento das empresas de economia solidaria,
dos arranjos produtivos locais e das cooperativas, bem
como dos empreendimentos afro-brasileiros e indígenas.
Em que pese tais exigências da Lei, o Banco, simplesmente,
não tem gerado ações nesta direção.
9. O que explicaria esta não efetividade do BNDES em termos
sociais e ambientais? Como é possível imaginar que uma
política socioambiental seja anunciada sem apresentar
instrumentos e procedimentos que a tornem efetiva? Como
justificar o desrespeito pelo Banco à própria legislação
ambiental brasileira, quando ele segue, por exemplo,
comprometido com o financiamento de obras na Amazônia,
como a do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (Rondônia) e
a da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará),
que, entre várias irregularidades, clara e sabidamente
desrespeitam as condicionantes contidas em seus respectivos
licenciamentos ambientais?
Alguns atribuem a falta de efetividade da política
101
socioambiental do Banco à falta de interesse e de uma cultura
institucional, refletidas em falhas operacionais e despreparo
técnico, e que caberia, portanto, às organizações da Plataforma
BNDES a discussão e posterior proposta ao Banco de
salvaguardas sociais e ambientais em seus procedimentos de
análise e nos contratos de financiamento. Segundo esta visão
haveria uma brecha para “mostrar ao Banco o que fazer”, dada
pelo momento de maior visibilidade dos seus financiamentos e
da formalização de uma política socioambiental.
As evidências aqui elencadas de violações associadas a projetos
financiados pelo Banco parecem demonstrar que não há brechas.
Não se trata apenas de uma falta de interesse do Banco, mas
sim de uma coincidência de propósitos entre o BNDES e as
grandes corporações destes setores intensivos em natureza e
de infraestrutura, em favor da flexibilização da legislação e dos
direitos sociais e ambientais.
Neste contexto, cabe indagar a validade, bem como os
riscos, de uma estratégia voltada a estabelecer recomendações
e salvaguardas para o Banco. Concentrarmos nossa atuação
no debate sobre salvaguardas é aceitar que haverá impactos
negativos, que serão – em alguma medida – evitados ou
mitigados. É aceitar que não cabe discutir a pertinência do
projeto a ser financiado. Corre-se, pois, um duplo risco. De
um lado, de dispersar esforços, capturando nossa capacidade
técnica e política necessárias a uma atuação mais efetiva
sobre o Banco. De outro, de corroborar, no limite, compactuar,
com a natureza rebaixada da atuação do Banco em termos
socioambientais, como alertam, em artigo anterior, Fabrina
Furtado e Gabriel Strautman sobre a “agenda reformista”,
voltada a aperfeiçoar as salvaguardas e os procedimentos
de participação e resolução de conflitos das Instituições
Financeiras Multilaterias (IFMs).
102
A floresta Amazônica é destruída para dar lugar à construção de Belo Monte: que desenvolvimento é esse?
Segundo os referidos autores:
(...) identificam-se pelo menos dois grupos críticos
das IFMs com diferentes interpretações para os
problemas de implementação das salvaguardas: o
primeiro deles é o dos reformistas, que acreditam nas
salvaguardas como um instrumento de reforma dos
bancos e atribuem a falhas operacionais os problemas
na implementação; o outro grupo, dos contestatarios,
argumenta que as salvaguardas são instrumento de
retórica, sendo, portanto, muito mais um discurso do que
necessariamente uma pratica. Para este grupo, o objetivo
final das salvaguardas é a neutralização da crítica ao
modelo de desenvolvimento do qual os bancos são um
instrumento central.
Tais limites não invalidam a necessidade de se trabalhar com
alternativas em termos de critérios e salvaguardas sociais e
ambientais, inclusive como forma de organização da luta das
populações atingidas. Mas deve-se ter claro que a questão não é a
falta de alternativas, mas sim o não reconhecimento pelo BNDES
de que as violações geradas pelo atual padrão de acumulação
configuram, de fato, um problema.
Prova disso é que o Banco somente aceitou tratar de
salvaguardas, como nos exemplos das exigências do Tribunal
de Contas da União (TCU) para os projetos relacionados
aos megaeventos esportivos e dos procedimentos para o
financiamento dos frigoríficos, quando a ausência delas tornou-
se um problema público. Por pressão ou de outras instâncias do
próprio governo federal, ou de agentes do mercado externo, ou
de compradores da carne brasileira.
O caso dos frigoríficos ficou mais conhecido por conta da
repercussão na imprensa. Com as denúncias do Greenpeace
junto ao Ministério Público Federal do Pará de que os frigoríficos,
a exemplo da JBS, financiados pelo Banco, estavam comprando
gado de pecuaristas que desmatam a Amazônia, houve forte
pressão das empresas, como a Wal-Mart e o Carrefour, que
chegaram a suspender a compra de carne da JBS. Não se pode
esquecer, neste caso, que o Banco é também controlador de 31%
do capital da JBS. Embora as salvaguardas estabelecidas para o
setor da pecuária apresentem, como já dito, limitações, deve-
se ter claro que foram fatores alheios ao Banco que acabaram
por constrangê-lo a adotá-las, pois, do contrário, a própria
rentabilidade do negócio estaria ameaçada.
Já o TCU, juntamente com o MPF e a CGU, conseguiu
avançar no estabelecimento de salvaguardas nos contratos de
financiamento do BNDES para os megaeventos. Conforme
relato de documentos públicos deste Tribunal, o Banco
declarou não possuir competência instalada para analisar
os orçamentos dos projetos, avaliando apenas as garantias
oferecidas pelo beneficiário. Desta forma, o TCU instou o
Banco a não liberar recursos acima de 20% do valor do projeto,
sem que antes o Tribunal fornecesse a informação sobre a
adequação do orçamento do projeto. Caso o TCU constate
sobrepreço, conforme ocorreu nos casos das obras nos estádios
do Maracanã, no Rio de Janeiro, e da Arena Amazônica, em
Manaus, o Banco somente liberará o recurso após a revisão
do orçamento. Caso o orçamento permaneça superestimado,
o Banco deverá descontar no valor do empréstimo o valor do
sobrepreço. Além desta salvaguarda inédita, o TCU também
instou o Banco a suspender o financiamento para a segunda
etapa da Transcarioca, obra de mobilidade urbana no Rio de
Janeiro, em decorrência de irregularidades no processo de
licenciamento ambiental da obra.
Mas não se deve perder de vista o contexto de financeirização
da política ambiental em que se propõe discutir salvaguardas
sociais e ambientais. Como esclarece Lúcia Ortiz:
As políticas ambientais, orientadas pela cooperação
técnica de instituições como o Banco Mundial ou geridas
por instituições financeiras como o BNDES, tornam
contraditória qualquer iniciativa de regulamentação
através de critérios e salvaguardas. Elas implicam um
processo que se aprofunda na perda de direitos e
na contínua deterioração do papel do Estado como
103
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garantidor deles, em favor dos interesses e novos direitos
do mercado sendo agora assegurados por lei. Tal como
o Banco Mundial, o BNDES tem se utilizado de uma
estratégia de capitalização diante da crise ambiental
como central à sua política socioambiental. Fortalecer
essa lógica através da criação de critérios e salvaguardas,
seja para o financiamento de grandes obras e projetos,
seja para aqueles produtos e fundos que deveriam ter
como premissa a proteção e conservação ambientais,
significa deslocar o foco do debate sobre o modelo de
desenvolvimento e do papel central que as instituições
financeiras vêm desempenhando na sua promoção.
Recomendações
1. Embora a responsabilidade solidária do agente financeiro
pelos danos sociais e ambientais do projeto financiado seja
algo previsto na legislação ambiental brasileira, até hoje o
BNDES não chegou a ser interpelado judicialmente sobre sua
responsabilidade por violações de direitos por qualquer projeto
por ele financiado. Recomendamos que as organizações da
Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES, acionem o
Ministério Público Federal instando-o a impetrar uma ação civil
pública que interpele o Banco nesta direção.
Certamente, uma ação civil pública que se baseie na tese
da responsabilidade solidária por violações de direitos pode
ter diferentes objetos: solicitação do vencimento antecipado
do financiamento; suspensão da liberação de parcelas do
financiamento até que os danos sejam reparados; desconto no
valor do financiamento correspondente ao valor da reparação
dos passivos sociais e ambientais gerados; revisão nos termos
do contrato de financiamento; e, mesmo, a combinação
deles. Contudo, para além do objeto da ação, cabe chamar a
atenção para a escolha do caso a ser trabalhado, para efeito da
interpelação judicial ao Banco.
Conforme afirmado anteriormente, para que o Banco
reconheça as violações de direitos como problema a ser
enfrentado é preciso muita pressão pública e, neste sentido,
a escolha do caso faz diferença. Além das evidências e da
extensão de violações de direitos, a identificação do caso a ser
considerado deve levar em conta: mobilização e organização
social na resistência ao projeto; irregularidades no processo de
licenciamento; presença financeira do Banco no projeto; grupo
econômico envolvido e sua conexão com o Banco; sensibilidade
do ponto de vista internacional, seja por desrespeito a tratados
internacionais, seja pela presença de capitais estrangeiros.
Entre os casos sistematizados neste estudo, destacam-se por
estes critérios a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e o Complexo
Siderúrgico do Atlântico (TKCSA).
No caso de Belo Monte, trata-se do maior financiamento a
um único projeto a ser desembolsado pelo Banco – estimado
em R$ 24 bilhões –, com claras irregularidades no processo
de licenciamento, envolvendo empresas estrangeiras no
fornecimento de equipamentos, com forte mobilização local
e nacional contrária à obra, com graves e extensos impactos
sobre o território, particularmente sobre os povos indígenas.
Em 2011, o Ministério Público Federal do Pará pediu a anulação
da licença de instalação da hidrelétrica em uma ação ajuizada
contra o consórcio Norte Energia e o Ibama, já que, além
de as condicionantes estarem sendo descumpridas e serem
insuficientes, elas são mal fiscalizadas pelo órgão ambiental. Um
dos exemplos de condicionantes não atendidas refere-se à não
realização das oitivas indígenas, em desrespeito à Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
motivou a solicitação pela Organização dos Estados Americanos
(OEA) ao governo brasileiro de suspensão tanto do processo
de licenciamento como da construção da usina hidrelétrica.
Chama a atenção também que o consórcio Norte Energia tem
a participação da Vale, cuja atuação vem sendo questionada
pela Campanha dos Atingidos pela Vale, que poderia se somar à
iniciativa da Rede Brasil.
No dia 23 de agosto de 2012, a Norte Energia foi obrigada a
paralisar as obras em Altamira e em Vitória do Xingu, depois de
receber o acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal
104
da 1ª Região (TRF-1), que atendeu
pedido do MPF do Pará e anulou o
decreto legislativo 788/2005 e todas as
licenças concedidas pelo Ibama para
o empreendimento. O voto do relator
Antonio Souza Prudente, acolhido
por unanimidade pela 5ª Turma,
afirmou: “Não podemos admitir um ato
congressual no estado democrático de
direito que seja um ato de ditadura, um
ato autoritário, um ato que imponha
às comunidades indígenas um regime
de força”. No entanto, apenas quatro
dias depois, na noite do dia 27, ao
analisar o pedido feito pela Advocacia
Geral da União (AGU), que entrou com
reclamação contra a decisão do TRF-1,
o presidente do STF, Carlos Ayres Britto,
concedeu uma liminar que permitiu a
retomada das obras de Belo Monte. A decisão de Britto vale até
que o STF analise e julgue o mérito da questão, em plenário. Mas
não há previsão para que isso aconteça.
Já no caso da TKCSA, em que o Banco está comprometido
com R$ 2,4 bilhões, equivalente a 30% do projeto, “são
alarmantes”, como informa neste estudo Marilda Teles, “os
níveis de poluição atmosférica com particulados provenientes
de ferro e de emissões de CO2: a Companhia Siderúrgica
do Atlântico (TKCSA), uma joint venture da Vale com a
ThyssenKrupp, ‘vem causando inúmeros impactos negativos
na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de 8 mil
famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias
residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro’ (Campanha
Pare a TKCSA!, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia
causou um aumento de 600% na concentração média de
ferro no ar na area de sua influência em relação ao período
anterior ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi
constatado e denunciado pelo Ministério Público do Rio de
Janeiro em abril de 20121. De acordo com dados da própria
empresa, a TKCSA também elevara em 76% as emissões
de CO2, o que significa mais de 12 vezes o total da emissão
de todo o município. Reforçando as críticas feitas pelos
moradores da região, a Fiocruz constatou um aumento de
1.000%2 na concentração de ferro no ar da região (Relatório
de Insustentabilidade da Vale 2012). Isso revela que a ‘CSA,
sozinha, produzira 9,7 milhões de toneladas de dióxido de
carbono (CO2)’, de acordo com informações do Departamento
de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em
2010, ultrapassando em três ou quatro vezes o estipulado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo requerimento
do MPRJ”.
Além disso, as atividades da pesca e a renda dos pescadores
estão gravemente prejudicadas pela TKCSA, o que resultou em
seis processos judiciais (dos nove movidos contra a empresa) que
preveem indenizações para 5.763 pescadores da Baía de Sepetiba
105
O coquetel de poluentes emitidos pela TKCSA ainda não foi totalmente decifrado: "chuva de prata" que assusta a comunidade vizinha
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(Virgínia Toledo, Rede Brasil Atual, 18 de abril de 2012). Os
licenciamentos concedidos pelo Instituto Estadual do Ambiente
(Inea) estão repletos de irregularidades, conforme denúncias do
Ministério Público Estadual (MPE). Até o momento a empresa
não obteve a licença de operação, por não conformidade com as
condicionantes estabelecidas nas licenças prévias e de instalação.
Vale acrescentar que, no caso da TKCSA, a ThyssenKrupp já
manifestou o interesse de vender sua parte no empreendimento.
Como principal credor da empresa, o BNDES precisa dar a sua
anuência à venda. Caso haja alguma restrição por parte do
Banco, ele poderá sair do negócio, realizando o vencimento
antecipado do financiamento ou mesmo alterando os
termos do contrato, no sentido de elevar as garantias. A
venda da participação da ThyssenKrupp apresenta-se como
uma oportunidade para que os movimentos de resistência,
envolvendo comunidades de pescadores, população local e
a Fiocruz, exijam, por via legal, que o Banco revise o contrato
de financiamento no sentido de estabelecer garantias da
reparação e eliminação dos passivos sociais e ambientais do
empreendimento pelo(s) futuro(s) comprador(es).
Importante deixar claro que a recomendação em favor
de uma ação civil pública não tem a intenção de reduzir e
limitar a luta política à arena judicial, como bem alerta Jadir
Brito, quando trata das tendências recentes à “judicialização
da política” e ao “ativismo jurídico”. Na verdade, trata-se
exatamente do contrário. A via jurídica, aqui, busca servir de
instrumento de pressão pública a fim de constranger o Banco a
reconhecer e assumir sua responsabilidade social e ambiental,
tal como determina a Lei.
Trata-se da defesa intransigente da lei, garantindo que o direito
privado não se sobreponha ao direito público, como vem ocorrendo
no caso do BNDES. Este “o que fazer” aponta para o reconhecimento
e a valorização do conflito social – da luta das populações atingidas
direta e indiretamente pelos megaprojetos de grandes grupos
econômicos e do Banco – como gerador de sujeitos coletivos
capazes de fazer a defesa de seus direitos, não se submetendo à ação
discricionária daqueles que se julgam acima da lei.
2. Considerando as limitações já anunciadas pelos próprios
órgãos públicos em responder às exigências por transparência
estabelecidas pela Lei de Acesso e, particularmente, a resistência
das empresas estatais, torna-se oportuna a publicidade desta
agenda de informações, tal como tem pleiteado a Plataforma
BNDES. Elas são condição para conhecermos e incidirmos
sobre o BNDES, de forma que, além de estatal, ele seja
efetivamente público.
Desta forma, recomendamos que as organizações que
compõem a Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES
e organizações aliadas, tracem uma estratégia conjunta para
assegurar, pelos meios cabíveis, o amplo acesso e a publicação
pelo Banco das seguintes informações:
2.1 - Sobre a carteira de projetos privados contratados pelo
Banco, por meio de operações diretas e indiretas
a) a totalidade da carteira de projetos privados, ou seja,
todos os projetos que dizem respeito a empréstimos que
ainda não foram pagos pelos beneficiários, além dos
desembolsos futuros já aprovados;
b) para cada projeto, o Banco deverá informar – além das
informações já constantes no “BNDES Transparente”: nome
e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do cliente,
objetivo, data da contratação, unidade federativa e valor do
projeto – as seguintes informações: valor total do projeto;
localização do projeto, considerando como referência o(s)
município(s); condições do financiamento (juros, carência,
prazos e garantias); classificação de risco ambiental; impactos
ambientais e sociais esperados (em conformidade com os
Anexos 6 e 7 do “Roteiro de Informações para a Consulta
Prévia”); indicar a existência ou não de licenciamento
ambiental; em que etapa do processo de licenciamento
ambiental o empreendimento em questão se encontra
(Licença Prévia, de Instalação ou Operação), nomes e
contatos dos responsáveis no Banco pelo financiamento e de
representantes das empresas tomadoras dos empréstimos;
c) quando existir, informar relação de contrapartidas por
106
parte do tomador dos empréstimos;
d) quando existir, informar financiamentos paralelos ao
financiamento principal e que visem atender a dimensão
social do projeto (escolas, postos de saúde, etc.), observando
as mesmas informações solicitadas acima quanto ao
financiamento principal.
2.2 - Sobre a governança do BNDES
a) “Relatórios de Análise”, que orientam a decisão da diretoria
do Banco sobre a aprovação de projetos;
b) agenda, pauta e decisões das reuniões de diretoria e do
Conselho de Administração, com antecedência e amplitude
suficientes para garantir o exercício do controle público;
c) mecanismos de avaliação, acompanhamento técnico e
financeiro e fiscalização dos projetos contratados pelo Banco,
em observância à legislação brasileira, em especial, à legislação
ambiental;
d) participação de funcionários e ex-funcionários do BNDES,
em atividade e aposentados, ao longo de toda a história do
Banco, em conselhos de administração de empresas e de
associações de empresa em qualquer área ou com qualquer
objetivo, informando o nome da pessoa e de qual conselho fez
ou faz parte.
2.3 - Sobre os fundos não reembolsáveis do Banco, Fundo
Social e Funtec (Fundo Tecnológico)
a) nome dos beneficiários, os objetivos do projeto apoiado e
o valor liberado.
2.4 - Sobre o BNDESPar
a) a composição da carteira de ações do BNDESPar
por empresa, indicando o valor aplicado e a participação
percentual no capital total e votante das empresas.
2.5 - Sobre a atuação internacional do BNDES
a) a totalidade dos projetos privados contratados fora do país,
contemplando o conjunto das informações acima elencadas
para as operações diretas e indiretas no país;
b) as iniciativas de captação e financiamento realizadas no
âmbito do BNDES Limited, em Londres, contemplando as
informações acima elencadas sobre as operações no país;
c) os termos de todos os acordos firmados pelo Banco no
âmbito do memorando de cooperação técnica assinado em
15 de abril de 2010 pelo BNDES e suas contrapartes na China,
Rússia, Índia e África do Sul.
3. Recomendamos que a Rede Brasil, em articulação com a
Plataforma BNDES, por meio de gestão no Congresso brasileiro,
questione a legitimidade e mesmo legalidade do Empréstimo
Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão
Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em inglês) do
Banco Mundial, no valor de US$ 1,3 bilhão, em sua primeira
fase – em que a política ambiental do Bird, braço do Grupo
Banco Mundial, serve de referência para o BNDES. O grau de
ingerência do Bird nos assuntos internos, por mais que haja
uma coincidência de propósitos com a orientação do atual
governo, atenta contra o Estado de direito, pois fere os institutos
constitucionais garantidores de direitos sociais e ambientais.
O questionamento ao referido empréstimo deve ser
acompanhado da exigência de que o BNDES realize audiências
públicas para discutir e detalhar sua política socioambiental.
Tais audiências deverão prever a participação de representações
de órgãos públicos de licenciamento, de organizações civis, de
movimentos sociais e populações impactadas por megaprojetos.
Caberia também à Rede Brasil retomar, neste contexto, a proposta
de “Avaliação de Equidade Ambiental”, construída no âmbito da
Rede Brasileira de Justiça Ambiental, como forma de se contrapor
ao processo de planejamento de projetos de desenvolvimento e à
flexibilização da legislação e gestão ambiental no país.
Em sintonia com esta estratégia, seria importante que a
Rede Brasil pudesse seguir com os processos de formação/
capacitação nos territórios, a exemplo da oficina que realizou
no Acre, em outubro de 2011, sobre o avanço dos mecanismos
de estruturação do mercado de clima no contexto da chamada
107
“economia verde”. A complexidade dos processos e mecanismos
de financeirização da questão ambiental exige um grande
esforço de conhecimento, comunicação e disseminação pública.
4. Recomendamos, também, estender a atuação do TCU, de
caráter preventivo e hoje limitada aos financiamentos da Copa do
Mundo, para todos os grandes projetos financiados pelo BNDES.
Como ficou demonstrado neste caso, o Banco não possui
capacidade de análise dos orçamentos, por isso se viu impelido a
aceitar a orientação do órgão público competente. Cabe, pois, ao
Banco respeitar as orientações de outros órgãos do Estado, que
atuam em defesa de direitos constitucionais, no direcionamento
de seus financiamentos.
Antes de financiar e patrocinar processos de fusão e aquisição,
o Banco deve ouvir o Cade sobre os efeitos esperados destes
processos sobre a concorrência e os preços. Ao financiar
megaprojetos com graves impactos
ambientais, o Banco deveria cobrar
e fiscalizar as empresas beneficiárias
quanto à observância do que determina
as condicionalidades indicadas nos
licenciamentos e, no caso de passivos,
prever sanções contratuais de vencimento
antecipado ou abatimento do crédito, a fim
de preservar o interesse público. Ou seja,
trata-se da atuação do Banco de concorrer
para o reconhecimento e fortalecimento
do papel institucional do Ibama, bem
como dos órgãos de fiscalização estaduais.
Nos projetos financiados fora do país,
o BNDES deverá seguir, como padrão
mínimo, o que determina a legislação
ambiental brasileira.
Nos seus financiamentos, o Banco não
deveria solicitar somente a autodeclaração
do beneficiário de que não descumpre
a legislação trabalhista referente à saúde
do trabalhador. Deve solicitar informações junto aos órgãos
competentes do Ministério da Saúde, Previdência e do Trabalho
e Emprego para poder melhor orientar sua avaliação dos
projetos no setor. Ao financiar o setor do agronegócio, o Banco
deve buscar informações também junto à Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), para saber como e o quanto a
produção de alimentos, particularmente os transgênicos, estão
comprometidos pela introdução de elementos tóxicos na sua
produção – ainda mais, considerando que o Brasil é o país que
mais consome agrotóxico no mundo.
Esta atuação concernente com as políticas de outros órgãos do
Estado, no sentido do cumprimento do que determina a lei e o
direito, evitaria que o Banco atuasse contrário ao direito, como
nos casos aqui assinalados demonstram.
Em linha com esta proposta, recomenda-se, também, a criação
de uma comissão independente do Banco, porém mantida com
108
As irregularidades e ilegalidades marcam o histórico da TKCSA: não agiria assim na Alemanha
Rio
+ Tó
xico
201
2
recursos do BNDES, que analise a pertinência de a instituição
aceitar o pedido de financiamento a projetos que encerrem riscos
potenciais extremos aos territórios em que serão implantados.
Em caso de aceitação do financiamento, sugere-se, também, que
a comissão continue a trabalhar durante o desenvolvimento da
obra, observando o respeito a todas as condicionantes assumidas
pelos titulares do projeto. Esta comissão, com poder vinculante,
deveria ser composta de representantes das populações direta e
indiretamente atingidas pelas obras, superintendentes do Banco
e de membros dos órgãos de controle do Estado. Exemplos
de casos extremos são, mais uma vez, o da usina Belo Monte
e o da siderúrgica TKCSA, que desde a fase de licenciamento
ambiental demonstravam seu potencial de risco para o
conjunto das populações e do ambiente físico das regiões em
que foram implantadas.
É também tarefa da universidade e das organizações civis
colocar em debate os rumos do desenvolvimento brasileiro e
seus principais beneficiários. No caso das instituições públicas de
ensino superior, há uma ampla agenda de pesquisa e extensão
cuja ociosidade contrasta com sua urgência. Esta agenda
precisa estar comprometida com a vida social, em conexão
com movimentos sociais, não apenas aqueles com certo grau
de institucionalização, mas também com as novas dinâmicas
organizativas e de mobilização vinculadas a conflitos nos
territórios e no mundo do trabalho.
Cabe o desafio da academia de ir além dos indicadores de
eficiência e proficiência da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de
Pesquisa (CNPq), conectando-se com as demandas e questões
mais emergentes e urgentes da sociedade brasileira neste
início de século. Quanto à questão dos recursos, vale lembrar
que o Fundo Social do BNDES, não reembolsável, pode e deve
contribuir com a produção acadêmica de avaliações, indicadores
e recomendações sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro.
Sobre a observância das questões relativas a raça e gênero,
recomenda-se a atuação da Rede Brasil junto ao Congresso
brasileiro no sentido de instar e constranger o Banco a responder
o que estabelece a LDO federal, desde 2007. Além disso,
recomenda-se que a Rede Brasil atue junto ao próprio BNDES
no sentido de que as “cláusulas sociais” adotadas pelo Banco
sejam acionadas em caso de abertura de processos judiciais, não
precisando que o processo alcance a última instância.
Expostas as Considerações e Recomendações, resta-nos o
debate e a ação que sirva ao bom combate em defesa do Estado
de direito, que parece não valer quando estão em jogo relações
entre órgãos públicos e interesses de grandes grupos privados.
* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de 2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil.
1 “Relatório dos atingidos pela Vale cita ‘insustentabilidade’ e critica ‘incoerente posição’ da mineradora”. Virginia Toledo/Rede Brasil Atual. Publicado em 18/4/2012. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2012/04/relatorio-dos-atingidos-pela-vale-denuncia-insustentabilidade-e-critica-a-antagonica-posicao-da-mineradora.
2 Relatório da Fiocruz caso TKCSA 2011: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”. 2011.
As ensecadeiras simbolizam o início da transformação do Rio Xingu: morte da vida
Vere
na G
lass
109
110
Efe
As crises econômico-financeira, social e ecológica se
inserem no contexto mais amplo de financeirização
da economia, processo intensificado desde os anos
1980 com a crescente desregulamentação do setor financeiro,
em particular o desmantelamento dos controles de atividades
financeiras entre as economias nacionais e a abertura das contas
de capitais1. Neste processo de financeirização, a rentabilidade das
transações com dinheiro, riscos e produtos associados tornou-se
significativamente superior à rentabilidade da produção de riqueza
tangível na forma de bens e serviços2. Isso implica um alargamento
dos mercados financeiros em relação aos mercados de bens e
serviços3 e um aumento exponencial de atividades especulativas
arriscadas, como as que levaram a um ciclo de crises financeiras
desde à da tequila em 1994 até o colapso financeiro de 2008.
Desde 2008, a crise econômico-financeira já avançou em
diversos sentidos. De, inicialmente, uma crise financeira no
coração do capitalismo, esta se transmitiu a outras regiões e
esferas através: da contração do crédito, dos investimentos
e da demanda por bens e serviços, gerando desaceleração
do crescimento e recessão, com fortes impactos sociais; do
aumento exponencial do endividamento público, gerando crises
de dívida soberana; da ditadura dos agentes financeiros sobre
os regimes políticos supostamente democráticos, traduzindo-se
em uma crise institucional e política de incapacidade e, acima de
tudo, desinteresse de restabelecer um pacto social que coloque
os mercados financeiros a serviço das necessidades de produção
e consumo sustentáveis dos povos; da intensificação da
A história se repete como farsaDiana Aguiar*
Contexto Internacional
privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns
como falsas soluções de mercado à crise, desvelando a face
social e ecológica desta crise sistêmica.
Neste contexto de múltiplas crises econômico-financeira,
social e ecológica, que papel têm assumido as Instituições
Financeiras Internacionais (IFIs) na arquitetura de “soluções”
à crise sistêmica? Como se reconfiguraram desde 2008?
Fizeram mudanças significativas em seu modus operandi, sua
governança e em seu receituário neoliberal como resposta às
crises? Como as crises têm afetado sua relação com os diversos
países, especialmente com os chamados “emergentes”? O que
essas mudanças implicam para a política externa do Brasil, que
”se entende como país emergente”?
Geopolítica internacional pós-2008
Quase quatro anos depois do colapso financeiro, uma aparente
reconfiguração geopolítica parece estar em curso. Nunca ouvimos
falar tanto de China e as reuniões do G20 (grupo que reúne
as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia)
parecem ter realmente suplantado as do G8 (grupo formado
pelos, então, sete países mais industrializados e desenvolvidos
economicamente do mundo – Estados Unidos, Japão, Alemanha,
Reino Unido, França, Itália e Canadá – mais a Rússia) em
importância na governança econômica global. Mas o que isso
representa em termos de mudanças reais na estrutura de poder?
Do ponto de vista da reconfiguração da correlação de forças
111
entre os países e considerando o fato de o G20, na Cúpula de
Pittsburgh em setembro de 2009, ter se autointitulado o “principal
fórum para a cooperação econômica internacional”, representa
um reconhecimento das economias avançadas da necessidade
de que qualquer “reforma” da arquitetura financeira internacional
deve incluir as economias emergentes na mesa de negociação,
em particular a China.
De fato, a China e, em menor escala, os demais BRICS4
aumentaram seu poder de barganha no sistema, embora ainda
haja muito mais expectativa do que concretude neste aumento
de poder. A crise da zona do euro e o financiamento dos
pacotes de resgate via injeção de recursos, também dos países
emergentes, no Fundo Monetário Internacional (FMI) reforçam
a aparência de que os países BRICS representam os poderes em
ascensão na governança global. No entanto, apesar da inegável
força da China como motor da economia mundial, os demais
BRICS não têm o mesmo papel, tampouco o grupo parece ter
coerência de posições. Além disso, o fato de estes países deterem
tantas reservas denominadas em títulos da dívida estadunidense
sinaliza mais um cenário de codependência com o centro do
sistema econômico do que uma possível ascensão de um novo
hegemon5 ou de um bloco histórico alternativo.
Neste sentido, os Estados Unidos (EUA) e a sua dívida
pública e privada são o principal exemplo de “grande demais
para falir”. Esta expressão surgiu, a princípio, em referência às
instituições financeiras que têm um peso sistêmico tão forte
que, na iminência de quebra, os governos “deveriam” organizar
programas de salvamento de urgência para evitar que esta
possível falência tivesse impactos devastadores sobre o sistema
financeiro, tal qual o caso do banco Lehman Brothers em 2008.
Atualmente, como resposta a essa prática, os países do G20
discutem os planos de falência das instituições financeiras
globais que consideram “sistemicamente importantes”6 para
evitar a necessidade de futuros programas de salvamento
(realidade ainda distante, dado o anúncio recente do pacote
bilionário de resgate aos bancos espanhóis).
No entanto, na pauta do G20, nada se menciona sobre a
dívida estadunidense como o principal caso de “grande demais
para falir” e como isso impõe uma situação de continuado
financiamento desta dívida através do sistema de reservas. Desta
forma, não se questiona o poder do dólar, mantendo intocado o
sistema monetário internacional de câmbio flexível pós-Bretton
Woods, que, na prática, força os países superavitários a manterem
reservas em dólares para proteger suas moedas de possíveis
ataques especulativos. Essas reservas são, no entanto, recursos
que poderiam ser investidos nos próprios países e que têm um
custo financeiro alto, como explicado em seguida7.
A crise do euro pode ter passado da pauta do G8 para a
pauta do G20 em um claro reconhecimento da necessidade
potencial dos recursos dos emergentes para os programas de
resgate das dívidas públicas europeias. Porém, temas centrais
ficam de fora, como: a dívida pública dos Estados Unidos; a
forma como a disputa partidária neste país coloca as reservas
dos países superavitários sob risco de desvalorização (fazendo
que o congresso estadunidense detenha significativa parte
da governança de fato da economia mundial); a manutenção
de instrumentos financeiros de alta capacidade especulativa,
como o high frequency trading8, com pouca ou nenhuma
supervisão; e o contínuo poder das agências de avaliação
de risco9, apesar da sua contribuição para o surgimento e
a gravidade da crise de 2008, ao ter classificado de forma
sistemática títulos podres como sendo investment grade.
Assim, a governança econômica e financeira que trouxe o
mundo à crise atual está longe de ser questionada10.
Em relação à articulação regional dentro e fora do grupo
dos 20, o governo brasileiro tem afirmado que o governo
argentino tem sido parceiro nas negociações do G20. O tema
da especulação das commodities agrícolas, por exemplo, de
grande interesse para os dois países agroexportadores, tem sido
uma das pautas de trabalho comum. Por outro lado, o governo
brasileiro também afirma que o Brasil e a Argentina têm feito
esforços dialogando com outros países da região sobre os
posicionamentos no grupo. Neste sentido, foram realizadas
algumas rodadas de consultas sobre o tema, mas não de
112
forma sistemática. Além disto, é notável a lentidão com que os
processos de integração sul-americana têm sido conduzidos pela
política externa brasileira desde a crise de 2008 e a redinamização
do G20, sendo o Banco do Sul um dos casos mais evidentes11.
Além da reconfiguração da relação de forças entre os
diferentes países, a mudança fundamental está, provavelmente,
representada na repactuação da aliança entre o capital financeiro
e o poder político institucional em diversos níveis.
O poder de influência do capital financeiro sobre a esfera da
política institucional, chamado por Noam Chomsky de “senado
virtual”, é instrumental neste processo.
Ao contrário do que determina o senso comum, a ideologia
neoliberal não implica mera redução do papel do Estado
como regulador do mercado. De fato, o Estado e suas diversas
representações institucionais – como as IFIs em escala global
– têm sido fundamentais na criação e manutenção de marcos
regulatórios permissivos e promotores da financeirização,
assim como da privatização e da comodificação de novos ativos
financeiros12. A crise sistêmica iniciada em 2008, em vez de frear
este processo, tem consolidado tais mecanismos.
Neste contexto, a pergunta fundamental a se fazer, no caso de
um país como o Brasil, não é somente sobre o papel das IFIs na
política econômica nacional. O foco passa a ser também sobre a
estratégia geopolítica da política externa do “Brasil que se entende
como país emergente” de aprofundamento da influência do país
na correlação de forças destas instituições.
As IFIs, o colapso financeiro de 2008 e a reconfiguração
estratégica do Brasil
A crise atual se insere em um contexto de sucessão de crises
financeiras desde os anos 1990, quando surgem as crises
causadas pelos vários ataques especulativos13, especialmente
as crises no sudeste asiático no fim da década, possibilitados
pela forte desregulamentação dos fluxos financeiros. Até então,
estes países asiáticos tinham sido elogiados pelo FMI por terem,
de maneira geral, situações fiscais e de transações correntes
sólidas. O fato de, apesar disto, perceberem que estavam sujeitos
a ataques especulativos, tanto quanto outros países, lhes levou a
questionar as políticas até então adotadas e o próprio Fundo.
Outro ponto importante: estes países asiaticos que
estavam sofrendo a crise financeira, na verdade, estavam
dentro também de um processo de reconfiguração
produtiva na Ásia que os conectava com a China e
com o Japão, países que tinham, no caso da China,
um nível de reservas crescentes – que não era tanto
quanto o atual, mas consideravel –, e, no caso do Japão,
que tinha uma moeda conversível que da razoavel
tranquilidade nesta area financeira. Esta fragilidade
financeira acabava afetando esta configuração de uma
integração produtiva, ou de cadeias produtivas, que ja
acontecia no âmbito asiatico. Neste momento, você
tem os primeiros tipos de medidas, como a iniciativa de
Chiang Mai, que acontecem dentro deste cenario. Aí,
você ja tem uma semente desta mudança estratégica da
area de produção mundial do Atlântico para o Pacífico.
Isso ajuda a entender esta resistência aos ditames do
Fundo, que refletem o consenso que existia entre a City
de Londres e Wall Street, os atores que ditam as regras do
FMI fundamentalmente. [...] Os países asiaticos passam
a ter uma estratégia de uso coletivo de reservas, o que
implica que as reservas da China e do Japão sirvam para
a proteção das menores, processo que culmina com a
iniciativa Chiang Mai14.
Além disso, muitos países africanos e latino-americanos,
que sofreram com os programas de ajuste estrutural atrelados
aos empréstimos do Fundo no passado, descreviam como
“humilhante” a atuação dos agentes do FMI. Estes economistas,
treinados dentro da ideologia neoliberal, impunham a política
econômica a ser adotada pelo país contraindo empréstimos sem
considerar a especificidade da realidade econômica, política e
social de cada país em questão e sem espaço para a discussão de
113
políticas alternativas. O pacote de políticas econômicas exigidas
como condicionante para os empréstimos incluía a liberalização
comercial e financeira, a privatização de serviços públicos
essenciais, políticas de controle inflacionário com altas taxas de
juros, entre outras. Este pacote de políticas, que ficou conhecido
corriqueiramente como o “Consenso de Washington”, acabou
tendo consequências sociais e econômicas nefastas em países
como a Argentina, menina dos olhos deste receituário durante
a década de 1990, e representava o instrumental da ideologia
neoliberal dominante nas IFIs.
Para fugir da imposição deste pacote nas políticas econômicas
nacionais, os países asiáticos iniciaram uma estratégia de
acumular reservas como um seguro para diminuir sua
vulnerabilidade e evitar os impactos de futuras crises financeiras
globais que pudessem significar a necessidade de novos
empréstimos do FMI. O Fundo estava desacreditado em seu
mandato de credor de última instância.
Essa reconfiguração culmina com o fato de que dois de seus
maiores devedores, Brasil e Argentina, resolvem quitar suas
dívidas com o Fundo em dezembro de 2005, antes do prazo.
Nestor Kirchner, então presidente argentino, declarou que isso
representava uma emancipação das condicionantes sufocantes
impostas pelo Fundo durante décadas. Sérvia, Indonésia, Uruguai
e Filipinas seguiram o exemplo e anunciaram que também
quitariam suas dívidas15.
No entanto, o argumento de que o pagamento antecipado
da dívida gera aumento da autonomia do país é controverso16.
Naquele momento, a Rede Brasil se posicionou afirmando
que a dívida era ilegítima – e, portanto, não deveria ser paga;
que, ao contrário de uma decisão de rejeição dos governos ao
Fundo, o pagamento antecipado era, na verdade, uma resposta
destes países a um processo alavancado pelo próprio Fundo
de incentivo à quitação de dívidas de grande volume; que o
Brasil trocou uma dívida de juros menores por outra, contraída
posteriormente, com juros muito maiores no mercado; e que
quitar a dívida não representava o fim da intervenção do FMI no
país já que, ao permanecer integrando ao Fundo, o Brasil seguiria
sujeito a suas políticas de supervisão e controle17.
De qualquer forma, como o FMI depende de um alto volume
de empréstimos para obter o retorno necessário para a sua
solvência, a situação começou a se complicar. Assim, pouco
antes dos encontros de primavera entre o Fundo e o Banco
Mundial, em abril de 2007, a situação era especialmente crítica. O
FMI enfrentava uma crise de legitimidade e, como consequência,
até de solvência, com a iminência de declarar sua primeira perda
em décadas: US$ 100 milhões somente no ano de 200718.
No caso dos países africanos, a situação era – e continua sendo
– bem mais crítica. Ao contrário das economias emergentes e
dos países que podiam contar com arranjos regionais, como
Chiang Mai na Ásia, os países de renda baixa – muitos dos
quais africanos – não têm acesso aos mercados privados de
capitais. As IFIs acabam sendo a mais acessível ou a única fonte
de financiamento externo e a aprovação da política econômica
destes países pelo Fundo é condição necessária para que
recebam a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento e até mesmo para
receberem os investimentos privados19. Por esta razão, em abril
de 2008, antes do colapso financeiro, quando o montante de
empréstimos do FMI era muito pequeno, eram os países de renda
baixa, especialmente os africanos, os poucos que continuavam
a receber empréstimos do Fundo, que se configurava como um
credor de países pobres com economias frágeis.
Desta forma, antes do início do colapso financeiro em
2008, o FMI enfrentava a pior crise da sua história. Em abril
de 2008, o FMI tinha empréstimos concedidos a serem pagos
no montante de 9,843 bilhões de SDRs20 (o equivalente a
US$ 15,256 bilhões)21, muito pouco quando comparado aos
70,469 milhões de SDRs (o equivalente a US$ 109,226 bilhões)
concedidos em dezembro de 200222.
A situação mudou no outono de 2008 em Wall Street. Depois
do colapso financeiro, este valor subiu exponencialmente
para 24,625 bilhões de SDRs (US$ 38,168 bilhões) já em abril de
2009 e para 98,136 bilhões de SDRs (US$ 152,110 bilhões) em
maio de 201223. Neste processo, por meio do G20, o FMI foi
consistentemente recapitalizado, apesar de ter consistentemente
114
promovido as políticas neoliberais de financeirização,
liberalização e desregulamentação como panaceia para a
estabilidade econômica e o desenvolvimento.
Assim, quatro anos depois da quebra do banco estadunidense
Lehman Brothers, marco do colapso financeiro, a extensão com
a qual o paradigma do capitalismo financeirizado neoliberal vem
sendo reinventado é assustadora e representativa da captura da
política pelos interesses do capital financeiro. A reinvenção das
IFIs dentro dos marcos da hegemonia neoliberal é parte deste
processo, como se verá mais adiante.
Mudam as aparências, permanece o conteúdo
A reconfiguração geopolítica não representou uma mudança
no paradigma dominante – e sim um aprofundamento
dos marcos regulatórios que permitem e promovem este
paradigma – e, por outro lado, mudou a “classe” da relação
de algumas economias avançadas (especialmente dos países
europeus mediterrâneos em crise da dívida soberana) e dos
chamados países emergentes com as IFIs. Os primeiros foram
obrigados a adotar políticas de austeridades. Em alguns casos
(Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre), elas estavam atreladas aos
programas de salvamento da troika (como ficou conhecida a
tríade formada por Comissão Europeia, FMI e Banco Central
Europeu) no mesmo modelo conhecido das condicionantes do
FMI e, frequentemente, com o apoio da tecnocracia nacional,
determinada a defender os interesses do capital financeiro
transnacional. Já os chamados países emergentes passaram a
negociar a injeção de recursos no FMI e no Banco Mundial em
troca de reformas na governança.
Em maio de 2012, os maiores empréstimos em vigência com
o Fundo24 eram para Grécia (18,940 bilhões de SDRs), Portugal
(15,946 bilhões de SDRs), Irlanda (13,836 bilhões de SDRs),
Romênia (10,569 bilhões de SDRs) e Ucrânia (8,500 bilhões de
SDRs)25. Nenhum país sul-americano e quase nenhum do sul ou
sudeste asiático (à exceção de Sri Lanka) tinham empréstimos
em vigência com o FMI. Se compararmos com dezembro de
200226, quando Turquia (16,245 bilhões de SDRs), Brasil (15,319
bilhões de SDRs), Argentina (10,547 bilhões de SDRs) e Indonésia
(6,518 bilhões de SDRs), países hoje considerados “economias
emergentes”, somavam os maiores empréstimos em vigência do
Fundo, pode-se perceber uma mudança considerável no perfil
dos devedores27.
No caso do Banco Mundial e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), o processo de reconfiguração também
tem antecedentes que precedem o colapso financeiro pelas
mesmas dificuldades que enfrentava o FMI de continuar fazendo
empréstimos com o mesmo tipo de condicionantes de antes.
O Banco Mundial, ja antes da crise, começou a mudar
a estratégia, passando a priorizar as negociações das
prioridades políticas com cada país, uma espécie de
orientação geral do país, e, dentro desta orientação geral,
quais os projetos que interessavam àquele país, em
vez de discutir programa por programa. Essa mudança
acontece quando eles percebem a dificuldade de fazer os
empréstimos condicionados. Eles fazem, portanto, uma
discussão mais política; claro que, na discussão política,
tentando também fazer um enquadramento28.
O volume dos desembolsos do Banco Mundial em relação
ao total de investimentos no país sempre foi pequeno. E no
período pré-crise estava reduzindo-se significativamente (de
US$ 2,163 bilhões, em 2006, para US$ 742 milhões, em 2008).
Isso poderia justificar parcialmente o alinhamento do Banco
em seu documento Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-
2011 com os enfoques do próprio governo brasileiro para o
desenvolvimento do país e com a demanda do governo Lula de
que o programa do Banco para o país mudasse para um perfil
de assistência técnica ao governo federal e direcionamento do
volume de financiamento para estados, e, em menor escala,
para municípios (a estimativa, na época, era que 70% do volume
dos recursos do Banco se dirigiria aos governos subnacionais).
Cabe observar que, em todos os casos, a União é garantidora e
115
qualquer empréstimo a um governo subnacional deve passar
pelo aval do Executivo e do Senado Federal. Em decorrência
desta mudança, o Banco temia, em sua avaliação da mudança de
estratégia, a redução da relação com o governo federal. O risco
de redução do poder de pressão da organização estava realmente
dado pela importância relativa reduzida dos recursos do Banco
para os programas de investimento da União29.
Neste sentido, por exemplo, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)30 possui mais de
dez vezes mais recursos para financiar projetos do que o Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), braço
do Grupo Banco Mundial, e o BID juntos. Somando a isso os
créditos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além
dos recursos disponíveis para investimento da União, dos estados
e dos municípios, o montante destas IFIs é ínfimo em relação ao
total disponível no país. No entanto, através da assessoria técnica
ao governo federal, o Bird e o BID encontraram o principal canal
para incentivar a desregulamentação e interferir nas políticas de
desenvolvimento do país31.
Do ponto de vista da crítica aos programas do Bird, o
direcionamento para a esfera subnacional causou uma pressão
mais direta em governadores e prefeitos no sentido de realizar
reformas liberalizantes. Em relação ao financiamento privado,
através da Corporação Financeira Internacional (IFC, sigla em
inglês), o braço de financiamento privado do Grupo Banco
Mundial, a principal mudança de diretriz para o período 2008-
2011 se dá no sentido de direcionar os investimentos de empresas
de grande porte para empresas de médio e pequeno porte32.
No caso do BID, onde a disputa entre os Estados Unidos e os
países que estavam buscando alternativas na América do Sul
aparece de forma mais clara, isso se expressa na eleição em 2005
do atual presidente do BID, o colombiano Luis Alberto Moreno,
com o apoio dos Estados Unidos e contra a candidatura de João
Sayad promovida pelo Brasil.
Isso ja se da neste contexto da disputa de fundo –
por exemplo da própria ALCA [Área de Livre Comércio
das Américas] – da reconfiguração da América Latina,
especialmente da América do Sul. Mas também, no caso
do BID, ha uma alteração deste processo de escolha
dos projetos, que fica expressa no documento de país,
dando mais ênfase a essa negociação política do que na
discussão do projeto caso a caso33.
No entanto, como dito anteriormente, não é consenso que essa
mudança implique maior autonomia do país em relação ao BID e
ao Bird já que, em seus documentos de estratégia para o país e em
sua forte presença na assessoria técnica em diversos programas do
governo (dos investimentos da Copa à política energética), estas
IFIs ditam diretrizes de como implementar políticas no país34.
Assim, apesar do baixo volume de investimentos no país, estas
IFIs têm forte influência, pois “são geradoras de conhecimentos
que, apropriadas pelas classes dirigentes do país, passam a
orientar a agenda de debates nacional”; “são formadoras da
tecnoburocracia que comanda postos-chave da administração
pública, particularmente a área econômica”; e “têm grande
influência na determinação de políticas e projetos considerados
José
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O protesto contra as instituições financeiras estava na agenda da sociedade civil brasileira na década de 1990: hora de retomar
116
relevantes ao país, a partir dos serviços de assessoria
disponibilizadas por eles”35.
No caso do FMI, a estratégia do Brasil também se modificou
ao longo da década e não só pós-2008, com basicamente dois
momentos de marco neste processo. O primeiro momento,
em 2005, já mencionado, foi quando o país antecipou o
pagamento do empréstimo com o Fundo, passando a não estar
submetido da mesma forma às inspeções deste, já que, embora
o Fundo continue a fazer relatórios anuais representativos e
determinantes na avaliação dos investidores sobre a situação
econômica do país, ao não ser mais devedor, o país adquire certa
margem de questionamento da avaliação do Fundo.
Ali você tem uma primeira mudança importante
que permite que o Brasil, especialmente a partir de
2006, discuta, por exemplo, a questão do calculo do
superavit primario e de se os investimentos públicos em
infraestrutura deveriam entrar ou não neste calculo. Isso
abre uma certa margem, que é um aumento do grau de
liberdade do Brasil em relação a estas instituições, na
medida em que ele não era mais sujeito a um programa
de ajuste. Neste período, permanentemente, o nível de
reservas vai evoluindo e, à medida que isso acontece, o
país pode ir “falando mais grosso”36.
O segundo momento de reconfiguração da estratégia do Brasil
com o Fundo foi, justamente, no pós-2008. Por um lado, o país
passa a se articular com os demais BRICS no questionamento
da governança do Fundo e sobre a necessidade de reformar
o sistema de cotas. Por outro lado, ao escolher fazer a disputa
interna, o país abre mão de questionar estas IFIs de forma mais
estrutural. Isso se expressa fortemente na pergunta do então
presidente Lula a jornalistas em uma coletiva de imprensa sobre
a Cúpula do G20, em Londres, em abril de 2009: “Você não acha
muito chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI?”.
Nesta mesma ocasião Lula afirmou: “Depois a gente se queixa
de que os países ricos querem mandar no FMI e no Banco
Mundial. Lógico, nós só entramos lá como pedintes. Nós temos
que colocar a nossa fatia para podermos exigir. Nós temos que
entender que, embora tenha problemas, o Brasil tem condições de
ajudar os países mais pobres”. Desta forma, o governo afirmava a
nova estratégia em relação ao Fundo, além de buscar se qualificar
como “jogador global no sistema” (global player). O Brasil passa
a seguir, de forma mais clara, as regras que as economias
hegemônicas determinam para a governança do sistema,
deixando de ser uma voz crítica em potencial. Mais importante
ainda para o antigo G7 é a inclusão da China neste jogo, país que
já detinha importância financeira sistêmica substantiva.
No entanto, esta reconfiguração estratégica do Brasil em
relação às IFIs, e em especial ao FMI, não está calcada em uma
homogeneidade interna. As correlações de forças na economia
política nacional neste período, desde 2008, representam ao
menos três perspectivas diferentes sobre a estratégia do país em
relação às IFIs, o que também permite às IFIs jogar com essas
diferenças na política interna37.
Por um lado, existe uma posição de establishment, do setor
mais ligado ao mercado financeiro no Brasil, representado,
por exemplo, por grande parte do Banco Central (BC) e pela
Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Estes atores são
extremamente simpáticos às IFIs e acreditam, de maneira
geral, que o Brasil deve procurar ser um país liberalizado, mas
com instituições reguladoras e supervisoras que garantam o
funcionamento do sistema financeiro com menos riscos38.
Outro campo da política interna tem uma perspectiva
intermediária, representada amplamente pelo Ministério da
Fazenda e pelo BNDES. Estes atores defendem que o Brasil
deve se mover com autonomia, não se subordinando às IFIs e
garantindo um grau maior de liberdade para a ação, mas também
sem buscar conflitos ou transformá-las profundamente. Este
campo reconhece como boa a existência destas IFIs para o Brasil,
já que o sistema financeiro do país está se internacionalizando
e seria, portanto, positivo para os investidores brasileiros no
cenário internacional que as regras de garantia de investimento
existam também para estes39.
117
Por fim, um campo mais crítico, representado por Paulo
Nogueira Batista (diretor executivo do Brasil no FMI) e Nelson
Barbosa (secretário executivo do Ministério da Fazenda), vai
no sentido da reforma destas instituições. Embora apenas
recentemente, a partir do G20 presidencial, as IFIs tenham
entrado na pauta do Itamaraty, algumas das lideranças deste
ministério também têm posições críticas em relação a estas
instituições. Vale salientar que estas lideranças se ressentem
de que este é um dos ambientes do setor externo em que não
representam o governo brasileiro – o Ministério da Fazenda e o
BC representam o país no FMI e o Ministério do Planejamento no
Banco Mundial e no BID. A visão crítica do Itamaraty em relação
às IFIs era, possivelmente, mais forte quando Celso Amorim e
Samuel Pinheiro Guimarães estavam no Ministério das Relações
Exteriores do que na gestão do Ministro Antonio Patriota.
Em entrevista concedida ao Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) em 2011, Paulo Nogueira deixa clara uma leitura
positiva da ascensão do G20, de modo a estabelecer papel
renovado para o Brasil e para o FMI, além de defender que tem
havido mudanças graduais na imagem do Fundo:
O FMI foi criado por europeus e americanos e, até
hoje, é dominado por eles. Isso só começa a mudar nos
últimos anos, por varios motivos: por causa da crise,
que abalou muito as potências tradicionais, por causa da
atuação conjunta dos BRICS e por causa do crescimento
dos países de economia emergente, entre outros fatores.
É um processo que esta em andamento e que esta
levando a uma mudança da governança global. Uma
parte importante disso foi a ascensão do G20 à condição
de principal foro econômico internacional. Outro aspecto
é a reforma do Fundo, que esta em andamento, com
uma primeira etapa negociada em 2008 e outra agora
em 2010. O ritmo das mudanças se acelerou com a crise.
À medida que os países perceberem que as mudanças
estão ocorrendo, a confiança no Fundo aumentara. [A
ascensão do G20] foi positiva para o Brasil, porque ele
passou a fazer parte do grupo central. Antes era o G7,
do qual fazem parte apenas países desenvolvidos, que
servia como o principal foro de cooperação para assuntos
econômicos internacionais. Para o Fundo essa mudança
também foi positiva. Com a crise, o G20 assumiu um
papel de coordenação e, na pratica, o FMI se tornou uma
espécie de braço direito, de secretariado do G2040.
Assim, de forma geral, uma linha comum entre as diversas
perspectivas internas em relação às IFIs, e em especial ao Fundo,
é justamente a defesa de que o Brasil siga uma estratégia de
engajamento com estas IFIs, embora o nível de autonomia e
a agenda deste engajamento variem desde uma defesa dos
interesses do mercado financeiro nacional a uma visão nacional-
desenvolvimentista calcada em uma política externa de “Brasil
que se entende como país emergente”.
Os programas de resgate econômico pós-2008
A reconfiguração geopolítica pós-2008 determinou, portanto,
não só uma mudança na relação com as IFIs, como também se
refletiu na autonomia relativa de cada país na determinação de
seus programas de aquecimento da economia. Assim, as políticas
de recuperação econômicas pós-2008 não foram homogêneas.
Os países que dependeram de empréstimos externos – das IFIs
ou de outros países – para a execução de seus programas de
recuperação econômica, como o caso emblemático da Grécia,
sofreram a imposição de políticas de austeridade fiscal como
condicionante para os empréstimos.
O resultado disto tem sido o aprofundamento da recessão e a
deterioração das condições de vida, um processo que a América
Latina conheceu bem através dos programas de ajuste estrutural
do FMI e do Banco Mundial na década de 1990. Diversos
estudos41 mostram que os programas atuais do Fundo pouco
mudaram em termos do seu receituário neoliberal42, exigindo,
em larga medida, como condicionantes para os empréstimos: a
não intervenção no câmbio e no fluxo de capitais, política fiscal
118
restritiva reduzindo gastos públicos e privatizações.
A existência de um fundo ao qual os Estados-membros possam
recorrer em caso de déficits de conta corrente é necessária, mas
insuficiente para a transformação da arquitetura monetária atual,
que está baseada na dominação de uma única moeda, o dólar.
Esta situação gera distorções permanentes.
Por um lado, os déficits estruturais de alguns países geram
desequilíbrio estrutural no sistema, enquanto outros acumulam
superávits recorrentes. Os países que emitem moedas de
reserva no sistema, como Estados Unidos, Reino Unido, União
Europeia e Japão, podem adotar políticas de alívio quantitativo
(quantitative easing ou emissão de moeda) para estimular suas
economias como estratégia de aumentar a competitividade da
sua economia, o que acarreta excesso de liquidez no sistema e
desvalorização cambiária artificial de suas moedas.
Os países superavitários e que não emitem moedas de reserva
(por exemplo, China, Brasil e Índia) encontram-se na situação
de acúmulo excessivo de reservas para absorver a entrada de
capitais causada em parte pelas políticas de alívio quantitativo das
economias deficitárias. Na prática, estes países que acumulam
reservas estão fazendo uma transferência de recursos a taxas
de juros próximas a zero (a taxa de juros dos títulos da dívida
estadunidense), para os países que emitem moedas de reserva,
especialmente os Estados Unidos43.
Por outro lado, os países em déficit que não emitem moedas
de reserva se veem obrigados a recorrer ao FMI para obter fundos
para cobrir seus déficits. E, como detalhado mais adiante, estes
empréstimos estão atrelados a condicionantes inerentes a um
paradigma neoliberal que só aprofunda a recessão e as condições
iniciais dos desequilíbrios. Portanto, apesar da necessidade de
um fundo multilateral para empréstimos de última instância,
o modelo vigente está tão falido que somente uma mudança
estrutural poderia justificar a continuidade de uma arquitetura
monetária que conte com este tipo de fundo multilateral.
A iniciativa Chiang Mai, na Ásia, e a proposta do Fundo do
Sul, na América do Sul, são tentativas de organizar fundos
multilaterais regionalmente, avançando na integração financeira
alternativa ao FMI e a seus condicionantes de empréstimos.
No entanto, estas iniciativas (no caso do Fundo do Sul ainda
uma proposta do governo do Equador), embora representem
um avanço no sentido de afastamento das políticas do Fundo,
perpetuam dois problemas fundamentais da atual arquitetura
monetária baseada no sistema de reservas: estes fundos regionais
continuam sendo denominados em dólar e estas reservas
continuam sendo aplicadas no exterior em detrimento de serem
utilizadas em políticas públicas necessárias para estes países.
Assim, ao contrário dos países que foram obrigados a adotar
políticas pró-cíclicas (cortes de gastos, juros altos para conter
inflação, etc.) pelo FMI, os países que, por acúmulo de reservas
ou por emitir moeda sistemicamente importante, tiveram relativa
autonomia no desenho de seus programas de recuperação
econômica adotaram, de forma diversificada: políticas de alívio
quantitativo para estimular sua economia e provocar uma
desvalorização cambiária (tornando assim suas exportações mais
competitivas), controles de capitais (como o Brasil na tributação
unilateral das transações financeiras através do IOF44), políticas
fiscais contracíclicas (incentivando o consumo através de isenções
de impostos direcionadas a setores específicos e aumentando o
gasto público para aquecer a economia), entre outras.
Estes países tiveram uma recuperação inicial com essas
medidas já em 2010, embora a ameaça do colapso financeiro
grego e de outros países mediterrâneos europeus, além da
desaceleração da economia chinesa, continue causando
apreensão. No caso do Brasil, a recuperação naquele momento se
deveu à adoção de uma série de medidas, como: o aumento do
valor real do salário mínimo ao longo da década e, consequente,
o aumento da demanda agregada interna, os pacotes de isenção
tributária em setores específicos para estimular o consumo e
o aumento do crédito pelos bancos públicos. O aumento do
IOF também colocou o Brasil como um dos países que mais
ativamente gerenciam o fluxo de capitais (apesar de especialistas
apontarem que a mera tributação não é suficiente para conter
o fluxo, sendo necessárias políticas de quarentena, ou seja,
depósito compulsório de uma porcentagem do capital que entra
119
por um período predeterminado45).
No entanto, o atraso em mudar a política de juros altos tem tido
um custo muito grande para o endividamento público. O IOF
não tem sido suficiente para conter a entrada de capitais e o país
continuou absorvendo o excesso através da compra por emissão
de títulos da dívida pública, ainda com uma das maiores taxas de
juros reais do mundo, mesmo com a política do governo de se
aproveitar da crise global para reduzir os juros, implementada a
partir de agosto de 2011.
Assim, a euforia vigente com a quantidade de reservas que
o país detém, qualificando-se assim como “país emergente”
no sistema, não dá conta do fator de endividamento público
interno crescente inerente ao sistema de reservas nacional e dos
impactos disto no serviço da dívida sobre o orçamento anual da
União. A política de diminuição dos juros é um passo positivo
no sentido de desafiar os lucros estratosféricos do oligopólio
bancário brasileiro, mas ainda absolutamente insuficiente diante
do tamanho do problema: a necessidade de auditoria da dívida,
de desconcentração do mercado financeiro nacional, de revisão
do sistema de reservas (recursos que poderiam estar sendo
usados para políticas sociais necessárias ao país), entre outros.
Além destes problemas, a obsolescência da infraestrutura
nacional, o parco investimento em ciência e tecnologia, o
risco de reprimarização da pauta exportadora e os riscos
de desindustrialização da economia, os investimentos na
indústria extrativista depredadora e intensiva em energia e os
megaprojetos com seus nefastos impactos sociais e ambientais,
etc. são elementos centrais de um modelo de desenvolvimento
falido, mas no qual se segue insistindo.
Assim, enquanto a estratégia geopolítica da política externa do
“Brasil que se entende como país emergente” estiver baseada nestes
pilares, o país somente se qualifica para continuar financiando
o endividamento das economias avançadas, a manutenção do
paradigma neoliberal nas IFIs e a continuidade da sua posição
de exportador de produtos primários na divisão internacional
do trabalho, através da espoliação de suas riquezas naturais em
detrimento das condições de vida da população, que segue
amplamente excluída no modelo de desenvolvimento vigente.
O Estado a serviço das elites financeiras transnacionais
Ha anos, um banco fornece à administração dos
Estados Unidos seus mais influentes funcionarios,
encarregados principalmente da liberalização dos
mercados financeiros. Ele aconselha os governos
endividados (como a Grécia, a quem ajuda a maquiar
as contas), mas também seus credores. Seus dirigentes
precipitaram a crise dos subprimes ao inundar seus
investidores com títulos “podres”; depois, garantiram
lucros fecundos ao apostar em sua baixa. Esse banco
tem um nome – Goldman Sachs – e um endereço – 200
West Street, em Nova York46.
Mesmo quando havia relativa autonomia em relação aos
ditames de financiadores externos – no caso especialmente
das economias ditas avançadas, nas quais os mercados
financeiros nacionais estavam altamente comprometidos
pelos ativos tóxicos que vieram à tona com o estouro de bolhas
especulativas em 2008 –, as perdas privadas dos mercados
financeiros foram socializadas, ou seja, assumidas amplamente
pelos cofres públicos através da compra de ativos financeiros
tóxicos (sem real valor de mercado) e de políticas de injeção
de liquidez na economia. O pacote de resgate estadunidense
(Troubled Asset Relief Program – Tarp, mais conhecido como
bail-out program), aprovado em outubro de 2008, implicou
US$ 415 bilhões emprestados ou utilizados na compra de ativos
financeiros de alguns bancos, da seguradora AIG e da indústria
automobilística47. Alguns dos escândalos associados envolveram
a descoberta posterior de que estes bancos estavam dando bônus
milionários para seus executivos no fim do mesmo ano em que
os recursos públicos tinham sido repassados48.
A Espanha anunciou, em junho de 2012, um programa de
recapitalização dos bancos do país de até 100 bilhões de euros49.
Os recursos virão do Mecanismo Europeu de Estabilidade
120
Financeira, que não exigirá condicionantes macroeconômicas da
Espanha50. Considerando-se o tamanho da economia espanhola
em comparação com a estadunidense, o programa espanhol
é ainda mais crítico. Estas transferências de recursos públicos
para os bancos e outras corporações financeiras privadas estão
premiando diretamente os agentes financeiros que criaram as
bolhas especulativas.
De fato, algumas falências à parte, as elites financeiras
transnacionais conseguiram fazer que os trabalhadores
pagassem a conta da crise causada pelos comportamentos de
alto risco que lhes geraram lucros estratosféricos – estes sempre
protegidos pela santidade da propriedade privada. Através da
opacidade de modelos matemáticos complexos, estas elites
financeiras conseguiram em larga medida disfarçar os fatos mais
simples. Como o de que, cotidianamente, estas elites atuam em
um verdadeiro cassino financeiro, apostando a rentabilidade da
riqueza produzida pelo trabalho de bilhões de trabalhadores e
trabalhadoras ao redor do mundo.
Seria de se esperar que esta trama macabra fosse alvo
de críticas generalizadas no sentido de revisão das atuais
práticas. No entanto, quatro anos depois do início do colapso,
a desregulamentação financeira continua amplamente
praticada, os programas de austeridade fiscal marcam a tônica
dos programas de recuperação econômica de uma Europa
em recessão e com graves crises de dívidas soberanas e as IFIs
passaram de moribundas a fortalecidas e recapitalizadas.
Imediatamente após o colapso do Lehman Brothers,
as lideranças políticas mundiais criticaram duramente a
irresponsabilidade do setor financeiro e prometeram tomar
medidas duras para responsabilizá-lo e evitar uma repetição
deste comportamento. Mas esta determinação não durou muito
e tudo voltou como era antes com alguns ajustes.
A reconfiguração das IFIs pós-2008
A rapidez com que os ideólogos do sistema que trouxe o
mundo à atual crise se reinventaram é assustadora. Por um lado,
corporações financeiras privadas, como as agências de avaliação
de risco que antes do colapso financeiro recomendavam o
investimento nos ativos que mais tarde se mostraram “tóxicos”,
não perderam sua credibilidade. Ao contrário, seguem avaliando
o risco não só de ativos financeiros privados como dos títulos
de dívida pública dos países – uma boa parte dos quais foram
emitidos para financiar a recuperação econômica e salvar os
mercados financeiros. Para estas agências de avaliação de
risco, ironicamente “detentoras do bom julgamento” sobre
o comportamento financeiro de risco, os Estados que foram
chamados a recapitalizar os bancos e as IFIs tornaram-se os vilões
dos excessos financeiros, representados nas dívidas soberanas em
crise (especialmente nos países periféricos da zona do euro).
As demais corporações financeiras continuam em seu
comportamento especulativo, apostando no cassino financeiro,
quase nada rerregulado desde 2008. Apesar de iniciativas
unilaterais, como a lei Dodd-Frank, nos Estados Unidos
(que encontrou grande resistência e dificuldade para a sua
implementação), nenhuma iniciativa multilateral coordenada de
peso no sentido de uma maior regulação foi implementada pelas
IFIs. Pelo contrário, as IFIs têm sido instrumentais na manutenção
Amig
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121
e aprofundamento de marcos regulatórios que permitem ou
promovem a continuidade da desregulamentação financeira.
A reconfiguração das IFIs não se restringiu à recapitalização
do FMI. Como dito anteriormente, em um contexto de crise
de acumulação, as IFIs se fortaleceram como instrumento
de garantia da infraestrutura econômico-financeira para a
privatização, a comodificação e a financeirização necessárias às
elites financeiras transnacionais.
Assim, desde o colapso financeiro de 2008, algumas mudanças
fundamentais na configuração das IFIs incluíram:
1. A recapitalização do FMI e de outras IFIs com aumento
da capacidade de crédito, dentro dos mesmos moldes de
condicionantes de empréstimos:
Como afirmado anteriormente, desde o colapso financeiro
de 2008, o FMI, que estava naquele momento quase sem
empréstimos concedidos, saiu fortalecido com o aumento de
crédito disponível e empréstimos bilionários para os países
europeus periféricos.
Sucessivas Cúpulas do G20, desde o início da crise, aprovaram
a duplicação dos SDRs e diversos países concederam crédito
ao Fundo através de arranjos bilaterais que não implicam
aumento das cotas, sendo o mais importante deles os NABs (New
Arrangements to Borrow). As linhas de crédito através de NABs
e GABs (General Arrangements to Borrow)51 aumentaram de US$
55 bilhões, em abril de 2008, para US$ 573 bilhões, em abril de
201252. Através deste novo mecanismo (NAB) se dá a maior parte
da recapitalização do Fundo, com a Cúpula do G20 de Londres
anunciando, já em abril de 2009, aumentar o montante deste
mecanismo em US$ 500 bilhões, o que triplicou o crédito total
disponível (de GABs e outras fontes) naquele momento53. Os
NABs tornam-se também uma forma de garantir o aporte dos
países emergentes.
A quantidade total de recursos do Fundo contando SDRs,
moeda dos Estados-membros, reservas em ouro e fundos de
NABs, entre outros ativos, aumentou de US$ 364 bilhões, em
abril de 2008,55 para US$ 845,4 bilhões, em abril de 2012. Não
existem dados consolidados para depois deste período, mas com
a aprovação na última reunião do G20 em Los Cabos, México,
em junho de 2012, de recursos adicionais esse montante será
seguramente ainda maior.
Esta recapitalização do FMI, no entanto, não representou
mudanças significativas nas condicionantes dos empréstimos,
apesar das críticas. Historicamente, o Fundo aplica dois tipos
de condicionantes para seus empréstimos: condicionantes
quantitativas e estruturais. As condicionantes quantitativas são
um conjunto de metas macroeconômicas que determinam,
por exemplo, os níveis de déficit fiscal aceitáveis. Não alcançar
estas metas pode significar que novas parcelas do empréstimo
sejam canceladas. As condicionantes estruturais são reformas
institucionais e legislativas, por exemplo, a liberalização
financeira e comercial e privatizações56.
Segundo um estudo da Third World Network (TWN)57, ao menos
um tipo de condicionante estrutural foi aparentemente eliminado
nos empréstimos desde o colapso financeiro de 2008: o critério de
performance estrutural. Só que o estudo aponta que esta aparente
eliminação se traduz em aumento dos precondicionantes, aqueles
anteriores à concessão dos empréstimos. Além disto, o Fundo
aumentou os níveis de déficit fiscal permitidos, mas como medida
temporária, e, na prática, a falta de recursos deteve estes países de
aumentarem o gasto público. Analisando diversos empréstimos
concedidos desde 2008, o estudo conclui que o objetivo continua
sendo assegurar o pagamento das dívidas soberanas por meio da
“estabilidade macroeconômica” através de “políticas monetárias
e fiscais restritivas”, que é justamente o contrário das medidas
adotadas pelos países que tiveram recursos próprios para
financiar seus programas de resgate da economia. No caso do
Banco Mundial, o primeiro incremento no volume de capital da
instituição em 20 anos aconteceu depois do colapso financeiro, na
reunião de primavera entre este Banco e o FMI, em abril de 2010. O
aumento de capital no Bird foi de US$ 86,2 bilhões e na IFC foi de
US$ 200 milhões. Este incremento de capital foi acompanhado
de mudanças na governança da instituição, como se detalhará
mais adiante58.
122
O BID também teve incremento de capital acordado em sua
última reunião de Conselho, em julho de 2010, em um total de
US$ 70 bilhões de dólares, o maior da história da instituição.
Este incremento entrou em efeito em fevereiro de 2012 e deve
ser completamente implementado até 201559. Considerando-
se o papel destas instituições no país, que, como afirmado
anteriormente, hoje se dá mais pela via da assessoria técnica e
influência política do que via condicionantes de empréstimos,
estes incrementos históricos de capital são representativos de
seu reforço pós-2008, mas também do fortalecimento de sua
capacidade de influência no modelo de desenvolvimento em
curso no Brasil.
2. A falsa ampliação da governança e o fortalecimento de
institucionalidades:
A demanda pela reforma da governança do FMI é antiga e
precede o colapso financeiro de 2008. Mas, com a crise, os países
emergentes ganharam um novo instrumento de barganha no
sentido da consecução desta reforma: a promessa de injetar
novos recursos no Fundo.
Ainda antes do colapso financeiro, em março de 2008, uma
reforma parcial das cotas foi aprovada, mas só entrou em vigor
em março de 2011, três anos depois. A mudança nas cotas
ou no poder de voto foi muito pequena e os Estados Unidos
mantiveram seu poder de veto de fato, com um poder de voto
de 16.727 após a reforma de 2008�, uma vez que alterações
estatutárias exigem 85% dos votos.
Uma nova reforma foi aprovada em novembro de 2010, mas
ainda não entrou em vigor. Na última Cúpula do G20, no México,
a nova injeção de recursos no FMI anunciada – em valor superior
a US$ 450 bilhões na forma de empréstimos bilaterais que não
implicam diretamente aumento de SDRs ou cotas – teve como
condição de barganha a implementação da reforma das cotas
aprovada em 2010, a ser realizada na reunião anual do FMI e do
Banco Mundial no segundo semestre de 2012. Esta reforma será
mais significativa, pois duplica o montante dos SDRs para US$
732 bilhões, mas implica uma reconfiguração ainda pequena nas
cotas e no poder de voto.
A China vai praticamente duplicar o seu poder de voto,
passando a 6.071, o segundo maior, somente atrás dos Estados
Unidos, que terá 16.479 depois da reforma. Os EUA continuam
com o poder de veto de fato, dado que as alterações estatutárias
requerem 85% dos votos. Com a reforma de 2010 implementada,
o Brasil terá o seu poder de voto aumentado de 1.714 para 2.218, já
os BRICS, em conjunto, terão o seu poder de voto aumentado de
11.013 para 14.139 (a China representa quase metade desse valor)61.
Considerando-se a manutenção das condicionantes
neoliberais nos programas do Fundo, o Brasil está utilizando
recursos públicos62 para injetar fundos em um FMI que não
revê em nada seu modus operandi ou receituário. A pretensa
aliança entre o Brasil e os demais BRICS – que se sustenta sobre
interesses comuns altamente questionáveis – poderia dar maior
poder de barganha aos emergentes, mas há dúvidas com relação
ao interesse real do governo da China em reforçar esta aliança.
Há também um acordo vigente de revisar a fórmula de
determinação das cotas até janeiro de 2013 e implementar uma
nova reforma das cotas até janeiro de 2014 para “melhor refletir
os pesos relativos dos membros do FMI na economia mundial,
que mudaram substancialmente em razão do forte crescimento
do PIB nos mercados emergentes dinâmicos”63 (tradução da
autora). Há um reconhecimento crescente da importância das
economias emergentes e da necessidade de que a governança
do Fundo reflita as reconfigurações geopolíticas pós-2008.
No entanto, é muito pouco provável que estas mudanças
incluam outra nova moeda que não o Renminbi chinês na
cesta de composição dos SDRs ou como moeda de reserva
internacional. Sem este aumento de status para o Real, por
exemplo, e em uma arquitetura monetária baseada em um
sistema de reservas falido, o poder de barganha do Brasil
permanece bastante reduzido. E, para piorar, o Brasil tem adotado
uma estratégia de política externa de quem está “feliz por fazer
parte do clube”, mesmo que isto implique apoiar uma arquitetura
financeira assimétrica e baseada em pilares neoliberais. Desta
forma, os países da região e do Sul Global correm o risco de
123
perder uma voz de potencial liderança crítica no sistema
multilateral mais amplo.
O Banco Mundial levou a cabo uma reforma das cotas em 2010.
Mas seus resultados são reduzidos. Países de renda alta detêm
60% do poder de voto, países de renda média – incluindo Índia,
China e Brasil – detêm um terço e países de renda baixa detêm
apenas 6% dos votos64. Além disso, apesar das crescentes críticas,
a prática feudal de apontar um presidente estadunidense no
Banco e um presidente europeu ao FMI tem se mantido.
Além do FMI e do Banco Mundial, outros organismos
financeiros internacionais menos conhecidos tiveram suas
governanças ampliadas:
A) O Comitê de Basileia para Supervisão Bancária (Basel
Committee on Banking Supervision – BCBS) foi criado em
1974 para a coordenação da supervisão do setor bancário,
originalmente formado por 13 países-membros: Estados Unidos,
Reino Unido, Itália, Canadá, França, Luxemburgo, Holanda, Suíça,
Alemanha, Bélgica, Japão, Suécia e Espanha65 (basicamente
o G7 e algumas economias importantes). Nenhum país em
desenvolvimento era membro do Comitê. Logo após o colapso
financeiro, em sua reunião de março de 2009, o Comitê passou
a incluir como membros: Austrália, Brasil, China, Índia, Coreia
do Sul, México e Rússia. Em junho de 2009, o Comitê se ampliou
mais uma vez para incluir os países do G20 que ainda não eram
membros: Argentina, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul e
Turquia. Além destes, Hong Kong e Cingapura também foram
incluídos. Com esta última ampliação, a governança do Comitê
chegou à sua conformação atual de 27 países-membros.
Desde o colapso financeiro de 2008, o Comitê de Basileia
avançou no sentido dos Acordos de Basileia III – em teoria
voluntários, pois não possuem poder oficial de regulamentação.
Estes acordos propõem um aprofundamento nos mecanismos
de autorregulação aos sistemas bancários nacionais, no
sentido de padrões de segurança que protejam de possíveis
instabilidades sistêmicas. Os Acordos de Basileia I (1988) e II
(2004) já tinham inaugurado uma era neoliberal de “regulação”
que implica uma autorregulação dos mercados – através do
controle interno dos bancos e da disciplina imposta pelo poder
crescente dos investidores e das agências de avaliação de
risco66. Basileia III mantém uma falha fundamental dos acordos
anteriores: regula os bancos de depósito e não o sistema
bancário paralelo (shadow banking system)67, onde circulam
os derivativos e as operações do mercado de balcão (over the
counter), justamente os instrumentos financeiros que causaram
o colapso financeiro de 2008. Para piorar, as normas de Basileia
III só serão aplicadas a partir de 2018, período durante o qual
novas crises podem ocorrer.
B) O Fórum de Estabilidade Financeira (Financial Stability
Forum – FSF) foi criado em 1999, devido à crise asiática, para
discutir mecanismos de estabilidade financeira. Tinha sua
governança formada por um fórum tripartite que contava com
o Ministério das Finanças, o Banco Central e uma agência
reguladora nacional dos países do G7 e um representante de
outros cinco centros financeiros importantes: Cingapura, Suíça,
Holanda, Austrália e Hong Kong, além da representação de IFIs
(dois do Banco Mundial, dois do FMI, um da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – e um do
Banco de Compensações Internacionais – BIS, sigla em inglês
para Bank of International Settlements). Na Cúpula do G20 em
Londres, em abril de 2009, decidiu-se transformar este Fórum
(FSF) no Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability
Board – FSB), entidade estabelecida de Direito Internacional com
status separado do BIS e que passou a incluir todos os países do
G20 e a Comissão Europeia.
Em pronunciamento na Casa Branca sobre a Cúpula do G20
em Pittsburgh, em setembro de 2009, o Secretário do Tesouro
estadunidense Timothy Geithner afirmou:
A coisa importante que fizemos em Londres, e vocês
verão progresso adicional substantivo aqui hoje, foi
adicionar, de fato, um quarto pilar à arquitetura de
cooperação que nós estabelecemos na II Guerra Mundial.
Depois da II Guerra Mundial, nós nos reunimos e
estabelecemos o FMI, o Banco Mundial e o GATT [Acordo
124
Geral de Tarifas e Comércio] que se tornou a OMC
[Organização Mundial do Comércio]. Mas o Conselho de
Estabilidade Financeira é, de fato, um quarto pilar desta
arquitetura68 (tradução da autora).
Apesar do mandato do G20 para a execução de estudos sobre
a regulação financeira, o FSB não tem capacidade legal de
implementação de suas recomendações. Na prática, os países
do G20 fortaleceram a governança de instituições que somente
reforçam os marcos regulatórios que permitem e promovem a
desregulamentação financeira e a financeirização. Estas IFIs, que
junto com o FMI saíram fortalecidas como pilares da arquitetura
financeira internacional, são representativas do nível de captura
corporativa das políticas públicas.
Em termos de governança, estas instituições incorporaram os
países do G20 que não faziam parte de seus corpos diretivos, sem
melhorar em nada a sua prestação de contas ao público. Assim,
como é o caso do próprio G20, a inclusão dos países emergentes,
longe de significar uma mudança de paradigma, tem servido
como elemento fragmentador das perspectivas do Sul Global –
entre os que foram falsamente incluídos e os que ficaram de fora
–, facilitando, acima de tudo, a manutenção do status quo no
conteúdo político e na forma de trabalho.
C) A insatisfação dos emergentes com a falta de reformas
consistentes na governança do Banco Mundial foi,
possivelmente, o maior motivador do anúncio feito na última
reunião dos BRICS, em março de 2012, de que os países do
grupo estavam analisando a criação de um Banco Multilateral
de Desenvolvimento. Já havia dentro do agrupamento uma
iniciativa de reunião dos bancos de desenvolvimento dos
respectivos países, mas este Banco, se fundado, representará
um passo estratégico dos BRICS. A Índia e a África do Sul são
entusiastas da iniciativa, enquanto a China e a Rússia têm tido
maior resistência à ideia. Diversas questões ainda estão em
aberto, como em que países atuaria, a fonte dos recursos e a
governança do Banco. O principal alvo dos financiamentos serão
projetos em países em desenvolvimento e, com isso, o Banco
dos BRICS será complementar e, de certa forma, concorrente
do Banco Mundial. O impacto desta iniciativa é de fundamental
importância para os movimentos sociais brasileiros.
D) Além do fortalecimento das IFIs, ao menos uma nova
instituição financeira foi criada desde o colapso financeiro
de 2008: o Clube Internacional de Financiamento do
Desenvolvimento (International Development Finance Club –
IDFC), uma rede de dezenove bancos nacionais e regionais de
desenvolvimento, que inclui o BNDES. O propósito declarado
da instituição é “fortalecer a voz dos bancos nacionais e
sub-regionais em um ambiente dominado por instituições
multilaterais de financiamento” (tradução da autora)69, claramente
uma estratégia de contraponto ao Banco Mundial. Com reuniões
anuais desde 2010 e propósitos pouco transparentes, o IDFC
constitui um desafio para os movimentos sociais e tem sido
instrumental nas estratégias de financeirização dos bens comuns
promovidas pelas elites financeiras transnacionais no B20
(Business 20)70. Paralela à Cúpula do G20 em Los Cabos, o B20 se
reuniu e anunciou uma Aliança para o Crescimento Verde (Green
Growth Alliance). Segundo o relatório prévio do B20:
Durante a Cúpula de Los Cabos, o B20 anunciara um
novo clube de instituições financeiras internacionais,
bancos de desenvolvimento (International Development
Finance Club - IDFC), empresas, bancos e investidores
privados destinados a fazer progressos praticos sobre
essa agenda nos próximos 36 meses, com foco
inicial em financiamento. Convidamos ministros
de Desenvolvimento e de Finanças e instituições
financeiras internacionais a se envolver com esta nova
parceria para dinamizar estruturas de financiamento
público-privado para o crescimento verde e a energia
sustentavel das Nações Unidas para todas as prioridades
de investimento, e apresentar um relatório para futuras
Cúpulas do G20. Com os marcos políticos corretos, este
novo clube ajudara as empresas a fazer os investimentos
necessarios, assumir riscos relevantes e abraçar as novas
125
oportunidades que a transformação econômica verde
promete (tradução da autora).
Ficam claros, neste relatório, a aliança entre os países do G20 e
os interesses corporativos das elites financeiras transnacionais.
Na declaração dos líderes do G20, estes “dão as boas-vindas à
Aliança de Ação para o Crescimento Verde do B20”71 (tradução da
autora) De acordo com o relatório, o IDFC tem papel importante
nas parcerias público-privadas de estruturas de financiamento
em “investimentos verdes”, ou seja, o financiamento com
recursos públicos de infraestrutura econômico-financeira
para a criação de novos mercados de investimento baseado na
privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns.
3. A garantia da infraestrutura econômico-financeira para a
privatização, comodificação e financeirização de mais recursos
públicos e dos bens comuns:
A Cúpula do G20 no México ocorreu pouco antes da Cúpula
Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável. Embora, à primeira vista, as duas cúpulas pudessem
parecer tratar de questões diversas, uma análise cuidadosa
revela o que estava em debate nas duas reuniões: o modelo de
desenvolvimento que os governos, capturados por interesses
corporativos, estão promovendo como uma falsa solução para as
crises econômico-financeira, social e ecológica.
Para entender o contexto, é necessário reafirmar o
anteriormente dito: nas últimas três décadas, um crescente
processo de financeirização da economia global se aprofundou.
Como parte deste processo de financeirização, o tamanho dos
mercados financeiros tem aumentado exponencialmente em
relação à economia de bens e serviços, a chamada economia real.
Este desnível faz que os investidores financeiros busquem
novos espaços de acumulação, necessitando especialmente que
se criem novas commodities para investir. Parte disto explica,
por exemplo, a especulação nos preços dos alimentos e de
petróleo: com o colapso do mercado imobiliário nos EUA, muitos
investidores voltaram sua atenção para produtos primários. Este
fluxo intenso de investimentos provoca crescente especulação
com os preços das commodities, o que tem efeitos nocivos sobre
a soberania alimentar dos povos.
Não satisfeitos, os investidores, que têm força para influenciar
a pauta dos governos do G20, necessitam de novas fronteiras de
acumulação. Isto ficou bastante evidente quando estes países
promoveram o paradigma do “crescimento verde” na Cúpula
do G20 no México ou da “economia verde” na Cúpula Rio+20.
Os nomes podem ser ligeiramente diferentes, mas o conteúdo
político é semelhante: encontrar maneiras de privatizar os bens
comuns da natureza e transformá-los em novas mercadorias.
O paradigma da “economia verde” remonta às análises
da iniciativa TEEB (sigla em inglês para A Economia dos
Ecossistemas e da Biodiversidade), liderada por Pavan
Sukhdev, um economista do mercado financeiro indiano.
Com um histórico de anos de trabalho no mercado financeiro,
especialmente no Deutsche Bank, Sukhdev foi também quem
escreveu o documento de fundo sobre a “economia verde” do
Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma). A
relação dessas iniciativas com os interesses das elites financeiras
transnacionais não poderia estar mais clara.
De acordo com as premissas da TEEB e da “economia verde”,
é necessário dar valor monetário aos serviços ecossistêmicos
que a natureza oferece gratuitamente e que não são atualmente
comercializados ou não eram comercializados até muito
recentemente. Por exemplo, coloca-se um preço sobre o trabalho
da floresta para captar o excesso de carbono na atmosfera para
indústrias poluentes poderem continuar a emiti-lo, só precisando
pagar aos “protetores” das florestas – como as comunidades
indígenas – pelo “serviço” ecossistêmico de capturar a poluição
emitida. Estas indústrias continuam a poluir comprando este
direito no mercado. Isto criou um mercado de carbono para a
especulação financeira por parte dos investidores. Vários outros
mercados similares de “pagamentos por serviços ambientais”
serão criados no âmbito dessas iniciativas.
O Banco Mundial, o BID, entre outros72, já estão liderando a
gestão dos recursos dos fundos de adaptação e mitigação das
126
mudanças climáticas. Em 2010, foram US$
10 bilhões em todo o mundo e a expectativa
do Bird é a de que este valor chegue a US$
275 bilhões anuais até 203073. Desse modo, a
mudança climática e a criação do mercado de
carbono, como uma falsa solução, geraram um
novo tipo de programa de financiamento para
estas IFIs74. Este é um exemplo emblemático de
como elas aproveitam as crises do capitalismo e
as transformam em oportunidades de negócio.
Além de bolhas financeiras, este processo
de financeirização da natureza causa muitos
outros impactos, que as pessoas já estão
enfrentando nos territórios. Este tipo de
mercado implica a privatização de riquezas
naturais que antes eram usadas coletivamente.
As florestas, o ar que respiramos e a água
dos rios são alguns exemplos, mas toda a
biodiversidade do planeta corre o risco de ser submetida à lógica
de acumulação privada no âmbito desta estratégia da aliança
entre os governos e os mercados financeiros.
Este processo de privatização significa que o acesso a
determinados recursos se tornará mais caro, atingindo as
famílias mais pobres, principalmente as mulheres, que, em razão
de desempenhar majoritariamente o trabalho de reprodução
social não remunerado, contam, mais ativamente, com o
aporte do uso dos bens comuns em seu cotidiano. Além disto,
a privatização também gera mais disputas por territórios, o
que aumenta a propensão dos conflitos sociais no campo.
Na verdade, não se sabe, de fato, todos os impactos que este
processo de financeirização e privatização dos bens comuns
pode ter sobre a vida dos povos.
Neste sentido, as IFIs não têm sido instrumentais somente
na manutenção do status quo da governança econômica
global, da desregulamentação financeira e das políticas
econômicas neoliberais. Agora, através de alguns de
seus programas, as IFIs têm apoiado a criação de novas
commodities, novas fronteiras de acumulação dos mercados
financeiros via especulação desregulada.
Por exemplo, a Estratégia de Parceira de País 2012-2015 do
Banco Mundial para o Brasil tem entre seus objetivos: “melhorar
a gestão sustentável de recursos naturais”, o que inclui os
programas de Pagamento por Serviços Ambientais75. Este
propósito explicita a prioridade em avançar no processo de
privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns,
tendo a natureza como um dos principais espaços de extensão
das fronteiras de acumulação do capital transnacional.
O Banco Mundial tem colaborado com a iniciativa TEEB do
Pnuma, por exemplo, através de seu programa Waves (sigla
para Wealth Accounting and Valuation of Ecosystem Services76),
que promove a atribuição de valores monetários aos recursos
naturais para fins de contabilidade nas contas públicas nacionais,
favorecendo a criação de commodities a partir destes recursos,
e os mecanismos de mercado como a solução para a crise
ambiental. Estas novas commodities, baseadas na chamada
“indústria de serviços ambientais”, constituem uma nova
dem
otix
.com
O Banco Mundial promove a privatização dos bens comuns: pagar pelos “serviços” prestados pela natureza
127
fronteira de especulação para os mercados financeiros, uma
verdadeira privatização financeira dos bens comuns. Este é
somente um exemplo de como as IFIs representam os interesses
das elites financeiras na agenda da chamada “economia verde”.
Além disso, como já afirmado, as IFIs têm sido fundamentais
na criação e manutenção de marcos regulatórios permissivos
e promotores da financeirização, assim como da privatização
e da comodificação dos bens comuns77. E isso se dá também
via assessoria técnica, que promove diretrizes de política e
desregulamentação, favorecendo uma infraestrutura econômico-
financeira de acordo com o interesse dos investidores.
O BID tem grande influência na determinação das
diretrizes da IIRSA [Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana], através da
ocupação de postos-chave na estrutura de gestão e
de assistência técnica, areas importantes na definição
do arcabouço institucional da IIRSA, dos projetos
considerados prioritarios, bem como das diretrizes para o
financiamento deles, incluindo os estudos de viabilidade.
Em relação ao modelo energético brasileiro, as IFIs têm
investido pesadamente para a construção de um marco
regulatório que preserve os interesses da iniciativa
privada que atua no setor: segurança jurídica, retorno dos
investimentos e liberdade para remessa de lucros. Isto
sem falar na alteração da legislação ambiental, bem como
do processo de licenciamento78.
Assim, através de suas recomendações técnicas, o Banco
Mundial tem criticado o processo de licenciamento ambiental
no Brasil e o Ministério Público como entraves aos projetos de
infraestrutura do país79, em uma demonstração clara de que a
criação de um “ambiente favorável” aos investidores é prioritária,
em detrimento dos impactos sociais e ambientais causados
pelos próprios projetos de infraestrutura e pelo processo de
privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns
associado a estes projetos.
Comentários finais
Esta análise sobre a reconfiguração das IFIs, especialmente após
o colapso financeiro de 2008, não objetiva ser exaustiva a respeito
das diversas formas através das quais as IFIs têm se reconfigurado
dentro da continuidade do paradigma capitalista neoliberal. O que
se busca mostrar aqui é que este processo de reconfiguração – em
um contexto de gradual mudança geopolítica com a ascensão
dos chamados países emergentes e o estabelecimento do G20
como principal fórum da governança econômica global – está
para além da reconfiguração da relação de forças interestatal. Está
especialmente calcada em um aprofundamento da aliança entre o
capital financeiro e o poder político institucional. As IFIs têm sido
fundamentais na criação e manutenção de marcos regulatórios
permissivos e promotores da financeirização, assim como da
privatização e da comodificação dos bens comuns.
Neste contexto, a questão de como a estratégia da política
externa do Brasil “que se entende como país emergente” para
as IFIs tem mudado surge como central. O papel que o país
tem jogado na disputa por mais poder na governança destas
instituições pode ter implicado maior autonomia relativa, mas
também tem prevenido o Brasil de ter uma voz mais crítica em
relação a elas. Esta estratégia avançada tem um custo político, não
só para o país, mas para o Sul Global, os países que permanecem
excluídos do G20 e das IFIs e que dependeriam de países como
o Brasil para liderar o campo mais crítico. Além disso, o escasso
debate público sobre a atuação do Brasil no G20 é representativo
do déficit democrático da política externa brasileira.
A mobilização dos movimentos sociais e das organizações
brasileiras é central no questionamento desta estratégia que tem
favorecido a reinvenção das IFIs dentro de um aprofundamento
do paradigma neoliberal e de um modelo de globalização
dominado pelas elites financeiras transnacionais.
* Diana Aguiar é mestre em Relações Internacionais pela Pontífice Universidade Católica (PUC-Rio), facilitadora do Grupo de Trabalho sobre Arquitetura Econômica Internacional (GT-AEI) da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e Facilitadora de Projeto da Campanha Global contra o Poder Corporativo (Global Corporate Power Campaign Network)
128
Agradecimento: A autora agradece aos comentários recebidos de Adhemar Mineiro (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese - e Rede Brasileira pela Integração dos Povos - Rebrip), Gabriel Strautman (Justiça Global), Magnólia Said (Esplar/Rede Brasil), Fabrina Furtado (Doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Ippur, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e Giorgio Romano (Universidade do ABC - UFABC) durante o período de elaboração deste artigo. A análise contida é, no entanto, de inteira responsabilidade da autora.
1 A Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) defende que as economias que tiveram melhor desempenho nas últimas três décadas são justamente aquelas que rejeitaram esse modelo de globalização financeirizada (finance-driven globalization) e adotaram políticas heterodoxas adequadas ao contexto nacional/local. Unctad Policy Brief. The Paradox of Finance-Driven Globalization. Janeiro de 2012.
2 Antonio Tricarico. The “financial enclosure” of the commons. Outubro de 2011.
3 De fato, a partir do início dos anos 1980, quando o processo de financeirização se intensifica, o volume do fluxo de capitais ultrapassa o comércio internacional. Unctad Policy Brief. The Paradox of Finance-Driven Globalization. Janeiro de 2012.
4 O bloco BRICS é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
5 AGUIAR, Diana. Cúpula dos Povos frente ao G20 2011. “Os Povos Primeiro, Não os Mercados Financeiros!”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.
6 G-SIFIs – Global Sistemically Important Financial Institutions.
7 Idem.
8 GOWER, Richard. Financial Crisis 2: Rise of the Machines. Robin Hood Tax Campaign. Setembro de 2011. High frequency trading ou “transações de alta frequência” são, hoje, a realidade da maior parte das transações nos mercados financeiros. São as transações em alta velocidade, feitas por computadores extremamente rápidos, que chegam a negociar ativos financeiros centenas ou milhares de vezes por segundo, com base em modelos matemáticos preestabelecidos. Este tipo de transação tem levado as corporações dos mercados financeiros a uma verdadeira “corrida tecnológica” para estar milésimos de segundo à frente de seus concorrentes. Neste tipo de transação, o que se sobressai é a capacidade de investimento em inovação tecnológica e expertise matemática para maximizar os lucros em um ambiente de alta competitividade que favorece a concentração do mercado em grandes corporações com capacidade técnica, em detrimento da estabilidade financeira ou do uso dos recursos dos mercados financeiros a serviço das necessidades produtivas. robinhoodtax.org.uk/sites/default/files/Rise%20of%20the%20Machines_1.pdf)
9 WARDE, Ibrahim. O reinado das agências de classificação de risco. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 10. Ano 2, julho/agosto 2012. A avaliação das três mais poderosas agências de classificação de risco (Moody’s, Standard&Poors e Fitch Ratings) das dívidas soberanas dos países e das grandes corporações financeiras é acompanhada de perto pelos mercados financeiros e determina, em grande medida, o “ânimo” dos mercados. Exemplo disso, quando em agosto de 2011 e em janeiro de 2012, a Standard&Poors rebaixou a nota dos Estados Unidos e de nove países da zona do euro, os porta-vozes das políticas econômicas desses países não tardaram em fazer declarações em defesa de sua segurança financeira.
10 AGUIAR, Diana. Cúpula dos Povos frente ao G20 2011. “Os Povos Primeiro, Não os Mercados Financeiros!”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.
11 AGUIAR, Diana. Seminário Regional “A América Latina no G20”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.
12 A financeirização não é o mesmo que a privatização e a comodificação, embora dependa destas.
13 Ataques especulativos contra a moeda ou a dívida de um país referem-se à aposta, como em um grande cassino, de grandes investidores em torno da cotação de uma moeda específica ou de títulos
da dívida pública de um país, vendendo e comprando rapidamente em grandes volumes e espalhando boatos no mercado sobre o valor dessas moedas e títulos. George Soros ficou famoso por fazer fortuna arquitetando ataques assim contra moedas de distintos países, em um exemplo de como as elites financeiras transnacionais lucram com as instabilidades e desregulamentação do sistema financeiro.
14 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.
15 AMBROSE, Soren. IMF Confidence Crisis. Foreign Policy in Focus. Abril de 2007. www.fpif.org/articles/imf_confidence_crisis
16 Entrevista de Fabrina Furtado (Doutoranda Ippur/UFRJ) à autora em julho de 2012.
17 La vida antes que la deuda! Argentina/Brasil. Dezembro de 2005.www.jubileosuramericas.org/item-info.shtml?x=90394
18 AMBROSE, Soren. IMF Confidence Crisis. Foreign Policy in Focus.Abril de 2007. wwww.fpif.org/articles/imf_confidence_crisis
19 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.
20 Special Drawing Rights ou Direitos Especiais de Saque, a unidade de conta do FMI.
21 A taxa de conversão atual é de 1,55 US$ para cada SDR.
22 www.imf.org/external/np/fin/tad/extcred1.aspx
23 Idem.
24 Empréstimos a serem pagos. O valor dos empréstimos aprovados é ainda maior, já que parte dos fundos ainda não foi repassada.
25 www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr11.aspx?memberKey1=ZZZZ&date1key=2012-05-31
26 www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr11.aspx?memberKey1=ZZZZ&date1key=2002-12-31
27 Um mapa dos principais devedores do Fundo hoje ilustra essa mudança: www.imf.org/external/np/exr/map/lending/index.htm
28 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.
29 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da Guerra de Movimento à Guerra de Posição. Análise do documento “Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011”. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Janeiro de 2009.
30 A importância do BNDES no atual modelo de desenvolvimento do país é central, ainda que não o foco desta análise, centrada nas IFIs.
31 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.
32 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da Guerra de Movimento à Guerra de Posição. Análise do documento “Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011”. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Janeiro de 2009.
33 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.
34 Entrevista de Fabrina Furtado (Doutoranda Ippur/UFRJ) à autora em julho de 2012.
35 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir
129
o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.
36 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.
37 Idem.
38 Idem.
39 Idem.
40 www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1374:entrevistas-materias&Itemid=41
41 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.Bretton Woods Project. IMF policy recommendations: not enough change after the crisis. Bretton Woods Update, n. 80, março/abril de 2012.
42 Essa ideia será mais bem desenvolvida adiante.
43 AMBROSE, Soren; MUCHHALA, Bhumika. Fruits of the Crisis: Leveraging the Economic Crisis to Secure Development Resources and Reserve Reform. Third World Network, 2010.
44 Imposto sobre Operações Financeiras.
45 Conversa da autora com Fernando Cardim, maio de 2012.
46 BRÉVILLE, Benoit; LAMBERT, Renaud. Um nome e um endereço. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 10. Ano 2, julho/agosto de 2012.
47 O montante aprovado inicialmente foi de US$ 700 bilhões, que acabaram não sendo utilizados em sua totalidade. topics.nytimes.com/top/reference/timestopics/subjects/c/credit_crisis/bailout_plan/index.html
48 WARDE, Ibrahim. Prêmios e castigos dos negociadores do mercado financeiro. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 08, novembro/dezembro de 2011.
49 www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120609_espanha_emprestimo_entenda_rw.shtml
50 www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120701_euro_entenda_pai.shtml
51 New Arrangements to Borrow (NAB) e General Arrangements to Borrow (GAB) são arranjos bilaterais de crédito entre o FMI e alguns de seus membros, que não afetam as cotas ou o poder de voto. GAB foi originalmente estabelecido em 1962 e foi utilizado amplamente até o final dos anos 1990. Atualmente, só podem ser acionados se a ativação dos NABs for recusada. Os NABs foram criados em 1997 e só podem ser usados quando os recursos das cotas não forem suficientes. www.brettonwoodsproject.org/art-569552
52 www.imf.org/external/np/tre/liquid/2008/0408.htmwww.imf.org/external/np/tre/liquid/2012/0412.htm#note
53 www.imf.org/external/np/exr/facts/gabnab.htm
54 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.
55 www.imf.org/external/np/tre/liquid/2008/0408.htmwww.imf.org/external/np/tre/liquid/2012/0412.htm#note
56 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.
57 Idem.
58 blogs.worldbank.org/voices/world-bank-gets-capital-increase-and-reforms-voting-power
59 www.iadb.org/en/capital-increase/ninth-capital-increase-idb-9,1874.html
60 www.imf.org/external/np/sec/pr/2011/pdfs/quota_tbl.pdf
61 Idem.
62 Dos US$ 75 bilhões prometidos pelos BRICS na última reunião do G20, no México, US$ 10 bilhões virão do Brasil.
63 Declaração dos Líderes do G20. Cúpula do G20 no México, 18 e19 de junho de 2012. g20.org/images/stories/docs/g20/conclu/G20_Leaders_Declaration_2012_1.pdf
64 www.brettonwoodsproject.org/art-566281www.brettonwoodsproject.org/art-566696
65 A Espanha só foi convidada em 2001.
66 PLIHON, Dominique. Pobres normas internacionais. Dossiê Le Monde Diplomatique 08, novembro/dezembro de 2011.
67 Dossiê Le Monde Diplomatique 08, novembro/dezembro de 2011. “Sistema bancário paralelo constituído não por bancos de depósito [usados pelo grande público para conta corrente e poupança], mas por fundos de investimentos, bancos de negócios, seguradores que escapam das regulações do sistema bancário tradicional (do qual, às vezes, são subsidiários...). Fontes de instabilidade financeira em escala mundial, esses atores drenam uma massa considerável de capital e fazem extenso uso de derivativos.” Os Acordos de Basileia somente regulamentam o sistema bancário tradicional. No entanto, é no sistema bancário sombra que acontecem as transações financeiras com derivativos e mercado de balcão.
68 www.whitehouse.gov/the-press-office/press-briefing-treasury-secretary-geithner-g20-meetings
69 www.idfc.org/Our-Objectives/our-objectives.aspx
70 Business 20 ou B20 é a reunião paralela ao G20 de corporações transnacionais dos 20 países do grupo.
71 Declaração dos Líderes do G20. Cúpula do G20 no México, 18 e19 de junho de 2012. g20.org/images/stories/docs/g20/conclu/G20_Leaders_Declaration_2012_1.pdf
72 FURTADO, Fabrina. Salvando o planeta ou o capitalismo? Contra Corrente, I Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, janeiro de 2009.
73 STRAUTMAN, Gabriel. Os Bancos já entraram na “farra” do clima. Contra Corrente, III Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, outubro de 2011.
74 JUBILEU SUL. Banco Mundial Fora do Clima!... e de nossos países. Contra Corrente, III Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, outubro de 2011.
75 FURTADO, Fabrina. Banco Mundial: regularizar para controlar. Contra Corrente, IV Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, junho de 2012.
76 www.wavespartnership.org/waves/
77 ORTIZ, Lúcia; OVERBEEK, Winnie. Valorando o que não tem valor. Contra Corrente, IV Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, junho de 2012.
78 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.
79 Idem.
130
BNDES e violações de direitos: fichários de estudos de casos
Contexto
Territorial
131
A proposta deste Contexto Territorial é apresentar seis casos emblemáticos de megaprojetos de “desenvolvimento” que
têm como característica comum a violação de direitos e o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Estes estudos de caso explicitam a perversidade de um modelo fundamentado na
parceria entre as corporações e o Estado, em que elas recebem deste, inclusive, o financiamento massivo para os projetos que
resultam em graves e irreversíveis impactos socioambientais, culturais e econômicos.
Realizados nos estados do Rio de Janeiro, Pará, Rondônia e Bahia e nas doze cidades-sede da Copa do Mundo, os
empreendimentos aqui apresentados nos trazem elementos da realidade das cinco regiões do país. Neste sentido, ajudam
a formar um dos seus possíveis retratos neste início de século: o de um Brasil em que os direitos de grande parte de
suas populações e da natureza são totalmente desrespeitados em nome da garantia do lucro de algumas corporações
transnacionais. Este é o caso dos indígenas, camponeses, quilombolas, populações tradicionais, das periferias dos grandes
centros e das que estão financeiramente mais vulneráveis. Infelizmente, devido ao atual estágio de concentração e
oligopolização da economia brasileira, este padrão está sendo exportado para países da América Latina e da África.
É importante ressaltar que estes estudos de caso são o resultado da compilação e sistematização, feitos pela pesquisadora
Marilda Teles Maracci, de relatórios, denúncias, publicações e diversas ações efetivadas por outras organizações, redes e
movimentos da sociedade civil, com o propósito de fortalecer a resistência ao atual modelo
de desenvolvimento.
Neste sentido, gostaríamos de agradecer a colaboração das seguintes organizações e redes: Políticas Alternativas para o Cone
Sul (Pacs); Justiça Global; Amigos da Terra Brasil; Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da
Bahia (Cepedes); Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar; Plataforma Dhesca; Fórum de Articulação da Amazônia Oriental
(Faor); Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop); Rede Alerta Contra o Deserto Verde; Plataforma BNDES;
Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), Repórter Brasil e a organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!). Por
se tratar de uma compilação de outros estudos e publicações, e considerando a agilidade dos acontecimentos e processos
de alguns dos casos apresentados aqui, além do próprio tempo transcorrido para finalizar esta publicação, é possível que
algumas informações e dados apresentados aqui não sejam as mais atualizadas. Independente disso, a contundência dos
casos demonstra quão insustentável e ilegítimo se apresenta o atual padrão de acumulação no país.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico1
132
1- Descrição do empreendimento
Conglomerado industrial-siderúrgico-portuário da TKCSA
(ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico)
formado pela Vale (CVRD), que detém 27% das ações votantes,
e a empresa alemã ThyssenKrupp Steel (TKS) com 73%. Trata-
se de uma joint venture. É considerado o maior investimento
estrangeiro privado feito no Brasil nos últimos dez anos e o
maior projeto do setor siderúrgico no país.
Área de intervenção: Bairro de Santa Cruz, na zona oeste da
cidade do Rio de Janeiro, nas margens da Baía de Sepetiba.
O Conglomerado é composto de:
1 – Usina siderúrgica integrada com capacidade de produção prevista de 10 milhões de toneladas de placas de aço/ano;
2 – Usina termoelétrica para a geração de 490 MW de energia elétrica;
3 – Um porto com dois terminais, composto de uma ponte de acesso de cerca de 4 km e um píer de 700 m para recebimento de
4 milhões de toneladas de carvão mineral importado e para o escoamento da produção para o mercado externo.
Produção: 5,5 milhões de toneladas de placas de aço/ano.
Capacidade produtiva total: 10 milhões de toneladas de placas de aço/ ano.
Área total: 9 km2.
Início das operações: 18 de junho de 2010 – com a entrada em operação da planta da TKCSA.
Pessoas impactadas diretamente: 8.070 famílias de pescadores e mais de 20 conjuntos habitacionais vizinhos
à planta industrial.
Investimento total: o valor saltou de 4,5 bilhões de euros para 5 bilhões de euros devido às despesas operacionais para o início
de operação do projeto.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
133
Além das obras da TKCSA, encontram-se em processo de licenciamento os seguintes projetos na região:
1) portuários: o Porto Sudeste, da LLX Logística, com capacidade de escoamento de 50 milhões de toneladas de minério do
quadrilátero ferrífero; a ampliação do Porto de Itaguaí; a construção de um grande porto e estaleiro para a construção de
submarinos da Marinha do Brasil; e a construção de um megaporto compartilhado entre Petrobras, Gerdau e a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), segundo memorando de entendimento assinado em agosto de 2008.
2) siderúrgicos: expansão da capacidade produtiva da Gerdau Cosigua e a construção de uma nova usina de aço – Gerdau Aços
Especiais Rio.
A ThyssenKrupp Steel é uma das maiores companhias siderúrgicas do mundo, com um faturamento anual de 39 bilhões
de euros. As empresas Thyssen e Krupp se uniram em 1998 para ganhar força no mercado. Ambas eram gigantes do setor
siderúrgico alemão, com mais de um século de tradição: a Thyssen foi fundada em 1811 e a Krupp, em 1867. Em todo o mundo,
a ThyssenKrupp emprega 184 mil trabalhadores. No Brasil, emprega cerca de 9 mil trabalhadores, distribuídos em 22 subsidiárias
espalhadas pelo país, que são a base de operações do grupo empresarial na América do Sul.
A Vale, atualmente detentora de 26,85% do projeto, é considerada uma das maiores mineradoras do mundo. Trata-se de uma
empresa global, com sede no Brasil, com mais de 100 mil empregados. A empresa produz e comercializa minério de ferro,
pelotas, níquel, concentrado de cobre, carvão, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês e ferro-liga. Realiza
também atividades em mineração, com investimentos em pesquisa mineral e novas tecnologias. Entre seus maiores diferenciais,
resultando na redução de seus custos operacionais, está a atuação e a expertise acumuladas como operadora logística que
favorece o escoamento de sua produção. Uma de suas principais estratégias é fazer que a produção ganhe o mercado global,
encurtando distâncias e criando corredores de exportação em regiões estratégicas.
2- Valor do empréstimo
O empreendimento conta com um amplo apoio dos governos municipal, estadual e federal por meio de isenções fiscais e do
financiamento direto de R$ 2,4 bilhões (aproximadamente US$ 1,2 bilhão) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES)2, o que representa 30% do valor total do projeto e se dá mediante dois contratos, um assinado em 2007 (destinado
à aquisição de máquinas e equipamentos nacionais, obras civis, instalações e montagens associadas) e outro assinado em 2010.
O Banco também financiará parte das atividades de responsabilidade social da empresa, num montante estimado em
R$ 10,5 milhões.
Em relação aos incentivos fiscais, haverá a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por doze anos.
De acordo com a Secretaria Estadual da Fazenda, o governo do estado concedeu R$ 695 milhões à TKCSA, de 2007 a 2010. A
isenção de pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) foi concedida pela Lei n° 4.372, de 13 de junho de
2006. O terreno em que a empresa está localizada também foi concedido pelo governo federal.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
134
3- Impactos socioambientais
A região da zona oeste do Rio de Janeiro é formada pelas Regiões Administrativas de Bangu, Barra da Tijuca, Campo Grande,
Guaratiba, Jacarepaguá, Realengo e Santa Cruz. Trata-se de uma região que apresenta grandes contrastes, abrigando áreas de
intensa urbanização e ocupação, como Realengo e Santa Cruz, e regiões que ainda apresentam muitas áreas naturais. Acentua-se
sobre estas áreas a pressão sobre os recursos naturais, refletindo-se em altos níveis de poluição de rios e áreas verdes, além da
destruição de ecossistemas da Mata Atlântica, como manguezais e outros biomas marítimos. A zona oeste do Rio de Janeiro é a
área com maior concentração de população negra e de baixa renda do estado. Este quadro configura situações diretas de racismo
ambiental ou injustiça ambiental, e as parcelas mais empobrecidas e excluídas ficam expostas a maiores riscos ambientais
e sobre a sua saúde. A Baía de Sepetiba abrange, além de parte da zona oeste do Rio de Janeiro, os municípios de Itaguaí e
Mangaratiba, com área de aproximadamente 450 km2.
Do ponto de vista ambiental, em seu entorno existem importantes ecossistemas ainda preservados de florestas, restingas, como
a da Marambaia, e manguezais. Podem ser encontradas áreas remanescentes da Mata Atlântica, principalmente na Serra do Mar,
considerada atualmente uma das 25 áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade em todo o mundo. A região
litorânea da Baía de Sepetiba foi declarada Área de Proteção Ambiental (APA)3.
A economia e a vida social dos demais municípios, com exceção do bairro de Santa Cruz, encontram-se pautadas,
principalmente, pelas atividades da pesca – artesanal, industrial e maricultura – e do turismo. A região apresenta um universo
composto de quilombolas, índios, pescadores artesanais e caiçaras. Trata-se, portanto, de área caracterizada por profundas
riquezas ambiental, social e cultural, mas também empobrecida e credora de uma dívida social e ambiental crescente.
Crimes ambientais
Desrespeito à legislação ambiental – Desde o início das atividades de implantação e planejamento da obra, o Estudo e Relatório
de Impacto Ambiental (Eia-Rima) do empreendimento viola a Lei Federal no 7661/88. Descumpre também o Decreto de
Regulamentação no 5.300/2004 (Gerenciamento Costeiro), que determina que o licenciamento de empreendimentos na zona
costeira seja realizado exclusivamente pelo órgão ambiental federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais renováveis (Ibama), e não pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), como foi realizado no caso do empreendimento
em questão.
Ilegalidades e falta de transparência no processo de licenciamento ambiental, com manipulação da participação popular durante
as audiências públicas. Em 2006, por exemplo, durante as audiências públicas, a TKCSA mobilizou pessoas que nem mesmo moravam
na região para participar das audiências públicas, chegando a pagar um valor que variou de R$ 30 a R$ 50 pela participação.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
135
Cooptação de autoridades públicas (poder Executivo: prefeituras e governo estadual e federal) e cooptação de lideranças
comunitárias por meio de “contratos de prestação de serviço” em troca de assinaturas de documentos de apoio à empresa.
Violação dos direitos humanos – A TKCSA viola o direito de ir e vir de pescadores e outros indivíduos que se oponham ao
empreendimento na região (violação do artigo XII da Declaração dos Direitos Universal dos Direitos Humanos, de dezembro de
1948, da Assembleia Geral das Nações Unidas): “Os pescadores não podem trabalhar porque a empresa instala equipamentos
nos rios e no mar. A ponte de 4 km, que compõe o terminal portuário privado, impede os pescadores de navegar dentro da Baía.
Eles precisam contornar toda a ponte (cerca de 8 milhas). A movimentação de enormes navios pelo Canal de São Francisco e
pelo mar, além de reduzir a quantidade e a variedade de peixes pela movimentação e poluição, cria zonas de exclusão da pesca,
impedindo os pescadores de trabalhar”4.
Violação dos direitos dos imigrantes – Com o objetivo de reduzir os custos com a mão de obra, a empresa vem contratando
sistematicamente imigrantes (nordestinos e chineses). Os chineses são parte de um acordo assinado com o grupo chinês
Citic (Cooperação Internacional do Brasil Consultoria de Projetos Ltda.) para a compra de máquinas e fornecimento dos
trabalhadores. Cerca de 600 chineses já trabalharam no canteiro de obras da empresa, enfrentando péssimas condições de
vida e de trabalho, bem como constantes ameaças da milícia que atua na zona oeste. Em uma visita do Ministério Público do
Trabalho (MPT) ao canteiro de obras, foram encontrados 120 chineses sem documentos e sem contratos de trabalho.
Destruição ambiental na Baía de Sepetiba e desmatamento de extensa área de manguezais: essas áreas são consideradas pela
legislação brasileira Áreas de Preservação Permanente (APPs) e são protegidas pelo Código Florestal em vigor na época das
violações e pelas Constituições federal e estadual. A empresa vem desmatando o manguezal e provocando o extermínio da
fauna terrestre e marinha na região.
Morte de peixes – A Baía de Sepetiba é uma importante área de reprodução para as diversas espécies de peixes. Inspetores
do Ibama, em visita ao canteiro de obras, encontraram, junto ao material dragado, muitos peixes e moluscos no período de
reprodução e de defeso, mortos pelas atividades de dragagem empreendidas pela TKCSA.
Contaminação das águas por metais pesados – A TKCSA retirou cerca de 21.810.000 m3 de lama contaminada do fundo da Baía
e do Canal de São Francisco com o objetivo de aumentar a sua profundidade e permitir o acesso aos navios, o que provocou o
revolvimento do lixo químico de metais pesados (chumbo, cádmio e zinco) deixados pela antiga companhia Ingá Mercantil, que
já estavam sedimentados no assoalho oceânico.5
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
136
Lançamento de lama contaminada no interior da Baía de Sepetiba – A TKCSA depositou parte do material contaminado
no canteiro de obras da empresa para o aterro do terreno de implantação da usina, sendo altos os riscos de contaminação
do solo e dos lençóis freáticos. Para tratar o restante do material contaminado retirado pela empresa do fundo do mar
– aproximadamente 200.000 m3 de lama – a empresa utiliza a tecnologia Confined Disposal Facility (CDF), que prevê a
construção de enormes cavas ou fossas no fundo da Baía, onde este material será “enterrado”. No entanto, o local onde as
covas estão localizadas corresponde a uma área de costumeiras manobras de navios e embarcações, o que eleva o risco de
rompimento dessas covas6.
Área de Proteção Ambiental – O canteiro de obras foi implantado num manguezal considerado Área de Proteção Ambiental (APA).
Desmatamento – O Ministério Público, após investigação, confirmou a destruição pela empresa de pelo menos sete hectares de
manguezal sem autorização, o dobro do que foi licenciado.
Saúde – O funcionamento da usina representa um sério risco para a saúde de toda a população da região da Baía de Sepetiba e
do estado do Rio de Janeiro. A atividade de produção de aço eleva a poluição atmosférica, a partir da emissão de poluentes que
fazem muito mal à saúde, especialmente das crianças. Em relatório divulgado em setembro de 2011, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) aponta que o nível de poluição atmosférica na região metropolitana do Rio de Janeiro é duas vezes maior que o da
região metropolitana de São Paulo e supera os níveis de Nova Iorque, Londres e Paris. Os níveis de poluição atmosférica no Rio
são três vezes maiores do que os níveis recomendados pela OMS7.
Evidências de poluição – Ainda em 2008, a montadora sul-coreana Hyundai recusou espaço em Santa Cruz, pois foi
considerado muito próximo do local de construção da CSA. Os sul-coreanos alegaram que os resíduos liberados pela
siderúrgica poderiam comprometer a qualidade da pintura de seus automóveis8.
Inundações constantes do Canal de São Francisco – Desde as obras de instalação da TKCSA, os moradores do conjunto São
Fernando convivem sistematicamente com situações de alagamento. Atualmente, esses moradores convivem com cinco bombas
instaladas pela TKCSA para tirar a água das casas. No entanto, elas não são suficientes para resolver o problema, e as situações de
alagamento permanecem. A Associação Rural Nipo-Brasileira de Santa Cruz denunciou que, desde a chegada da TKCSA, a colônia
japonesa, instalada no território desde 1938, tem enfrentado graves problemas relacionados à perda de produção e de transtornos
nas residências em consequência de transbordamentos do Canal de São Fernando. O desvio do Canal de São Francisco para o Rio
Guandu, pela TKCSA, tem causado refluxo das águas para o canal nas cheias e nas marés altas, ocasionando transbordamento.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
137
Populações locais impactadas indiretamente – Além da poluição, o projeto TKCSA tem impedido a realização de atividades
turísticas e pesqueiras, com grandes impactos sobre a vida e a cultura das populações locais. Cerca de 8 mil famílias de
pescadores (mais de 40 mil pessoas) tiveram seu modo de vida afetado. Os pescadores não podem trabalhar porque a empresa
instala equipamentos nos rios e no mar9. A ponte de 4 km, que compõe o terminal portuário privado, impede os pescadores de
navegar dentro da Baía. Para pescar, eles precisam contornar toda a ponte (cerca de 8 milhas). A movimentação de enormes
navios pelo Canal de São Francisco e pelo mar, além de reduzir a quantidade e a variedade de peixes pela movimentação
e poluição, cria zonas de exclusão da pesca, impedindo os pescadores de trabalhar. O funcionamento do polo siderúrgico
afeta a população das cidades do Rio de Janeiro, Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica. Em 2005, 75 famílias do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) foram pressionadas a sair do terreno no qual a TKCSA se instalou, utilizando-se de ameaças
feitas pela milícia e pressão da polícia militar.
Deterioração do tecido social local e perda da identidade social – A pesca na Baía de Sepetiba, que antes era uma profissão
valorizada, passada por herança entre os membros de uma mesma família, sendo um forte componente da identidade social,
atualmente vem sendo abandonada pelas famílias como meio de vida. De acordo com a Federação das Associações de
Pescadores Artesanais (Fapesca), este quadro significa, em média, uma redução de 70% na renda familiar. Segundo reportagem
publicada em 31 de maio de 2008 no jornal O Dia (versão eletrônica), em todo o estado do Rio de Janeiro, os pescadores
estariam ameaçados pela poluição e correndo o risco de se tornarem refugiados ambientais.
Violação de direito dos trabalhadores/Acidentes de trabalho – A empresa conduz os trabalhos de construção da usina
siderúrgica sem respeitar as mínimas condições de segurança impostas pela Lei do Trabalho. Operários são subcontratados
em condições degradantes de trabalho; alguns deles dormiam em alojamentos sem cama nem acesso à água limpa e recebiam
apenas uma refeição por dia10.
Milícias armadas – Há fortes indícios na região de que a empresa vem atuando em conjunto com a milícia (grupos de extermínio,
extorsão financeira e controle social formados por policiais, ex-policiais, ex-bombeiros e matadores de aluguel), o que, por si, se
consolida em ameaças diárias aos pescadores e à população local, críticos ao empreendimento. Denúncias referentes a ameaças,
intimidações e acidentes de trabalho foram feitas ao Ministério Público Federal pela Fapesca-RJ. Destacam-se as ameaças de
morte sofridas por lideranças de pescadores, como os ataques à casa do presidente da Associação de Pescadores Canto dos Rios
(Apescari), Luís Carlos, em janeiro de 2009. Ele se encontra, atualmente, sob proteção do Programa Nacional de Proteção aos
Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
138
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES
Não há nenhuma informação que conste que o BNDES cumpriu suas obrigações neste sentido.
5- Condicionantes dos órgãos ambientais
Nenhuma das condições estipuladas pelo Estado foi cumprida pela TKCSA11.
Seguem abaixo informações sobre fatos importantes relacionados aos impactos socioambientais decorrentes da instalação e
operação da TKCSA12:
13/7/2006 – Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema) concede a primeira Licença Prévia (LP) para o
empreendimento.
5/9/2006 – Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) delibera pela concessão da Licença de Instalação (LI) da CSA,
após apenas cinquenta dias da concessão da LP.
7/9/2006 – TKCSA apresenta o Projeto Básico Ambiental (PBA) do empreendimento. Posteriormente, técnicos do Ibama
criticam, através de relatório, a celeridade incomum no processo de licenciamento.
Outubro/2006 – Início das dragagens impactantes da TKCSA, “marco zero” do estabelecimento dos conflitos e das ameaças às
lideranças que se opõem ao projeto.
Dezembro/2007 – Operação de fiscalização do Ibama por determinação do Procurador do Ministério Público Federal, Dr.
Maurício Manso, que resulta no embargo das obras da TKCSA (Relatório de Fiscalização no 236/2007, de 27 de janeiro de 2007,
e Auto de Infração no 512869 de 20 de dezembro de 2007, do Ibama). Processo do Embargo: 02022.000010/2008-88, emitido
em 3 de janeiro de 2008, resultado da vistoria realizada no dia 20 de dezembro de 200713. Nesta ocasião, a empresa foi multada
em R$ 100 mil por ter suprimido áreas de manguezais não previstas no Eia-Rima ou no PBA e intervenção em margem de rios,
sem nenhuma autorização legal. Justificativa para o embargo/interdição:”Fica embargada qualquer atividade de intervenção
no manguezal, bem como construção, obras ou serviços que implique degradação da biota nativa da area do empreendimento,
devendo o empreendedor promover a recuperação da area suprimida de 2 ha (dois hectares), extrapolada em dobro na
autorização IEF/RJ nº 17/2006. Obs.: de acordo com o relatório de vistoria DITEC/SUPES”.
Abril/2008 – Após receber denúncias de ocorrências de acidentes dentro do canteiro de obras da TKCSA, o Ministério
Público do Trabalho interdita as obras. Foram constatadas irregularidades relativas ao ambiente de trabalho, como falta de
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
139
equipamentos apropriados e destinados à segurança do trabalhador. No entanto, mesmo com seu canteiro de obras embargado,
a empresa continua a obra, o que foi constatado pelo MPT em outra visita à TKCSA, dias após a interdição. Nesta ocasião, em
junho de 2008, a empresa assina junto ao MPT um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
23/8/2010 – Inea14 multa a TKCSA em R$ 1,8 milhão pela poluição atmosférica com material particulado, proveniente da
deposição de ferro-gusa em cavas abertas. Este valor é, posteriormente, reduzido para R$ 1,3 milhão.
17/12/2010 – Governo estadual autoriza a entrada em operação do Alto Forno 2 da TKCSA, mediante apenas um laudo emitido
pela empresa estadunidense de consultoria em engenharia Ch2M Hill, e sem nenhum posicionamento do Inea.
5/1/2011 – Inea multa a TKCSA em R$ 2,8 milhões pela poluição atmosférica e em R$ 14 milhões por uma compensação
socioambiental indenizatória.
1o/3/2011 – Ato da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), publicado no Diario Oficial, institui um Grupo de Trabalho para
avaliar os danos à saúde causados em virtude da emissão de fuligem na atmosfera pela empresa TKCSA, composto das
entidades: SEA, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
20/5/2011 – Inea autoriza a ampliação da TKCSA, mediante apresentação de projeto de exaustor que terá sua implantação
finalizada em um ano.
24/5/2011 – Primeira Audiência Pública (AP) realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), convocada
por uma Comissão Especial desta instituição instaurada para apurar possíveis irregularidades e imprevidências do governo do
estado e do Inea no processo de concessão de licenciamento ambiental para a implantação da TKCSA, com participação de
pesquisadores da Fiocruz. Várias denúncias graves foram feitas nesta AP.
14/6/2011 – Oitiva de Audiência Pública convocada pela Comissão Especial da Alerj, com os temas saúde e atividade pesqueira,
com a convocatória e relato de pesquisadores da Fiocruz.
21/6/2011 – Oitiva de audiência pública convocada pela Comissão Especial da Alerj, com a convocatória da presidente do
Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
140
30/3/2012 – Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é assinado entre a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), a Comissão
Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), de um lado, e a ThyssenKrupp Companhia
Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), de outro. O instrumento tem o objetivo de estabelecer ações e condições para a adequação das
instalações da TKCSA e a concessão, por parte dos órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro, da Licença de Operação (LO)
definitiva para a siderúrgica. O Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) apresenta, em agosto de 2012, uma análise
crítica do TAC na 107a Reunião Ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), solicitando que o Conselho tome
as providências cabíveis, clamando pela responsabilização dos órgãos competentes e pela execução de medidas e condições
cabíveis para que a TKCSA no Rio de Janeiro respeite a legislação ambiental brasileira. Na análise do Pacs são apontadas evidências
que questionam a efetiva aplicação, credibilidade e eficácia do referido TAC, entre elas: “descumprimento e pouco caso com a
transparência e publicização do TAC”; “o TAC é um instrumento que impede que a Licença de Operação da TKCSA seja negada,
como estabelece a legislação ambiental brasileira”; “o Inea e a SEA não têm demonstrado eficiência em fiscalizar a TKCSA”; “o
TAC não define nem estabelece como será feito o controle, monitoramento e fiscalização das suas condicionalidades, tendo em
vista que em ocasiões anteriores a SEA e o Inea se mostraram insuficientes nessa empreitada”; “o TAC oficializa a transferência
das ações de fiscalização e monitoramento dos impactos da TKCSA para a própria empresa”; “o TAC ignora os impactos sociais e
ambientais graves ocasionados pela TKCSA, não obstante o relatório elaborado pela Fiocruz, as ações penais por crimes ambientais
do MPRJ e as muitas ações abertas pela Defensoria Pública de Santa Cruz, e não define nenhuma medida para compensar os
danos sofridos até o momento pelos moradores e pescadores impactados pelo empreendimento”15.
6- Duplo padrão
A Fiocruz, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) produziram
o estudo Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz Decorrentes da Instalação e Operação da
Empresa TKCSA, publicado em 2011. Anteriormente, em um relatório feito em 2010, eles afirmam: “Em 2009, foi realizado
por dois pesquisadores da ENSP/Fiocruz, ligados à RBJA [Rede Brasileira de Justiça Ambiental], um parecer sobre o Rima da
TKCSA utilizado para o licenciamento. O parecer analisa, sob a perspectiva da saúde pública e da saúde ambiental, diversas
lacunas existentes”. Entre os destaques do parecer apontados pelo relatório, identifica-se “a fragmentação da avaliação do
empreendimento, ignorando a possibilidade de exposição cumulativa e simultânea da população aos diferentes poluentes”.
O parecer aponta ainda “inúmeros detalhes de grande relevância para a saúde pública que foram ignorados ou abordados
superficialmente pelo Rima”, como a utilização do benzeno (entre tantos), “um hidrocarboneto cíclico aromatico que se
apresenta como um líquido incolor, volatil e altamente inflamavel”. Sendo assim, “o parecer conclui apontando para um possível
duplo padrão, ja que um empreendimento deste tipo não teria seu licenciamento concedido na União Europeia em condições
similares”. Eis os argumentos:
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
141
(1) “A falta de uma descrição quantitativa sobre a situação da qualidade ambiental na região do empreendimento após
o início das operações da siderúrgica, bem como os efeitos da redução da qualidade ambiental sobre a saúde das
pessoas. A legislação na Europa exige que empresas que desejem instalar unidades produtivas em qualquer país da
União Europeia (incluindo, obviamente, a Alemanha, onde a ThyssenKrupp possui sede) devem incluir no pedido
de licenciamento ambiental uma descrição – do tipo e volume das emissões previsíveis da instalação para os
diferentes meios físicos e de quais os efeitos significativos dessas emissões no ambiente16. Como a apresentação do
Rima é uma etapa do licenciamento, de acordo com as regras europeias, seria de se esperar que estes dados fossem
incluídos no relatório para permitir o debate com a população atingida”.
(2) “O segundo diz respeito à concentração de poluentes na região do empreendimento. Conforme apresentado na
Tabela 1 do parecer, ao menos com relação às Partículas Inalaveis, a qualidade do ar em Santa Cruz e no Distrito
Industrial apresenta uma qualidade inferior àquela recomendada pelos padrões europeus. Em outras palavras, a
qualidade do ar na região onde foi instalada a usina siderúrgica ja é considerada ruim o suficiente pelos padrões
europeus para causar impactos negativos sobre a saúde das pessoas e ao meio ambiente. Caso Santa Cruz
fosse localizada na Alemanha, ou em outro país da Europa, a região provavelmente seria alvo de programas de
despoluição e melhoria da qualidade do ar e dificilmente seria permitida a implantação de uma usina siderúrgica. A
partir dessa constatação, torna-se questionavel, do ponto de vista ético, a decisão de uma empresa europeia instalar
esse tipo de empreendimento em um local que apresente tal saturação de poluentes”.
7- Atuação do Ministério Público
Encontram-se em andamento quatro volumosos Inquéritos Civis e um Criminal no âmbito do Ministério Público Federal e
Estadual do Rio de Janeiro, sendo o do MPF de quase 4 mil folhas. Alguns exemplos de violações que constam nestes inquéritos:
Violação de direito dos trabalhadores/Acidentes de trabalho – As obras da empresa foram interditadas pelo MPT por conta de
acidentes de trabalho. O MPT também iniciou duas ações civis públicas contra a companhia.
Instauração de Inquérito Criminal no MPT contra a empresa levou a incursões diárias de fiscais na localidade da Baía de
Sepetiba. Na primeira visita, a Procuradoria do Trabalho interditou as obras da TKCSA por irregularidades como ausência
de condições de segurança no trabalho e de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Dias depois, o MPT retornou ao
canteiro de obras para outra blitz e constatou que as irregularidades continuavam. Na ocasião, promoveu a interdição das
obras da TKCSA por violação de cláusulas trabalhistas e de segurança no trabalho. Ficou determinado, posteriormente, que
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
142
a TKCSA comparecesse ao MPT para assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), sob pena de multa.
Ministério Púbico Federal move, em 7 de abril de 2006, ação civil pública contra a Companhia Docas do Rio de Janeiro e
a Feema, com pedido de liminar, e acumulada com uma ação de improbidade administrativa e pleiteia, entre outros, para
que o material retirado das obras de dragagem do canal de acesso ao Porto de Sepetiba seja depositado, após tratamento
necessário, em local situado a pelo menos seis milhas da costa e a condenação dos réus a pagamento de indenização.
Ligação da empresa com grupos milicianos na região – Uma das denúncias mais graves contra a TKCSA foi feita durante a
Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pela Comissão de Direitos Humanos, em março de
2009. Essa ligação foi denunciada pelos pescadores e pelo advogado deles ao Ministério Público e a outras autoridades locais,
em março de 2008, por meio de cartas e comunicados. Em comunicação oficial, o advogado Victor Mattar Mucare solicitou
ao Ministério Público Federal/RJ, no âmbito do Procedimento no 1.30.012.000035/2006-19, a apuração de denúncias de
ameaças contra a integridade dos pescadores. Solicitou que esta instituição tomasse providências imediatas para proteger e
garantir a segurança dos cidadãos e pescadores da Baía de Sepetiba.
Ministério Público Federal, em março de 2008, apontou irregularidades cometidas pela TKCSA na construção da ponte de
4 km na Baía de Sepetiba, que não teve autorização da Secretaria do Patrimônio da União, exigência legal por se tratar de
terreno da Marinha e do mar territorial.
Em junho de 2008, o Ministério Público Federal advertiu o Estado e o Ibama sobre irregularidades no licenciamento
ambiental das obras de implantação da usina e que recomendou ao Estado a suspensão da licença concedida pela Feema.
Neste mesmo mês, o Ministério Público Federal, através de inquérito civil, questionou o processo de licenciamento da
TKCSA, por exemplo, pelo fato de o empreendimento não ter sido licenciado pela instância federal, o Ibama, e apresentar
uma celeridade pouco vista no andamento de processos desta natureza, ainda mais se tratando da maior usina siderúrgica
do mundo.
O Procurador do Ministério Público Federal, Dr. Maurício Manso, determinou fiscalização pelo Ibama, o que resultou no
embargo das obras da TKCSA. Processo 02022.000010/2008-88, emitido em 3 de janeiro de 2008.
Em agosto, o Ministério Público do Trabalho denunciou a TKCSA por problemas trabalhistas referentes a 120 trabalhadores
chineses mobilizados para a construção da usina sem contrato de trabalho17.
Em vistoria realizada nas obras da TKCSA pelos Técnicos Periciais do Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate) do
Ministério Público Estadual (MPE), nos dias 13 e 14 de agosto de 2007, foram constados danos ambientais relevantes e várias
não conformidades ambientais, todas documentadas através de registro fotográfico. Também houve a constatação de que a
empresa vinha conduzindo as obras sem o menor respeito ao que teria sido definido no EIA-Rima. Segundo o relatório do
Gate do MPE, além das inúmeras irregularidades, o EIA-Rima conteria até mesmo assinaturas falsificadas. Principais pontos
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
143
destacados pelo relatório do Gate: traçado da ponte; contaminação dos solos e da água na Baía de Sepetiba; lançamento dos
efluentes da usina termelétrica; validades das licenças prévias; programa de manejo da avifauna; programa de monitoramento
das comunidades aquáticas; programa de monitoramento e preservação dos manguezais; programa de compensação pela
exclusão da atividade de pesca; modificações no Canal de São Fernando; falsificação de assinaturas.
Ação penal do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Gate/CAOp), em dezembro de 2010, denuncia a TKCSA, o
diretor de projetos Friedrich-Wilhelm Schaefer e o gerente ambiental Álvaro Barta Boechat por crimes ambientais (pena de até
19 anos). A denúncia foi complementada por diversos relatórios técnicos do Inea, além de um estudo realizado pelo Instituto
de Geociências da UFRJ, atestando aumento de 600% na concentração média de ferro na área de influencia da TKCSA.
Em junho de 2011, a TKCSA é denunciada pelo Ministério Público Estadual por crimes ambientais pela segunda vez. De acordo
com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, os réus não adotaram medidas de
precaução ao acionar o Alto Forno 2, em dezembro, tampouco comunicaram os órgãos ambientais competentes sobre os
impactos ambientais que seriam gerados.
Neste mesmo mês, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou por crimes ambientais a Usiminas e cinco
de seus prepostos, Bruno Menezes de Melo, Ricardo Salgado e Silva, Marta Russo Blazek, Monica Silveira e Consta Chang, por
apresentarem relatório de auditoria ambiental parcialmente falso e enganoso, inclusive por omissão, ao Instituto Estadual do
Ambiente (Inea), para instruir o processo de licenciamento da TKCSA.
CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
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1 As principais fontes de informação desta seção são: 1 - Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo; 2 - Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz Decorrentes da Instalação e Operação da Empresa TKCSA. Fiocruz, ENSP e Escola Joaquim Venâncio (por membros do GT ENSP e do GT EPSJV). 22 de setembro de 2011. Rio de Janeiro; 3 - website da própria ThyssenKrupp CSA: http://www.ThyssenKrupp-steel-europe.com/csa/pt/. Agradecemos aos comentários de Karina Kato, pesquisadora do Pacs.
2 Esta informação foi obtida pelo Instituto Mais Democracia, no dia 12 de setembro de 2012, através da lei de acesso à informação.
3 Projeto de autoria do vereador Oswaldo Luís, Lei no 1208/88 de 23 de março de 1988.
4 Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo.
5 Devido a um acidente na década de 1990 envolvendo a antiga companhia Ingá Mercantil, que produzia lingotes de zinco, a Baía de Sepetiba apresenta um grande passivo ambiental. A empresa faliu em 1998, deixando a céu aberto na Ilha da Madeira cerca de 3 milhões de toneladas de lixo químico – chumbo, cádmio e zinco. Houve vazamento desses produtos ao longo dos últimos anos em sucessivos desastres ambientais. Segundo uma estimativa da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), a Baía de Sepetiba recebeu em suas águas, durante anos, cerca de 100 toneladas de metais pesados a cada ano, oriundos do dique da Ingá. Apesar da ausência de medidas de reparação ao meio ambiente por parte do governo do estado e dos dirigentes da falida companhia, nos últimos anos, esses resíduos passaram por um processo de sedimentação no fundo da Baía, reduzindo a contaminação do local com o passar do tempo. 6 Existem outras tecnologias mais seguras para tratar o material contaminado que nem sequer foram consideradas pela empresa, como o encapsulamento ou a disposição final do material em aterros industriais licenciados.
7 G1, “Relatório da OMS diz que Grande Rio tem ar mais poluído que Grande SP”, 26 de setembro de 2011.
8 O Globo, “Estado ofereceu terreno em Campo Grande à Hyundai e à Toyota áreas em Resende e no Açu”, 6 de maio de 2008.
9 O Globo, “Dragagens e circulação de navios tiram o ganha-pão dos pescadores – resultaram na interrupção da geração de renda dos pescadores”, 10 de agosto de 2008.
10 O Dia, “Trabalhadores sem salário e com uma refeição por dia”, 13 de agosto de 2009.
11 Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Pág. 57. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo.
12 A partir do documento Linha do Tempo Sobre o Caso TKCSA - 2005 a 2011. In: plataformabndes.org.br/Biblioteca/Publicações/Análises do Desenvolvimento).
13 O Dia, “Obra parada na CSA - O Ibama embarga obra uma vez que a TKCSA havia suprimido o dobro da área de mangue licenciada para a construção de uma ponte”, 21 de dezembro de 2007.
14 Feema é extinta e dá lugar ao Inea no RJ. O governo do estado do Rio de Janeiro criou através da Lei nº 5.101, de 4 de outubro de 2007, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) com a missão de proteger, conservar e recuperar o meio ambiente para promover o desenvolvimento sustentável. O novo instituto, instalado em 12 de janeiro de 2009, unifica e amplia a ação dos três órgãos ambientais vinculados à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA): a Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema), a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Disponível em: http://www.pmanalysis.com.br/noticias/83-feema-e-extinta-e-da-lugar-ao-inea-no-rj. Acesso em: 21 de setembro de 2011.
15 “Solicitação para que o Conama tome as providências cabíveis, clamando pela responsabilização dos órgãos competentes e pela execução de medidas e condições cabíveis, para que a TKCSA no Rio de Janeiro respeite a legislação ambiental brasileira.” Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2012.
16 “Ver: Parlamento Europeu. Directiva 2008/1/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de janeiro de 2008, relativa à prevenção e ao controle integrados da poluição 2008” [Nota no original].
17 O Globo, “Procuradoria entra com ação civil pública contra CSA”, 13 de agosto de 2008.
UHE Belo Monte1
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145
1- Descrição do empreendimento
Empreendimento do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), a UHE Belo Monte, construída no Rio
Xingu, Pará, é considerada a terceira maior hidrelétrica do
mundo. Sua potência instalada será de 11.233,1 MW/ano,
apesar de sua produção média ser de apenas 4.571 MW/ano.
O custo estimado da obra é de R$ 26 bilhões, e o reservatório
alagará pelo menos 516 km².
Belo Monte impactará direta e indiretamente onze municípios:
Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilândia, Pacajá,
Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do
Xingu. Estes municípios perfazem uma área total de mais de 25
milhões de hectares, correspondendo a cerca de 20% do estado
do Pará. Cerca de 70% desta área é constituída de unidades de
gestão especial (unidades de conservação, terras indígenas,
terras quilombolas e áreas militares). Mais de 300 mil pessoas vivem na região, que tem como elementos integradores a
rodovia Transamazônica e o Rio Xingu. Altamira é o maior centro urbano local, com mais de 70 mil habitantes.
O leilão de Belo Monte ocorreu em abril de 2010, com vitória do Consórcio Norte Energia S.A. (Nesa). Atualmente, o
empreendimento é composto do Grupo Eletrobras (Eletrobras: 15%, Chesf: 15% e Eletronorte: 19,98%), de Entidades de
Previdência Complementar (Petros: 10%, Funcef: 5%), do Fundo de Investimento em Participações (Caixa FIP Cevix: 5%), da
Sociedade de Propósito Específico Belo Monte Participações S.A. (Neoenergia S.A.): 10,%, Amazônia (Cemig e Light): 9,77%),
de Autoprodutoras (Vale: 9%, Sinobras: 1%) e da J. Malucelli Energia (0,25%).
Responsável pelas obras de Belo Monte, o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) é formado por 10 empresas: Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Contern, Galvão, Serveng, J. Malucelli e Cetenco.
2- Valor do empréstimo
Em abril de 2010, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou que assumiria
o financiamento de 80% das obras de Belo Monte – R$ 24,5 bilhões –, com condições especiais de pagamento (carência de
até seis meses após a data prevista para o início comercial de cada conjunto de turbinas, amortização de até 25 anos, com
periodicidade mensal, através do Sistema de Amortização Constante (SAC) ou PRICE, com prazo estendido de até trinta anos).
Quanto ao custo financeiro, serão aplicadas a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), com Remuneração Básica do BNDES de
0,5%/ano, a Taxa de Risco de Crédito de 0,46%/ano até 2,54%/ano, dependendo da classificação de risco do projeto, a Taxa de
Intermediação Financeira de 0,5%/ano e a remuneração da Instituição Financeira Credenciada negociada entre as partes.
146
Em meados de 2011, o Banco concedeu um primeiro empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia, sem análise de risco
econômico e ambiental. Um segundo empréstimo-ponte de R$ 1,8 bilhão foi concedido em fevereiro de 2012. Os repassadores
dos recursos foram a Caixa Econômica Federal (que repassou R$ 1,5 bilhão) e o banco líbio ABC (que repassou R$ 300 milhões).
Ainda em janeiro de 2012, portanto pouco antes da concessão do segundo empréstimo-ponte, o Ministério Público Federal
(MPF) solicitou ao Banco Central (BC) que analisasse o primeiro aporte do BNDES em Belo Monte para verificar a regularidade
do empréstimo em face da envergadura da operação, que pode ser a maior da história do BNDES.
O Banco Central negou o pedido do MPF alegando que uma fiscalização do financiamento de Belo Monte não estaria
“enquadrado entre as prioridades incluídas na sua programação”. Em fevereiro, o MPF pediu reconsideração alegando que a
operação envolve “empreendimento questionado em diversas ações judiciais, em área de atividade em que as alterações de
custo são frequentes e, portanto, possuem potencialidade considerável de afetar a própria análise de risco”. Mesmo assim,
nenhuma medida concreta neste sentido foi encaminhada.
Somado o repasse de R$ 3,7 bilhões via Plano de Sustentação do Investimento aos dois empréstimos-ponte, o BNDES
já aportou R$ 6,6 bilhões em Belo Monte sem a realização de nenhum estudo de risco e viabilidade econômicos do
financiamento. É importante frisar que o segundo empréstimo-ponte foi concedido apesar de pesar sobre a Norte Energia uma
autuação com multa de R$ 7 milhões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por
descumprimento de condicionantes socioambientais, o que fere as salvaguardas do próprio banco. De acordo com o BNDES,
entre os critérios que deve aplicar em operações de financiamento estão a análise das “regularidades fiscal, previdenciária e
ambiental do beneficiário e do empreendimento” e “o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras, obrigações em termos
de ajuste de conduta e condicionantes presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o caso” .
3- Impactos socioambientais
Contabilizando agricultores e moradores das áreas rurais e urbanas, o Ministério Publico Federal no Pará estima que 40 mil
pessoas terão suas casas e terras desapropriadas e/ou impactadas por Belo Monte. De acordo com o último levantamento da
Universidade Federal do Pará (UFPA), realizado a pedido do MPF no início de 2012, o número de pessoas a serem desalojadas
apenas na zona urbana de Altamira, município-sede de Belo Monte, ultrapassa 25 mil. Este dado contradiz a estimativa inicial
da Norte Energia que previu a expulsão de 16,4 mil pessoas de suas moradias.
Concomitantemente aos despejos das populações da região de impacto de Belo Monte, a chegada a Altamira de milhares
de pessoas (a estimativa do MPF é que 100 mil migrantes podem chegar no período de construção da usina), atraídas pela
perspectiva de emprego, instalou um estado de caos no município-sede da hidrelétrica. Além de hospitais e escolas terem
entrado em colapso, a violência na cidade ter dobrado e os casos de estupros se multiplicado, Altamira bateu recorde de
desmatamento nos últimos dois anos. Bastante grave é que, em meio a tantos impactos irreversíveis, as populações indígenas
seguem ignoradas no seu direito constitucional, previsto também na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), de serem consultadas sobre a usina pelo Congresso Nacional.
UHE Belo Monte
UHE Belo Monte
147
Para mitigar minimamente os impactos previstos de Belo Monte, foram anexadas às licenças ambientais da usina várias
condicionantes (a Licença Prévia previu 40 condicionantes ambientais e 26 condicionantes indígenas, e a Licença de Instalação,
22 condicionantes ambientais) que não foram cumpridas pelo Consórcio Norte Energia.
De acordo com o MPF, as condicionantes estabelecidas para a liberação da Licença Prévia acabaram sendo incorporadas em
uma licença parcial de instalação e, posteriormente, na Licença de Instalação. Um levantamento oficial do Ibama, divulgado em
janeiro de 2012 e que avaliou as 22 condicionantes da Licença de Instalação (concedida em junho de 2011), aponta que apenas
uma havia sido atendida até este prazo.
Aos problemas estruturais (falta de escolas, hospitais e saneamento, caos na saúde, violência, etc.), somam-se os problemas
causados diretamente pelo empreendimento. Entre os setores mais atingidos pelo estágio inicial da obra, destacam-se:
Moradores de Altamira
Em função da atração de centenas de trabalhadores e migrantes para a região de Altamira (ao menos 10 mil em 2011), desde 2010
a cidade tem vivido um boom imobiliário que aumentou o preço do aluguel de todos os tipos de imóveis, inclusive das moradias
mais simples nas áreas alagadas da cidade. De acordo com denúncias colhidas pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS),
principal organização de oposição à usina na região, aluguéis que custavam R$ 50/mês passaram a mais de R$ 200, desalojando
parte da população mais pobre do município. Em junho de 2011, centenas de famílias despejadas fizeram vários movimentos
de ocupação de terrenos em Altamira, mas foram violentamente reprimidas pela polícia. Nenhuma família urbana havia sido
reassentada até meados de 2012, e as populações virtualmente atingidas pelo alagamento da cidade no final do processo de
construção do lago de Belo Monte ainda não receberam nenhuma informação concreta sobre projetos de desalojo e realocação.
Agricultores e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu
Das 1.540 propriedades rurais na área de impacto de Belo Monte, 600 foram desapropriadas pela Norte Energia até meados de 2012.
Desde 2010, quando se iniciou o processo de despejo destas famílias através de coerção, negociação ou ordens judiciais, muitas
não receberam indenizações (principalmente as que não detêm a titulação da terra ou moram em áreas arrendadas) ou receberam
indenizações mínimas. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo de agosto de 2012, “a Defensoria Pública do Pará ajuizou
treze ações pedindo o reassentamento de pessoas excluídas da indenização. Outras dezenas de casos estão em análise. Já houve três
decisões liminares a favor dos moradores e cinco contrárias. Além disso, a Norte Energia entrou com 28 ações de desapropriação.
Destas, 26 tiveram liminar pela expulsão das famílias. A indenização é depositada na Justiça, sem previsão de pagamento”.
Pescadores da Volta Grande do Xingu
Em setembro de 2011, a Colônia de Pescadores z-57, de Altamira, ajuizou uma Ação Ordinária (processo nº 34557-
02.2011.4.01.3900) contra o Ibama e a Norte Energia “alegando que as obras da usina, em especial a construção de ensecadeiras,
impediriam a pesca e a trafegabilidade no Rio Xingu, que os igarapés ficariam secos e a água, imprópria para o consumo e para
UHE Belo Monte
148
a vida dos peixes, o que prejudicaria a ictiofauna e os pescadores, sem que nenhum tipo de abordagem aos seus filiados tivesse
sido realizado quanto ao monitoramento, questionamento e pesquisa dos impactos negativos”. Na ação, a Colônia pediu a
“indenização dos seus quase 1.200 filiados, levando-se em consideração o tempo de cinco anos para a repovoação das espécies
de peixe e de sete anos de perdas de atividades de pesca, pleiteando, em sede de liminar, que fosse proibida a continuidade das
obras no leito do Rio Xingu até que ocorresse a justa e prévia indenização, ou a condenação dos réus ao pagamento de perdas e
danos no valor de mais de R$ 218 milhões de reais”. O pedido de liminar foi indeferido pela Justiça.
Em pouco tempo, porém, os impactos previstos se confirmaram. De acordo com depoimentos de pescadores da Vila de Santo
Antônio, comunidade já desalojada pela Norte Energia, a pesca teve uma queda de mais de 80% nos seis primeiros meses
de 2012. Por não serem proprietários de títulos patrimoniais, como agricultores e ribeirinhos, os pescadores ainda não têm
assegurado nenhum tipo de compensação. Advogados da Norte Energia têm tentado negociar isoladamente alguns acordos de
indenização, rejeitados inicialmente pelos pescadores tanto de Altamira quanto de Vitória do Xingu.
Populações indígenas
A Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias que ocupam trinta Terras Indígenas (TIs) (doze no Mato Grosso e dezoito no Pará).
Todas estas populações serão direta ou indiretamente afetadas à medida que o Rio Xingu e sua fauna e flora, além do seu entorno,
serão alterados pela usina. Na região de influência direta da usina, três Terras Indígenas estão sendo diretamente impactadas: a
TI Paquiçamba, dos índios Juruna; a área dos Arara da Volta Grande, que se situa no trecho de 100 km do rio que terá sua vazão
drasticamente reduzida; e a TI Trincheira Bacajá, localizada às margens do Rio Bacajá, afluente do Xingu, que deve sofrer impactos
diretos, mas os estudos referentes a esta área, habitada majoritariamente por indígenas da etnia Xikrin, ainda estão inconclusos.
A principal violação dos direitos indígenas pela usina de Belo Monte foi a autorização do início das obras sem que se tivesse
cumprido o processo de consultas (oitivas indígenas) previstas na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT. O fato levou
o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a cancelar, em agosto de 2012, o decreto do Congresso Nacional que autorizou
as obras da usina e as licenças de Belo Monte, decisão posteriormente invalidada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além deste desacato constitucional – que levou a questionamentos do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos em abril de 2011 –, as condicionantes indígenas também seguem descumpridas. Em dezembro de 2011, o MPF
oficiou a Norte Energia sobre o fato. Entre as medidas não cumpridas, constavam a reestruturação do atendimento à saúde
indígena, a demarcação e regularização de áreas, a retirada de não indígenas das terras indígenas, a implementação de
corredores ecológicos, a melhorias nos serviços de educação, entre outras.
Em junho de 2012, a falta de cumprimento das condicionantes levou à ocupação da principal barragem provisória (ensecadeira)
UHE Belo Monte
149
de Belo Monte, no canteiro de obras Pimental. Os indígenas permaneceram no local por mais de duas semanas, mas os acordos
firmados com a Norte Energia seguiram descumpridos nos meses seguintes.
Em agosto, nova ação dos indígenas levou à retenção de três engenheiros da Norte Energia na TI Paquiçamba, uma vez que não
houve esclarecimento satisfatório sobre os mecanismos que deverão permitir a transposição da ensecadeira de Pimental com o
fechamento total da barragem, pleiteado pela Norte Energia. O Consórcio e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram instados
a fornecer estas explicações, o que não foi cumprido no período conseguinte, apesar da promessa das duas instituições.
Trabalhadores do consórcio construtor Belo Monte
Três grandes greves, motivadas por violações de direitos trabalhistas, paralisaram as obras de Belo Monte no processo inicial de
construção da usina. Em novembro de 2011, os trabalhadores cruzaram os braços para exigir o pagamento de horas extras aos
sábados, o cumprimento do acordo sobre as folgas de noventa dias, o aumento do vale-alimentação e a instalação de telefones
no canteiro. Os operários também pediam o aumento do contingente de fiscalização de seguranças do trabalho, que garantiria
a coibição de desvio de função. Cerca de 400 operários foram demitidos antes de o Consórcio fechar os acordos e aceitar o
atendimento parcial das reivindicações.
Já no final de março de 2012, cerca de 5 mil trabalhadores entraram em greve geral após a morte de um trabalhador no canteiro
de obras do Sítio Pimental. As reivindicações foram aumento salarial, redução dos intervalos entre as baixadas (visita dos
trabalhadores a suas famílias) de seis pra três meses, não rebaixamento do pagamento e solução de problemas com a comida e
a água. A paralisação foi suspensa nove dias depois e houve a demissão de 170 funcionários. Em 23 de abril, porém, nova greve
parou as obras.
Criminalização dos ativistas sociais
O Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS) tem sido constante alvo de ações de criminalização e tentativas de coerção por
parte do consórcio Norte Energia. Durante a cobertura da greve de novembro de 2011, o jornalista do movimento chegou a ser
ameaçado de morte por dois homens que supostamente estavam a serviço da empresa.
Nesta primeira greve, este jornalista e uma coordenadora do MXVPS, além de outros dois integrantes do movimento, foram alvo
de uma ação de interdito proibitório da Norte Energia, que os acusou de molestar seu patrimônio, interditar a BR-230 “numa
espécie de parede humana, invadindo os ônibus da empresa e provocando distúrbios, tais como bater nos vidros e laterais dos
ônibus [e] obrigar que os motoristas abandonassem os veículos, gritando palavras intimidatórias”. Além de fazer tais acusações
fantasiosas, o consórcio construtor exigiu que os réus fossem proibidos de circular em vias públicas e de impedir o andamento
das obras. A liminar foi parcialmente deferida pela Justiça.
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No início de junho de 2012, um novo interdito contra os mesmos ativistas e contra o MXVPS proibiu-os de fazer qualquer ação
nas propriedades desapropriadas pela Nesa na Vila de Santo Antônio, de onde despejou cerca de 200 famílias, destruindo casas e
interditando o cemitério.
No final daquele mesmo mês, o consórcio pediu a prisão preventiva de onze pessoas ligadas ao movimento por danos
causados a sua estrutura durante o encontro Xingu+23, preparatório para a Cúpula Rio+20, a Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável. Até o final de agosto, o processo não havia sido encaminhado à Justiça pelo Ministério
Público Federal.
Danos ambientais
A construção de Belo Monte diminuirá drasticamente a vazão de 100 km do Rio Xingu, tornando virtualmente impossível a
sua navegação, a pesca e demais usos do rio após o fechamento da barragem da usina. O barramento provisório do rio desde
o início de 2012 já tornou suas águas impróprias para consumo nas aldeias indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande,
causou a diminuição drástica da população de peixes na Volta Grande e, em junho de 2012, causou a morte de milhares de
filhotes de tartaruga no Tabuleiro do Embaubal, conjunto de praias sazonais do Rio Xingu, entre os municípios de Vitória
do Xingu e Senador José Porfírio. O Tabuleiro é considerado a maior área de reprodução da espécie tartaruga amazônica
(Podocnemis expansa).
Já em relação ao desmatamento, Altamira liderou o ranking do desmatamento na Amazônia em maio e outubro de 2011 e em
julho de 2012 (mês em que foram destruídos 48,96 km² de floresta no município). Segundo a Organização Não Governamental
Imazon, a expectativa da construção de Belo Monte é o fator que melhor explica estes números.
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES
Não há nenhuma informação que conste que o BNDES cumpriu suas obrigações neste sentido.
5- Condicionantes dos órgãos ambientais (estadual ou federal)
A Licença Prévia (LP) de Belo Monte foi concedida pelo Ibama, em fevereiro de 2010, com quarenta condicionantes
ambientais e 26 indígenas. Entre as condicionantes ambientais, constavam início da construção e reforma de equipamentos
de educação/saúde em Altamira e Vitória do Xingu; início das obras de saneamento básico nesses municípios; implantação
do saneamento básico em Belo Monte antes da construção dos alojamentos; entre outras. Já entre as condicionantes
indígenas, destacam-se demarcação física das Terras Indígenas (TIs) Arara da Volta Grande e Cachoeira Seca; levantamento
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fundiário e desintrusão da TI Apyterewa; redefinição de limites da TI Paquiçamba, com acesso ao reservatório; ilhas no
Rio Xingu entre as TIs Paquiçamba e Arara da Volta Grande para usufruto exclusivo dessas comunidades; todas as TIs
regularizadas (demarcadas e homologadas); entre outras.
Nenhuma destas condicionantes foi cumprida no prazo estipulado e muitas não saíram do papel dois anos após o primeiro
licenciamento. Quando o Ibama concedeu ao empreendimento a Licença de Instalação (LI) em junho de 2011, o fez atropelando
seus próprios critérios e restabeleceu novo quadro de condicionantes a ser cumprido no período pós LI. Para os indígenas, as
novas medidas previam:
- Criação de um comitê indígena para controle e monitoramento da vazão que inclua mecanismos de acompanhamento,
preferencialmente nas terras indígenas, além de treinamento e capacitação, com ampla participação das comunidades – prazo
de 45 dias após a LI;
- Formação de um Comitê Gestor Indígena para as ações referentes aos programas de compensação da AHE Belo Monte –
prazo de 30 dias após a LI;
- Definição clara de mecanismos de transposição das embarcações pelo barramento – prazo de 20 dias após a LI;
- Implementação do Plano de Proteção das TIs – prazo de 40 dias após a LI;
- Apresentar estudo complementar do Rio Bacajá – prazo de 310 dias após a LI;
- Apresentar plano operativo com cronograma de execução das atividades do PBA, após manifestação da Funai – prazo de 35
dias após a LI;
- Apresentar trimestralmente modelagem sobre o adensamento da população na região - prazo de 90 dias após a LI.
Novamente, nenhuma destas condicionantes foi cumprida no prazo.
O mesmo se deu com as novas 23 condicionantes ambientais da LI, que previam, entre outras: finalização das obras de
saneamento, um programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos nas áreas de saúde e educação; implantação dos
equipamentos de saúde e educação; recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do Rio Xingu e de seus afluentes.
Nenhuma delas foi cumprida até junho de 2012, mais de um ano após a concessão da Licença de Instalação.
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6- Atuação do Ministério Público
Desde 2011, o Ministério Público Federal no Pará impetrou quinze ações contra Belo Monte, conforme tabela abaixo:
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1 Agradecemos à jornalista Verena Glass pelas importantes contribuições e comentários.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau1
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1- Descrição do empreendimento
O projeto do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira é
composto de duas usinas de grande porte: Santo Antônio, a
5 km da capital de Rondônia, Porto Velho, e Jirau, a 135 km
de Porto Velho. Juntas, as duas hidrelétricas devem inundar
cerca de 530 km2 (Santo Antônio alagará 271 km2 e Jirau, 258
km2) e têm previsão de custo de R$ 28,6 bilhões.
UHE Santo Antônio
Santo Antônio, a maior das duas usinas do Madeira, terá uma
potência instalada de 3.150 MW e energia média de 2.218
MW. Com custo estimado de R$ 15,1 bilhões, a tarifa média da
energia produzida pela usina será de R$ 78,87 por MW/hora.
Vencedor do leilão de concessão do projeto hidrelétrico Santo Antônio, realizado em dezembro de 2007, o Consórcio Santo
Antônio Energia S.A. é formado pelas empresas Furnas Centrais Elétricas (39%); Fundo de Investimento (FIP) formado por
Banif, Santander e FI-FGTS (20%); Odebrecht Investimentos em Infraestrutura (18,4%), Odebrecht Engenharia e Construção
(1%); Andrade Gutierrez (11,6%); e Cemig (10%). O Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA), contratado pela Santo Antônio
Energia S.A. para realizar as obras, é composto do Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), do Grupo Industrial do Complexo Rio
Madeira (Gicom) e da Construtora Norberto Odebrecht (CNO).
UHE Jirau
A hidrelétrica de Jirau terá uma potência instalada de 3.300 MW e energia média de 1.975 MW. A um custo estimado de R$ 13,5
bilhões, a usina está sendo construída pela empresa Energia Sustentável do Brasil S.A., vencedora da licitação realizada em
maio de 2008. O Consórcio Energia Sustentável do Brasil é formado pelas empresas GDF Suez (50,1%); Eletrosul (20%); Chesf
(20%); e Camargo Corrêa Investimento em Infraestrutura (9,9%).
2- Valor do empréstimo
As duas usinas do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira foram incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do
governo federal e receberam financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 13,3
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
156
bilhões. As Sociedades de Propósito Específico (SPEs) criadas para a construção das UHES de Santo Antônio e Jirau podem
ter do BNDES até 85% dos itens financiáveis, com o limite de 75% do investimento total. Metade desse financiamento pode ser
concedido diretamente pelo BNDES e os outros 50% repassados pela rede de agentes financeiros credenciada, entre eles Banco
do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Bradesco e Itaú-Unibanco. Os tetos dos desembolsos para cada um
dos empreendimentos já foram predefinidos, mas ainda podem ser dilatados.
Em dezembro de 2008 foi aprovado pelo BNDES um empréstimo no valor de R$ 6,1 bilhões para a Santo Antônio Energia (Saesa).
Em fevereiro de 2009, o BNDES aprovou R$ 7,2 bilhões para o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável
pela construção da UHE de Jirau, maior valor financiado pelo Banco para um único projeto até então (R$ 3,6 bilhões foram
desembolsados em 29 de junho do mesmo ano, e os outros R$ 3,6 bilhões são financiamentos indiretos, repassados ao grupo dos
seguintes bancos: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco BBI, Unibanco e Banco do Nordeste)2.
O valor total de financiamento de cada um dos projetos foi estimado em R$ 9 bilhões, faltando pouco, em ambos os casos, para que
se chegasse ao limite máximo estabelecido (75% sobre o total) pelo BNDES. Além dos empréstimos diretos do BNDES chegando a
60% e 70% dos investimentos totais das duas UHES, o Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
(Sudam) aprovou, em 2008, um empréstimo de R$ 503 milhões com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
(FNO) para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio. O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FI-FGTS) garantiu uma participação na Saesa, sucedendo a participação do Banco Santander no Fundo de Investimento em
Participações (FIP) Amazônia Energia, e também adquiriu R$ 1,5 bilhão em debêntures emitidas pelo Consórcio3.
Quanto às condições de pagamento, o complexo Madeira prevê que a receita futura (direitos de receber em fluxos de energia) seja
transformada em recebíveis, antecipadamente. Assim, a amortização dos juros e do principal poderá começar antes mesmo da
operação, desde que todos os riscos estejam, desde o começo, identificados, compartilhados, geridos e mitigados. Cristaliza-se
um compromisso de todos os atores envolvidos (nesse caso, especialmente o BNDES e o governo federal) em “administrar” os
riscos previamente, o que de antemão significa uma postura defensiva diante dos custos sociais e ambientais das obras.
A consequência já verificável é o enrijecimento dos custos e riscos dentro dos parâmetros de rentabilidade já acordados. Além
disso, nos leilões de Santo Antônio e Jirau, foi a margem potencial de lucro no mercado livre, hoje oferecendo o MW/h a R$
130, em média, que definiu o valor oferecido ao mercado cativo (R$ 78,87 e R$ 71,40, respectivamente). Desse modo, entram
na composição da taxa de retorno a antecipação da operação das usinas e a consequente flexibilização da regulamentação
setorial, trabalhista, ambiental e social, bem como a fiscalização correspondente, para que se obtenha o máximo
aproveitamento no mais curto espaço de tempo.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
157
Os dois consórcios pretendiam, por isso, antecipar a operação em até onze meses e contavam com a anuência da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério das Minas e Energia (MME). A velocidade de execução das obras tornou-se
uma variável crucial para a viabilidade econômica dos empreendimentos, na contramão das precauções e garantias sociais
e ambientais. Acelerados cronogramas de execução das obras são a contraparte da letargia na aplicação dos programas de
compensação e de mitigação, desproporção que evidencia negligência ante a população que vive ao longo do Rio Madeira e
seu meio ambiente4.
3- Impactos socioambientais
Violações trabalhistas
Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as obras das hidrelétricas
de Santo Antônio e Jirau acumulam mais de mil autuações por violação à legislação trabalhista, incluindo várias mortes nos
canteiros das duas obras.
Entre as principais violações trabalhistas ocorridas desde o início das obras, constam uso ilegal de medidas coercitivas pela
segurança patrimonial; utilização de um “cartão fidelidade” para o pagamento de vantagens fora da folha de pagamento “para
empregados que não faltam, não tiram férias, não adoecem e não visitam a família”; jornadas de mais de dez horas diárias;
desrespeito ao intervalo intrajornada de onze horas e repouso semanal remunerado; e tratamento diferenciado e inferior para
trabalhadores contratados fora do estado de Rondônia, por intermediadores de mão de obra. Em 2009 foram libertados 38
trabalhadores de uma empreiteira contratada para a prestação de serviços na obra da hidrelétrica de Jirau, encontrados em
condição análoga a de escravo5.
Greves e revolta dos trabalhadores
O conjunto de violações de direitos levou à eclosão de uma greve nas obras das duas usinas em setembro de 2009, com uma
revolta na obra da usina de Santo Antônio. Os problemas trabalhistas também motivaram uma intensa revolta em Jirau, em março
de 2011, que resultou na queima de 54 ônibus e de 70% do acampamento de trabalhadores na obra. A paralisação dos trabalhos
nas duas usinas perdurou até abril, com registros do uso excessivo de força pela Polícia Militar de Rondônia. A Justiça do Trabalho
concedeu medida liminar que determinou o embargo da obra e o envio desses trabalhadores para seus locais de origem, sob pena
de multa de R$ 5 mil por trabalhador em caso de descumprimento. A situação de conflitos também levou o Ministério do Trabalho
a interferir para diminuir o número de trabalhadores nos canteiros e restaurar o cronograma original das obras.
No início de 2012, a tensão voltou a aumentar nas hidrelétricas do Rio Madeira e em fevereiro um operário de Jirau morreu
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
158
baleado em confronto com a polícia. Em março, um ano depois da primeira revolta, operários de Jirau entraram novamente em
greve, exigindo aumento no valor do auxílio-assiduidade e antecipação da data-base da categoria, atualmente em 1º de maio6.
Apesar de ter sido declarada ilegal pelo Tribunal Regional Federal da 14ª Região, a greve continuou e atingiu os canteiros de
Santo Antônio, onde também foi declarada ilegal. A paralisação só terminou no início de abril, quando as empresas concederam
7% de aumento antes da data-base, em maio, e um acréscimo de R$ 50 no valor da cesta básica para quem ganha até R$ 1.500.
Em decorrência das denúncias de violência contra trabalhadores do Complexo Madeira, em maio de 2011 a Relatoria Nacional
para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
(Dhesca), elaborou um documento que aponta inúmeras violações aos direitos humanos nas obras de Jirau e Santo Antônio.
O relatório é resultado de uma missão emergencial realizada em abril, motivada pelo levante dos operários de Jirau em março.
Segundo o documento, “em Porto Velho o índice de migração foi 22% maior que o previsto, os casos de estupro aumentaram
em 208% e quase 200 crianças permanecem fora da escola. (...) Centenas de crianças estão fora da sala de aula, a qualidade de
vida das comunidades piorou, houve aumento expressivo nos índices de violência, incluindo ocorrências de estupro. Apenas
na usina de Jirau eram 21 mil trabalhadores compartilhando alojamentos, denunciando surtos de viroses, jornada excessiva
de trabalho e outras más condições que a magnitude e a pressa em acabar a obra ocasionaram. As comunidades realocadas
reclamam da piora na qualidade de vida: estão em casas de alvenaria de má qualidade, longe de suas terras, onde plantavam e
colhiam, e do rio, onde pescavam. Elas afirmam que a renda hoje é muito inferior ao que recebiam antes”.7
Impactos sobre as populações indígenas
As populações indígenas afetadas pelas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio podem ser divididas em três categorias; as
terras e os grupos indígenas diretamente impactados e identificados: Karitiana, Karipuna, Urueu-Wau-Wau e Katawixi; os
indiretamente afetados: Parintintin, Tenharim, Pirahã, Jiahui, Tora, Apurinã, Mura, Oro Ari, Oro Bom, Cassupá e Salamãi; os
grupos de índios isolados, cuja presença foi confirmada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no final de 2011. No processo
de licenciamento das usinas do Madeira, não houve consulta aos indígenas, como prevê a Constituição Federal e a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de Rondônia, destaca dezoito situações, na Bacia do Rio Madeira, onde o extermínio
indígena é iminente. Em relação às crianças indígenas, a prostituição, o abuso sexual, o cárcere privado e a corrupção são
alguns dos impactos sociais detectados pelo Juizado da Infância nas proximidades das áreas onde são construídas as usinas
hidrelétricas do Madeira. Apesar de os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio
mencionarem a presença de grupos indígenas isolados nas áreas de impacto, as licenças autorizando a construção das usinas,
avalizadas pela Funai, não fazem menção a esta presença.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
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Processo de reassentamento e indenização de comunidades removidas
Cerca de 270 famílias ribeirinhas foram removidas das margens do Rio Madeira para dar lugar ao reservatório de água da
hidrelétrica de Santo Antônio. No reassentamento de populações removidas verificou-se reclamação generalizada de piora das
condições de vida por redução da receita, assim como de má qualidade na construção das casas e vias públicas, subindenização
de terras e benfeitorias, alteração do modo de vida dos reassentados (com redução significativa da renda familiar), concessão de
lotes muito pequenos (de 3 a 9 hectares) e em área de baixa fertilidade, entre outras.
Alguns casos são considerados exemplares da piora da qualidade de vida das populações afetadas No caso da comunidade
de pescadores de Engenho Velho, as famílias tiveram o seu local de pesca interditado para a realização das obras pela Santo
Antônio Energia, além de terem sido deslocados para uma área que já tinha outros pescadores. Já os moradores de Jaci Paraná,
distrito de Porto Velho atingido pela hidrelétrica de Santo Antônio, estão sofrendo com alagamentos. Segundo os atingidos,
toda a área onde ocorreu o alagamento é pantanosa e foi modificada pela construção da usina. “Nós tínhamos uma mata que
protegia nós; eles fecharam essa área e agora quando o rio enche não dá conta de segurar e nós ficamos alagados. (...) eu moro
aqui há dez anos, tem uma senhora que mora há cinquenta e nunca aconteceu isso”, contou uma moradora8.
Impactos ambientais
Os impactos do Complexo Madeira sobre a ictiofauna do rio – personificada no “bagre” ameaçado de extinção – geraram a
primeira grande polêmica envolvendo Jirau e Santo Antônio ao serem considerados pelo presidente Lula apenas um empecilho
ao projeto energético nacional. Já em dezembro de 2008, no entanto, a construção da barragem de Santo Antônio causou
a morte de onze toneladas de peixes, e nos últimos quatro anos, segundo os pescadores, a pesca, que produzia cerca de 29
mil toneladas/ano antes das obras das hidrelétricas, está inviabilizada. Além disso, os pescadores enfrentam dificuldades para
produzir nos assentamentos e ainda dependem da ajuda financeira da concessionária para sobreviver.
Com o enchimento do lago de Santo Antônio no final de 2011, a mortandade de animais se estendeu também aos mamíferos.
Em abril de 2012, o jornal Rondônia ao Vivo publicou uma série de denúncias sobre o extermínio em massa de tatus, pacas,
cotias e outros animais silvestres. De acordo com o jornal o contrato com a empresa YKS, que fazia o resgate, foi cancelado
sem ter sido finalizado o trabalho. Por fim, de acordo com levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as
hidrelétricas do Madeira têm sido um dos principais vetores do desmatamento na Amazônia nos últimos anos.
Violação da legislação
Uma primeira violação de acordo internacional se detecta com a falta das oitivas indígenas, impactadas pelo Complexo Madeira.
Além da própria Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, garante às populações tradicionais e
indígenas o direito de oitivas sobre projetos que afetem seu território. Tal consulta não ocorreu.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
160
Também o licenciamento ambiental das usinas do Rio Madeira ocorreu em franca violação das normas que regem os
procedimentos, contrariando, inclusive, um parecer técnico do próprio Ibama (Parecer Técnico nº 014/2007 – Cohid/CGENE/
Dilic/Ibama). Neste sentido, a autorização da mudança do eixo da hidrelétrica de Jirau em 9 km e a elevação da cota da hidrelétrica
de Santo Antônio foram feitas sem a realização de novos estudos de impacto ambiental e audiências públicas para apresentação
dessas alterações, assim como foi concedida licença parcial de instalação, que não está prevista na legislação brasileira.
No geral, como detectado anteriormente pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em
missão de 2006, sobre violações em obras de hidrelétricas, aplicam-se a Santo Antônio e Jirau as mesmas conclusões referentes
ao desrespeito ao:
1. Direito à informação e à participação;
2. Direito à liberdade de reunião, associação e expressão;
3. Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida;
4. Direito à moradia adequada;
5. Direito à educação;
6. Direito a um ambiente saudável e à saúde;
7. Direito à melhoria contínua das condições de vida;
8. Direito à plena reparação das perdas;
9. Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;
10. Direito de ir e vir;
11. Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e
imateriais;
12. Direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais;
13. Direito de grupos vulneráveis à proteção especial;
14. Direito de acesso à justiça e à razoável duração do processo judicial;
15. Direito à reparação por perdas passadas;
16. Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária.
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES
Apesar da ocorrência de trabalhado escravo nas usinas, do não cumprimento de condicionantes, da existência de ações
civis públicas contra o licenciamento ambiental de Jirau, da multa de R$ 475 mil por desmatamento ilegal aplicado ao
empreendimento no início de 2009 e das denúncias de caos social – aumento da violência, do uso de drogas, prostituição
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
161
infantil, piora dos serviços de saúde, etc. –, não consta que o BNDES tenha tomado alguma medida no sentido de implementar
suas alegadas salvaguardas socioambientais.
5- Condicionantes dos órgãos ambientais
No total, o licenciamento das duas usinas no Rio Madeira estipulou 144 condicionantes, mas não há monitoramento
de seu cumprimento
Condicionantes de Santo Antônio
A Licença de Instalação (LI) da hidrelétrica de Santo Antônio previu 48 condicionantes socioambientais para a obra, como: a
implantação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA); solução definitiva para o projeto do sistema interceptor de troncos e
flutuantes; revisão da área de inundação do reservatório considerando os efeitos de remanso derivados; realizar diagnóstico
do desequilíbrio sedimentológico e as cíclicas alterações da concentração de sedimentos com a abertura das comportas;
realizar a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs); averbar as Reservas Legais relocadas e as das propriedades
adquiridas para reassentamento da população afetada pelo empreendimento; identificar áreas com potencial para retenção de
peixes, durante o enchimento e operação da usina; elaborar, em substituição do Subprograma de Monitoramento da Atividade
P esqueira, o Programa de Compensação Social da Atividade Pesqueira; prestar contas sobre os processos de remanejamento de
populações atingidas, entre outras.
Condicionantes de Jirau
Na Licença Prévia (LP) da usina de Jirau foram fixadas 33 condicionantes que deveriam ser cumpridas para a emissão da Licença
de Instalação (LI). Não atendidas estas medidas, em 3 de junho de 2009, com a publicação da LI nº 621/2009 pelo Ibama e,
posteriormente, do Ofício nº 577/2009 – Dilic/Ibama, datado de 4 de junho de 2009, foram apresentadas novas condicionantes
ambientais e exigências complementares à LI para diversos programas ambientais relacionados ao aproveitamento em questão,
como garantir a reprodução de peixes, avaliar o comportamento hidráulico geral do rio, demolir e retirar todas as estruturas das
ensecadeiras e demais obstáculos ao fluxo físico /biótico do rio, além de programas de recuperação de áreas degradadas, de
remanejamento da população atingida e do programa de compensação social.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
162
6- Atuação do Ministério Público
Cada uma das obras do complexo hidrelétrico no Rio Madeira já recebeu mil autuações da Superintendência Regional do
Trabalho por violação à legislação trabalhista. O Ministério Público do Trabalho conduz diversos Inquéritos Civis Públicos
em que estão sendo investigadas as condições de trabalho nessas obras. A construção das hidrelétricas do Rio Madeira
motivou o ajuizamento de sete Ações Civis Públicas pelo Ministério Público Federal, além da abertura de pelo menos sete
Inquéritos Civis Públicos no âmbito do Ministério Público Federal para averiguação de violação de direitos. Diferente de outros
empreendimentos semelhantes, em que também foram movidas ações judiciais impugnando ilegalidades no processo de
licenciamento e na construção, a Justiça Federal de 1º grau indeferiu a maior parte dos pleitos apresentados.
Ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra as usinas do Rio Madeira9:
1 - Ação Cautelar Ambiental 2006.41.00.004390-1 – 5ª Vara Federal de Rondônia (7/11/2006) – Objeto: Garantia do direito à
informação da sociedade rondoniense e sua possibilidade de participação na discussão do projeto – a reavaliação dos estudos
de impacto ambiental sendo a questão principal. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação
expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os
autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: não houve.
2 - Ação Civil Pública 2006.41.00.004844-1 (dependente 2006.41.00.004390-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (5/12/2006) –
Objeto: Garantia do direito à informação da sociedade rondoniense e sua possibilidade de participação na discussão do projeto.
Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial.
Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se.
Intime-se”. Interposição: não houve.
3 - Ação Civil Pública 2006.41.00.000730-9 – 1ª Vara Federal de Rondônia (17/2/2006) – Objeto: Defender a Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, tombada pela Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e pela Assembleia Constituinte do Estado
de Rondônia, das obras de prospecção em Santo Antônio e Jirau, no Alto Rio Madeira, para a instalação das hidrelétricas. Decisão
1º Grau (3/7/2009): “(...), II - Determino, de conseguinte, a extinção do processo, sem julgamento meritório, nos termos do
Código de Processo Civil, artigo 267, inciso VIII. III - Deixo de fixar condenação em honorários advocatícios e custas processuais
(Lei 7.347/85, art. 18). IV - Observadas as formalidades legais, arquivem-se, com baixa na distribuição. V - Publique-se. Registre-
se e intimem-se”. Interposição: em 29/1/2009 – pendente.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
163
4 - Ação Civil Pública 2007.41.00.001160-0 (dependente 2006.41.00.004844-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (14/3/2007) – Objeto:
Anulação do processo de licenciamento ambiental do Complexo do Rio Madeira – Usinas de Jirau e Santo Antônio – devido à
ausência de estudo de impacto ambiental da Linha de Transmissão, dos impactos do empreendimento sobre os usos e costumes
das populações indígenas e de participação da sociedade rondoniense no debate. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições,
à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do
autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: em 4/2/2010) – pendente.
5 - Ação Civil Pública 2008.41.00.005474-0 (dependente 2006.41.00.004390-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (25/8/2008) –
Objeto: Contesta a alteração do local de implementação da Usina de Jirau, após os Estudos de Viabilidade Ambiental e Estudo
de Impacto Ambiental já feitos terem anuído com a realização da obra em local diverso, realizada pelo consórcio vencedor da
licitação sob o argumento de menores custos, o que decorreria da menor quantidade de escavação e importaria em menor dano
ambiental. Decisão 1º Grau: pendente.
6 - Ação Civil Pública 2008.41.00.007770-3– 5ª Vara Federal de Rondônia (início: 11/12/2008) – Objeto: Contesta a expedição
de Licença de Instalação da Usina Hidrelétrica de Jirau após a proposição da Ação Civil Pública 2008.41.00.005474-0 e antes
de uma decisão do Poder Judiciário, solicitando a ilegalidade desta licença e pedindo a imposição de multa aos responsáveis
por ela. Decisão 1º Grau (16/9/2009): “Os atos administrativos só se revestem de improbidade se ostentarem indícios de
desonestidade ou má-fé. Daí a ausência de elementos indicativos da prática de ato ímprobo, conducente ao indeferimento
da inicial”; “III - Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, rejeito a inicial e determino a extinção do processo,
nos exatos termos da Lei 8.429/92, art. 17, § 8º(7). Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé dos autores. Arquivem-
se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se”. Interposição: em 21/10/2009. Recurso (15/10/2010):
Apelação Provida – “a petição da ação de improbidade encontra-se revestida de suporte fático e jurídico suficiente para sua
admissibilidade. Com efeito, a petição inicial descreve fatos que estão a configurar, em tese, atos de improbidade administrativa
descritos na Lei nº 8.429/92, sendo prematura a rejeição da inicial da peça de ingresso”; “Diante disso, dou provimento à
apelação, para o fim de, tornando insubsistente a v. sentença apelada, determinar o retorno dos autos ao MM. Juízo Federal a
quo, a fim de que o processo tenha o seu regular prosseguimento”.
7 - Ação Civil Pública 16372- 29.2010.4.01.4100 – 5ª Vara Federal de Rondônia (22/10/2010) – Objeto: Sanar as irregularidades no
processo de compensação aos moradores da área de Mutum Paraná removidos em virtude da instalação da Usina de Jirau, no
que diz respeito tanto à falta de transparência no pagamento de indenizações quanto à falta de infraestrutura básica no local de
remanejamento dos moradores. Decisão 1º Grau: pendente.
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
164
Inquéritos Civis em curso no Ministério Público Federal sobre as usinas do Rio Madeira10
Data Número Resumo
19/1/2009 1.31.000.000054/2009-90Apurar a responsabilidade civil pela morte de onze toneladas de peixes de várias espécies, por ocasião da construção das ensecadeiras da usina hidrelétrica de Santo Antônio.
11/2/2009 1.31.000.000115/2009-19Apurar a regularidade do processo de licenciamento ambiental das obras da usina hidrelétrica de Jirau.
11/5/2010 1.31.000.000565/2010-45
Acompanhar a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias sociais, ambientais e econômicas pelas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, estado de Rondônia.
21/5/2009 1.31.000.000611/2009-72
Apurar a construção de obras de ensecadeiras na usina hidrelétrica de Jirau, utilizadora de recursos ambientais e potencialmente poluidora, deixando de atender à condicionante 2.2 da Licença de Instalação nº 563/2008.
1o/6/2009 1.31.000.000750/2009-04
Apurar a regularidade do processo de renúncia da licença ambiental concedida à Cooperativa- Coogarima, à Cooperativa Minaccop e a Geomário Leitão de Sena pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, em favor de possível concessão à empresa Madeira Energia S.A. para a construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio e da eventual doação de equipamentos.
28/7/2009 1.31.000.001115/2009-36
Acompanhar o cumprimento do Oficio 067/09-Gepan/Depan/Iphan, encaminhado ao Diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, que estabelece medidas mitigatórias e compensatórias à concessão da Licença de Instalação da usina hidrelétrica de Jirau, de forma a proteger e preservar o patrimônio arqueológico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
16/9/2010 1.31.000.001218/2010-30
Acompanhar o processo de licenciamento ambiental do empreendimento denominado Linha de Transmissão de 600 KV, coletora Porto Velho-Araraquara nº 2, que vai interligar as usinas Santo Antônio e Jirau ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
165
1 PLATAFORMA DHESCA BRASIL/Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente. Violações de Direitos Humanos nas Hidrelétricas do Rio Madeira. Relatório Preliminar de Missão de Monitoramento. Porto Velho (RO), abril de 2011. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-humanos/violacoes-dh-rio-madeira; Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (Ainda). Estudo de Caso Rio Madeira. Disponível em: http://dev.aida-americas.org/sites/default/files/Estudo_de_caso_Madeira.pdf. SWITKES, Glenn. A Pedra Fundamental da IIRSA. In: SWITKES, Glenn; BONILHA, Patrícia. Águas Turvas: Alertas sobre as Consequências de Barrar o Maior Afluente do Amazonas. São Paulo: International Rivers, 2008. p. 16. FURNAS, ODEBRECHT, LEME. Relatório de Impacto Ambiental das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, 2005. p. 36-38. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/arquivos/195010.zip. Nota Técnica 071/2007, 4a Câmara da Procuradoria da República – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. GOULDING, Michael et al. Las Fuentes del Amazonas: Ríos, Vida y Conservación de la Cuenca de Madre de Dios. Asociación para la Conservación de la Cuenca Amazónica, 2003. p. 13.
2 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.
3 Idem.
4 Idem.
5 Trabalho escravo é encontrado em obra ligada à usina do Madeira. Publicado em 26 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1664.
6 Um ano depois de quebra-quebra, operários da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, entram em greve. Publicado em 14 de março de 2012. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/03/14/operarios-da-hidreletrica-de-jirau-em-rondonia-voltam-a-cruzar-os-bracos-apos-um-ano.htm..
7 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.
8 Atingidos por hidrelétrica Santo Antônio sofrem com alagamentos. http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/31-destaque/281-atingidos-por-hidreletrica-financiada-pelo-bndes-sofrem-com-alagamentos
9 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.
10 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.
Agradecemos à jornalista Verena Glass pelas importantes contribuições e comentários.
As principais fontes de informação desta seção são:
CASO VERACEL
166
1- Descrição do empreendimento
O Projeto Veracel II pretende aumentar a produção da atual
fábrica da empresa transnacional Veracel Celulose, uma das
líderes mundiais no setor de celulose e papel, em mais 1,5 milhão
de toneladas anuais. Para isso, ela solicitou licença para plantar
mais 107 mil hectares de terra, totalizando uma área de cerca de
200 mil hectares de eucalipto em 17 municípios na região do sul
da Bahia1.
O complexo fabril da Veracel está sediado em Eunápolis desde
2005 e suas operações abrangem os municípios Canavieiras,
Belmonte, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Mascote, Porto
Seguro e Santa Cruz Cabrália, além de Eunápolis, todos com
plantações de eucalipto2. No seu Relatório Anual de Sustentabilidade 2011, a empresa declara uma produção de 1,054 milhão de
toneladas em 2011, com meta de 1,1 milhão de toneladas para 2012. Declara também que o total de terras em sua propriedade é
de 211.424 hectares, que o plantio de eucalipto ocupa 90.453 hectares e que o seu Programa Produtor Florestal abrange um total
de área plantada (2003 a 2011) de 20.442 hectares, totalizando 104 produtores rurais3. Apenas em Eunápolis, por exemplo, a área
que a Veracel ocupa totaliza 40% das terras agricultáveis e 20,14%4 da área do município5.
A empresa conta com o Terminal Marítimo de Belmonte (TMB), que viabiliza o escoamento da produção para o Portocel
(Terminal Especializado Barra do Riacho S.A., no Espírito Santo), de onde a celulose segue para o mercado internacional,
especialmente Europa, Estados Unidos e Ásia6.
Originalmente com o nome de Veracruz Florestal, então subsidiária da Odebrecht, esta empresa começou a comprar terras
no extremo sul da Bahia em 1991 e a plantar eucalipto em 1992. Cinco anos depois, a Odebrecht e a empresa sueca Stora se
associaram. No ano seguinte, a razão social da empresa mudou para Veracel Celulose S.A. A fusão entre a Stora e a finlandesa
Enso se concretizou em 1999. A Aracruz ingressou no empreendimento no ano seguinte, enquanto a Odebrecht diminuía
a sua participação. Em 2000, as empresas proprietárias da joint venture Veracel Celulose S.A. eram a sueco-finlandesa Stora
Enso, com 50% das ações, e a Aracruz Celulose S.A. (atualmente Fibria)7, com os outros 50%.
A Fibria foi criada em 2009 como resultado da compra da VCP – Votorantim Papel e Celulose S.A., das ações do Grupo
Lorentzen e do Banco Safra, que compunham a Aracruz Celulose. Com isso, o Grupo Votorantim e o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se tornaram os proprietários da empresa, com mais de 1 milhão de hectares de
terra no Brasil.
Vere
na G
lass
CASO VERACEL
167
Com uma área de 875 mil hectares plantados com eucalipto, a Fibria tem operações no Espírito Santo, em Minas Gerais, Rio
Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia. Ela opera quatro fábricas com capacidade de 5,25 milhões de toneladas
de celulose por ano8. A estrutura societária da Fibria é composta da Votorantim Industrial S.A.9, com 29,34% das ações, da
BNDESPar, com 30,42%10, e free float (ações em circulação no mercado). Ela participa com 51% da Portocel, além dos 50% da
Veracel Celulose S.A.11.
2- Valor do empréstimo
O BNDES concedeu um empréstimo à Veracel Celulose no valor de R$ 1,45 bilhão, aprovado em dezembro de 200312 (ano do
início das obras de construção da fábrica, que entrou em operação em 2005)13. Este foi o maior investimento do BNDES para
uma empresa privada no governo Lula14. Segundo informações disponibilizadas no site da então empresa Aracruz Celulose,
a viabilização do projeto da fábrica da Veracel Celulose foi possível através dos subsídios dos seguintes bancos estatais de
investimentos: R$ 1,4 bilhão do BNDES, US$ 80 milhões do Banco Europeu de Investimento (EIB) e US$ 70 milhões do Banco
Nórdico de Investimento (NIB)15.
O BNDES possui uma carteira para o financiamento a investimentos sociais de empresas, os propalados “programas sociais”,
desde 2006. Segundo um parecer do Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia “a Linha de Investimentos Sociais de
Empresas veio substituir o antigo Programa de Apoio ao Investimento Social (PAIS). Esta nova linha de financiamento está
destinada à implantação, expansão e consolidação de projetos sociais realizados pelas empresas ou em parceria com instituições
públicas ou organizações sem fins lucrativos. Esta linha se divide em duas modalidades: apoio a investimentos no âmbito das
comunidades localizadas na área de influência geográfica da empresa e apoio a investimentos dentro da própria empresa. Para
as ações destinadas às comunidades não são cobradas taxas de remuneração, apenas a Taxa de Juros a Longo Prazo (TJLP).
O nível de participação do Banco vai até 100% do projeto”16. A Veracel foi beneficiada com um investimento social de R$ 19,7
milhões financiados pelo BNDES, diz o parecer. “Estes dados permitem refletir que o processo de legitimação da empresa junto
às comunidades passa necessariamente pelo financiamento do Estado. Neste quadro, os programas de responsabilidades
socioambientais das empresas não representariam uma ausência do Estado, mas sua forte presença monetária, administrada,
entretanto, sob os critérios e auspícios da empresa”17.
3- Impactos socioambientais
O processo de implantação da Veracel Celulose S.A., a partir de 1991 (então Veracruz Florestal), os plantios de eucalipto e a
construção da fábrica de celulose promovem, desde o início, uma série significativa de crimes socioambientais, irregularidades
e ilegalidades, amplamente denunciados por comunidades locais e vizinhas (população urbana, camponeses e indígenas),
por trabalhadores e por organizações da sociedade civil18. Estas denúncias foram confirmadas pelo Instituto Brasileiro de
CASO VERACEL
168
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Porto Seguro, constatadas e acionadas as responsabilidades pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA), pela Justiça Federal e, mais recentemente, pelo Ministério Público do Estado da Bahia
(MPE), bem como pelo Ministério Público Federal (MPF). Em 2006, o MPF julgou uma ação civil pública e anulou todas as
resoluções do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) referentes às licenças, além de ter condenado a Veracel à
obrigação de recuperar todas as áreas plantadas com eucalipto. Apesar das denúncias e constatações oficiais, a implantação do
empreendimento Veracel II foi facilitada e beneficiada por diversas concessões de licenças ambientais ilegais (com violações
de leis ambientais de âmbito municipal, estadual e federal) por parte de órgãos ambientais locais, como o Cepram e o Centro de
Recursos Ambientais da Bahia (CRA)19.
Fábula da geração de empregos20
Na fase de implantação, a empresa divulgou a promessa de geração de mais de 12 mil empregos diretos e indiretos, porém,
após o término das obras de instalação, a redução de empregos foi drástica. Trata-se de um setor altamente mecanizado que
emprega poucos trabalhadores (em 2006, apenas 741). Considerando o investimento de US$ 1,5 bilhão aplicado na fábrica, o
custo por emprego direto gerado é de US$ 2,02 milhões. Considerando a quantidade de terras, a relação é de um emprego direto
para cada 103 hectares. O elevado nível de terceirização dos empregos torna-se um agravante por conta da intensa precarização
do trabalho e da ausência de respeito aos direitos trabalhistas, afetando trabalhadores diretos e, sobretudo, indiretos. Em um
levantamento feito pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), em 2007,
junto ao Tribunal Regional do Trabalho, 5ª Região, constatou-se que a Veracel Celulose está envolvida em 863 processos na
Justiça do Trabalho, parte deles sob a investigação do Ministério Público do Trabalho, além da alta taxa de LER/Dort21.
Monocultura de eucalipto em grande escala, manejo e consequências socioambientais 22
Plantações em grande escala de espécies de árvores de rápido crescimento, como é o caso do eucalipto manejado no Brasil,
aumentam a pressão sobre a vegetação nativa e as terras agricultáveis de grande valor e causam desastres ambientais e sociais,
desestruturando economias locais.
Desmatamento, plantio e violação de direitos socioambientais
A Veracel cometeu os seguintes crimes/irregularidades:
a) desmatamento da Mata Atlântica23 para o plantio de eucalipto nos anos 1990 (com ausência de conectividade entre as
ilhas de vegetação nativa imersas no mar de eucaliptos). A empresa continua desmatando as áreas de regeneração;
b) plantio de eucalipto dentro de perímetros urbanos (distritos e cidades) e dentro de cemitérios, com evidências de
suborno de vereadores24 diante das tentativas de elaboração de leis limitantes por vereadores preocupados com a
expansão desorganizada do eucalipto, a exemplo dos municípios de Canavieiras, Itagimirim, Santa Cruz de Cabrália,
CASO VERACEL
169
Porto Seguro e Eunápolis, de modo que o MPE25 chegou a instaurar inquérito26;
c) plantios dentro de áreas das comunidades rurais, nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), em encostas, margens
de córregos, lagoas e rios, nas zonas de amortecimento de Unidades de Conservação (UCs), segundo o Ibama/2006,
contrariando Recomendação nº 1 do Ministério Público Federal/Ilhéus/2005).
Invasão de áreas tradicionalmente ocupadas
a) Povo Indígena Pataxó – A Frente de Resistência Pataxó denuncia que, dos 120 mil hectares do Território Pataxó, a
Veracel invadiu cerca de 30 mil hectares; somente dentro da Terra Indígena, identificada pela Fundação Nacional do
Índio (Funai) com 52.748 mil hectares 27, há 1.645 hectares com eucalipto da Veracel.
Grave comprometimento da segurança alimentar
a) destruição da agricultura tradicional familiar (pequenas e diversificadas produções de alimentos) e das lavouras de
subsistências (situação diagnosticada já em 1998 pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
- SEP) e isolamento das poucas famílias restantes que permanecem ilhadas pelo plantio e sob grande pressão para
venderem suas terras;
b) migração de milhares de famílias da pequena produção rural para as periferias das cidades (famílias sem habilidades e
qualificações para sobrevivência no espaço urbano), em função da crescente concentração de terras verificada
da década de 1960 a 1980, portanto intensificada nos anos 1990 com a compra de vastas extensões de terras pelas
grandes empresas do ramo da celulose28 e a invasão das terras devolutas com expulsão de posseiros29 – só o
município de Eunápolis perdeu cerca de 7 mil famílias camponesas de 1996 a 2000 e a sua população urbana cresceu
33% entre 1991 e 200730;
c) invasão de áreas do Estado – terras devolutas – que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária, bem como a
supervalorização das terras dificultando a viabilização da Reforma Agrária.
Inchaço e falta de perspectivas nas áreas urbanas atingidas
a) no período da instalação da empresa na região (1991-1996), com a atração de mão de obra na construção da empresa
(aproximadamente 4 mil trabalhadores), houve uma intensificação dos fluxos de migração a ponto de o crescimento
demográfico da área urbana chegar a ser o mais alto do estado da Bahia31;
b) aumento vertiginoso da prostituição e grande número dos chamados “filhos da Veracel” na época da construção
da fábrica32;
c) eliminação de oportunidades de emprego ou de ganhos para pequenos produtores independentes e pauperizados,
atingidos pelas grandes perdas da população rural, em fenômeno conhecido como “expulsão do homem do campo”;
d) crescimento desordenado das cidades na região atingida.
CASO VERACEL
170
Contaminação química do solo, das águas e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados)
a) uso de agrotóxicos nas plantações – o Roundup (da Monsanto), cujo princípio ativo é o Glifosato – e a Isca Mirex, cujo
principio ativo é a sulfuramida33;
b) a utilização de cloro na produção de celulose, utilização em 100% da tecnologia ECF (livre do cloro elementar e
utilização do dióxido de cloro), que diminui mas não elimina totalmente a formação de dioxina (organoclorado
altamente tóxico carcinogênico e teratogênico que leva de anos a séculos para se degradar), apesar de no EIA-Rima da
construção da fábrica de celulose constar que a tecnologia a ser utilizada pela empresa seria a TCF (Totalmente Livre
de Cloro), a empresa optou pela tecnologia ECF anos depois sem estudos complementares e nenhuma providência do
órgão licenciador, o CRA, que manteve a licença34.
Segundo informações do Cepedes, na região do extremo sul da Bahia, são cerca de 700 mil hectares de eucaliptos plantados, e,
segundo informações da Veracel, são usados 9 litros de Roundup por hectare. Sobre a Isca Mirex, a empresa apenas informa que
seu uso se dá em “quantidades seguras”35.
O Glifosato e o Mirex são substâncias consideradas perigosas para a saúde pública e o meio ambiente em função de
propriedades como a elevada persistência no meio ambiente, a capacidade de serem transportadas por longas distâncias através
do ar e da água, além de serem substâncias altamente tóxicas e bioacumulativas. Na Convenção de Estocolmo passaram a ter
sua produção e uso proibidos em nível global. Esta é mais uma das situações graves provocadas pela monocultura de eucalipto36.
Impactos sobre os recursos hídricos (quantidade e qualidade)37
a) descumprimento de condicionantes, tal como a Resolução 707/93 do CRA em função do alto consumo de água pelas
plantações e fábricas;
b) redução de água disponível em comunidades vizinhas – verifica-se secagem rápida de rios, córregos e lagos após o
plantio de eucalipto;
c) elevado consumo de água na fabricação de celulose – água retirada do Rio Jequitinhonha, sendo 94 mil m3/dia – 100
mil habitantes consomem 6 mil m3/dia;
d) lançamento de efluentes industriais nos rios Mucuri e Jequitinhonha (sob o controle da própria empresa); o Rio Santa
Cruz foi afetado pelo uso ilegal por parte da Veracel de substância tóxica (multada pelo Ibama em 2007);
e) a limpeza da lagoa de tratamento de efluentes só funciona se a fábrica estiver em funcionamento. Atualmente, várias
centenas de milhares de metros cúbicos de sedimentos tóxicos encontram-se no fundo da lagoa.
Em suma, hoje o extremo sul da Bahia é marcado pelo aprofundamento das desigualdades sociais e regionais provocado
pela monocultura de eucalipto e pela produção de celulose que fornecem pouco trabalho e não produzem alimentos, forjando a
cada ano um amplo rastro de violações de direitos humanos e socioambientais.
CASO VERACEL
171
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES
Não há o conhecimento de condicionantes ou salvaguardas ambientais do BNDES. Porém, cabe citar que a empresa Veracel
tem utilizado estratégias para legitimar suas atuações através de investimentos em saúde, educação, saneamento, segurança
pública. Segundo consta em site da empresa, por meio do Instituto Veracel (criado em 2002, instaura e implementa a atuação
da empresa na área de ação social), foram investidos milhões em ações consideradas sociais (“projetos sociais”) na área de
influência de seu empreendimento. O Cepedes, em 2008, denunciou “fatos absurdos” sobre a orientação de coordenadores do
Instituto Veracel e seus “projetos sociais”, como o projeto de educação envolvendo mais de 1.300 crianças, cujo funcionamento
se deu quando foi conveniente para a empresa (nas visitas do BNDES e de visitantes estrangeiros e certificações), bem como
o uso destas ações como marketing, além da cooptação de lideranças comunitárias e da promoção de conflitos no seio das
comunidades38. A Veracel também tem financiado as polícias (Federal, Civil e Militar) da região, através da construção de quartéis
e compra de viaturas como parte de “um programa de apoio ao desenvolvimento das atividades destas corporações”. Parte dos
recursos destas ações, embora sejam apresentados como projetos apenas da empresa, conta com financiamento do BNDES,
enfraquecendo o papel do Estado e lhe conferindo uma imagem de “responsabilidade social”.
5- Condicionantes dos órgãos ambientais
Uma das alegações do Ministério Público Estadual (MPE) para se opor à duplicação da Veracel (Veracel II) é que as
condicionantes da Veracel I ainda não foram cumpridas em diversos aspectos. Por isso, o MPE tem ajuizado contra a Veracel
um grande número de ações ambientais e outras. Foi feito um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2010, mas, segundo
o MPE, ele não foi cumprido e esse foi um dos motivos e forte argumento para o MPE elaborar uma consistente Notificação
Judicial39 sobre a ampliação, na qual estão citadas as principais ações judiciais que existem.
Com relação às condicionantes ambientais, a Veracel acumula descumprimentos, a exemplo:
a) Resolução 707/1993 do CRA – Condicionante – “Plano de Manejo de preservação e manutenção da reserva florestal” – o
descumprimento refere-se ao plantio de eucalipto “em áreas onde a vegetação nativa seja de Mata Atlântica, Cerrado e
restinga ou áreas de tensão ecológica”;
b) Resolução 1.239 do CRA – 19/7/1996 – comunidades rurais – Condicionante – “apoiar programas de incentivo à
permanência e às atividades econômicas já existentes, sem lhes causar danos ou contribuir para a exclusão das áreas”;
c) Limite máximo de ocupação de terras com eucalipto – Condicionante – máximo “15% das terras dos municípios
litorâneos e 20% das terras dos demais municípios das áreas de influência direta” – a empresa não as cumpre ao
promover concentração de terras, êxodo do campo e monocultura excedendo os limites.
CASO VERACEL
172
Para o projeto Veracel II, o EIA-Rima, assim como o da proposta inicial, apresentou graves e repetidas inconsistências.
O Parecer Crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II, realizado pelo Cepedes e pela Fundação
Padre José Koopmans, em julho de 2011, observa que “o Rima não preenche minimamente os itens básicos prescritos na
resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n° 001 de 23/1/1986, artigo 9, que enumera o que deve conter
em um Rima”. Entre outras constatações de irregularidades, o Parecer destaca ainda:
a) “A empresa que elaborou o EIA-Rima é a Cepemar, grupo formado por cinco empresas que trabalham com serviços
ambientais, indústria do petróleo e gás, operação de portos e aeroportos e educação. A Suzano Bahia Sul, empresa
produtora de celulose também localizada no extremo sul da Bahia, possui 55% das ações da Cepemar40. Esta empresa
havia realizado o EIA-Rima do Plano de Expansão Portocel II (modernização e ampliação do porto) [no Espírito Santo]
e da construção da terceira fábrica da Aracruz Celulose (atual Fibria)” (p. 5).
b) “No contexto do licenciamento da nova fábrica da Veracel, a empresa contratou a consultoria chamada Ruschel &
Associados. Esta empresa oferece, entre outros serviços, o ‘suporte em audiências públicas’” (p. 5).
c) “O Rima carece de informações e análises sobre o que é umas das suas funções básicas – identificar os impactos
ambientais. Não são mencionados quais agrotóxicos e formicidas e em quais quantidades a empresa vai utilizar para o
cultivo dos eucaliptos (sabe-se que a Veracel faz uso corrente do Roundup)” (p. 7).
Segundo o Parecer, muitas falhas graves foram encontradas, como a falta de ART’s para a prestação de serviços relacionados
ao EIA-Rima conforme determina a resolução Cepram nº 3.961/2009. “Dez técnicos que integraram a equipe, inclusive o
coordenador geral, estão com registros irregulares no Conselho Regional Engenharia Arquitetura (Crea). Através de consultas
no sítio do Crea (regionais SP, MG, ES e BA) e por informações do Crea-BA vimos que seis técnicos estão irregulares em seu
Crea de origem e quatro deles não possuem o visto para trabalhar na Bahia, conforme requer a resolução do Conselho Federal
nº 191/70, no Artigo I: o profissional que pretende exercer atividade em qualquer região que não a de registro de origem deve
requerer o visto na carteira profissional (Crea) ou na carteira de registro provisório”41.
O Parecer aponta ainda que “conforme o diagnóstico sobre a silvicultura no extremo sul, elaborado pelo Instituto do Meio
Ambiente (IMA), a Veracel Celulose S.A. apresenta graves problemas em seu programa Fomento Florestal”. Segundo o Parecer,
foram identificadas irregularidades em 85 propriedades em dez municípios:
• Em relação às licenças municipais, a maioria dos plantios está sem licença ou com ela vencida.
• Em relação à Reserva Legal
CASO VERACEL
173
– 60% não possuem RL averbada;
– 32% – RL estão preservadas;
– 15% não possuem área para RL, pois todo o empreendimento possui eucalipto ou pastagens.
• Em relação à Área de Preservação Permanente (APP)
– 70% estão ocupadas com pastagens, eucalipto ou estão completamente antropizadas;
– 30% – totalmente preservadas ou com pequenas áreas em regeneração;
– 1% não possui APP.
Com relação ao Programa Produtor Florestal (Fomento Florestal), o Cepedes informa que “diversos problemas foram
levantados nas plantações de eucalipto dos fomentos na região. Muitas licenças foram canceladas devido à origem irregular,
como em Eunápolis, que teve licenças suspensas e plantios sequestrados pela justiça. No município de Itabela, todas as
licenças estão canceladas através do decreto 1064/2011, publicado em 14 de julho de 2011”.
“Neste contexto, a Veracel pretende ainda que 30% da madeira venha de áreas de fomento. O Rima silencia diante de
todas essas graves irregularidades. E ainda ignora totalmente os casos judiciais, movidos pelo Ministério Público Estadual,
envolvendo irregularidades de fomento na região e na empresa”42.
Multas aplicadas
Há várias multas aplicadas, ações judiciais e procedimentos administrativos, inclusive em andamento, contra as empresas Veracel e
sua proprietária Aracruz/Fibria43 (por ilegalidades, irregularidades e crimes ambientais). Alguns exemplos relatados até 200844:
a) Ibama – Auto de Infração 368874, 13/3/2007 – Multa de R$ 400 mil – uso ilegal (Lei nº 9.605/1998 e Decreto 3179/99)
de substância tóxica (herbicida stout-NA – princípio ativo glifosato – fabricado pela Monsanto do Brasil) em 31,6
hectares de “área de preservação permanente, cabeceiras de nascentes, margens de córregos, matando toda a
vegetação” (Relatório de Fiscalização do Ibama, 26/3/2007). Após parecer do Ibama, o Ministério Público Estadual
(MPE) denunciou a empresa Veracel Celulose S.A. à Justiça Federal por crime ambiental;
b) Ibama – Auto de Infração 212132, 22/12/2007 – Multa de R$ 360.900 – plantio em área de regeneração de Mata
Atlântica (1.203 hectares) em desacordo com licença e autorizações recebidas. O TAC entre Veracel e CRA para
revegetação de parte da área devastada não foi cumprido;
CASO VERACEL
174
c) Ibama – Multa de R$ 606 mil, em 2006 – plantio em 4,4% de área de amortecimento do Parque Nacional do
Descobrimento e do Parque Nacional Pau Brasil – descumprimento da Lei nº 9.985/2002 (Sistema Nacional de
Unidades de Conservação – Snuc) e da Lei nº 013/90 (Conama) – os plantios tiveram licença do CRA45;
d) MPF – Multa de R$ 20 milhões por crimes ambientais. (ver item 7)
6- Duplo padrão
Essa questão se aplica à transnacional Stora Enso como proprietária da empresa Veracel Celulose, que aplica seus recursos em
diversos países, inclusive o Brasil. Podemos afirmar que a Stora Enso se comporta de modo totalmente diferente nos seus países
de origem (Finlândia e Suécia) se comparada com o Brasil. Lembrando alguns aspectos e fatos que já repercutiram na Suécia:
(1) Financiamento direto de campanhas políticas (presidente, governador de estado, deputados federal e estadual, senador,
prefeitos e vereadores). Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, em 2006, a Stora Enso financiou R$ 1.006.604,0046. Na Suécia
não é permitido o financiamento privado de campanhas políticas;
(2) As maiores doações diretas das papeleiras para campanhas eleitorais foram feitas pela Aracruz Celulose/Fibria (R$ 4,7
milhões em 2010)47, empresa sócia da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, ambas proprietárias da Veracel Celulose;
o governador da Bahia, Jaques Wagner, recebeu R$ 250 mil na eleição de 201048;
(3) Sobre as atividades destas empresas no Brasil, é importante destacar que seu processo industrial poluidor utiliza produtos
químicos perigosos. A escolha do Brasil é interessante para estas empresas porque a fiscalização ambiental é mais frágil, e
há certamente menos condicionamentos ambientais do que nos países nórdicos em relação a isso;
(4) a Veracel tem financiado as corporações policiais (Federal, Civil e Militar) no extremo sul da Bahia, também uma
prática que os nórdicos consideram, no mínimo, estranha. Podemos citar também que, em 2007, a Stora Enso
demitiu 2.109 trabalhadores na Europa, enquanto anunciava a construção de nova fábrica de celulose na Bahia (Veracel
II) e no Uruguai, sem intervenção do governo sueco, pois “Os negócios externos são o fundamento do bem-estar da
Suécia” (palavras do governo da Suécia)49.
(5) Processo de certificação selo FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal) – A Veracel nunca poderia ter sido
certificada pelos inúmeros problemas já listados neste documento. Há anos que Organizações Não Governamentais (ONG)
como a Timberwatch Coalition (África do Sul), o FSC-Watch e fóruns de movimentos sociais como a Rede Alerta Contra
o Deserto Verde (Brasil) e o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicas (WRM, sigla em inglês) pressionam o FSC, sem
sucesso, para parar de certificar monoculturas em larga escala. O Cepedes, junto com quarenta outras ONGs, sindicatos,
movimentos ambientalistas e comunidades indígenas, enviou uma carta para informar o FSC sobre os impactos negativos
da Veracel. Contudo, a Veracel recebeu o certificado/selo50.
Diante das ilegalidades e irregularidades, o Cepedes afirma que o selo FSC serve apenas para enganar os consumidores no
CASO VERACEL
175
Norte Global. “Esta certificação comprova que todo processo produtivo de uma empresa, desde a produção de sementes de
eucalipto até a fabricação de celulose, é realizado de forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente
viável. E pelo que podemos verificar ela é apenas economicamente viável... e economicamente viável para os seus acionistas
estrangeiros! Restam apenas miséria, fome e desemprego para o povo brasileiro!”51
7- Atuação do Ministério Público
MPF (Ministério Público Federal) – Subseção Judiciária de Eunápolis
a) Processo 2006.33.10.005010-8 (Diário Oficial da União - DOU 17/06/2008) – Decorrência de uma Ação Civil Pública
proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), em 199352, contra: Veracel (Veracruz Florestal na origem do processo),
Ibama, IMA e CRA. Sentença: multa de R$ 20 milhões por crimes ambientais (desmatamentos da floresta nativa de 96
mil hectares nos municípios de Eunápolis, Belmonte e Santa Cruz Cabrália nos anos 1990); sentença: reflorestamento
da área desmatada com vegetação nativa do bioma da Mata Atlântica. A sentença judicial desqualifica o CRA como
órgão competente para licenciar as atividades da Veracel e anula as licenças ambientais concedidas entre 1993 e 1996
(Estado da Bahia e pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente – Cepram); sentença: obriga elaboração do EIA-Rima.
Ministério Público Estadual
a) Procedimento Administrativo Portaria nº 15/26/052008 – Promotoria de Justiça da Comarca de Eunápolis/BA – para
que a empresa revegetasse a área total devastada, 1.203 hectares;
b) Recomendação nº 001/2008 – parte do Inquérito Civil nº 03/2008 – omissão do Estado da Bahia em proceder
com o zoneamento Ecológico Econômico (zEE) [artigo 46 do Código Florestal], omissão do CRA em proceder com a
fiscalização efetiva da degradação ambiental provocada pela Veracel (plantio indiscriminado de eucaliptos)
prejudicando a sustentabilidade econômica do município de Eunápolis/BA, que o CRA reconsidere os limites de
20% para plantio de eucalipto no município (condicionante), pois a Veracel ocupa (2008) 15,1% da área do município
com eucaliptos e 40% das terras agricultáveis;
C) Ação Civil Pública nº 1081418-5/2006 contra Veracel e o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Eunápolis
(Comdau) – pedido de nulidade de votação de licenças ambientais para quatro projetos de Fomento Florestal: não é
competência do município, mas do estado, conceder este tipo de licenciamento; a Veracel influenciou votação das
licenças; faltou EIA-Rima – havia várias áreas com proposta acima de 100 hectares (Resolução 001 do Conama); o
presidente do Comdau “passou a ser Secretario [Municipal] do Meio Ambiente por exigência da empresa, da qual o
gestor do Município esperava receber adiantamento de impostos, o que não foi conseguido em razão da intervenção
deste signatario ja nas proximidades da eleição de 2004, que enviou ofício à empresa advertindo-a que tal conduta era crime”;
D) Ação Civil Pública nº 1081431-8/2006 – improbidade administrativa contra o prefeito de Eunápolis e dois conselheiros
CASO VERACEL
176
do Comdau, Veracel e outros, por favorecimento de interesses da empresa;
E) Portaria 14/16-04-2008 – 2ª Promotoria Pública/BA – inquérito/subornos: “caracteriza ato de improbidade previsto
no artigo 11 da Lei 8.429/92, pois tal conduta caracteriza o delito de corrupção passiva e ativa por parte dos vereadores”,
por ocasião da votação de leis municipais limitantes do plantio/eucalipto;
F) Ação Civil Pública nº 2497100-2 2009 – Decisão (29/9/2009) do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, acatando
pedido de liminar proposta pelo MPE na citada Ação Civil Pública contra a empresa Veracel Celulose e autoridades
ambientais da Bahia. O juiz decidiu: proibição do plantio de eucalipto da Veracel em Eunápolis, até a “adequação das
areas que lhe foram legalmente licenciadas”; que o IMA e o Cepram da Bahia não poderiam mais conceder licenças
para o plantio em Eunápolis até que fosse concluída uma Avaliação Ambiental Estratégica e implementado
um zoneamento
Ecológico e Econômico do município; o limite máximo no município de Eunápolis de 20% de plantio de eucalipto,
conforme o condicionante 1.239 de 1996, sendo plantio próprio da empresa e também o plantio terceirizado através
do chamado “fomento florestal”; determinou que apenas as terras agricultáveis fossem consideradas e não toda a área
do município; que sejam excluídas as áreas urbanas, as de reserva legal e de preservação permanentes; que os órgãos
competentes façam uma avaliação ambiental estratégica conforme as necessidades do município em termos da
expansão das atividades “agropecuarias”, com ênfase nas atividades de agricultura de subsistência, preocupação com a
segurança alimentar do município; que sejam divulgados o nome e a qualificação das empresas que assumirão
a tarefa de realizar essa avaliação ambiental estratégica. O juiz baseia essa determinação numa constatação do próprio
IMA, que existem 37 mil hectares de “plantio clandestino”, sem falar dos plantios do fomento, “que estão regulares
ou ilegais, os quais conduzem ao enriquecimento ilícito da aludido empresa, por meio de aquisição de matéria
prima de origem ilícita (...), com enormes prejuízos para o meio ambiente”; o juiz determinou ainda que é preciso um
acompanhamento “a cada corte” (licença permite um máximo de 96 mil hectares); que o Cepram cobre recursos
financeiros da Veracel como compensação ambiental pelo plantio de eucalipto “autorizado aleatoriamente”, para ser
usado para criação de unidades de conservação, e para que reveja o licenciamento ambiental do fomento; por fim,
determinou que o Banco do Brasil e o BNDES não liberem novos recursos para o plantio de eucalipto no município de
Eunápolis que tenha como beneficiário a Veracel, considerando que tais plantios são considerados ilícitos. Por fim,
requer que seja aplicado aos requeridos os ônus da sucumbência. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000.000,00
(um bilhão de reais)53;
G) Processo nº 0002057-50.2011.805.0079 – Notificação Judicial (art. 867 e SS. do CPC), 18/7/2011; Ordem nº 2189/20-
07-2011 – dirigida ao Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Eunápolis/BA, contra a Veracel
Celulose S.A.; o Estado da Bahia; o Cepram – Conselho Estadual do Meio Ambiente, órgão consultivo, deliberativo e
recursivo do Sistema de Administração dos Recursos Ambientais, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente (Sema); o
Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema); a Cepemar Serviços de Consultoria de Meio Ambiente Ltda.,
CASO VERACEL
177
pessoa jurídica de direito privado, com sede em Vitória (ES); e a Cosmos Engenharia e Planejamento Ltda., pessoa
jurídica de direito privado, com sede em Lauro de Freitas/BA. Refere-se: a uma série de pendências legais mediante
diversos processos de crimes ambientais, promovendo a miséria a centenas de famílias que gravitam sem seu entorno;
ao enganoso e irregular EIA-Rima, além da obtenção de licenças ambientais contínuas e de procedência ilegal no
processo assombroso de expansão das atividades da empresa sem os EIAs-Rimas; às transgressões normativas que não
se limitam a irregularidades ambientais, mas também outras, de natureza imobiliária igualmente preocupantes,
e “a Veracel, como empreendedora, não poderia cogitar de ampliação nas suas atividades de silvicultura, enquanto
não resolvesse o seu extenso passivo ambiental”. A Notificação, tratando de prevenir responsabilidades e garantir
direitos difusos, se reporta, aos bilhões de dólares injetados pela Veracel em seu empreendimento, “valendo-se
dos recursos públicos que lhe são repassados pelo BNDES, sem nenhum controle e em detrimento ao meio ambiente
e ao desenvolvimento sustentável”. A Notificação corresponsabiliza o BNDES por financiar “ações ilícitas da Veracel
– daí podendo surgir responsabilidade solidária para o referido banco, pelos ilícitos ambientais praticados em parceria
(...); e determina que seja dado aos notificados (...) conhecimento dos termos desta notificação judicial, para que adote
providências em relação aos novos financiamentos ou novos repasses de créditos para plantio de eucalipto, ou para a
ampliação da fábrica de celulose da Veracel, no município de Eunápolis/BA” - Eunápolis, Bahia, 18 de julho de 2011.
MPF e MPE (conjuntamente)
a) Processo nº 1697-69.2011 – 9/8/2011 – Ação Civil Pública – contra a Veracel Celulose S.A., o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estado da Bahia, o Conselho Estadual do Meio Ambiente
(Cepram) e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Determina: suspensão do processo de
licenciamento ambiental em curso no Inema e Cepram para a ampliação das atividades de plantação de eucalipto
da Veracel Celulose S.A., no estado da Bahia (nº do processo no Inema: 2007-008437/TEC/LL-0084), “bem como
que se oficie ao Ibama, para o cumprimento de suas atribuições, e ao BNDES, para se acautelar em proceder com
financiamentos de empreendimentos ilícitos” (Eunápolis/BA, 9/8/2011).
b) Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado da Bahia, que suspendeu
(9/8/2011) o processo de licenciamento ambiental em curso no Inema e Cepram para a ampliação das atividades de
plantação de eucalipto da Veracel Celulose S.A., no estado da Bahia, oficiando-se ao Ibama para o cumprimento de suas
obrigações e ao BNDES que se acautele em proceder com financiamentos de empreendimentos ilícitos. Posteriormente,
a liminar foi derrubada e a licença prévia concedida (portaria 2,253/2012 (http://ceas.com.br/?p=860)).
Impunidade
Não há conhecimento de casos em que a empresa tenha cumprido as condenações judiciais (descritas) e, quanto às multas, a
empresa não costuma pagá-las54.
CASO VERACEL
178
1 Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) Veracel II.
2 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011.
3 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011.
4 Instituto de Meio Ambiente (IMA) – apresentação em março de 2009, (fonte: Cepedes, 2012).
5 CEPEDES; SOUZA, Ivonete G.; OVERBEEK, Winfridus. Violações socioambientais promovidas pela Veracel Celulose, propriedade da Stora Enso e Aracruz Celulose: uma história de ilegalidades, descaso
e ganância. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
6 Disponível em: www.veracel.com.br. Acesso em 2011.
7 GOMES, Helder; OVERBEEK, Winfridus. Aracruz Credo - 40 anos de violações e resistência no ES. Rede Alerta Contra o Deserto Verde e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais,
Vitória, 1a Edição, 2011.
8 Disponível em: http://www.fibria.com.br/web/pt/institucional/quem.htm. Acesso em: novembro de 2011.
9 “(...) o Grupo Votorantim é atualmente o quarto maior grupo privado do Brasil, concentra operações em setores de base da economia que demandam capital intensivo e alta escala de produção,
como cimento, mineração e metalurgia (alumínio, zinco e níquel), siderurgia, celulose e papel, suco concentrado de laranja e autogeração de energia. No mercado financeiro, atua por intermédio da
Votorantim Finanças e, em Novos Negócios, investe em empresas e projetos de biotecnologia, pesquisas minerais e especialidades químicas. (...) em 2001, criou a holding Votorantim Participações
(VPar).” Disponível em: http://www.votorantim.com.br. Acesso em: novembro de 2011.
10 “Posição acionária em 31 de julho de 2011. O BNDESPar tem uma participação de 21% vinculada a um acordo de acionistas com a VID (Votorantim) durante os primeiros três anos, e 10,9% nos
dois anos seguintes.” http://fibria.infoinvest.com.br/ptb/4540/ApresentaoCorporativaAgo2011.pdf. Apresentação Corporativa, agosto, 2011.
11 FIBRIA. Apresentação Corporativa, agosto, 2011. Disponível em: http://fibria.infoinvest.com.br/ptb/4540/ApresentaoCorporativaAgo2011.pdf. Acesso em: novembro de 2011.
12 “Com financiamentos totais do BNDES de R$ 1,45 bilhão, o projeto Veracel contempla, também, o plantio de 84 mil hectares de florestas e programas sociais nas áreas de educação, saúde e
infraestrutura”, Relatório Anual BNDES 2004. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_es/Galerias/RelAnualEspanol/ra2004/cap/estrutura.swf?-39000. Acesso em: 7 de
setembro de 2012.
CASO VERACEL
179
13 “Em 2004, os desembolsos do BNDES para projetos de empresas do setor de papel e celulose alcançaram R$ 1,05 bilhão, com aumento de 144% em relação ao ano anterior”, Relatório Anual
BNDES 2004. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_es/Galerias/RelAnualEspanol/ra2004/cap/estrutura.swf?-39000. Acesso em: 7 de setembro de 2012. “Diretamente,
o BNDES desembolsou R$ 13,8 bilhões [de 2001 a 2010], sobretudo para os grandes projetos de celulose e para a operação de renda variável da fusão da VCP com a Aracruz, que originou a Fibria,
maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo. (...) A média de desembolso no período foi alta: R$ 1,3 bilhão por ano. A maior liberação (R$ 3,6 bilhões) foi em 2009, um ano
atípico, tanto por causa da crise financeira internacional quanto pela operação de renda variável que deu origem à Fibria, impulsionando os desembolsos em R$ 2,4 bilhões.” VIDAL, A. C.; HORA, A. A
atuação do BNDES nos setores de florestas plantadas, painéis de madeira, celulose e papéis: o período 2001-2010. p. 133 e 147. Disponível em:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set3404.pdf. Acesso em: 7 de setembro de 2012.
14 O então presidente Lula recebeu financiamento da Veracel Celulose para sua campanha (CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008).
15 http://www.aracruz.com.br/show_inv.do?act=news&id=1000348&lang=1 e Relatório Anual Aracruz Celulose e da Veracel Celulose, 2004 (apud CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008, p. 34).
16 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.
17 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.
18 Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Grupo
Ambientalista da Bahia (Gamba), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede Alerta Contra o Deserto Verde (RACDV), Greenpeace, entre outras.
19 O CRA foi transformado em Instituto do Meio Ambiente (IMA), pela Lei nº 11.050, de 6 de junho de 2008. Recentemente, o IMA foi extinto na junção com o Ingá (Instituto de Gestão das Águas e
Clima) pela Lei Estadual 12.212 de 4/5/2011, que criou o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), uma autarquia vinculada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).
20 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008 e Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Celulose e Papel (Sindicelpa).
21 LER – Lesões por Esforços Repetitivos – e Dort – Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho.
22 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. World Rainforest Movement (WRM); Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba); Instituto de Estudos do Sul da Bahia (Iesb).
23 O centro de pesquisas Cepedes em Eunápolis tem imagens da Veracel – anos 1990 – na época ainda chamada de Veracruz, desmatando a Mata Atlântica com trator e correntões.
CASO VERACEL
180
24 “O Ministério Público tem provas de crimes ambientais, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção. Temos um depoimento de um vereador que foi comprado pela Veracel para convencer
seus colegas a aprovar leis favoráveis”, Promotor de Justiça João Alves da Silva Neto. Entrevista a Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse An-Katrien. Revista Mondiaal Nieuws (MO*) em 2010;
Ministério Público do Estado da Bahia – Portaria 14/2008, 16/4/2008 – 2ª Promotoria Pública da Bahia; Jornal Brasil de Fato – Veracel compra servidores na Bahia para plantio irregular de eucalipto,
edição 285, 14 a 20 de agosto de 2008. www.nossacara.com, atualização em 31 de março de 2008.
25 Ministério Público do Estado da Bahia. 2ª Promotoria Pública da Bahia. Portaria 14/2008, de 16 de abril de 2008.
26 www.nossacara.com, 31 de março de 2008, apud CEPEDES, SOUZA, OVERBEEK , 2008.
27 Publicação pela Funai no Diário Oficial da União nº 41, de 29 de fevereiro de 2008, p. 109-113
28 Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEP), 2008.
29 Organizações sociais da região afirmam que a Veracel plantou eucalipto em cerca de 30 mil hectares de terras devolutas.
30 SEP, 1998; CEPEDES, 2005; CEPEDES, 2008.
31 SEP, 1998.
32 Os Filhos esquecidos da Veracel, Correio Brasiliense, 28 de agosto de 2008. Conselho Tutelar do Município de Itapebi/Ba; CEPEDES, 2008.
33 “Por hectare plantamos 833 árvores. Em sete anos elas atingem uma altura de trinta metros e estão prontas para a colheita. Durante o primeiro ano pulverizamos por hectare nove litros de
glifosato”, David Fernandes, funcionário da Veracel. Entrevista a Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse An-Katrien. Revista Mondiaal Nieuws (MO*), 2010.
34 O Greenpeace, na época da Conferência Rio 92, fechou o porto de exportação da Aracruz Celulose (atual Fibria), denunciando contaminação indiscriminada no mar pelo efluente da fábrica de
celulose, inclusive com organoclorados como a dioxina.
35 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011.
36 CEPEDES, 2011.
37 Revista Science. Trading Water for Carbon with Biological Sequestration. Robert B. Jakson ET AL. Dezembro de 2004, vol. 310, p.1944-1947; Livro do Cepedes, 2008.
38 CEPEDES, 2008, p. 83-87.
39 Notificação Judicial/MPE (art.867 e SS. Do CPC), Eunápolis/BA, 18 de julho de 2011. Disponível em: http://www.4shared.com/document/GM0vBKC8/Notificao_Ampliao_-__VERACEL.html.
CASO VERACEL
181
40 “A Suzano surpreende o mercado com uma nova aquisição. O grupo informou nesta terça-feira (7), a aquisição de 55% das empresas da área ambiental do Grupo Cepemar, através da criação
de uma nova holding, que inclui a Cepemar Meio Ambiente, a Marine Survey, a Unimar, a Terramar, a Cepemar Enviromental Services (EUA) e a participação na empresa Brasil Supply. Com essa
iniciativa, o grupo marca, definitivamente, sua entrada no setor relacionado ao Meio Ambiente”. Disponível em: http://pop.celuloseonline.com.br/noticias/Nova+holding+da+Suzano+prev+investimen
tos+de+R+50+milhes. Acesso em: 4 de setembro de 2011.
41 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.
42 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.
43 “Cabe observar que a atuação da Fibria não é diferente da Veracel, com diversos casos de abusos dos Direitos Humanos, como invasão de terras indígenas e quilombolas no estado do Espírito
Santo, desvio do cursos de água, envenenamento de águas, desrespeito às comunidades Indígenas e quilombolas, entre muitos outros”. Cf. GOMES, Helder; OVERBEEK, Winfridus. Aracruz Credo - 40
anos de violações e resistência no ES. Rede Alerta Contra o Deserto Verde e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Vitória, 1a Edição, 2011.
44 CEPEDES, 2008.
45 Ibama multa Aracruz em R$ 606 mil, Jornal da Tarde, 4 de abril de 2006.
46 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.
47 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.
48 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.
49 DVD Porque nós não comemos eucalipto?, Escola Nórdica, UbV, MST, 2007.
50 DVD Porque nós não comemos eucalipto?, Escola Nórdica, UbV, MST, 2007.
51 CEPEDES. Carta Aberta às mulheres e homens de boa vontade. 20 de junho de 2007.
52 Ministério Público Federal da Bahia. Nota à Imprensa: Veracel é condenada a pagar R$ 20 milhões por desmatamento. Assessoria de Comunicação, 10 de julho de 2008.
53 Fonte: Informativo Cepedes, 5 de outubro de 2009.
54 CEPEDES, 2008.
Megaeventos Esportivos
182
1- Descrição do empreendimento
Megaprojetos de infraestrutura, mobilidade urbana, reformas e/ou
construções de estádios de futebol e projetos de urbanização a serem
realizados com a alegação de que são necessários para que o Brasil
receba a Copa do Mundo de futebol, a ser sediada por 12 cidades
brasileiras (Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre),
em 2014, e as Olimpíadas, na cidade do Rio de Janeiro, em 2016.
Grande parte dessas megaobras será construída, com financiamento
público, pelas sete maiores empreiteiras do país: Odebrecht, Camargo
Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão
Engenharia. Juntas, elas somaram, em 2010, uma receita bruta de R$ 28,5
bilhões1.
O estudo de viabilidade dos projetos ficou a cargo do Consórcio
Copa 2014. O Consórcio “consiste em uma entidade consultiva formada
por empresas privadas e voltada a auxiliar o poder público federal a tomar decisões relacionadas ao evento. Neste âmbito
consta apenas o chamado Consórcio Copa 2014. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), de 2010, sobre
os preparativos para a Copa do Mundo, a Empresa Brasileira de Engenharia de Infraestrutura Ltda. (Ebei), a Galo Publicidade,
Produção e Marketing Ltda., a Value Partners Brasil Ltda., a Value Partners Management Consulting Ltda. e a Enerconsult
S.A. foram conjuntamente contratadas pelo Ministério dos Esportes para realizarem os primeiros estudos de viabilidade
demonstrando as necessidades de cada uma das cidades-sede brasileiras para o fornecimento da infraestrutura demandada
pela Federação Internacional de Futebol (Fifa)”2.
2- Valor do empréstimo
Cerca de 50% dos recursos destinados aos empreendimentos provêm do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal (CEF), com utilização de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT)3.
Megaeventos Esportivos
183
Segundo o BNDES, estas são as ações empreendidas em relação à Copa 2014, no exercício de 2010:
“Lançamento dos Programas BNDES ProCopa Turismo e BNDES ProCopa Arenas. O primeiro tem dotação
orçamentária de R$ 1 bilhão e é destinado à construção, reforma e ampliação da rede hoteleira no Brasil, tendo
em vista a demanda projetada pela realização da Copa do Mundo de 2014. (...) Os prazos de financiamento
poderão chegar a até 12 anos, em caso de modernização, e até 18 anos para construção de novas unidades. Para
grandes empresas, a participação máxima do Banco será de 80%. Para micro, pequenas e médias empresas
(MPMEs), o percentual pode atingir 100%. O segundo programa possui dotação orçamentária de R$ 4,8 bilhões
para apoio a projetos de construção e reforma das arenas que receberão os jogos da Copa e de urbanização do
seu entorno. (...) Os prazos de financiamento são de até 180 meses, já incluído o período de carência de até 36
meses. A participação máxima do BNDES é de até 75% do custo total, limitada a R$ 400 milhões por projeto,
incluindo os investimentos no entorno” (BNDES, Relatório de Gestão/Exercício 2010, p. 15)4.
Acrescente-se ainda, segundo o Relatório do Tribunal de Contas, o empréstimo do BNDES de R$ 1,3 bilhão para a obra da
Transcarioca ou Corredor T5, única obra de mobilidade urbana em que o Banco estaria envolvido, que fará a ligação do bairro
Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Além destas obras, já se tem a previsão, conforme
estudo do Instituto Mais Democracia, de comprometimento do BNDES no financiamento aos investimentos que serão
necessários no caso das privatizações dos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, e Juscelino Kubitschek, em
Brasília – a estimativa é de algo em torno de RS 10 bilhões.
3- Impactos socioambientais
Modelo de planejamento importado, sem raízes e fora do contexto
As demandas de intervenções urbanas têm sido dadas emergencialmente para atender aos critérios exigidos pelos
patrocinadores e não pela população e pelos planejadores locais, no contexto das reais necessidades das cidades
e de seus moradores e para além da realização desses dois eventos esportivos. Além disso, os megaeventos têm se
apresentado como a oportunidade ideal para a realização de um processo de “higienização”, já em curso, nas cidades-sede
da Copa e no Rio de Janeiro5.
Violação do direito à moradia
A combinação da insegurança da posse da propriedade com o fato de serem comunidades de baixa renda localizadas em frentes
de expansão imobiliária tem feito dessas comunidades focos preferenciais para a passagem de obras como a do Veículo Leve
sobre Trilhos (VLT) ou mesmo de projetos de urbanização que retiram a população desses lugares6.
A realização dos megaeventos esportivos “agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos
Megaeventos Esportivos
184
econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa, de
150.000 a 170.000 pessoas (os governos se recusam a dar informações precisas). Dentre os inúmeros casos relatados pelos
Comitês Populares da Copa destas cidades, emerge um padrão claro e de abrangência nacional. As ações governamentais
são, em sua maioria, comandadas pelo poder público municipal com o apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos,
federais, tendo como objetivo específico a retirada de moradias utilizadas de maneira mansa e pacífica, ininterruptamente, sem
oposição do proprietário e por prazo superior a cinco anos (premissas para a usucapião urbana). Com o objetivo mais geral de
limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fins comerciais”7.
Remoções e despejos
Não há uma estimativa nacional oficial de quanto será gasto, de quantas famílias ou de quantas comunidades devem ser
removidas pelas obras ligadas à Copa do Mundo, às Olimpíadas e às Paraolimpíadas de 2016. De acordo com dados do dossiê
“Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da
Copa (Ancop), até o início de dezembro de 2011, havia 21 casos de vilas e favelas que foram desocupadas nas cidades de Belo
Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo os relatos presentes no estudo, os
despejos aconteceram sem respeitar legislação sobre o tema8.
Segundo o dossiê, estes são “alguns dos casos mais alarmantes, já que trata da atividade fim, quando o poder público já não
mais negocia, apenas mostra sua força diante do cidadão mais desprovido. São aplicadas estratégias de guerra e perseguição,
como a marcação de casas a tinta sem esclarecimentos, a invasão de domicílios sem mandados judiciais, a apropriação
indevida e a destruição de bens móveis, a terceirização da violência verbal contra os moradores, as ameaças à integridade física
e aos direitos fundamentais das famílias, o corte dos serviços públicos ou a demolição e o abandono dos escombros de uma
em cada três casas subsequentes, para que toda e qualquer família tenha como vizinho o cenário de terror”9.
Entre outros casos, o dossiê cita ainda o caso emblemático do Parque Linear Várzeas do Tietê, em São Paulo, onde mais de 4
mil famílias já foram removidas do local sem serem consultadas sobre a implantação do parque e sem saber para onde iriam.
Outras 6 mil famílias aguardam sem saber seu destino10.
Reassentamentos problemáticos
Segundo os moradores, em geral, estão sendo oferecidas alternativas de moradia em locais muito distantes do original, onde
não existem postos de saúde nem rede de transporte público. Também ha relatos sobre conjuntos habitacionais que estão
sendo construídos em aterros sanitarios ou em locais onde funcionaram lixões, como é o caso de um conjunto que ficara muito
próximo do antigo lixão do Jangurussu, em Fortaleza11.
Megaeventos Esportivos
185
Falta de informação e de canais de diálogo com o poder público
“A falta de informações, de conhecimento dos projetos e de canais de diálogo com o poder público é também uma constante
em todas as comunidades. Sem nenhuma conversa prévia, de repente, um morador acorda de manhã cedo e vê pessoas
medindo e marcando sua casa, sem saber o que se passa.”12
De acordo com o dossiê da Ancop, as estratégias utilizadas uniformemente em todo o território nacional se iniciam quase
sempre pela produção sistemática da desinformação, que se alimenta de notícias truncadas ou falsas, a que se somam
propaganda enganosa e boatos. “Em seguida, começam a aparecer as ameaças. Caso se manifeste alguma resistência, mesmo
que desorganizada, advém o recrudescimento da pressão política e psicológica. Ato final: a retirada dos serviços públicos e a
remoção violenta. Em todas as fases há uma variada combinação de violações aos direitos humanos: direito à moradia e direito
à informação nestas situações caminham juntos, como juntas caminham as violações que se concretizam.”13
Mudanças recentes no plano diretor municipal
Propostas pelo poder Executivo, estas mudanças dificultaram bastante a situação das comunidades mais vulneraveis. “Com
elas, foram retirados das areas de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) os imóveis vazios próximos às areas onde estão
comunidades que foram definidas como ZEIS para que pudessem ser urbanizadas e consolidadas. Ou seja, nestas areas,
agora, sera ainda mais difícil transformar imóveis vazios em habitação de interesse social. E nas proximidades de muitas das
comunidades que hoje estão sendo removidas existem muitos terrenos e imóveis vazios que poderiam ser reutilizados e servir de
alternativa de moradia a essas pessoas.”14
Violações cometidas em relação aos acordos internacionais
1 - Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Cidade e à Moradia Digna – Comentário Geral nº 4, sobre o
Direito à moradia adequada, trazido pelo Art. 11 do Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:
Segurança Jurídica da Posse; Disponibilidade de Serviços e Infraestrutura; Custo da Moradia Acessível; Habitabilidade;
Acessibilidade; Localização; Adequação Cultural.
Em maio de 2012, Estados integrantes do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)
recomendaram ao Brasil que não permitisse que as obras de preparação do país para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos
de 2016 gerassem violações do direito à moradia ao provocarem remoções forçadas. “A discussão se deu no âmbito da
participação do país na Revisão Periódica Universal (UPR), um mecanismo criado pela Assembleia Geral da ONU em conjunto
com o Conselho para avaliar, a cada quatro anos, a situação dos direitos humanos em cada país. O tema do direito à moradia
no contexto dos megaeventos foi um dos principais objetos das recomendações que a ONU enviará ao Brasil. (...) Em março
de 2010, este órgão aprovou uma resolução sobre megaeventos esportivos e direito à moradia, na qual ‘clama os Estados, no
contexto dos megaeventos, a promover o direito à moradia adequada e a criar um legado habitacional sustentável’.”15
Megaeventos Esportivos
186
2 - Na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada, existem, desde 2007, os “Princípios básicos e orientações
para remoções e despejos causados por projetos de desenvolvimento”16.
3 - Além disso, em 1997, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que monitora a implementação
do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), do qual o Brasil é signatario, publicou o
Comentario Geral nº 7, que trata de despejos e remoções forçadas17.
Trabalho e precarização
Em relação ao comércio ambulante e/ou trabalhadores informais, as prefeituras têm atuado de modo autoritário, higienista e
excludente.
Segundo a primeira edição do dossiê da Ancop, “o impacto para os trabalhadores informais já vem sendo sentido nas cidades-
sede para a Copa do Mundo, e não se restringe à impossibilidade de atuar em vias de acesso e no entorno dos estádios. Com
uma perspectiva criminalizadora da pobreza e sob um discurso de incentivo ao turismo e de ordenação e limpeza de áreas
valorizadas das cidades, muitas prefeituras estão implementando medidas de repressão ao trabalho informal. Mesmo antes de a
Copa iniciar e de ser aprovada a Lei Geral da Copa, já são constatadas restrições ao direito ao trabalho no entorno dos estádios e
nas cercanias de eventos relacionados”. O dossiê destaca os casos de Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Salvador18.
De modo geral, conforme o dossiê, “espaços tradicionais de comércio informal, como ruas movimentadas, praças, parques,
praias, camelódromos, feiras e mercados livres, estão sendo restringidos através de regulamentações excessivas e exigências
descabidas ou abusivas. Com isso, vendedores ambulantes, artesãos, artistas de rua, feirantes, profissionais do sexo e outros
trabalhadores estão tendo suas atividades prejudicadas ou mesmo inviabilizadas, em claro desrespeito do direito ao trabalho.
(...) Também aqui, verificam-se violações ao direito à informação e à participação, pois os trabalhadores informais não são
consultados sobre os planos oficiais de remanejamento e zoneamento urbano do comércio”19.
“Sejam operários empregados e subempregados nas grandes obras, como estádios e rodovias, sejam trabalhadores informais
reprimidos no exercício de sua atividade econômica, observa-se um padrão de crescente precarização, conduzido por
empresas e consórcios contratantes – sob a omissão dos órgãos fiscalizadores – e pelo próprio Estado.”20
No plano supranacional, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil em 1992,
prevê em seu art. 6, 1, que “Os Estados Partes do Presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito
de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão
medidas apropriadas para salvaguarda esse direito”. E ainda estabelece, no dispositivo seguinte, “o direito de toda pessoa de
gozar de condições de trabalho justas e favoraveis”, destacando a necessidade de remuneração adequada, segurança, iguais
oportunidades, descanso, lazer, férias, etc. Nesse sentido, o país aderiu ainda a grande parte das convenções da Organização
Megaeventos Esportivos
187
Internacional do Trabalho (OIT). Tanto o direito ‘ao’ quanto o direito ‘do’ trabalho encontram também proteção no ordenamento
jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 resguarda o primeiro enquanto direito fundamental social destacado no
caput do art. 6, ao passo que o art. 7 discrimina em espécie o rol de garantias e princípios relativos ao direito do trabalho e sua
proteção integral, regulados também em legislações próprias como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “A despeito de
todo esse sistema, porém, os casos de graves violações de direitos em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas se acumulam
e avançam para a perseguição a líderes sindicais e desrespeito às liberdades de organização, greve e manifestação”, afirma o
mencionado dossiê21.
Greves e paralisações
Um dos capítulos do dossiê22 é dedicado a questões trabalhistas nas obras da Copa. Ao todo, até o final de 2011, ocorreram dez
paralisações de trabalhadores nas obras de seis dos doze estádios que serão usados no Mundial (em Belo Horizonte, Brasília,
Cuiabá, Fortaleza, Recife e no Rio de Janeiro):
Arena Pantanal – Estádio Governador José Fragelli, “Verdão”, Cuiabá (MT)
Empresas responsáveis: Santa Bárbara e Mendes Júnior
Paralisação: 18 de março de 2011; duração: 30 minutos
Arena Fonte Nova, Salvador (BA)
Empresas responsáveis: Odebrecht e OAS
Ameaças de paralisação: abril, agosto e setembro de 2011
Estádio Plácido Aderaldo Castelo – Castelão, Fortaleza (CE)
Empresas responsáveis: Galvão Engenharia S.A. e Andrade Mendonça Construtora Ltda.
Paralisação: 13 de junho de 2011; duração: um dia
Estádio Governador Magalhães Pinto – Mineirão, Belo Horizonte (MG)
Empresas responsáveis: Construcap, Egesa e Hap
Paralisação: 15 a 20 de junho de 2011; duração: cinco dias
Arena Pernambuco, São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife (PE)
Empresa responsável: Odebrecht
1a paralisação: 30 de junho de 2011; duração: três horas
2a paralisação: 19 de outubro de 2011; duração: um dia
3a paralisação: 1o a 6 de novembro de 2011; duração: seis dias
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Estádio Mário Filho – Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)
Empresas responsáveis: Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez
1a paralisação: 17 a 22 de agosto de 2011; duração: cinco dias
2a paralisação: 1o a 19 de setembro de 2011; duração: dezenove dias
Estádio Nacional de Brasília – Mané Garrincha, Brasília (DF)
Empresas responsáveis: Via Engenharia e Andrade Gutierrez
Paralisação: 26 de outubro a 4 de novembro de 2011; duração: dez dias
Exceções e ilegalidades
“Conhecida como ‘Ato Olímpico’, a Lei n. 12.035, de 1o de outubro de 2009 é a primeira de uma longa lista de medidas legais e
dispositivos normativos que instauram as bases de um ordenamento e institucionalidade que não podem ser compreendidos
senão como uma infração ao estado de direito vigente. Nesta lei, entre outras coisas, são asseguradas condições excepcionais e
privilégios para a obtenção de vistos, exercício profissional de pessoal credenciado pelo COI [Comitê Olímpico Internacional] e
empresas que o patrocinam, cessão de patrimônio público imobiliário, proteção de marcas e símbolos relacionados aos Jogos
Rio 2016, concessão de exclusividade para o uso (e venda) de espaços publicitários e prestação de serviços vários sem nenhum
custo para o Comitê Organizador. Ademais, num capitalismo do qual o risco teria sido totalmente banido, a lei autoriza
genericamente ‘destinação de recursos para cobrir eventuais déficits operacionais do Comitê Organizador dos Jogos Rio
2016’. Segue-se, a partir daí, a nível federal, estadual e municipal, uma interminável lista de leis, medidas provisórias, decretos,
resoluções, portarias e atos administrativos de vários tipos que instauram o que vem sendo chamado de ‘cidade de exceção’.
Todas as isenções fiscais e tributárias são oferecidas às entidades organizadoras, mas também a uma infinidade de ‘cidadãos
mais iguais’, que não precisam pagar impostos sobre serviços, tributos territoriais urbanos, taxas alfandegárias. Planos diretores
e outros diplomas, muitos deles resultado de longos e ricos debates na sociedade, caducam em ritmo vertiginoso diante do
apetite de empreiteiras, especuladores imobiliários, capitais do setor hoteleiro e turístico e, evidentemente, os patrocinadores
dos megaeventos.”23
Recursos públicos para interesses privados
“Empresários, políticos, bancos nacionais e internacionais estão faturando alto com a Copa e, o pior de tudo, com o nosso
dinheiro, em nome de todo o povo brasileiro sem que possamos decidir como será aplicado e quanto de recurso será destinado
para estas megaobras. Aqueles que já lucram todos os dias (banqueiros, empreiteiros, e ‘donos’ do futebol) continuam sendo
beneficiados com a política adotada para a Copa, benefícios que saem da prefeitura, do governo estadual e/ou federal. Sob
o pretexto da realização da Copa, uma série de favorecimentos ocorre por parte do Estado brasileiro (prefeituras, governos
estadual e federal), como as licitações obscuras e a privatização. O dinheiro público, que deveria ser usado para os serviços de
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saúde, educação, moradia, transporte, entre outros, passa a ser remanejado para dar conta da falsa ‘urgência’ das obras da Copa.
Temos escutado dos ‘donos do futebol’ que as empresas e bancos vão ajudar no desenvolvimento. Isso não é verdade, eles
investem onde podem lucrar! Cartão vermelho para eles (empresas, bancos e aos ‘donos do futebol’).”24
Criminalização e repressão
A segunda edição do dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, lançada em junho de 2012 pela Ancop,
denuncia tentativas de repressão aos movimentos grevistas: em Brasília e Pernambuco, funcionários ligados às paralisações foram
demitidos arbitrariamente. Nas obras da Arena Pernambuco há relatos de ação truculenta da polícia para impedir as manifestações.
Autoritarismo, sonegação de informações e vedação à participação popular
“Em sua maioria, as decisões sobre destinação orçamentária, prioridades eleitas e projetos previstos para a Copa do Mundo
de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não foram, em nenhum momento, submetidas ao escrutínio e ao debate públicos,
sendo não raro implementadas através de medidas administrativas que passam ao largo tanto dos espaços consolidados de
participação da sociedade civil, tais como os Conselhos da Cidade e de Política Urbana, quanto da apreciação dos próprios
sujeitos afetados, primeiros interessados em manifestar-se. (...) Nos poucos casos em que se verificou a realização de audiências
públicas e estudos de impacto, argumentos tecnocráticos e a falta de vontade política dos gestores tornaram inócuas as
tentativas populares de problematização dos projetos, desprezando denúncias de irregularidades e alternativas indicadas.”25
Segundo o dossiê, “quanto aos conflitos judicializados, a tendência predominante é de desconsideração dos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5, inciso LV), com processos de tramitação sumária e decisões liminares
que minam as possibilidades de intervenção das partes hipossuficientes, deixando-as à mercê da arbitrariedade dos gestores
públicos. (...) os agentes não apenas escondem dados, como intencionalmente disseminam falsas informações”26.
Violação do direito ao acesso a serviços públicos
O dossiê denuncia que “entre as várias estratégias utilizadas pelo poder público para pressionar comunidades inteiras
ou ainda pior, esfaceladas, divididas, está o corte ou a interposição de dificuldades de acesso aos serviços essenciais
à moradia adequada (...). A suspensão de coleta de lixo é prática adotada nacionalmente, enquanto em alguns casos a
municipalidade e o estado suspendem também (ou não instalam a infraestrutura necessária) o fornecimento de energia,
água tratada, esgotamento e comunicações. A permanência por tempo indeterminado de escombros resultantes da
demolição de unidades habitacionais em áreas de remoção, causando terror, risco de doenças e desabamentos, foi praticada
sistematicamente na cidade do Rio de Janeiro”27.
Megaeventos Esportivos
190
Mobilidade urbana
“Se é verdade que uma parcela importante dos recursos púbicos a serem investidos para a Copa e as Olimpíadas estão voltados
para a mobilidade urbana, é lamentável constatar que, quase sempre, os projetos privilegiam a circulação e acesso das áreas
nobres, em processo de valorização, em vez de atenderem à demanda insatisfeita acumulada ao longo das últimas décadas de
crescimento urbano, e que penaliza as condições de transporte e circulação dos bairros populares e comunidades periféricas
mais pobres.”28
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES
As exigências do Banco para o Pro-Copa Arenas são, entre outras: estudo de viabilidade econômico-financeira da Arena,
contemplando, sobretudo, sua sustentabilidade financeira em longo prazo; aprovação dos projetos também por entidade
certificadora de qualidade ambiental, reconhecida internacionalmente ou acreditada pelo Sistema Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro).
A linha de crédito BNDES Pro-Copa Turismo disponibiliza recursos para: construção, reforma, ampliação e modernização de
hotéis. O Banco diz que oferecerá condições mais favoráveis aos projetos que levem em conta a preocupação com a eficiência
energética e a sustentabilidade ambiental. Por exemplo, a ampliação do prazo de financiamento para quem obtiver certificação
nos dois itens29.
Importa acrescentar que o Banco disponibiliza, diferentemente do que faz no caso dos empréstimos a empresas privadas,
os contratos de financiamento com entes públicos. A exemplo do contrato de financiamento com a prefeitura do Rio de
Janeiro para a realização da obra da Transcarioca. No referido contrato, o BNDES insta a prefeitura a não apenas observar o
cumprimento do que determina a legislação ambiental quanto à observância dos licenciamentos, mas a “adotar, durante o
período de vigência deste contrato, medidas e ações destinadas a corrigir danos ao meio ambiente”.
5- Condicionantes dos órgãos ambientais
Estudos de Impacto Ambiental e Licenciamento
“Por ocasião da crise energética de 2001, a Resolução Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] nº 279/01 possibilitou
a realização do Relatório Ambiental Simplificado (RAS), com tempo de tramitação reduzido, para obras do setor elétrico de
pequeno porte. Para as obras da Copa e das Olimpíadas, foi aberta mais uma exceção. Conforme apresentado no capítulo
Acesso à informação, participação e representação popular, criou-se o Grupo de Trabalho Meio Ambiente para propor e
articular ações de sustentabilidade ambiental para a Copa 2014. Na prática, o grupo tem buscado formas de facilitação em
Megaeventos Esportivos
191
processos de licenciamento ambiental para os megaeventos. Apesar desta ‘flexibilização’, as prefeituras não abrem mão de
burlar a legislação ambiental, utilizando-se do Relatório Ambiental Simplificado (RAS) para obras complexas e desconhecendo
de maneira grosseira os impactos sociais e ambientais.” Como se verifica no caso da Transcarioca, no Rio de Janeiro, em que
o TCU instou o Banco a não liberar a segunda parcela do financiamento, referente à Etapa 2 da obra, por falta de relatório de
impacto ambiental, além de questionar o uso do RAS para uma obra com extenso impacto socioambiental30.
A revisão do Código Florestal aprovou uma emenda que permite o desmatamento de Áreas de Preservação Permanente (APPs)
para os megaeventos: “estádios e demais instalações necessárias à realização de competições esportivas municipais, estaduais,
nacionais ou internacionais”. A justificativa da inserção é “garantir com urgência as construções necessárias para viabilizar a
Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, pois o Brasil tem pressa”31.
Ainda referindo-se ao novo Código Florestal, o dossiê relata que “mantém-se uma lista extensa de exceções, que permitem a
supressão de vegetação e realização de obras em APPs, para citar algumas:
Casos de utilidade pública: b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte,
sistema viario, inclusive aquele necessario aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos municípios, saneamento,
gestão de resíduos, salineiras, energia, telecomunicações, radiodifusão, estaduais, nacionais ou internacionais, bem como
mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho.
Casos de interesse social: c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e
culturais ao ar livre em areas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei32”.
Com relação às APPs, o dossiê destaca as “arbitrariedades cometidas e as justificativas para acionar a legislação ambiental contra
populações vulneráveis (inclusive no sentido de retirar seu direito à moradia) e favorecer empreendimentos de interesse do
mercado, como: a redução de APPs e alteração de leis urbanísticas sem estudos de impacto e a simplificação de procedimentos
de licenciamento ambiental para projetos de ‘interesse público’”33.
6- Atuação do Ministério Público
O MPF, juntamente com o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União, constituiu o Grupo de Trabalho
da Copa para acompanhar a aplicação dos recursos públicos nas obras referentes a este evento. Vale dizer que, por conta de
irregularidades nas obras dos estadios Amazonas (AM) e Maracanã (RJ), em que se identificou sobrepreço em seus orçamentos,
o TCU instou o BNDES a introduzir clausulas em seus contratos, que estabelecem que as liberações acima de 20% do valor do
financiamento estarão condicionadas à aprovação pelo TCU dos orçamentos dos projetos. No caso de persistir o sobrepreço,
cabera ao Banco descontar o valor acrescido indevidamente no valor do empréstimo.
Megaeventos Esportivos
192
1 Dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), com duas edições, a primeira em dezembro de 2011 e a segunda em junho de 2012. Disponíveis em: http://www.ippur.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=451:laboratorio-etternippur-publica-dossie-megaeventos-e-violacoes-de-direitos-humanos-no-brasil-&catid=67:outros&Itemid=7 e http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=198:dossi%C3%AA-nacional-de-viola%C3%A7%C3%B5es-de-direitos-humanos, respectivamente.
2 Idem.
3 Idem.
4 Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/Relat_Gestao_BNDES_BPAR_FINAME_2010.pdf.
5 Idem à nota de rodapé 1.
6 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.
7 Idem à nota de rodapé 1.
8 Idem à nota de rodapé 1.
9 Idem à nota de rodapé 1.
10 Idem à nota de rodapé 1.
11 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.
12 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.
13 Idem à nota de rodapé 1.
14 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.
15 “ONU questiona o Brasil sobre violações do direito à moradia em obras da Copa e das Olimpíadas”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 29 de maio de 2012.
16 Disponível em: http://direitoamoradia.org/?p=7535&lang=pt).
17 Disponível em: http://direitoamoradia.org/?p=13642&lang=pt.
18 Idem à nota de rodapé 1.
19 Idem à nota de rodapé 1.
20 Idem à nota de rodapé 1.
21 Idem à nota de rodapé 1.
22 Idem à nota de rodapé 1.
23 “Lei Geral da Copa: um ‘chute no traseiro’ do povo”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 8 de março de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=230:lei-geral-da-copa-um-%E2%80%9Cchute-no-traseiro%E2%80%9D. “Dilma sanciona Lei Geral da Copa, veta ‘ingresso popular’ e dá brecha para meia-entrada”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de junho de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=253:dilma-sanciona-lei-geral-da-copa-veta-ingresso-popular-e-d%C3%A1-brecha-para-meia-entrada. “Brasil será avaliado na ONU por violações decorrentes de megaeventos esportivos”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 26 de maio de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=251:brasil-ser%C3%A1-avaliado-na-onu-por-viola%C3%A7%C3%B5es-decorrentes-de-megaeventos-esportivos>. “Lei Geral da Copa: O Jogo dos 7 Erros”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de maio de2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=247:lei-geral-da-copa-o-jogo-dos-7-erros. Idem à nota de rodapé 1.
24 Baseado em texto introdutório sobre financiamento de cartilha do Comitê Popular da Copa São Paulo: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=372&Itemid=273). “Auditoria indica superfaturamento de R$ 10,7 milhões nos custos do estádio de Brasília”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de fevereiro de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=220:auditoria-indica-superfaturamento-estadio-brasilia. “Areia movediça: a Copa sob as dunas”, Comitê Popular da Copa de Natal, em 13 de junho de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=256:areia-movedi%C3%A7a-a-copa-sob-as-dunas-1.
25 Idem à nota de rodapé 1, p. 52
26 Idem à nota de rodapé 1, p. 54.
27 Idem à nota de rodapé 1, p. 65-66.
28 Idem à nota de rodapé 1, p. 73.
29 “BNDES cria programas para arenas da Copa e hotéis”, publicado em 13 de janeiro de 2010. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Sala_de_Imprensa/Noticias/2010/todas/20100113_programas.html.
30 Idem à nota de rodapé 1, p. 57.
31 http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/codigo-florestal-permite-desmatamento-para-obras-da-copa. Idem à nota de rodapé 1, p. 58.
32 Projeto de Lei para o Novo Código Florestal, 6 de dezembro de 2011. Idem à nota de rodapé 1, p. 58.
33 Idem à nota de rodapé 1, p. 58.
Vale Moçambique
193
1- Descrição do empreendimento1
O projeto da Vale Moçambique consiste na pesquisa, prospecção
e exploração mineira na bacia carbonífera de Moatize, cuja licença
foi concedida à empresa, em julho de 2007, para operação em uma
área de 23.780 hectares. O jazigo mineral concedido é avaliado
como uma das maiores reservas do mundo, com 838 milhões de
toneladas métricas, correspondentes a 35 anos de exploração. Está
situado em uma das maiores reservas carboníferas do mundo, no
distrito de Moatize, província de Tete, centro de Moçambique, a
aproximadamente 1.700 km ao norte de Maputo, capital do país. A
Vale Moçambique Ltda. é um consórcio composto da Vale, que detém
85% do projeto, sendo os outros 15% de opção de compra que pode
ser exercida por empresários moçambicanos, que ainda não foram
tornados públicos, e pelo governo de Moçambique. O investimento
inicial é de US$ 1,3 bilhão, e a Vale vai aumentá-lo para US$ 4 bilhões2.
A produção anual é de 26 milhões de toneladas de carvão bruto na fase de plena exploração que vão gerar cerca de 11 milhões
de toneladas de carvão metalúrgico e carvão energético, dos quais 8,5 milhões de toneladas (Mtpa) de carvão metalúrgico (hard
coking coal) e 2,5 Mtpa de carvão térmico. O carvão remanescente do processo de tratamento do carvão bruto tem um teor de
cinzas demasiado elevado para poder ser comercializado. A Vale pretende utilizá-lo numa central térmica de 2.600 MW a ser
instalada em Moatize, cujo investimento é estimado em US$ 2 bilhões3.
As operações de extração do carvão mineral tomaram força no primeiro semestre de 2011. O primeiro comboio de 42 vagões e
três locomotivas, com cerca de 2.700 toneladas de carvão mineral extraído pela Vale Moçambique, chegou no dia 8 de agosto
deste ano ao porto da Beira, a 600 km da mina de Moatize, onde permaneceu a céu aberto no terminal marítimo até que se
atingiram 50 mil toneladas. De acordo com a previsão de Rosário Mualeia, diretor da companhia dos Caminhos de Ferro de
Moçambique (CFM)4, a primeira exportação de carvão mineral de Tete deveria ocorrer no dia 28 de agosto, tendo como destino
os mercados brasileiro, indiano, japonês e sul-africano.
Segundo o Ministério Moçambicano dos Recursos Minerais (Mirem), em 2003, entendendo que o panorama político do país
era estável e atraente para o Investimento Direto Estrangeiro (IDE)5, o governo moçambicano lançou o concurso internacional
de adjudicação das minas de carvão de Moatize, bem como da linha férrea de Sena. É de notar que estes dois projetos estão
interligados6. Vários consórcios de diferentes países participaram do concurso. O resultado foi anunciado em 2004, sendo a
Vale Moçambique
194
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, a vencedora, através de critérios não transparentes e razões desconhecidas7.
Em 2004 foi assinado entre o governo e a CVRD (Vale) um Memorando de Entendimento sobre o Projeto de Carvão de Moatize
com um bônus de US$ 122 milhões, valor que nunca foi inscrito no orçamento daquele Estado.
Em junho de 2007, foi assinado um contrato entre o governo de Moçambique e a Vale Moçambique Ltda. que atribuiu a
concessão mineira de Moatize até 2030 ao grupo empresarial de origem brasileira. Sabe-se que, por este contrato, foram
concedidos benefícios fiscais ao abrigo do Código de Benefícios Fiscais (Decreto 16/2002), em vigor antes da nova legislação
fiscal mineira aprovada em julho de 2007, considerados prejudiciais para a economia e para o desenvolvimento do país
por muitos setores da sociedade moçambicana. Neste mesmo ano foi concedida a licença e tiveram início os primeiros
investimentos nas áreas de infraestrutura, equipamento e reassentamento das populações afetadas. No ano seguinte, foi
iniciada a instalação do parque industrial da Vale. E em 2009 teve início o processo de reassentamento da população atingida.
Ainda que tenha surgido uma concorrência alternativa da Riversdale à liderança da Vale, a ideia de uma concorrência parece
imprópria, na medida em que o dinheiro e o poder da Vale fizeram dela um empresa-Estado no país. Seja como for, Moatize,
Tete e Moçambique continuam como um dos espaços centrais do poder e da economia mundiais nos marcos de uma acelerada
política externa de alguns países como Brasil, China e Estados Unidos, em meio à globalização e às delirantes insuficiências
energéticas do mundo.
Constam dos planos de expansão da Vale: a ampliação da mina de carvão de Moatize (Moatize II) e da mina de fosfato de Evate
e o escoamento do Copperbelt da zâmbia; e a construção da linha-férrea Motize-Malawi-Nacala-Porto, visando maximizar a
eficiência operacional e a redução de custos.
2- Valor do empréstimo
Não há informações sobre o valor do empréstimo bancário contraído pela Vale para a realização do projeto de carvão em
Moatize. Embora não se tenham informações sobre a presença do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) no financiamento direto ao referido empreendimento – já que o Banco não torna públicos os investimentos que
faz fora do país –, importa chamar atenção para o fato de que o BNDES é detentor de 10% do grupo Valepar, responsável pelo
controle de 52% das ações com direito a voto da Vale – como já afirmado neste estudo. O Banco é também possuidor de ações
de ouro (golden shares) da Vale, que conferem ao BNDES poder de veto sobre decisões da empresa. Importante acrescentar
que em 2008 o Banco aprovou um financiamento de R$ 7 bilhões para a Vale, destinado a apoiar o plano de expansão de
investimentos da empresa. Àquela altura, este se constituiu no maior financiamento já dado pelo Banco a uma só empresa.
Vale Moçambique
195
Isenções fiscais e falta de transparência
Apesar da assinatura de um contrato secreto e confidencial, sabe-se que a Vale tem isenções de taxas sobre o rendimento,
sobre o Imposto do Valor Acrescentado (IVA), bem como sobre taxas alfandegárias.
“A lei moçambicana prevê compensações financeiras para as comunidades afetadas, mas não há notícia sobre o cumprimento
desta lei tanto para o caso da Vale como para outras empresas. A Vale beneficiou-se de isenção sobre os equipamento da
classe ‘K’ da pauta aduaneira previsto no artigo 13 da Lei n° 4/2009 de 12 de Janeiro8. Isenções de impostos sobre rendimentos
de pessoas coletivas (IRPC), de imposto sobre transmissões onerosas de imóveis e direitos de propriedade (Sisa), de imposto
do selo previstos no n° 1 do artigo 29 da mesma Lei. Os incentivos a que se refere o n° 1 da referida lei são concedidos por um
período de vigência de até dez anos a partir da data da celebração do contrato entre a empresa e o governo moçambicano,
segundo o previsto no artigo 2 do n° 29”9.
3- Impactos socioambientais
Dada a sua capacidade de propaganda, a instalação da Vale foi vista como promissora e despertou muitas expectativas no
povo moçambicano, esperançados por oportunidades de emprego e de desenvolvimento do país. No entanto, este projeto
tem suscitado críticas e discussões envolvendo governo, ambientalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil, devido
ao total e recorrente desrespeito aos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas consagradas na Constituição da
República de Moçambique e demais legislação em vigor no país10.
Ausência de informação
O processo de reativação e o concurso internacional de exploração da Mina de Moatize, planificação e implantação da Vale em
Moatize, foram precedidos e acompanhados de informação insuficiente, inconsistente, incompleta e omissa, configurando-
se em uma campanha publicitária que visava simplesmente conquistar adesão, em vez de promover a conscientização das
comunidades afetadas preocupadas com a dimensão das mudanças sociais e ambientais.
Consultas públicas irregulares
Os processos de consulta pública para a implantação do projeto da Vale registraram várias irregularidades. Não houve
participação efetiva das comunidades afetadas e da sociedade civil na definição de prioridades e áreas de reassentamento e na
aplicação de investimentos propostos pela Vale. Não foram fornecidas informações prévias detalhadas, qualificadas, inteligíveis
e efetivamente acessíveis a todas as comunidades afetadas. As informações produzidas e disponibilizadas não consideraram
as especificidades socioeconômicas e culturais dos diferentes grupos sociais afetados. Quando as informações chegavam às
comunidades e aos interessados, etapas importantes do processo de planejamento e de decisão já haviam sido concluídas,
Vale Moçambique
196
dificultando e até impedindo que as comunidades e outros setores da sociedade pudessem agir e participar de uma forma
organizada e informada, e, desta forma, exercer o seu direito de participação e consentimento informado.
Cumplicidade da mídia
Segundo Jeremias Vunjanhe, jornalista e coordenador de imprensa da organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!),
embora seja significativo o surgimento de mídias independentes nas últimas décadas, o posicionamento de cumplicidade da
grande mídia moçambicana a torna um verdadeiro instrumento de propaganda da Vale.
Reassentamento extremamente problemático
Cerca de 1.500 famílias foram reassentadas em condições muito precárias e, de certa forma, desumanas. São muitos os
problemas decorrentes do processo de realocação da população, como:
yy Apropriação das terras das comunidades locais e sua respectiva desestruturação;
yy Não cumprimento das promessas feitas. A Vale não cumpre os prazos nem os acordos de reassentamento;
yy A restrição da livre circulação e movimentação dos cidadãos das comunidades de Moatize, através da fixação de vedação
em volta da vila de Moatize, violando o artigo 55 da Constituição da República, relativo à liberdade de residência e de
circulação11;
yy Violação dos direitos à informação, à habitação adequada, ao trabalho e ao digno padrão de vida, às práticas e modos de
vida tradicionais, comunitários, bem como o acesso a patrimônios culturais materiais e imateriais e sua preservação;
yy A população reassentada pela Vale enfrenta uma grave situação de fome porque, desde 2009, as famílias foram impedidas
de produzir nas áreas agrícolas em que moravam antes do reassentamento. Na nova área, a terra é imprópria para a prática
da agricultura e a Vale não cumpriu com a promessa de distribuição regular de comida;
yy Especulação imobiliária; elevação do custo de vida; aumento das desigualdades sociais; elevação do índice de
criminalidade e prostituição; perda dos meios de subsistência das famílias; conflitos culturais entre os trabalhadores de
diversas nacionalidades e estes com as comunidades locais;
yy A destruição de valores e hábitos tradicionais, essenciais para a sustentação da solidariedade e unidade das famílias nas
comunidades;
yy Privação das mulheres de seus meios de ocupação tradicionais, tornando-se cada vez mais dependentes dos homens.
Vale Moçambique
197
Desrespeito dos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas
Apesar de consagrados na Constituição da República de Moçambique e demais legislações em vigor, estes direitos são
continuamente desrespeitados pela Vale. Há grandes dificuldades de acesso à informação e falta de transparência na gestão do
projeto de Moatize, numa continuada atitude de arrogância, falta de diálogo e da inobservância dos direitos dos trabalhadores
por parte dos responsáveis pelo projeto com a conivência de setores importantes do governo de Moçambique.
A maioria dos trabalhadores, com pouca instrução e experiência profissional, encontra-se numa situação extremamente
precária e com salários muito baixos. Há uma onda de descontentamento entre os trabalhadores que se espalha por quase todas
as empresas contratadas pela Vale para a prestação de serviços em diversos setores. A empresa mantém um vínculo contratual
precário e de curta duração com muitos trabalhadores, impondo a eles uma situação de constante insegurança. Várias são as
denúncias feitas por trabalhadores e populares sobre a violação da lei do trabalho moçambicana, a exemplo das demissões em
massa sem justa causa e sem justa indenização. Os trabalhadores queixam-se de serem forçados a refeições que lhes provocam
alergias e dores no estômago e denunciam os descontos injustos a que são submetidos para o pagamento das refeições.
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria de Construção Civil, Madeiras e Minas de Moçambique (Sinticim), que lida
com a possibilidade de greve e das reivindicações dos trabalhadores da Vale, é financiado e controlado pela Vale e nada faz para
defender os direitos dos trabalhadores.
O provimento de recursos à intervenção de forças especiais da Polícia da República de Moçambique (PRM) é frequente por
parte da Vale, com o objetivo de persuadir e reprimir os trabalhadores que se manifestarem.
Explosão populacional
A cidade de Tete, a Vila de Moatize e as zonas mais próximas ao complexo mineiro de Moatize passam por rápidas e indesejáveis
transformações relativas ao crescimento da população proveniente de quase todos os cantos do país, motivado pela expectativa
de empregabilidade e por outras oportunidades de geração de renda. Em 2007, segundo dados oficiais do recenseamento da
população, Moatize tinha 39.073 habitantes e em 2011 a estimativa era de um população de mais de 270 mil pessoas. Em 2007,
segundo dados oficiais do recenseamento da população, Tete tinha 183.2339 habitantes e a estimativa era de mais de 2 milhões
em 2011. Em decorrência, o caos se instalou na região e houve aumento expressivo do número de acidentes e mortes no trânsito.
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES
Como afirmado anteriormente, o Banco não dá publicidade a informações relativas a projetos financiados fora do país.
Vale Moçambique
198
5- Condicionantes dos órgãos ambientais
O projeto de carvão de Moatize cuja concessão foi atribuída à Vale foi classificado como de Categoria A. De acordo com a
legislação moçambicana, o licenciamento ambiental é da competência do Ministério para a Coordenação da Ação Ambiental
(Micoa) e baseia-se no Processo de Avaliação de Impacto Ambiental e antecede qualquer outra licença legalmente exigida para a
atividade. Para atividades classificadas como de Categoria A, este processo de avaliação compreende, em uma primeira fase, um
Estudo de Pré-Viabilidade e Definição de Âmbito (EPDA), em que são definidos os termos de referências do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA), que constitui a segunda fase do processo de licenciamento.
O projeto da Vale, formalmente, seguiu todos os procedimentos exigidos pela lei em Moçambique, já que a Vale se
comprometeu a ter um Plano de Gestão Ambiental, exigido pela lei moçambicana. Apesar da previsão de auditorias ambientais
regulares no empreendimento pelo Micoa, ainda não há registro da realização de nenhuma ação dessa natureza por parte desta
entidade governamental ou da sua representante local, a Direção Provincial para a Coordenação da Ação Ambiental, em Tete.
6- Duplo padrão
“Há graves violações de leis, regulamentos, documentos da Organização das Nações Unidas (ONU), tratados de direitos
humanos e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) perpetrados pela Vale, dada a inoperância das
autoridades governamentais moçambicanas em fiscalizar a correta aplicação da legislação e fazê-la respeitar. No que tange à
contratação de mão de obra há reclamações das comunidades locais, que denunciam a contratação de brasileiros, sul-africanos,
zimbabuanos, zambianos e malaviados em prejuízo dos moçambicanos, por estes não dominarem a língua inglesa e pela
falta de experiência. (...) Dentre documentos que são ignorados pela Vale constam: Convenção n° 111 sobre a Discriminação
(emprego e profissão), de 1958; Convenção n° 155 sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores; Convenção n° 148 sobre o
Meio Ambiente de Trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações), de 1977; Convenção n° 174 da OIT; Convenção sobre a
Prevenção de Acidentes Industriais Maiores; Convenção n° 81 sobre Fiscalização Do Trabalho.”12
Embora estas violações possam, eventualmente, se verificar na atuação da Vale no Brasil, fica evidente que, a se considerar
o frágil ambiente institucional em Moçambique e a dependência da economia do país diante dos recursos extrativistas, os
abusos cometidos pela empresa são ainda mais graves. Com relação à presença da Vale Moçambique na gestão dos interesses
nacionais moçambicanos, verifica-se que a Vale se converteu em proprietária absoluta das unidades hoteleiras e dos
restaurantes, das vias de acesso, do aeroporto local, enfim do destino da província. As instituições do governo de Tete parece
que perderam o controle da situação13.
Vale Moçambique
199
Por sua importância econômica no investimento nacional, pelo seu expressivo peso na política externa do Brasil e pela sua
capacidade de penetração nos corredores políticos de Maputo (até sua saída do Conselho de Administração da Vale, Roger
Agneli era um dos principais assessores do presidente de Moçambique, Armando Guebuza), a Vale está interferindo no
funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se, com maior relevância do que a maioria dos órgãos públicos
nacionais, como ator nos processos de decisões políticas, econômicas e sociais14.
De acordo com o jornal O País, de 23 de fevereiro de 201015, “as relações da Vale junto às autoridades moçambicanas são fortes,
sendo que Roger Agnelli, o presidente-executivo da empresa, é assessor do Chefe de Estado, Armando Guebuza, para questões
de âmbito internacional”16.
Neste contexto, a ausência de políticas e práticas do Estado que protejam os interesses da população fica explicada pelo conflito
de interesse e pelas “costas quentes” de que goza o capital estrangeiro, fatores que tornam os governantes de baixo nível
incapazes de agir por medo de ferir interesses “dos chefes de Maputo”17.
No caso particular de Tete, a Vale financia a elaboração do Plano Diretor, que, obviamente, obedecerá às vontades da empresa,
escondidas por trás das ações de responsabilidade social18.
7- Atuação do Ministério Público
Pelo que se tem conhecimento, até o momento, não há registro de processo referente a uma disputa judicial.
Vale Moçambique
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1- A maioria das informações deste estudo de caso da Vale Moçambique foi obtida em: 1 - entrevista com Jeremias Vunjanhe, jornalista e coordenador de imprensa da organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!) - Amigos da Terra Moçambique, dada à autora por meio de e-mail em agosto de 2011; 2 - na entrevista especial Moçambique: “O menino bonito” da Vale, com Jeremias Vunjanhe, por Patricia Fachin, Instituto Humanitas Unisinos (IHU), São Leopoldo-RS, em 6 de outubro de 2011 . Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/500479-mocambique-o-menino-bonito-da-vale-entrevista-especial-com-jeremias-vunjanhe. (Referência indicada no texto: como IHU, 6 de outubro de 2011).
2- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.
3- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.
4- Jornal Notícias, 9 de agosto.
5- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011: “O início da exploração do carvão de Moatize data do ano 1949, quando Moçambique era colônia de Portugal. Em 1983, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), movimento armado formado em 1976, desencadeou um conflito terminado em 1992, o que fez com que a exploração do carvão diminuísse vertiginosamente com o encerramento de algumas minas. Com a instauração da paz no final de 1992, foram relançadas as condições necessárias para a reativação da extração do carvão de Moatize”.6- Dados da Mirem obtidos em 11 de outubro de 2007, através de entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011.
7- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.
8- Lei nº 4/2009, de 12 de janeiro, que aprova o Código dos Benefícios Fiscais em Moçambique.
9- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dos-impactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.
10- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.
11- Segundo o n° 2 do Artigo 55 da Constituição da República de Moçambique, “Todos os cidadãos são livres de circular no interior e para o exterior de território nacional, excepto os judicialmente privados desse direito” (Jeremias Vunjanhe, 2011).
12- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dos-impactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.
13- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.
14- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.
15- “Vale investe US$ 595 milhões este ano no projecto de Moatize”, jornal O País online, 23 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://opais.co.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/4809-vale-investe-595-milhoes-usd-este-ano-no-projecto-de-moatize.html.
16- SELEMANE, Tomás. Questões à volta da Mineração em Moçambique: relatório de monitoria das actividades mineiras em Moma, Moatize, Manica e Sussundenga. Edição: Centro de Integridade Pública (CIP). Maputo, setembro de 2010.
17- Idem.
18- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dos-impactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.
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