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    Quatro ambivalncias na teoria da comunicao

    Lus Mauro S MartinoDoutor em Cincias Sociais pela PUC-SP.

    Foi pesquisador-bolsista na Universidade de East Anglia e

    autor de Teoria da comunicaoe Comunicao e identidade, entre outros.

    Resumo:Este artigo compara o contedo de livros intitulados Teoria da Comunicao publicados por autores

    brasileiros nos ltimos doze anos a partir de quatro questes: O que Comunicao? Qual o objeto de estudoda Teoria da Comunicao? Quais os principais mtodos? O que Teoria da Comunicao? O resultado apontandices mnimos de consenso entre os autores a respeito desses elementos, indicando certa flexibilidade dasfronteiras do campo de estudos e, ao mesmo tempo, a valorizao de uma perspectiva interdisciplinar naepistemologia da comunicao.Palavras-chave: Teoria, epistemologia, comunicao.

    Abstract: This paper analyses the books named Communication Theory trying to identify the commonelements from four main questions: what is Communication? What is the study object of CommunicationTheory? What are the main methods? What is Communication Theory? The results shows that there is littleagreement among the authors concerning these questions, what somehow seems to blur the disciplinary

    boundaries and this is seen as a good epistemological fact.Keywords: Theory, epistemology, communication.

    De acordo com o Inep, uma das agncias do governo responsveis pela educao superior, existematualmente em funcionamento 456 cursos de Publicidade e Propaganda, 361 de Jornalismo, 127 de Relaes

    Pblicas, 30 de Rdio e TV, 27 de Cinema e 3 de Editorao. Dessa maneira, h pouco espao para se duvidar

    de que a Comunicao est, de fato e de direito, vinculada esfera do ensino superior. Quando se pensa que

    cada um desses 1004 cursos forme pelo menos de trinta a quarenta alunos por ano a estimativa necessria

    porque o Inep fornece apenas o nmero de vagas oferecidas em cada universidade, no o de estudantes temos

    entre 30 e 40 mil novos profissionais de Comunicao a cada ano no pas.

    Se lcito pensar que a idia de curso superior implica em algo mais do que ensinar aos alunostcnicas e frmulas para escrever ou dizer-lhes qual boto apertar, possvel imaginar que essas 40 mil pessoas

    tiveram algum tipo de formao terica na rea, e, presumivelmente, cursaram ao menos um semestre da

    disciplina denominada Teoria da Comunicao.

    H vrias perguntas que podem ser feitas a partir desta afirmao. Uma delas, que se tentar delinear

    no responder neste texto, discutir as condies de formao do estatuto epistemolgico dessa disciplina,

    ou antes, desse conjunto de saberes intitulado Teoria da Comunicao, em um curso que apenas nos anos

    1960 encontrou espao pleno entre os saberes universitrios, mesmo no exterior.

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    Este texto seqncia de um estudo prvio a respeito do que se entende por teoria da comunicao

    tal como apresentada nos quinze livros de autores brasileiros que levam esse ttulo (MARTINO, 2008).

    Analisando as escolas e autores apresentados em cada um, foi possvel identificar uma coincidncia temtica

    de apenas 23,25% ou seja, o consenso sobre o que teoria da comunicao estende-se por menos de um

    quarto do total de idias e conceitos que podem ser includos nessa disciplina.

    Neste texto, utilizando o mesmo corpus da literatura acadmica, o objetivo delinear algumas das

    razes dessa disparidade doutrinria. Esse delineamento passa pela observao de quatro ambivalncias da

    Teoria da Comunicao: o lugar disperso da teoria nos cursos de comunicao, a ambivalncia doutrinria, a

    pluralidade dos objetos e os limites do que interdisciplinar. No texto, os trechos extrados do corpusesto

    com recuo de pargrafo. Para evitar sobreposio e repeties, foram escolhidos os trechos mais

    representativos para evidenciar cada tema em pauta.

    Pertencem ao objeto de estudo desta pesquisa, em ordem de publicao:

    Gomes, Pedro. Tpicos de Teoria da Comunicao. So Leopoldo: Ed. Unisinos, 2001 (primeira edio em 1997).

    Rdiger, Francisco.Introduo Teoria da Comunicao.So Paulo: Edicon, 1998.

    Melo, Jos Marques de. Teoria da Comunicao: Paradigmas Latino-Americanos. Petrpolis: Vozes, 1999.

    Polishuk, Ilana e Trinta, Aluzio Ramos. Teorias da Comunicao. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

    Hohfeldt, Antonio. et alli. Teorias da Comunicao. Petrpolis: Vozes, 2002.

    Maldonado, Alberto Efendy. Teoria da comunicao na Amrica Latina,Porto Alegre: Sulina, 2002.Costa, Rosa Maria et alli. Teoria da Comunicao na Amrica Latina.Curitiba: UFPR, 2006.

    Santos, Roberto.As Teorias da Comunicao. So Paulo, 2003.

    Martins, Luiz. Teorias da comunicao no sculo XX.Braslia: Casa das Musas, 2005.

    Vilalba, Rodrigo. Teoria da Comunicao. So Paulo: tica, 2007.

    Ferreira, Giovandro. e Martino, Luiz C. Teorias da Comunicao. Salvador: UFBA, 2007.

    Martino, Luiz C. (org.) Teorias da Comunicao: muitas ou poucas?Cotia: Ateli Editorial, 2007.

    Vale assinalar que, destes, apenas Teorias da Comunicao(HOHFELDT, FRANA & MARTINO,

    2002) comporta um captulo voltado s questes epistemolgicas, enquanto Teorias da Comunicao, de

    Ferreira e Martino (2007) e Teorias da Comunicao: muitas ou poucas?(MARTINO, 2007) so dedicados

    exclusivamente a esse debate. Os demais parecem seguir um caminho diferente, no sentido de apresentar as

    idias de maneira crtica mais do que dedicar espao discusso sobre o que teoria da comunicao no

    que esse espao no exista, mas consideravelmente menor.

    Este texto no tem a pretenso de resolver essas questes, mas propor sua articulao como questes de

    pesquisa decorrentes da observao emprica das indefinies a respeito do que teoria da comunicao. A

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    idia no observar o campo de fora, com a iluso de objetividade. Ao contrrio, como participante nos

    mesmos questionamentos que se pretende compreender o que acontece. Entende-se que situar o debate um

    caminho para se pensar respostas.

    A ambigidade da teoria nos cursos de comunicao

    Quando se rene um corpo de doutrinas, mtodos, idias e conceitos sob um mesmo nome, quando esse

    corpo elevado ao statusde disciplina acadmica portanto, ocupando uma posio de destaque em uma

    instncia legtima de reconhecimento simblico e de consagrao intelectual e a esse corpo se dedicam

    livros, encontros, grupos de trabalho e de pesquisa, razovel que se desenvolva uma crena na existncia

    desse corpo, o que implica a formao de um espao prprio de reflexo e elaborao pensado como um

    Campo da Comunicao (CRAIG, 1999: 123; LOPES, 2001).

    Mas, como questiona Kellner (1995: 163), onde comea/termina a Teoria da Comunicao? A

    legitimao ocorre pelo procedimento e o processo autoriza-se a si mesmo. A crena na existncia de uma

    disciplina pode ser o resultado tautolgico e aceito desse processo de auto-legitimao. H indicaes de que o

    campo da comunicao tenha passado por um desenvolvimento histrico baseado na iluso de sua prpria

    existncia em termos autnomos, e, assim, a interdisciplinaridade exibida como trunfo epistemolgico e

    instncia consagradora de um reconhecimento baseado na singularidade seria apenas uma justificativa para

    legitimar em uma instncia metodologicamente vlida essa trajetria histrica (SEVERIN & TANKARD,

    2003: 14).

    Um campo do conhecimento define-se no apenas a partir dos objetos e das temticas que merecemuma reflexo mais profunda, mas sobretudo a partir de olhares e de perguntas que lanamos sobre osfenmenos sociais que, a rigor, perpassam variados campos de saberes (BARBOSA, 2002: 73).

    Criados nos Estados Unidos, os cursos de comunicao tinham como tarefa garantir a legitimidade

    institucional de um tipo de saber digno de ter uma teoria prpria (CARLSON, 2007: 223).

    Vale acrescentar que os estudos europeus de comunicao se depararam com um problema semelhanteao subordinar a comunicao s condies de uma anlise ora poltica, ora semitica, mas quase nunca a partir

    do prprio ato comunicativo e, focando o caso brasileiro, Taschner (1983: 15) aponta a carncia de material

    didtico nacional nos cursos de comunicao.

    Essa ausncia, no entanto, parece estar ligada a outra questo, dessa vez de carter epistemolgico:

    Qual o saber buscado e construdo por ns, pesquisadores da comunicao? Se as prticascomunicativas permeiam as mltiplas dimenses da vida social e atravessam todas as demais prticas,

    e nosso objeto de estudo diz respeito e indagado por inmeros outros campos de conhecimento

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    dentro do vasto espectro das cincias sociais e das humanidades, qual a especificidade de umpossvel saber ou uma abordagem comunicacional dos fenmenos? (FRANA, 2004: 13).

    Vencio Lima (1991:160) aponta uma relao inversa entre a expanso institucional da rea e o

    desenvolvimento terico. A comunicao passou a ser entendida e definida em termos das profisses e doespao institucional que ocupa nas universidades e no de forma terico-conceitual. Em outro texto (LIMA,

    1983: 86), o mesmo pesquisador destaca que a formao terica em comunicao teve seu incio a partir da

    aglutinao ao redor de prticas profissionais, de um lado, e necessidades polticas de controle sobre essa

    categoria profissional, de outro.

    Dessa maneira, a pesquisa em comunicao, motivada por questes profissionais ou polticas,

    desenvolveu-se rpida e desordenadamente, sem tempo para a constituio de um corpo terico e doutrinrio

    especfico.

    A observao da teoria da comunicao de matriz anglo-saxnica mostra a inexistncia de problemas

    na constituio do objeto. A investigao dividida em reas, cada uma delas caudatria de uma cincia

    especfica, e isso resolve o problema epistemolgico. A delimitao rigorosa do objeto, a obteno e anlise de

    dados universalmente observveis e empiricamente controlveis, a experincia de laboratrio para testar

    hipteses, o estreitamento necessrio do universo em discusso e a fragmentao do saber foram as

    caractersticas fundadoras do campo de investigao em comunicao e assim permanecem at hoje

    (DAHLGREN, 2004). Os peridicos que divulgam os dados desse tipo de cincia so cheios de tabelas,

    grficos, detalhadas descries do objeto e resultados derivados de investigaes to minuciosas quanto

    restritas em abrangncia.

    Assim, a comunicao interpessoal geralmente reservada aos estudos de psicologia e teoria do

    comportamento, enquanto as pesquisas na Mass Communication Researchso elaboradas por socilogos ou,

    em alguns casos, psiclogos sociais (BLUMER, 1978; HABERMAS, 1976: 133; MERTON, 1957: 439;

    HEISLER & DISCENA, 2001: 149; CHAFEE et alli, 1990). Esse modelo anglo-saxo, inicialmente aplicado

    no Brasil, encontrou uma situao dupla: cursos de comunicao organizados no cruzamento de uma matriz

    prtica norte-americana acompanhada de uma crtica europia.

    No mesmo sentido, Alberto Efendy Maldonado (2004: 42) aponta a existncia de um paradoxo entre o

    crescimento das pesquisas em comunicao na Amrica Latina a partir dos anos 80 e o pouco desenvolvimento

    no debate das questes epistemolgicas, tericas e metodolgicas. O autor credita isso complexidade das

    temticas, pouca tradio de pesquisa cientfica da rea e atitude dos cientistas sociais de considerar o

    campo como pouco merecedor de preocupaes epistemolgicas.

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    Alguns dos prprios livros intitulados Teoria da Comunicao questionam essa ambiguidade: A

    comunicao constitui valorativamente um tema de importncia consensual, cujo contedo no entanto est

    longe de ter sido esclarecido quando se passa sua definio terica (RDIGER, 1998: 10).

    Melo (1999: 12) credita esse desenvolvimento multidisciplinar a dois fatores. De um lado, a

    contingncia temporal, ou seja, a indisponibilidade de massa crtica suficiente de comuniclogos ou

    midilogos no Brasil e, por outro, reproduo de experincias que j haviam sido testadas em outras

    quadraturas com resultados satisfatrios.

    preciso, desde logo, advertir para o fato de que o campo da comunicao difuso quanto suanatureza epistemolgica. Tanto pode ser recortado enquanto campo cientfico (cincias sociaisaplicadas) quanto pode ser encarado como um conjunto de segmentos prtico-corporativos, compostopor profissionais de comunicao (jornalistas, radialistas, publicitrios, relaes pblicas, cineastas,apresentadores, produtores, etc.), ou ainda como um campo do saber poltico das instituies direta

    ou indiretamente implicadas na gesto ou no controle dos mass media(MARTINS, 2005: 5).

    Essa indefinio epistemolgica se reflete na composio curricular dos cursos de comunicao e na

    razo de ser de sua existncia. Desprovido das fronteiras da tradio que por vezes funcionam como garantia

    de legitimidade, o campo da Comunicao alvo constante de dvidas sobre a necessidade de sua existncia

    a infindvel querela sobre a necessidade do diploma para as habilitaes uma de suas faces visveis. Da a

    situao extremamentesui generis da Comunicao como um campo bem desenvolvido no lado institucional

    sem nada dever s teorias mais desenvolvidas, salvo uma nica coisa: as teorias (MARTINO, 2007: 39).

    A indefinio doutrinria

    A existncia de um corpo de conhecimentos prprio parece ser uma das premissas de legitimidade de

    um campo de estudos. Empiricamente possvel notar que a maior parte dos trabalhos clssicos usados como

    teoria da comunicao foi escrito por pessoas oriundas de outros campos. A produo de textos sobre

    comunicao, portanto, subsidiria de mtodos, teorias e conceitos de outros campos de conhecimento. Em

    estudo sobre os ltimos cinqenta anos de pesquisa em Comunicao nos Estados Unidos, Bryant e Miron

    (2004: 665) constatam, com ampla base emprica, que uma considervel poro das teorias da comunicaoutilizadas na pesquisa so derivadas da psicologia e da sociologia, com importantes contribuies do direito e

    da poltica. Aos olhos do crtico, esse tipo de definio mostra uma contradio nos termos, a saber, a

    enunciao da ambivalncia do campo ocorre em sua prpria definio.

    Essa ambivalncia est presente quase que como condio fundante do campo da comunicao.

    A partir de muitas posies intelectuais, ideolgicas e geogrficas, a multiplicao de propostas dereformulao terica e prtica dos estudos de comunicao manifesta uma insatisfao generalizada

    com o estado atual do campo e a urgncia de repensar seus fundamentos e reorientar seu exerccio(FUENTES NAVARRO, 1999: 114).

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    Isso se apresenta nos livros pertencentes ao corpus: A comunicao um conceito amplo e complexo

    que pode ser estudado das mais diferentes formas e sob a luz de diversas perspectivas tericas. () Seu objeto

    interdisciplinar e tem despertado um interesse crescente em diversas reas do conhecimento (COSTA et alli,

    2006: 7).

    O elemento doutrinrio de cada campo funda-se sobretudo na auto-suficincia de definir quem ou o que

    pertence ou no pertence ao domnio epistemolgico desta cincia. A classificao de um campo do saber est

    vinculada possibilidade de definir uma diferena especfica em relao aos outros campos, mesmo quando

    guarda elementos gerais em comum.

    Parece que apenas a partir da metade da dcada de 90 o campo da comunicao se estrutura de maneira

    a reconhecer uma trajetria autnoma e reivindicar para si autores de outros campos que foram, pela

    proximidade epistemolgica ou de estudos, incorporados ao debate. Como observa um dos livros que formam

    o corpus desta pesquisa: A Comunicao pode ser observada como uma jurisdio terica, no interior da qual

    se alinham temas e teses, comportando definies e conceitos operatrios (TRINTA & POLISTCHUK, 2002:

    59).

    Essa disparidade entre o que ou deixa de pertencer teoria da comunicao, seja como disciplina,

    seja como campo do conhecimento, rea do saber ou qual outro nome se utilize, a parte mais externa do

    problema. Trata-se, na realidade, de encontrar um estatuto epistemolgico claro a partirdo qual seria possvel

    identificar o princpio de uma teoria da comunicao.

    O objeto mltiplo

    Uma das principais caractersticas da rea tem sido uma acentuada impreciso em relao definio

    do seu objeto de estudos. Qualquer encontro entre especialistas em Comunicao nos revelar um profundo

    desacordo sobre questes bsicas (LIMA, 1983: 86). Nesse sentido, a discusso sobre o objeto da

    comunicao pode ser dividida em duas vertentes.

    De um lado, os que vem a Comunicao como um campo interdisciplinar sem objeto definido enisso reside sua qualidade; de outro, procura-se localizar o objeto, seja na comunicao como prtica social ou

    nos media, de maneira restrita. Essa pluralidade leva a questionar a necessidade de um local prprio

    comunicao, enquanto uma disciplina insular que seleciona uma nica dimenso do real em detrimento da

    complexidade deste (SANTOS, 2005: 163).

    De um lado, defende-se que o objeto mltiplo, plural, e que a caracterstica fundante da comunicao

    justamente a inexistncia de um objeto nico. Assim, haveria um ponto de flutuao nas concepes sobre

    comunicao que teriam como elemento principal a multiplicidade. Contrariamente a uma viso que consideraque a comunicao no tem um objeto, porque ou ele amplo/estrito demais, pressupomos que a sua riqueza

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    deriva-se de seu carter inexato e complexo. (...) Sua especificidade a de transbordar fronteiras (SANTOS,

    2006: 115).

    Assim, a singularidade da comunicao seria no ter singularidade. No entanto, esse paradoxo se desfaz

    quando essa postura compreendida vendo-se a comunicao como o elemento de articulao central das

    prticas sociais.

    Note-se, a ttulo de exemplo, a dissonncia entre duas perspectivas relativas ao objeto. Afonso de

    Albuquerque (2002: 30) pontua a questo a partir da relao tecnolgica. Moragas Spa (1997: 28), ao

    contrrio, pensa a comunicao como processo social.

    A situao talvez possa ser resumida ou simplificada no choque entre um conceito menos acabado emais aberto sobre o que comunicao e outro, bastante mais limitado, que parece tomar a noo demeios de comunicao de massa como elemento caracterizador essencial dos fenmenoscomunicacionais (FELINTO, 2007: 43).

    Martins (2005) faz uma distino ao apontar que muitos estudos dados como pertencentes rea de

    comunicao na verdade destinam-se compreenso da chamada esfera informacional, centrada nos meios

    de comunicao, em contraposio a uma esfera comunicacional, descrita pelo autor como dialgica e

    emancipatria. Mas possvel questionar, por exemplo, se no h um conceito expandido de mdia, onde se

    incluiria, por exemplo, o corpo, em lugar de uma leitura textocntrica da comunicao.

    Isso pode ficar claro em dois exemplos retirados dos livros do corpus desta anlise: em (A) Jos

    Marques de Melo prope a definio pelo meio, enquanto em (B) Trinta e Polistchuk preconizam a anlise das

    interaes humanas:

    A) o estudo sistemtico de todos os meios, formas e processos de informao ou de comunicaosocial (MELO, 1999: 19).

    B) Comunicao compe o processo bsico para a prtica das relaes humanas, assim como para odesenvolvimento da personalidade individual e do perfil coletivo (TRINTA & POLISTCHUK, 2002:62).

    Essa indefinio do objeto remete a um problema decorrente: para um objeto mltiplo, mltiplos

    mtodos e conceitos, mltiplas sero as anlises e teorias. Por exemplo, Cooper, Potter e Dupagne (1997: 23),

    de um lado, e Trumb (2004), de outro listam os mtodos usados nas pesquisas em comunicao. Os dois textos

    mostram uma oscilao constante entre mtodos quantitativos, oriundos das cincias naturais, e uma

    abordagem qualitativo-interpretativa dos fenmenos comunicacionais.

    A Teoria da Comunicao uma rea que, pela pluralidade de enfoques e objetos que comporta, tornadifcil qualquer tentativa de sistematizao. De inegvel vocao interdisciplinar de certo modo

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    justificada pela onipresena do fenmeno comunicacional na constituio da cultura e nas prticas davida social , a Teoria da Comunicao pode ser entrecortada tanto pelo prisma de seus temaspreferenciais quanto pelo ngulo de suas matrizes tericas (ROCHA & COELHO, 2004: 7).

    Isso, de sada, j renova o paradoxo: por que existe uma disciplina curricular chamada teoria da

    comunicao se fazer teoria no campo da comunicao exige saberes oriundos de mais de uma disciplina?

    A idia de ultrapassar as fronteiras serve ao mesmo tempo como pressuposto epistemolgico e justificao

    poltica do campo. Sem objeto definido, s resta comunicao se apresentar como interdisciplinar,

    converter essa caracterstica em vantagem e extrair dela o mximo de lucro simblico, entendido como o

    prestgio especfico na hierarquia decorrente da autonomia relativa dos campos do saber.

    A pluralidade interdisciplinar

    Como sugere Locker (1994), a transformao de uma rea do saber em uma disciplina especfica uma

    maneira de aglutinar poderes e foras em torno de um grupo de discusses comuns. Assim, o conhecimento

    alocado sob o domnio de um mtodo especfico garante o monoplio dos discursos e das prticas derivadas ao

    grupo reconhecido como representante dessa disciplina ou socialmente autorizado a falar em seu nome. Os

    critrios de formao do saber acadmico e a prpria noo de campo como um conjunto de foras

    demonstram isso. No obstante, as disciplinas tradicionais, o modo como as universidades dividiram o

    conhecimento e o alocaram o poder, esto sob ataque (LOCKER, 1994: 137). Assim, constituindo-se em um

    campo multidisciplinar, a Comunicao parece ter condies de assumir a vanguarda metodolgica dereintegrao de conhecimentos e saberes: Portanto, possvel deduzir que a maior riqueza do pensamento

    comunicacional no esteja na caracterizao de um objeto prprio, mas na sua interdisciplinaridade

    (MARTINS, 2005: 5).

    Ou, dito de outra maneira:

    Apesquisa em comunicao assume a natureza de um campo interdisciplinar de estudos, envolvendono s as investigaes lingsticas, educacionais, jornalsticas, cibernticas etc. ou seja, as

    pesquisas prprias das Cincias da Informao mas englobando tambm as iniciativas em outrasreas das cincias humanas sociolgicas, psicolgicas, histricas, antropolgicas, etc. (MELO,1999: 20).

    Ou ainda:

    Mais do que uma intercincia, o campo de estudos da comunicao se oferece como territrio debusca multidisciplinar, isto , um terreno frtil para o intercmbio terico-metodolgico que, longede o descaracterizar, reproduz, por sua existncia e sua assiduidade, a movncia prpria Comunicao (TRINTA & POLISTCHUCK, 2002: 66).

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    No entanto, h duas questes relacionadas: em primeiro lugar, apesar disso a comunicao tambm no

    deixa de ser um espao de embate entre saberes e poderes (e uma anlise dessas relaes no pertence ao

    escopo deste texto); de outro, essa mesma perspectiva esbarra em paradoxos que, aparentemente, desgastam a

    proposta.

    H, pois, uma extenso enorme de fenmenos associados palavra comunicao. Isso, se por umlado, tem como aspecto positivo desqualificar a idia de disciplinaridade, por outro lado cria umadependncia de outros saberes, o que foi historicamente um dos maiores entraves prpriaautonomizao do campo (BARBOSA, 2002: 74).

    A idia de interdisciplinaridade e o esforo para sua adeso, no dizer de Luiz Martino (2001: 78), o

    testemunho paradoxal tanto da sobrevivncia quanto da superao de um problema que estranhamente resta

    pouco abordado, seno intacto: o problema da definio do objeto de estudo dessa disciplina. Na mesmalinha, Everardo Rocha (1995: 54) aponta a perspectiva interdisciplinar como um complicador transparente

    nos estudos de comunicao.

    O problema de ordem lgica: pode uma cincia ter vrios objetos e vrios mtodos? Em ltima

    instncia, uma cincia da comunicao implode o conceito tradicional de cincia. No aqui o lugar de discutir

    a validade ou no da idia segunda a qual a comunicao um campo interdisciplinar, mas pens-la como

    sendo a representaohegemnica do campo encontrada na bibliografia corrente com excees, claro. So

    poucos os esforos de conceituao ou definio metodolgica dos conceitos utilizados no campo fazer

    teoria no seria apenas enquadrar conceitos (CAMPBELL, 2003: 505).

    No se trata, em primeira instncia, de condenar ou defender o cruzamento entre disciplinas, mas fazer

    um balano, similar ao que faz Locker (1994: 139) em um artigo intitulado Os desafios da pesquisa

    interdisciplinar. Aps argumentar que a interdisciplinaridade enfraquece o campo da comunicao, aponta no

    mesmo texto que idias e descobertas de outros campos podem nos auxiliar a ver o que conhecemos sob uma

    nova tica, colocando o conhecimento sob nova perspectiva que pode ser maior ou diferente do que seria

    visto na forma original (LOCKER, 1994: 143).

    possvel questionar se o fato de um mesmo objeto ser estudado por diversas cincias o torna

    interdisciplinar (Martino, 2005: 46). A pluralidade de aspectos de um fenmeno permite seu estudo por

    qualquer cincia. No isso, portanto, que justificaria uma abordagem para alm de uma nica disciplina. A

    tabela a seguir indica alguns desses elementos referentes s ambivalncias apontadas:

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    Definio decomunicao

    Objeto deestudos dacomunicao

    Mtodos/disciplinasde estudo

    O que TeoriadaComunicao

    Tpicos deteoria da

    comunicao,

    Pedro GilbertoGomes

    Interaohumana

    fenmeno social

    Estudar ainterao

    humana midiada

    Plural

    Estudo dosprocessos de

    interaohumana

    Teorias dacomunicao na

    AmricaLatina>, Costa

    et alli

    No define No define Interdisciplinar No define

    Teoria daComunicao,Jos Marques

    de Melo

    Opta porinformaopara definir a

    interaomidiada entre

    indivduos

    interaohumana queacontece nacirculao deinformaes,

    inclundo meios

    tcnicos

    InterdisciplinarPrefere teoria dainformao paradefinir o estudo

    As teorias dacomunicao,Roberto Elsio

    dos Santos

    Interaohumana

    As interaesentre sereshumanos

    Interdisciplinar

    Estudo dosprocessos de

    interaohumana em

    sentido amplo

    Teorias daComunicao,

    Antonio Hohfeldtet alli

    Discusso dotema

    Discusso dotema

    Discusso do temaDiscusso do

    tema

    Introduo teoria da

    comunicao,FranciscoRdiger

    Interaohumana

    fenmeno social

    Interao

    humana midiada

    Plural /

    Interdisciplinar

    Estudo dosprocessos de

    interaohumana

    Teorias daComunicao,Luiz Martins

    No define Meios tcnicosPlural / Vinculado outras disciplinas ouao elemento tcnico

    Estudo dosmeios tcnicos

    de comunicao

    Teorias daComunicao,

    Ilana Politschuke Alozio R.

    Trinta

    Interaohumana;

    processo deconstruosimblica

    Interaohumana

    Interdisciplijnnar

    Estudo dasinteraeshumanasmediadas

    Teoria daComunicao,

    Rodrigo Vilalba

    Processosbimlico

    Relaeshumanas

    InterdiscilpinarEstudo das

    relaes

    humanasTeoria daComunicao naAmrica Latina,Alberto Efendy

    Maldonado

    No define No defineInterdisciplinar /Transdisciplinar

    No define

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    Indefinies finais

    O problema da ausncia de uma definio tem uma consequncia na prtica acadmica: qual fronteira

    decide o que um trabalho de comunicao? Na hora de solicitar um auxlio de pesquisa ou submeter um texto

    para avaliao, qual o critrio para classific-lo entre os estudos de comunicao? Afinal, boa parte daquilo

    que se publica em nossos peridicos de comunicao poderia, sem grandes dificuldades, ser catalogado dentro

    da rea dos cultural studies (FELINTO, 2007: 45).

    Outros autores apontam essa indefinio no aparecimento de uma rea independente chamada teoria,

    que ocupa um vasto espao nas Cincias Humanas sem especificamente pertencer a nenhum (EAGLETON,

    1987; CULLER, 2007; VENN, 2007) ou, como Santaella (2001: 15) recorda, sobre a atividade em uma

    agncia de fomento pesquisa, a lista de disciplinas e campos relacionados comunicao mais se parecia a

    uma enumerao catica. E conclui: muitas vezes, tnhamos que julgar projetos, nitidamente

    interdisciplinares, que suscitavam fortes dvidas quanto sua insero ou no na rea de comunicao.

    No poderia ser de outra maneira. Se o campo interdisciplinar, se no tem objeto prprio, se no tem

    metodologia prpria, os critrios de anlise e avaliao da pertinncia a esse campo do saber parecem ser

    extremamente fluidos. O resultado a crena compartilhada o que Bourdieu chamaria de illusio na

    interdisciplinaridade como marco de distino das pesquisas deste campo (BARROS FILHO & MARTINO,

    2003: 160).

    O objeto no definido, o mtodo tampouco. Os mtodos de anlise so igualmente importados de

    outras cincias etnografias da audincia ou de produo, anlises estruturais da mensagem, teorias polticas,

    de recepo, de percepo (HARDT, 1999). Uma alternativa epistemolgica a percepo dos atos

    comunicativos como elementos articuladores centrais das relaes humanas e isso talvez elimine a

    multiplicidade do objeto afirmando o processo, no o modo, a partir do qual a prtica ser explicada

    (MARCONDES FILHO, 2005; MARTINO, L. C. 2007: 8; MARTINO, L. M., 2007: 10).

    A questo permanece em aberto. Afinal, a emergncia de um campo de conhecimento abrange, assim,

    uma rede epistemolgica marcada por zonas de consenso, conflito e negociaes (FERREIRA, 2003: 118).

    Seja olhando as questes relativas Teoria da Comunicao em seus eixos internos (objeto, mtodo,epistemologia) ou externos, como um campo de foras em conflito no qual agentes buscam uma definio

    legtima das prticas e saberes, os cursos e disciplinas de comunicao permanecem no dilogo aberto para

    ter algo a dizer aos 40 mil alunos de Comunicao formados anualmente.

    NotasUma verso prvia deste texto foi apresentado no GP Teorias da Comunicao durante o XXXII Congresso Brasileiro de Cincias daComunicao. Curitiba (03-07/09/2009).

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