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As novas possibilidades de interação trazidas pela Web 2.0 dão ao seu usuário uma série de capacidades, reconfigurando os papéis na relação entre consumidor e marca. Nesse novo cenário, as empresas precisam buscar, dentre seus consumidores, embaixadores dispostos a divulgar seu discurso. Apontamos, então, o fã de marca como representante ideal para esta função, que se mostra cada vez mais imprescindível. A partir disto, este projeto busca delimitar o fã como fenômeno sociocultural e estudar suas principais características e a utilidade delas para as marcas, de onde levantaremos os principais benefícios, demandas e riscos envolvendo esse tipo de relacionamento. O trabalho ainda conta com a análise do case Potterish.com, produto completamente administrado por fãs que se mostrou importante ferramenta na divulgação da marca Harry Potter no Brasil.
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PEDRO EMANUEL MAIA
AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS
Niterói/RJ
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PEDRO EMANUEL MAIA
AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso
de Comunicação Social com habilitação em Publicidade
e Propaganda, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Bacharel, sob a orientação da Prof.ª Drª.
Danielle Ramos Brasiliense.
Niterói/RJ
2014
MAIA, Pedro Emanuel.
AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE
MARCAS E SEUS FÃS. Pedro Emanuel Maia. Niterói, 2014.
82 p. ilust.
Trabalho de Conclusão de Curso, Comunicação Social com habilitação
em Publicidade e Propaganda – IACS - Universidade Federal
Fluminense. Niterói /RJ, 2014.
1 Fãs. 2 Branding. 3 Relacionamento de marca.
PEDRO EMANUEL MAIA
AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso
de Comunicação Social com habilitação em Publicidade
e Propaganda, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Bacharel, sob a orientação da Prof.ª Drª.
Danielle Ramos Brasiliense.
Aprovado em ____ de junho de 2014.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª Drª Danielle Ramos Brasiliense (Orientadora)
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________
Profª Drª Geisa Rodrigues Leite
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________
Profª Drª Mayka Juliana Castellano Reis
Universidade Federal do Rio de Janeiro
DEDICATÓRIA
À minha mãe, dona Rosa, em primeiro lugar e
acima de tudo. Saboreie minhas conquistas como
se fossem mérito seu, pois são.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e à minha família, por todo amor e por terem me mostrado desde sempre o
valor das palavras – essas que hoje são minhas amigas mais íntimas.
Aos meus amigos, sem os quais eu não seria ninguém, por serem os responsáveis pelos
melhores momentos da minha vida. Em especial, aos meus amigos da UFF, a paciência e o
amor de vocês ajudaram a dar vida a este trabalho. Dividir estes quatro anos e meio de
aprendizado e diversão tem sido uma das maiores honras que já tive.
Ao Igor, ao Thalis e ao Victor, por me fazerem sentir um exemplo de algo bom. Espero que
possam segui-lo.
À minha orientadora, Dani, que comprou minha ideia e me pôs no caminho certo para colocá-
la em prática.
Aos mestres e chefes que tive e que tenho, por me levarem “from crayons to perfume”. Vocês
ajudaram a construir o profissional que me tornei e a desenvolver o pensamento crítico que
me foi essencial na construção deste projeto.
Ao Potterish e, principalmente, aos amigos que lá fiz, por serem a inspiração deste trabalho e
por me mostrarem que não há absolutamente nada de errado em amar algo que não pode nos
ver. Como já lhes disse uma vez, “estaremos sempre juntos, meus andarilhos da magia”.
Por fim, a qualquer pessoa que consiga entender porque escolhi dividir meus agradecimentos
em sete pedaços. After all this time, always.
RESUMO
As novas possibilidades de interação trazidas pela Web 2.0 dão ao seu usuário uma
série de capacidades, reconfigurando os papéis na relação entre consumidor e marca. Nesse
novo cenário, as empresas precisam buscar, dentre seus consumidores, embaixadores
dispostos a divulgar seu discurso. Apontamos, então, o fã de marca como representante ideal
para esta função, que se mostra cada vez mais imprescindível. A partir disto, este projeto
busca delimitar o fã como fenômeno sociocultural e estudar suas principais características e a
utilidade delas para as marcas, de onde levantaremos os principais benefícios, demandas e
riscos envolvendo esse tipo de relacionamento. O trabalho ainda conta com a análise do case
Potterish.com, produto completamente administrado por fãs que se mostrou importante
ferramenta na divulgação da marca Harry Potter no Brasil.
Palavras-chave: Fãs, branding, relacionamento de marca.
ABSTRACT
Web 2.0 brings new interaction possibilities that empower its user with a whole new
group of capacities, redesigning the roles in the relationship between consumers and brands.
In this new scenario, companies must find, within its consumers, ambassadors willing to
broadcast its speech. We indicate, then, the brand fan as the ideal agent for this indispensable
task. Later on, this project will define the fan as a social and cultural phenomenon, and also
study its main characteristics and their use for the brands, in which we will find the benefits,
demands and risks involving this kind of relation. This work also carries an analysis of the
Potterish.com case, a completely fan-administrated website that has proven itself as a very
important tool in Harry Potter brand propagation in Brazil.
Key words: Fans, branding, brand relationship.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................9
2. O NOVO PAPEL DO CONSUMIDOR............................................................................13
2.1 A reviravolta chamada Web 2.0........................................................................13
2.2 O Y da questão..................................................................................................14
2.3 Trust me, I'm a Doctor!.....................................................................................16
2.4 Uma porção de amor e a conta..........................................................................17
3. O FÃ CONSUMIDOR........................................................................................................21
3.1 Diagnóstico: fã...................................................................................................21
3.2 Star Trek ou Google?.........................................................................................23
3.3 Sigam-me os bons..............................................................................................26
4. O RELACIONAMENTO: BENEFÍCIOS, DEMANDAS E RISCOS...........................29
4.1 A praça virtual dos três poderes: promover, responder e expandir...................29
4.2 O amo que ama: os três desejos dos fãs............................................................37
4.3 O lado B: riscos e principais problemas no relacionamento com o fã
..................consumidor........................................................................................................43
5. CASE: POTTERISH.COM................................................................................................46
5.1 A cicatriz mais famosa do mundo: a marca Harry Potter..................................47
5.2 Os fãs que são ídolos – Potterish.com...............................................................49
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................56
7. REFERÊNCIAS..................................................................................................................59
8. APÊNDICES........................................................................................................................65
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 - Barras de chocolate Lollo.........................................................................................24
Figura 2 - Esquema Marca/Público...........................................................................................30
Figura 3 - Esquema Fã/Público.................................................................................................30
Figura 4 - Selo CUBE...............................................................................................................34
Figura 5 - Pedidos de casamento à Taco Bell...........................................................................39
Figura 6 - Mensagem de boas vindas do Pottermore................................................................41
Figura 7 - Área dos fãs So Delicious........................................................................................42
Figura 8 - Homepage do Potterish............................................................................................50
Figura 9 - Selo FanSite Award.................................................................................................52
9
1. INTRODUÇÃO
Henry Jenkins inicia seu livro Fans, Bloggers and Gamers da seguinte forma: “Olá.
Meu nome é Henry. Eu sou um fã” (Jenkins, 2006, p. 1, tradução nossa). E a partir daí, isso se
torna tudo que o leitor precisa saber para compreender minimamente – mesmo que através de
relativização – todo o conteúdo apresentado em seguida. Esta parece uma excelente forma de
iniciar um trabalho que também falará sobre fãs e, curiosamente – ou não – também foi
escrito por um deles.
A ideia que deu luz a este trabalho surgiu de uma experiência pessoal – apesar de ter
sido originada num insight tardio. Com mais de um ano de atraso, na verdade. Fui, durante
dois anos, tradutor voluntário da equipe do site Potterish.com, sobre o qual descobriremos
mais algumas páginas para frente. Durante esse tempo, tudo que me importava era a
felicidade de emprestar um pouco do meu conhecimento para ela que tanto havia me dado em
anos de relacionamento intenso. Ela, no caso, uma marca.
Foi depois de terminar meu período no Ish, quando as correias da vida profissional já
puxavam meu tempo livre por todos os lados, que percebi no que aquilo tudo consistia. Eu,
em plena – ou quase plena, como veremos adiante – consciência disponibilizava meu tempo e
meus serviços para ajudar na divulgação da marca Harry Potter no Brasil. Com um pouco
mais de pesquisa e um olhar ligeiramente mais apurado, comecei a perceber que esse padrão
se repetia não apenas na indústria do entretenimento, como cogitei a princípio, mas poderia
alcançar marcas de quaisquer setores. Feito, tinha em mãos um tema.
Não foi preciso pesquisar mais a fundo para encontrar uma questão central, depois
disso. Pelo fato de haver pouca – pouquíssima – literatura realmente focada nesse assunto
enveredei-me pelos cases e artigos técnicos na internet, e a maioria desses, quando entravam
nessa discussão, não passavam dos primeiros argumentos e das incontáveis listas de “como
tratar propriamente o seu fã consumidor”. Por alguns momentos acreditei que a ausência de
diretrizes sobre o material que queria pesquisar seria um problema para mim – na
configuração de obstáculo que essa palavra às vezes pode tomar. Não tardei a perceber,
entretanto, que a falta de pesquisas acerca do fã consumidor seriam, sim, meu problema: o
problema a ser trabalhado por minha pesquisa.
A contextualização do tema levou ao material que encontramos no capítulo 1. Uma
série de fatores históricos, sociais e tecnológicos trouxe a sociedade contemporânea à Web 2.0
e, dela, à interatividade infinita entre indivíduos. A partir daí, vamos analisar essa
interatividade e como ela interage com a questão da Geração Y, grupo demográfico de maior
10
expressão nos tempos atuais. Essas questões nos trazem, então, para a primeira grande
premissa deste trabalho: os consumidores deixaram de acreditar em propaganda – ou ao
menos com a mesma intensidade de antes.
Esse cenário é que logo nos traz ao novo desafio das empresas que vai abrir portas
para a introdução do nosso objeto de estudo. Partindo da crescente descrença dos
consumidores em seus discursos – e de sua nova crença uns nos outros – as marcas precisam
conquistar pessoas que façam o que elas já não podem fazer com tanta credibilidade:
divulguem seus produtos e serviços. É aí que entra o fã. Devoto e apaixonado, o fanático teria
a capacidade de defender e promover a marca em seu coração, bem como de conversar
diretamente com ela e oferecê-la feedback genuíno.
Dito isso, partimos ao capítulo 2, cuja proposta é analisar o fenômeno fã e delimitar o
conceito a ser utilizado no decorrer do trabalho. Entendidos por muito tempo pela psicologia
como anormais, ou desprovidos de discernimento dada a sua obcessão, o fã ou fanático
demorou a ser percebido como uma realidade cultural completamente cotidiana. Um dos
primeiros pesquisadores a levantar esse outro panorama é Jenkins, cuja definição de fã será
crucial para toda a pesquisa.
Contudo, a abordagem mais corriqueira encontrada nos levantamentos de fã como
fenômeno cultural mostra um indivíduo cujos únicos objetos de fanatismo possíveis são
provenientes da indústria da cultura e do entretenimento. Para quebrar este paradigma
levantaremos semelhanças entre o fanatismo e o relacionamento entre consumidor e marca de
produtos ou serviços de quaisquer categorias de mono a provar que o fã, quando inserido na
lógica do consumo pode – e irá – se fidelizar a marcas com igual entusiasmo oferecido a uma
banda, ou a uma série, por exemplo.
Antes de prosseguirmos ao capítulo seguinte faremos mais uma delimitação que se
mostrou extremamente importante no percurso da pesquisa: o termo fã foi apropriado de
maneira quase que leviana pelo Facebook e outras redes sociais, tornando-o banal na
concepção de muitos. Proporemos então uma divisão entre os fãs dos quais estamos tratando e
o “facebook fan”, para evitar possíveis confusões de sentido.
Já no capítulo 3 poderemos conversar mais diretamente com a pergunta norte do
trabalho. Com base em casos de sucesso e literatura acerca de questões como motivação,
participação e cultura colaborativa, levantaremos os principais benefícios de se engajar o fã de
marca, suas principais demandas e os mais recorrentes riscos deste contato.
Para melhor estruturação do conteúdo, os benefícios serão divididos em três. O
primeiro, a promoção, fala sobre a capacidade inerente aos fãs de dialogar diretamente com
11
outros consumidores com maior credibilidade, característica negada às marcas que, ao expor
sua mensagem a impregnam automaticamente com seus propósitos mercadológicos. Esse
primeiro item também aborda a disponibilidade dos fãs de falar sobre as marcas em seus
corações, por vontade própria, livre de custos e, principalmente, de maneira genuína.
O segundo benefício, a resposta, envolve não somente a participação como o vínculo
emocional criado entre fã e marca. Fãs estão dispostos a dar feedbacks a suas marcas e,
quando estimulados a fazê-lo, tendem a realizar essa tarefa com ainda mais boa vontade. Um
dos cases exibidos nos ajudará a comprovar que, uma vez que a marca esteja disposta a
escutar, a capacidade dos fãs de ajudá-las a melhorar, pura e simplesmente por devoção, é
fácil de ser encontrada.
Por último mencionaremos a expansão, ou a capacidade do fã de estender ao bel
prazer o universo de sua marca favorita, fazendo uso daquilo que chamamos de “conteúdo
gerado por usuários”, ou User Generated Content (UGC) em inglês. Aglomerados em
comunidade os fãs se tornam capazes de criar sobre a marca, para si e para outros
consumidores. Apesar de arriscado, pode se mostrar uma das formas mais ricas de aproveitar
a disponibilidade do fã para diversos fins, como veremos exemplificados através de três
exemplos reais.
Partindo dos benefícios, a proposta seguinte é levantar as três principais demandas do
fã consumidor que, apesar de se dedicar motivado por sua paixão, pode ser estimulado para
que faça cada vez mais e melhor. A primeira delas é a participação, que está intimamente
ligada ao conceito de pertencimento. É de agrado do fã se sentir parte de algo maior, e cabe às
marcas fazer com que ele sinta que sua contribuição compõe uma engrenagem importante na
construção do valor de marca.
Logo em seguida temos a exclusividade, que provavelmente é a mais aplicada –
mesmo que sem embasamento teórico – pelas marcas que já podemos encontrar num estágio
mais avançado de relacionamento com seus fãs. Oferecer a eles algo a mais do que o público
médio terá acesso faz com que se sintam especiais, o que remete diretamente ao paradigma do
Fã Número 1, estudado no capítulo.
Por último teremos o reconhecimento, que certamente é o desejo mais simples e mais
importante dos fãs. Quando chegarmos neste ponto já estará claro que o fã muito pode fazer
pela marca. Parece uma resposta óbvia esperar que as empresas agradeçam, das mais diversas
formas que puderem encontrar, de modo a criar uma espécie de retroalimentação onde o
agradecimento da marca leva o fã a entregar mais, ao que ela deverá agradecer
posteriormente.
12
Ao vislumbrarmos os potenciais problemas do relacionamento com o consumidor,
tópico que encerra o capítulo, analisaremos a linha ligeiramente apocalíptica que rechaça
qualquer tipo de conteúdo gerado por consumidor. Discutiremos também o risco recorrente de
que o empoderamento dos fãs por parte das empresas ultrapasse certo limite indefinido,
fazendo com que um terceiro – mesmo que seja um terceiro próximo – tenha nas mãos
autoridade demais para falar em nome da marca.
Tendo em vista todo o conteúdo levantado, dedicaremos o quarto e último capítulo a
análise do case Potterish.com, material criado por fãs que tem mostrado resposta positiva a
um bem sucedido relacionamento entre marca e fã consumidor. O principal objetivo dessa
análise é utilizar as características e experiências do Potterish e sua equipe – representadas
aqui por três fãs entrevistados – para corroborar as questões defendidas ao longo de todo o
trabalho.
13
2. O NOVO PAPEL DO CONSUMIDOR
2.1 A reviravolta chamada Web 2.0
Dizem por aí que a união faz a força. A premissa de que diferentes esforços
combinados podem levar a um objetivo maior e ao fortalecimento dos menores vem sendo
metaforizada das mais diversas maneiras e ensinada a crianças do mundo todo desde,
provavelmente, sempre.
No mundo da fantasia, das histórias infantis e das lendas carregadas de moral, é
comum encontrarmos a figura de um grande e poderoso indivíduo que, por ser maior e mais
forte que cada um dos outros seres, individualmente, subjuga-os e exerce seu controle sobre
eles, como um grupo. Por outro lado, também é comum que essas mesmas histórias
caminhem para determinado fim: as pequenas criaturas percebem que – apesar de isolados
serem mais fracos – unindo suas diferentes características e experiências podem se igualar ao
poder do opressor, quebrando a ordem de grandeza que os mantinha vulneráveis.
Podemos perceber um paralelo claro quando aplicamos essa trama à história da
publicidade. Como se sabe, a Revolução Industrial do século XVIII foi a grande responsável
pelo aumento na diversidade de produtos oferecidos no mercado e, consequentemente, pelo
desenvolvimento do marketing e da gestão de marcas. Deste ponto da história em diante, até o
início do século XXI, o diálogo estabelecido entre marca e consumidor era claramente
unilateral, ou one-to-many1. Nessa comparação, então, as marcas funcionariam como o
indivíduo opressor, sua autoridade aqui realçada pela necessidade de consumo. O consumidor,
por sua vez, portador e refém dessa necessidade, representaria a pequena criatura subjugada.
A reviravolta nesta trama é tão clara quanto a definição dos papéis. No início da
primeira década deste século ouvimos falar, pela primeira vez, sobre a Web 2.0. Criado e
patenteado em 2004 pelo empresário Tim O’Reilly, o termo não se refere a uma evolução nas
ferramentas de acesso à internet, mas à sua modalidade de uso:
As tecnologias da segunda geração da internet já existiam desde a década de
90. Mas foi a partir da expansão da banda larga e da criação de programas para facilitar a produção do conteúdo da rede que surgiram os sites marcados
por colaboração, formação de comunidades e compartilhamento de
informações. (SEGALLA, RIBEIRO e BARIFOUSE, 2007)
1 De acordo com Hoffman e Novak (1995), o processo de comunicação one-to-many é dado da seguinte forma: a
empresa produz conteúdo e o transmite, através do meio, para seus consumidores. Além disso, afirmam que "o
modelo não apresenta interação entre consumidores e empresas". Componentes como ruídos na comunicação
também não são levados em conta.
14
Para Tapscott e Williams (2007), a colaboração teria o poder de mudar a forma como a
sociedade manipula o conhecimento, e essa é, em sua concepção, a chave desta inversão de
poderes: o ponto em que os indivíduos, antes passivos, se tornam agentes da informação.
A Web 2.0 dá voz a cada um de seus usuários, e acima de tudo, quebra uma série de
barreiras que antes os mantinham separados. Juntos, os consumidores da “nova internet”
tomam as rédeas da situação e se colocam em pé de igualdade com a indústria e a mídia, par
que, até então, era o único detentor da capacidade real de expressão. Segalla, Ribeiro e
Barifouse pontuam, em seu artigo, que – antes desse novo cenário – “tudo que se sabia sobre
uma marca emanava da empresa que a detinha” (2007). Agora, dotados de redes sociais,
plataformas wiki, grupos de discussão e uma série de outras ferramentas, os indivíduos online
trazem a tona o modelo many-to-many2, transformando-se em uma espécie de sociedade civil
organizada. Com todas essas novas armas, tornam-se uma voz que, hoje, é mais ativa e
influente nos meios do que as empresas provavelmente imaginavam que poderia ser.
2.2 O Y da questão
O aprimoramento das ferramentas acima discutidas permite o desdobramento de todo
um novo cenário, mas não é o único ponto nesta teia de causas e efeitos. Além da nova
interatividade e da mudança na relação hierárquica de consumo acima mencionadas, há outro
fator social que contribui para a composição da realidade discutida nesse trabalho: o “boom”
da Geração Y.
De acordo com relatório publicado pelo Social Chorus (2013), os Millennials – como
também são chamados esses indivíduos tão amplamente estudados por pesquisadores de
mercado, comunicação e consumo – encontram-se hoje na faixa etária de 14 a 34 anos3 e,
portanto, carregam uma característica primordial: foram criados durante a expansão da Web
2.0.
Seus números são expressivos: em 2012, de acordo com levantamento feito pela ONU,
a geração já representava mais de 30% da população mundial. Em adição, o relatório
2 Hoffman e Novak (1995) também definem o modelo many-to-many. Nesta nova configuração, o consumidor também é capaz de produzir conteúdo e de, principalmente, disseminá-lo através de um meio - o que até então só
era feito pelas empresas. Além disso, a configuração many-to-many traz a possibilidade de interação entre
empresa e consumidor, o que não era possível no modelo em vigor anteriormente. Caem os papéis de
"remetente" e "destinatário", já que todos os envolvidos nessa troca agora desempenham ambas as funções. 3 Não existe um consenso sobre o início e fim exatos de cada geração. O relatório da Social Chorus determina
que a Geração Y seja formada por indivíduos nascidos entre 1980 e 2000, definição que adotaremos nesta
pesquisa. Algumas outras definições, entretanto, foram encontradas durante a pesquisa: Tapscott e Williams
(2007), por exemplo, discutem a "Geração Net", com características bastante semelhantes às levantadas pelo
relatório, mas que teriam seus nascimentos compreendidos entre 1997 e 2006.
15
supracitado ainda afirma que dentro de cinco anos a Geração Y terá mais poder de compra do
que qualquer outra faixa etária.
O que temos em mãos é, então, um grupo vasto e extremamente influente para a
movimentação do mercado, que desenvolveu seus hábitos de consumo numa sociedade em
que a sua voz, como indivíduo, é tão alta que passa a ser ouvida pelas grandes corporações. E
esses fatores combinados nos levam a uma conjuntura extremamente curiosa: o consumidor
acredita cada vez menos em propaganda.
A afirmação, proferida inúmeras vezes por diversos estudiosos e personalidades do
mercado nos últimos anos, pode soar, à primeira vista, um tanto apocalíptica. É preciso dizer,
inclusive, que não se trata de uma mudança brusca e integral. Estamos falando sobre um setor
do mercado, como já mencionado, vasto e influente, que passa atualmente por esse processo
de descrença nas mensagens da publicidade, e acaba reverberando essa tendência, de maneira
geral, para toda a sociedade. Não faltam, portanto, argumentos que reiterem essa linha de
pensamento. Em seu artigo, Ana Margarida Barreto (2011) levanta, a partir de suas leituras de
Denegri-Knott (2004, 2006), Harrison (2006), Muniz e O’Guinn (2001), quatro novos
“poderes” oferecidos ao consumidor pela Web 2.0. Essas habilidades é que teriam, sim, o
poder de conduzir o cenário de consumo atual a um enfraquecimento na credibilidade da
propaganda. São elas:
(1) Controle sobre a relação com as organizações. Em contextos online, os
consumidores podem estabelecer relações com os produtores sem esforço, sempre que quiserem (Denegri-Knott 2004, 2006). (2) Informação como
poder. Os consumidores aprendem mais sobre as práticas de negócio, sobre
a concorrência e os seus preços e com essas informações ficam com mais
poder de negociação (Harrison et al., 2006). (3) Agregação. As comunidades online podem ser organizadas em qualquer lugar e a qualquer
momento, permitindo aos consumidores reunirem-se e trocarem experiências
sem tomarem muito tempo (Muniz e O'Guinn, 2001, Denegri-Knott, 2006). (4) Participação. Ao recolherem informação e trocarem experiências [...]
nas comunidades online, os consumidores são capazes de reduzir os riscos e
de ganhar mais controle sobre as atividades de consumo (Denegri-Knott, 2004; Harrison et al, 2006; Pires et al., 2006). (BARRETO, 2011, p. 4)
As novas e poderosas possibilidades de interação oferecidas tirariam, então, da
publicidade, o papel de incentivar e justificar o consumo. O novo consumidor – que em
homenagem à ferramenta que o desenvolveu é por vezes chamado de consumidor 2.0 – não
precisa e nem quer mais crer em slogans, o que colocaria em cheque, inclusive, uma das
maiores premissas da propaganda.
16
Descrita por Jean Baudrillard em seu livro Sociedade de Consumo (1970), a lógica do
Papai Noel sugere que o consumidor, mesmo ciente do objetivo persuasivo da propaganda,
escolhe, conscientemente, acreditar nela. Para o sociólogo, durante a segunda infância, já não
creríamos mais na existência do bom velhinho. Ainda assim, optaríamos por embarcar na
fantasia proposta por nossos pais, por ser esta a grande motivadora da entrega dos presentes
de fim de ano. Ainda partindo dos levantamentos de Baudrillard, a premissa também valeria
para a publicidade: o consumidor tem plena ciência da função mercadológica do slogan, mas
dele se utiliza, como justificativa para seu próprio desejo de consumir.
As novas relações de consumo quebrariam, então, com esse paradigma. Os fatores
discutidos nos encaminham para um panorama em que slogans não são mais a justificativa de
compra: esse papel, agora, seria desempenhado por um novo agente de enorme importância,
que discutiremos à frente. É provável que a segunda infância de Baudrillard tenha passado, e
finalmente estejamos deixando de acreditar em Papai Noel4.
2.3 Trust me, I’m a Doctor!
Atingimos um ponto importante desta discussão. Todos os fatores até agora levantados
nos trazem ao seguinte panorama: conectados entre si, os consumidores tendem a acreditar
mais uns nos outros do que nos discursos proferidos pelas empresas. E mais importante: suas
decisões de compra, que outrora eram pautadas por uma combinação do seu desejo, das
informações recebidas através da propaganda e por um ou outro influenciador de compra a
sua volta, agora são profundamente impactadas pelas comunidades online. E não apenas
aquelas frequentadas por amigos e conhecidos.
[...] as pessoas recorrem cada vez mais às comunidades online e aos blogs
para basear suas decisões de compra. Segundo o levantamento da
consultoria, 50% dos usuários de sites colaborativos seguem dicas de compras recebidas pela internet. No Brasil, as pessoas revelam-se ainda mais
influenciáveis, com um total de 56% dos entrevistados admitindo seguir
sugestões de conhecidos da rede. Outro dado revelador aponta o grau de confiança absoluto que os internaturas depositam na rede: 40% dos
entrevistados estão dispostos a aceitar recomendações feitas por
desconhecidos.” (SEGALLA, RIBEIRO e BARIFOUSE, 2007)
Com o tempo, as práticas e as ferramentas de colaboração na internet evoluíram e
continuam a crescer, originando páginas com recordes de acessos que reinventam a
4 É importante relativizarmos esse suposto fim da lógica do Papai Noel, dado que o acesso às ferramentas de comunicação que permitem esse empoderamento por nós discutido, apesar de cada vez mais difundidas, ainda são exclusivas de uma parcela da população mundial.
17
experiência de compra e colocam as empresas completamente nas mãos de seus
consumidores.
Em meio a inúmeros casos de sucesso como a página de avaliação de hotéis Trip
Advisor, ou a rede social Foursquare, um ótimo exemplo a ser citado é o site Reclame Aqui.
Na página, cujo slogan “Consumidores exponham suas reclamações” traz um imperativo
importante em época de constante desrespeito aos direitos do consumidor, o usuário pode
publicar sua opinião a respeito de um produto, serviço, ou atendimento de, basicamente,
qualquer empresa. Todas essas reclamações são agrupadas dentro do perfil daquela marca, e
expostas sem qualquer tipo de filtro, a não ser o que retira conteúdo ofensivo e palavras de
baixo calão. As notas dadas pelos consumidores àquela empresa formam, também, um
ranking que enumera os melhores e os piores atendimentos, premiando com um selo chamado
de RA1000 aquelas que se sobressaírem.
O direito de resposta é a grande arma das empresas nesse caso, onde sua reputação
está tão exposta e inteiramente na mão de terceiros. Em pesquisa publicada em 2010, Sandes e
Urdan (2010) reiteram a afirmação de que comentários de consumidores na internet tem
impacto na decisão de compras de outros usuários. Por outro lado, constatam que o
gerenciamento desses comentários tem o poder de minimizar ou até mesmo neutralizar a força
negativa desse conteúdo.
Percebe-se, então, que a colaboração entre os usuários das comunidades online
possibilitou o surgimento de um cenário onde a opinião de um consumidor tem papel crucial
na decisão de compra do outro, positiva ou negativamente. Apesar disso, este não é um
cenário apocalíptico para as empresas. A realidade de consumo 2.0 não é pior ou mais
ameaçadora que anterior: apenas é nova e, portanto, demanda novas formas de gestão de
relacionamento com as quais as companhias ainda estão aprendendo a lidar.
2.4 Uma porção de amor e a conta
Notamos até aqui um grande diferencial do cenário atual que configura o que,
provavelmente, pode ser considerado um dos maiores desafios das marcas neste século: não
se trata mais de falar bem sobre si mesmo. O crucial agora é aprender a conduzir outras
pessoas a fazê-lo.
O assunto é abordado no filme Amor Por Contrato, de Derrick Borte. Na trama, os
Joneses, família modelo americana, acaba de se mudar para um bairro de classe média alta no
subúrbio do país. Donos dos melhores aparelhos telefônicos, das mais novas roupas de grife e
de diversos modelos de carros do ano, tornam-se referência entre a vizinhança, que passa a
18
enxergá-los como trendsetters e a comprar – ou sonhar em fazê-lo – quaisquer produtos que
usem em seu dia a dia.
Há um detalhe importante: tudo não passa de uma grande mentira. Na verdade, a
família em questão é formada por atores, contratados por uma empresa de publicidade, cujo
objetivo principal é lançar no mercado novos produtos e marcas de seus clientes.
Atentemos a uma passagem do filme. Na cena em questão, a personagem de Demi
Moore, falsa matriarca e responsável pelos resultados nas vendas desta família perante a
empresa contratante, tenta incentivar o personagem de David Duchovny a explorar melhor seu
papel como trendsetter:
Você continua vendendo para as pessoas individualmente, quando o que
deveria criar é um efeito em massa onde os outros vendam por você. Sempre tem alguém por quem as pessoas procuram para receber um conselho, ou
para saber de alguma novidade, e eles se tornam a conexão que chega ao
consumidor, em seu nome. (AMOR Por Contrato, 2010)
Apesar de inseridas num contexto fantasioso, as questões levantadas pelo filme são
extremamente pertinentes. Para o consumidor moderno, a legitimidade do discurso de um de
seus iguais tende a ser maior que a do discurso proferido por marcas ou empresas, e estas
últimas já demonstram levar essa nova premissa em consideração. Pesquisa realizada em 2008
com blogueiros de todo o mundo, divulgada no site norte-americano Technorati, levantou que
cerca de 35% desse público já foi procurado por companhias para se tornarem “advogados”
de seus produtos (SANDES e URDAN, 2010).
O que se percebe através disso é a valorização, por parte das empresas, do fenômeno
chamado de “boca a boca” ou, como é conhecido em inglês, WOM – word-of-mouth. Essas
“conversações face a face entre consumidores sobre a experiência com um produto ou
serviço” (SEN e LERMAN, 2007), que aparecem na produção ficcional de Borte sob um
ligeiro toque de exagero, já são fatia importante nos investimentos reais de marcas por todo o
mundo. Da mesma forma que, no filme, empresas buscavam implantar indivíduos capazes de
defender e propagar seus produtos perante o público alvo, na vida real seu desafio é encontrar
consumidores dispostos a disseminar sua mensagem nesse imenso diálogo que é o WOM.
E esse consumidor que difunde a mensagem de uma marca perante seus semelhantes
já tem nome próprio: é chamado de brand advocate5, algo como o “defensor da marca”. A
primeira solução visível para esta questão segue a lógica do mercado: comprar esses porta-
5 Brand advocate é um termo completamente envolvido com as questões de consumo na época da internet. São
aqueles indivíduos que estão dispostos a defender e a divulgar uma marca através de boca-a-boca positivo.
19
vozes, incentivando-os com dinheiro ou produtos para que digam exatamente o que
desejarmos. Parece bastante simples, mas pode ser considerado tão igualmente ineficaz.
Fundador da famosa agência de brand advocacy, Zuberance, o empresário Rob Fuggetta
atesta que essa tática é um erro, e afirma que não se deve pagar ou oferecer incentivos aos
advocates. Para ele, a razão número um pela qual esses indivíduos recomendam marcas e
produtos é porque querem ajudar uns aos outros, e não porque estão obtendo ganhos.
(FUGGETTA, 2012)
Mais números reiteram o discurso: de acordo com dados levantados pela própria
Zuberance, apenas 18% dos consumidores tendem a acreditar nos influenciadores – como são
chamados os blogueiros ou celebridades da web pagos para propagar marcas – enquanto 92%
tendem a levar em consideração o discurso de brand advocates.
Eis, então, o cenário a que toda essa situação nos trouxe: as marcas tem a nova
necessidade de se fazerem presentes no boca-a-boca, inserirem-se na realidade online
colaborativa onde grande parte de seus consumidores estão. Precisam fazer isso, também, de
uma maneira quase subcutânea, sutil, evitando as características da propaganda tradicional,
que, em teoria, influenciariam negativamente na legitimidade desse discurso – para ser real
ele precisa ser de consumidor para consumidor. E mais importante: devem buscar – e
fomentar – amor genuíno, já que consumidores que são pagos para serem embaixadores de
marcas tendem a ser desacreditados.
Essa questão se relaciona diretamente com um conceito altamente difundido entre
pesquisadores do campo nos últimos anos. As LoveMarks, algo como Marcas do Amor, de
Kevin Roberts (2004) se pautam no conceito defendido pelo autor de que as decisões dos
seres humanos são motivadas pela emoção, e os indivíduos que são orientados puramente pela
razão são poucos perto da maioria.
As Lovemarks deste novo século serão as marcas e negócios que criarem
conexões emocionais genuínas com as comunidades e redes em que estão
inseridas. E isso significa estar perto, e íntimo [...]. (ROBERTS, 2004, p. 60,
tradução nossa)
Os conceitos com os quais lidaremos neste trabalho só são possíveis de serem cunhados
quando partimos, então, da premissa das lovemarks. A possibilidade de uma marca preencher
um espaço emocional de um indivíduo, essa espécie de mercantilização do sentimento, é que
tornam possíveis os levantamentos que faremos adiante.
20
Chegamos, então, à principal hipótese deste trabalho. Existe um grupo de indivíduos
que carrega todas as características do brand advocate ideal. O fã, ou fanático, como veremos
no próximo capítulo, é conhecido exatamente por seu amor verdadeiro e incondicional; por
sua capacidade não apenas de defender e propagar o objeto de seu fanatismo, mas também de
compreender e perdoar seus erros e, inclusive, oferecer retorno estruturado e sincero. O que
nos cabe analisar é que existem maneiras através das quais as empresas podem incentivar seus
fãs e fomentar esse amor de forma a obter retorno real ao seu brand equity, gerando
benefícios mercadológicos a partir de sentimentos verdadeiros.
21
3. O FÃ CONSUMIDOR
3.1 Diagnóstico: fã.
A pluralidade nos campos que estudam o fenômeno fã torna necessária uma
delimitação específica do conceito ao qual nos referimos neste trabalho.
Etimologicamente, a palavra fã tem origem no latim, em fanaticus, que se refere a
alguém extremamente devoto a um templo. Quanto à sua definição, é importante notar que o
fanatismo, durante muito tempo, foi classificado como patologia e estudado, principalmente,
através do viés psicológico. Podemos perceber essa ótica em Fandom as Pathology: The
Consequences of Characterization, de Joli Jonson, escrito em 1992. Jonson explicita essa
classificação e afirma que a academia tendia a enxergar o fã como “o outro”. Em sua visão, o
fã seria um objeto de estudo completamente dissociado de pesquisadores e cientistas, além de
ser muitas vezes caracterizado como violento e obsessivo, incapaz de enxergar os limites do
aceitável na relação com seu objeto de fanatismo (JONSON, 1992, p. 9 a 13).
Podemos enxergar, entretanto, uma mudança nesse modo de pensamento quando,
ainda no mesmo artigo, Jonson argumenta a favor da necessidade de observar o fã como um
fenômeno sociocultural cotidiano, do qual todos, estudiosos ou não, podemos fazer parte. Em
acréscimo, no mesmo ano também temos Jenkins em defesa dos fãs como fenômeno cultural,
rechaçando a representação utilizada até então, de indivíduos antissociais e obsessivos,
demonstrando o interesse em pesquisá-los por sua complexidade e diversidade como uma
comunidade “subcultural” (JENKINS, 1992). Ele levanta, então, cinco características
primordiais desse fenômeno:
a) O fandom possui modos de recepção particulares, que envolvem a
seleção intencional de um texto que irá ser consumido repetidas vezes de modo fiel e a intenção não só de absorver esse texto, mas de utilizá-lo em
diferentes formas culturais e em diversas atividades. A recepção dos fãs [...]
se complementa na troca de informação com outros fãs e na criação de novos sentidos. Eles utilizam as técnicas de leitura para criar novos produtos
culturais [...]. A recepção dos fãs não se dá individualmente e toma forma
por meio da contribuição de outros fãs. Para eles, a leitura é o início, e não o
fim, do processo de consumo. b) O fandom envolve uma série de práticas críticas e interpretativas
particulares que caracterizam comunidades organizadas. A troca de
informações e ideias com outros fãs proporcionam um espaço em que novas leituras e avaliações são divididas. [...]
c) O fandom constitui a base do consumo ativo. Os fãs são
espectadores que participam ativamente da produção de seus objetos de fascínio, mandando cartas às produtoras de televisão e organizando
movimentos para evitar o cancelamento de um seriado, por exemplo, ainda
que o mercado permaneça, em alguns casos, alheio aos desejos dos fãs.
22
d) O fandom possui diferentes formas de produção cultural, práticas e
tradições estéticas. Os fãs se manifestam artisticamente para falar pelos
interesses da comunidade de que fazem parte. Suas produções se apropriam de elementos da cultura comercial para criar uma nova forma de cultura
popular e utilizam meios de produção, distribuição, exibição e consumo
criados por eles.
e) O fandom adquire características de uma sociedade complexa e organizada. Os fãs dividem referências, interesses e um senso comum de
identidade que faz com que eles tenham a sensação de fazerem parte de um
grande grupo que não precisa estar geograficamente reunido. (JENKINS, 1992, p. 284)
Podemos reparar que Jenkins caracteriza o fã com base em aspectos como o modo de
consumir o objeto de fanatismo – bem como a forma de interpretá-lo; sua capacidade de
produzir mais conteúdo a partir desse objeto, a maneira com que se apropriam dele e as
peculiaridades desse conteúdo produzido; além de suas características de organização em
comunidade com base em interesses e conexões de identidade.
Esse é, então, o conceito base de fã aqui levado em conta, sua composição como
indivíduos inseridos na sociedade contemporânea, cuja paixão por alguma pessoa, objeto,
fenômeno, obra de arte ou entidade é significativa o suficiente para influenciar na formação
de sua subjetividade e nas suas relações com o universo ao seu redor.
É válido ressaltar o trecho em que Jenkins menciona “características de uma sociedade
complexa e organizada”, que nos será crucial mais à frente. Fãs conectados à web 2.0 tendem
a agrupar-se em comunidades. Sobre essas, já é sabido não estarem restritas a delimitações
geográficas: podem ser formadas mesmo através da rede de computadores. O vínculo e a
sensação de pertencimento é que são características fundamentais para a sua formação
(PALÁCIOS, 2001). Dentro dessas comunidades, os fãs acabam por estabelecer uma espécie
de inteligência coletiva, a partir da qual nasce a produção dos materiais de fãs – mais
conhecidos em forma de fanfics, fanarts, fanvids6 ou outras ramificações de seus produtos
favoritos.
Notemos, então, que o que une esses indivíduos e sustenta essa comunidade é
claramente o afeto de cada um de seus componentes a algum objeto comum, e o que os
empodera e os torna capazes de disseminar sua “subcultura”, é o fato de que as barreiras
organizacionais são cada vez menores, tornando possível que qualquer pessoa possa encontrar
indivíduos com interesses semelhantes e juntar-se a eles. Essa inteligência coletiva está
6 Fanfics, fanarts e fanvids são, respectivamente, textos (em sua maioria, narrativas), desenhos ou fotografias
alteradas ou não através de computação gráfica, e vídeos produzidos por fãs. Essas produções geralmente
buscam estender o universo do objeto de fanatismo e, portanto, podem inclusive gerar controvérsias quanto à
questão de direitos autorais.
23
acumulada, e carece de oportunidades que a transforme em algo real (SHIRKY, 2011).
Empresas e suas marcas podem ser as grandes detentoras dessas oportunidades, e é na ligação
entre esses dois polos que se pauta o tema aqui explorado.
Há, entretanto, outra questão a ser percebida quanto ao fã que definimos como
personagem central desta pesquisa: a barreira imposta ao fandom, no que diz respeito ao seu
objeto de fanatismo, que excluiria a possibilidade de indivíduos serem fanáticos por marcas
que não inseridas no contexto da indústria cultural, delimitação que buscaremos derrubar
adiante.
3.2 Star Trek ou Google?
Por se tratar de um fenômeno intensamente conectado à indústria do entretenimento e,
sob outra perspectiva, a clubes esportivos, acaba se tornando um lugar comum associar
diretamente fandoms e fãs a produtos desta categoria, como livros, filmes, séries de TV,
quadrinhos e times. Entretanto, as motivações que levam um indivíduo a se tornar um fanático
e as motivações de consumo que orientam a escolha de uma ou de outra marca são
semelhantes em tantos aspectos que o fanatismo e o consumo de itens de outras indústrias,
como bens e serviços, também merecem ser imediatamente associados.
Os autores do blog Online Fandom foram questionados sobre o assunto: a indagação
de um leitor sobre como poderiam tratar o fanatismo como um processo cultural usual, e não
apenas restrito a “pessoas exageradas escrevendo fanfics” os levou à seguinte resposta:
Fandom é uma prática comum do dia a dia. Ele acontece em qualquer situação em que as pessoas fizerem uso da cultura popular para sua própria
organização social, em qualquer momento em que se apropriarem dessa
cultura para torná-la um pedaço de sua própria identidade. Então, sim, vai muito mais além de ficção científica, muito além de fanfics, e muito mais
além dos assuntos que são cobertos quando se fala sobre fandom.Eu gostaria
de ver o termo sendo utilizado por todos nós que o praticamos, porque assim
perceberíamos que a maioria de nós está engajada em algum tipo de fandom, de uma maneira ou de outra. Pararíamos de estigmatizar [o fanatismo] [...] e
poderíamos, inclusive, reconhecer que se trata de um mix de apreciação,
consumo e criatividade [...] com um tremendo poder de servir de exemplo a muitas práticas fora dos fandoms.” (TOCCI, 2006, tradução nossa)
Essa apropriação de um universo para a construção da identidade de um indivíduo é
exatamente o que aproxima o supracitado escritor de fanfics – aqui simbolizando o que
comumente entendemos como fã, o ávido leitor ou espectador desesperado por um autógrafo
24
de seu ídolo – ao consumidor de “produtos do dia a dia”, disposto a enfrentar, por exemplo,
filas quilométricas pelo lançamento de um novo smartphone da Apple.
Esse paralelo fica ainda mais claro quando analisamos as motivações desse segundo
consumidor, que também perpassam pelo campo de construção de identidade:
O consumo permite aos indivíduos colocar em evidência sua identidade, expressá-la; além de ajudá-los a construí-la. Quando vai às compras, o
indivíduo pode basear-se em sua imagem real ou ideal dentro de um
processo de congruência de imagem que diz que o indivíduo tem tendência a escolher os produtos cuja imagem de aproxima da imagem que ele tem dele
mesmo. O consumidor se vê através de suas escolhas de consumo.
(HEILBRUNN, 2005 apud HOFMEISTER, 2007, p. 19)
Leão e Mello (2009) levantam em sua pesquisa uma série de atividades afetivas entre
marca e consumidor que compararemos aqui com atividades comumente atribuídas a essa
ideia obsoleta de que só há fãs para a indústria cultural. Dessa forma, elucidar-se-ão as
semelhanças que reiteram a experiência de consumo através do indivíduo fanático.
A primeira dessas atividades, e provavelmente, a mais simples de correlacionar com a
realidade do fanatismo, é a “defesa da marca”. Leão e Mello (2009) a definem como
“situações em que uma dada marca é desabonada por um interagente e o outro incorre em sua
defesa” (2009, p. 103). Não é incomum encontrarmos consumidores prontos para proteger
suas marcas favoritas de críticas, muitas vezes, inclusive, independentemente do produto em
questão e suas qualidades e defeitos práticos. Rivalidades entre fãs de marcas concorrentes já
se tornaram exemplos clássicos dessa atividade - como, por exemplo, as dualidades entre
Apple e Samsung ou Google e Microsoft – antagonismos tão expressivos e apaixonados como
as famosas concorrências entre fãs de divas da indústria fonográfica pop diariamente
associadas à imagem do fanatismo.
Já para ilustrar a atividade “envolvimento com a marca”, a
situação exposta pelos autores é de um consumidor que, ao ouvir
sobre determinada marca, lembra-se de uma fase de sua vida – no
caso exibido, a infância. Essa relação também é facilmente
identificada no comportamento do fã, que cria não só memórias
afetivas com seu objeto de desejo, como também o enxerga como
relevante para sua vida em algum aspecto. Reconhecemos essa atividade no recente case das
barras de chocolate Lollo (Figura 1), da Nestlé, trazidas de volta ao mercado - depois de mais
de vinte anos fora das prateleiras - como resultado de uma pesquisa de opinião que ressaltou
Figura 1 Figura 1 – Barras de chocolate Lollo
25
que vários consumidores possuíam esse tipo envolvimento afetivo com o produto, lembrança
nostálgica da década de 80.
O produto, clássico na época de seu auge, foi tirado de linha e substituído por uma
outra ligeiramente diferente, de uma marca mais em consonância com as diretrizes globais na
Nestlé, o que foi revertido nos últimos anos devido à pressão de seus fãs saudosos.
“Frustração” e “redefinição de interesse” em relação a uma marca são duas atividades
negativas explicitadas pelos autores que nos serão extremamente importantes no terceiro
capítulo, onde serão levantados os riscos e pontos contraproducentes de se trabalhar o
relacionamento com o fã consumidor. A relação entre consumidor e marca gera expectativas
(OLIVER, 1998), efeito ainda mais acentuado na relação entre fã e objeto de desejo. Quanto
mais altas forem essas expectativas, maior é o desencadeamento negativo de sua quebra: a
frustração. Caso aconteçam de maneira muito intensa ou repetida, essas frustrações podem
levar à redefinição de interesse, diminuindo o grau de intensidade (THORNE e BURNER,
2006) do envolvimento do indivíduo. É preciso ressaltar, entretanto, que provavelmente serão
necessárias mais atividades de frustração para levar um fã a uma possível redefinição de
interesse, do que no caso de um consumidor comum.
Por fim, “intimidade” com a marca e “sentimento” pela marca são as atividades que
mais aproximam a relação de consumo da relação de fanatismo. A primeira se dá, de acordo
com os autores, quando o consumidor se sente reconhecido pela marca, próximo dela.
Relaciono aqui essa atividade levantada por Leão e Mello com uma questão apresentada por
Maria Claudia Coelho (1999) como sendo crucial na relação fã-objeto: “a esperança do fã de
ser correspondido nos sentimentos que nutre pelo ídolo, de quebrar aquela assimetria básica
do relacionamento e de estabelecer uma relação de reciprocidade” (COELHO, 1999, p. 53).
Tais relações de consumo funcionam para comprovar que o fã consumidor, ou fã de
marca, é sim um fenômeno legítimo. Algo como um intercessor entre o consumidor 2.0 sobre
o qual discutimos no capítulo anterior, e o fã de Jenkins, inserido na cultura da convergência,
envolvido com práticas hipertextuais e de participação. Ao fazermos uma comparação mais
estratificada, podemos dizer, então, que o consumidor comum está para o fã de marca à
mesma medida que o simples espectador que foi ao cinema assistir Star Trek está para aquele
que vimos ser enxergado como o “estereótipo do fã”, o trekkie7 apaixonado que foi ao mesmo
cinema, mas usando apliques nas orelhas8.
7 Trekkie é a autodenominação dos fãs de Star Trek. 8 Na série Star Trek, os indivíduos da raça Vulcan são muito parecidos fisicamente com humanos, exceto pelo
fato de terem orelhas pontiagudas, característica comumente vista em fantasias de fãs da produção.
26
3.3 Sigam-me os bons.
O trecho abaixo, retirado do artigo técnico em que Bexy Cameron (2006) elucida os
principais pontos de sua pesquisa, trazem mais uma questão a ser avaliada sobre a
consistência e relevância do fã de marca: sua autenticidade em tempos de Facebook, onde a
palavra “fã” é usada para designar qualquer pessoa que curta uma página na rede social.
Enquanto fãs tem cada vez mais importância para a estratégia das
marcas, o termo ‘fã’ tem sido, de alguma forma, diluído. Motivo expressivo
para tal é a ascensão tanto das páginas de redes sociais quanto das empresas de marketing que prometem ‘criar’ ou ‘manufaturar’ fãs para estratégias de
marketing.
No facebook, as marcas dão grande importância aos ‘likes’, o que talvez mostre um falso sentido de que um ‘like’ equivale a um fã. Ademais,
algumas empresas estão seguindo a tendência de pagar pessoas para curtir as
páginas de sua marca, o que entra em contradição com os ingredientes base
do fã.(CAMERON, 2006, tradução nossa)
A não tão recente ascensão das redes sociais acabou por ocasionar uma corrida
desenfreada entre as marcas em busca de “likes” no Facebook, seguidores no Twitter e
Instagram, ou números expressivos em qualquer rede social de relevância. A partir dessa
tendência, tornou-se usual vermos uma série de promoções e chamarizes especificamente
voltados a atrair seguidores em quantidade – o que certamente não significa o mesmo efeito
quando falamos de qualidade.
Não há porque afirmar que o chamado facebook fan é inválido ou desnecessário; as
estratégias realizadas pelas empresas em busca dessa presença em suas redes sociais são
absolutamente legítimas, e podem oferecer resultados. Pesquisa realizada pela Nielsen UK
(2013) mostra que mais da metade dos usuários do Twitter que seguem perfis de empresas ou
marcas o fazem porque gostam da mesma, porque querem ser informados de ofertas e
promoções, e para manterem-se atualizados com as novidades oferecidas. São, portanto,
espectadores e, como tal, merecem o investimento.
Por outro lado, a mesma pesquisa também mostrou que uma parcela menor, de 30 e
27%, segue marcas no Twitter com o intuito de ter acesso a conteúdo exclusivo e para
oferecer feedback, respectivamente. É possível afirmar que é numa parcela ainda menor,
dentro desta, onde encontraremos os verdadeiros fãs do qual estamos tratando neste trabalho.
Há quem diga, inclusive, que a quantidade de pessoas engajando-se realmente com uma
marca via internet não chegam a 2% do seu número de likes (EHRENBERG-BASS
27
INSTITUTE apud CREAMER, 2012). Portanto, para efeitos de nomenclatura, a partir deste
momento diferenciaremos esses dois grupos. Quando tratarmos de fãs de marca, brand
advocates que interagem, produzem, oferecem, demandam e comunicam-se entre si,
seguiremos utilizando a expressão “fã”. Para os outros, espectadores que restringem sua
interação com as marcas online a curtidas e comentários, utilizaremos apenas “seguidores”.
No início de A Cultura da Participação, Clay Shirky (2011) tenta mostrar a diferença
entre o consumidor participante, e o consumidor comum. Em seu exemplo, cita Dave Hickey,
que dividiu, em um ensaio publicado em 1997, os espectadores de seu pai – músico – entre
espectadores participantes e os looky-loos. Vamos utilizar a metáfora de Hickey para
cristalizar um pouco mais a linha que aqui separa seguidores de fãs.
Ser um looky-loo é comparecer a um evento, em especial a um evento
ao vivo, e agir como se estivesse assistindo a ele negligentemente na televisão. ‘Eles pagam seu dólar na entrada, mas não contribuem de maneira
alguma para a ocasião – não demonstram qualquer aprovação ou rejeição
com a qual pudéssemos melhorar, piorar ou simplesmente considerar o trabalho feito.’
Participantes são diferentes. Participar é agir como se sua presença
importasse, como se, quando você vê ou ouve algo sua resposta fizesse parte do evento. [...] Participantes dão retorno, looky-loos não. A participação
pode acontecer depois do evento – para comunidades inteiras, filmes, livros
e programas de televisão criam mais do que uma oportunidade de consumo;
criam uma oportunidade para responder e discutir, argumentar e criar. (HICKEY apud SHIRKY. 2011, p 25)
Fazendo uso dessa dicotomia, podemos afirmar que os seguidores estão para os looky-
loos à mesma proporção que os fãs estão para os participantes. Fãs funcionam como
embaixadores da marca, representando-a perante outros consumidores, tomando suas dores e
orgulhando-se de seus louros; interagem com aquela marca e sentem-se donos e responsáveis
por ela. Essas peculiaridades é que vão diferenciar o fã dos “outros” consumidores e dos
seguidores, e é com base nelas que a relação marca-fã deverá ser pautada.
Sua expressão cultural é infinita. Fãs manifestam seu amor através dos já mencionados
fanfics, fanarts e fanvids, fantasiam-se de seus personagens favoritos na prática conhecida
como cosplay, formam filas quilométricas à porta de lojas e em todos os outros lugares em
que houver alguma dica da presença de seu ídolo. Contudo, as características que nos serão
mais úteis a partir de agora são sua capacidade de formar comunidades, de se definirem como
defensores e porta-vozes de seus objetos de fanatismo e, principalmente, sua devoção.
28
Através dessas características poderemos criar um panorama que nos permita definir
as principais qualidades e demandas do fã consumidor, para que possam ser levantadas as
melhores e mais eficazes formas de relacionamento entre marcas e seus fãs consumidores.
29
4. O RELACIONAMENTO: BENEFÍCIOS, DEMANDAS E RISCOS
Compreendemos o brand fan como alguém que não apenas admira uma marca, mas
envolve-se emocionalmente com ela e mostra-se disposto a oferecer mais do que
consumidores comuns. Envolvidos uns com os outros, inseridos na conversa infinita da Web
2.0 e, portanto, dotados de determinadas ferramentas e capacidades, esses consumidores
apaixonados “podem mudar seu negócio”, como Tapscott e Williams (2007) categoricamente
afirmam logo no subtítulo de Wikinomics.
Neste capítulo vamos analisar a relação de mão dupla entre marca e fã, bem como o
que esse relacionamento pode oferecer e maneiras já comprovadas – através da prática – de
estimulá-lo. Observaremos, também, a lealdade ofertada pelos fãs e a possibilidade – ou
impossibilidade – de gerá-la “artificialmente”.
Como toda decisão tomada na construção do brand equity envolve não apenas
oportunidades, mas uma série de riscos, analisaremos, por fim, as ameaças já percebidas pelos
profissionais de comunicação no investimento empregado nesse tipo de relação e algumas
maneiras de contorná-las. Durante o capítulo também serão apresentados casos de
envolvimento entre marcas e fãs que exemplifiquem as características levantadas.
4.1 - A praça virtual dos três poderes: promover, responder e expandir.
O relacionamento com o fã consumidor ainda não é foco de investimento em muitas
empresas pelo mundo, e apesar de sua crescente – e já podemos chamar de frequente –
interação com o que chamamos no segundo capítulo de seguidores, a maioria das marcas
engaja seus consumidores de maneira linear. Entretanto, já é possível perceber o esforço de
algumas dessas empresas em encontrar, compreender e engajar seus fãs de maneira mais
específica e pontual, dando a eles o destaque necessário em busca de algum retorno.
Analisando essas experiências, é possível encontrar benefícios comuns oferecidos por
esta parcela da comunidade de consumidores, que se mostram claros reflexos do
comportamento usual do fã levantado anteriormente. Fãs podem ser brand advocates – e a
importância desse papel na construção do brand equity já é evidente para os profissionais da
área. Podem, também, oferecer a mais válida consultoria, já que possuem olhar apaixonado
mas crítico, e enxergam a marca do ponto de vista do consumidor. Por fim, são especialistas,
capazes de saber tanto sobre uma marca quanto ela própria, ou, inclusive, mais do que ela, à
medida que podem criar – e criam – seu próprio conteúdo.
30
Em suma, delimitaremos aqui os três maiores poderes do consumidor fã, que,
consequentemente, mostram-se as três maiores oportunidades para as marcas que os engajam:
fãs promovem, respondem e expandem as marcas em seus corações.
Como vimos previamente, consumidores inseridos no cenário da web 2.0 tendem a
confiar mais e a absorver melhor o discurso proferido por outros consumidores, em
detrimento do discurso das empresas – que será enxergado como propaganda e, portanto,
perderá credibilidade. Fãs, por sua vez, são consumidores – e portanto carregam a
credibilidade do discurso destes – mas estão emocionalmente envolvidos com a marca e, por
isso, podem disseminar sua mensagem dentre os semelhantes, representando o papel
metafórico de “agentes infiltrados”. É o que constitui o primeiro poder do consumidor fã, a
capacidade de promover. Podemos entender como a situação acontece nas Figuras 2 e 3,
abaixo.
Na Figura 2, a marca dissemina seu discurso (A) através de um meio, mas a
incredibilidade (B) atribuída a esse discurso – conforme discutido no primeiro capítulo – o
impede de atingir efetivamente o consumidor (C). Já na Figura 3, o fã (F) também tem a
capacidade de disseminar o discurso da mesma marca, exceto que sem a interferência da
incredibilidade supracitada, por ser um indivíduo comum como os outros do grupo.
Há outra questão crucial neste primeiro poder: fãs disseminam marcas em contextos
relevantes por serem um denominador comum entre elas e outros consumidores. Como afirma
Esquema Marca/Público Esquema Fãs/Público
Figura 1 Figura 2
31
Mark Collier (2014) em artigo para o site Vocus, “seus fãs não apenas compreendem sua
marca, como também compreendem os amigos e família deles. Seus fãs entendem os
benefícios dos produtos de sua marca, e como esses atributos podem beneficiar sua rede de
contatos” (COLLIER, 2014, tradução nossa).
Vejamos um exemplo: uma nova academia no Rio de Janeiro tem como target
principal, jovens de 15 a 24 anos e oferece, dentre outros benefícios, a presença de um famoso
DJ elaborando a trilha sonora das atividades físicas. João, indivíduo fictício, não pertence a
este grupo: é um executivo de 50 anos de idade, o que faz com que ignore qualquer discurso
proferido pela academia que eventualmente o atinja. Por outro lado, temos Maria, que é fã
desta academia e conhece João. Ao falar com João sobre a empresa, Maria não o informará a
respeito do DJ, mas sobre o fato de que a academia permanece aberta todas as noites até às
duas horas da manhã, benefício extremamente relevante para João – que muitas vezes trabalha
até tarde e precisa de horários mais flexíveis para fazer exercícios.
É após elucidar exemplo semelhante que Collier afirma que os fãs usam a própria voz
para falar com outros consumidores e, por conta disso, serão melhores compreendidos e
soarão mais confiáveis (COLLIER, 2014). Dessa forma podemos perceber que, ao
defenderem e propagarem a marca em seus corações, os fãs tem condições não apenas de
serem mais “atraentes” ou “relevantes”, como de fazê-lo de maneira específica, discursando
vocabulário de marca, mas em língua de consumidor.
Para delimitarmos a segunda qualidade oferecida por brand fans, vamos visitar
novamente a definição de Jenkins (1992) a respeito do fã como fenômeno cultural, como
analisado no capítulo 2. Uma das características levantadas pelo autor é a de que o fã tende a
participar “da produção de seus objetos de fascínio” (1992, p. 284). Jenkins também afirma
que o mercado ainda tende a permanecer “alheio aos desejos dos fãs” (1992, p. 284), o que
claramente constitui uma brecha que podemos enxergar como oportunidade. Trataremos agora
sobre essa capacidade dos fãs de devolver, ou de responder, uma valiosa forma de feedback
esperando para ser explorada e aproveitada por marcas e empresas.
Dotados da capacidade de interagir com as marcas e explicitar – para elas e para outros
indivíduos – suas opiniões, os consumidores já se mostram bastante inclinados a dizer o que
pensam, principalmente se estivermos falando de opiniões negativas. Entretanto, enquanto
consumidores comuns na posição de seguidores tendem a buscar as marcas nas redes sociais
apenas para avaliar experiências e produtos, usuários mais engajados e, certamente, os fãs,
vão entregar esse retorno de forma muito mais complexa e elaborada. Sua intenção ultrapassa
a de simplesmente expressar se um serviço foi ruim, ou se a experiência de compra não
32
atendeu expectativas: fãs dão feedback porque amam e, se amam, desejam que o objeto de seu
amor evolua e desenvolva-se para melhor.
Podemos entender esta capacidade como um caminho reverso à levantada
anteriormente. A mesma posição privilegiada que torna os fãs capazes de promover – o fato
de serem entendedores da marca inseridos no universo do consumidor – também os faz
capazes de responder. Um fã pode saber o que o target de uma marca deseja, e mais
importante do que isso: está disposto a conversar com ela. Já é possível enxergar, inclusive,
esforços por parte das empresas não apenas em participar dessa conversa, como também de
orientá-la e extrair dela valiosas informações de negócio. A marca americana de cafeterias
Starbucks é um exemplo disso, como veremos.
Com mais de 36 milhões de seguidores apenas no Facebook, a Starbucks é
frequentemente citada como um case bem sucedido de relacionamento com o público nas
mídias sociais e, desde 2008, alimenta uma iniciativa extremamente exitosa na captação e no
manejo do discurso de seus brand fans. A página My Starbucks Idea é uma plataforma onde o
usuário pode expressar suas ideias e sugestões de melhoria para a marca, em campos que vão
desde “novas bebidas”, passando por “experiência de consumo”, e até “merchandising e
ponto de venda”. Interagindo e avaliando as ideias uns dos outros, esses usuários geram um
ranking dos melhores feedbacks, que são avaliados por uma equipe denominada “Idea
Partners”, responsável por escolher as melhores ideias que podem ou não ser utilizadas pela
empresa.
Uma característica importante do programa é que os Termos e Condições de uso
definem claramente que toda e qualquer ideia ali publicada pertence à Starbucks, que se
exime da obrigação de creditá-la ao criador, ou de recompensá-lo de qualquer maneira. Isso
mais uma vez nos leva a crer que a principal motivação dos participantes desta plataforma
seria simplesmente o desejo de fazer parte do desenvolvimento de sua marca “do coração”.
Esse sentimento de participação que o fã gosta de ter com sua lovemark será mais
profundamente discutido à frente no capítulo.
A terceira das grandes capacidades dos fãs é provavelmente a mais rica, e também
mais complexa. Motivados por seu amor e munidos de seu conhecimento vasto sobre seus
objetos de fanatismo, o brand fan toma a marca para si e, agindo como proprietário, passa a
expandir o universo dela. A partir desse momento, o fã deixa de ser apenas um consumidor
apaixonado para tornar-se um elemento importantíssimo e, ao mesmo tempo, delicado: o
consumidor produtor – ou, como definido por Tapscott e Williams (2007) – o prosumer.
33
Antes de entendermos como o fã caminha entre os espectros de consumo e produção
de materiais, é importante compreendermos como funciona a “sociedade complexa e
organizada” dos fãs (JENKINS, 1992) mencionada no capítulo anterior.
Em Cultura da Convergência, Jenkins (2009) organiza os pensamentos de Pierre Levy
para definir a chamada “inteligência coletiva”, afirmando que “aquilo que não podíamos fazer
sozinhos, podemos agora conseguir coletivamente” (LEVY, 1997 apud JENKINS, 2009, p.
57, tradução nossa). Em acréscimo:
Novas formas de comunidade estão emergindo; entretanto, essas
novas comunidades são definidas por suas afiliações voluntárias, temporárias
e táticas, reafirmadas através empreendimentos intelectuais e investimentos emocionais comuns. [...] Essas comunidades [...] permancem juntas através
da produção mútua e permutação recíproca de conhecimento. Ele ainda
afirma que esses grupos 'tornam disponível ao intelecto coletivo todo o
conhecimento pertinente disponível em dado momento'. Mais importante: elas servem como campo para 'discussão, negociação e desenvolvimento
coletivo' [...]. (Levy, 1997 apud JENKINS, 2009, p. 57)
O que nos chama atenção nessa nova configuração de comunidade é a maneira como o
fã se comporta diante dela, e a forma com que ele a utiliza para interagir com seu objeto de
fanatismo. Agrupados em fandoms, versões dessas comunidades agrupadas pelo sentimento
comum a algo, os fãs tem a oportunidade de dialogar com um grupo formado exclusivamente
por pessoas que vivenciam do mesmo amor e, consequentemente, partilham do objetivo de
adorar, discutir e explorar o alvo dessa paixão. É quando pensamos, então, nesse indivíduo
como consumidor, que chegamos novamente ao conceito de prosumer.
Tapscott e Williams (2007) dedicam um capítulo de Wikinomics para a discussão do
prosumer e como a interação com ele pode ser positiva – ou negativa – para uma empresa. Ao
mencionar esses que seriam consumidores “co-inovadores”, os autores afirmam que “os
usuários não precisam inovar isolados ou esperar a próxima reunião mensal dos aficionados
[...] para compartilhar seus artigos customizados” (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007, p. 163).
Esses “usuários-líderes”, definição usada por eles para descrever um indivíduo que muito se
aproxima da nossa delimitação de fã de marca, formariam uma “rede de negócios voluntária”,
que poderia oferecer vantagens competitivas para as empresas que soubessem como extrair o
substrato de sua inteligência coletiva.
Chegamos então ao seguinte panorama: os fãs estão unidos em comunidade,
partilhando informações com seus semelhantes e munidos de meios reais de produção de
conteúdo. Além disso, amam tanto seus objetos de fanatismo que não se contentam com o
34
conteúdo oficial: vão esmiuçá-lo e destrinchá-lo de todas as maneiras possíveis, bem como
irão expandi-lo, produzindo seu próprio conteúdo que será disseminado, principalmente,
dentro da comunidade em si. No mercado do entretenimento essa ramificação é clara, como
citado anteriormente: fanfics, fanvids e fanarts circulam nessas subculturas e chegam ser tão
relevantes para seus indivíduos quanto o material original. É no reflexo desse cenário na
indústria de bens e serviços que encontramos os prosumers, e veremos agora uma série de
exemplos de expansão de conteúdo pelos amantes das lovemarks e como algumas empresas já
estão se aproveitando disso para ganho próprio.
Algumas das ações mais interessantes envolvendo conteúdo gerado por usuários –
User Generated Content (UGC) – surpreendem pela confiança que algumas marcas depositam
em seus fãs. Um desses casos aconteceu em 2012, na Coréia do Sul, e a marca por trás dele
ainda colhe os benefícios de ter investido nessa tática.
Especializada na produção de artistas de K-Pop, ou música pop coreana – a Cube
Entertainment é a responsável por algumas bandas de sucesso mundial, como a 4Minute e a
BEAST. Por ser uma gravadora de pequeno porte, entretanto, a Cube enfrentou o desafio de se
comunicar com fãs de outros continentes e, para conseguir fazer isso de maneira regional a
uma escala global, resolveu delegar essa função. Não para
empresas de comunicação instauradas em outros países,
entretanto. Os responsáveis por levar adiante a mensagem da
Cube – em outras línguas e para outras culturas – foram seus fãs.
Depois de um período de inscrições apenas para fansites
administrados com trabalho voluntário, que durou
aproximadamente vinte dias, os representantes da gravadora
avaliaram as mais de 150 inscrições de 30 países diferentes e
escolheram os 46 melhores, com base em critérios como número
de acessos, qualidade do conteúdo e táticas de operação. As 46 páginas escolhidas foram
condecoradas com um selo (Figura 4) de “fansite oficial” e, desde então, recebem
informações exclusivas sobre as bandas, tornando-se porta-vozes da marca em seus países de
origem.
O ponto de vista do fã em caso relativamente semelhante a este será levantado no
capítulo 4, mas é importante compreendermos o cerne do benefício adquirido pela Cube com
a execução deste plano. Ao empoderar estes fãs, a gravadora não apenas incentiva a
disseminação de seu material – gratuitamente – como também engaja esses clientes,
Figura 3 – Selo CUBE
35
mantendo-os mais próximos a si do que nunca. Engajamento do consumidor e pulverização de
um discurso de alcance internacional com baixo – ou quase nenhum custo – são apenas duas,
das muitas possibilidades vislumbradas com a prática e o aperfeiçoamento desse contato
direto com o brand fan.
Assim como a Cube, a Hewlett Packard (HP) faz uso de conteúdo de fãs, mas não para
a divulgação da marca. A empresa californiana usa seus brand fans para suprir uma demanda
bastante importante: o suporte técnico ao consumidor. Através do Fórum HP, plataforma
centrada na interação de consumidores, qualquer usuário cadastrado pode publicar uma
dúvida ou expor algum problema técnico em seu produto. Feito isso, a pergunta é
disponibilizada para todos os outros usuários e pode ser respondida por qualquer um deles.
Até então, trata-se de um simples fórum colaborativo de troca de experiências, não
fosse a intervenção da marca sobre as respostas oferecidas. Aqueles usuários que se
destacarem, responderem a mais perguntas e mostrarem-se mais ativos na manutenção do
fórum, são classificados em categorias até que sejam considerados “HP Experts”. Os mais
dedicados são condecorados e recompensados com produtos grátis e informações exclusivas,
e até convites para eventos de tecnologia (KELLY, 2013).
A iniciativa, que na versão em português já funciona desde 2007, reitera a ligação
entre os conceitos de participação e generosidade com a realidade do brand fan. Alguns
desses experts chegam a passar mais de trinta horas semanais respondendo perguntas, e o que
motiva esses aficionados pela HP a realizarem uma carga laboral inteiramente de graça é não
apenas a paixão que nutrem pela empresa da qual são mais que clientes, como também o
vínculo de pertencimento a essa comunidade. Shirky (2010) afirma que “motivações
intrínsecas são aquelas nas quais a própria atividade é a recompensa” (SHIRKY, 2010, p. 68),
o que ele difere de “motivações extrínsecas”, onde há algum pagamento. Fica claro que, para
essas pessoas, o benefício de fazer parte deste grupo e vivenciar esta troca é, exatamente,
fazê-lo.
O último exemplo que analisaremos a respeito da expansão de marca por parte dos fãs
envolve os apaixonados por Nutella, creme de avelã e chocolate da marca italiana Ferrero.
Em 2007, a americana Sara Rosso, em parceria com uma amiga, mobilizou fãs do produto
através de redes sociais e uma página na internet e criou o que chamaria de “Dia Mundial da
Nutella”. Sua proposta era “celebrar [Nutella] e introduzi-la a várias pessoas que a
experimentariam pela primeira vez”9. Em sua página, publicou mais de 700 receitas de
9 Tradução nossa transcrita de vídeo disponível em:
<https://www.facebook.com/photo.php?v=10151882216126962>. Acesso em: 25 de maio de 2014.
36
alimentos feitos com o produto, que incluíam materiais próprios, receitas encontradas na
internet e envios de seguidores e outros fãs.
Entretanto, em abril de 2013, a popularidade do evento chegou ao conhecimento dos
advogados da Ferrero, que condenaram a prática e emitiram uma ordem de “cease and
desist”10
, exigindo que Sara encerrasse a iniciativa e parasse de publicar qualquer conteúdo
relacionado à Nutella, incluindo sua logomarca. No momento da publicação da carta, a página
do evento no Facebook já acumulava mais de 40 mil seguidores, acompanhados de mais 7
mil, no Twitter. O alcance do buzz gerado pelo evento já havia atingido redes de televisão
americanas e uma série de páginas na internet, nos Estados Unidos e em outros países.
A decisão de acabar com o evento, entretanto, não foi comentada pelos representantes
da Ferrero e gerou uma enorme onda de comentários negativos até que, pouco mais de um
mês após a ordem, a empresa voltou atrás, entrando em contato com Sara e pedindo desculpas
pelo ocorrido. Agora em pronunciamento oficial através de um jornal italiano, Ferrero
admitiu que ter impedido o Dia Mundial da Nutella havia sido um erro, motivado por um
protocolo do jurídico da empresa, que seria obrigado a emitir um cease and desist sempre que
alguma de suas marcas fosse utilizada sem autorização. Por fim, ainda afirmou ser uma
empresa de sorte por ter “uma fã tão dedicada quanto Sara Rosso”(TEPPER, 2013)11
.
Atualmente, a iniciativa recebe o apoio oficial da Ferrero, e não há nenhuma menção
ao ocorrido na página do Dia Mundial da Nutella: todas as publicações feitas pela autora à
época do cease and desist foram permanentemente deletadas após o acordo. Hoje, Nutella se
beneficia da popularidade do World Nutella Day, e ainda usa as páginas oficiais do evento
para divulgar o Nutella Stories, plataforma oficial da marca onde fãs do mundo inteiro podem
enviar vídeos contando sobre momentos memoráveis de sua vida que envolvam o produto.
Podemos notar que a empresa italiana não apenas percebeu o impacto negativo de ir de
encontro à vontade de seus fãs, como também agora busca expandir seu vínculo com eles,
num claro incentivo – através do resgate de memórias dos consumidores – ao “envolvimento
com a marca”, uma das atividades emocionais entre marca e consumidor mencionadas no
capítulo 2.
Esse conjunto de exemplos nos mostra claramente como algumas marcas já estão
mapeando as possibilidades acerca do brand fan e, principalmente, utilizando-se delas para
10 Cease and desist é uma medida da legislação americana que consiste em uma ordem – quando emitida por um
juiz – ou um aviso – quando redigida por um advogado em nome de uma pessoa física ou jurídica – demandando
que alguma atividade exercida por terceiros seja imediatamente descontinuada, sob a possibilidade de aplicação
dos rigores da lei. Funciona como uma espécie de aviso prévio, antes que seja instaurado um processo. 11 O pronunciamento da empresa na íntegra não foi encontrado. O artigo técnico referenciado contém a tradução
em inglês do material.
37
benefício próprio. Entretanto, apesar, como dito anteriormente, da motivação desses
consumidores presumir um trabalho voluntário sem precedentes, existem formas mais
apropriadas de se tratar esse público seleto; formas mais apropriadas que, inclusive,
permitirão o incentivo e a expansão desse amor. Depois de analisarmos o que o
relacionamento com os fãs pode oferecer a uma marca, veremos agora o outro lado do
diálogo: o que os fãs esperam do objeto de seu amor e o que já está sendo feito pra reconhecer
toda essa dedicação.
4.2 – O amo que ama: os três desejos dos fãs.
Os casos levantados até o momento evidenciam que as características do brand fan são
responsáveis por fazer deste um tipo especial de consumidor, com certas potencialidades
benéficas às empresas que, se utilizadas da maneira correta, podem, dentre outras coisas,
ajudar a expandir o valor agregado de marca.
Entretanto, apesar de as motivações de um fã, como exposto anteriormente, serem
intrínsecas, esse consumidor precisa ser mantido, estimulado e engajado, bem como qualquer
outro. É evidente que, dadas as suas peculiaridades, esse estímulo deve responder a demandas
específicas, sobre as quais discutiremos a seguir. Em função da criação de um paralelo entre
os poderes do fã e as questões que vamos tratar neste subcapítulo, também as dividiremos em
três. Com base nos estudos sobre a relação entre fanático e objeto de fanatismo, serão
levantados os seguintes pontos nos quais as marcas podem estimular seus fãs objetivando
maior retorno: participação, exclusividade e reconhecimento.
Apesar de a conectividade ter elevado o consumidor e tornado possível o diálogo entre
ele e as empresas, o fanatismo ainda carrega consigo uma questão de unilateralidade. Maria
Claudia Coelho (1999) fala do ídolo, o objeto de fanatismo, como “um indivíduo que ocupa a
atenção de muitos, um indivíduo reconhecido por muitos, os quais contudo desconhece quase
que por completo, tendo deles uma percepção apenas quantitativa” (COELHO, 1999, p. 52).
Sabemos que esse ídolo a que se refere é uma pessoa, provavelmente um artista, mas a
devoção que perpassa esse tipo de fanatismo se repete no caso do brand fan, tornando
semelhantes as sensações experimentadas e, consequentemente, os desejos dos fãs.
É importante definirmos, então, que o fã não deseja ser pago. Ao menos não com
dinheiro ou brindes. Esse tipo de pagamento poderia, inclusive, reduzir o valor sentimental
desse tipo de “prestação voluntária de serviços” oferecida pelos fãs. Trazemos novamente o
discurso de Shirky (2010) sobre motivações, em que afirma que “uma motivação extrínseca,
38
como ser pago, pode esvaziar uma intrínseca, como usufruir de algo pela coisa em si”
(SHIRKY, 2010, p. 68). A recompensa à devoção dos fãs e a entrega que a acompanha deverá
se dar no rompimento da unilateralidade supracitada, como afirma Coelho:
[...] a esperança de receber algo mais do que uma simples resposta a uma
carta específica: a esperança do fã de ser correspondido nos sentimentos que
nutre pelo ídolo, de quebrar aquela assimetria básica do relacionamento de estabelecer uma relação de reciprocidade. (COELHO, 1999, p. 53)
Ao excluirmos a possibilidade de pagamento, portanto, afirmamos por consequência a
inviabilidade do processo de “compra” de fãs. Esse é um sentimento que, no geral, não poderá
ser mercantilizado, e deverá partir de uma paixão genuína do indivíduo. Pode, entretanto, ser
incentivado e multiplicado, como afirma Bexy Cameron em publicação para o site
WeAreAmplify. Para ela, “apesar da fabricação de fãs parecer uma contradição à essência do
fanatismo – o cenário nos permite encontrar fãs e utilizá-los em estratégias de marketing
dando a eles informação extra, valor, incentivos e desafios”. (CAMERON, 2012)
A primeira questão a ser discutida quanto aos desejos e vontades do fã é a da
participação. Fãs estão dispostos a fazer parte do processo de produção e criação da sua
marca do coração, portanto é de extrema importância que se sintam parte desse processo; de
outro modo correm o risco de acreditar que sua dedicação é em vão, o que pode enfraquecer o
relacionamento. Em seu artigo – cujos conselhos, apesar de serem voltados para gestão de
carreira musical, podem ser aplicados em todas as instâncias de brand fan – Jon Ostrow
(2012) levanta maneiras de tratar um fã corretamente, e menciona exatamente este ponto:
Se você fala para os seus fãs e foca no 'eu, eu, eu', eles não vão ter
muito material para se sentirem conectados a você. Na percepção deles, eles não existem em seu mundo, logo, se ficarem ou forem embora não farão
diferença para você. Entretanto, se você falar com os seus fãs e os fizer sentir
parte verdadeiramente importante da máquina bem lubrificada que é a sua
carreira, você pode dar a eles uma sensação de motivação e uma razão para permanecer ao seu lado. Ao trazê-los para a sua (sua, aqui, num sentido
coletivo de você + sua base de fãs) jornada regularmente, seus fãs vão ter
algo especial com o que fidelizar e vão apoiar você de todas as formas que puderem. (OSTROW, 2012, tradução nossa)
A segunda demanda dos fãs é provavelmente a que mais está refletida tanto na
literatura do fanatismo sob o viés da psicologia quanto nos estudos de comunicação e
marketing que abordam o brand fan. Fãs buscam exclusividade, e essa será provavelmente a
forma mais eficaz de engajá-los e motivá-los a fazer algo por uma marca.
39
Uma face dessa ideia é discutida por Maria Claudia Coelho (1999) quando fala do
conceito de singularização. A autora levanta a questão de que o fã – sendo um em meio a
vários semelhantes – buscaria demonstrar algum tipo de característica especial que o
diferenciasse dos outros, o que o possibilitaria preencher o papel de “fã número um”.
Entretanto, tal tentativa configuraria um paradoxo, à medida que, se todos os indivíduos
estiverem um patamar acima por proclamarem-se “fãs número um”, todos eles voltam à sua
semelhança, e não há singularidade alguma. (COELHO, 1999, p. 56).
Ainda assim, podemos levantar algumas marcas que resolveram utilizar essa
necessidade de sobressair inerente aos fãs para demonstrar seu zelo por eles. Nunca sem
antes, é claro, analisar a situação e escolher os fãs corretos objetivando algum retorno. A Taco
Bell, rede de fast food norte-americana especializada em comida mexicana, foi uma delas. A
empresa realizou uma ação relativamente simples que gerou uma enorme onda de mídia
espontânea positiva a seu respeito, motivados por inúmeros fãs que, através das redes sociais,
propunham a Taco Bell em namoro ou casamento (Figura 5).
Pedidos de casamento à Taco Bell
Figura 4
A situação pode parecer estranha, mas é verdadeiramente comum e, ao que parece, a
marca costuma responder a todas as mensagens deste tipo com uma frase padrão, “We
thought you’d never ask”, ou “Achamos que não fosse perguntar”. Em maio de 2013,
entretanto, Taco Bell resolveu dar o próximo passo e, de certa forma, efetivar algumas dessas
propostas. Depois de escolher oito fãs com base em critérios de interação com a marca e de
relevância do indivíduo como formador de opinião online, a empresa customizou oito alianças
de ouro com seu nome e presenteou os fãs selecionados. Inúmeros portais de comunicação
noticiaram o fato, que foi considerado inovador e curioso por especialistas. Além disso, só as
publicações principais dos fãs presenteados a respeito do feito geraram dezenas de milhares
de likes em redes como o Twitter e o Instagram.
40
Coelho (1999) ainda discute o conceito de exclusividade quando fala das fotos
autografadas. Essas seriam, afirma, um material mais valioso por serem feitas em tiragem
menor (a autora levanta aqui a dicotomia no tema quando aponta os artistas que
encomendariam grandes tiragens de fotos autografadas previamente justamente com o
objetivo de atender a essa demanda dos fãs) e por terem sua autenticidade atestada através da
assinatura do artista – o que também seria contestável pela mesma dicotomia que perpassa o
argumento anterior (COELHO, 1999, p. 57).
Essa, aparentemente, é uma questão mais delicada ao passo que há uma contradição na
exclusividade de algo ofertado a muitos, o que impediria marcas com grandes legiões de fãs a
engajarem propriamente com esse público. Entretanto, o exemplo a seguir mostra que é
possível criar uma – possivelmente falsa – sensação de exclusividade, mesmo que estejamos
falando de números muito altos. A estratégia de lançamento do PotterMore, plataforma de
leitura e interação online para fãs de Harry Potter lançada pela autora da série, J.K. Rowling
em parceria com a Sony, foi uma prova real de que uma marca pode engajar fandoms de
proporções altas através da demanda da exclusividade.
Depois de um período de teasers12
gerando buzz13
sobre a plataforma, a seguinte ação
promocional foi divulgada; sete desafios seriam escondidos em sites oficiais da série, um em
cada dia da semana. O prêmio para os primeiros fãs que encontrassem e decifrassem esses
desafios: uma vaga na versão beta do site, antes do lançamento oficial para o mundo todo. Um
milhão de vagas foram disponibilizadas e distribuídas entre essas charadas.
Tratavam-se de questões ligeiramente complicadas, mas que, em teoria, poderiam ser
respondidas por qualquer fã da marca Harry Potter com acesso aos livros da saga ou a algum
mecanismo de busca na internet. Entretanto, as quests, como eram chamadas, eram divulgadas
de surpresa, em horários aleatórios. Em uma delas, ao acessar a página do Pottermore às 6
horas da manhã – horário de Brasília – o usuário era recebido com a seguinte pergunta: “Qual
é o número do capítulo no qual a Profª. McGonagall cancela a partida de Quadribol entre
Grifinória e Lufa-lufa? Multiplique este número por 42”14
. Após inserido o resultado
numérico, o fã era direcionado para alguma das páginas oficiais da marca (neste caso, a
página oficial do filme Harry Potter e as Relíquias da Morte), onde deveria encontrar uma
12 Fase inicial de uma campanha de comunicação que revela pouco a respeito do conteúdo a ser tratado,
principalmente com o objetivo de levantar a curiosidade do público alvo. 13 Efeito de reverberação de um conteúdo através dos consumidores. Pode ser comparado ao efeito viral, a
principal diferença entre os dois é que o buzz é um efeito de marketing planejado, o viral acontece ao acaso. 14 O conteúdo ficou disponível na página do Pottermore apenas enquanto a charada estava disponível. Tradução
retirada de <http://conteudo.potterish.com/pottermore-the-magical-quill/>
41
“pena mágica”. Só aí, então, era condecorado com uma mensagem de congratulações (Figura
6) e receberia o direito de se cadastrar exclusivamente na plataforma.
Mensagem de boas vindas do Pottermore
Figura 5
Todos os detalhes dessa ação aparentam terem sido planejados com o objetivo de
transparecer essa percepção de exclusividade, que motivou fãs de países ao redor do mundo a
buscarem por uma dessas vagas. O paradoxo proposto por Coelho ainda pode ser percebido,
apesar disso. Afinal, não podemos afirmar que algo que tenha sido conquistado por um
milhão de pessoas seja, em qualquer instância, exclusivo. O que nos ajuda a evidenciar, então,
que a demanda dos fãs por esse material restrito trata muito mais da experiência e da sensação
de exclusividade do que da exclusividade em si.
O último dos três pontos que constituem as maiores demandas do fã consumidor pode
ser considerado simples, mas é extremamente crucial. Brand fans entregam resultados por
amor, e tenderão a seguir entregando se sentirem que em retorno a seu trabalho há
reconhecimento. Parece lógico se pensarmos que o mínimo que se espera de alguém para
quem se fez um favor é um “muito obrigado” em retorno. Fãs adoram agradecimentos,
especialmente quando acompanhados de repercussão – os tão desejáveis “quinze minutos de
fama” – e existem diversas formas de entregar isso a eles.
Janelle Vreeland, Desenvolvedora de Conteúdo para Mídias Sociais da HY Connect
levanta que uma das formas mais eficazes seria o agradecimento simples e direto, através das
próprias redes sociais. Essa resposta pessoal permitiria que os fãs soubessem que a marca não
só percebeu seus esforços, como também os aprecia. A especialista afirma que "um 'muito
obrigado' percorre um longo caminho, porque apenas o tempo que é empregado para realizá-
lo já mostra que sua marca se importa" (VREELAND, 2013, tradução nossa).
42
Um exemplo que mostra com clareza o quão simples e verdadeiramente positivo esse
agradecimento pode ser é o da So Delicious, marca de produtos livres de laticínios15
. A
empresa dedica uma fração de sua página oficial – que já mostra o interesse no conteúdo dos
consumidores por conter uma área de troca de receitas com os produtos vendidos –
exclusivamente para valorizar e admirar seus fãs (Figura 7).
Área dos fãs So Delicious
Figura 6
Outra maneira levantada por Vreeland de realizar esse reconhecimento reitera
claramente uma das potencialidades do fã consumidor discutida anteriormente: sua
capacidade de gerar conteúdo. Quando afirma que toda marca tem “especialistas na sua
indústria dentro da sua lista de fãs” (VREELAND, 2013, tradução nossa) e diz que as
empresas deveriam analisar esse conteúdo para, então, repassá-lo aos seus consumidores –
dando os devidos créditos – fica claro que todas as potencialidades e demandas aqui
levantadas não são espectros independentes, mas partes altamente interligadas e igualmente
importantes na gestão do relacionamento com o brand fan.
Os exemplos levantados representam algumas formas mais comumente encontradas
dentre os cases relevantes na área, mas o essencial, neste caso, é percebermos que a
criatividade do gestor de branding deve ser um fio condutor nesse cenário. Fica claro que é
preciso cruzar tanto as potencialidades quanto as demandas do fandom da marca com a
aplicação de soluções que sejam, ao mesmo tempo, interessantes para o desenvolvimento do
brand equity e financeiramente produtivas para a empresa para que o relacionamento com o fã
consumidor seja um investimento eficaz.
15 Não confundir com produtos livres de lactose. Produtos sem lactose podem conter outros componentes do
leite, produtos livres de laticínios não contém qualquer substância de origem láctea.
43
4.3 O lado B: riscos e principais problemas no relacionamento com o fã consumidor
Qualquer vertente inovadora de pensamento, em provavelmente qualquer área do
conhecimento, será confrontada por argumentos contrários que a julgarão errônea ou
desnecessária. Com as táticas de engajamento de brand fans – e questões adjacentes, como
conteúdo produzido por consumidor – não seria diferente.
Um dos principais porta-vozes dessa contra-argumentação em nosso caso é Andrew
Keen (2009). Seu livro O Culto do Amador ficou conhecido por levantar um ponto de vista
radicalmente contrário à cultura da participação, gerando para seu autor a alcunha de
“anticristo da internet”. O cerne de sua argumentação consiste na desvalorização da voz e do
empoderamento dos usuários da web 2.0, partindo da premissa – já comprovadamente vazia –
de que apenas especialistas devem ser ouvidos sobre suas áreas de expertise. Todos os outros
usuários, quando juntos discutindo assuntos nos quais não são oficialmente credenciados,
apenas seriam capazes de produzir conteúdo “medíocre”, afirma.
A inspiração por trás deste livro [vem de] T. H. Huxley, o biólogo
evolucionista do século XIX e autor do 'teorema do macaco infinito'.
Segundo a teoria de Huxley, se fornecermos um número infinito de máquinas de escrever, alguns macacos em algum lugar vão acabar criando
uma obra-prima – uma peça de Shakespeare, um diálogo de Platão ou um
tratado econômico de Adam Smith. […] em nosso mundo Web 2.0 as máquinas de escrever [...] são computadores pessoais conectados em rede, e
os macacos não são exatamente macacos, mas usuários da internet. (KEEN,
2009, p. 8)
Seu ponto de vista apocalíptico – que inclusive cai no lugar comum quando afirma que
“a mídia tradicional está ameaçada de extinção” (KEEN, 2009, p. 14) teria se desenvolvido
após sua participação num congresso colaborativo de discussões sobre a internet, onde Keen
teria chegado à conclusão de que muitas pessoas falando ao mesmo tempo sobre tudo
constituiriam uma espécie de “anarquia” desordenada (KEEN, 2009, p. 19).
Não é difícil perceber que a opinião tacanha de Keen ignora abertamente os benefícios
da participação e generosidade dos indivíduos conectados. Sua visão se baseia em valores
arcaicos e aparentemente fecha os olhos para tudo que o empoderamento dos usuários – e, no
nosso caso, dos consumidores – trouxe de positivo para a sociedade contemporânea. É
exatamente por isso que seu discurso, apesar de tão amplamente difundido – muito
44
provavelmente por sua capacidade de ser controverso – também é igualmente contrariado, e
por vezes, inclusive, ignorado.
Esse não é, entretanto, o único olhar que vai de encontro às nossas questões. Existem,
sim, evidências de que o relacionamento com o fã consumidor pode ser arriscado, e levantá-
las para dirimi-las é, provavelmente, o melhor caminho de evitar as desagradáveis
possibilidades de erro.
Os próprios Tapscott e Williams (2007) são responsáveis por levantar a dicotomia que
representa o principal problema potencial da situação: o “controle versus interferência dos
clientes” (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007, p. 166). Esse cliente devoto – que para os
autores é o prosumer, mas cuja delimitação nos serve para aplicação com fãs – quando
empoderado além do limite, poderia deixar de ser um aliado para se tornar um concorrente.
Fazendo uso de um exemplo já aplicado neste trabalho, uma situação hipotética que pode
ilustrar essa possibilidade: se os fãs das bandas produzidas pela Cube Entertainment
deixassem de acessar os conteúdos de fontes oficiais e passassem a interagir apenas com os
fansites chancelados pela empresa, uma ação a princípio benéfica poderia se tornar nociva.
Mike Raboine (2012) também levanta pontos de atenção em seu artigo curiosamente
chamado de The Pitfalls of Relying on Brand Fandom16
, publicado em duas partes pelo site
Branding Beat. O autor afirma que ao enaltecer uma parcela de seus consumidores deve-se ter
extrema cautela para que esse tratamento exclusivo não desencoraje outros consumidores
menos apaixonados (RABOINE, 2012). Estes outros não podem, em hipótese alguma, serem
deixados de lado – principalmente pelo fato de comporem uma maioria numérica que
provavelmente será responsável pelos números, e pelo lucro, de uma empresa.
Outra questão discutida por Raboine é a de que o fato de o fandom ser apaixonado por
uma marca não quer dizer que este será complacente com ela. Pelo contrário, fãs sentem-se no
direito de reclamar quando se sentem lesados, principalmente por oferecerem mais e por
serem, com cada vez mais frequência, estimulados a falar o que pensam. O risco de
desapontar o consumidor também aumentaria, já que uma parcela do público estará altamente
magnetizada e completamente abarrotada de expectativas, logo, mais suscetível à frustração
(RABOINE, 2012).
A questão é: todos essas possibilidades são reais, e precisam ser medidas com cautela
durante o planejamento do relacionamento com o consumidor. É impossível traçar uma linha
que defina até onde empoderar o brand fan, principalmente porque, da mesma forma que cada
16 As armadilhas de contar com o fã de marca, tradução nossa.
45
empresa tem suas peculiaridades e cada mercado tem suas verdades, cada fandom age de
forma diferente e deve ser estudado, tratado e engajado de maneira excepcionalmente
particular.
Mobilizar e interagir com fãs exige, sem dúvida, um trabalho meticuloso e detalhado,
mas que, como pudemos perceber com todos os atributos exibidos até aqui, também pode ser
extremamente recompensador por oferecer uma série de benefícios exclusivos e altamente
valiosos.
46
5. CASE: POTTERISH.COM
Pense num produto mundialmente famoso. Um bem de consumo durável difundido em
tão larga escala que é possível encontrar um exemplar disponível para cada 15 habitantes no
planeta17
. Trata-se de um feito indubitavelmente importante, principalmente quando estamos
falando de uma obra literária. Aliás, da terceira obra literária mais vendida dos últimos
cinquenta anos, atrás apenas d’A Bíblia Sagrada e das Citações do Presidente Mao Tse-Tung.
Os números da saga Harry Potter impressionam, evidentemente. O primeiro livro,
Harry Potter e a Pedra Filosofal está, sozinho, entre os dez livros mais vendidos da história
da humanidade. Já os oito filmes produzidos pela Warner com base na história de J.K.
Rowling atingiram a marca dos 7,7 bilhões de dólares arrecadados ao redor do mundo. Mas o
que realmente salta aos olhos de especialistas em marketing de todo o mundo são os
desdobramentos de seu universo para as mais diversas plataformas de entretenimento.
Neste capítulo Harry Potter será compreendido como a marca que se tornou. A
máquina de dinheiro conhecida no mundo inteiro configura um dos maiores e melhores
exemplos de relacionamento e manutenção do fã consumidor, mesmo três anos depois do
lançamento do último filme e sete do último livro. Nosso foco se voltará, entretanto, para um
produto planejado, executado e mantido por fãs brasileiros que chamou a atenção da própria
J.K. Rowling em 2006, e condensa uma série de aspectos levantados neste trabalho sobre as
características do fã consumidor e sua relação com a marca em seu coração: o Potterish.com.
Considerado o maior portal sobre Harry Potter da América Latina, o Ish, como é
conhecido por seus próprios fãs – conta com um conteúdo gigantesco sobre a saga e é
inteiramente administrado e desenvolvido com a força do trabalho voluntário de mais de 60
pessoas. Conhecido por sua qualidade editorial, a página já foi mencionada em veículos de
mídia tradicional como o New York Times, e recebeu elogios da autora dos livros por seu
estilo, expertise e responsabilidade.
Enquanto correlacionarmos a realidade do Potterish com os termos e casos analisados
neste trabalho, contaremos com o rico ponto de vista de três fãs de Harry Potter que dedicam
inúmeras horas de suas semanas à manutenção do Portal, em diversas áreas de atuação. Os
jovens, que concordaram em conceder entrevistas durante a produção desse artigo, ilustram
bem nosso objeto de estudo e ajudam a compreender a experiência de gerar conteúdo para
uma marca tendo apenas o fanatismo como motivação. As entrevistas foram realizadas
individualmente, sem que os participantes soubessem previamente a respeito do assunto
17 Partindo das estimativas de 450 milhões de livros para 7 bilhões de habitantes.
47
abordado, e os mesmos não tiveram nenhum contato com o conteúdo deste trabalho, de modo
a preservar a autenticidade e o caráter genuíno de seus discursos.
Propomos aqui, então, uma análise do case de sucesso que o Potterish se tornou
apenas com o esforço de fãs, além da importância desse esforço para a manutenção da marca
Harry Potter num mercado tão expressivo quanto o Brasil. Durante o processo, ainda
poderemos correlacionar todos os conceitos propostos e estratégias defendidas que se
aplicarem ao caso, de forma a ratificar sua funcionalidade e eficiência.
5.1 A cicatriz mais famosa do mundo: a marca Harry Potter
O universo criado por J.K. Rowling há tempos já ultrapassou o patamar de obra
literária e adquiriu a forma de marca global multiplataforma. Seu valor está estimado em mais
de 15 bilhões de dólares (AQUINO, 2011), o que a nivela com outras marcas como Hewlett-
Packard e HSBC18
. Além dos sete livros da série original, foram produzidos mais três livros
com material de suporte e oito produções cinematográficas de proporções gigantescas.
O término da produção de Harry Potter e a Relíquia da Morte Parte 2, último filme da
franquia que hoje tem o título de quarta maior bilheteria do mundo, não significou o fim da
expansão criativa da marca. Já foram lançados um parque de diversões temático reproduzindo
inúmeros ambientes da história de Harry em Orlando, na Flórida, uma plataforma de leitura
com uma série de conteúdos literários novos sobre a trama, além de diversas reedições de
todos os DVDs, Blu-Ray Discs e livros, tanto individualmente quanto em boxes de valores
exorbitantes para acalentar o coração dos fãs. Além dessas ramificações mais conhecidas,
também foram produzidos trilhas sonoras e jogos de videogame – um equivalente a cada filme
lançado, inúmeras réplicas de itens da história – desde varinhas a medalhões, passando,
inclusive, pelo par de óculos que se tornou símbolo da série; e um sem número de outros
objetos “trouxas”19
como travesseiros ou camisetas, todos estampados com o rosto de Harry.
E aparentemente os planos das empresas detentoras dos direitos sobre Harry Potter
não terminaram. Até o final da composição deste artigo, já haviam sido anunciados três novos
filmes spin-offs20
roteirizados pela própria J.K. Rowling, uma expansão no parque de Orlando
18 Dados obtidos em www.forbes.com. 19 Na série Harry Potter, trouxa é a designação para seres humanos não mágicos e todos os artefatos produzidos
por eles, sem o uso de magia. 20 Spin-off é uma narrativa que se apropria do universo de outra, sem necessariamente se apropriar de seus
personagens ou sua trama. Animais Fantásticos e Onde Habitam, spin-off de Harry Potter a ser lançado em 2015,
por exemplo, acontece no mundo criado por J.K. Rowling onde existem bruxos e criaturas fantásticas, mas se
passa na cidade de Nova York, na década de 70, e seus personagens não tem qualquer relação com a trama de
Harry.
48
e um possível novo parque na costa oeste dos Estados Unidos. Ainda podemos testemunhar os
novos lançamentos de Rowling, que continua sua carreira literária com novos produtos
completamente dissociados de seu principal personagem, mas que certamente aproveitando da
rentabilidade conferida a tudo que circunda a grande indústria que se tornou esse universo
mágico.
Entretanto, mais interessante que o tamanho quase infinito de possibilidades que
Harry Potter pode gerar como marca, é a grande legião de fãs que a segue e todo o frenesi
instaurado ao seu redor. Os potterheads, como se autodenominam, tem sido objeto de estudo
de inúmeros pesquisadores nas diversas áreas que circundam o fanatismo, todas elas sempre
enaltecendo a extrema lealdade e dedicação como suas principais características. Inúmeros
artigos e livros publicados, inclusive, mencionam a estratégia de relacionamento das empresas
detentoras de Harry Potter com seus fãs como sendo um case de absoluto sucesso a ser
seguido por quaisquer outras marcas que desejem instaurar uma experiência de consumo
válida para seus fãs e fazer bom uso dela. Em seu livro, Harry Potter: The Story of a Global
Business Phenomenon, Susan Gunelius (2008) afirma:
As pessoas estão sempre procurando por algo em que acreditar e com
que possam se conectar, e Harry Potter preencheu um vazio, tendo os fãs
percebido ou não que esse vazio existia. Eles se sentem conecatos a Harry Potter e seu relacionamento com o produto e a marca criou um profundo
senso de lealdade muito rapidamente. As pessoas se envolveram com a
estória em Harry Potter e desenvolveram sentimentos pelo produto. [...] Os fãs de Harry Potter encaixam no modelo perfeito de consumidores
envolvidos e leais. Esse é o ideal que toda marca deseja. Um alto nível de
envolvimento com o consumidor pode criar um marketing boca-a-boca
massivo e pode ajudar a elevar uma marca a um status de devoção. (GUNELIUS, 2008, p. 27-28, tradução nossa)
Não foi sempre assim, contudo. Em 2001, ano importante na história da marca por
comportar o primeiro lançamento cinematográfico – boa parte do sucesso de Harry Potter
pode ser atribuído a seus filmes, que chamaram muita atenção ao material literário que já
havia sido publicado – a Warner Bros acusou a fã Claire Field, de apenas 15 anos, de infringir
os direitos de propriedade intelectual da companhia (BOWMAN, 2001). A situação de Claire
se assemelha em vários aspectos ao case Nutella, estudado no capítulo 3: a menina foi a
responsável por criar o site Harry Potter Guide, uma espécie de enciclopédia sobre Harry
Potter onde outros fãs pudessem buscar informações.
Na época, um representante de Claire Field afirmou que o discurso da Warner ao se
retratarem quanto ao caso e voltarem atrás com as acusações teria sido de que naquele
49
momento a empresa estaria disposta a confiar na boa fé de Claire Field e em sua certeza de
que os planos da menina não incluíam nada além do uso não comercial das informações
divulgadas (PRETTYS SOLICITORS, 2011 apud BOWMAN, 2011). Esse caso foi,
inclusive, um de muitos, numa espécie de guerra não declarada entre a Warner e todos
aqueles que tentassem manter páginas não oficiais sobre Harry Potter.
No entanto, a empresa aparentemente conseguiu corrigir seu suposto erro de
julgamento a tempo. Sua relação com esses fãs mais dedicados é, hoje, digna de
reconhecimento. A própria J.K. Rowling criou em seu site oficial uma área dedicada à
premiação dos melhores fansites sobre seu menino prodígio, o Fansite Award – do qual
voltaremos a falar quando entrarmos no case Potterish. Aparentemente, a condecoração é
administrada pela própria autora, que escolheu pessoalmente os sites e publicou em sua
página sua opinião sobre cada um deles.
Essa mudança de plano tático pode ser relacionada com os estudos de Jenkins, que
afirma que “talvez os líderes da indústria estivessem reconhecendo a importância do papel
que os consumidores podem assumir não apenas aceitando a convergência, mas na verdade
conduzindo o processo” (JENKINS, 2009, p. 35). Como vimos até aqui, se uma marca souber
se relacionar com os fãs que conquistou, souber entendê-los e se propuser a ouvir e atender
suas demandas, poderá colher frutos de proporções inimagináveis. Veremos agora, então,
como isso se aplica ao case Potterish, através de uma análise de sua formação, de sua relação
com as marcas detentoras de Harry Potter, contando com o enriquecedor ponto de vista dos
quatro entrevistados membros da equipe do site.
5.2 Os fãs que são ídolos – Potterish.com
A disponibilidade e a boa vontade de um indivíduo estão presentes em discussões
como a que circunda o voluntariado21
, por exemplo, há bastante tempo. Se tornam, porém,
ainda mais poderosas quando combinadas com talento e motivação. De acordo com Shirky
(2010), quando o tempo livre e os talentos de um indivíduo estão interligados, sua livre
21 A discussão a respeito do voluntariado em sua forma mais conhecida foi propositalmente afastada deste
trabalho para que não houvesse o embaraço desse conceito com nosso estudo a respeito do conteúdo gerado
voluntariamente por fãs, afinal, as motivações por trás dessas duas atividades são completamente dissociadas.
Entretanto, é interessante levantar, apenas por um momento, que essas duas realidades podem tangenciar uma à
outra em uma questão: o comprometimento dos envolvidos. Segundo Garay (2001), em Programa de
voluntariado empresarial, comprometimento é uma soma de envolvimento, apego e identificação – três
sentimentos intrinsecamente ligados à situação do fã consumidor.
50
escolha a respeito de suas atividades pode ser de grande importância para terceiros. No caso
que estamos prestes a analisar, os indivíduos são potterheads brasileiros e o terceiro, a marca
Harry Potter e suas empresas detentoras.
Homepage do Potterish
Figura 7
Aberto ao público em novembro de 2002, logo após o lançamento do segundo filme da
saga que até o momento tinha apenas quatro de seus sete livros publicados, o Potterish
(Figura 8) é um exemplo da organização em comunidade por parte dos fãs e de seu total
engajamento e comprometimento com a marca em seus corações. Com mais de 60 membros,
a equipe é dividida em áreas de atuação que são internamente hierarquizadas e vão desde
redação e edição até tradução e transcrição. A estrutura é bem definida e todos os papéis são
importantes para a manutenção do site, que possui processo seletivo para a escolha de novos
participantes e um interessante sistema de movimentação vertical de serviços.
Marina Anderi, de 18 anos, começou como tradutora e agora é chefe da equipe de
tradução. Suas responsabilidades hoje incluem “selecionar novos tradutores, chamar atenção
dos que estão ausentes na equipe, supervisionar quem traduz cada texto - para não haver
confusão - e traduzir, ocasionalmente” (ANDERI, 2014)22
. A estudante – bem como seus
colegas entrevistados para esta pesquisa – categoricamente afirma que a responsabilidade em
reportar notícias sobre o universo de Harry Potter e suas marcas adjacentes é a grande missão
do grupo, e sua maior qualidade. Como levantado anteriormente, sua ética ao reportar já foi,
inclusive, mencionada em veículos de grande porte, como o New York Times.
22 Entrevista concedida ao autor deste trabalho. A versão na íntegra está presente nos apêndices.
51
Comprovada, então, a excelência desse material integralmente conduzido por fãs,
nosso próximo passo é identificar, dentro das características propostas a esse tipo de
indivíduo, as principais motivações que as levam a fazer o que fazem. Afinal, estamos falando
de 60 pessoas, muitas das quais já profissionais de mercado em áreas relacionadas ou não à
mídia e entretenimento23
que disponibilizam seu tempo e serviço a uma marca bilionária sem
terem sido contratadas para isso.
Tapscott e Williams (2007) levantaram situações em que os usuários precisavam
preencher lacunas deixadas pelas empresas em seus produtos, como no caso de fazendeiros
americanos que arrancavam os bancos traseiros de seus carros para obterem mais espaço,
décadas antes dos fabricantes de carros entenderem essa necessidade e “criarem” as picapes.
Algo semelhante foi levantado por Lorena de Assis ao descrever um dos motivos que teriam
levado os fãs a se mobilizarem pela criação do Potterish. Ela afirma que o público aficionado
por Harry Potter teria a necessidade de saber todos os detalhes e curiosidades possíveis
envolvendo a saga e, para ela, “como não havia ninguém fazendo isso sendo pago pela
Warner, os fãs tiveram que ir lá fazer” (ASSIS, 2014)24
.
Já Marina Anderi levanta outra questão:
Eu entrei no Potterish porque queria fazer parte desse site que gosto tanto, que tem o reconhecimento da J.K. [Rowling], e também porque muitos
de meus amigos também faziam parte dele. O fato de não receber nada pelo
meu trabalho... Não parece ruim. Sinto que sou mais feliz assim do que recebendo dinheiro.
25
Podemos perceber aqui um paralelo direto entre a opinião da estudante e o pensamento
de Shirky levantado no terceiro capítulo sobre a possibilidade de pagamento a uma atividade
que partiu motivações intrínsecas: ao afirmar que se sente mais feliz por fazer parte de algo
que gosta, estar em sintonia com a comunidade de fãs e receber reconhecimento por isso, do
que seria se fosse paga, Marina inconscientemente reitera que motivações extrínsecas e
intrínsecas não devem ser misturadas (SHIRKY, 2010).
23 Alguns dos fãs membros da equipe do Potterish são publicitários, cineastas ou estudantes dessas áreas que
estariam mais intimamente ligadas ao trabalho que executam e à indústria da qual Harry Potter faz parte, mas é
curioso perceber que muitos atuam em áreas extremamente distintas. Lorena de Assis, entrevistada pelo autor,
por exemplo, é estudante de medicina. 24 Entrevista concedida ao autor deste trabalho. A versão na íntegra está presente nos apêndices. 25 Entrevista concedida por ANDERI, Marina. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014.
A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta Monografia.
52
Figura 9 – Selo FanSite Award
Todavia, conforme estudamos até aqui, uma série de estímulos pode ser útil para
incentivar esse fã e permitir que continue fazendo um bom trabalho. Para os membros do
Potterish, a representação máxima desses estímulos se deu através do Fansite Award, prêmio
que receberam em 2006 da própria autora da série, Joanne Rowling, cujo selo está
orgulhosamente exibido em sua página inicial (Figura 9). Essa condecoração já citada acima
foi mencionada no discurso de todos os entrevistados:
[...] esse prêmio nos coloca oficialmente como participantes do mundo Harry
Potter. Aquele desejo que falei no início, de entrar para a história. É como se
a JK [Rowling] tivesse escrito um simples parágrafo sobre nós em um dos
livros da série. Essa foi a emoção quando o recebemos. 26
E em:
Eu, pelo menos, tenho esse pensamento pessimista de que nunca vou poder conhecer o meu ídolo e ele vai morrer sem nem saber que eu nasci, mas
sabendo que ela conhece o Ish é como se ela me conhecesse um pouco
também. 27
Esse posicionamento dos entrevistados é interessante à medida que claramente
exemplifica o pensamento de Coelho (1999) levantado no capítulo anterior. Fãs enxergam
uma assimetria entre eles e seus ídolos – como Lorena e sua prévia certeza de que J.K.
Rowling morreria sem saber que ela existe – e quando essa assimetria é quebrada, mesmo que
de forma sutil, o impacto no sentimento do fã apaixonado é incomensurável. Outro ponto
discutido neste trabalho, quando levantamos os três principais pontos positivos de se trabalhar
com o fã consumidor, é a sua capacidade de promover, de divulgar e difundir o discurso e o
26 Entrevista concedida por ALVARES, Mayke. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro,
2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta Monografia. 27 Entrevista concedida por ASSIS, Lorena. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014. A
entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta Monografia.
53
material de uma marca com mais facilidade entre outros consumidores, por serem, como foi
dito, porta-vozes deste conteúdo capazes de dialogar em pé de igualdade com seus
semelhantes. Mais uma vez, podemos perceber a aplicabilidade disso através da fala de nossos
entrevistados:
É um fã falando pra outro, não é o cara que vai ficar rico com aquilo dizendo “venha consumir, meu produto é legal”, é alguém que não está
ganhando nada com aquilo te dizendo que é legal. Dá uma autenticidade
maior, eu acho. 28
E em:
Todos esses esforços, mais o trabalho de geração de conteúdo e reportes de notícias fazem com que os fãs nos vejam como amigos, iguais,
como pessoas que os entendem e possam ter uma conversa. Em quem você
confiaria mais nesse caso? Uma marca que possui uma relação de amizade
com você, que sempre responde suas dúvidas e ainda tem a frequente possibilidade de encontra-los ao vivo, ou uma marca distante, soberana que
não possui uma ferramenta de relacionamento em forma de mão-dupla? 29
O posicionamento de Mayke é especialmente interessante. Podemos notar que ele se
refere ao fansite como uma marca, ao mencionar que possuem uma relação de amizade com
outros fãs e, posteriormente, o compara com a marca em si, que seria “distante” e “soberana”.
Não está errado, já que o Potterish por si só tem milhares de seguidores e fãs próprios e
compôs durante os anos uma imagem sólida que pode, sim, ser comparada a uma marca.
Discutiremos mais adiante, entretanto, os riscos dessa dissociação.
Também podemos justificar essa capacidade de diálogo com outros fãs pelo seguinte
fato: fãs sabem mais sobre a marca do que qualquer outro consumidor e, pode-se dizer sob
certa perspectiva – até mais do que a marca em si. Fábio Coelho (2012), presidente da Google
no Brasil, afirmou em comissão realizada em 2012 que “as marcas pertencem cada vez mais a
quem as usam” (COELHO, 2012 apud ROCHA, 2012), e é possível perceber que os membros
do Potterish concordam com essa premissa. Ao discursar sobre a importância do site para a
divulgação da marca Harry Potter no Brasil, Mayke afirma que são experts no assunto. Para
ele, “a Warner poderia contratar qualquer agência de comunicação e com certeza ela não teria
o mesmo nível de intimidade que temos com o produto. [...] Eles possuem um ponto de
28 Entrevista concedida por ASSIS, Lorena. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014. A
entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta Monografia. 29 Entrevista concedida por ALVARES, Mayke. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro,
2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta Monografia.
54
contato específico com o target sem gastar nada com isso. Poucas marcas são capazes de criar
esse tipo de conexão com o público” (ALVARES, 2014).
No entanto, todo esse empoderamento oferece seus riscos. Quando produtos
gerenciados por fãs, como o Potterish, adquirem uma voz muito expressiva, é preciso tratar a
situação com extrema cautela, já que o discurso desses fãs pode adquirir – por sua
proximidade com a marca – um caráter “quase-oficial”.
Todos os entrevistados concordaram com esse risco, mas podemos perceber que eles
mesmos ainda enxergam que a marca detém uma espécie de poder supremo, uma
superioridade capaz de revogar qualquer credibilidade antes conferida.
No final das contas isso [o mau uso da credibilidade conferida pelas
marcas] costuma dar bem mais prejuízo que lucro. Se o fansite for desrespeitoso de uma forma, a marca pode cortar relações e não permitir
nenhuma regalia, o que fará com que site possa até voltar atrás em seu
pronunciamento. Mesmo com o poder dos fãs, a marca sempre terá soberania.
30
Isso não torna a situação digna de menos cautela, entretanto. Esse tipo de
posicionamento que teoricamente cria uma margem de segurança para a marca se aplica ao
Potterish e a outros grupos de fãs igualmente responsáveis, mas não podemos afirmar que
esse receio perante à soberania da marca seria suficiente para conter indivíduos frustrados ou
mal intencionados.
Esse sentimento pode ser evitado, contudo. Frustração, como definem Leão e Mello
(2009) é fruto de alta expectativa seguida de pouca entrega. Essa combinação deve, portanto,
ser evitada não apenas no relacionamento com os fãs, mas com todos os consumidores, já que,
ainda sob a perspectiva dos autores, geram um sentimento que pode levar, a longo prazo, à
redefinição de interesse.
Não precisamos de dinheiro, porém exigimos respeito. Não acho que
deveria ser uma cobrança pública [se a marca prometesse algo e não cumprisse], [...] mas pelo menos pediríamos satisfação, por que é um
desgaste, não é? Você fica ansioso e tudo o mais. 31
A relação do Potterish com a Warner BR e a Rocco, responsáveis pela marca no
Brasil, é extremamente proveitosa para ambos os lados, e certamente serve de modelo para
30 Entrevista concedida por ANDERI, Marina. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014.
A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta Monografia. 31 Entrevista concedida por ANDERI, Marina. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014.
A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta Monografia.
55
outras empresas. Apesar de não ter sido sempre assim - o próprio Potterish sofreu com a
guerra da Warner a fansites, mencionada anteriormente – hoje em dia as empresas divulgam
informações privilegiadas e oferecem uma série de regalias à equipe.
O Potterish foi, em 2011, responsável por distribuir 200 ingressos exclusivos para a
première de Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2, no Rio de Janeiro. Por um lado,
todos os membros do site tiveram a oportunidade de andar sob o mesmo tapete vermelho que
os convidados “oficiais” do evento. Em contrapartida, o fansite precisou assegurar que todos
os 200 fãs que usassem estes convites estariam caracterizados como personagens da saga, de
acordo com orientações da Warner, para efeitos de divulgação e mídia espontânea sobre o
evento.
A via de mão dupla entre marca e fã e o benefício mútuo proveniente desta relação
podem ser claramente vislumbrados no case Potterish. O sentimento presente é de parceria, e
de uma parceria verdadeiramente útil para as duas partes, como pudemos atestar.
No início do projeto não tínhamos muita relação com essas marcas. Demorou um tempo para que elas pudessem confiar na gente e no nosso
trabalho. Acredito que até mesmo entender esse ‘estranho’ movimento de fãs
trabalhando em prol de uma marca, sem cobrar nada por isso. No início eles
não viram o potencial que isso tinha, mas com o tempo foram percebendo. Hoje, posso dizer que são marcas parceiras.
32
32 Entrevista concedida por ALVARES, Mayke. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro,
2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta Monografia.
56
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conectividade e a interatividade possibilitadas pela disseminação da Web 2.0
rearranjam as configurações de consumo a partir do início do século XXI. Nesse novo
panorama as relações entre marca e consumidor mudam a partir do momento em que usuários
conectados em rede tem a chance de combinar suas vozes e quebrar a assimetria que antes os
subjugavam aos detentores dos meios de comunicação. Agora, esses consumidores não
cumprem apenas a função de espectadores do conteúdo produzido, como também tem a
chance de produzi-lo e compartilhá-lo.
Vemos, então, que uma das principais novidades trazidas por este novo modelo de
interação diz respeito à credibilidade dos discursos. O novo consumidor atribui o caráter
mercantil à voz das marcas, e passa a acreditar mais em seus semelhantes, com quem pode se
comunicar via web. Por isso, as marcas se encontram num novo cenário em que precisam
cada vez mais recrutar consumidores dispostos a defender e divulgar sua mensagem, os
chamados brand advocates. A primeira hipótese que nos propusemos a estudar diz respeito a
esse novo papel, e a um grupo de pessoas que acredita-se poder cumpri-lo de maneira plena e
bem sucedida: o fã. Como pudemos ver diante de uma análise de suas principais
características como fenômeno sociocultural, quando motivado pelo amor que nutre ao seu
objeto de fanatismo, o fã é capaz de oferecer muito demandando pouco e, portanto, quando
apaixonado por uma marca, seria o mais indicado para realizar a função supracitada.
Antes de prosseguir, no entanto, com as nuances dessa função, foi preciso eliminar
duas questões acerca do fã que poderiam ser prejudiciais ao completo entendimento do
assunto. A primeira, a falsa premissa de que só existem fãs para produtos de mídia e
entretenimento, como livros, filmes, videogames e afins. Foi preciso correlacionar algumas
características dos fã com o comportamento do consumidor e levantar alguns casos para,
finalmente, deixarmos essa suposição de lado e comprovarmos que sim, fãs de marca são um
fenômeno legítimo e corriqueiro. A outra questão a ser confrontada caminha pelos campos de
nomenclatura. O Facebook utiliza a palavra fã para designar todo e qualquer usuário que curta
uma página da rede social, levando a uma banalização do termo. Para eliminarmos essa
dicotomia, dividimos esses indivíduos entre fãs, nosso objeto de estudo, o fenômeno
sociocultural que este trabalho analisa, e seguidor, aquele que segue ou curte páginas de
marcas e indivíduos na rede.
57
O cerne da argumentação se dá, então, quando levantamos os principais benefícios,
requisitos e riscos de se manter uma relação com os fãs consumidores. Partindo das
características previamente atribuídas aos fãs, foram delimitados três “poderes”, ou hábitos
positivos desses, que podem ser utilizadas pelas marcas. O primeiro desses poderes é o de
promover, que envolve a disponibilidade do fã de disseminar o discurso de marca, e sua
capacidade de fazê-lo, já que quando dialoga com outro consumidor, o fã carrega consigo a
credibilidade por estar falando de igual para igual. Em seguida discutimos o que chamamos de
capacidade de responder. O fã, motivado por seu amor e por um desejo intrínseco de que seu
objeto de fanatismo sempre evolua, mostra ser uma relevante fonte de feedback, da qual as
marcas podem retirar insights verdadeiramente úteis se souberem como captar e compreender
essas opiniões. Para discutir o último dos benefícios, nos apropriamos de termos como
prosumidor, de Tapscott e Williams (2007) e UGC, sigla em inglês para “conteúdo gerado por
usuários”. O fã e sua capacidade de expandir, como levantado, trazem um sem número de
possibilidades para as marcas que souberem estimular sua produção de conteúdo e se
apropriar dela das mais infinitas formas.
Fica claro, contudo, que apesar da motivação intrínseca dos fãs ser o principal
combustível de suas ações benéficas para as marcas, essas últimas precisam atender a certas
demandas para que a troca seja efetiva e duradoura. Em contraponto aos três pontos em que
marcas podem tirar proveito de seus fãs, também definimos as três principais necessidades
desse grupo, que quando atendidas mantém aceso seu sentimento de devoção. A primeira, a
participação, reflete o desejo do fã de – ao doar sua disponibilidade para a marca – sentir-se
parte dela, como um co-criador. Em seguida, estudamos a demanda de exclusividade: o
sentimento de fã número um levantado por Coelho (1999) é crucial aqui. Fãs sentem-se
valorizados quando são colocados um patamar acima de outros espectadores, e dar a eles a
noção de que fazem parte de um círculo restrito provou-se, através dos exemplos
apresentados, a melhor forma de atender a esse desejo. A última das demandas pode aparentar
ser a mais simples, mas é, também, provavelmente a mais eficaz. Fãs buscam
reconhecimento, ou, em termos mais abrangentes, fãs querem ouvir um “muito obrigado”.
Enaltecer ou divulgar o trabalho feito por eles enfatiza que este relacionamento é uma via de
mão dupla, e faz com que o fã perceba uma diminuição na assimetria entre ele e o objeto de
seu amor.
Quanto aos riscos de se empoderar o fã consumidor, podemos perceber que giram em
torno da possibilidade – existente, porém evitável – de que uma transferência excessiva de
poder para as mãos deste faça com que a marca perca o controle sobre seu próprio brand
58
equity. Esse e os outros fatores anteriores quando combinados nos ajudam a perceber que o
relacionamento entre marca e fã consumidor pode ser extremamente valioso quando manejado
da forma correta. Fandoms são devotos por natureza, e esse tipo de devoção é, ao mesmo
tempo, inusitada e admirável. Pode, entretanto, ser estimulada e instigada, desde que
recompensada propriamente e observada com cautela.
Finalizamos o trabalho com o case Potterish, exemplo extremamente bem sucedido
desse tipo de relacionamento. Fundado e mantido exclusivamente por fãs apaixonados por
Harry Potter e suas adjacências, começou com a vontade de compartilhar conteúdo e expandir
o universo da marca. Hoje, conta com a parceria das empresas detentoras dos direitos do
personagem aqui no Brasil e cumpre papel essencial na disseminação de seu discurso no país.
Mostra-se, sem dúvida, um verdadeiro modelo a ser seguido, e possibilita a aplicabilidade de
todas as características levantadas do trabalho de fã levantadas por esta pesquisa.
59
7. REFERÊNCIAS
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AQUINO, Judith. The Brilliant Methods That Made Harry Potter A $15 Billion Brand.
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consumidores após a emergência da Web 2.0. Revista PRISMA.COM. Ed. 15, 2011.
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Sites consultados
Cube Entertainment - http://cubeent.co.kr/
Facebook – www.facebook.com
Facebook Oficial Taco Bell - https://www.facebook.com/tacobell?fref=ts
Forbes - www.forbes.com
Fórum HP - http://h30487.www3.hp.com/
JK Rowling, Página oficial da autora - www.jkrowling.com
Mugglenet - www.mugglenet.com
My Starbucks Idea – http://mystarbucksidea.force.com/
Nutella Day - http://www.nutelladay.com/
Nutella Stories - http://www.nutellastories.com/en_INT/
Potterish - www.potterish.com
Pottermore - https://www.pottermore.com/en-us
Reclame Aqui – www.reclameaqui.com.br
So Delicious - http://www.sodeliciousdairyfree.com/
Twitter – www.twitter.com
Twitter Oficial Taco Bell - https://twitter.com/TacoBell
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8. APÊNDICES
Apêndice A – Entrevista com Marina Anderi
Realizada em 17 de Maio de 2014.
Pedro Maia: Me diz, Marina, quantos anos você tem, e qual é a sua ocupação atual?
Marina Anderi: Tenho 18 anos e sou estudante.
PM: Conta pra mim um pouco sobre o seu papel na equipe do Potterish. Como foi o processo
pra entrar para o time, qual é o seu cargo, e quais são as suas principais atribuições?
MA: Eu mandei um e-mail com meus dados pessoais para a moderadora de tradução e ela
gostou de mim e me passou para a segunda fase. Nela, tive de traduzir um texto do inglês para
o português. Fui tradutora por um ano e meio, moderadora de tradução por oito meses e agora
sou chefe de tradução. Como chefe, tenho como responsabilidade de selecionar novos
tradutores, chamar atenção dos que estão ausentes na equipe, supervisionar quem traduz cada
texto - para não haver confusão - e traduzir ocasionalmente.
PM: Certo. Em média, quanto tempo isso te toma durante a semana?
MA: Agora, como a série Harry Potter acabou tanto nos livros quanto nos filmes, diria que
em média 4 horas.
PM: Esse tempo era maior quando a série ainda estava em fase de lançamento? Quanto, em
média?
MA: Era bem maior. Cerca de 18 horas.
PM: Então você e a equipe que você coordena realizam um trabalho de tradução – que pude
atestar que é de qualidade – inteiramente de graça para a manutenção do Potterish, certo?
MA: Sim. O máximo de "pagamento" recebido foi de acesso a eventos mais fechados,
première dos filmes...
66
PM: Entendi. A gente vai voltar a falar desse acesso mais pra frente, então. Mas vamos lá:
Harry Potter já deixou de ser apenas uma obra literária e hoje em dia é uma marca
multiplataforma que vale bilhões de dólares. Você tem consciência de que presta um serviço
completamente gratuito pra uma marca que tem condições suficientes para contratar
tradutores para quaisquer línguas?
MA: Tenho.
PM: Então, se não é o pagamento, o que te motiva a fazer isso?
MA: A satisfação de ver meu nome a cada texto traduzido e o reconhecimento caloroso dos
fãs. O Potterish é muito conhecido por aqueles que leram Harry Potter e eles sempre ficam
empolgados ao conhecer alguém da equipe.
PM: E você considera o trabalho do Potterish - e por consequência, o seu - importante para a
divulgação da marca no Brasil?
MA: Sim. Muitos sites de notícias ficam sabendo do que está acontecendo no mundo de HP
através do Ish.
PM: Isso é bem legal! O Potterish é um produto feito por fãs que acaba carregando uma
autenticidade quase que oficial. A que você atribui isso?
MA: O profissionalismo da equipe, sem dúvida. Prezamos pela qualidade. Os textos
traduzidos são sempre revisados, as notícias sempre têm sua fonte conferida mais de uma vez
e não costumamos dar atenção a rumores bobos. Claro que não dói a própria autora da série
ter nos dado um Fan Site Award, justamente por nossa responsabilidade ao noticiar!
PM: J.K. Rowling é a figura máxima em representação do universo de Harry Potter, ao lado
do próprio Harry. O que essa condecoração dela representa pra vocês da equipe? Não digo
apenas racionalmente, como servir de prova da responsabilidade editoria de vocês, mas
emocionalmente. O que representa pra você que a própria autora da série tenha prestado
atenção no trabalho de vocês e, de certa forma, o premiado?
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MA: Representa muito. Mesmo. Saber que aquela pessoa que você admira tanto já visitou, e
talvez de vez em quando ainda visite, o site do qual você faz parte e rala tanto para produzir o
melhor conteúdo possível é absolutamente incrível. Ela já encontrou um de nossos
webmasters e disse gostar da camiseta que ele estava usando, em que se lia o nome do site. É
um sentimento gostoso demais.
PM: É uma boa forma de retribuição? Quero dizer, no sentido de pagamento por serviços
prestados: vocês não recebem salário pra fazer o que fazem, esse tipo de ação faz com que
vocês se sintam pagos?
MA: Com toda certeza. Eu entrei no Potterish porque queria fazer parte desse site que gosto
tanto, que tem o reconhecimento da JK, e também porque muitos de meus amigos também
faziam parte dele. O fato de não receber nada pelo meu trabalho... Não parece ruim. Sinto que
sou mais feliz assim do que recebendo dinheiro.
PM: Claro! Você e outra membro da equipe foram escolhidas pela organização do Potterish
para representar o site num encontro super exclusivo e secreto com um dos atores do filme,
numa visita dele orquestrada pela Universal aqui no Brasil, que - se não me engano - só
contou com a participação de um fansite, vocês; todos os outros veículos eram de imprensa
tradicional. Em 2011, também, o Potterish ganhou da Warner várias dezenas de ingressos
para a premiere oficial do último filme da saga, com a presença de outro ator. Como você se
sente por ter esse tipo de regalias?
MA: Ah, é muito legal! Eu me sinto privilegiada, estando numa posição que poucos fãs estão.
E ao mesmo tempo há a pressão de representar bem o site e os fãs brasileiros. Eu não pude ir à
première, infelizmente, mas no encontro exclusivo com o Oliver Phelps eu tremia de
nervosismo. Havia sites como Terra e IG lá, foi legal ver o Ish ser considerado no mesmo
patamar que eles. Trataram-nos super bem, recebemos brindes relacionados a Harry Potter e
tivemos a chance de fazer uma pergunta ao ator. Eu não teria essa chance se não estivesse no
Ish. Principalmente há a ótima sensação de ser reconhecido externamente por todo o seu
trabalho.
68
PM: Você acha que as representantes da marca Harry Potter no Brasil, a Warner BR e a
Rocco se relacionam bem com o Potterish, então? Você enxerga alguma forma de melhoria na
maneira que eles se relacionam com vocês?
MA: Há um bom relacionamento, sim. Mas claro que poderia haver uma melhora. Nós os
ajudamos muito em questão de divulgação; retribuir enviando produtos para realização de
promoções (a Rocco faz mais isso, mas ainda assim é pouco frequente) ou até mandando
alguns presentes para a equipe de vez em quando. De resto, não há o que dizer; a Warner nos
envia conteúdo exclusivo e a Rocco é bem disponível.
PM: Você diz que ajudam muito em questão de divulgação. Sobre isso: você acredita, então,
que conteúdo gerado por fãs pode ser útil para as marcas?
MA: Acredito. As novidades em relação a filmes, produtos, conteúdos e afins chegam aos fãs
mais facilmente por nós, e falamos dos assuntos diversas vezes em redes sociais.
Um bom exemplo é esse evento da Universal que fui, que tinha como objetivo revelar
novidades da expansão do parque de Harry Potter. Nós fizemos duas matérias sobre a
conferência e eu ainda fiz um q&a no Twitter do Ish. Isso com certeza aumentou a expectativa
dos fãs e pode possivelmente levá-los a escolher ir para Orlando ao invés de ir para Londres,
que é um destino bem popular também para quem gosta de HP.
PM: Sobre essa questão dos conteúdos chegarem aos outros fãs mais facilmente através de
vocês: a que você atribui isso?
MA: Ah, a responsabilidade mesmo. Outros fansites já espalharam boatos falsos, postavam
notícias irrelevantes, etc. Nós sempre nos mantemos constantes nesse compromisso, então
confiam mais em nós. Também, fã, bem fã, olha mais fansite do que site de notícia, já que às
vezes eles pegam notícias de terceiros e não transmitem bem a novidade, por não conhecerem
a série.
PM: Você acha que pode ser, de alguma forma, arriscado permitir que fãs tenham tanto poder
sobre a voz de sua marca? Quero dizer, sabemos que não será o caso do Potterish, mas com a
relevância que a página de vocês tem para o público em geral, se vocês resolverem espalhar
69
uma notícia falsa, ou criticar a Warner de alguma forma, por exemplo, com certeza podem
gerar buzz negativo para a marca. O que você pensa a respeito disso?
MA: Com certeza pode ser prejudicial. Uma vez a Warner nos enviou um e-mail confirmando
que o John Williams faria a trilha sonora de Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2, e
eis que isso era falso. Isso causou certa antipatia na época, apesar de passageira, mas claro que
também prejudicou o Potterish. Entretanto, acho que o risco é pequeno, porque os fãs tem
essa mania de serem fiéis... Você pode até não ficar feliz com certas decisões da marca, mas
dificilmente a criticará publicamente, já que ela produz um conteúdo do qual você gosta
muito.
É um risco que vale a pena tomar, penso eu. Porque no final das contas isso costuma dar bem
mais prejuízo que lucro. Se o fansite for desrespeitoso de uma forma, a marca pode cortar
relações e não permitir nenhuma regalia, o que fará com que site possa até voltar atrás em seu
pronunciamento. Mesmo com o poder dos fãs, a marca sempre terá soberania.
PM: O e-mail era falso? Ou foi mesmo enviado pela Warner, mas apenas contendo uma
informação que foi retificada posteriormente?
MA: A segunda opção. A Warner Brasil se enganou.
PM: Ok! Ótimo! Última pergunta, então: se a Warner ou a Rocco desapontassem os fãs de
alguma forma incisiva - por exemplo, não cumprissem algo que prometeram - você acha que
o Potterish teria direito de cobrar isso, por se tratarem de fãs tão dedicados?
MA: Acho que sim. Nos dedicamos bastante, sabe, e não é legal ser feito de bobo. Não
precisamos de dinheiro, porém exigimos respeito. Não acho que deveria ser uma cobrança
pública, isso é até meio infantil, mas pelo menos pediríamos satisfação, por que é um
desgaste, né? Você fica ansioso e tudo o mais. A questão do adiamento de Harry Potter e o
Enigma do Príncipe foi uma que afetou muito os fãs e a Warner fez um pronunciamento
explicando o que havia ocorrido, já que, afinal, somos os principais consumidores.
PM: Certo! É isso, então. Há algo que você gostaria de dizer? Qualquer input será bem vindo.
70
MA: É bem interessante ser levada a pensar no Potterish como algo que gera divulgação e
consequentemente lucro para algumas marcas. E mais interessante ainda perceber que não me
importo, já que me sinto bem feliz sendo uma geradora de conteúdo gratuitamente. Mérito
deles por se envolverem com algo tão legal e mérito meu por ter conseguido entrar um
pouquinho nesse meio. Fazer parte do mundo de Harry Potter me alegra demais.
PM: Muito obrigado!
71
Apêndice B – Entrevista com Mayke Alvares.
Realizada em 17 de Maio de 2014.
Pedro Maia: Me diz, Mayke, quantos anos você tem, e qual é a sua ocupação atual?
Mayke Alvares: Tenho 24 anos e sou Diretor de Arte.
PM: Conta pra mim um pouco sobre o seu papel na equipe do Potterish. Como foi o processo
pra entrar para o time, qual é o seu cargo, e quais são as suas principais atribuições?
MA: Bom, atualmente eu sou responsável pelos eventos no Rio de Janeiro e contato com a
Warner Brasil. Mas já passei por várias áreas dentro do Ish. Comecei como editor de
conteúdo, onde era responsável pela criação, edição, atualização de material para o Madame
Pince - o dicionário do Potterish – e para o Grimmauld Place, nosso fórum. Passei por
designer, depois criei conteúdo para o FanZone, vídeos. A partir daí já comecei a me
interessar pela realização dos eventos, colaborei com lançamentos de livros da série da
Saraiva e Fnac, fiz encontros em cinemas para os lançamentos dos filmes e também colaborei
na premiere realizada pela Warner no Rio de janeiro. Era responsável por distribuir nossos
200 ingressos para os fãs e certificar que todos eles fossem vestidos como personagens da
série. Também tive a oportunidade de entrevistar o ator Tom Felton durante o evento.
Entrar para essa equipe foi bem tranquilo. Comecei bem cedo, então conheci os criadores do
site, passei por uma entrevista com o Marcelo e também tive que produzir um texto. Logo
recebi a confirmação.
PM: Certo. Em média, quanto tempo isso te toma durante a semana?
MA: Atualmente as coisas estão mais tranquilas, com o término da série. Mas quando as
coisas estavam acontecendo, todo dia era dia. Ficar cinco horas por dia pensando ou
trabalhando no Ish era comum.
PM: Então você e a equipe da qual faz parte realizam todo esse trabalho – que pude atestar
que é de qualidade – inteiramente de graça para a manutenção do Potterish, certo?
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MA: Sim, ninguém da equipe cobra nada para trabalhar. As coisas funcionam de forma tão
colaborativa, a equipe é bastante integrada e divertida que não encaramos como trabalho e sim
como hobby. Estar em contato com os fãs da série e fazer com que essas pessoas fiquem
felizes é a maior diversão. E também posso dizer que o site tem histórico de criar grandes
amizades.
PM: Entendi. Mas vamos lá: Harry Potter já deixou de ser apenas uma obra literária e hoje
em dia é uma marca multiplataforma que vale bilhões de dólares. Você tem consciência de
que presta um serviço completamente gratuito que beneficia uma marca com condições
suficientes para realizar sua própria divulgação em quaisquer países, certo?
MA: Quando era mais novo, não possuía essa preocupação, de estar "trabalhando" para uma
marca bilionária, só queria fazer parte desse mundo incrível que é Harry Potter. Tinha
bastante tempo livre no início, o que facilitava minha participação. E depois que você entra,
conhece as incríveis pessoas que trabalham com você e está mais próximo desse mundo, meio
que você pega o gostinho da coisa e não quer mais sair.
Depois de amadurecer, começar a trabalhar e, aí sim, adquirir essa consciência, pude
compreender não só a importância do nosso trabalho para essas marcas, como também para o
meu currículo. Ou seja, é uma via de mão-dupla. Enquanto contribuímos para essa empresa,
adquirimos conhecimento que contribuem para o crescimento profissional. Prova disso é o
destaque que o Potterish tem no meu currículo, toda entrevista que faço sou perguntado sobre
essa experiência e as pessoas ficam encantadas com as coisas que já fiz.
PM: E você considera o trabalho do Potterish - e por consequência, o seu - importante para a
divulgação da marca no Brasil?
MA: Com toda a certeza! Como disse, nós vivemos Harry Potter, ou seja, crescemos sob a
influência dessas histórias. Podemos dizer que somos experts no assunto. A Warner poderia
contratar qualquer agência de comunicação e com certeza ela não teria o mesmo nível de
intimidade que temos com o produto. O que de certa forma funciona perfeitamente para a
marca. Porque eles possuem um ponto de contato específico com o target sem gastar nada
com isso. Poucas marcas são capazes de criar esse tipo de conexão com o público.
Exemplo disso é a confiança que temos com o público. Não foram poucas as vezes onde
veículos de mídia oficiais divulgaram notícias sobre HP e as pessoas esperavam a
73
confirmação do Potterish para poder confiar. Para o fã, somos vistos como autoridades no
assunto.
PM: Isso é bem legal! O Potterish é um produto feito por fãs que acaba carregando uma
autenticidade quase que oficial. A que você atribui isso?
MA: Ah, vários fatores, posso dizer. Primeiro é a profissionalização de toda a equipe. São
pessoas que, mesmo jovens, possuem uma grande experiência. Segundo pelo fato de termos
um bom histórico de ética, publicando noticias apenas quando todos os detalhes são apurados
e confirmados, com pouca ou quase nenhuma retratação e bons textos. Também posso atribuir
nosso posicionamento “quase oficial” ao fato de, devido ao excelente trabalho, estarmos
sempre próximos À Warner Brasil, Inglaterra e USA, à Rocco e a outras empresas com
direitos sobre a obra. Por último, pelo fato de sermos o único fã-site do Brasil a receber um
prêmio dado pela própria escritora dos livros, J.K. Rowling; prêmio esse que apenas alguns
poucos sites recebem. O que é engraçado: em sua dedicatória ao site J.K. escreveu: “em
apreciação ao seu estilo, sua experiência em Harry Potter e sua responsabilidade em reportar
noticias”, confirmando o que eu disse.
PM: J.K. Rowling é a figura máxima em representação do universo de Harry Potter, ao lado
do próprio Harry. O que essa condecoração dela representa pra vocês da equipe? Não digo
apenas racionalmente, como servir de prova da responsabilidade editorial de vocês, mas
emocionalmente. O que representa para um fã que a própria autora da série tenha prestado
atenção no trabalho de vocês e, de certa forma, o premiado?
MA: É claro que esse prêmio significa a confirmação do excelente trabalho que todos fazem
para o site. Pessoalmente, esse prêmio nos coloca oficialmente como participantes do mundo
Harry Potter. Aquele desejo que falei no início, de entrar para a história. É como se a JK
tivesse escrito um simples parágrafo sobre nós em um dos livros da série. Essa foi a emoção
quando o recebemos. Saber sua opinião sobre o nosso trabalho, nosso design e tudo o mais.
Foi de outro mundo. E o melhor de tudo é o fato de que a criadora de tudo isso é a própria
responsável por escolher os premiados, veio diretamente dela.
74
PM: É uma boa forma de retribuição? Quero dizer, no sentido de pagamento por serviços
prestados: vocês não recebem salário pra fazer o que fazem, esse tipo de ação faz com que
vocês se sintam pagos?
MA: Depois de tudo que ganhamos com Harry Potter, uma dedicatória da própria autora é
como uma boa promoção com aumento salarial, bônus de final de ano, escritório próprio e
dois meses de férias! Gosto de pensar que todo o conjunto de coisas que aconteceram
enquanto trabalhava no Ish serve como recompensa por todo o trabalho. Mas posso dizer que
essa foi uma das maiores que já recebemos. Nos deixa muito orgulhosos.
PM: Como você mesmo já mencionou, o Potterish recebe alguns benefícios pelo trabalho
prestado. Convites para a premiere, a chance de entrevistar alguns dos atores... Como você se
sente por ter esse tipo de regalias?
MA: Me sinto bastante honrado pelo Potterish e por meu trabalho terem me permitido receber
essas coisas. Além da confirmação da qualidade, é a confiança que as marcas relacionadas a
HP tem conosco. Dar 200 ingressos na mão de uma equipe e deixá-la responsável por tantas
pessoas em uma premiere tão importante, do lançamento do último filme de toda a série... É
preciso confiar bastante. Prova de que o trabalho que fazemos, mesmo de graça, possui muita
qualidade e responsabilidade para assumir tarefas assim.
PM: Você acha que as representantes da marca Harry Potter no Brasil, a Warner BR e a
Rocco se relacionam bem com o Potterish, então? Você enxerga alguma forma de melhoria na
maneira que eles se relacionam com vocês?
MA: No início do projeto não tínhamos muita relação com essas marcas. Demorou um tempo
para que elas pudessem confiar na gente e no nosso trabalho. Acredito que até mesmo
entender esse "estranho" movimento de fãs trabalhando em prol de uma marca, sem cobrar
nada por isso. No início eles não viram o potencial que isso tinha, mas com o tempo foram
percebendo. Hoje, posso dizer que são marcas parceiras. Se precisarmos realizar um evento na
Bahia, por exemplo, teremos material promocional, livros e DVDs para distribuirmos aos fãs.
É uma relação de parceria.
75
PM: Você diz que eles aprenderam a lidar com esse trabalho voluntário, que hoje já configura
uma relação mais sólida. Sobre isso: você acredita, então, que conteúdo gerado por fãs pode
ser útil para as marcas?
MA: Não apenas útil, mas essencial... Entender as percepções e comportamentos dos fãs é
necessário para uma marca ter sucesso. Ouvir o que eles tem a dizer, seus likes e dislikes, seus
anseios e etc. Tudo isso é possível identificar através do conteúdo criado.
Tratá-los bem fará com que eles falem ainda melhor da sua marca. Dar mais voz e poder a
eles também é importante, porque os fansites possuem um grande poder no jogo do mercado.
São eles que são ouvidos quando algo acontece, são eles que expressam sua opinião para que
o público possa entender e criar suas próprias percepções. Então é preciso que sejam vistos
como importantes players e precisam receber atenção da mesma forma que todos os outros.
PM: No meu trabalho, um dos pontos defendidos é que o discurso do conteúdo feito por fãs
atinge outros fãs de maneira mais genuína - e menos mercadológica - e por isso, ele tenderia a
ser mais confiável e eficaz. Você acredita que isso aconteça no caso do Potterish?
MA: Com toda a certeza. O fato de o Potterish ser uma organização muito mais próxima aos
fãs que a Warner ou Rocco, faz com que a relação Potterish/outros fãs se torne muito mais
rápida, eficaz e íntima. E essa relação está no DNA do Ish, que oferece todas as ferramentas
possíveis para que haja interação entre fãs de todo o mundo. A principal delas, nosso Fórum
Grimmauld Place, é um dos fóruns mais conhecidos do Brasil com o tema Harry Potter, com
mais de 7 mil usuários registrados. Nosso Facebook possui 150 mil inscritos, nosso Twitter
tem mais de 64 mil seguidores... Todas essas ferramentas estão ativas e em funcionamento,
gerando interação entre os fãs. E em todas elas temos pessoas preparadas e treinadas para dar
uma resposta o mais rápido possível, de forma sempre muito educada e amigável. Todos esses
esforços, mais o trabalho de geração de conteúdo e reportes de notícias fazem com que os fãs
nos vejam como amigos, iguais, como pessoas que os entendem e possam ter uma conversa.
Em quem você confiaria mais nesse caso? Uma marca que possui uma relação de amizade
com você, que sempre responde suas dúvidas e ainda tem a frequente possibilidade de
encontrá-los ao vivo, ou uma marca distante, soberana que não possui uma ferramenta de
relacionamento em forma de mão-dupla?
76
PM: Você acha que pode ser, de alguma forma, arriscado permitir que fãs tenham tanto poder
sobre a voz de sua marca? Quero dizer, sabemos que não será o caso do Potterish, mas com a
relevância que a página de vocês tem para o público em geral, se vocês resolverem espalhar
uma notícia falsa, ou criticar a Warner de alguma forma, por exemplo, com certeza podem
gerar buzz negativo para a marca. O que você pensa a respeito disso?
MA: Sobre isso, é certamente um risco que não só a Warner, mas como também todas as
marcas correm. Com o advento das redes sociais, todos correm esse risco naturalmente.
Porém, no caso do Potterish seria um pouco pior para a marca, devido às características de fã
que temos. De todos possuírem contatos com todos, de sermos um grupo muito unido.
Acredito que seja por isso que no início as marcas tinham o pé atrás. Tinham medo de nos dar
tanto poder e depois perder o controle. Mas acredito que como a franquia foi um sucesso
absoluto, não tínhamos do que reclamar. Tudo ocorreu perfeitamente bem, mas nem sempre
esse pode ser o cenário, o que dificulta as marcas a serem mais abertas ao público.
PM: Ok! Ótimo! Última pergunta, então: se a Warner ou a Rocco desapontassem os fãs de
alguma forma incisiva - por exemplo, não cumprissem algo que prometeram - você acha que
o Potterish teria direito de cobrar isso, por se tratarem de fãs tão dedicados?
MA: Acredito que o Potterish se comportaria como uma mídia jornalística. Tentaríamos ser o
mais imparciais possível. Reportaríamos o ocorrido em forma de notícia, expondo todos os
fatos que soubermos, como motivos para a decisão que levou ao não cumprimento da
promessa, responsáveis, porquês e etc. Acredito que sim, teríamos o direito de expressar
nosso descontentamento, porém optamos por ser neutros e deixar que os fãs respondam da
maneira que quiserem, pelos meios que quiserem.
PM: Certo. Muito obrigado!
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Apêndice C – Entrevista com Lorena de Assis
Realizada em 18 de Maio de 2014.
Pedro Maia: Me diz, Lorena, quantos anos você tem, e qual é a sua ocupação atual?
Lorena de Assis: 23 anos, estudante de medicina.
PM: Conta pra mim um pouco sobre o seu papel na equipe do Potterish. Como foi o processo
pra entrar para o time, qual é o seu cargo, e quais são as suas principais atribuições?
LA: Eu me candidatei para a vaga de Newsposter, que é quem procura, escreve e posta
notícias no site, mas no Ish cada um faz de tudo um pouco, então também participei de
organizações de eventos, entrevistas, social mídia e tudo mais que me pediam pra fazer ou que
eu mesmo me voluntariava. Um tempo depois fui colocada na função de chefe dos editores,
que é quem coloca nas páginas que não são de notícias (conteúdo, Madame Pince, Fanzone) o
material que os editores criaram. Mas isso não durou muito tempo por conta da faculdade e
dos estágios e logo entreguei o cargo.
Para entrar na equipe, me pediram pra escrever uma notícia (fictícia ou não) como se fosse pra
postar no site. Era pra avaliar se a gente tinha capacidade de escrever naquele estilo de texto e
tal. Depois disso, a gente passava por uma fase de treinamento e teste, onde pelo MSN quem
já era da equipe ajudava os novatos com qualquer dúvida que tivesse. Depois de algumas
semanas avaliando nosso trabalho, o chefe dos newsposters dizia quem tinha passado ou não.
PM: Certo. Em média, quanto tempo isso te tomava durante a semana?
LA: Nossa... depende muito. O trabalho de newsposter de fato é 24/7 porque você sempre
precisa procurar novidades. O Ish é um site de referência, a gente não podia ficar pra trás nas
notícias, então quando a gente via alguma coisa, era correr pra postar e em época de
lançamento de filme sempre tinha muita coisa. Então acho que o trabalho de fato, de postar e
etc, tomava entre 1 e 6 horas, dependendo se era época de lançamento ou não. Então isso é de
fato uma coisa muito difícil de se ter uma média.
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PM: Então você e a equipe da qual fazia parte realizavam um trabalho de apuração e
divulgação de notícias – que pude atestar que é de qualidade – inteiramente de graça para a
manutenção do Potterish, certo?
LA: Sim, muitas vezes até tirando do próprio bolso para material de divulgação nos eventos.
PM: Entendi. Mas vamos lá: Harry Potter já deixou de ser apenas uma obra literária e hoje
em dia é uma marca multiplataforma que vale bilhões de dólares. Você tem consciência de
que prestou um serviço completamente gratuito pra uma marca que teria condições suficientes
para bancar toda essa divulgação?
LA: Sim, tenho, mas a nossa intenção não era divulgar a marca, e sim trazer informações pra
fãs que às vezes não tinham acesso a elas, porque tudo vinha de sites em inglês, então uma
galera ficava por fora. Inclusive, antes de eu entrar na equipe, lá nos primórdios do Ish,
chegamos a receber ameaças de processo por estar utilizando o nome da marca.
Um fã de Harry Potter quer saber, até hoje, cada detalhe e cada curiosidade sobre tudo
relacionado à série: os livros, os filmes, o parque... E como não havia ninguém fazendo isso
sendo pago pela Warner, os fãs tiveram que ir lá fazer. Assim como tem uma galera que faz
legenda de graça pra seriado que não passa no Brasil, você doa seu tempo e alguma habilidade
que você tenha pra proporcionar pra galera aquilo que você gostaria que existisse.
Eu mesma me candidatei a uma vaga no Ish porque via que tinha notícias que eles não
colocavam e eu achava que faria a diferença ali.
PM: Você diria que essa é sua principal motivação? Essa necessidade de suprir uma lacuna
não preenchida pela empresa? Ou há outras?
LA: Sim, isso e o agradecimento de quem consome nosso conteúdo. Havia uma época em que
a gente recebia por email cada comentário das notícias postadas, então quando você postava
uma coisa bacana, podia contar que teria uma caixa de emails lotada quando chegasse em casa
e isso era muito lindo.
PM: Por que Harry Potter, então? Se sua satisfação consiste no retorno dos leitores, porque
dispor seu tempo a escrever sobre isso, e não a - por exemplo - algo mais diretamente
relacionado à sua carreira?
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LA: Naquele momento, era Harry Potter a minha paixão. Tinha acabado de passar no
vestibular, sabia menos de medicina que a minha avó, não haveria nada em que eu pudesse
contribuir nessa área. Mas depois da minha experiência no Potterish me meti a organizar
evento na faculdade, participei de uma liga acadêmica e tudo mais, e sem dúvida o que eu
aprendi no Ish foi essencial.
PM: E você considera o trabalho do Potterish - e por consequência, o seu - importante para a
divulgação da marca no Brasil?
LA: Com certeza! No momento, acho que não... Mas na época do "auge", muita gente só
ficava sabendo dos lançamentos (principalmente de coisas menores como jogos ou edição de
colecionador do livro de receitas da Julie Walters) por causa que a gente falava deles e fazia
eventos pra lançar aquilo. E nesses eventos, às vezes a gente tinha parceria com a editora, mas
muitas vezes era por nossa conta mesmo.
PM: O Potterish é um produto feito por fãs que acaba carregando uma autenticidade quase
que oficial. A que você atribui isso?
LA: O compromisso com a qualidade e o profissionalismo. Nunca postar uma notícia sem ter
certeza que a informação é correta ou pelo menos vem de uma fonte confiável (quem vai
questionar a BBC UK?). Temos credibilidade não só com os fãs, mas com a Warner, a Rocco,
a própria J.K. Rowling que nos concedeu o Fansite Award e tentamos sempre honrar esse
reconhecimento.
PM: J.K. Rowling é a figura máxima em representação do universo de Harry Potter, ao lado
do próprio Harry. O que essa condecoração dela representa pra vocês da equipe? Não digo
apenas racionalmente, como servir de prova da responsabilidade editoria de vocês, mas
emocionalmente. O que representa pra você que a própria autora da série tenha prestado
atenção no trabalho de vocês e, de certa forma, o premiado?
LA: Representa isso mesmo que você falou, que ela prestou atenção, ela sabe que a gente
existe e isso é fantástico! Eu pelo menos tenho esse pensamento pessimista de que nunca vou
poder conhecer o meu ídolo e ele vai morrer sem nem saber que eu nasci, mas sabendo que
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ela conhece o Ish é como se ela me conhecesse um pouco também. E agora você vai me fazer
chorar!
PM: Não chore! É uma boa forma de retribuição? Quero dizer, no sentido de pagamento por
serviços prestados: vocês não recebem salário pra fazer o que fazem, esse tipo de ação faz
com que vocês se sintam pagos?
LA: Isso, o reconhecimento dos leitores, e os amigos que fiz no Ish. Sim, paga cada perrengue
perdida procurando a DelArte, indo pra Barra distribuir nossa versão do Profeta Diário e tudo
que a gente passou.
PM: O Potterish é conhecido entre seus fãs por receber alguns benefícios pelo trabalho
prestado. Convites para a premiere, a chance de entrevistar alguns dos atores... Como você se
sente por ter esse tipo de regalias?
LA: No conforto da minha casa, recebendo essa notícia por email, é sensacional. Todo mundo
quer ter a chance de ver primeiro que todo mundo ou estar lá de frente pro entrevistado tendo
toda a atenção dele e podendo perguntar o que você quiser. Mas na hora lá, pra mim, é uma
sensação que não gostava muito. O olhar em volta daqueles que não iam subir junto com o
Alfie pra entrevista exclusiva, passar no meio de toda aquela gente que veio de longe pra ver
o Tom Felton na premiere, mas não tinha ingresso, agarrando o braço da gente implorando
por um convite... Sei lá, há quem sinta prazer nesse tipo de "poder", mas eu me sentia quase
que envergonhada.
PM: Você acha que as representantes da marca Harry Potter no Brasil, a Warner BR e a
Rocco se relacionam bem com o Potterish, então? Você enxerga alguma forma de melhoria na
maneira que eles se relacionam com vocês?
LA: Sim, conforme eles foram vendo nosso comprometimento, a confiança deles na gente
hoje é 100%.
PM: Entendo. Sobre essa confiança: você acredita, então, que conteúdo gerado por fãs pode
ser útil para as marcas?
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LA: Mais do que útil, acho essencial.
PM: Por que?
LA: É um fã falando pra outro, não é o cara que vai ficar rico com aquilo dizendo “venha
consumir, meu produto é legal”, é alguém que não está ganhando nada com aquilo te dizendo
que é legal. Dá uma autenticidade maior, eu acho. Tanto que a gente vê nos comerciais uma
tentativa de mostrar consumidores falando sobre como amaram tal produto e dizem "não
somos nós que estamos falando que é bom, é essa pessoa que tem uma vida e necessidades
parecidas com a sua que está dizendo". Acho que é por aí.
Hoje em dia a galera do Social Media está aprendendo a falar com o público da internet "de
igual pra igual", vide twitter do Netflix e do Ponto Frio, mas até pouquíssimo tempo, até
quando uma página oficial tentava falar com uma certa informalidade, soava falso, como um
tiozão que não sabe usar gírias e de repente resolve conversar com adolescentes.
PM: Entendo. Agora, mudando de assunto: você acha que pode ser, de alguma forma,
arriscado permitir que fãs tenham tanto poder sobre a voz de sua marca? Quero dizer,
sabemos que não será o caso do Potterish, mas com a relevância que a página de vocês tem
para o público em geral, se vocês resolverem espalhar uma notícia falsa, ou criticar a Warner
de alguma forma, por exemplo, com certeza podem gerar buzz negativo para a marca. O que
você pensa a respeito disso?
LA: Sim, sem dúvida, e geralmente é só nessas horas que a marca vai atrás de querer
desmentir, não é? E a culpa sobra toda pra gente. De fato, se a gente começar a publicar que o
Mundo Mágico em Orlando é ruim e a fazer acusações falsas, vai ser perigoso pra marca
devido à nossa credibilidade, mas aí uma vez que eles se retratem, é a nossa imagem que fica
manchada depois. Teve uma vez que demos alguma notícia, quando nos informaram que o
John Williams faria a trilha sonora dos últimos filmes, e acabou se provando falsa. Sendo que
a fonte naquele caso era oficial, então o erro não foi nosso, foi da própria Warner que deu a
notícia errado primeiro! Mas como no Brasil o primeiro a postar foi o Ish, deu bastante dor de
cabeça...
Acho que nenhuma mentira se mantém por muito tempo, então se por um lado nós temos hoje
o 'poder' de gerar algo negativo para a marca, nossa credibilidade se destrói em segundos logo
que ficar provada cada mentira, então esse nosso poder se desfaz.
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PM: Ok! Ótimo! Última pergunta, então: se a Warner ou a Rocco desapontassem os fãs de
alguma forma incisiva - por exemplo, não cumprissem algo que prometeram - você acha que
o Potterish (ou outras páginas semelhantes ao redor do mundo) teria direito de cobrar isso,
por se tratarem de fãs tão dedicados?
LA: Acho que sim, principalmente por eles saberem do peso que a gente tem com os outros
fãs. Sentiriam a necessidade de dar satisfação ou pelo menos amenizar a situação.
PM: Certo! É isso, então. Há algo que você gostaria de dizer? Qualquer input será bem vindo.
LA: Gostaria de dizer que se não tivesse trabalhado de graça por todo esse tempo, não
conheceria metade daqueles que considero hoje as pessoas mais especiais da minha vida.
Então eu só tenho a agradecer por ter tido esse privilégio de fazer parte da Família Ish e da
Armada Potterish.
PM: Muito obrigado!