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II
DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR
TERCEIROS
Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas
as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de
autor e direitos conexos.
Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo
indicada.
Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em
condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do
RepositóriUM da Universidade do Minho.
Licença concedida aos utilizadores deste trabalho
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações CC BY-NC-ND
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/
III
Agradecimentos
A todos os participantes do estudo, não só pela colaboração, mas, sobretudo, por
aquilo que me demonstraram ao longo do percurso - por me ensinarem a não desistir, por
me terem feito crescer, profissional e pessoalmente, pelos valores que me transmitiram,
pelos sorrisos que me proporcionaram, pelo afeto que recebi, pelas partilhas de histórias
e de vidas, por me encherem o coração de amor e, sobretudo, por me deixarem entrar nas
vossas vidas. Tenho um orgulho enorme em todos vocês e levarei, para sempre, um
bocadinho de vocês em mim. Obrigada.
Às orientadoras Doutora Susana Caires, pela oportunidade, por me indicar sempre
o caminho certo e o percorrer comigo, e Doutora Goreti Marques.
À Associação Acreditar, por me terem entregue esta missão.
Ao IPO e ao São João, por me abrirem as portas e confiarem em mim. Um
agradecimento especial à Enfermeira Odete, que sempre me recebeu com um sorriso, pelo
empenho e dedicação em todo o processo. Foi incansável.
Aos meus pais, por me apoiarem incondicionalmente, não por me darem asas para
voar, mas por as construírem comigo. À minha irmã, por presenciar os meus momentos
de angústia, por me fazer rir e sorrir tantas vezes, por me acalmar nas situações de stress
e por ter sempre algo a dizer, ou então, um abraço para dar.
Aos meus primos, os meus melhores amigos, por todos os ouvidos abertos, por
toda a atenção, força e coragem. Caminhamos lado a lado, sempre.
Ao João, pela revisão do meu texto, por me levar ao colo vezes sem fim, pelo
carinho, pelo aconchego, pela garra, pela motivação, pela calma, pela segurança, pelo amor
e, sobretudo, por ter aparecido no momento certo, sem nunca me deixar desistir. Obrigada
por tudo.
Às minhas amigas, sobretudo à Joana, que partilhou a sala de aula, as angústias, o
stress e o medo comigo. Estamos juntas, “Parça”.
Por fim, a todas as crianças e adolescentes envolvidos, que são um exemplo de
determinação, força e, sobretudo, força de vontade. Cresci muito com vocês, aprendi
muito com vocês e levo comigo uma bagagem cheia de sorrisos, amor e agradecimentos.
Porque se há coisa que me ensinaram, de verdade, foi a agradecer. Foi um orgulho ter-me
cruzado com vocês.
Obrigada.
IV
DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE
Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e
confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida
ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua
elaboração.
Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do
Minho.
Universidade do Minho, ___/___/_____
Assinatura: __________________________________________________________________
V
Vivências dos pais no curso da doença oncológica de um filho
Resumo
Partindo da necessidade de conhecer uma realidade muitas vezes desconhecida,
este estudo surge com o objetivo de perceber quais são as principais vivências dos pais e
cuidadores de crianças e adolescentes com doença oncológica.
O aumento da taxa de sobrevida, associado aos avanços tecnológicos e à
investigação na área, têm permitido descobrir que a doença não afeta só a
criança/adolescente doente. A complexidade da doença acaba por afetar a vida de toda a
família, exigindo a ativação de recursos e estratégias para fazer face as necessidades
sentidas, de forma a manter o equilíbrio.
Em pareceria com a Acreditar, (a Associação de apoio a famílias com
crianças/adolescentes com cancro), inserido no projeto “Dreaming with survivors” este
trabalho teve como foco compreender quais são as principais alterações ao nível pessoal,
familiar e social e quais os recursos utilizados para fazer face a estas alterações. Para isso
foi utilizado um questionário que mede o impacto da doença na família, em dois
momentos diferentes: 152 pessoas responderam ao questionário de forma online,
enquanto as restantes 55 preencheram em contexto hospitalar (Hospital São João do
Porto e Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto), dando um total de 207
participantes.
Os resultados, divididos em quatro categorias, revelaram que as principais
necessidades por categoria são a falta de tempo para cuidar de si, o desgaste físico e
cansaço, a falta de tempo para a vida social, a necessidade de redistribuição dos papéis
entre o casal e a pouca atenção dada aos restantes filhos, quando existem.
Tendo em conta os resultados obtidos, são propostas algumas intervenções, com o
objetivo de minimizar o impacto psicossocial da doença na família, garantido o equilíbrio
necessário para que exista harmonia e bem-estar.
Palavras chave: Crianças/Adolescentes, pais e cuidadores; Pediatria; Oncologia;
Vivências.
VI
Parents' experiences in the course of a child's cancer disease
Abstract
Starting by the necessity of knowing one unknown reality, this study became with
the goal of understanding wich are the main things in life by the caregivers parents,
children and teenagers with oncolgic deseases.
The increase of the survival rate, associated to the technological upgrades and to
the investigation area, let us find out that the disease does not affect only the child/teen
that is sick. The complexity of the disease turns to affect all family life, demanding the
activation of some ressources and strategies to the necessities that are felt, in order to
maintain balance.
In partnership with "Acreditar", (the association of family support with
child/teens with cancer), inserted in the project "Dreaming with survivors", this work was
focused by understanding wich were the main personal changes, familiar and socialy and
wich were the used ressources to face up to those changes. In that case, it was used a quiz
which measures the impact of the desease on family, on two diferent moments: 152
people answered to the quiz online, while the other 55 answered in hospital context
(Hospital São João do Porto and Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto),
ending with a total of 207 Participants.
The results, divided on four categories, revealed that the main necessities by
categories are the lack of time to take care of themselves, the phisycal wear and tiredness,
the lack of time for social life, the necessity of defining the roles between the couple and
the lack of atention given to the other childs, when they exist.
Bearing in mind the obtained results, there are purposed some interventions, with
the goal of minimize the psychosocial impact of the desease in family, assuring the
necessary balance so there can be harmony and well-being.
Keywords: Children/teenagers, parents and caregivers; Experiences; Pediatrics;
Oncology.
VII
Índice
Agradecimentos ............................................................................................................................................. III
Resumo ................................................................................................................................................................ V
Abstract ............................................................................................................................................................. VI
Índice de tabelas ............................................................................................................................................ IX
Introdução .......................................................................................................................................................... 1
I. Enquadramento teórico-conceptual ............................................................................................... 4
1. O cancro pediátrico ................................................................................................................................ 4
1.1. A realidade específica da oncologia pediátrica ....................................................................... 6
1.1.1. Estatísticas do cancro pediátrico ............................................................................................. 6
1.1.2. Neoplasias pediátricas mais comuns ........................................................................................... 7
1.2. Dados epidemiológicos do cancro pediátrico em Portugal ................................................ 9
1.3. Tratamento oncológico ................................................................................................................. 10
2. Vivência da doença .............................................................................................................................. 13
2.1. Família e mudança .......................................................................................................................... 14
2.1.1. Impacto psicossocial da doença oncológica pediátrica no sistema familiar ........ 15
2.1.2. O impacto psicossocial da doença oncológica na criança e no adolescente ......... 18
2.1.3. O impacto psicossocial da doença oncológica nos pais ................................................ 19
2.1.4. O impacto psicossocial da doença oncológica nos irmãos .......................................... 26
2.2. Suporte social e familiar ............................................................................................................... 28
lll. Estudo empírico ...................................................................................................................................... 31
1. Metodologia ............................................................................................................................................... 32
1.1. Instrumentos ..................................................................................................................................... 32
1.2. Participantes ..................................................................................................................................... 34
1.3. Procedimentos de recolha de dados ........................................................................................ 34
1.4. Análise dos dados ............................................................................................................................ 35
III. Resultados .......................................................................................................................................... 36
1. Caracterização ....................................................................................................................................... 36
1.1. Perfil sóciodemográfico das famílias ....................................................................................... 36
1.2. Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro ...................... 38
2. Vivência e perceções dos pais em torno da doença do filho ............................................... 40
2.1. Vivência da doença pelos pais .................................................................................................... 40
VIII
3. Suporte familiar e social .................................................................................................................... 45
4. Relação conjugal ................................................................................................................................... 46
5. Impacto da doença nos irmãos ....................................................................................................... 47
6. Atividades e recursos para o bem-estar da família ................................................................ 49
IV. Discussão dos resultados ............................................................................................................. 53
V. Considerações finais ........................................................................................................................... 58
Referências ...................................................................................................................................................... 61
Anexos ............................................................................................................................................................... 73
IX
Índice de tabelas
Tabela 1. Perfil sociodemográfico das famílias ……………………………………………….……..……36
Tabela 2. Perfil sociodemográfico e clínico das crianças/adolescentes com cancro ….……37
Tabela 3. Dimensões exploradas e questões de investigação ………………………….……………40
Tabela 4. Enfrentamento da doença e resposta às necessidades do filho ………..……………..41
Tabela 5. Impacto físico e reação emocional à doença do filho………………………………..……43
Tabela 6. Relação e comunicação com a equipa de cuidados…………………………..……………44
Tabela 7. Suporte social e familiar ……………………………………………………………….……………45
Tabela 8. Relação conjugal…………………………………………………………………………….…………..46
Tabela 9. Impacto da doença nos irmãos…………………………………………………………...….…….48
Tabela 10. Atividades e recursos …………………………………………………………………...…………49
1
Introdução
Nunca se aceita a ideia de alguém próximo ter cancro, muito menos quando se trata
de um filho. Na fase inicial do diagnóstico, vivem-se momentos de extrema angústia, medo
e incerteza, que abalam, direta ou indiretamente, todo o sistema familiar. Para os pais, que
por norma são quem recebe o diagnóstico em primeira mão, o confronto com a notícia é
sinónimo de uma “sentença de morte”, devido ao peso que a doença acarreta - pois
continua a ser a principal causa de morte não-acidental em crianças e adolescentes. Tal
como descreve Melo (2017, p. 31): “Quando uma criança/adolescente é diagnosticada
com cancro, toda a família é “diagnosticada” e catapultada para uma nova realidade”,
passando a confrontar-se com grande sofrimento, inúmeras incertezas e alterações
significativas nas suas rotinas, dinâmicas e interações. Tem, pois, início um período difícil,
que exige uma significativa reorganização familiar, e que traz responsabilidades e
exigências que não existiam até à data. Neste, toda a família passa a girar em torno da
satisfação das necessidades básicas e sobrevivência do membro doente, afetando
significativamente o seu equilíbrio emocional, relacional, financeiro e social (Jones, 2012;
Machado, 2014; Marques, 2017; Melo, 2017; Webster & Skeen, 2012; Woodgate & Degner,
2003).
Entre as crianças/adolescentes doentes, a intensidade e duração de todo este
processo – pontuado por “…hospitalizações frequentes, separação da família,
perturbações das experiências de socialização, bem como realização de procedimentos
médicos geradores de stress e dor” (Gomes, Pires, Moura, Silva, Silva & Gonçalves, 2004,
p. 519) - ampliam a sua vulnerabilidade física e psicossocial e poderão ter um expressivo
impacto no seu bem estar, qualidade de vida e desenvolvimento a curto, médio e longo
prazo (Araújo, 2011; Gomes et al., 2004; Machado, 2014; Oliveira, 2017; Parcianello &
Felin, 2008).
No caso dos pais, tal como descreve Monteiro (2018, p.1), quando confrontados
com a notícia de que o seu filho tem cancro “…são “assaltados” por um conjunto de
intensas emoções que oscilam entre choque, a incredibilidade, a ansiedade, a culpa, a
revolta, a rejeição, os sentimentos de injustiça…”. Inicia-se um longo e penoso percurso
pontuado por uma vasta e intensa panóplia de emoções, algumas delas, inclusive,
aparentemente contraditórias (e.g., medo, descrença, esperança, raiva, ansiedade, alívio,
confusão, desânimo, preocupação, incerteza). A estas emoções associam-se expressivas
2
sequelas psicossociais decorrentes, por um lado, dos elevados níveis de distresse e
ansiedade presentes nas várias etapas do processo, e do seu caráter prolongado (Castro,
2009; Houtzager, Grootenhuis, Caron, & Last, 2004; Jones, 2012; Melo, 2017; Vrijmoet-
Wiersma, van Klink, Kolk, Koopman, Ball & Egeler, 2008), e, por outro, da elevada
sobrecarga inerente ao acompanhamento do filho doente, à adaptação a uma nova
condição de vida e às mudanças ocorridas nas rotinas e dinâmica familiar (Beck & Lopes,
2007; Björk, Wiebe, & Hallström, 2005; Castro, 2009; Eiser & Eiser, 2007; Machado, 2014;
Marques, 2017; Melo, 2017).
Para compreender melhor este processo, o estudo empírico desenvolvido no
âmbito da presente dissertação teve como principal objetivo auscultar as vivências dos
pais e/ou conviventes significativos das crianças e adolescentes com cancro, ao longo do
curso da doença, bem como, qual o tipo intervenção psicossocial mais ajustada às
necessidades emergidas durante este processo. Designado por “Cuidar dos cuidadores”, o
presente estudo integra-se no projeto de investigação-ação “Dreaming with survivors”,
iniciado pela Acreditar (Associação de pais e amigos de crianças com cancro), e dá
continuidade ao investimento iniciado por esta associação, em 2017, numa tentativa de
mapear os aspetos mais significativos do impacto da doença oncológica junto das famílias
que apoia, e de desenhar respostas em conformidade. Em face do limitado tamanho da
amostra e da sua baixa representatividade em termos do universo que pretendia avaliar,
a componente empírica da presente dissertação propôs-se prosseguir com a recolha de
dados, complementando-os à amostra inicial e encetando a sua análise mais aprofundada.
Para fazer face aos objetivos traçados, foi utilizada uma adaptação do
“Questionário do Impacto da Doença Oncológica da Criança na Família” (QAIDOF), da
autoria de Goreti Marques (2017), aplicada em duas fases diferentes. A primeira fase, com
152 participantes, realizou-se eletronicamente, via online. A segunda foi realizada em
contexto hospitalar, no Hospital São João do Porto e no Instituto Português de Oncologia
Francisco Gentil, onde participaram 55 pais e conviventes significativos, dando um total
de207 participantes no estudo.
Relativamente à estrutura da presente dissertação, esta está organizada em 5
capítulos: Enquadramento teórico; Estudo empírico; Resultados; Discussão dos
resultados; e Considerações finais. O primeiro capítulo versa aspetos clínicos
fundamentais da doença oncológica pediátrica que ajudam a enquadrar a problemática
em estudo. Destes são exemplo a definição e a etiologia da doença, as diferentes tipologias
3
de cancro, seu diagnóstico e evolução, bem como formas mais comuns de tratamento.
Num segundo capítulo aborda-se o conceito de família, segundo olhar de vários autores,
de diferentes quadrantes teóricos, e sistematizam-se alguns dos principais contributos da
literatura na área sobre o impacto psicossocial da doença entre as crianças e adolescentes
com cancro bem como junto dos diferentes membros e subsistemas da família,
designadamente os pais e irmãos ou a família mais alargada, em domínios como a esfera
emocional, social, financeira e conjugal. Seguidamente, no terceiro capítulo, é descrita a
metodologia de investigação utilizada na componente empírica do trabalho, abarcando
aspetos como o instrumento utilizado, os participantes, os procedimentos de recolha de
dados e as questões éticas consideradas no estudo. Num quarto capítulo dá-se lugar à
apresentação dos resultados, culminando, no quinto capítulo, com a discussão dos
mesmos à luz da literatura na área. Segue-se, por fim, uma reflexão crítica sobre os
processos e os resultados deste trabalho, suas fragilidades e potencialidades, bem como
algumas das implicações práticas da presente dissertação em torno da investigação e
intervenção psicossocial a desenvolver por instituições como a Acreditar junto de
crianças, adolescentes e famílias que protagonizam uma doença oncológica entre um dos
seus membros em idade pediátrica.
4
I. Enquadramento teórico-conceptual
1. O cancro pediátrico
“O cancro pediátrico é a primeira causa de morte por doença na criança
após o primeiro ano de vida. A cada três minutos que passam, uma criança
ou adolescente morrerá no mundo vítima da doença. Neste ano que
começou há pouco, 300.000 crianças e adolescentes até aos 20 anos serão
diagnosticados com cancro. Se as primeiras linhas deste parágrafo nos
prendem pelo horror, as seguintes devem prender-nos pela esperança: com
acesso a cuidados de saúde de qualidade, a taxa de sobrevivência destas
crianças e adolescentes é superior a 80%”. João de Bragança, Presidente da
Acreditar (2017, disponível em https://observador.pt/opiniao/criancas-com-
cancro-ter-esperanca-mesmo-na-hora-da-aflicao/).
Introdução
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2018), o cancro é o nome que
se dá a “um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento
desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos.” Gerado por vários fatores - entre
eles as mutações genéticas -, o cancro (também comummente designado por “tumor” ou
“neoplasia”) decorre de alterações nas células normais, que se vão reproduzindo
rapidamente e de forma desorganizada e incontrolável. Numa fase mais avançada da
doença, estas células neoplásicas podem não ficar circunscritas ao órgão onde tiveram
origem e, à medida que vão evoluindo, podem propagar-se pelo organismo, por meio de
infiltração em órgãos/tecidos próximos do tumor ou dando origem a metástases (Odgen,
1999; INCA, 2018; Portal de Informação Português de Oncologia Pediátrica, 2018).
Odgen (1999) esclarece que o termo “cancro” é utilizado apenas para designar um
tumor maligno, distinguindo-se dos de caráter benigno pelo facto de envolver células
anormais que crescem rapidamente e invadem tecidos adjacentes ao tumor, podendo
colocar a vida do doente em risco, uma vez que são mais agressivos e, por vezes, difíceis
de eliminar. Alguns, mesmo que removidos cirurgicamente ou eliminados por meio da
quimio ou radioterapia, podem voltar a crescer e a metastizar-se, formando tumores
noutros órgãos (Holland, 1998).
5
Quanto à sua etiologia, são vários os fatores que poderão concorrer para o
aparecimento de um cancro. Uma das classificações comummente utilizadas diferencia-
os em termos de fatores internos (e.g. hereditariedade, mutações genéticas, alterações
imunológicas, metabólicas e hormonais) e externos (e.g. exposição a produtos químicos,
radiação, organismos patogénicos, e/ou hábitos de vida pouco saudáveis), existindo ainda
a possibilidade de haver correlação entre ambos (American Cancer Society, 2014; Melo,
Barros, Campello, Rocha & Santos, 2012; Moreira & Angelo, 2008).
Em termos de prevalência, grupos etários mais afetados e evolução ao longo dos
tempos, o cancro afeta atualmente milhões de pessoas em todo o mundo, é passível de
aparecer em qualquer idade, e a sua incidência tem vindo a aumentar em cerca 3% a 4%
ao ano (Observador, 2018).
No caso português, os tumores malignos são a segunda causa de morte não
acidental em crianças (Instituto Nacional de Estatística - INE, 2014), sendo uma doença
com um grande impacto psicossocial, não só pela mortalidade que lhe está associada,
como pelos recursos que envolve na sua prevenção, tratamento e reabilitação.
Representam cerca de 2% das neoplasias malignas, sendo mais incidentes nas crianças
até aos três primeiros anos de vida. O segundo “pico” acontece na adolescência, onde a
incidência volta a aumentar (Davidoff, 2010; Dobanovački, Jokić, Vujošević & Slavković,
2010).
Apesar de se tratar de uma doença ainda bastante temida, e à qual surge associado
um grande estigma e acentuada carga emocional, as taxas de sucesso em termos de
sobrevivência aumentaram significativamente nos últimos anos, em particular na área
pediátrica. Nesta última, os índices de sobrevivência aproximam-se, nalguns casos, dos
80% (Gomes et. al., 2004; Mano, 2017; Nóia, Sant'Ana, Santos, Oliveira, Vera, & Lopes-
Júnior, 2015; Pinto, 2016). Além disso, a qualidade de vida dos doentes também tem vindo
a melhorar, em resultado do seu diagnóstico precoce, terapêuticas médicas, bem como
dos meios de reabilitação, física, social e psicológica que têm vindo a ser assegurados nos
últimos anos. Contudo, apesar deste cenário mais otimista, o cancro continua a ser aquilo
que Pereira e Lopes (2002) assumem como, presumivelmente, a doença mais assustadora
do Mundo Moderno, não apenas por se associar à ideia de morte, mas porque invade a
vida do paciente e de todo o núcleo familiar, impactando vários domínios, para além do
físico e emocional, designadamente o financeiro, social, escolar e profissional dos seus
diferentes membros (Machado, 2014; Marques, 2017; Nóia et al., 2015; Oliveira, 2017).
6
1.1. A realidade específica da oncologia pediátrica
Embora com alguma frequência, ao nível do senso comum, a abordagem ao tema
do cancro seja feita sem ter em consideração as diferentes faixas etárias, a verdade é que
a localização, etiologia, tipo histológico ou comportamento clínico do cancro varia em
função da idade pediátrica, sendo por norma, muito distintos do cancro entre adultos
(Little, 1999; Nóia et. al, 2015). Assim, por exemplo, em termos de etiologia, - ao contrário
daquilo que acontece com os adultos, em que fatores exógenos e endógenos colocam a
pessoa em situação de maior vulnerabilidade à doença (Brown, 2006; Gurney, Smith &
Bunin, 1999)- entre as crianças e adolescentes, a maior parte dos tumores deve-se a
causas desconhecidas, e os fatores ambientais pouca influência exercem (Malogolowkin,
2006). Segundo Izraeli e Rechavi (2012), a maior parte dos cancros em idade pediátrica
estão relacionados com “acidentes” que podem desenvolver-se na vida intrauterina,
surgindo em órgãos e tecidos que se vão desenvolvendo na embriogénese e período pós-
natal.
O que se sabe, também, é que os tumores pediátricos - que são mais agressivos, que
crescem de forma rápida - acabam por se disseminar de forma mais fácil (Izraeli &
Rechavi, 2012), pois respondem melhor aos tratamentos (Costa & Lima, 2002; Gurney et
al., 1999; Helman & Malkin, 2001).
1.1.1. Estatísticas do cancro pediátrico
Nas duas últimas décadas, a taxa de incidência tem variado entre 100 a 180 novos
casos por milhão de crianças, e 210,42 por milhão de adolescentes, entre os 15 e os 19
anos (Davidoff, 2010; Li, Thompson, Miller, Polllack, & Stewart, 2008; Michaud, Suris, &
Viner, 2007; Steliarova-Foucher, Stiller, Lacour & Kaatsch, 2005). Apesar de se tratar de
uma doença rara, esta representa, atualmente, um dos mais importantes problemas de
saúde pública a nível mundial e, desde meados do século XX, tem vindo a sofrer um
acréscimo de ano para ano.
A probabilidade de sobreviver a uma doença oncológica sofreu alterações
profundas nas últimas décadas, passando de menos de 20% - antes de 1975 - para mais
de 70% nos últimos anos. As mudanças ocorridas e o cenário bem mais otimista que se
vive hoje em matéria de sobrevivência ao cancro pediátrico devem-se à significativa
7
evolução médica, científica e tecnológica, que, a par de tratamentos mais eficazes, tem
contribuído para o seu diagnóstico mais precoce (OMS, 2007).
Refira-se, no entanto, que pesar das notáveis taxas de cura, o cancro ainda é a
principal causa de morte não-acidental entre o período neonatal e os 15 anos de idade
(Izraeli & Rechavi, 2012; Little, 1999; Siegel, King, Tai, Buchanan, Ajani & Li, 2014; Siegel,
Naishadham & Jemal, 2013).
1.1.2. Neoplasias pediátricas mais comuns
O cancro poder surgir em qualquer parte do corpo. Os tipos de cancro mais comuns
em pediatria são a Leucemia, tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), Neuroblastomas
e Linfomas. Também são comuns, em idade pediátrica, o Tumor de Wilms,
Retinoblastoma, Osteossarcoma, tumores hepáticos e Sarcomas (Diniz, Regis, Brito,
Conceição & Moreira, 2005).
a) Leucemia
A Leucemia consiste na reprodução anormal de glóbulos brancos na medula óssea
(onde se produzem as células do sangue), impedindo a produção de células normais,
devido às células leucémicas (Elman & Silva, 2007).
De acordo com Brito (2017), a Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) representa a
neoplasia mais comum na infância, tendo um índice de cerca de 75% das leucemias
pediátricas, seguida pela Leucemia Mieloblástica Aguda (LMA), com uma incidência
menor, de 15% a 20% dos casos (Bortolheiro & Chiattone, 2008; Brito, 2017; Brown,
2006; Marques, 2017).
Segundo Brown (2006) e D’Angio e Vietti (2001), a LLA tem um pico de incidência
entre os 2 e os 6 anos de idade, sendo mais provável no sexo masculino. Já a LMA tem uma
incidência maior durante a adolescência. No que se refere a sintomatologia mais comuns,
podem surgir sinais como a anorexia, irritabilidade, letargia, febre, palidez, equimoses,
dor óssea, anemia, entre outros (Robertson & Shilkofski, 2006, cit. por Eufrásio, 2016).
b) Tumores do Sistema Nervoso Central (SNC)
Este representa o tumor sólido mais recorrente em idade pediátrica, e a principal
causa de morte não acidental em crianças (Gurney, Smith & Bunon, 1999; National Cancer
Institute, 2015). Por norma, estes tumores são categorizados através da sua morfologia e
8
grau de malignidade. O prognóstico depende muito do local do tumor, quantidade
infiltrada no SNC e subtópico histológico (Brown, 2006).
Os tumores do SNC têm um maior grau de incidência em crianças entre os 3 e os 9
anos (Brown, 2006), embora possam aparecer em qualquer idade. Apesar de pouco
frequentes, podem também surgir em estruturas que envolvem o cérebro, como é o caso
das meninges cranianas, espinal medula e meninges espinais ou nervos periféricos
(Baldwin & Preston-Martin, 2004; Preston-Martin, Munir & Chakrabarti, 1996). Em
pediatria, os tumores do SNC mais comuns são os que ocorrem nas células gliais (células
auxiliares que suportam o funcionamento do SNC) classificando-se como “gliomas”, e têm
um crescimento extremamente rápido (Baldwin & Preston-Martin, 2004; Preston-Martin,
Mmunir & Chakrabarti, 1996).
Quando afetado por um tumor, podem existir diversos sintomas, designadamente
cefaleias, irritabilidade, convulsões, paralisia de alguns nervos cranianos ou alterações
visuais. Tais manifestações dependem do tipo de cancro, tempo de evolução e estádio de
desenvolvimento em que se encontram (American Cancer Society, 2014).
c) Linfomas
Este tipo de cancro afeta o sistema linfático. Corresponde a um grupo de tumores
de células sanguíneas que se desenvolvem a partir das células linfáticas (os linfócitos),
provocando a sua rápida metastização (Brown, 2006).
Caracteriza-se por um aumento ganglionar, designado de “adenomegalia” nas
células e tecidos do sistema linfático, no entanto, pode desenvolver-se noutros órgãos
como no estômago, intestinos e pele (Brown, 2006). Podem também atingir a medula
óssea e o sangue.
Quanto à sua prevalência, os linfomas são o terceiro tipo de cancro mais comum
até aos 15 anos. A sua incidência corresponde a 20% das neoplasias pediátricas (Bradley
& Cairo, 2008).
Tratando-se de um grupo de neoplasias com um leque heterogéneo e vasto de
doenças que afetam a produção de glóbulos brancos (Brown, 2006; Greaves & Alexander,
1993), os linfomas podem classificar-se em linfoides (quando o cancro se encontra na
medula óssea ou nas células brancas do sangue) ou mieloides (quando o cancro está
presente nos tecidos sanguíneos, não incluindo os linfoblastos) (Brown, 2006;
9
Granowetter, 1994). Pode também caracterizar-se pelo seu caráter agudo ou crónico
(Araújo, 2011).
Existem dezenas de subtipos de linfomas, no entanto, as duas principais categorias
na idade pediátrica, englobam o Linfoma de Hodgkin (LH) e o Linfoma Não-Hodgkin (LNH).
O LH representa cerca de 12% dos linfomas malignos e manifesta-se pelo aumento do
volume dos gânglios linfáticos do pescoço, axilas e virilhas. É mais comum em rapazes e
raramente surge em crianças com menos de 5 anos, sendo o maior grau de incidência
entre os 15 e os 30 anos (American Cancer Society, 2014). Já o LNH (correspondente a
vários tipos histológicos, como o Linfoma de Burkitt) apenas representa 7% dos linfomas
malignos e está associado a tecidos linfoides e ao baço, podendo alastrar-se pelo
organismo atingindo a medula óssea (American Cancer Society, 2014). As taxas de cura
são superiores no LH (Brown, 2006).
Relativamente aos sintomas, estes podem-se caraterizar por: febre, suores
noturnos, prurido, dificuldade respiratória, lombalgias, perda de peso não intencional,
aumento do perímetro abdominal, entre outros (American Cancer Society, 2014).
Tanto os linfomas como as leucemias fazem parte de um grupo alargado de
doenças, normalmente denominado por tumores dos tecidos hematopoético e linfoide.
1.2. Dados epidemiológicos do cancro pediátrico em Portugal
Em Portugal não existem números oficiais atualizados quanto à realidade
pediátrica. A sua última publicação– da responsabilidade do Registo Oncológico Nacional
(RON) - data de 2014 e abarca simultaneamente os casos da pediatria e da idade adulta.
Além do mais, como afirma Caldas (2014), estes registos são muito pouco informativos
dado que - tratando-se os tumores pediátricos de quadros clínicos muito particulares e
diferentes dos adultos- estes registos não se encontram adaptados às faixas etárias
pediátricas. Procurando contrariar este cenário, criou-se, em novembro de 2011, o
Registo Oncológico Pediátrico Português (ROPP), cujo objetivo seria a construção de uma
base de dados nacional ajustada à realidade pediátrica (0-18 anos). Apesar dos avanços
ocorridos neste novo projeto, a verdade é que não existem ainda elementos conclusivos
(e são poucos os divulgados) sobre o cancro pediátrico em Portugal. Sabe-se que, as
leucemias, os tumores no SNC e os linfomas são, até aos 14 anos, os principais cancros nas
crianças.
10
Tomando os registos reportados à realidade adulta e pediátrica – os do RON (2014)
- os números oficiais mais recentes apontavam, à data, para o diagnóstico de 359 novos
casos por ano, afetando ambos os sexos, e com uma maior incidência entre os 15 e os 19
anos (RON, 2014). Tomando números não oficiais, mas mais atualizados, sabe-se que a
incidência de novos casos de cancro pediátrico em território nacional aproxima-se dos
450/ano (Pinto, 2016).
Quanto às taxas de mortalidade, em 2010, o número de óbitos por doença
oncológica pediátrica situou-se em 16,9%, dos casos diagnosticados, tendo os restantes
83,1% sobrevivido à doença (RON, 2016).
1.3. Tratamento oncológico
O tratamento dos diversos tipos de cancro difere consoante variados fatores, como
o tipo e localização do tumor, o seu tamanho, a idade do paciente e seu estado de saúde e,
entre outros, a possibilidade de se expandir para outras partes do corpo. A duração dos
tratamentos é também variável, em função do tipo de doença e dos seus efeitos no
paciente, podendo estender-se entre meses a anos (American Cancer Society, 2012;
Johnston, Lightfoot, Simpson & Roman, 2010; Marques, 2017).
As principais formas de tratamento são: a quimioterapia, a radioterapia, a cirurgia
e a imunoterapia. Estes tratamentos são sempre adaptados ao caso clínico específico
(Diniz, Regis, Brito, Conceição & Moreira, 2005). Em alguns casos, procede-se a
transplantes, como é o caso da medula óssea.
Sem qualquer tratamento associado, a cirurgia, extensão da resseção e o trauma
associados têm um impacto cognitivo (Butler & Haser, 2006). Quanto aos diferentes tipos
de tratamento, embora a radioterapia seja o mais eficaz para tumores cerebrais na
infância, por exemplo, é também aquele que mais danos provoca (morte de células
neuronais, degeneração da mielina, esterilidade, défices cognitivos, atrasos no
crescimento, défices físicos, entre outros) sendo que o impacto (negativo) acaba por ser
mais significativo depois do término do tratamento (Ris, Packer, Goldwein, Jones-Wallace
& Bovett, 2001). Cada vez mais se tem estudado a hipótese de usar, de forma alternativa,
doses mais reduzidas de radioterapia combinadas com quimioterapia, de forma a reduzir
danos significativos no sistema cognitivo, ainda que, mesmo assim, existam sempre
sequelas.
11
No cancro pediátrico, o principal tratamento utilizado é a quimioterapia, associado
(ou não) a outros tratamentos e intervenções clínicas (Bonassa & Santana, 2005; Cicogna,
Nascimento & Lima, 2010; Izraeli & Rechavi, 2012; National Cancer Institute, 2015;
Rodgers, Norville, Taylor, Poon, Hesselgrave, Gregurich, & Hockenberry, 2012). Sendo um
dos tratamentos mais promissores, a quimioterapia, esta pode provocar uma redução das
hemácias dos leucócitos e das plaquetas, ou seja, no tecido hematopoiético (tecido
responsável pela produção de células sanguíneas e linfa) podem provocar pancitopenia
(uma diminuição dos elementos celulares do sangue) (Gelesson, Hiraishi, Ribeiro, Pereira,
Gutiérrez & Domencico, 2009; Marques, 2017). Assim, a criança fica mais vulnerável o
que, em algumas vezes, obriga a uma situação de isolamento para que os riscos de
complicações sejam minimizados. Com isto, são necessários cuidados extra no que diz
respeito à higiene da criança, ambiente e confeção dos alimentos (Gelesson, et al, 2009;
Marques, 2017).
Devido à tenra idade dos pacientes, estes são particularmente vulneráveis aos
efeitos a curto, médio e longo prazo dos tratamentos. Entre eles destacam-se os
problemas cardíacos, de crescimento, défices físicos e cognitivos ou infertilidade
(Marques, 2017;).
Os efeitos mais comuns na quimioterapia são a imunodepressão, a neutropenia-
(diminuição das células brancas do sangue, - responsável pelo aumento dos riscos de
morbilidade e mortalidade por infeções, e a principal causa de morte nas crianças que não
falecem da doença oncológica em si) (Bonassa & Santana, 2005; Hallahan, Shaw, Rowell,
O’Connell, Schell & Gillis, 2000) - ,febre, alopecia (queda do cabelo), náuseas e vómitos,
dores, fadiga, insónias, perda de apetite, obstipação e mucosite (inflamação da parte
interna da boca e garganta), alterações de humor, ansiedade e agressividade, entre outras
(Brown, 2006; Bryant, 2003; Caponero, 2011; Costa & Lima, 2002; Dobanovački, Jokić,
Vujošević, & Slavković, 2010; Melo, 2017). Todas estas reações - do foro físico e
psicossocial - são proporcionais ao tipo de tratamento, seu nível de toxicidade e duração,
ao metabolismo e estado geral do paciente (Maia, 2010; Sapolnik, 2003; Melo, 2017).
Muitos destes efeitos são controlados com fármacos, pois, por norma, são efeitos de curta
duração (Brown, 2006). Além destes, surgem também efeitos ao nível psicológico (como
a depressão, o medo, a ansiedade) e sociais (a dependência, isolamento e dificuldades ao
nível das relações interpessoais) (Melo, 2017).
12
Quando o tratamento passa por cirurgias, por vezes ocorrem amputações, o que
pode ter consequências um pouco mais severas em termos dos efeitos psicossociais
(como a não aceitação da perda de um membro, por exemplo).
Refira-se, no entanto, que apesar dos pacientes em idade pediátrica serem mais
tolerantes do que os adultos à toxicidade dos tratamentos, a verdade é que podem surgir
efeitos tardios. No que se refere às sequelas do tratamento a médio e longo prazo, estas
podem ter implicações sobre o crescimento, sistema endócrino, fertilidade, miocárdio,
função neurocognitiva e ocorrência de tumores secundários (Bonassa & Santana, 2005;
Butler & Haser, 2006; Butler & Mulhern, 2005; Melo, 2017).
Vários são os avanços clínicos e tecnológicos conseguidos até à data relativamente
ao diagnóstico e tratamentos oncológicos, e à medida que a ciência evolui, começam a
surgir outras preocupações relativamente à qualidade de vida dos doentes e suas famílias.
Entre estas, os aspetos psicossociais da doença oncológica pediátrica têm vindo a ganhar
espaço, surgindo em resposta à necessidade de se atender a outras dimensões da doença
(e da saúde) e de se desenharem e implementarem intervenções – nos diferentes
quadrantes da sociedade - ajustadas às necessidades e dificuldades emergidas no seio
destas famílias durante e após o processo oncológico (Castro & Piccinini, 2002; Kohlsdorf,
2010). No capítulo seguinte, a dimensão psicossocial da doença oncológica pediátrica é
olhada a partir da literatura na área, e sintetizam-se algumas das respostas que se julgam
mais ajustadas às necessidade e dificuldades emergidas no seio de cada sistema familiar,
como um todo, e em cada um dos seus elementos e subsistemas em particular.
Tal como refere João de Bragança (2017), Presidente da Acreditar:
“Podemos olhar para o cancro pediátrico como um processo que retalha a
manta que é a vida das pessoas afectadas. Mas podemos olhar para o cancro
pediátrico como uma tapeçaria que se vai construindo todos os dias com os
fios que são as certezas: os tratamentos, as consultas, os medicamentos, os
efeitos colaterais, as estatísticas, as informações garantidas. Entre estes fios,
porém, existe uma enorme imprevisibilidade feita de perguntas por
responder (…)”. (Disponível em https://observador.pt/opiniao/criancas-com-
cancro-ter-esperanca-mesmo-na-hora-da-aflicao/).
No capítulo que se segue, procurar-se-á mapear os fios que integram esta
tapeçaria, designadamente em termos daqueles que são os desafios que mais
13
comummente se colocam entre as famílias que protagonizam uma estória de cancro entre
um dos seus membros mais jovens.
2. Vivência da doença
Introdução
Definida como um sistema complexo, dinâmico e aberto – cujos membros estão
unidos por um conjunto de relações, participando e interagindo continuadamente entre
si e com outros sistemas mais amplos e complexos (Alarcão, 2002; Jorge, 2004; Relvas,
2000; Sampaio, 2009) –, a família é um conceito que, pelos múltiplos formatos que
assume, não tem um conceito único. Segundo a Organização Mundial de Saúde (1994) este
organismo “não pode ser limitado a laços de sangue, casamento, parceria sexual ou
adoção” devendo abarcar “qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na confiança,
suporte mútuo e um destino comum”. Na senda destas ideias - onde as relações e os afetos
se assumem como o denominador comum - Relvas (2004), centrando-se no
desenvolvimento infantil, define a família como a primeira “instituição social” que
assegura necessidades fundamentais como o amor, proteção, alimentação, afeto, carinho,
e onde se experienciam as primeiras aprendizagens significativas, tendo esta um papel
fundamental na integração social, desenvolvimento e estruturação da personalidade da
criança (Palacios & Rodrigo, 1998; Relvas, 2004). No que toca aos adultos, Palacios e
Rodrigo (1998) enfatizam o papel da família no seu desenvolvimento e realização pessoal,
como estando fortemente associado à maturidade humana e pessoal. Trata-se, pois, de um
contexto igualmente promotor do desenvolvimento adulto, no seio do qual o adulto
aprende a enfrentar desafios e assumir responsabilidades e compromissos que o
orientam para uma dimensão produtiva, de realização, projeção e integração no meio
social.
Segundo o olhar sistémico dos anteriores autores - e no qual o presente trabalho
conceptualmente se situa -, a família é um sistema aberto e dinâmico, cujos membros
interagem não apenas entre si mas com outros sistemas mais amplos e complexos (e.g.,
comunidade e sociedade), interações essas que concorrem igualmente para a sua
transformação e mudança. O equilíbrio do sistema familiar depende, entre outros, dos
estádios de desenvolvimento de cada um dos seus membros, da fase do ciclo de vida em
que se encontra, e de fatores externos como a qualidade da relação com outros contextos
14
significativos, aspetos ambientais, sociais, políticos, transgeracionais, culturais e
económicos, todos eles exercendo influência sobre as famílias e a estória de cada um dos
seus membros (Bronfenbrenner, 1996; Palacios & Rodrigo, 1998; Polletto & Koller, 2008).
Olhando o interior do sistema familiar e os seus diferentes componentes, verifica-
se a co-existência de vários subsistemas: o individual (que remete para cada um dos seus
membros – o indivíduo –, para aquilo que cada um representa, não só no sistema familiar
mas em todas funções, os contextos e papéis que integra na sua vida, que acabam por
interagir com o seu desenvolvimento e, consequentemente, com o desenvolvimento
familiar); o parental (que abarca as funções mais executivas, designadamente a
responsabilidade sobre a educação e proteção das gerações mais novas); o conjugal
(constituído pelo marido e pela mulher) e o fraternal (que diz respeito aos irmãos e às
funções específicas que desempenham entre pares). Cada um destes subsistemas assume
diversos papéis que exercem influência sobre o sistema como um todo (Alarcão, 2002;
Jorge, 2004; Relvas, 2000; Sampaio, 2009).
2.1. Família e mudança
Não existe um “plural” no que toca às famílias, sendo todas elas singulares e únicas.
Ao longo do seu ciclo vital, vários elementos de tensão e de proteção vão estando
presentes no seio de cada uma delas, gerando momentos de desequilíbrio, adaptação e
mudança (Alarcão, 2002; Relvas, 2000). Segundo Alarcão (2006), existem dois tipos de
pressão a que as famílias estão expostas – interna e externa. A interna está relacionada
com as mudanças inerentes aos seus membros e subsistemas (a mudanças que correm no
seio familiar, como mudanças de papéis). A externa está relacionada com as instituições
sociais que têm influência sobre as famílias (como a escola, o trabalho) e a necessidade de
adaptação dos seus membros. A forma como estas pressões estão presentes no sistema
familiar e como atuam em cada família irá determinar aspetos como a qualidade das
relações no seio familiar, a projeção de futuro do grupo familiar em conjunto e de cada um
dos seus elementos, bem como os conteúdos concretos da vida familiar e das suas relações
com o exterior (Polleto & Koller, 2008).
Tal como referido anteriormente, este jogo de tensões dá lugar a mudanças no seio
familiar, mudanças essas que, segundo Alarcão (2002), poderão ter um impacto positivo
ou negativo no seu equilíbrio e funcionamento, bem como no desenvolvimento e
crescimento de cada um dos seus membros. De acordo com a autora, as mudanças podem
15
ser normativas ou não-normativas. As primeiras – também designadas por “crises
naturais” (Alarcão, 2002, p. 95)-, decorrem de eventos previsíveis, esperados, e
associados às diversas etapas do seu ciclo vital, sendo deles exemplo o casamento, o
nascimento de um novo membro, o início da sua escolaridade formal ou a entrada na
adolescência. Por sua vez, as mudanças não-normativas – designadas por Alarcão (2002,
p.95) como “crises acidentais” – surgem de modo imprevisível, podendo gerar stresse
adicional bem como a desorganização da estrutura familiar. Experiências como o divórcio,
a monoparentalidade ou o aparecimento de uma doença num dos membros da família
ilustram alguns desses eventos não-normativos (Alarcão, 2002; Jorge, 2004; Sampaio,
2009). Em face dos mesmos, o sistema sofre destabilização e procura mobilizar
estratégias no sentido de se reorganizar e alcançar um novo equilíbrio (Alarcão, 2002;
Sampaio, 2009; M. Silva, Collet, Silva & Moura 2010; Relvas, 2000), podendo, nalguns
casos, entrar em rutura.
Quanto ao impacto – positivo ou negativo – destas mudanças no sistema familiar,
a literatura aponta para a presença de vários fatores na determinação do tipo e
intensidade com que é experienciado, surgindo a sua capacidade de resiliência e de
adaptação aos desafios apontados como elementos nucleares (Martín, Tomas, Cabrera,
Miranda, & Rodrigo, 2005). Uma adaptação bem sucedida depende, segundo Martín e
colaboradores (2005), da resiliência familiar, a qual implica uma reação positiva às
ameaças e aos desafios com que se debate, e dos quais sai fortalecida. Deste processo
resulta a sobrevivência e bem-estar da unidade familiar.
A qualidade dos processos comunicacionais no seio familiar é também apontado
por Relvas (2000) como um fator determinante, designadamente a existência de uma boa
relação entre os seus membros, uma comunicação aberta, pontuada, por exemplo, pela
expressão emocional. Tais aspetos concorrem para uma maior compreensão e aceitação
da situação vivida em conjunto, assim como a tomada de decisões partilhadas, e o respeito
por cada membro da família nas suas diferenças individuais (Relvas, 2000; Sampaio,
2009; Trianes, 2004).
2.1.1. Impacto psicossocial da doença oncológica pediátrica no sistema familiar
O confronto com o diagnóstico de uma doença oncológica entre um dos seus
elementos consta entre uma das “crises acidentais” assinaladas por Alarcão (2002). Neste
processo, a família é “tomada de assalto” e toda a sua dinâmica é profundamente afetada,
16
sofrendo uma “desordem” (Gomes et. al., 2004), que afeta a adaptação e o equilíbrio
interno e externo de todo o sistema, e que toca em vários domínios da sua existência.
Entre os mais afetados destacam-se: as relações estabelecidas (atuais e futuras, dentro e
fora do sistema familiar); a área emocional, financeira; social e intrapessoal, bem como,
em vários casos, as esferas profissional e escolar (Araújo, 2011; Correia, Teixeira &
Marques; 2005; Damião & Angelo 2001; Gomes et al., 2004; Marques, 2017; Melo, Barros,
Campello, Rocha & Santos, 2012; Oliveira, 2017). Na área emocional, o aparecimento de
um cancro é particularmente impactante, mais ainda quando este surge na infância ou na
adolescência entre um dos elementos mais jovens da família (Machado, 2014; Monteiro,
2018; Oliveira, 2017; Pimenta, 2013). A associação do cancro à morte e, quando em idade
pediátrica, ao sofrimento precoce, acarreta, como descreve Machado (2014, p. 10),
“sentimentos… de “anti-natura” que exacerbam ainda mais o impacto emocional e social
da doença, quando comparado com o cancro entre adultos”. Dado ainda hoje a doença
oncológica estar fortemente conotada com a morte; com um acentuado sofrimento físico
e psicológico e/ou mutilação; de ter um forte estigma associado (Rowland & Holland,
1990); e, ser geradora de reações de medo e/ou repugnância pela sociedade (Pereira &
Lopes, 2002), o “peso” da doença quando os protagonistas são crianças ou adolescentes
é, pois, ainda maior.
No que toca à área financeira, Marques, (2017), no trabalho desenvolvido em torno
do impacto psicossocial da doença oncológica em pediatria na família, verificou que esta
assume, também, particular relevo. A par das despesas acrescidas inerentes aos cuidados
de saúde que passam que ter que assegurar junto do filho doente (e.g. custos de
transportes e alimentação nas deslocações ao hospital para exames, consultas e/ou
internamentos, alimentação específica, etc.) alguns destes pais passam a trabalhar em
horário parcial de modo a poderem estar mais presentes na vida do filho. Nalguns casos,
um dos pais (geralmente a mãe) abandona ou perde o seu posto de trabalho em resultado
de um vínculo profissional precário, pelo “esgotar” dos meios legais que lhes permitam
conciliar a sua vida profissional e o acompanhamento de um filho doente (e.g. baixas
médicas, férias…) e/ou da parca solidariedade e compreensão da parte das entidades
patronais (M. Silva, et. al., 2010). Por exemplo, no estudo desenvolvido por este último
grupo de autores, foram identificadas algumas famílias que, desconhecendo as respostas
sociais e legais existentes para a sua condição, acabaram por perder o seu emprego e/ou
por se desfazer dos seus bens (ou contrair empréstimos) para fazer face às despesas
17
inerentes à doença e à menor liquidez existente (M. Silva, et. al., 2010). Cohn, Goodenough,
Foreman e Suneson (2003) fazem também alusão às situações em que as famílias
reduzem as suas atividades sociais (e.g. cancelamento de férias e privação de atividades
de lazer) para diminuir as despesas inerentes ao estilo de vida que tinham anteriormente.
Em face do cenário anteriormente descrito, e tal como descreve Melo (2017, p. 30):
“Quando uma criança/adolescente é diagnosticada com cancro, toda a família é
“diagnosticada” e catapultada para uma nova realidade, simultaneamente ameaçadora e
confusa, em virtude da incerteza sobre o prognóstico, tratamento, resultados e impacto
do cancro”, colocando-a numa situação de grande vulnerabilidade.
À semelhança de outras doenças crónicas, várias mudanças ocorrem em diferentes
aspetos da vida familiar, social e individual, forçando a reconstrução de novas realidades,
tanto do sujeito doente como de toda a família. Fatores como o estádio em que a família
se encontra, o papel que o membro doente desempenha/desempenhava no seio da família
e dos seus diferentes subsistemas, e o impacto da doença em cada membro (Santos,
Pollyanns, Ferraz & Silva, 2012), são fatores de grande relevância.
Segundo Santos e colaboradores (2012), a adaptação (ou não) ao processo, acaba
por determinar aquela família como funcional ou disfuncional. Um sistema familiar
funcional reorganiza-se e responde aos conflitos e dificuldades encontradas, de modo a
procurar soluções e estabilidade (Santos et al., 2012). Nestes casos, a família consegue
assegurar a harmonia e proteção do sistema como um todo, e vai sendo capaz de dar
resposta aos múltiplos desafios e exigências colocados pela doença. Segundo Kohlsdorf e
Junior (2008) e Nascimento, Rocha, Hayes e Lima (2005) as relações vividas no seio deste
sistema são pontuadas pelo apoio, compreensão e o respeito, elementos responsáveis
pela preservação da união familiar. Nas famílias disfuncionais, os reajustamentos
impostos pela doença ameaçam largamente a sua integridade, e a dinâmica do sistema
fica comprometida quando os interesses individuais são superiores aos interesses do todo
(Santos et al., 2012).
Segundo este último grupo de autores, a qualidade destas relações é também
determinante na forma como cada um dos seus membros vive e significa a doença, bem
como as diferentes experiências ocorridas no decurso da mesma (Santos et al., 2012).
Neste processo, a relação com o exterior tem também um impacto expressivo. Por
exemplo, Marques (2017), no seu estudo em torno do impacto psicossocial da doença
oncológica nestas famílias, concluiu que quando existe uma maior satisfação com o
18
suporte social recebido - quer seja por parte de amigos ou familiares -, o impacto da
doença é minimizado.
2.1.2. O impacto psicossocial da doença oncológica na criança e no adolescente
Como já referido, a família da criança/adolescente doente acaba por enfrentar
diversas questões/desafios relacionados com a doença e respetivos tratamentos,
passando, na maioria dos casos, a girar em torno do seu elemento doente (Santos et. al.,
2012) na busca de dar resposta às suas necessidades e assegurar o seu bem-estar e
sobrevivência. Enquanto protagonista de todo este processo, a criança/adolescente
doente vê todas as suas atividades “normais” afetadas (e.g. frequência da escola,
atividades de desporto e lazer, convívio com os pares), é privado de vários dos seus
contextos de vida naturais (família, escola, grupo de amigos) e passa a ser alvo de
inúmeros exames, tratamentos, hospitalizações, cuidados médicos especiais, em
contextos e com interlocutores que lhe são estranhos (Melo, 2017; Mokkink, Van der Lee,
Grootenhuis, Offringa & Heymans, 2008; Starfield, 1991).
As várias mudanças e ajustamentos impostos por este processo têm repercussões
várias, a curto, médio e longo prazo, nas diferentes esferas do seu funcionamento. São
delas exemplo as questões relacionadas com o desenvolvimento do próprio corpo,
dificuldade ao nível das relações interpessoais, desvalorização pessoal e baixa autoestima
e preocupações com a família (Melo, 2017).
No que diz respeito aos tratamentos, Melo (2017) no seu estudo sobre as perceções
dos profissionais de oncologia em torno das dificuldades experienciadas pelas
crianças/adolescentes nesta fase do processo, a autora observou a presença de
dificuldades várias, designadamente as de lidar com os efeitos secundários dos
tratamentos (e.g., náuseas, vómitos, fadiga, febre ou alterações na imagem corporal, como
a perda de cabelo e/ou aumento de peso); lidar com as implicações da doença/tratamento
(e.g. impossibilidade de contactar diretamente com os seus contextos de vida, deixar de
praticar desporto); lidar com os “incómodos” do tratamento (e.g. dor das picadas, invasão
da sua privacidade); ou, entre outros, as dificuldades emocionais (e.g. medo, ansiedade,
tristeza, depressão), sócio relacionais (e.g. reações das outras pessoas ao seu aspeto físico;
afastamento dos amigos e dificuldade em fazer novas amizades; isolamento social) ou
escolares (e.g, comprometimento das suas aprendizagens, notas e alguns dos seus
projetos académicos). Complementarmente, Monteiro (2018) - também centrada no olhar
19
dos profissionais de oncologia sobre o modo como estas crianças/adolescentes reagem à
experiência de cancro –, encontrou evidências no discurso que apontam, numa fase inicial
do processo, para a presença de dificuldades em perceber o que lhes está a acontecer; em
lidar com situações estranhas e ameaçadoras associadas à realidade em que “aterraram”
e aos procedimentos (dolorosos e invasivos) de que são alvo; as dificuldades em
comunicar com os pais e os profissionais de cuidados (nalguns casos instalando-se a
“conspiração do silêncio”); ou, entre outros, lidar com as mudanças ocorridas na sua vida.
Tal como se poderá depreender pelo retrato anteriormente traçado, vários dos
desafios e dificuldades impostos pela doença poderão fazer comprometer as tarefas
“normais” do desenvolvimento destas crianças e adolescentes, sendo este
comprometimento entendido por alguns autores como um fator de risco para a
psicopatologia tanto na infância como na adolescência (Geist, Grdisa, & Otley, 2003;
Kohlsdorf & Junior, 2012). No entanto, a literatura mais recente enfatiza que a vivência de
uma experiência de cancro na infância ou na adolescência poderá também ampliar os
níveis de resiliência destes indivíduos. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2009), a maior
parte destas crianças/adolescentes não evidencia problemas a nível mental ou problemas
de comportamento a nível escolar. Os que apresentam maiores recursos internos em
termos de inteligência e temperamento, por terem pais com uma autoestima elevada,
crenças positivas, boa saúde mental; que sejam mais próximos, flexíveis, e que tenham
boas redes de apoio social, acabam por lidar melhor com a doença (Melo, 2017; Evan &
Zeltzer, 2006; Marine & Miller, 1998; Papalia et al., 2009; Wiener & Pao, 2012).
2.1.3. O impacto psicossocial da doença oncológica nos pais
Tal como salientam alguns dos autores anteriores (e.g., Evan & Zeltzer, 2006;
Papalia et al., 2009; Santos et al., 2012), a forma como a família enfrenta o processo, e em
particular a figura dos pais (designadamente os seus recursos internos e externos, e as
estratégias de coping adotadas), tem um papel determinante no modo como, quer a
criança/adolescente doente, quer todos os restantes membros e subsistemas familiares,
fazem frente à doença nas suas diferentes etapas.
Várias são as reações destes pais ao diagnóstico de cancro de um filho e aos
múltiplos desafios que da doença e tratamento(s) encerram. Esta diversidade explica-se
pela (co)existência de inúmeras variáveis do foro clínico, individual e contextual que
jogam neste processo. Entre estas colocam-se, pois, as mais diretamente relacionadas com
20
a doença e respetivos tratamentos (e.g. tipo de diagnóstico e sua gravidade, taxas de
sobrevivência associadas, efeitos colaterais das terapias aplicadas, longevidade do
processo); as crenças e representações acerca da doença oncológica dos pais, da
sociedade em geral e da comunidade mais próxima; a presença ou não de anteriores
experiências de doença (oncológica ou não) na família ou pessoas próximas; a rede de
suporte social existente; o seu nível de literacia em saúde, ou, entre outros, a qualidade
dos cuidados e da relação estabelecida com os profissionais que acompanham o seu filho
(Barros, 2003; Fernandes & Arriaga, 2010; Hart & Walton, 2010; Redondeiro, 2003;
Relvas, 2000; S. Silva, Pires, Gonçalves & Moura, 2002).
Barros (1999), na sua tentativa de mapear as principais etapas do processo de
adaptação dos pais à doença crónica de um filho (entre as quais se inscreve a doença
oncológica), identifica três fases nucleares: a primeira passa pela aceitação de que o filho
está doente e que, consequentemente, vão surgir implicações e mudanças ao nível das
expectativas e projetos gerados para aquele filho. A segunda fase implica a adaptação às
necessidades do filho, incluindo as necessidades no confronto com a própria doença. Por
fim, a adaptação ao esforço para manter o equilíbrio em todas as vertentes da sua vida:
familiar, social, outros filhos, área profissional.
Olhando a literatura que se debruça de modo mais atento sobre as especificidades
do impacto psicossocial da doença oncológica pediátrica, constata-se a existência de
vários estudos que descrevem a experiência dos pais como particularmente stressante e
ansiogénica, e, nalguns casos, “avassaladora”. Entre os principais stressores que emergem
associados à vivência dos pais surgem o medo da morte do filho; a impotência, revolta e
culpa relativamente ao aparecimento da doença e/ou ao seu diagnóstico numa fase
avançada (e.g. por não ter dado a devida relevância aos sintomas e queixas do filho); a
ansiedade de separação em momentos críticos do processo de doença; o medo do
desconhecido, designadamente em termos do impacto da doença e tratamentos no futuro
do filho (Machado, 2014; Mano, 2017; Monteiro, 2018; Pimenta, 2013; Redondeiro, 2003;
S. Silva, et al., 2002; Tavares, 2008). Alterações do sono, diminuição do rendimento,
ansiedade, a sensação de “desmembramento”, confusão ou depressão, são descritos pela
literatura como indicadores do acentuado impacto físico, psicológico e emocional da
doença nos pais, alguns dos quais permanecendo por longos períodos de tempo, em
resultado dos seus efeitos cumulativos e prolongados (Machado, 2014; Monteiro, 2018;
Redondeiro, 2003).
21
M. Silva, e colaboradores (2010) questionaram as famílias sobre os sentimentos
em relação ao sofrimento da criança doente. As entrevistadas assumem que sofrem com
a dor dos seus filhos, tendo em conta os tratamentos e procedimentos a que são
submetidos, mas que no fundo estão conscientes de serem processos inevitáveis para a
recuperação da criança (M. Silva et al., 2010). Afirmam, também, que desde os primeiros
sinais e sintomas até à descoberta da doença, a família acaba por vivenciar alguma
ansiedade, confusão e medo. Depois de terem o diagnóstico, a preocupação com o futuro
é algo inevitável. O desespero e a sobrecarga que acabam por ser transversais a (quase)
todo o processo, estão intimamente ligados ao esgotamento físico e emocional, que agrava
quando o tratamento é prolongado, onde o medo da morte nunca deixa de estar presente
(M. Silva, et al., 2010).
Mesmo que de forma inconsciente os pais acabam por se distanciar da família,
incluindo dos filhos saudáveis, situação causada pelos internamentos frequentes e
tratamentos (M. Silva et al., 2010). Por nunca quererem deixar sozinho o filho doente, é
uma alteração que se revela frequente, o que pode provocar, nos filhos saudáveis, algumas
reações face a esta ausência.
S. Silva e colaboradores (2002), salientam a persistência, entre estes pais, da
ansiedade e da incerteza ao longo de todo o curso da doença. O caráter duradouro destas
reações deve-se, segundo os autores, ao facto de se tratar de uma doença desconhecida,
mas, sobretudo, prolongada. Desde cedo os pais percebem (ou são alertados pela equipa
de saúde) que a doença acompanhará o filho durante um longo período de tempo e que
implicará uma grande reorganização no quotidiano familiar. Neste processo, as idas ao
hospital para receber tratamento(s), os internamentos periódicos, as consultas e exames
médicos, os períodos de isolamento passam, por norma, a fazer parte do quotidiano destas
famílias, requerendo o acompanhamento contínuo da criança/adolescente doente por
(pelo menos) um adulto, e uma grande disponibilidade física e emocional ao longo de todo
o processo (S. Silva, et. al., 2002).
Pereira e Lopes (2002) descrevem como muito frequente a tendência para estas
famílias, em particular os pais, se centrarem no seu membro mais vulnerável e na sua
doença e tratamento, passando a canalizar grande parte das suas energias e investimentos
(e.g. tempo, atenção, afeto, dinheiro) para a satisfação das suas necessidades físicas e
psicossociais. Vários autores, na mesma senda, descrevem como muito comum a presença
quase permanente de um destes pais (geralmente a mãe) na vida deste filho, abdicando
22
da sua vida profissional e da sua vida social para o poderem acompanhar de perto (nos
exames, nas consultas, nos tratamentos, nas hospitalizações), descurando, nalguns casos,
o seu auto-cuidado, o casal, e a relação com os outros filhos (se existentes) em prol do
bem-estar do filho doente (Mano, 2017; Machado, 2014; Monteiro, 2018; Pedro, 2009; S.
Silva, et al., 2002).
S. Silva e colaboradores (2002) fazem alusão aos pais que são particularmente
benevolentes e/ou que não privam a criança/adolescente de nada, colocando todas as
suas vontades e desejos em primeiro lugar, numa tentativa de compensar todo o
sofrimento e provações de que são alvo ao longo da doença. Pereira e Lopes (2002) e S.
Silva e colaboradores (2002) afirmam que, nalgumas famílias, esta centralização está
presente mas não modifica significativamente o funcionamento familiar, noutras, como
descrevem este último grupo de autores, pode tornar-se bastante invasiva, chegando,
nalguns casos, a ser compulsiva, eliminando todas as preocupações ou necessidades que
possam existir entre outros membros da família, conduzindo a maiores níveis de stresse
e conflito, e gerando maiores dificuldades no (re)equilíbrio e (re)estruturação do sistema
familiar (S. Silva, et. al., 2002).
Segundo vários autores, os pais acabam por ficar mais expostos ao risco de efeitos
psicológicos do que o próprio filho doente. Estes sintomas de stresse parental podem
persistir durante vários anos, mesmo depois do tratamento (Boman, Lindahl & Björk,
2003; Castro, 2009; Vrijmoet-Wiersma et al., 2008), dando lugar, entre alguns pais, a um
distúrbio de stresse pós-traumático (Manne, Duhamel & Redd, 2000; Patiño‐Fernández,
Pai, Alderfer, Hwang, Reilly & Kazak, 2008). Neste, a doença do filho dá origem a uma
profunda crise pessoal, decorrente, por exemplo, do sentimento que erraram no exercício
das suas funções; que goraram as expectativas que tinham para si enquanto pais e/ou os
projetos de futuro que tinham para aquele filho e/ou para a sua família (Beck & Lopes,
2007; Subtil, 1995, cit. por Cardoso, 2010). Para alguns destes pais, a ideia de morte
“persegue-os”, persiste nas suas cabeças, “podendo variar entre um estado de sobreaviso
a um estado de pânico” (S. Silva, et. al., 2002, p.50). Outros pais nunca chegam a aceitar a
doença, procurando, de forma persistente, outras opiniões e diagnósticos (Monteiro,
2018).
Entre algumas destas famílias, o isolamento social tem também lugar. Optam por
restringir o seu círculo de contactos à família nuclear e aos contextos de saúde, quer por
uma questão de proteção daquele núcleo e do filho doente – evitando o estigma social de
23
que a doença é alvo (Gomes et. al., 2004) -, quer pela dificuldade em partilhar a situação
(e o sentimento de que o seu mundo “ruiu”) com outros elementos alheios à família, quer
porque não se sentem compreendidos por quem “está de fora” (Machado, 2014; Pimenta,
2013).
Nalguns destes casos, ainda, os pais optam por omitir a doença ao próprio filho e
aos outros elementos do seu círculo mais próximo (Gomes et al., 2004). Tendo como
propósito conhecer melhor este fenómeno, este grupo de autores realizou um estudo –
designado de “Comportamento parental na situação de risco do cancro infantil” –
fundamentado em entrevistas com mães, do qual resultou um modelo teórico que
designaram de “OCULTAR”. Através deste modelo procuram descrever o comportamento
de mães de crianças/adolescentes com cancro ao longo de cinco fases.
Na primeira fase (pré-diagnóstico)- acabam por ocultar o diagnóstico mesmo às
pessoas mais próximas, depois de passarem por uma fase de negação e esperança que as
coisas sejam diferentes; na segunda fase (a confirmação do diagnóstico) – mais uma vez
não partilham o diagnóstico, evitam dizer a palavra “cancro” e vão tentando manter a
imagem que até então tiveram; na terceira fase (internamento) tentam ocultar a
gravidade da doença e o seu sofrimento - mentem, estão constantemente presentes,
brincam com a situação, sentem necessidade de serem fortes e não chorar à frente de
terceiros; na quarta fase (tratamentos) as mães ocultam a dor, os efeitos secundários,
pressionam e vão ocultando informação ao filho doente - tentam minimizar a dor e não
dão grandes explicações sobre a doença; por fim, na quinta e última fase definida por estes
autores (a recaída), as mães ocultam o facto de existirem dias contados e ocultam a
perceção que têm sobre a morte - não pensam sobre o assunto, mentem e tentam
normalizar a vida quotidiana (Gomes et. al, 2004).
Monteiro (2018), dando voz a alguns profissionais da oncologia pediátrica que
lidam diretamente com estas famílias, procurou também averiguar as perceções sobre
esta temática. Segundo alguns destes profissionais, a ocultação, pelos pais, da doença do
filho, está presente nalgumas famílias, e é particularmente problemática, especialmente
entre os pacientes adolescentes. Segundo as evidências recolhidas pela autora, o facto de
os pais omitirem o diagnóstico de cancro e a gravidade do seu quadro clínico leva a que
os adolescentes - na sua tentativa de dar significado às “pistas” que vão recolhendo (e.g.,
vários exames e internamentos; a fragilidade emocional dos pais; as interações entre os
pais e os seus profissionais de cuidados) - pesquisem, pelos seus próprios meios,
24
informação na internet. Para além de, muitas vezes, a informação pesquisada não ser
fidedigna, o tabu criado em torno do tema “cancro” gera um hiato significativo na
comunicação entre pais e filhos, e pode levar a que o adolescente sofra em silêncio,
buscando ajuda e interlocutores entre outras pessoas (nomeadamente os seus cuidadores
formais), ou vivendo a sua doença de forma muito solitária.
Por norma, o impacto emocional da doença oncológica de um filho é descrito na
literatura como sendo maior entre as mães, associando-se a estas índices mais elevados
de depressão, ansiedade e stresse pós-traumático. Segundo Vrijmoet-Wiersma, Klink,
Kolk, Koopman Ball e Egele (2008), esta tendência poderá estar intimamente ligada à
tradicional distribuição de tarefas, assim como às responsabilidades assumidas por estas
na prestação de cuidados ao filho. A centralização destas tarefas na mãe parece, não só,
aumentar os seus níveis de stresse e ameaçar o seu bem estar e equilíbrio pessoal, mas,
também, vários domínios do funcionamento familiar, afetando, por exemplo, a relação do
casal, a relação com os outros filhos e consigo própria (Lavee & Mey-Dan, 2003; Machado,
2014; Mano, 2017; Marques, 2017; Pimenta, 2013; Wiener & Pao, 2012).
Associado a isto, preocupação com o lar é algo igualmente presente no quotidiano
destes pais, sobretudo mães que desempenhavam o papel de donas de casa. Assim, a
reorganização do quotidiano da família acaba por ser também uma alteração referida.
Neste estudo em concreto, de M. Silva e colaboradores, as famílias que mudam de casa
para a cidade afirmam que a mudança acaba por ser difícil, pois têm de deixar as suas
casas, as suas rotinas, delegando as funções que tinham em suas casas a outros membros
(M. Silva, et al., 2010). Além disso, a mudança de casa/cidade acaba por ser mais um
motivo para o distanciamento da família e quando não existe apoio de outras pessoas no
cuidado à criança doente, existe uma sobrecarga ao cuidador principal (geralmente a
mãe) (M. Silva, et al., 2010). Esta situação gera grande desgaste físico e psicológico,
podendo levar o cuidador a uma situação de Burnout. Segundo Stenberg, Ruland e
Miaskowski (2010), os cuidadores apresentam mais problemas psicológicos na primeira
fase, mas acabam, com o decorrer da doença, a apresentar problemas de origem
psicossocial e física. O impacto dos cuidados pode ser entendido como uma “carga”
adicional, e engloba, segundo Marques (2012), duas dimensões: objetiva e subjetiva. A
objetiva está relacionada com tudo aquilo que é observável. Já a subjetiva, resulta da
perceção sobre a anterior, manifestando-se através do distresse emocional, que vai ter
grandes implicação na qualidade de vida (do cuidador) (Marques, 2012).
25
No que se refere à relação conjugal, esta pode sofrer alguma fragilização, podendo
ocorrer por exemplo, afastamento entre os dois membros do casal e, nalguns casos, uma
rutura. Noutros, apesar do forte impacto da doença neste subsistema familiar, muitos
casais acabam por fortalecer a sua relação, conseguindo resolver as tensões e conflitos
que vão pontuando todo o processo, desenvolvendo, por exemplo, novas formas de
comunicar entre si, novos “espaços” e “tempos” para o casal, e/ou novas formas de
exercerem a sua parentalidade (Machado, 2014; Marques, 2017; Melo, 2017; Steffen &
Castoldi, 2006; S. Silva, et al., 2002). Segundo S. Silva e colaboradores (2002), estes
ajustamentos são fruto da tomada de consciência e investimento do casal, que
compreende que juntos conseguem assegurar a maior estabilidade de todo o(s)
(sub)sistema(s) familiar(es) e encarar melhor a doença do filho e os diferentes desafios
que se lhe associam. Refira-se que, geralmente, os casos em que o ambiente no seio
familiar piora, em que o distanciamento entre os seus diferentes membros aumenta,
assim como os conflitos entre eles (não apenas entre o casal, mas, nos diferentes
subsistemas) são protagonizados por famílias que já antes da doença se debatiam com
alguns conflitos no seu seio (M. Silva, et al., 2010). A presença destes conflitos é apontada
por este grupo de autores como gerador de maior dor e sofrimento, e assumindo como
um fator de risco acrescido.
Apesar do “assalto” com que é tomada a família aquando do diagnóstico de cancro
(Melo, 2017) de um dos seus membros mais jovens, e da profunda “desordem” (Gomes et
al., 2004) e mudanças que operam na sua dinâmica e funcionamento, a tendência é para
que, várias destas famílias, gradualmente reencontrem o seu equilíbrio interno; retomem
vários domínios da sua existência anterior; e recuperem a “normalidade” (possível).
Assim, algumas famílias conseguem superar o processo com grande valor acrescentado,
tornando-se mais resilientes e positivas. No que toca especificamente às figuras parentais,
alguns estudos apontam para a presença de indicadores adaptativos e de bom
funcionamento psicossocial entre pais cuidadores (Cadell, Kennedy & Hemsworth, 2012;
Castro, 2009; Jones, 2012). A grande diversidade de reações dos pais à doença oncológica
de um filho é explicada pela multiplicidade de fatores (individuais, familiares e
contextuais) que “jogam” neste processo. Alguma literatura da área, aponta, por exemplo,
o nível cultural e instrucional dos pais, o número de filhos, e as condições económicas da
família e a qualidade da sua rede social de suporte como fatores que poderão ter um papel
moderador nestes processos. Assim, por exemplo, é tendencialmente menor o impacto
26
entre os pais com nível cultural e instrucional mais elevado, sem outros filhos, com uma
condição financeira “confortável” e, entre outros, uma boa rede de suporte social
(Redondeiro, 2003; Marques, 2017).
Entre os pais que reagem de forma mais positiva ou que, apesar de toda a
adversidade e sofrimento experienciados revelam, genericamente, um bom
funcionamento psicossocial e níveis de adaptação e superação satisfatórios e, inclusive,
apresentam ganhos com esta experiência, as evidências apontam que, por norma, são
pessoas que demonstram satisfação com a vida (Delella & Araújo, 2002; Freire, Braga,
Braga & Neto, 2015; Jones, 2012; Kazak, Cant, Jensen, McSherry, Rourke, Hwang, & Lange,
2003; Teles & Valle, 2009; Charepe, 2011). Machado (2014), no seu estudo sobre a
recidiva oncológica, percebeu que uma das maiores necessidades destes pais estava
relacionada com o “acreditar/manter a esperança”, o que reforça Monteiro (2018)
quando refere que um participante alude à dimensão espiritual para se conseguir manter
“viva” nesta fase.
Schneider e Medeiros (2011, cit. por Ferreira, 2013) elaboraram um estudo com o
intuito de perceber a importância que os pais atribuem ao estar ao lado dos filhos, quando
estes se encontram doentes e hospitalizados. Concluíram que, em todo o processo, a saúde
dos filhos acaba por ser o mais importante, o que implica uma presença constante
proporcionando o máximo bem-estar (Ferreira, 2013).
Por muito que seja uma tarefa bastante desafiante, o facto de os pais assumirem o
papel de cuidadores acaba por diminuir o impacto do trauma, ou seja, funciona como um
efeito moderador, contribuindo para a diminuição do sofrimento e do stresse
desencadeado pela doença (Moore & Beckwitt, 2004; Norberg, Lindblad & Boman, 2005).
2.1.4. O impacto psicossocial da doença oncológica nos irmãos
De referir que, apesar de os pais assumirem um papel nuclear nestes processos e
de ser particularmente acentuado o impacto psicossocial (e físico) que a doença de um
filho tem sobre si, a verdade é que este impacto não se circunscreve a estes elementos do
sistema familiar. Segundo Mendonça (2000), a presença de uma criança grave e
cronicamente doente pode perturbar também os irmãos saudáveis, sofrendo o
subsistema fraternal também reestruturações, e em vários domínios (Opperman & Alant,
2003), com influências mútuas entre os elementos da frateria. Os estudos que existem
nesta área são demasiado inconsistentes, como refere Brown-Hellsten (2006). Há estudos
27
que apontam para incidências mínimas, outros referem dificuldades significativas. No
entanto, apesar de contraditórios muitas vezes, a literatura afirma que os irmãos de
crianças com doenças crónicas são uma população de risco, referindo ainda que estes
acontecimentos de vida têm um enorme impacto, muitas vezes negativo, como por
exemplo ao nível da saúde mental, adaptação psicológica e problemas emocionais
(Nogueira, 2017).
Segundo Mendonça (2000), no seu estudo sobre como a doença oncológica
pediátrica afeta o sistema familiar, verificou que as três áreas mais afetadas são: (i) a
interação e relação fraternas; (ii) a organização familiar; e (iii) o papel assumido pelos
irmãos saudáveis. Assim, quando um dos elementos desta fratria se encontra doente e
passa a depender de toda a família, como se de um irmão mais novo se tratasse (sendo
que nem sempre o é), é comum que as necessidades dos irmãos saudáveis sofram
ausência (ou retardamento) de resposta; que percam privilégios; e/ou que assumam
papéis e responsabilidades acrescidos (Araújo, 2011; Fernandes, 2005).
Nalguns casos, esta centralização da atenção e dos cuidados no membro doente
pode dar lugar a ciúmes (gerando conflitos entre irmãos e/ou com os pais); a
comportamentos apelativos como a “invenção” de sintomas, ou, a somatização (e.g. dores
de cabeça, dores de estômago ou alterações no sono) (Cavicchioli, 2005; Kohlsdorf &
Júnior, 2012). Níveis elevados de ansiedade, conflitos com os pais, raiva, instabilidade e
até mesmo anorexia são também descritos pela literatura como se podendo manifestar
entre os irmãos saudáveis (Azeredo, Amado, Silva, Marques, & Mendes, 2004; Silva,
Andrade, Barbosa, Hoffmann & Macedo, 2009; Seligman, 1983). A estes acrescem as
alterações ao nível do rendimento escolar (provocadas pelo sofrimento decorrente do
afastamento e separação da família em momentos de internamento, por exemplo); os
sentimentos de rejeição e solidão; isolamento; tristeza; preocupação, e outros (Araújo,
2011; Barrera, Fleming & Khan, 2003; Kohlsdorf & Júnior, 2012; Seligman, 1983).
À semelhança do que acontece com a criança/adolescente doente, a forma como os
adultos (em especial os pais) gerem todo o processo e como se vão adaptando às
exigências colocadas pela doença, influenciam também o entendimento e reação dos
filhos saudáveis à doença do irmão (Cardoso, 2007). Segundo Gomes, Amador e Collet
(2012), por norma, os irmãos saudáveis mostram interesse em compreender a doença e
a situação em si, para que se possam manter informados e, dessa forma, apoiarem de
forma mais adequada os cuidados a prestar ao irmão doente. Para além do mais, há uma
28
necessidade de falar sobre a doença, do futuro do irmão doente e da sua família (Essen &
Enskär, 2003; Rocha, 2015; Gomes, Amador & Collet, 2012). Contudo, Cheron e Pettengill
(2011) referem que isto apenas acontece quando sentem abertura por parte dos adultos
e, segundo os autores, mesmo que transmitam aos outros irmãos informação sobre o que
se está a passar, os pais - para além de terem receio do momento de partilhar ou da forma
de o fazer–, tendem a “adaptá-la”. A propósito da partilha (ou não) desta informação ou
da pouca atenção e cuidados prestados aos outros filhos saudáveis, Seligman (1983)
chama a atenção para as implicações que estas lacunas poderão ter também na
comunicação e dinâmica familiares. Segundo Araújo (2011), apesar das dificuldades
experienciadas por estes irmãos e pela menor assistência às suas necessidades, o facto de
se poderem envolver no cuidado do irmão e colaborar nas tarefas domésticas acaba por
permitir um maior nível de suporte emocional dentro do seio familiar.
Pereira, Magni, Mingione e Caran (2009), na sua tentativa de retratar a forma como
os irmãos saudáveis se adaptam à condição do irmão com cancro sugerem a existência de
dois grupos: os “protetores” e os “despreocupados”. Os “protetores” são descritos como
presentes, tolerantes e disponíveis. Geralmente têm relações de fratria mais próximas, o
que implica quererem estar a par de todos os acontecimentos, mesmo que isso implique
passar tempo no hospital. Já os “despreocupados” são, segundo os autores, os que têm
laços afetivos dominados pela rivalidade e ciúme, provocando um afastamento e falta de
interesse no processo, provavelmente provocados por um mecanismo de defesa criado
pelos próprios. Segundo Azeredo e colaboradores (2004), uma maior proximidade entre
os irmãos acaba por dar lugar a uma maior probabilidade de emergirem quadros
depressivos entre os irmãos saudáveis, pois têm medo da perda, aumentando as
dificuldades e necessidades sentidas pelos pais.
No que toca à idade destes irmãos, existem algumas evidências que apontam para
as crianças/adolescentes mais velhos como representando um apoio extra tanto nas
tarefas como a nível emocional, pois estão mais cientes das exigências que a doença
acarreta (Costa & Lima, 2002; McGrath, Paton & Huff, 2005; Patterson, Holm & Gurney,
2004).
2.2. Suporte social e familiar
Segundo Charepe (2011), o suporte social tem uma grande importância, pois
permite que, no cuidado à doença, exista um melhor desempenho e adequação às
29
situações de stresse. É, como refere Santos (2006), um conceito relativamente complexo
e dinâmico que acaba por ser percecionado de acordo com as circunstâncias e
intervenientes.
Depois da notícia do diagnóstico, formam-se redes de apoio por familiares,
profissionais, amigos e vizinhos, com o objetivo de proporcionar uma maior convivência
e partilha de experiências semelhantes (Beltrão, Vasconcelos, & Pontes, 2007).
Normalmente as famílias com crianças com doenças oncológicas precisam de apoio ao
longo de todo o tratamento. Este apoio tanto pode ser emocional como informativo, tendo
em conta que constantemente procuram informação sobre a doença. Além disso, vão
procurando tipos diferentes de apoio que lhes permitam algum suporte, pois a tendência
é que estes apoios comecem a diminuir devido à duração prolongada dos tratamentos
(Pedro, 2008).
Tendo em conta que uma doença crónica traz várias alterações à dinâmica familiar,
a rede social acaba por permitir uma melhor adaptação da família, permitindo também
uma melhor comunicação entre a família e os próprios profissionais de saúde (Charepe,
2011). O suporte social acaba por ser um “mediador” entre a criança doente e a família,
que não funciona só como um simplificador de stresse, mas também como um
minimizador dos problemas inerentes ao processo de doença (Almeida & Sampaio, 2006).
Ao mesmo tempo que a família dá apoio ao elemento doente, ela mesma precisa de ser
apoiada. A rede social acaba por ser um recurso importante para que todos entendam, de
forma mais positiva, aquilo que é ter cancro e tudo o que a experiência acarreta (Almeida
& Sampaio, 2006), permitindo um maior e melhor apoio entre todos.
Quando não existe esta rede de apoio, estamos perante um fator de risco acrescido,
embora sejam raras as vezes em que existe a total ausência de apoio (Pitceathly &
Maguire, 2003). Num estudo realizado por Beck e Lopes (2007), concluíram que a falta de
suporte social acaba por levar ao esgotamento não só físico como mental do cuidador.
Ribeiro (1999) distingue o suporte social percebido do suporte social recebido.
Para este, o primeiro está relacionado com a perceção que a família tem relativamente ao
apoio que sente, à existência de pessoas em quem podem confiar. Assim, a família sente-
se integrada numa rede onde existem recursos disponíveis para responder aos seus
pedidos, exigências e problemas. Já o suporte social recebido, como o próprio nome
indica, não está tão relacionado com as perceções, mas sim com aquilo que efetivamente
recebem.
30
Estas redes sociais, assim como a família alargada, contribuem não só com uma
ligação à comunidade como também com várias ajudas práticas (Walsh, 2005), como é o
caso de ajudas ao nível económico e social. Muitas vezes estes apoios tornam-se
imprescindíveis para a resiliência e bom funcionamento familiar, contribuindo para
sentimentos de pertença e coesão (Marques, 2017). É possível afirmar que a família, como
suporte social, acaba por desempenhar um importante papel na saúde (Ribeiro, 1999),
mais ainda quando as situações de doença oncológica afetam uma criança.
Existem dois tipos de apoio que a família precisa: o emocional/instrumental e o
apoio diário. O primeiro diretamente ligado aos afetos, à companhia, conselhos, auxílio
financeiro e ajudas ao nível prático. O segundo, focado na orientação de problemas
(Sanchez, Andrade, Dupas, & Costa, 2010).
Nem sempre basta estarmos inseridos numa rede para que tenhamos suporte
social. O suporte social não se resume à inserção num grupo. É muito mais que isso. É, no
seio do grupo, podermos dizer que nos sentimos protegidos, apoiados, onde tudo isto
reduz o stresse e aumenta o bem-estar psicológico, proporcionando oportunidades de
suporte (Marques, 2017). É importante referir que toda a família precisa deste apoio e
deste suporte, incluindo os irmãos saudáveis. E, quando não existe um suporte social nos
irmãos saudáveis, torna-se provável o desencadear de situações de raiva, stresse,
depressão, ansiedade, problemas comportamentais, ciúmes, medo da morte, entre tantos
outros (Marques, 2017).
Ribeiro (1999) criou uma escala, a escala de avaliação do suporte social. Através
deste instrumento podemos avaliar o suporte percebido, sendo este subjetivo e
fundamental para o bem-estar e qualidade de vida. Este acaba por funcionar como um
recurso de coping, atuando e diminuindo as situações de stresse. Contribui para um
ajustamento e adaptação às situações menos positivas, auxiliando nas respostas às
necessidades sentidas, nomeadamente às funções familiares (Almeida & Sampaio, 2007).
Tal como já referido, quando não existe este apoio há um fator de risco acrescido à
família. No entanto, mesmo nos casos em que exista, pode ser inadequada ou insuficiente.
Este apoio é percebido, pelas famílias, de grande importância, onde a ausência do mesmo
pode despoletar graves consequências (Kohlsdorf & Júnior, 2010).
31
lll. Estudo empírico
Introdução
Em face do cenário anteriormente traçado, e atendendo ao papel nuclear que os
pais assumem no acompanhamento de todo o processo de doença de um filho com cancro
(não apenas no assegurar do bem-estar desse filho doente e do minorar do impacto da
doença e tratamentos, mas, também, na salvaguarda do equilíbrio e “sustentabilidade” de
todo o sistema familiar), crê-se fundamental olhar “a fundo” esta realidade.
Partindo desta mesma convicção, o Projeto “Dreaming with survivors” - inscrito
entre as várias intervenções desenvolvidas pela Acreditar (Associação de pais e amigos
de crianças com cancro) - iniciou, em 2017, um estudo designado “Cuidar dos cuidadores”.
Neste, a vivência dos pais de crianças e adolescentes com doença oncológica surge como
foco, procurando “dar voz” aos aspetos mais significativos desta experiência na ótica dos
cuidadores informais. Deste primeiro investimento - realizado por via eletrónica - a partir
do qual foi pedido que partilhassem a sua experiência através do preenchimento de um
questionário on-line, resultou uma amostra de 152 pais. Refira-se, no entanto, que
atendendo ao perfil sóciodemográfico da mesma (cerca de 70% tinha o filho em fase de
vigilância; maioritariamente com um nível de habilitações literárias médio e alto; e com
alguma literacia digital, que lhes permitiu preencher o questionário on-line), julgou-se
que este não seria representativo do universo que se pretendia estudar, surgindo o
presente estudo – integrado na componente empírica desta dissertação -, como um
contributo à ampliação do tamanho e representatividade da amostra inicial.
Assim, no presente capítulo, dão-se a conhecer os aspetos metodológicos de todo
o estudo bem como os resultados decorrentes da fusão destas duas amostras. A partir
destes resultados pretende-se conhecer, em maior extensão e profundidade, as
necessidades destes cuidadores (e de todo o sistema familiar) em vários estádios da
doença (e na sobrevivência) para, a partir dos mesmos, desenhar respostas o mais
ajustadas possível a esta(s) realidade(s).
Em face destes objetivos, o presente estudo assume como principais questões de
investigação:
- Como experienciam os pais (a nível individual) a doença oncológica de um filho?;
- De que forma se adaptaram à doença e às necessidades do filho doente?;
- Qual o impacto físico e emocional da doença nestes pais?;
32
- Como experienciaram a adaptação ao contexto hospitalar?;
- Como percecionam o suporte social e familiar recebido ao longo do curso da
doença?;
- Qual o impacto que o acompanhamento mais próximo do filho doente teve nos
irmãos saudáveis?
- Qual o impacto da doença na sua relação conjugal?;
- Quais as atividades e recursos que julgam que poderão ser disponibilizados pela
Acreditar (e outras associações congéneres) no sentido de promover o bem-estar de todo
o núcleo familiar ao longo do curso da doença?
1. Metodologia
A partir das questões de investigação anteriormente enunciadas avançou-se para
um estudo de natureza quantitativa e descritiva, previamente desenhado em parceria com
a Acreditar. Em seguida dão-se a conhecer os contornos metodológicos do estudo,
designadamente em termos dos seus participantes, instrumentos utilizados e
procedimentos de recolha de dados.
1.1. Instrumentos
As vivências e perceções dos cuidadores informais foram recolhidas por
intermédio de uma adaptação do “Questionário de Avaliação do Impacto da Doença
Oncológica da Criança na Família” (QAIDOF), um instrumento da autoria de Goreti
Marques (2017), construído no âmbito do seu doutoramento.
Atendendo aos objetivos específicos da Acreditar, designadamente a auscultação
destes cuidadores quanto ao apoio familiar a assegurar pela associação, foi necessário,
num primeiro momento, proceder a alguns ajustamentos no questionário original. Este
investimento foi realizado por alguns elementos do Projeto “Dreaming with survivors”
juntamente com as supervisoras da presente dissertação (uma delas a autora do QAIDOF).
Os ajustamentos realizados consistiram na adaptação dos tempos verbais
(passando da sua formulação no passado para o tempo presente dado que a reflexão
pedida se reporta às vivências atuais dos pais, aquando do preenchimento do
questionário), bem como o retirar de um item (“Sinto que facilmente me integrei na rotina
hospitalar” - pois o processo de integração ainda estava a decorrer, na segunda fase da
33
recolha, aquando a realização do questionário). Foram, ainda, acrescentadas duas novas
questões: uma reportada ao local de residência durante o curso dos tratamentos (e.g. na
sua própria casa, numa casa de acolhimento (como a Acreditar), ou na casa de
familiares/amigos, mais próxima do hospital), e uma outra relativa ao usufruto (ou não)
de baixa médica para poder acompanhar o seu filho.
Dos ajustamentos realizados ao instrumento inicial resultou uma versão
constituída por um total de 91 itens, organizada em torno de 5 dimensões. A resposta a
cada item é dada através de uma escala Likert de 5 pontos (oscilando entre 1- “discordo
totalmente” e 5 - “concordo totalmente”). A primeira dimensão, com 19 itens, foca-se na
vivência da doença pelo cuidador que preenche o questionário. Através de uma análise
fatorial, esta dimensão deu origem a 3 subdimensões: Enfrentamento da doença e
resposta às necessidades do filho; Impacto físico e reação emocional à doença do filho; e
Relação e comunicação com a equipa de cuidados.
A segunda dimensão abarca 10 itens e reporta-se ao suporte familiar e social
percebidos durante o curso da doença.
A terceira dimensão - com 5 itens - abarca questões relativas ao impacto da doença
na relação conjugal, designadamente em termos das necessidades e dificuldades que fez
emergir no seio do casal. Considerando a possibilidade de se tratar de uma família
monoparental, a escala de respostas contempla uma alternativa adicional: - “NA” (não
aplicável), a preencher nos casos em que essa relação não existe.
A quarta dimensão – abarcando 6 itens - refere-se aos irmãos. Nesta explora-se o
número de irmãos e respetivas idades à data do diagnóstico/tratamento, bem como as
perceções dos pais quanto ao impacto de todo o processo de doença nos outros filhos.
Uma vez mais a opção “NA” (não aplicável) é oferecida no caso em que não exista qualquer
relação de fratria.
Por último, o questionário abarca uma quinta dimensão, relativa à pertinência de
atividades e recursos que poderão ser disponibilizados pela Acreditar para apoiar estas
famílias. Esta dimensão remete para uma reflexão e síntese das suas respostas às
dimensões anteriores, e, em função destas, para a identificação de intervenções que
consideram benéficas para o bem-estar dos diferentes membros da família. Os 4
primeiros itens aludem a atividades de bem-estar e estética; 5 itens reportam-se a
atividades de ocupação de tempos livres; 9 itens a atividades formativas (e.g., na área da
nutrição, ação social e parentalidade); outros 7 itens abarcam atividades de suporte
34
emocional; 3 itens aludem a recursos materiais que considerem necessários para
esclarecer dúvidas sobre a doença; e, finalmente, 1 item - de resposta aberta – solicita aos
pais a inscrição de sugestões de outros recursos e atividades a promover pela Acreditar.
Na última parte do questionário – e de modo a melhor fazer corresponder estas
intervenções às disponibilidades das famílias -, questionam-se os pais quanto ao local e
timings mais ajustados (dias e horários) e à forma como estas atividades poderão ser
desenvolvidas (e.g. se com pais com a mesma vivência ou outros grupos, local para o
desenvolvimento das atividades).
1.2. Participantes
O estudo contou com a participação de 207 cuidadores informais de
crianças/adolescentes com diagnóstico de cancro. De entre estes, a quase totalidade
(n=201) são pais (168 mães/33 pais) e os restantes (n=6) avós ou tios1.
As respostas dos participantes foram recolhidas em várias fases do curso da
doença: tratamento, vigilância/manutenção, recidiva e alta. Por questões éticas (para
salvaguardar os pais numa etapa mais “delicada” do processo) foram excluídos todos os
casos cujo diagnóstico de cancro havia sido realizado há menos de três meses.
Os participantes foram selecionados a partir de uma amostragem de conveniência,
integrando os pais que manifestaram disponibilidade para participar no estudo. Um total
de 152 pais participou on-line, tendo os restantes 55 participado presencialmente,
respondendo ao mesmo questionário em versão papel.
1.3. Procedimentos de recolha de dados
Numa fase inicial, procedeu-se à submissão do estudo à Comissão de Ética da
Universidade do Minho e às comissões de ética dos dois hospitais que, na zona norte,
asseguram o acompanhamento de pacientes pediátricos com doença oncológica: o
Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil e o Centro Hospitalar de São João,
ambos sediados na cidade do Porto.
Uma vez aprovado na instituição formadora e nos dois contextos que acolheram o
estudo, avançou-se para o contacto direto com a coordenação das unidades de oncologia
1 Tendo em conta o número residual de participantes que não são os progenitores da criança/adolescente doente, doravante recorrer-se-á ao termo “pais” sempre que aludindo ao grupo de participantes em geral.
35
pediátrica dos dois hospitais a fim de articular a melhor forma de abordar os potenciais
participantes do estudo.
Numa primeira etapa – assegurada pela Acreditar - os questionários eletrónicos
foram enviados através do e-mail, e publicados e partilhados no Facebook. Na segunda
etapa do estudo – assumida pela autora do atual trabalho - os questionários foram
recolhidos presencialmente, no Hospital de Dia das duas instituições de saúde que
acolheram o estudo, contexto em que os pais permanecem longos períodos de tempo
aguardando consulta médica ou mais uma sessão de tratamento do filho. Nas situações
em que a criança/adolescente se encontrava hospitalizada, a recolha fez-se no
internamento.
Todos os potenciais participantes foram previamente interpelados pelo elo de
ligação de cada um dos hospitais (os enfermeiros responsáveis) ou pela investigadora
principal. Nesta primeira abordagem foram dados a conhecer os objetivos do estudo, seu
enquadramento institucional e solicitada a sua participação no estudo. Uma vez
manifestada a disponibilidade para participar, os pais foram convidados a preencher o
questionário num espaço contíguo à sala de espera, de modo a garantir a sua privacidade
e a não interrupção do processo de preenchimento. Nos casos em que a recolha foi feita
no internamento, os questionários foram preenchidos nos próprios quartos.
Os princípios éticos de participação voluntária, consentimento informado e
confidencialidade foram integralmente assegurados. Nesse sentido, ainda antes de
preencher os questionários, cada um dos participantes assinou um Consentimento
Informado confirmando a compreensão dos objetivos do estudo, anuindo a sua
participação, e autorizando a divulgação dos dados em contexto académico e científico,
mediante salvaguarda do seu anonimato. Todos os pais foram informados que podiam
recusar a sua participação ou desistir do estudo sem que tal prejudicasse o
acompanhamento hospitalar da criança/adolescente.
1.4. Análise dos dados
A busca de resposta às questões de investigação em que assenta o presente
estudo foi feita por intermédio da estatística descritiva e inferencial, com recurso ao
software IBM-SPSS (versão 24). No capítulo que se segue dão-se a conhecer os principais
resultados do estudo.
36
III. Resultados
No presente capítulo são apresentados os resultados do estudo empírico. Estes
procuraram responder a várias questões de investigação e dão a conhecer, o perfil
sóciodemográfico das famílias estudadas, o quadro clínico da criança/adolescente doente,
as perceções dos pais em torno das vivências que marcaram de modo mais significativo
diferentes elementos ou subsistemas do núcleo familiar (eles próprios, a relação do casal,
a rede social de suporte e os irmãos) e, finalmente, as atividades e recursos percebidas
como mais pertinentes nas respostas a agilizar pela Acreditar com vista à melhoria do
bem estar destas famílias.
1. Caracterização
Num primeiro momento dar-se-ão a conhecer as principais características do
grupo estudado, logo seguidas pela descrição dos resultados decorrentes das respostas
dos pais. Nestes aparecem retratadas as suas perceções sobre alguns dos aspetos mais
significativos da sua vivência do cancro de um filho, bem como da dos restantes membros
(e subsistemas) familiares.
1.1. Perfil sóciodemográfico das famílias
Na tabela 1 dá-se a conhecer o perfil sóciodemográfico dos 207 pais que
participaram no estudo.
N %
Quem vive com a criança
Só mãe (monoparental) 20 9,8% Só pai (monoparental) 2 1%
Pais (nuclear) 45 21,9% Pais e irmãos (nuclear) 107 52,2%
Pai/Mãe e irmãos (monoparental) 11 5,4% Pai/Mãe/Pais e elementos da família alargada
(família alargada) 20 9,8%
Região
Norte 99 48,8% Centro 46 22,7%
Sul 44 21,7% Madeira 11 5,4% Açores 3 1,5%
Tabela 1- Perfil sóciodemográfico das famílias
37
N %
Situação
profissional
Empregado por conta de outrem no setor privado
90 43,9%
Empregado por conta de outrem no setor público
50 24,4%
Empregado por conta própria 15 7,3%
Reformado 2 1%
Com ocupação não remunerada
8 3,9%
Desempregado 33 16,1%
Outro 7 3,4% Situação
profissional do outro cuidador (quando existe)
Empregado 98 77,8%
Desempregado 28 22,2%
Nº de filhos
1 29 16,3%
2 113 63,8%
3 29 16,3%
4 5 2,8%
5 1 0,6%
Quem assume mais tempo o
acompanhamento da
criança/adolescente durante o
tratamento
Mãe 141 68,1%
Pai 3 1,4%
Mãe e pai 3 1,4%
Outro 1 0,5%
Tal como é possível constatar, mais de metade destas famílias (n=107; 52,2%) são
“nucleares”, integrando as figuras do pai, da mãe e um ou mais filhos. Outras 33 famílias
são monoparentais (constituídas pela mãe/pai e um ou mais filhos) e, por último, 20
famílias são “alargadas”, abarcando, para além dos pais e um ou mais filhos, os avós e/ou
outros familiares (e.g. tios).
Quanto à área de residência das famílias, 48,8% situam-se no Norte, 22,7% no
Centro, e 21,7% no Sul. As restantes famílias residem nos arquipélagos da Madeira (5,4%)
e Açores (1,5%).
No que concerne ao papel de cuidador principal, em 95,3% dos casos este é
assumido pela figura materna. Em alguns casos (n=3; 1,4%) este papel é igualmente
distribuído entre o pai e a mãe, sendo que em 4 casos (1,9%) é o pai e/ou outros familiares
a cuidarem da criança. Nesta questão, surgiram 59 casos omissos (28,5%).
Tabela 1- Perfil sóciodemográfico das famílias (continuação)
Tabela 2- Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro (continuação)
38
Relativamente à situação profissional dos cuidadores principais, verificou-se uma
taxa elevada de “empregados por conta de outrem, no setor privado” (43,9%), seguida de
“empregados por conta de outrem, no setor público” (24,4%). De referir que, entre esses
cuidadores, 16,1% encontram-se desempregados e 3,9% desempenham funções não
remuneradas (e.g. empregada doméstica). Quando existe outro cuidador além do
cuidador principal, verifica-se que 77,8% deles se encontram empregados. De referir que
os restantes 22% dos “segundos cuidadores” se encontram desempregados.
Quanto ao número de filhos, 16,3% têm apenas um filho (aquele que se encontra
doente), sendo que a grande maioria das famílias (63,8%) tem dois filhos, seguido das
famílias que têm mais três filhos (16,3%), sendo muito poucos expressivos os grupos que
têm 4 ou 5 filhos (n=5 e n=1, respetivamente).
1.2. Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro
Na tabela 2 dão-se a conhecer as principais características sóciodemográficas e
clínicas das crianças e adolescentes cujo pai/mãe participou no estudo. O perfil traçado
dá a conhecer a idade atual deste filho, a idade aquando do diagnóstico, o tipo de cancro
com que foi diagnosticado e, a fase (diagnóstico, tratamento, vigilância, recidiva ou alta)
em que se encontrava aquando da realização do estudo.
N %
Idade atual
0-5 29 14%
6-10 55 26,6%
11-14 33 15,9%
15-18 54 26,1%
+18 36 17,4%
Idade atual
0-5 29 14%
6-10 55 26,6%
11-14 33 15,9%
15-18 54 26,1%
+18 36 17,4%
Tabela 2- Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro
39
Relativamente à idade aquando o momento da recolha, os dois grupos maiores
situam-se entre os 6 e os 10 anos (26,6%), e dos 15 aos 18 anos (26,1%). Quanto à idade
do diagnóstico, verificou-se uma maior incidência da doença em crianças dos 0 aos 5 anos,
representando este grupo 45,9% da amostra total.
No que se refere ao tipo de cancro, o diagnóstico mais comum entre a amostra
recolhida é a Leucemia, com 36,7% dos casos. O segundo grupo maior corresponde aos
tumores do SNS (15,9%) e, em terceiro e quarto lugar, os linfomas (12,1%) e os sarcomas
(11,6%). De referir que esta distribuição parece estar influenciada pelo local da recolha
de dados que, na segunda fase do estudo abarcou pais de pacientes a serem seguidos no
IPO do Porto, instituição responsável pelo acompanhamento dos chamados “tumores
líquidos” (e.g. leucemia, linfoma).
N %
Idade aquando o
diagnóstico
0-5 95 45,9%
6-10 38 18,4%
11-14 44 21,3%
15-18 28 13,5%
+18 1 0,5%
Diagnóstico
Leucemias 75 36,7%
Linfomas 25 12,1%
Neuroblastoma 9 4,3%
Tumores SNS 33 15,9%
Tumores hepáticos 7 3,4%
Tumor Wilms 7 3,4%
Retinoblastoma 6 2,9%
Sarcomas 24 11,6%
Outros 20 9,7%
Fase
Diagnóstico 2 1%
Tratamento 37 17,9%
Vigilância/Manutenção 138 66,7%
Recaída 8 3,9%
Alta 22 10,6%
Tabela 2- Perfil sóciodemográfico e clínico da criança/adolescente com cancro (continuação)
40
Quanto à fase da doença em que se encontravam estes pacientes aquando da
recolha dos questionários, a maioria (66,7%) encontrava-se em vigilância/manutenção,
17,9% em fase de tratamento, e 10,6% já tinham recebido alta. De referir que o grupo
maior (em vigilância/tratamento) e o correspondente aos casos com alta médica
correspondem essencialmente ao subgrupo de pais que participou na primeira fase do
estudo (on-line).
2. Vivência e perceções dos pais em torno da doença do filho
Os resultados que em seguida se apresentam dão a conhecer o olhar dos pais em
torno de várias dimensões exploradas pelo questionário em que se alicerçou o estudo.
Estes procuram dar resposta a um conjunto de questões de investigação colocadas numa
fase preliminar e que aparecem sistematizadas na tabela 3. Por questões de organização,
optou-se por apresentar estes resultados tomando, separadamente, cada uma destas
dimensões.
2.1. Vivência da doença pelos pais
A presente dimensão, contendo um total de 19 itens, reporta-se às reflexões dos
pais em torno da sua própria vivência da doença do filho, considerando três
subdimensões deste processo: (i) a forma de encarar a doença e a perceção quanto à sua
capacidade de responder às necessidades do filho com cancro (7 itens); ii) o impacto físico
Dimensões Questões de investigação
Vivência da doença pelo cuidador
Como foi experienciada a adaptação destes pais à doença e às necessidades da criança/adolescente doente?
Qual o impacto físico e emocional que a doença teve nestes pais?
Como experienciaram a adaptação ao contexto hospitalar?
Suporte social e familiar Como percecionaram o suporte social e familiar assegurado
ao longo do curso da doença?
Relação conjugal Qual o impacto da doença na sua relação conjugal?
Irmãos saudáveis Qual o impacto percebido nos irmãos?
Atividades e recursos para o bem-estar da família
Quais as atividades e recursos a disponibilizar pela Acreditar?
Tabela 3 – Dimensões exploradas e questões de investigação
41
e reações emocionais à doença (8 itens); e (ii) a qualidade da relação e da comunicação
com a equipa de cuidados (4 itens). Por forma a delimitar estas subdimensões, num total
de 19 itens que exploravam a dimensão mais pessoal da sua vivência da doença do filho,
procedeu-se a uma Análise de Componentes Principais (ACP). A esta análise precedeu-se
a averiguação da fatoriabilidade de cada uma das matrizes de correlações, através da
análise do valor do coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e dos níveis de significância
do Teste de Esfericidade de Bartlett (TEB). Assumiram-se as seguintes condições para
aceitação da fatorialibilidade da matriz de correlações: TEB com p <.05, e o valor de KMO
>=.60. A fatoriabilidade da matriz de correlações foi confirmada pelo valor coeficiente de
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=.75) e uma elevada significância do Teste de Esfericidade de
Bartlett (TEB <.001).
As baixas correlações entre os fatores com valor próprio superior à unidade levou-
nos a optar por uma rotação Varimax, assumindo cada um dos fatores como
independentes entre si. Olhando a scree plot, o seu desenho apontou para duas
alternativas possíveis: uma solução de três e outra de quatro fatores. Ambas as soluções
foram exploradas, no entanto, a maior coerência conceptual dos conteúdos dos itens que
compunham a solução de três fatores (corroborado por uma análise mais detalhada da
scree plot, cujo corte da curva é mais pronunciado logo a seguir ao 3º fator) levou-nos a
optar por esta primeira solução, que explica 43.7% da variância total (F1“Enfrentamento
da doença e resposta às necessidades do filho” – 22%, F2 “Impacto físico e reação
emocional à doença do filho – 13.6%, e F3 “Relação e comunicação com a equipa de
cuidados” – 8,04%).
Em seguida procede-se à descrição das reflexões dos pais em torno da
subdimensão/fator “Enfrentamento da doença e resposta às necessidades do filho”. Na
tabela 4 apresentam-se a média (M), desvio padrão (DP) e valores mínimos e máximos
das suas respostas para cada um dos itens.
Itens Média DP Mínimo Máximo
Capacidade de manter o otimismo/esperança 4,03 0,92 1 5
Capacidade de lidar com o comportamento e reações do filho 3,80 0,97 1 5
Tabela 4- Enfrentamento da doença e resposta às necessidades do filho
42
A leitura da tabela 4 permite constatar um olhar bastante positivo destes pais
quanto à forma como, no seu dia a dia, encaram a doença oncológica do filho e como
avaliam positivamente a sua capacidade de responder às necessidades e exigências
colocadas por todo este processo. Constata-se, assim, que a média das suas respostas à
grande parte dos itens aproxima-se (ou supera) o nível 4 de uma escala de Likert de 5
pontos. De entre todas as questões, aquela que se revela ter um menor valor é a referente
ao tempo para si próprio/a que, pela média observada entre o grupo (M=2,27), traduz
uma forte centralização no(s) outro(s) e parca disponibilidade para atender às sua
próprias necessidades.
Assim, em geral, os pais traçam um quadro onde transmitem a sua capacidade de
gerir o comportamento e as reações dos filhos, assim como os desafios trazidos pela
doença, com otimismo e esperança. Além disso, revelam que, apesar de tudo, existem
experiências positivas em todo o processo, contribuindo, todos estes fatores, para um
bem-estar que se revela importante, pois só assim conseguem dar o apoio emocional que
consideram necessário ao filho doente.
Na tabela 5 apresentam-se a média, desvio padrão e valores mínimos e máximos
das respostas dos pais aos 8 itens que compõem a subdimensão “Impacto físico e reação
emocional à doença do filho”. Dada a natureza “negativa” de vários dos itens, valores de
resposta mais alto são tradutores de maior dificuldade.
Itens Média DP Mínimo Máximo
Capacidade de assegurar alguns cuidados específicos ao filho 3,95 1,09 1 5
Capacidade de resolver desafios trazidos pela doença à família 3,77 0,98 1 5
Capacidade de, apesar das dificuldades, viver experiências
positivas 4,04 0,92 1 5
Capacidade de dar o apoio emocional necessário ao filho 4,36 0,77 1 5
Tempo para si próprio/a 2,27 1,14 1 5
Score total 3,74 0,63
Tabela 4- Enfrentamento da doença e resposta às necessidades do filho (continuação)
43
Olhando os resultados expostos na tabela 5, constata-se que as vivências
reportadas pelos pais em resposta aos itens desta subdimensão dão a conhecer um
cenário menos otimista do que o anterior, revelando o expressivo impacto que a doença
oncológica de um filho tem para estes pais. Entre os resultados encontrados destaca-se o
acentuado desgaste físico experienciado (M=4,02), seguido pelo comprometimento
ocorrido em termos dos seus planos pessoais e profissionais (M=3,73 e 3,64,
respetivamente) e pelo elevado desgaste emocional vivido. No que se refere à área
financeira, e ao desgaste acrescido que coloca, o facto de, vários destes pais
(especialmente aqueles que assumem o papel de cuidador principal), terem de abandonar
(ou diminuir significativamente) a sua atividade profissional para cuidar do filho doente,
coloca desafios financeiros acrescidos, responsáveis por um comprometimento adicional
do seu equilíbrio e bem estar. Refira-se, no entanto, a presença de, nestes três itens de
valores elevados do desvio-padrão (oscilando entre 1,37 e 1,38), traduzindo alguma
heterogeneidade/dispersão de níveis de resposta entre o grupo de pais.
Quanto à eventual presença de dificuldades em aceitar o diagnóstico do filho ou os
sentimentos de culpa descritos na literatura, os dados do presente estudo revelam, em
termos de média do grupo total, a presença de dificuldades num nível mais baixo (M=2,66
e 1,97 respetivamente). Tendo em conta que a literatura na área faz alusão à presença de
uma acentuada dificuldade de aceitação aquando do confronto com o diagnóstico e com a
Itens Média DP Mínimo Máximo
Dificuldade em aceitar a doença do filho 2,66 1,29 1 5
Sentimentos de culpa 1,97 1,24 1 5
Desgaste emocional 3,62 3,07 1 5
Desgaste físico/cansaço 4,02 1,04 1 5
Descurar das suas necessidades por parte dos outros 2,84 1,20 1 5
Questões económicas como dificuldade acrescida ao seu bem-
estar 3,39 1,37 1 5
Abandono dos seus projetos pessoais para cuidar do filho doente 3,73 1,37 1 5
Abandono dos seus projetos profissionais para cuidar do filho
doente 3,64 1,38 1 5
Score total 3,24 0,79
Tabela 5 - Impacto físico e reação emocional à doença do filho
44
ocorrência de uma gradual integração emocional da doença (Relvas, 2000; Sampaio,
2009; Trianes, 2004; Barros, 1999), procurou-se averiguar em que medida existiriam
diferenças entre este grupo de pais em função da fase em que se encontravam aquando
da sua participação no estudo. Olhando a média das suas respostas a estes dois itens
(“aceitação” e “culpa”), os resultados parecem traduzir um problema com pouca
expressão, podendo uma das interpretações possíveis destas médias (e o próprio valor do
desvio-padrão) ser o facto de que, muitos dos pais que responderam a questionário (on-
line) já haviam vivenciado a doença há já alguns anos, encontrando-se o seu filho em fase
de vigilância (66,7%) ou já com alta médica (10,6%). Tendo em conta que, como critérios,
não poderiam responder famílias cujo diagnóstico tinha sido feito há menos de 3 meses,
os restantes pais tinham já passado pela fase inicial do processo, estando agora mais
focados nos tratamentos.
Ainda no que concerne às respostas dos pais à primeira dimensão do questionário
– reportada à sua vivência da doença do filho – apresentam-se os resultados alusivos à
terceira e última subdimensão: Relação e comunicação com a equipa de cuidados. À
semelhança das subdimensões anteriores, apresentam-se na tabela 6 a média, desvio
padrão e valores mínimos e máximos das respostas dos pais aos 4 itens que a compõem.
As respostas destes pais revelam a perceção de uma relação próxima com os
profissionais de saúde, o fornecimento da informação necessária à compreensão do
processo clínico do filho e um bom envolvimento dos pais, pela equipa médica, nas
decisões importantes, todas elas superando o nível 4 de satisfação. São igualmente
elevados os níveis de compreensão reportados pelos pais quanto à informação que lhes é
disponibilizada pela equipa. Estes dados parecem ser o resultado de uma boa relação e
Itens Média DP Mínimo Máximo
Relação próxima e aberta com os profissionais de saúde 4,22 0,88 1 5
Envolvimento, pela equipa médica, nas decisões importantes 4,24 0,87 2 5
Acesso à informação necessária sobre a doença e tratamento(s) 4,26 0,80 2 5
Compreensão da informação disponibilizada sobre a doença do
filho 4,29 0,86 1 5
Score total 4,25 0,51
Tabela 6- Relação e comunicação com a equipa de cuidados
Média DP Mínimo Máximo
Que tenho uma relação muito próxima e aberta com os
profissionais de saúde 4,22 0,88 1 5
Que sou envolvido pela equipa médica nas decisões importantes
em relação ao meu filho 4,24 0,87 2 5
Que tenho a informação necessária sobre a doença e processo de
tratamento do meu filho 4,26 0,80 2 5
Compreendo a informação que me tem sido disponibilizada sobre
a doença do meu filho 4,29 0,86 1 5
Tabela 6- Vivência pelo cuidador: contexto hospitalar
45
comunicação construída com a equipa de cuidados ao longo do curso da doença do filho e
refletir a abordagem de Cuidados Centrados na Família.
Respondendo às questões de investigação relativas às vivências, é possível
perceber, de acordo com estes dados, que os pais sentem que não têm tempo para eles
próprios, sentem também um elevado desgaste físico e emocional e, no geral, sentem-se
adaptados e integrados no contexto hospitalar, devido ao envolvimento dos profissionais
de saúde.
3. Suporte familiar e social
Nesta dimensão avaliou-se a perceção dos pais quanto ao suporte social e familiar
que tiveram ao longo do processo da doença, bem como a qualidade do mesmo.
Globalmente os pais mostraram-se medianamente satisfeitos, situando-se o score total
das suas respostas aos 10 itens que compõem esta dimensão (já depois de invertidos os
itens “negativos”) no valor de 3,46. Na tabela 7 dá-se lugar à apresentação das respostas
dos pais item a item, tomando a média, desvio-padrão e os valores mínimo e máximo.
Olhando a tabela 7, verifica-se que a comunicação e os afetos associados à relação
com os seus entes significativos (familiares e amigos) é pontuada pelos afetos, abertura e
Itens Média DP Mínimo Máximo
Afastamento dos meus amigos 2,42 1,38 1 5
Ter pouco tempo para a vida social 3,86 1,12 1 5
Disponibilidade da minha família para ajudar 3,78 1,29 1 5
Afeto da minha família 4,07 1,19 1 5
Ter pouco tempo para estar com a família alargada 3,59 1,09 1 5
Isolado e sem o apoio das pessoas mais próximas 2,19 1,26 1 5
Falta de alguém verdadeiramente próximo para desabafar 2,55 1,48 1 5
Prazer nas atividades com a família alargada 3,17 1,12 1 5
Capacidade de falar abertamente sobre a doença a familiares e
amigos 4,10 1,02 1 5
Respeito da minha família pelos meus sentimentos 4,16 0,92 1 5
Score total 3,46 0,60
Tabela 7- Suporte social e familiar
Tabela 7- Suporte social e familiar
46
respeito pelos seus sentimentos. Nestes três itens, a média das respostas dos pais supera
o ponto 4. Destaque-se, também, o facto de, apesar da perceção francamente positiva da
qualidade da sua rede de suporte, os pais relatarem uma significativa perda de
disponibilidade para cultivar a sua vida social, designadamente conviver com amigos
e/ou usufruir de momentos de lazer (e.g. ir ao cinema).
Relativamente à família alargada, a perda de disponibilidade para estar com a
mesma – uma vez que muito centrados no acompanhamento do filho doente, nas idas e
vindas do hospital, nas tentativas de evitar contágios e o contacto com visitas – é também
relatada pelos pais. No entanto, é necessário ter em conta que o facto de não existir tempo
para atividades conjuntas implique a falta de contacto, pois o contacto pode ser feito de
outra forma. Aliás, quando elaboram atividades conjuntas, os inquiridos referem sentir
prazer nessas mesmas atividades, sendo algo bastante benéfico apesar da distância.
Quanto ao suporte emocional mais direto, apesar de não se sentirem totalmente
isolados (M=2.19), a média da resposta dos pais à questão “sinto falta de alguém para
desabafar”, apesar de não muito elevada (M=2.55), parece traduzir as parcas
oportunidades existentes para ventilar as suas emoções.
4. Relação conjugal
Na presente dimensão, exploram-se as perceções dos pais relativamente às
alterações sofridas na relação do casal e numa eventual redistribuição dos papéis entre
ambos de modo a fazer face aos múltiplos desafios colocados ao longo do curso da doença.
Na tabela 8 apresentam-se a média, desvio padrão, valores mínimos e máximos das
respostas dos pais, bem como o score total da dimensão, calculado a partir da soma das
respostas dos pais aos 5 itens que a compõem.
Itens Média DP Mínimo Máximo
Necessidade de uma redistribuição de papéis entre o casal 3,47 1,44 1 5
Que a minha relação conjugal foi prejudicada 2,68 1,52 1 5
Falta de tempo para o casal 3,66 1,36 1 5
Tabela 8- Relação conjugal
Tabela 8- Relação conjugal
47
Olhando o score global desta dimensão, a média das respostas dos pais (M=2,94)
revela a perceção de ocorrência de alterações medianas nesta área da sua vida, assumindo
maior expressão aquelas que dizem respeito à falta de tempo para o casal (M=3,66) e a
necessidades de se redistribuírem os papeis entre ambos (M=3, 47), ambos superando o
ponto intermédio da escala Likert de 5 pontos. De referir que, dos 207 participantes, nem
todos responderam a este último item.
No que se refere à comunicação entre o casal (M=2,74) e às tomadas de decisão
conjuntas relativamente ao que poderá ser o melhor para o seu filho doente (M=2,18), ou,
a perceção de que a relação conjugal sofreu prejuízo com o emergir da doença (M=2,68),
os resultados globais indiciam a presença de algumas dificuldades mas num nível abaixo
do ponto 3 da escala. Estes resultados parecem traduzir a perceção de algum
“estremecimento” da relação conjugal, mas, sem a pôr em causa. De referir, no entanto, a
acentuada dispersão existente nas respostas dos diferentes participantes entre si,
verificando-se, para todos os itens desta dimensão, valores de desvio padrão que
oscilaram entre 1,36 e o 1,52.
5. Impacto da doença nos irmãos
Olhando as perceções dos pais em torno do impacto que a doença oncológica tem
sobre os irmãos, é de referir o facto de, de entre os 207 núcleos familiares representados
pelos participantes do estudo, 148 famílias terem mais de um filho, existindo assim, pelo
menos, um irmão (cf. Tabela 1). Apenas 29 famílias não têm mais nenhum filho para além
daquele que se encontra doente, surgindo em igual número as famílias que têm três filhos,
ou seja, dois irmãos da criança/adolescente doente. Apenas seis famílias têm quatro ou
mais filhos.
Itens Média DP Mínimo Máximo
Dificuldades de comunicação com o meu companheiro 2,74 1,49 1 5
Dificuldade em encontrar consenso nas tomadas de decisão do
que é melhor para o nosso filho 2,18 1,41 1 5
Score total 2,94 1,04
Tabela 8- Relação conjugal (continuação)
Tabela 8- Relação conjugal
48
Na tabela 9 apresenta-se a síntese das respostas dos pais aos seis itens que avaliam
esta dimensão, considerando, uma vez mais a média, desvio padrão, valor mínimo e
máximo, bem como o score total desta dimensão.
Olhando o score total, verifica-se a presença de uma média de 3,52 (com um DP de
0,89), valor que traduz o impacto médio-alto que, segundo o olhar dos pais, a doença
oncológica tem no(s) outro(s) irmão(s). Entre os aspetos mais expressivos, destacam-se
a preocupação do(s) irmão(s) com o que está a ocorrer com o irmão doente (M=4,26); a
sua vontade em colaborar nos investimentos de todo o núcleo familiar no sentido de
assegurar o bem-estar e a recuperação desse irmão (M=4,17), logo seguido pela tristeza
sentida por tudo o que se está a passar (M=3,93). Nestes três itens, as respostas dos pais
aproximam-se ou superam o nível 4, dando conta do elevado sofrimento percebido entre
os outros filhos. Relativamente aos ciúmes, a média das respostas dos pais parece traduzir
um nível pouco expressivo (M=2,33), no entanto, o desvio padrão das respostas dos pais
a este item (DP=1,45) traduzem a existência de vários cenários no seio dos diferentes
núcleos familiares.
Quanto ao rendimento escolar, a média é igualmente inferior a 3 (M=2,71),
traduzindo, entre o grupo de participantes, a perceção de que o desempenho do(s)
outro(s) filho(s) não foi significativamente afetado pela doença do irmão. Refira-se, no
entanto, que, à semelhança do item anterior, também a dispersão das respostas é elevada
(DP=1,41), dando a conhecer vários cenários em termos do impacto que a doença
oncológica parece ter no desempenho escolar dos irmãos.
Itens Média DP Mínimo Máximo
Tristeza por parte dos irmãos 3,93 1,31 1 5
Ciúmes por parte dos irmãos 2,33 1,45 1 5
Preocupação dos irmãos 4,26 1,15 1 5
Diminuição do rendimento escolar dos irmãos 2,71 1,41 1 5
Vontade dos irmãos em colaborar para a melhoria do irmão
doente 4,17 1,07 1 5
Menor disponibilidade da minha parte para atender às
necessidades dos meus outros filhos 3,75 1,41 1 5
Score total 3,52 0,89
Tabela 9- Impacto da doença nos irmãos
Tabela 9- Impacto da doença nos irmãos
49
Saliente-se que, no que toca às respostas destes pais quanto à atenção dada às
necessidades dos outros filhos, a sua apreciação aproxima-se do valor 4 (M=3,75), dando
a conhecer uma perceção de um decréscimo expressivo na disponibilidade tida para estes
filhos.
6. Atividades e recursos para o bem-estar da família
Neste apartado dos resultados, dão-se a conhecer as respostas dos pais às várias
alternativas de intervenção propostas pela Acreditar com vista a ir ao encontro das
necessidades mais prementes destas famílias. Depois de refletirem sobre alguns dos
aspetos mais significativos da sua vivência da doença do filho, e sobre o impacto da mesma
em si e nos diferentes elementos e subsistemas familiares, foi pedido a estes pais que, de
entre as alternativas apresentadas, selecionassem as que na sua ótica, melhor poderão
contribuir para minorar esse impacto e ampliar o equilíbrio e bem-estar destas famílias
no seu todo e em cada um dos seus membros em particular. As propostas de intervenção
surgiram, no questionário, categorizadas em cinco áreas: (i) atividades de bem-estar e
estética; (ii) atividades de tempos livres; (iii) formação; (iv) apoio emocional; e (v)
recursos.
Na tabela 10 são apresentadas as respostas dos pais a esta dimensão do
questionário, dando a conhecer a média da relevância atribuída a cada uma das
alternativas apresentadas, o desvio padrão, bem como os valores mínimo e máximo entre
os quais oscilaram as suas respostas para cada um dos itens.
Categoria Atividade Média DP Mínimo Máximo
Bem-estar e
estética
Sessões de relaxamento 4,15 1,14 1 5
Massagens terapêuticas 4,04 1,20 1 5
Cuidados de estética 3,70 1,23 1 5
Tabela 10- Atividades e recursos
Tabela 10- Atividades e recursos
50
Aquela que se revelou com maior afluência, foi a categoria relativa aos recursos,
nomeadamente o Gabinete de Apoio ao cuidador. De todas as hipóteses de todas as
vertentes, esta foi a mais apontada pelos pais como necessária.
Categoria Atividade Média DP Mínimo Máximo
Atividades de
ocupação de
tempos livres
Atividades para pais 3,65 1,15 1 5
Atividades ao ar livre 3,91 1,07 1 5
Atividades lúdicas para os
irmãos 4,13 1,04 1 5
Colaboração com associações
na área do cancro 4,35 0,90 1 5
Atividades
formativas
Apoios sociais/direitos do
cuidador 4,51 0,87 1 5
Nutrição e alimentação 4,45 0,88 1 5
Preparação para a “alta
médica” 4,47 0,83 1 5
Gestão de stress/momentos
de crise 4,52 0,79 1 5
Brincar e ocupação de tempos
livres 4,33 0,84 2 5
Gestão doméstica 3,95 1,08 1 5
Competências parentais 4,08 0,99 1 5
Integração
profissional/carreira 4,16 0,99 1 5
Apoio emocional
Apoio psicológico individual 4,31 0,99 1 5
Terapia para casal 3,90 1,15 1 5
Terapia familiar 4,04 1,07 1 5
Voluntariado feito por pais de
doentes e sobreviventes 4,21 1,02 1 5
Recursos
Manual sobre oncologia
pediátrica 4,43 0,79 1 5
Fórum na internet com
tópicos de discussão sobre
oncologia pediátrica
4,27 0,88 1 5
Gabinete de Apoio ao
Cuidador 4,49 0,70 1 5
Tabela 10- Atividades e recursos (continuação)
Tabela 10- Atividades e recursos
51
Depois desta categoria, os inquiridos consideram necessárias as atividades
formativas, com uma maior incidência nas sessões de esclarecimento em apoios sociais e
direitos do cuidador.
A terceira categoria com maior índice de resposta foi a categoria do apoio
emocional, nomeadamente o apoio psicológico individual, revelando-se algo também
essencial e necessário.
Em termos gerais, os pais consideram serem estas as principais e melhores
intervenções para o seu caso específico.
Em conversa com alguns pais, aquando o preenchimento dos respetivos
questionários, várias foram as queixas relativamente à falta de informação sobre os
apoios que estão disponíveis, sendo isto visto como uma lacuna bastante preocupante, o
que é justificado pelas hipóteses de intervenção que mais consideram necessárias.
Referem, também, que faz falta um voluntário da Acreditar ao domicílio, pois sentem que,
quando estão ou vivem sozinhos e têm o(s) filho(s) em casa, não conseguem desempenhar
tarefas básicas, mas que se revelam importantes (e.g. ir às compras).
Para cada uma das categorias existia uma resposta aberta, onde os pais puderam
propor outras atividades. Relativamente às atividades de bem-estar, não existiu nenhuma
sugestão. No entanto, nas atividades de ocupação de tempos livres, foram várias as
sugestões, desde atividades que envolvem a música, convívios com outros familiares na
mesma situação, atividades em equipas (e.g. andebol, futebol), natureza (e.g. passeios pela
natureza), retiros espirituais, entre outras.
Quanto às atividades formativas, as sugestões passaram por cuidados básicos e de
higiene, formações nas escolas e cursos de primeiros socorros. Nos recursos, as propostas
feitas pelos pais foram a articulação com a segurança social, centros de saúde e finanças,
de modo a darem seguimento às burocracias necessárias, a alteração à lei das baixas para
cuidadores, o apoio domiciliário e à distância, o imediato apoio emocional aos pais, a
avaliação de famílias carenciadas e posterior apoio e a existência de uma nutricionista em
contexto hospitalar.
De modo a aumentarem a sua participação, num campo também de resposta
aberta, alguns dos participantes deixaram algumas sugestões de iniciativas e ações a
serem desenvolvidas pela Acreditar ou instituições congéneres. São elas um jantar, ações
de formação sobre o tratamento das crianças, pais e colaboradores da associação, ações
que possam aumentar a interação da sociedade para que se acabe com o estigma social,
52
acompanhamento personalizado com cada criança e seus irmãos, apoiar com
estacionamento gratuito quando são necessários tratamentos prolongados no hospital,
criar/gerir grupos de cuidadores com visitas domiciliárias e verificar as necessidades de
alimentação das famílias.
No que diz respeito à vivência dos pais em concreto, e à semelhança daquilo que
outros estudos têm vindo a evidenciar, todo o processo de doença oncológica de um filho
acaba por ser completado com muitos outros constrangimentos que vão surgindo na vida
destes familiares (e.g. abandono das experiências pessoais e profissionais, o isolamento
da família alargada e dos amigos e o comprometimento da relação conjugal).
Neste estudo, e como visto anteriormente, destacam-se algumas necessidades
dentro das categorias traçadas - nas vivências sentidas pelo cuidador, a falta de tempo
para o cuidador cuidar de si e um elevado cansaço físico e emocional; no “suporte social e
familiar”, os participantes sentem ter pouco tempo para a sua vida social; a necessidade
de redistribuição de papéis entre o casal, no que concerne à categoria da “relação
conjugal”; e relativamente aos irmãos, o pouco tempo que os pais dispõem para os
restantes filhos. De acordo com os resultados obtidos, estas são as necessidades mais
comuns em todo o processo da doença. Além destas, aquilo que os pais consideram como
mais urgente e necessário em termos de intervenção/ações está relacionado com a falta
de informação e apoios que sentem. Assim, consideram extremamente útil um gabinete
de apoio ao cuidador e sessões de esclarecimento relativas a apoios sociais e direitos do
cuidador, pois consideram que estas informações não lhes são chegadas corretamente e
como deviam.
53
IV. Discussão dos resultados
Nesta parte da dissertação dá-se lugar ao confronto dos dados recolhidos no
âmbito do estudo empírico desenvolvido com a revisão e síntese da literatura
apresentadas num primeiro momento deste trabalho. O objetivo será averiguar em que
medida as evidências recolhidas se aproximam (ou não) do que outros estudiosos da área
têm vindo a partilhar, trazer novas “luzes” à compreensão dos fenómenos em estudo, bem
como suportar o desenho de respostas ajustadas às reais necessidades destas famílias.
Tal como referido pela literatura e confirmado pelos resultados do presente
estudo, a doença oncológica em crianças e adolescentes é um acontecimento não
normativo, implicando inúmeras alterações em várias esferas do funcionamento
individual e familiar. Segundo vários autores, a doença oncológica é desencadeadora de
uma elevada sobrecarga psicossocial, associada a acentuado desgaste emocional e
económico, potenciadores de um desequilíbrio que pode, muitas vezes, culminar na
destruturação familiar (Marques, 2017; Hanson, 2005; Pedro, 2009; S. Silva, et al., 2002).
Revelam-se, como referido na teoria, que o cansaço emocional e o desgaste físico são
acentuados em todo decorrer da situação, assim como as dificuldades económicas, que se
revelam uma dificuldade acrescida.
Como referido em estudos de Araújo (2011), Gomes e colaboradores (2004) e Silva
(2001), para os pais, o confronto com o diagnóstico de um cancro num filho é gerador de
um acentuado sofrimento psicológico. A esta experiência associa-se uma panóplia de
emoções que dá lugar a um acentuado desgaste físico emocional, os quais são transversais
a todo o processo da doença (como comprovam os dados obtidos, sendo o “apoio
psicológico individual” uma necessidade apontada pelos participantes).
Ao contrário daquilo que a alguns autores afirmam (Pimenta, 2013;
Redondeiro, 2003; S. Silva, et al., 2002; Tavares, 2008), entre os pais que participaram
neste estudo a culpa não parece ser um sentimento dominante. Quanto à aceitação da
doença oncológica do filho, as respostas destes pais dão a conhecer um grupo que oscila
entre a aceitação e uma intensa dificuldade em integrar o diagnóstico.
Relativamente à vivência destes pais, uma das que parece inspirar atenção
acrescida, em termos de suporte, prende-se com a falta de tempo para si próprios. Este
pouco investimento no auto-cuidado, decorrente da forte centração no filho doente e nas
tentativas de minorar o seu sofrimento, bem como de dar resposta às outras inúmeras
54
solicitações que este processo coloca (e.g. dar assistência aos outros filhos, gerir a vida
doméstica, dar resposta às solicitações profissionais, se existentes…) tem sido também
descrito por outros autores (e.g., Machado, 2014; Mano, 2017; Melo, 2017; Pimenta, 2013;
Redondeiro, 2003; Tavares, 2008), e são descritos como associados ao acentuado
desgaste físico e cansaço sentidos pelos pais, pois acabam por se esquecer das suas
necessidades e do seu bem-estar, respondendo apenas àquilo que os filhos precisam,
sendo algo justificado, mais uma vez, nestes dados. Os cuidadores acabam por se privar
de muitas atividades de lazer e, neste caso, da vida social, para se dedicarem inteiramente
ao filho doente. Esta trata-se de uma necessidade a ter em conta, pois o relacionamento
com os amigos e/em outros contextos revela-se, muitas vezes, determinante para o bem-
estar psicológico e emocional.
Quanto à adaptação à doença do filho e ao sentido de competência para assumir o
seu cuidado e prestar o apoio emocional necessário, os resultados do presente estudo
traduzem um discurso otimista e auto-confiante, nem sempre coincidente com a literatura
na área (Rowland & Holland, 1990; Pimenta, 2013; Redondeiro, 2003; Tavares, 2008).
O cenário experiencial traçado por estes pais é também bastante positivo no que
toca à adaptação ao contexto hospitalar e à comunicação com a equipa de cuidados. Em
geral, estes dizem sentir-se integrados e envolvidos nos cuidados e tomadas de decisão
relativamente ao quadro clínico do filho, e como tendo uma boa relação com os
profissionais responsáveis pelo acompanhamento do seu filho. Estes dados vão ao
encontro dos estudos de Pimenta (2013) e Machado (2014) que relatam a relevância que
a abertura, confiança e a “aliança” estabelecida com a equipa de cuidados teve no seu
processo de confronto com a doença, na manutenção do seu otimismo e esperança em
relação à superação da doença, bem como no processo de adaptação à vida hospitalar.
Os dados dão também a conhecer a presença de dificuldades financeiras entre
algumas destas famílias, no seio das quais se vivem situações de desemprego (em 16,1%
dos casos), ou com atividades não remuneradas (3,9%). Entre 37,2% destes pais, foi
necessário abandonar os seus projetos profissionais para poder acompanhar de perto o
filho doente. Atendendo às despesas acrescidas que geralmente estes processos
encerram, e tendo em conta o menor orçamento familiar decorrente da interrupção da
atividade profissional de um dos pais, desemprego ou baixa médica, geralmente por um
período prolongado, esta dimensão financeira representou um stressor acrescido para
várias famílias. As mesmas dificuldades têm vindo a ser enfatizadas por vários outros
55
autores da área (Marques, 2017; Araújo, 2011; Correia, Teixeira & Marques; 2005;
Damião & Angelo 2001; Redondeiro, 2003) que referem que nem sempre o cenário é o da
perda de emprego e rendimentos.
Adicionalmente, muitos destes pais (n=128) destes pais dizem ter abandonado
alguns projetos pessoais (como ter outro filho, viajar, fazer atividade física) para poderem
estar “inteiros” no cuidado a este filho, sendo estes números tradutores do elevado
comprometimento que a doença oncológica de um filho acarreta na vida destes pais,
designadamente ao nível do auto-cuidado e assistência dada a outros elementos e
subsistemas familiares (Mano, 2017; Machado, 2014; Monteiro, 2018; Pedro, 2009; S.
Silva, et al., 2002). Entre estes subsistemas, o casal é tido como um dos mais “sacrificados”
(e.g., Machado, 2014; Pimenta, 2013; Steffen & Castoldi, 2006) verificando-se, entre o
grupo estudado um cenário um pouco distinto, tendo as respostas dos pais revelado
algum impacto na relação, designadamente a falta de tempo para o casal e a necessidade
de redistribuir papéis entre ambos, mas que sem que tal afetasse negativamente a
unidade do casal. À semelhança do que referem outros autores da área, vários destes
casais conseguem resolver as tensões, conflitos e mudanças que vão sendo colocadas ao
longo do processo, desenvolvendo, nalguns casos, novas formas de comunicar entre si,
novos “espaços” e “tempos” para o casal (e.g., Marques, 2017; Melo, 2017; S. Silva, et al.,
2002), sendo que os ajustamentos ocorridos no seio do casal - como descrevem S. Silva e
colaboradores (2002) -, resultam da tomada de consciência, de que juntos conseguem
assegurar uma maior estabilidade de todo o(s) (sub)sistema(s) familiar(es) e encarar
melhor a doença do filho. Tal como a literatura também refere, muito embora o primeiro
impacto e os tempos iniciais pós o confronto com o diagnóstico sejam particularmente
desestruturantes, em termos emocionais e ao nível de toda a dinâmica e funcionamento
familiar (Mano, 2017; Monteiro, 2018; Patistea, 2005), a tendência é para que
gradualmente o equilíbrio seja retomado e que a “normalidade possível” seja resgatada
nas suas vidas.
Os dados do presente estudo parecem também apontar para a proximidade de
outras evidências mais recentemente recolhidas na área no sentido em que também elas
apontam para um cenário em que, apesar de todo o transtorno causado pela doença, no
cômputo geral, as reflexões dos pais em torno da sua experiência são positivas e otimistas,
tornando-se resilientes (Castro, 2009; Cadell, Kennedy & Hemsworth, 2012; Jones, 2012).
No que toca especificamente aos pais, alguns deles parecem protagonizar um processo de
56
grande evolução e crescimento, revelando bom indicadores de adaptação e bom
funcionamento psicossocial.
No que se refere ao suporte dado a estas famílias, o apoio dado à ventilação e
integração de emoções menos positivas tende a atenuar o impacto negativo desta
experiência, o ressignificar da mesma e/ ou do próprio sentido da vida e respetivas
prioridades. No que concerne à disponibilidade da família para ajudar, assim como ao
afeto da mesma, no estudo em concreto, a maioria das famílias afirmam senti-lo,
revelando que, muitas vezes, estes acontecimentos não normativos acabam por criar uma
maior coesão nas famílias, facilitando o confronto com a realidade a que a doença remete.
No entanto, as famílias inquiridas sentem que, no geral, não têm tempo para atividades
com a família alargada, o que pode, muitas vezes, romper laços familiares, como referido
na literatura.
Nestes processos, Nascimento (2003) - de certa forma corroborando os dados
obtidos no presente estudo -, refere que a experiência e apoio de outros que passaram por
um processo análogo assumem também grande importância para estes pais. Um
indicador dessa relevância são as respostas dos pais às propostas de apoio oferecidas pela
Acreditar, entre as quais os pais identificam de forma expressiva a necessidade de grupos
de apoio entre pais, bem como a existência de voluntariado feito por pais de doentes e
sobreviventes.
No questionário apresentado, os pais mostraram também um interesse especial
pela disponibilização de recursos como um Gabinete de Apoio ao Cuidador, manuais sobre
oncologia pediátrica e a oferta de apoio psicológico individual.
Muitos dos desafios apontados pela literatura - como a necessidade de informação
sobre a doença, a capacidade de encontrar a melhor forma de comunicar aspetos da
doença à criança, a importância de manter uma rede social de suporte, entre tantas outras
(Silva-Rodrigues, Pan, Sposito, Alvarenga & Nascimento, 2016; Mano, 2017) – podem ser
colmatados por algumas das atividades elencadas pela Acreditar no questionário e
igualmente valorizadas pelos pais como potenciais respostas às necessidades e
dificuldades identificadas na primeira parte do questionário.
De acordo com Van Dongen-Melman e Sanders-Woudstra (1986) referenciados
por Araújo (2011):
“(…) se para a criança o diagnóstico de cancro pode significar viver com uma
doença de risco e lidar com a potencial ideia de morte, para a sua família
57
significará viver com uma criança com uma doença grave e, ao mesmo
tempo, conviver com o medo de perder um dos elementos da família” (p.73).
58
V. Considerações finais
A comunidade científica tem demonstrado curiosidade em compreender aquelas
que são as mudanças e alterações vivenciadas aquando uma doença oncológica numa
criança.
Através da literatura, foi possível enquadrar teoricamente as principais
necessidades apontadas a estas famílias. Por se tratar de algo crónico, a doença vai gerar
adaptações, responsabilidades e restruturações a nível pessoal e familiar. A verdade é que
as mudanças inesperadas implicam uma maior probabilidade de disfunção familiar,
dando origem a crises que geram stresse (Relvas, 2004). Tal como refere a autora, os
problemas não são definidos através do seu carácter mais ou menos agradável, mas sim
pelo seu carácter de mudança (Relvas, 2004).
Através deste estudo empírico foram identificadas algumas das principais
necessidades sentidas pelos participantes, que se revelaram, maioritariamente, mães de
crianças e adolescentes com doença oncológica. Os resultados encontrados revelam
também algumas pistas para reflexão, como é o caso das vivências dos irmãos saudáveis.
Tal como referido anteriormente, a forma como a família enfrenta todas estas
vivências dependem de vários fatores. O mais importante para o sucesso é que exista uma
readequação familiar onde todos os membros possam desempenhar tarefas e assumir
algumas funções e papéis de modo a contribuir para a harmonia familiar, o que implica a
descoberta de novas estratégias e processos adaptativos que sejam rápidos e em curtos
períodos de tempo (S. Silva et. al., 2002).
Quando confrontadas com o diagnóstico de uma doença oncológica, as famílias
aprendem a saber lidar com a incerteza face ao futuro, mas, ao mesmo tempo, com a
esperança (Santos, 2006). Se a família não se conseguir ajustar à situação da doença
mantendo o equilíbrio, vão ser necessários outros fatores mediadores que facilitem essa
adaptação, como é o caso das instituições como a Acreditar e apoio social (Teixeira, 2012).
Uma maior coesão familiar gera um maior nível de compreensão, comunicação,
partilha e, consequentemente, recuperação. Pois, desta forma, os membros da família
percebem que juntos podem vencer a doença caso se mantenham unidos, protegidos e
seguros, acreditando que é possível. Isto permite, também, um maior nível de
comunicação com os outros sistemas onde estão envolvidos, facilitando todo o processo
59
(Gomes et. al., 2004), o que significa que os laços familiares previnem a destruturação e
desintegração da família (Hanson, 2005).
Por outro lado, existem aquelas famílias que já manifestavam problemas antes do
aparecimento da doença, o que torna a adaptação mais difícil. O desencadear da doença
acaba por sobrecarregar estas famílias, ativando maiores níveis de stresse. O que pode
acontecer é estas famílias se isolarem, criando barreiras que as impeçam de comunicar
com apoios existentes, que podem ser uma retaguarda e ajuda no cuidado à
criança/adolescente doente (Silva, 2001).
Profissionais da área da psicologia e educação social acreditam que é necessário
intervir junto dos pais de modo a que estes possam “ventilar as emoções” e promover o
suporte social, percebendo aquilo que os inquieta (tendo sido isto também apontado
pelos participantes do presente estudo). Referem que o importante é também tentar dar
resposta às questões adaptativas que têm. Tendo em conta a exaustão emocional que
sentem, é normal que não entendam todas as informações médicas prestadas. Por isso, os
profissionais de saúde devem fazê-los sentir-se integrados em todo o processo de cura e
mostrar disponibilidade para responder a todas as questões que possam surgir.
Em vários casos, como referido na literatura, estas fragilidades acabam por fazer
com que as famílias adotem estratégias de coping adaptativas e, integrando toda a
experiência menos positiva (o cancro do filho) em experiências de superação e
crescimento pessoal (Castro, 2009; Delella & Araújo, 2002; Freire et. al., 2015; Jones,
2012; Kazak et al., 2003; Machado, 2014; Teles & Valle, 2009).
Torna-se crucial perceber o impacto que a doença tem nos cuidadores, sobretudo
perceber as necessidades e dificuldades que estes sentem, tendo eles a experiência
subjetiva e direta com a doença. Só desta forma é que é possível planear e implementar
estratégias que vão ao encontro destas necessidades.
Algumas sugestões de investigação que surgem deste estudo, passam pela
situação/impacto da doença na família alargada e nos irmãos saudáveis. A família
alargada tem um papel crucial em todo o processo, e não existem estudos sobre a mesma
na área da oncologia pediátrica. Quando não existe este tipo de apoio, apoiam-se em pais
que passam pela mesma situação, acabando estes “amigos de caminhada” por se tornarem
família, muitas vezes. Criam ligações tão fortes que chega a existir esta denominação. Por
outro lado, existem famílias que sempre tiveram relação, mas acabam por se afastar
60
devido à distância forçada pelos tratamentos, sendo este um fator a ter em conta: qual o
impacto desse acontecimento na vida dos familiares, cuidadores e criança doente?
Relativamente aos irmãos, é importante perceber que os irmãos saudáveis
precisam de apoio não só no momento do diagnóstico, mas em todo o processo, pois eles
não sofrem apenas com a doença, acabam por sofrer com a ausência dos pais e falta de
atenção dos mesmos (Azeredo, Amado, Silva, Marques & Mendes, 2004; Silva, Andrade,
Barbosa, Hoffmann, & Macedoal, 2009).
É dentro da relação de irmãos que se aprende a dividir, a partilhar, a competir e a
comprometer. E esta igualdade acaba por ser posta em causa quando um dos membros
necessita de mais atenção e cuidados especiais, como acontece na oncologia. Uma das
soluções possíveis nestes casos, tal como já referido, é envolver os irmãos saudáveis,
transmitindo-lhes conhecimento e informação sobre a doença (Brown-Hellsten, 2006).
Caso os pais permitam o envolvimento do irmão nos cuidados a prestar à criança doente,
este não se vai sentir tão excluído, o que acaba por permitir uma melhor compreensão da
situação (Silva, Pires, Gonçalves & Moura, 2002).
No que concerne às limitações do estudo, estas estiveram relacionadas com a
recolha e base de dados. Tendo sido a base de dados já criada anteriormente, à medida
que a análise ia sendo feita, foram encontradas algumas lacunas (e.g. espaço para a
variável “habilitações literárias dos pais” ou “idade dos irmãos”).
Por fim, é necessário ter em conta que, na segunda fase, todos os dados foram
recolhidos na zona Norte, sendo esta também uma limitação, pois não permite uma
generalização.
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73
Anexos
74
Anexo I
75
76
77
78
79
80
Anexo II
81
Anexo III
INFORMAÇÃO AO PARTICIPANTE
O presente estudo, intitulado ““Vivências dos pais no curso da doença oncológica de um
filho” corresponde a uma dissertação de mestrado da autoria de Ana Cláudia dos Santos Alves,
a realizar no Instituto de Educação da Universidade do Minho. O estudo faz parte de um
projeto de investigação promovido pela Acreditar com o título “Cuidar dos Cuidadores”.
Este estudo será realizado no Centro Hospitalar Universitário de S. João e no IPO do Porto
e conta com a participação de pais/mães de crianças e adolescentes com cancro. O objetivo
principal é conhecer mais aprofundadamente o impacto da doença na família (em especial nos
pais e irmãos) e quais, na opinião dos pais, poderão ser as atividades a promover pela
Acreditar no sentido de ajudar estas famílias a enfrentar as dificuldades e necessidades
vividas durante este processo. Para isso será aplicado o “Questionário do Impacto da Doença
Oncológica da Criança na Família” que demora cerca de 20 minutos a preencher.
Ao colaborar com este estudo poderá ajudar a Acreditar a conhecer melhor as
dificuldades, preocupações e necessidades vividas ao longo do curso da doença, e a
desenvolver atividades que possam apoiar estas famílias.
A participação no estudo é voluntária. Assim, tem o direito de recusar participar, sem que
isso possa prejudicar a assistência que lhe for prestada. Todas respostas são anónimas e
confidenciais. O estudo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética deste hospital.
A investigadora principal
_________________________________
Ana Cláudia dos Santos Alves (Contacto: [email protected] )
82
Anexo IV
QUESTIONÁRIO – CUIDAR DE QUEM CUIDA
O presente questionário surge no âmbito do projeto “Dreaming with survivors”, desenvolvido pela
Acreditar, que tem como objetivo dar voz aos sobreviventes de cancro infantil. Uma das principais
preocupações destes sobreviventes tem que ver com o cuidar de quem cuida, em particular dos pais.
Assim, este estudo pretende avaliar o modo como os pais/cuidadores vivem a doença da
criança/adolescente, de forma a que a Acreditar possa apoiar cada vez melhor estas famílias.
Os dados deste estudo são anónimos e confidenciais, não existindo respostas certas nem erradas. O
mais importante é que seja sincero/a nas suas respostas. Contamos com a sua colaboração!
Data:_____/______/_____
I DADOS SOCIO DEMOGRÁFICOS
Nesta primeira parte, pedimos-lhe que nos forneça alguns dados sobre si e a sua família.
1. Membro da família que preenche o questionário? Pai Mãe Outro:___________
2. Quem assume por mais tempo o acompanhamento da criança/adolescente durante o tratamento?
Pai Mãe Outro:__________________
3. Quem mora com a criança/adolescente?
4. Distrito de residência:________________________________________
5. Distrito de residência permanente do agregado familiar: ______________________________
6. Vive em alguma casa de acolhimento (como a Acreditar) ou está, neste momento, em casa de algum
familiar? Sim Não
7. Ano de nascimento da criança/adolescente: _____________________________________________
8. Data de diagnóstico da criança/adolescente (Mês-Ano): ________-___________
9. Qual é o diagnóstico? _______________________________
Parentesco Idade Escolaridade Estado civil Profissão
83
10. Fase em que se encontra atualmente:
Diagnóstico Tratamento Vigilância/Manutenção Alta Recaída
10.1 Se respondeu Alta na pergunta anterior, indique-nos há quanto tempo: ________
11. Qual a sua situação profissional?
a) Com ocupação não remunerada (por exemplo, estudante, doméstica, etc.)
b) Desempregado(a)
c) Empregado(a) por conta de outrem no setor privado
d) Empregado(a) por conta de outrem no setor público
e) Empregado(a) por conta própria
f) Reformado(a)
g) Outro ____________________________________________________________
12. No caso de existir outro cuidador da criança/adolescente (Pai, Mãe, Avó, Outro…), qual é a sua
situação profissional?
a) Empregado(a)
b) Desempregado(a)
II VIVÊNCIA DA DOENÇA PELO CUIDADOR
Numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), até que ponto as seguintes
afirmações estão de acordo com as suas vivências.
SINTO… 1 2 3 4 5
11. … que sou capaz de manter o otimismo/esperança
12. … que sei lidar com o comportamento e reações do meu filho/a (por exemplo:
medo/ansiedade, dor, efeitos secundários, falta de colaboração…)
13. … sou capaz de assegurar alguns cuidados específicos do meu filho (exemplo:
mudar um penso, fazer a manutenção do cateter…)
14. … que sou capaz de resolver os desafios que a doença trouxe para a minha família
(por exemplo: dividir a atenção com os outros filhos, conciliar a vida em casa com o
hospital…)
15. … que, apesar das dificuldades, consigo viver experiências positivas.
16. … que não consigo aceitar o facto de a doença ter atingido o meu filho/a
17. … culpa pelo facto do meu filho/a estar doente
18. … desgaste emocional (por exemplo: depressão, ansiedade….)
19. … tenho uma relação muito próxima e aberta com os profissionais de saúde
20. … desgaste físico/cansaço
21. …que sou capaz de dar o apoio emocional necessário ao meu filho/a
22. … que tenho tempo para mim próprio/a.
23. … que os outros se esquecem das minhas necessidades
24. …que sou envolvido/a pela equipa médica nas decisões importantes em relação ao
meu filho/a
84
25. … que tenho a informação necessária sobre a doença do meu filho/a e o processo
de tratamento
26. … compreendo a informação que me tem sido disponibilizada sobre a doença do
meu filho/a
27. … que as questões económicas são uma dificuldade acrescida ao meu bem-estar
28. … que tenho de abandonar os meus projetos pessoais para cuidar do meu filho/a
(exemplo: ter mais um filho, viajar, fazer atividade física…)
29. … que tenho de abandonar os meus projetos profissionais para cuidar do meu
filho/a.
III SUPORTE FAMILIAR E SOCIAL
Focando-se agora no apoio familiar e social diga, por favor, numa escala de 1 (discordo totalmente) a
5 (concordo totalmente), até que ponto as seguintes afirmações estão de acordo com a sua vivência.
SINTO… 1 2 3 4 5
30. … o afastamento dos meus amigos
31. … ter pouco tempo para a minha vida social (sair, estar com os amigos, ir ao
cinema…)
32. … disponibilidade da minha família para ajudar
33. … o afeto da minha família
34. … ter pouco tempo para estar com a minha família alargada
35. … que estou isolado/a e sem apoio das pessoas mais próximas
36. … falta de alguém verdadeiramente próximo com quem desabafar
37. … prazer nas atividades com a minha família alargada
38. … que sou capaz falar abertamente da doença à minha família e aos meus amigos
39. … respeito da minha família pelos meus sentimentos
IV A RELAÇÃO CONJUGAL
Pensando sobre a relação que mantém com o seu companheiro/a preencha, numa escala de 1
(discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), até que ponto as seguintes informações estão de
acordo com a sua vivência. No caso de não ter uma relação conjugal, deve escolher a opção “Não
aplicável” (NA).
Sinto/Senti 1 2 3 4 5 NA*
40. … necessidade de uma redistribuição de papéis entre o casal
41. … que a minha relação conjugal foi prejudicada
42. …falta de tempo para o casal (para “namorar”, para momentos
sozinhos…)
43. … dificuldades de comunicação com o meu companheiro/a (por exemplo:
na expressão das emoções, na forma como encaramos a doença…)
44. …dificuldades em encontrar consenso nas tomadas de decisão do que é
melhor para o nosso filho/a
85
V IMPACTO DA DOENÇA NOS IRMÃOS
Se tem mais filhos, diga, por favor, numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente),
até que ponto as seguintes afirmações estão de acordo com a vivência dos irmãos. Caso não tenha
mais filhos deve escolher a opção “Não aplicável” (NA).
45. Nº de irmãos: _____________
46. Idades dos irmãos: ___________
VI ATIVIDADES E RECURSOS PARA O BEM-ESTAR DA FAMÍLIA
Mediante a reflexão que fez anteriormente sobre a sua vivência de todo este processo, quais acha que
poderão ser as atividades e recursos a disponibilizar pela Acreditar (ou outras associações de apoio
aos pais/famílias) para o/a ajudar a enfrentar os desafios colocados pela doença. Pedimos-lhes
novamente para responder numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).
1 2 3 4 5
Atividades de
bem-estar e
estética
53. Sessões de relaxamento e meditação
54. Massagens terapêuticas
55. Cuidados de estética (ex. cabeleireiro)
56. Outras atividades que queira sugerir:
Atividades de
ocupação de
tempos livres
57. Atividades para pais (música, expressão plástica, teatro,
cinema…)
58. Atividades ao ar livre (passeios pela cidade, piqueniques,
etc.)
59. Atividades lúdicas para os irmãos (campos de férias, etc.)
60. Colaboração com associações na área do cancro
(organização de eventos, defesa dos direitos das famílias)
61. Outras atividades que queira sugerir:
Atividades
formativas
Sessões de esclarecimento/formação sobre:
62. Apoios sociais/direitos do cuidador
63. Nutrição e alimentação
64. Preparação para a “alta médica”
65. Gestão de stresse/momentos de crise
66. Brincar e ocupação de tempos livres
67. Gestão doméstica
68. Competências parentais
69. Integração profissional/Carreira
70. Outras atividades que queira sugerir:
Sinto 1 2 3 4 5 NA*
47. … tristeza da parte do(s) irmão(s)
48. … ciúmes da parte do(s) irmão(s)
49. … preocupação do(s) irmão(s)
50. … uma diminuição do rendimento escolar do(s) irmão(s)
51. … vontade do(s) irmão(s) em colaborar para a melhoria do irmão
doente
52. … menor disponibilidade da minha parte para atender às
necessidades do(s) meu(s) outro(s) filho(s)
86
Atividades de
apoio
emocional
71. Apoio psicológico individual
72. Terapia para casal
73. Terapia familiar
74. Voluntariado feito por pais de doentes e sobreviventes
75. Grupo de apoio entre pais
76. Grupo de apoio para crianças e jovens
77. Outras atividades que queira sugerir:
Recursos
78. Manual sobre oncologia pediátrica (ex. informações sobre a
doença, estratégias de gestão emocional, apoios existentes)
79. Fórum na internet com tópicos de discussão sobre
oncologia pediátrica (ex. informações sobre a doença,
estratégias de gestão emocional, apoios existentes)
80. Gabinete de Apoio ao Cuidador (um local específico onde
pode partilhar e encontrar respostas para as suas
necessidades)
81. Outros recursos que queira sugerir:
De maneira a aumentar o seu nível de participação nas atividades atrás mencionadas, em que
condições acha que devem ser realizadas? Pode selecionar uma ou mais opções:
82. Realização das atividades no hospital
83. Realização das atividades fora do hospital (em local próximo)
84. Realização das atividades próximo do local de residência
85. Durante a semana Ao fim de semana
86. Presencial À distância
87. Só com pais/famílias com a mesma vivência Outros públicos
88. Atividades gratuitas
89. Ter alguém para cuidar da criança/adolescente e irmãos enquanto os pais realizam as atividades
90. Ter transporte gratuito
91. Que outras ações e iniciativas a Acreditar (ou outras associações ligadas à oncologia pediátrica)
devem realizar para aumentar o bem-estar das famílias?
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MUITO OBRIGADO PELA COLABORAÇÃO!