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Anabela Jorge Pereira Maio
Hemorragia digestiva alta
2011/2012
março, 2012
Anabela Jorge Pereira Maio
Hemorragia digestiva alta
Mestrado Integrado em Medicina
Área: Cirurgia Geral
Trabalho efetuado sob a Orientação de:
Dr. Carlos Alberto J. Ribeiro
Trabalho organizado de acordo com as normas da r evista:
Revista Portuguesa de Cirurgia
março , 2012
Eu, Anabela Jorge Pereira Maio
ano do Mestrado Integrado em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
declaro ter atuado com absoluta integridade na elaboração deste projeto de opção.
Neste sentido, confirmo que
omissão, assume a autoria de um determinado trabalho intelectual, ou partes dele). Mais
declaro que todas as frases que retirei de trabalhos anteriores pertencentes a outros autores,
foram referenciadas, ou redigidas com novas palav
fonte bibliográfica.
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
Assinatura: ________________________________________________
Projeto de Opção do 6º ano - DECLARAÇÃO DE
Anabela Jorge Pereira Maio, abaixo assinado, nº mecanográfico 060801191
ano do Mestrado Integrado em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
declaro ter atuado com absoluta integridade na elaboração deste projeto de opção.
Neste sentido, confirmo que NÃO incorri em plágio (ato pelo qual um indivíduo, mesmo por
omissão, assume a autoria de um determinado trabalho intelectual, ou partes dele). Mais
declaro que todas as frases que retirei de trabalhos anteriores pertencentes a outros autores,
foram referenciadas, ou redigidas com novas palavras, tendo colocado, neste caso, a citação da
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 21/03/2012
________________________________________________
ECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE
060801191, estudante do 6º
ano do Mestrado Integrado em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
declaro ter atuado com absoluta integridade na elaboração deste projeto de opção.
um indivíduo, mesmo por
omissão, assume a autoria de um determinado trabalho intelectual, ou partes dele). Mais
declaro que todas as frases que retirei de trabalhos anteriores pertencentes a outros autores,
ras, tendo colocado, neste caso, a citação da
Projeto de Opção do 6º ano – DECLARAÇÃO DE REPRODUÇÃO
Nome: Anabela Jorge Pereira Maio
Endereço eletrónico: [email protected] Telefone ou Telemóvel: 962648859
Número do Bilhete de Identidade: 13380506
Título da Dissertação/Monografia (cortar o que não interessa):
Hemorragia digestiva alta
Orientador:
Carlos Alberto José Ribeiro
Ano de conclusão: 2012
Designação da área do projeto:
Cirurgia Geral
É autorizada a reprodução integral desta Dissertação/Monografia (cortar o que não interessar) para
efeitos de investigação e de divulgação pedagógica, em programas e projetos coordenados pela
FMUP.
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 21/03/2012
Assinatura: _______________________________________________
“O conhecimento faz-nos responsáveis”
Che Guevara
A ti mãe, que onde estás sei que segues atentamente o
meu percurso.
À minha família e ao meu namorado pelos incentivos
recebidos e pela atenção e alegria que
disponibilizaram sem reservas.
1
Hemorragia digestiva alta
Upper gastrointestinal bleeding
Anabela Jorge Pereira Maio
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Hospital São João. Porto.
Correspondência:
Anabela Jorge Pereira Maio
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Alameda Professor Hernâni Monteiro
4200-319 Porto
Contacto telefónico: 962648859
Correio eletrónico: [email protected]
2
Resumo
A hemorragia digestiva alta é uma situação relativamente comum no serviço de
urgência, potencialmente associada a risco de vida, exigindo uma abordagem
rápida do paciente, triagem adequada e rápida instituição de manobras de
ressuscitação. Embora a incidência da hemorragia digestiva alta tenha
diminuído, reduções semelhantes da mortalidade e taxa de recidiva da
hemorragia não têm sido verificadas na última década. Várias patologias
gastrointestinais podem ocasionar hemorragia digestiva alta não hipertensiva,
sendo a doença ulcerosa péptica a mais comum, apesar da diminuição da sua
incidência. A esofagogastroduodenoscopia é o principal método de diagnóstico,
terapêutica e prognóstico para hemorragia digestiva alta não hipertensiva. A
terapêutica endoscópica reduz a taxa de recidiva de hemorragia, necessidade
de transfusões hemáticas e cirurgia. A administração de inibidores da bomba
de protões tem-se revelado importante no alcance de melhores resultados. A
cirurgia deve ser reservada para casos refratários à terapêutica endoscópica,
complicações ou neoplasias.
Palavras-chave: Hemorragia digestiva alta; não hipertensiva; abordagem
inicial; endoscopia; tratamento; prognóstico
3
Abstract
The upper gastrointestinal bleeding is a relatively common condition in the
emergency department, potentially life-threatening, that requires rapid patient
assessment, proper triage and rapid institution of resuscitative measures.
Although the incidence of upper gastrointestinal bleeding has decreased, similar
decreases in overall mortality and rebleeding rate have not been experienced
over the last decade. Several diseases can cause nonvariceal upper
gastrointestinal bleeding and peptic ulcer disease is the most common despite
the decline in its incidence. Esophagogastroduodenoscopy is the principal
diagnostic, therapeutic and prognostic modality for nonvariceal upper
gastrointestinal bleeding. Endoscopic therapy reduces the rate of rebleeding,
blood transfusion requirements and need for surgery. Administration of proton
pump inhibitors has been revealed to be important to achieve better outcomes.
Surgery should be reserved for refractory cases to endoscopic treatment,
complications and malignancy.
Keywords: Upper gastrointestinal hemorrhage; nonvariceal; management;
endoscopy; treatment; prognosis;
4
Índice
Introdução .......................................................................................................... 6
Material e Métodos ............................................................................................. 8
Epidemiologia ..................................................................................................... 9
Etiologias .......................................................................................................... 10
Doença ulcerosa péptica .............................................................................. 10
Síndrome de Mallory-Weiss .......................................................................... 14
Malformações vasculares ............................................................................. 14
Neoplasias trato gastrointestinal superior ..................................................... 17
HDA de causa iatrogénica ............................................................................ 18
Abordagem da HDA aguda sem hipertensão portal ......................................... 19
Ressuscitação e estratificação de risco ........................................................ 20
Esofagogastroduodenoscopia ...................................................................... 21
Procedimentos farmacológicos ..................................................................... 24
Procedimentos cirúrgicos.............................................................................. 25
Angiografia percutânea ................................................................................. 26
Cuidados pós hemóstase e recidiva da hemorragia ..................................... 27
Conclusão ........................................................................................................ 28
Agradecimentos ............................................................................................... 30
Referências Bibliográficas ................................................................................ 31
5
Tabelas ............................................................................................................ 37
Anexos ............................................................................................................. 38
6
Introdução
A hemorragia digestiva alta (HDA) é uma apresentação comum e desafiante no
serviço de urgência por representar um potencial risco de vida.1 É definida
como hemorragia proximal ao ligamento de Treitz para a diferenciar da
hemorragia digestiva baixa que envolve o cólon.2
A HDA apresenta-se frequentemente sob a forma de hematemeses ou
melenas, embora em casos graves e mais raros, possa cursar com hemorragia
profusa e apresentar-se sob a forma de hematoquézia.3 Distinguir inicialmente
uma hemorragia digestiva alta de uma aparente perda hemática do trato
gastrointestinal inferior pode ser difícil, pois aproximadamente 75% destas
perdas têm origem proximal ao ângulo de Treitz. A incidência de HDA é 60 a
90% maior do que a hemorragia digestiva baixa e a mortalidade por HDA é 2 a
3 vezes superior quando comparada com esta.4
Apesar dos avanços alcançados nos métodos de diagnóstico e terapêuticos, e
do melhor conhecimento da patofisiologia da úlcera péptica, sua principal
etiologia, as taxas de incidência e morbimortalidade associadas à HDA têm-se
mantido praticamente inalteradas na última década.4,5 Dados recentes indicam
que uma grande percentagem dos casos fatais relacionada com DUP não é
consequência direta da hemorragia da própria úlcera mas sim de falência
multiorgânica, patologia cardiopulmonar ou neoplasias em estadio terminal,
sugerindo, desta forma, que melhorias no tratamento podem ter um impacto
limitado na mortalidade. Com o reconhecimento desta possibilidade, a
implementação de estratégias de rápido reconhecimento do doente de risco,
medidas suporte eficazes e prevenção de complicações, constituem
7
importantes áreas de intervenção associadas ao tratamento da etiologia da
HDA.6,7
A hemorragia digestiva alta é tradicionalmente dividida em HDA com
hipertensão portal, também designada hipertensiva ou varicosa, e sem
hipertensão portal ou não hipertensiva, não varicosa. Este tipo de classificação
baseia-se no facto da etiologia da HDA, as características do paciente, a
abordagem terapêutica, as taxas de recidiva da hemorragia e o prognóstico
serem distintos nestes dois grupos de patologias e exigirem assim atitudes
diferenciadas.8 Múltiplos estudos sugerem que cerca de 80 a 90% das HDA
ocorrem sem hipertensão portal.9 Este trabalho foca-se exclusivamente na
HDA não hipertensiva e pretende fazer uma revisão da literatura existente
acerca da sua epidemiologia, principais etiologias, métodos de diagnóstico e
tratamento.
8
Material e Métodos
A pesquisa de artigos científicos foi efetuada nas bases de dados da Pubmed e
Medline utilizando as palavras-chave: upper gastrointestinal bleeding; upper
digestive hemorrhage; nonvariceal; diagnosis; treatment.
Foram utilizados como critérios de exclusão artigos publicados há mais de 10
anos e aqueles que não se apresentassem em língua inglesa ou espanhola.
De um total de 107 artigos, foram selecionadas inicialmente as publicações
com acesso livre ao texto integral. Posteriormente realizou-se uma leitura
desses artigos tendo sido incluídos 31, considerados mais relevantes no
contexto da revisão em causa. Entre estes constam estudos científicos, meta-
análises e trabalhos de revisão publicados entre janeiro de 2001 e janeiro de
2012.
Foi ainda efetuada análise das referências bibliográficas dos artigos chave
incluídos visando a obtenção de bibliografia adicional.
Incluíram-se nesta revisão um total de 41 artigos, selecionados com base na
qualidade, pertinência do tema, abrangência dos conteúdos e na importância
relativa dos autores na área considerada.
9
Epidemiologia
A incidência anual atual da HDA é de 45-172 casos por 100000 habitantes, um
número que se mantém elevado apesar da ligeira diminuição verificada nos
últimos 10 anos, particularmente atribuível à redução da incidência de úlcera
péptica, sua principal etiologia.1,5,10,11,12 Os valores de incidência mais elevados
verificam-se nas áreas socioeconomicamente mais desfavorecidas. A HDA é
uma patologia responsável por grandes gastos económicos já que é também a
causa gastrointestinal mais frequente de admissão hospitalar.1,13 Nos Estados
Unidos da América a duração média de internamento para pacientes com e
sem complicações de HDA é de 4,4 e de 2,7 dias, respectivamente.14 Apesar
dos desenvolvimentos a nível diagnóstico e terapêutico, as taxas de
mortalidade desta patologia mantiveram-se praticamente inalteradas desde os
últimos 10 anos. Atualmente situam-se entre os 2 e os 17%, com os valores
inferiores a serem obtidos em unidades especializadas12,13, podendo atingir o
valor de 33% quando o episódio hemorrágico ocorre durante a hospitalização
do paciente por patologia distinta.13,15 Este facto correlaciona-se
fundamentalmente com alterações epidemiológicas que se têm verificado nos
últimos anos como o aumento da faixa etária dos doentes com HDA, a
coexistência de comorbilidades significativas e a maior utilização de anti-
inflamatórios não esteroides (AINEs) e outros fármacos como os
antiagregantes plaquetários.11,16,17 Atualmente, cerca de 25% dos casos de
HDA ocorrem em pacientes com idade superior a 80 anos e 33% ocorrem em
pacientes hospitalizados.12
10
Etiologias
A HDA não hipertensiva possui um grande espectro de etiologias que
atualmente se encontram documentadas. (tabela I)
Doença ulcerosa péptica
A doença ulcerosa péptica (DUP) é responsável por 50-75% dos casos de HDA
não hipertensiva. Caracteriza-se por lesão da mucosa gastrointestinal
secundária à ação da pepsina e da secreção ácida. Geralmente ocorre no
estômago e no duodeno proximal, ocasionando úlceras gástricas e duodenais.
Pode ainda ocorrer, embora menos frequentemente, no esófago inferior
secundária à doença de refluxo gastroesofágico, no duodeno distal ou no
jejuno, em situações como a síndrome de Zollinger-Ellison, hérnias do hiato
(úlceras de Cameron) ou mucosa gástrica ectópica (divertículo de Meckel).4
Tem sido documentado o aumento da incidência da esofagite péptica, sendo a
sua prevalência como causa de HDA particularmente importante no grupo
etário mais elevado, acima dos 75 anos.11 A úlcera péptica apresenta-se
historicamente como a principal causa de HDA não hipertensiva,4,10,12
mantendo valores elevados apesar de nos últimos anos se ter verificado uma
diminuição global na incidência de DUP, particularmente atribuível ao aumento
da terapêutica com IBP e à maior difusão de programas de erradicação de
Helicobacter pylori. Não obstante, este facto não se refletiu numa diminuição da
mortalidade global por HDA não hipertensiva, muito devido ao envelhecimento
da população mundial que ocasionou um aumento do número de pacientes
idosos acometidos por esta patologia.4,18 Da mesma forma, a localização das
11
úlceras na DUP tem sofrido alterações nos últimos anos. Dados recentes
referentes aos Estados Unidos apresentados pela Clinical Outcome Research
Initiative revelam que 44% das úlceras pépticas localizam-se no duodeno e
56% no estômago, contrastando com publicações anteriores que atribuíam dois
terços a três quartos das úlceras ao duodeno, facto que correlacionam com a
redução da infeção por Helicobacter pylori e com o aumento da incidência de
úlceras associadas a fármacos, as quais mais frequentemente ocorrem no
estômago.13 A úlcera péptica é mais comum no sexo masculino tendo como
manifestações clínicas dor ou desconforto epigástricos, pirose, vómitos,
sensação de saciedade e perda ponderal. A dor é aliviada pela ingestão de
alimentos e antiácidos (mais nas úlceras duodenais do que nas gástricas),
surge no intervalo das refeições, podendo inclusivamente acordar o doente
durante a noite.18
Embora não tenham sido uniformemente corroborados em todos os estudos,
fatores como a infeção por Helicobacter pylori, o tabagismo, o uso de AINEs,
ácido acetilsalicílico ou anticoagulantes, história prévia HDA e alcoolismo
encontram-se relacionados com risco aumentado de hemorragia associada a
úlcera péptica.4,19
Helicobacter pylori e úlcera péptica
Objetivamente, a infeção por Helicobacter pylori revela-se responsável pela
maioria dos casos de DUP, desempenhando ainda um papel importante na
patogénese do linfoma de tecido linfóide associado à mucosa gástrica (MALT)
e do adenocarcinoma gástrico. A infeção por Helicobacter Pylori está quase
sempre associada a gastrite crónica ativa mas apenas 10-15% dos indivíduos
12
infetados apresentam úlceras pépticas detetáveis. As úlceras duodenais
revelam na sua maioria, associação com infeção por Helicobacter pylori
enquanto apenas cerca de 50% das úlceras gástricas se encontram
relacionadas. Os pacientes acometidos por DUP devem ser submetidos a
biópsia endoscópica do antro gástrico para rastreio da referida infeção já que
outros testes de pesquisa de infeção ativa, como o teste rápido da urease,
exibem muitos falsos negativos no contexto de HDA aguda. Pacientes com
infeção documentada devem receber terapia tripla com antibioterapia e IBP
para erradicação da infeção já que desta forma se verifica melhor cicatrização
da úlcera e menor risco de recidiva hemorrágica.2,14
AINEs e úlcera péptica
O uso de AINEs constitui a segunda causa mais importante de DUP, sendo por
isso essencial inquirir os pacientes acerca da toma destes fármacos, que
muitas vezes são utilizados sem prescrição.19 Em Portugal, cerca de 800 000
pessoas tomam, diariamente, AINEs e apenas 15% associam IBP.20 Do
consumo de AINE resulta o risco acrescido de complicações gastrointestinais 4
a 5 vezes superior ao da população que não consome estes fármacos e ainda
mais elevado em idosos e indivíduos com antecedentes de úlcera péptica.8,10,18
Apesar de poderem originar úlceras duodenais, as úlceras do antro gástrico
encontram-se mais frequentemente associadas. Cerca de 50% das úlceras
induzidas por AINEs são indolentes devido às propriedades analgésicas destes
fármacos que podem mascarar a dor e desta forma evitar a descontinuação
precoce da terapêutica evitando a evolução para DUP.2 Cerca de metade das
HDA estão associadas ao uso recente de AINEs, embora sem associação
13
estabelecida entre a dose utilizada e o risco de HDA.4 O uso de AINEs em
doentes infetados por helicobacter pylori revelou efeito sinérgico no aumento
do risco de desenvolvimento de úlcera péptica e de HDA.19
Diagnóstico e tratamento da úlcera péptica
O diagnóstico da úlcera péptica é rapidamente obtido por
esofagogastroduodenoscopia. As úlceras agudas exibem, endoscopicamente,
exsudação fibrinopurulenta, eritema, base heterogénea e edema. A sua
identificação associada a sinais de hemorragia ativa preconiza a utilização de
terapêutica endoscópica, com injeção de epinefrina ou aplicação de clips, como
procedimento de primeira linha no alcance da hemóstase primária.2 A
erradicação de Helicobacter pylori assim como a interrupção do uso de AINEs
e a associação de IBP fazem parte da abordagem da úlcera péptica.
Complicações como perfuração surgem em cerca de 2 a 10% das úlceras
pépticas e geralmente ocorrem na parede anterior do duodeno (40%), antro
(20%) e pequena curvatura gástrica (20%). Em doentes idosos, as taxas de
mortalidade decorrentes da perfuração podem atingir os 30 a 50%, sendo uma
das principais indicações cirúrgicas. A cirurgia convencional da DUP combina o
controlo da hemorragia com procedimentos de redução da secreção de ácido.
No caso de úlcera péptica a cirurgia é menos frequentemente realizada devido
aos bons resultados obtidos pela hemóstase endoscópica, terapêutica com IBP
e erradicação de Helicobacter pylori.2
14
Síndrome de Mallory-Weiss
A síndrome de Mallory-Weiss é uma causa relativamente comum de HDA e
que nos últimos anos tem sofrido um aumento da sua incidência.4 Os pacientes
apresentam tipicamente hematemeses após episódios repetidos de vómitos ou
tosse, podendo estar associados a consumo elevado de álcool, cetoacidose
diabética ou quimioterapia emetogénica.2 A hemorragia resulta de lacerações
da mucosa, frequentemente da junção gastroesofágica, devido a um aumento
súbito da pressão gástrica. Na maioria dos casos a hemorragia é leve a
moderada mas em casos raros pode ser grave. Estas lacerações da mucosa
têm tendência a cicatrizar rapidamente devido à sua natureza superficial e ao
abundante suprimento sanguíneo da mucosa gástrica. A hemorragia cessa
espontaneamente em cerca de 90% dos casos enquanto episódios graves com
hemorragia continuada geralmente encontram-se associados a comorbilidades
como trombocitopenia, outras coagulopatias ou insuficiência hepática.2,4
Malformações vasculares
Embora sejam uma causa rara de HDA, vários tipos de lesões vasculares
podem determinar a sua ocorrência. Podem ser classificadas com base nas
suas características anatómicas e na sua patofisiologia. Desta forma
apresentam-se dois principais grupos de lesões vasculares: lesões neoplásicas
e malformações não neoplásicas. As malformações não neoplásicas podem ser
divididas em lesões inflamatórias (vasculites), obstrutivas (colite isquémica e
isquemia mesentérica) e malformações estruturais. Estas últimas são as lesões
15
vasculares mais relevantes no que respeita à possibilidade de serem
identificadas endoscopicamente.21
Angiodisplasias
As angiodisplasias são a causa mais comum de hemorragia do intestino
delgado em pacientes entre 50 e 60 anos, podendo também ser encontradas
no cólon e trato gastrointestinal superior.21 São lesões potencialmente
sangrantes que consistem na presença de vasos anómalos, ectasiados e
tortuosos, na submucosa e mucosa do tubo digestivo. Estes vasos podem ter
origem em veias, capilares ou artérias apresentando uma parede fina
constituída por endotélio e uma camada de músculo liso, sem inflamação ou
fibrose. Cerca de 5% das hemorragias digestivas são causadas por
angiodisplasias, sendo que a sua incidência aumenta com a idade e é igual nos
dois sexos. Várias patologias foram documentadas como associadas a maior
incidência de angiodisplasia, entre elas a valvulopatia aórtica, insuficiência
renal crónica, cirrose hepática, doença pulmonar crónica e esclerodermia.
Cerca de 90% dos doentes com angiodisplasia permanecem assintomáticos,
no entanto a hemorragia pode ser despoletada pelo consumo de
medicamentos antiagregantes ou anticoagulantes, assim como por distúrbios
intrínsecos da coagulação sanguínea.4,21 Estas lesões revelam-se muitas vezes
difíceis de identificar endoscopicamente tanto pela sua localização muitas
vezes inacessível, como pelo seu carácter intermitente e de fluxo baixo. Assim
sendo é frequente recorrer a outros métodos como enteroscopia e angiografia
para diagnóstico e subsequente tratamento.22
16
Lesões de Dieulafoy
As lesões de Dieulafoy são malformações a nível arterial que envolvem a
existência de artérias de grande calibre persistente na submucosa do trato
gastrointestinal já que progridem através de um defeito da mucosa (2-5 mm),
tornando-se alongadas com o diâmetro até dez vezes superior ao normal. O
local mais comum para este tipo de lesão é a pequena curvatura do estômago
até 5-7 cm da junção gastroesofágica, representando cerca de 80% dos casos.
Outros locais menos frequentes são o duodeno (17%), o antro do estômago,
esófago, anastomose Billroth II, jejuno e cólon. 21,23 A hemorragia é geralmente
causada por uma pequena erosão sobrejacente à artéria, não existindo no
entanto inflamação ou ulceração no bordo do defeito da mucosa, facto que
contrasta com a doença ulcerosa péptica. A lesão de Dieulafoy é mais
frequente em pacientes idosos e apesar de ser uma causa rara de HDA pode
ser responsável por hemorragia maciça e instabilidade hemodinâmica,
colocando a vida do doente em risco.21,23,24 A lesão de Dieulafoy é de difícil
reconhecimento sendo responsável por mais de 40% das lesões perdidas e
identificadas apenas numa segunda endoscopia. A terapêutica endoscópica
não se encontra totalmente definida embora a injeção de epinefrina ou terapia
de coagulação dos quatro quadrantes sejam as mais utilizadas.4
Ectasia vascular do antro gástrico
A ectasia vascular do antro gástrico ocorre mais frequentemente no sexo
feminino e em idade avançada. É também denominada “estômago em
melância” pois a endoscopia revela pregas eritematosas, paralelas, do piloro
até ao antro o que lembra o revestimento deste fruto. É comum o seu
17
diagnóstico ser fortuito já que os pacientes podem apenas apresentar anemia
ferropénica ou HDA ocasionalmente. Pode haver história de hemorragia
gastrointestinal crónica com múltiplas transfusões devido ao diagnóstico tardio.
A terapia endoscópica é a primeira escolha no tratamento da ectasia vascular
do antro gástrico já que os IBP são ineficazes pois a lesão não está
relacionada com a secreção de ácido e os pacientes frequentemente
apresentam gastrite atrófica.2
Neoplasias trato gastrointestinal superior
Benignas ou malignas, primárias ou metastáticas, as neoplasias
gastrointestinais são responsáveis por cerca de 5% das HDA. Apesar de uma
serem responsáveis por uma pequena fração, a HDA pode ser uma comum
apresentação inicial de uma neoplasia gastrointestinal devendo integrar a lista
de diagnósticos diferenciais.10 As neoplasias podem ser esofágicas, gástricas
ou duodenais. O adenocarcinoma gástrico apresenta-se como uma massa
ulcerada, uma úlcera de difícil cicatrização ou uma estenose. A presença de
úlcera gástrica constitui maior risco de malignidade (cerca de 5%) que a
presença de úlcera duodenal. Tumores mesenquimatosos como o tumor do
estroma gastrointestinal e leiomiomas constituem cerca de 1% dos tumores
primários do trato gastrointestinal mas cerca de metade associam-se a HDA.
Estes tumores são tipicamente benignos embora tenham potencial de
malignidade. É importante a realização de biópsia endoscópica profunda para
correto diagnóstico destes tumores. Os linfomas gástricos constituem cerca de
5% dos tumores gástricos, sendo o mais comum o linfoma MALT do estômago.
18
Estes tumores podem estender-se até ao duodeno atingindo o piloro, sendo o
seu padrão de crescimento distinto dos adenocarcinomas gástricos. As
biópsias endoscópicas comuns não permitem o seu diagnóstico devido à sua
localização profunda à submucosa. Desta forma a abordagem cirúrgica é
muitas vezes utilizada. O linfoma MALT encontra-se fortemente associado à
infeção crónica por Helicobacter pylori que estimula a proliferação de linfócitos
B, podendo ocasionar mutações que levam à proliferação desregulada destas
células. A simples erradicação da bactéria permite que 50 a 80% dos linfomas
MALT em estadio precoce regridam histologicamente. Metástases com origem
em neoplasias do pulmão, mama, colon e melanoma podem também ser
responsáveis por HDA.2,10
As neoplasias trato gastrointestinal têm uma taxa de hemóstase inicial idêntica
à encontrada na DUP mas apresentam geralmente maior taxa de recorrência
(16-80%). Complicações relacionados com o procedimento endoscópico são
frequentes e o tratamento ótimo não está definido. No entanto a cirurgia e a
angiografia parecem melhores métodos para assegurar a hemóstase a longo
prazo.25
HDA de causa iatrogénica
A HDA de causa iatrogénica tem aumentado nos últimos anos. De facto, a
realização de maior número de procedimentos invasivos, especialmente em
pacientes mais idosos ou com comorbilidades, revela-se um contributo
importante para o aumento desta causa de HDA.4 A HDA após quimio ou
radioterapia por neoplasia é de difícil tratamento e frequentemente requer uma
19
abordagem multidisciplinar.2 A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica
com esfincterotomia está associada a um risco, embora baixo, de HDA por
lesão da artéria gastroduodenal. A utilização de cateteres transhepáticos,
ampulectomia, dilatação de estenoses do trato gastrointestinal superior, a
realização de biópsias, lobectomias hepáticas ou drenagem de abcessos
pancreáticos também acarretam risco reduzido de HDA, embora o facto de
cada vez mais serem realizados numa população tendencialmente mais idosa
se traduza num aumento do mesmo.4
Abordagem da HDA aguda sem hipertensão portal
A apresentação dos pacientes com HDA aguda no serviço de urgência (SU)
tem um espectro variado entre uma perda hemática sem impacto clínico e o
choque hipovolémico. Desta forma, a abordagem terapêutica de um paciente
com HDA em alguns casos terá de ser impreterivelmente imediata enquanto
outros poderão ser tratados em ambulatório já que a sua perda hemática terá
resolução espontânea com baixo risco de complicações clínicas ou de recidiva
hemorrágica.15 Assim sendo, uma gestão otimizada destes pacientes requer
uma abordagem coordenada com aplicação de protocolos específicos, e
multidisciplinares envolvendo equipas de cirurgiões, gastrenterologistas,
radiologistas de intervenção, intensivistas, internistas e enfermeiros
especializados.8
20
Ressuscitação e estratificação de risco
A avaliação clínica e a estabilização hemodinâmica são os primeiros cuidados
a ter com o paciente com HDA, revelando-se essenciais e influenciando
inevitavelmente o seu prognóstico.9,25 Transfusões hemáticas podem ser
necessárias e os pacientes frequentemente requerem monitorização em
unidades de cuidados intensivos.12 A colocação de sonda nasogástrica para
aspiração e lavagem gástricas foi tradicionalmente considerada um
procedimento padrão na abordagem da HDA. Concluiu-se, porém, que a
lavagem gástrica não demonstra qualquer eficácia hemostática não se
encontrando, atualmente, recomendada. Por sua vez, a aspiração nasogástrica
pode auferir valor prognóstico, já que um aspirado límpido se associa a uma
taxa de mortalidade de 6% enquanto um aspirado hemático “vermelho vivo”
corresponde a 18% de risco.8 Desta ordem de ideias se infere o interesse em
delimitar um subgrupo de pacientes - em geral rotulados de alto risco - que
pode requerer cuidados médicos ou cirúrgicos urgentes e especiais. Neles, a
persistência ou a recidiva da hemorragia constituem factos determinantes da
mortalidade, a qual, nestes caso pode atingir valores até 30-40%. A
estratificação dos pacientes com HDA com base no risco de recidiva
hemorrágica e mortalidade pode ser efetuado recorrendo a escalas de
prognóstico.17 A identificação precoce dos pacientes de alto risco permite uma
intervenção mais adequada com o objetivo de minimizar a morbimortalidade
deste grupo.15 A escala de Rockall, de eficácia globalmente validada, inclui
parâmetros clínicos e endoscópicos na triagem dos pacientes, tendo sido
desenhada com o objetivo de prever a mortalidade por HDA. A escala de
21
Glasgow-Blatchford, desenvolvida em 2000, serve-se apenas de dados clínicos
e laboratoriais para identificação dos pacientes que necessitem ou não de
intervenção hospitalar.17,26,27 Inúmeros fatores têm sido associados a maior
risco de recidiva da hemorragia e mortalidade por HDA incluindo idade superior
a 65 anos, mau estado geral, comorbilidades graves, níveis de hemoglobina
baixos, necessidade de transfusão hemática, hemorragia ativa, presença de
melena ou sepsis, internamento hospitalar por outra patologia, níveis elevados
de creatinina e ureia.17,25,28 Outros fatores incluem o alcoolismo crónico,
neoplasias malignas ativas e condições sociofamiliares desfavoráveis.29
A utilização do índice de Rockall implica a realização de endoscopia a todos os
doentes com HDA o que origina a permanência dos doentes no hospital até
que este procedimento seja executado e acarretando maiores custos.26 Vários
estudos demonstraram que a escala de Blatchford permite que pacientes com
score máximo de 2 tenham alta em segurança, sem intervenção endoscópica,
reduzindo desta forma as admissões hospitalares por HDA, colocando os
recursos disponíveis à disposição dos pacientes mais graves.1,15,26 Apesar
destas últimas evidências, tais estratégias geralmente não são praticadas.26
Esofagogastroduodenoscopia
A esofagogastroduodenoscopia (EGD) é objetivamente eficaz no diagnóstico e
tratamento da maior parte das causas de HDA encontrando-se associada a
uma diminuição da necessidade de transfusões e a menor tempo de
internamento hospitalar total e em cuidados intensivos.25,30 A EGD permite
definir com precisão o local sangrante e determinar a causa específica,
22
conseguindo atribuir um diagnóstico em cerca de 90-95% dos casos de HDA
aguda alcançando uma eficácia de 80-90% com tratamento endoscópico.2,3
Para além destes aspetos, a EGD beneficia ainda de capacidade prognóstica e
de triagem do doente com HDA, sendo os achados endoscópicos
frequentemente incorporados nas escalas de avaliação inicial.2,29 Na
hemorragia por DUP, os achados endoscópicos são importantes fatores
independentes de risco de recorrência da HDA, necessidade de transfusão
hemática, necessidade de cirurgia, duração do internamento e mortalidade.
Lesões que se apresentem endoscopicamente com sangramento ativo têm um
risco de recorrência da hemorragia em 72h de 80-100% enquanto um vaso
visível não sangrante apresenta um risco de 40-60%, um coágulo aderente 20-
25% e uma úlcera de base limpa um risco de cerca de 5%. A correta e rápida
identificação de lesões endoscópicas de alto risco permite uma intervenção
terapêutica precoce, aumentando a probabilidade de hemóstase.2
Apesar de se verificar unanimidade no que respeita à importância da EGD na
abordagem da HDA, o período ideal para a sua realização continua a ser
discutido. Várias revisões sobre o tema apresentam como amplamente aceite
que a EGD deva ser urgente e realizada nas primeiras 24h após a
apresentação da HDA,9,29,31 já que este procedimento se encontra associado a
identificação precoce de sinais de hemorragia recente, melhor prognóstico e
consequentemente a reduções do tempo de hospitalização em doentes de
baixo e alto risco.32 No entanto, alguns estudos têm vindo a ser elaborados na
tentativa de esclarecer se existe benefício adicional na realização de EGD
emergente (6 a 8h iniciais). Os resultados até agora obtidos revelam ausência
23
de diferenças significativas quando comparadas a EGD urgente (8-24h) e a
EGD emergente.33,34
A utilização de procinéticos ou eritromicina, anteriormente preconizados para
aceleração do esvaziamento gástrico e melhor visualização da parede do
estômago, não se encontram atualmente aconselhados como método de rotina,
devendo apenas ser utilizados em casos específicos.17
A realização da EGD raramente acarreta complicações graves embora já
tenham sido descritas perfurações gastrointestinais, precipitação de HDA,
pneumonia de aspiração, paragem respiratória e complicações
cardiovasculares. Torna-se necessário ponderar a sua utilização especialmente
em pacientes de alto risco como os que possuem história de enfarte agudo do
miocárdio.2
Embora cerca de 80% dos casos de HDA sejam autorresolutivos, não
necessitando de qualquer intervenção específica,25 a hemóstase é obtida em
mais de 90% dos restantes casos com recurso à terapêutica endoscópica.35 A
experiência do endoscopista é um fator independente que influencia o
prognóstico do doente com HDA.2
A terapêutica endoscópica é indubitavelmente o procedimento padrão de
tratamento da HDA e encontra-se necessariamente indicada em lesões que se
apresentem com sangramento ativo, vaso visível não sangrante ou coágulo
aderente de forma a alcançar rapidamente a hemóstase da lesão e prevenir a
recidiva da hemorragia. Cerca de 25% das EGD realizadas por HDA englobam
tratamento endoscópico, o qual apresenta várias modalidades incluindo injeção
de agentes vasoativos (como a epinefrina) ou agentes esclerosantes, terapia
24
ablativa (métodos de contacto) e terapia mecânica com clips.2,9,25 A
combinação de vários métodos endoscópicos tem revelado maior eficácia que
a monoterapia.36 A utilização conjunta de IBP diminui a taxa de recidiva da
hemorragia.9 Após a instituição da terapêutica hemostática, a lesão deve ser
observada, pelo menos, durante 5 minutos. Na ausência de hemorragia
evidente considera-se que há hemóstase inicial.
Procedimentos farmacológicos
O sucesso da supressão ácida farmacológica na cicatrização de úlceras
pépticas e na abordagem do doente com HDA tem-se refletido na extinção
virtual da cirurgia eletiva para DUP, diminuição das taxas de recidiva
hemorrágica (cerca de 10%), diminuição da necessidade de transfusões e do
tempo de internamento e da mortalidade.9,29,30
Os IBP devem ser iniciados em qualquer paciente com suspeita de HDA. A
terapêutica com IBP é dada inicialmente em bólus seguida de infusão
intravenosa. A sua aplicação deve anteceder a realização da endoscopia pois
permite a diminuição do nível de risco da lesão. No entanto a utilização dos IBP
não deve de forma alguma resultar no atraso da aplicação do procedimento
endoscópico. Doses elevadas de IBP promovem a estabilidade de coágulos
facilitando também a hemóstase por elevação do pH gástrico.9 As lesões
classificadas como Forrest IIb ou superiores devem continuar a infusão
intravenosa de IBP enquanto as lesões de menor grau podem ser tratadas com
IBP de formulação oral.17 A infusão deve ser prolongada pelo menos até 72h
antes da sua alteração para formulação oral, já que na maioria dos casos este
25
é o período necessário à transição de lesões de alto risco para baixo risco. No
entanto se ocorrer nova hemorragia nesse período a infusão intravenosa de
IBP deve ser continuada para além das 72h.9
Os antagonistas dos recetores da histamina 2 podem ser utilizados como
substitutos dos IBP quando estes se encontram contraindicados, embora
globalmente demonstrem menor eficácia na prevenção da recidiva hemorrágica
quando comparados com os IBP.35
Estudos recentes relacionam os IBP a infeções por Clostridium difficile,
pneumonia e fraturas osteoporóticas. Estes achados mantêm-se no entanto
controversos e os benefícios da administração de IBP ultrapassam estes
potenciais riscos do tratamento agudo. O tratamento a longo prazo deve ser
alvo de vigilância.17,37
Procedimentos cirúrgicos
Na presença de instabilidade hemodinâmica persistente, complicações como
perfuração, impossibilidade de controlo endoscópico da lesão ou recorrência da
hemorragia após 2 ou mais tentativas de hemóstase transitoriamente bem
sucedidas, a cirurgia urgente é mandatória.38
Um estudo retrospetivo em Itália identificou a DUP complicada (70,5%) e as
neoplasias do trato gastrointestinal (29,5%) como as principais lesões que
acarretam abordagem cirúrgica nos pacientes com HDA. Entre os
procedimentos cirúrgicos mais utilizados encontram-se a gastrectomia subtotal,
a rafia da úlcera, a hemóstase direta da úlcera e a gastrectomia total. De facto
a gastrectomia total ou subtotal é o procedimento de escolha já que
26
abordagens cirúrgicas menos agressivas apresentam globalmente uma
incidência elevada de recidiva da hemorragia associada a taxas de mortalidade
superiores aos doentes tratados com resseção gástrica. É necessário, no
entanto, valorizar o estado geral do doente e as suas comorbilidades já que em
certos casos pode ser preferível a adoção de uma abordagem cirúrgica menos
invasiva.38
A realização de endoscopia pré procedimento cirúrgico permite recolher
informação acerca da causa e do local de hemorragia, auxiliando a decisão do
cirurgião quanto ao tipo de incisão e abordagem (torácica, abdominal superior
ou inferior), qual o órgão alvo e qual o tipo de cirurgia a efetuar.2
Angiografia percutânea
A angiografia revela-se um vantajoso método diagnóstico para o paciente com
HDA cuja lesão sangrante não é identificada pela endoscopia, mantendo-se
atualmente como o método radiológico de primeira escolha no diagnóstico de
HDA. 17,39 A técnica angiográfica requer angiogramas seletivos dos três vasos
mesentéricos, e o acesso é frequentemente femoral.4 O diagnóstico é possível
a partir de um débito muito reduzido 0,5 ml/min, a partir da verificação de
extravasamento de sangue ou contraste para o lúmen.22 À capacidade
diagnóstica da angiografia alia-se a possibilidade terapêutica pela infusão
transcateter de agentes vasoconstritores ou oclusão mecânica do vaso
responsável pela hemorragia, especialmente útil em pacientes que não possam
ser submetidos a procedimentos cirúrgicos. As taxas de sucesso atualmente
obtidas rondam os 95% enquanto a percentagem de recidiva da hemorragia
27
após este tipo de intervenções é de cerca de 20%. As principais complicações
da intervenção angiográfica incluem isquemia e enfarte gastrointestinal,
culminando numa mortalidade semelhante à obtida com procedimentos
cirúrgicos.3,9,39
Cuidados pós hemóstase e recidiva da hemorragia
Após a obtenção da hemóstase de um primeiro episódio de HDA, o cuidado
seguinte é a prevenção da recorrência da hemorragia, facto que ocorre
atualmente em cerca de 5-15% dos casos.25 O período crítico é de 48-72
horas, já que a persistência ou a recidiva da hemorragia ocorrem, na maioria
dos casos, durante este período. Os IBP, em particular IV em altas doses
(bólus 80 mg + perfusão contínua 8 mg/h, por 72h), como complemento da
hemóstase endoscópica no tratamento da úlcera péptica sangrante, associam-
se a diminuição da recidiva hemorrágica, número de cirurgias e mesmo da
mortalidade em doentes de alto risco.9 Os pacientes de alto risco devem por
isso permanecer hospitalizados pelo menos 72h após hemóstase endoscópica
de modo a poder intervir rapidamente.29 Uma segunda endoscopia de rotina é
definida como o procedimento realizado entre as 16h e 48h após endoscopia
inicial eficaz, em pacientes sem evidência de hemorragia ativa.17,40 International
Consensus Recommendations suporta que esta deva unicamente ser realizada
numa seleção restrita de pacientes de alto risco atendendo que a sua execução
como procedimento de rotina não se encontra recomendada.17 Cerca de 20%
das hemorragias recorrentes ocorrem no período que antecede a segunda
endoscopia planeada o que a traduz num procedimento não eficaz e por sua
28
vez associado a um aumento do número de procedimentos, sessões
terapêuticas e complicações.40
Em caso de recidiva da hemorragia e as condições clínicas e hemodinâmicas
se mantenham mais ou menos estáveis, a endoscopia deve ser repetida e uma
segunda intervenção terapêutica endoscópica pode ser opção. Segundo o
estudo de Imhof M. et al, esta segunda intervenção endoscópica é comparável
a uma intervenção cirúrgica no que respeita ao tempo de internamento,
necessidade de transfusões hemáticas e mortalidade. No entanto a recorrência
de hemorragia foi de 50% no grupo de pacientes submetidos a terapêutica
endoscópica enquanto no grupo submetido a cirurgia apenas se verificou a
ocorrência de um caso.41
Conclusão
A HDA não hipertensiva é uma causa frequente de admissão hospitalar.
Apesar da diminuição da incidência da DUP e dos avanços da terapia
endoscópica e farmacológica, a mortalidade por HDA permanece constante.
Vários fatores de risco têm sido propostos como possíveis causas para a
persistência de uma mortalidade elevada por HDA, sendo a idade e a presença
de comorbilidades os fatores de maior peso. A abordagem do paciente com
HDA deve por isso ser precoce, multidisciplinar e executada numa perspetiva
mais ampla, de modo a poder valorizar as várias patologias do doente. A
estabilização hemodinâmica e aplicação de medidas de suporte, a correta
estratificação de risco do doente, a realização de esofagogastroduodenoscopia
precoce, nas primeiras 24h e a associação de IBP, em bólus ou perfusão,
29
revelam-se etapas essenciais na abordagem do doente com HDA,
apresentando reduções significativas do número de recidivas hemorrágicas e
do tempo de internamento hospitalar. A intervenção endoscópica terapêutica
precoce nas lesões de alto risco é o tratamento padrão da HDA não
hipertensiva, resultando numa diminuição da necessidade de cirurgia e
transfusões hemáticas, do tempo médio de internamento e dos custos
associados, apesar de revelar uma taxa de recidiva hemorrágica de 5 a 15%,
superior à alcançada com procedimentos cirúrgicos. A prevenção da recidiva
hemorrágica após hemóstase endoscópica bem sucedida revela-se crítica, com
os IBP a terem um papel preponderante.
A cirurgia urgente e outros procedimentos como a embolização percutânea
devem ser considerados nos casos de hemorragia persistente.
30
Agradecimentos
Ao meu orientador, Dr. Carlos Alberto Ribeiro, por
toda a disponibilidade revelada e tempo
despendido ao longo do desenvolvimento
desta monografia.
31
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37
Tabelas
Tabela I – Incidência das principais causas de HDA não hipertensiva
Diagnóstico Incidência
Doença ulcerosa péptica 50-75%
Síndrome de Mallory Weiss 10-15%
Neoplasias gastrointestinais 5%
Ectasia antro gástrico 3-5%
Angiodisplasia 2%
Lesão de Dieulafoy 1-2%
Iatrogénica 1-2%
Fístula aorto-entérica <1%
Hemobilia <1%
Adaptado de Huang CS, Lichtenstein DR8 e Ferguson CB, Mitchell RM12
38
Anexos