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ANAFILAXIA INTRODUÇÃO A anafilaxia se refere a manifestação clínicas sistêmicas características, potencialmente graves, desencadeados por reações mediadas pela imunoglobina-E (IgE), após exposição a um antígeno em indivíduos previamente sensibilizados. As reações ditas pseudoalérgicas ou anafilactoides, por sua, são clinicamente indistinguíveis da anafilaxia, porém sem comprovação de participação da IgE. Neste texto adotaremos a termo anafilaxia para designar genericamente todas as situações clínicas pertinentes reservando os termos “reação anafilactoides” ou “pseudoalérgica” ás considerações a respeito de fisiopatologia. Não se sabe a real incidência da anafilaxia, e os dados disponíveis são: Estados Unidos: trinta casos em cem mil habitantes. Reino Unido: um caso em cada 2.300 atendimentos em setor de emergência. Mundo: reação anafilática fatal parece ser de 154 casos em um milhão de pacientes internados. CLASSIFICAÇÃO CID 10 T78.2 ACHADOS CLÍNICOS A anafilaxia é caracterizada por manifestações clínicas isoladas ou em diversas combinações, envolvendo algum dos seguintes sistemas: respiratório, cardiovascular, neurológico, cutâneo e gastrintestinal (Tabela 1.1). Os sintomas estabelecem-se acerca de minutos a horas depois do contato com o alérgeno, sendo mais comuns na primeira hora subsequente. A rapidez com que os sintomas ocorrem guarda relação com a gravidade dos sintomas. Após a exposição, pode haver um intervalo de horas para que as manifestações clínicas se iniciem, dependendo da via de administração do agente. O quadro clínico pode seguir um curso unifásico, em que os sintomas aparecem e não mais retornam; ou bifásico, quando somem ou diminuem, para reaparecerem cerca de 1 a 8 horas após, ou mais tardiamente. O curso bifásico é encontrado em 5% a 20% dos casos sendo mais frequente em pacientes após exposição oral ao antígeno ou naqueles com manifestações iniciais após 30 minutos da exposição. Corresponderia, nos casos mediados por IgE, á expressão clínica da reação tardia da resposta alérgica. A duração dos

ANAFILAXIA

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ANAFILAXIA

INTRODUÇÃO

A anafilaxia se refere a manifestação clínicas sistêmicas características, potencialmente

graves, desencadeados por reações mediadas pela imunoglobina-E (IgE), após exposição a um

antígeno em indivíduos previamente sensibilizados.

As reações ditas pseudoalérgicas ou anafilactoides, por sua, são clinicamente

indistinguíveis da anafilaxia, porém sem comprovação de participação da IgE. Neste texto

adotaremos a termo anafilaxia para designar genericamente todas as situações clínicas

pertinentes reservando os termos “reação anafilactoides” ou “pseudoalérgica” ás considerações a

respeito de fisiopatologia.

Não se sabe a real incidência da anafilaxia, e os dados disponíveis são:

Estados Unidos: trinta casos em cem mil habitantes.

Reino Unido: um caso em cada 2.300 atendimentos em setor de emergência.

Mundo: reação anafilática fatal parece ser de 154 casos em um milhão de pacientes

internados.

CLASSIFICAÇÃO CID 10

T78.2

ACHADOS CLÍNICOS

A anafilaxia é caracterizada por manifestações clínicas isoladas ou em diversas

combinações, envolvendo algum dos seguintes sistemas: respiratório, cardiovascular, neurológico,

cutâneo e gastrintestinal (Tabela 1.1). Os sintomas estabelecem-se acerca de minutos a horas

depois do contato com o alérgeno, sendo mais comuns na primeira hora subsequente. A rapidez

com que os sintomas ocorrem guarda relação com a gravidade dos sintomas. Após a exposição,

pode haver um intervalo de horas para que as manifestações clínicas se iniciem, dependendo da

via de administração do agente. O quadro clínico pode seguir um curso unifásico, em que os

sintomas aparecem e não mais retornam; ou bifásico, quando somem ou diminuem, para

reaparecerem cerca de 1 a 8 horas após, ou mais tardiamente. O curso bifásico é encontrado em

5% a 20% dos casos sendo mais frequente em pacientes após exposição oral ao antígeno ou

naqueles com manifestações iniciais após 30 minutos da exposição. Corresponderia, nos casos

mediados por IgE, á expressão clínica da reação tardia da resposta alérgica. A duração dos

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sintomas pode se prolongar até por 48 horas (anafilaxia prolongada). As manifestações podem

incluir;

Pele: o envolvimento cutâneo é a apresentação mais comum (ausente em apenas

10% a 15% dos casos), representado por urticária e angioedema, que podem ser

precedidas por eritema e prurido.

Tonturas ou síncope: podem estar presentes, na presença ou não de hipotensão ou

choque anafilático.

Gastrintestinal: náuseas, vômitos, diarreia e cólicas.

Vias aéreas: tanto superiores como inferiores podem ser acometidas. Manifestações como

estridor, disfonia, rouquidão ou dificuldade para deglutir indicam envolvimento alto e

devem alertar para a possibilidade de edema de glote. Rinoconjuntivite pode também

ocorrer. Já a presença de sibilância e sensação de aperto no peito indicariam envolvimento

de vias aéreas baixas (broncoespasmo).

Outros: em alguns casos, a anafilaxia pode se manifestar apenas como perda de

consciência, morte súbita ou convulsões.

TABELA 1.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA ANAFILAXIA*

Critérios 1: Início agudo de uma doença ( em minutos horas) om envolvimento da pele, das mucosas ou ambos e de um dos seguintes:

Acometimento de vias respiratórias (p. ex., dispneia, sibilos, estridor, hipoxemia).

Redução da PA ou sintomas de hipofluxo sanguíneo (p. ex., síncope, incontinência, choque, hipotonia etc).

Critérios 2: Dois ou mais dos seguintes achados:

Envolvimento de pele – mucosas.

Acometimento respiratório (dispneia, sibilos, estridor, hipoxemia).

Redução da PA ou sintomas associados.

Sintomas gastrointestinais persistentes (p. ex., vômitos, dor abdominal, cólicas).

Critérios 3: Redução da PA após exposição a um conhecido alérgeno para o paciente *Critérios 1 ou 2 ou 3 caracterizam anafilaxia.

TRATAMENTO

Dada a diversidade de apresentação clínica da anafilaxia, as condutas podem variar na

dependência da gravidade dos sintomas:

a. Parada cardiorrespiratória: devem ser seguidas as recomendações do suporte

avançado de vida (ACLS 2005). Especial atenção deve ser dada à manutenção da

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perviabilidade das vias aéreas altas, pois no edema de glote pode ser necessária

uma cricotireoidotomia (tabela 1.3)

TABELA 1.2 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE ANAFILAXIA OU REAÇÕES ANAFILACTOIDES

1. Causas orgânicas que determinem hipotensão, dispnéia ou síncope:

Arritmias cardíacas, infarto agudo de miocárdio, sepse, hipovolemia, urticária ao frio grave, aspiração de corpo estranho, tromboembolismo pulmonar, hipoglicemia.

2. Causas orgânicas relacionadas ao aumento endógeno de histamina:

Mastocitose, urticária pigmentosa, ingestão de peixe contaminado com histamina.

3. Causas não-orgânicas que simulam anafilaxia:

Reação vasovagal, alergia factícia, disfunção de cordas vocais, síndrome do pânico.

4. Causas de eritema difuso ( flushing):

Síndrome carcinoide, uso de clorpropamida, carcinoma medular da tireóide, epilepsia com manifestação autônoma, climatério, eritema facial idiopático

5. Causas de urticária e angioedema:

Angioedema hereditário, uso de inibidores de enzima conversora, urticária crônica.

TABELA 1.3 PARTICULARIDADES DA PCR NA ANAFALAXIA (ACLS 2005)

1) Volume:

Dois acessos de grosso calibre (14) com infusão rápida de soro fisiológico (4 a 8 litros).

2) Epinefrina em altas doses:

Prescrever 1 a 3 mg inicialmente.

Doses crescente: 3 a 5 mg de 3-3 a 5-5 minutos.

3) Anti-histamínicos*:

Difenidramina: 25 a 50 mg EV.

Ranitidina: 50 mg EV.

4) Corticosteroide*:

Metilprednilsolona: 125 mg EV.

5) Tempo de RCP:

É prudente não encerrar os esforços precocemente, haja visto a idade jovem da maioria dos pacientes.

* Não existem evidências para recomendar anti-histamínicos ou esteróides na PCR, entretanto o ACLS 2005

recomenda.

b. Suporte inicial: oxigênio nos casos com envolvimento respiratório, acesso

venoso, fluidos isotônicos por via endovenosa e elevação de membros

inferiores para controle inicial da pressão arterial.

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c. Adrenalina: principal tratamento; deve ser prescrita o mais precocemente

possível após o reconhecimento do quadro (Tabela 1.4 e 1.5). As diretrizes para

uso da adrenalina são:

Recentes estudos mostram que a administração intramuscular (coxa:

músculo vasto lateral) determina picos mais rápidos e maiores de

concentração de adrenalina.

Aplicar por via subcutânea apenas em casos leves.

Via endovenosa: reservada aos casos mais graves, em iminência de

parada cardiorrespiratória, no choque, ou nos casos irresponsivos ao

tratamento inicial, desde que haja acesso imediatamente disponível e

com restrita obediência à concentração indicada para essa via.

Intervalos de aplicação da adrenalina (empírico): cada 5,10 ou 15

minutos, norteados genericamente pela gravidade do quadro clínico,

pelo nível de resposta á aplicação anterior e pelo aparecimento de

efeitos colaterais próprios desse medicamento.

Aplicação de adrenalina próximo ao local injeção de substância

implicada na anafilaxia e uso de torniquetes não são recomendados.

Doses recomendadas e as concentrações de adrenalina (Tabela 1.5).

d. Anti- histamínicos: bloqueadores H1 e H2 são recomendados (Tabela 1.6)

TABELA 1.4 PAPEL DA ADRENALINA NA ANAFILAXIA

A adrenalina é a principal medicação.

A via de administração principal é a intramuscular.

A via subcutânea só é indicada nos casos leves.

Deve ser fornecida o mais precocemente possível.

As doses recomendadas para anafilaxia são diferentes da PCR.

TABELA 1.5 DOSE DE ADRENALINA NA ANAFILAXIA

Via Adultos Concentração SC/IM Concentração: 1: 1.000 ( ampola padrão de 1 ml) Concentração: 1:100 Dose: 0,3 a 0,5 mL (0,3 a 0,5) Dose: 0,01 mL/Kg/dose Máximo: 0,3 mL

IV Concentração: 1: 10.000 (1 ampola padrão de Concentração : 1: 10.000 1 ml diluída em 9 ml de soro fisiológico) Dose: 0,01 mL/kg/dose Dose: 0,1 a 0,3 mL em infusão lenta (5 minutos) Máximo: 0,3 mL

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TABELA 1.6 DOSES DE ANTI-HISTAMÍNICOS (H1 E H2) NA ANAFILAXIA

Adultos

Difenidramina IV / IM: 25 a 50 mg até de 4/4 ou 6/6 horas.

Ranitidina IV: 50 mg até de 8/8 horas.

Crianças

Difenidramina IM / IV: 1 a 2 mg/kg/ dose até de 4/4 ou 6/6 (máximo de 75 mg/ dose).

Ranitidina IV: 1,25 mg/kg/dose até de 8/8 horas

Adultos que se apresentam com quando alérgico agudo: a

administração de ambos os bloqueadores determina, ao menos, uma

resolução mais rápida da urticária, sem entretanto haver diferença no

controle da pressão arterial ou de outros sintomas.

Via da administração: parenteral ou oral, embora a via parenteral nos

pareça mais indicada no contexto de emergência. A difenidramina é o

bloqueador H1 mais estudado, embora qualquer outro possa ser

utilizado.

e. Corticosteróides (Tabela 1.7): são indicados empiricamente, em especial com o

objetivo de atenuar possíveis reações tardias (o que nem sempre parecer se

bem- sucedido) e no tratamento d brocoespasmo.

f. Outros medicamentos: podem ser indicados em situações especiais:

Broncoespasmo: broncodilatadores inalatórios.

Drogas vasoativas em infusão contínua: como dopamina e

noradrenalina, em doentes com hipotensão refratária ao tratamento

inicial.

Glucagon (Tabela 1.8): opção de tratamento para os casos pouco

responsivos a adrenalina, particularmente por uso prévio de β –

bloqueadores. O glucagon possui propriedades inotrópicas e

cronotrópicas positivas e efetivos vasculares independentes dos

receptores β, além de induzir o aumento de catecolaminas. Seus efeitos

colaterais mais comuns são náuseas, vômitos e hiperglicemia.

TABELA 1.7 DOSES DE CORTICOSTEROIDES NA ANFILAXIA

Via Adultos Concentração IV Metilprednilsolona: 125mg, até 6/6 horas Metilprednisolona: 1 a 2mg/kg/dose até 6/6 horas Pode-se usar doses equivalentes de outros Máximo de 125 mg/dose Corticóides. Pode-se usar doses equivalentes de outros corticóides.

Oral Prednisona: 1mg/kg/dose (40 a 60mg) Prednisona: 1 a 2 mg/kg/dose até Até 6/6 horas 6/6 horas. ( Máximo de 75 mg/dose).

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TABELA 1.8 DOSES DE GLUCAGON NO TRATAMENTO DA ANAFILAXIA

Adultos Crianças IM/IV: 1 a 2 mg de 5/5 minutos.

IV: I a 5 mg em 5 minutos, seguido de infusão contínua de 5 a 15 µg/minuto.

IV: 20 a 30 µg/kg em 5 minutos (máximo de 1 mg), seguido de infusão contínua de 5-15 µg/minuto.

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ALGORITMO – TRATAMENTO DA ANAFILAXIA

DIAGNÓSTICO DE ANAFILAXIA

Vias aéreas (observar, indicação de oxigênio, intubação ou

cricotireoidotomia).

Estado hemodinâmico (medir pulso e pressão arterial); monitorização

cardíaca.

Acesso venoso para infusão de fluidos, se necessário.

Parada cardiorespiratória

SIM NÃO

Seguir orientações de PCR.

Conforme novas diretrizes do

ACLS (tabela 1.3).

Seguir orientações de

anafilaxia

Adrenalina (preferencialmente intramuscular, em vasto lateral da coxa).

Anti-histamínicos.

Corticosteroides.

Broncodilatadores (se necessário).

Reavaliação do paciente

Pior ou indiferenteMelhorado

Adrenalina IM ou EV a cada 5 minutos.

Considerar drogas vasoativas se

hipotensão irresponsiva a fluidos.

Considerar glucagon nos casos

irresponsivos.

Observar