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Anais do DUO VII - 2016
Dialogue Under Occupation
Porto Alegre, RS, outubro de 2015 Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
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A CONSCIÊNCIA METALINGUÍSTICA EM CRIANÇAS BILÍNGUES
Ellen Cristina Gerner Siqueira1 Talita dos Santos Gonçalves2
Introdução
Este estudo encontra-se no espaço de interação entre estudos da Psicologia
Cognitiva e da Psicolinguística, no que diz respeito ao bilinguismo infantil e à
consciência metalinguística, inserindo-se no inventário de estudos que investigam
possíveis vantagens advindas da experiência bilíngue.
O bilinguismo é uma realidade do mundo, seja originado pelos movimentos
migratórios, configurações familiares, negócios, necessidade acadêmica, interesse
pessoal ou relações históricas, geográficas e políticas, entre tantos outros motivos que
fazem com que uma pessoa ou comunidade viva uma experiência com duas ou mais
línguas. Por envolver muitos aspectos, como idade de aquisição, status das línguas,
nível de proficiência, contexto de aprendizagem das línguas, por exemplo, o
bilinguismo é conceituado e classificado a partir de muitas perspectivas, gerando
muitas discussões.
Neste trabalho, entende-se por bilinguismo a capacidade que um indivíduo
possui para funcionar em duas línguas ou dialetos de acordo com suas necessidades
diárias (GROSJEAN, 2010). Nesse sentido, muitas pessoas se encaixam nessa
perspectiva de bilinguismo, fazendo com que a população bilíngue e as circunstâncias
do bilinguismo gerem muitos aspectos a serem investigados, como, por exemplo, as
possíveis vantagens metalinguísticas no bilinguismo infantil.
A consciência metalinguística refere-se à habilidade de segmentar e manipular
a língua reflexivamente em seus diferentes níveis (GOMBERT, 1990; MALUF, 2003). Por
volta dos dois anos de idade, a criança já apresenta comportamentos reflexivos sobre
aspectos fonológicos (BARRERA; MALUF, 2003). Posteriormente, outros aspectos da
1 Licenciada em Comunicação Social, bolsista BPA (PUCRS).
E-mail: [email protected] 2 Doutoranda em Letras, bolsista CAPES (PUCRS).
E-mail: [email protected]
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língua serão objeto do pensamento, como a morfologia, a sintaxe, a semântica, a
pragmática e o texto. O objetivo deste estudo foi discutir evidências de vantagens no
desenvolvimento metalinguístico de crianças bilíngues em comparação com crianças
monolíngues.
Este artigo é uma revisão bibliográfica e está estruturado em seções.
Apresentam-se considerações sobre consciência metalinguística e bilinguismo infantil
na parte teórica. Na sequência, expõe-se o método adotado para esta investigação e,
posteriormente, os resultados e as discussões. Ao final, são levantadas algumas
reflexões sobre esta investigação.
1 Consciência metalinguística e bilinguismo infantil
Para Bialystok e Barac (2012), a consciência metalinguística refere-se ao
conhecimento explícito da estrutura linguística e à capacidade de acessar esse
conhecimento intencionalmente. Esse conhecimento é crucial no desenvolvimento das
crianças para os usos complexos da linguagem e da alfabetização. Assim, a consciência
metalinguística permite que as crianças separem a estrutura subjacente da língua do
significado e possam fazer julgamentos semânticos, sintáticos, fonológicos e aspectos
morfológicos da língua. Com essa habilidade, as crianças analisam representações
linguísticas para extrair regras gerais da gramática e torná-las explícitas para
diferenciar aspectos das sentenças ou palavras.
A habilidade fonológica refere-se à capacidade de identificar e manipular os
fonemas das unidades linguísticas (GOMBERT, 1992), enquanto que a habilidade
morfológica consiste na capacidade de reflexão sobre os morfemas das unidades
linguísticas (SPINILLO et al., 2010). No nível sintático, essa consciência corresponde à
habilidade de reflexão consciente sobre os aspectos sintáticos da linguagem e o
controle do uso das regras gramaticais. Já a consciência semântica é atribuída tanto à
capacidade de reconhecer o sistema linguístico como um código arbitrário e
convencional quanto à habilidade de manipular, automaticamente, as palavras sem
que seus significados sejam afetados (GOMBERT, 1992). A consciência pragmática
revela-se na capacidade do indivíduo de refletir sobre os aspectos contextuais que
determinam o uso da língua, bem como de manipular informações advindas dessa
relação. Por fim, a consciência textual diz respeito à capacidade de pensar sobre a
estrutura do texto, suas partes, convenções e marcadores linguísticos que constituem
o texto como uma unidade.
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A criança é capaz de usar a língua como instrumento para comunicar-se, antes
mesmo da alfabetização, pois durante a interação social vai adquirindo os mecanismos
que lhe permitem expressar seu pensamento ao mundo. Além disso, antes de
qualquer instrução formal, a criança é capaz de analisar deliberadamente os aspectos
formais da língua. Em geral, a criança é capaz de usar tanto o conhecimento sobre
línguas como usar a língua.
Estudos do início da década de 60 lançaram a hipótese da vantagem bilíngue
ancorada na conclusão de Peal e Lambert (1962) de que crianças bilíngues teriam uma
flexibilidade cognitiva superior em relação a seus pares monolíngues. Essa conclusão
foi explicada através da alternância entre os dois códigos linguísticos que o bilíngue
utiliza durante suas interações verbais. Após essa investigação de Peal e Lambert, as
pesquisas sobre bilinguismo focaram no desempenho linguístico e metalinguístico,
evidenciando um desenvolvimento metalinguístico mais precoce em crianças bilíngues
(BIALYSTOK, 2001).
Galambos e Hakuta (1988) indicam que as primeiras evidências do efeito
benéfico do bilinguismo surgiram de estudos da consciência metalinguística de
crianças. A vantagem metalinguística de bilíngues manifesta-se, principalmente, no
desempenho de tarefas de funções executivas3 que incluem conflitos e requerem
controle (BIALYSTOK, 1986), apontado para uma capacidade cognitiva mais
especializada em bilíngues. Piantá (2011) aponta que crianças bilíngues possuem
habilidade de refletir sobre a natureza e as funções da linguagem diferentemente das
crianças monolíngues.
A explicação mais comum é de que as duas línguas estão sempre ativas nos
bilíngues, fazendo com que as funções executivas atuem sobre o processamento
linguístico, focando atenção em uma dessas línguas. Dessa maneira, o bilinguismo
“treina” as funções executivas através da seleção constante de um dos idiomas,
tornando-as mais desenvolvidas. Ou seja, a vantagem metalinguística dos bilíngues
residiria muito mais na sua capacidade cognitiva do que no processamento linguístico
em si (BIALYSTOK, 2015). A partir disso, vale ressaltar o que se entende por bilinguismo
infantil.
Do ponto de vista da aquisição da linguagem, o bilinguismo infantil apresenta
duas formas de classificação: o simultâneo e o sucessivo. Segundo Yip (2013), a linha
3 Conforme Diamond (2013), essas funções são responsáveis pelo jogo mental que o indivíduo realiza
com suas ideias, tornando possível o pensamento antes da ação, o enfrentamento de desafios imprevistos, a resistência a tentações e a conservação do foco. Para a autora, dentre as principais funções executivas encontram-se a inibição, a memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva.
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que divide os dois tipos de bilinguismo é arbitrária, uma vez que diferentes estudiosos
do tema discordam sobre a idade que definiria se a aquisição das línguas é simultânea
ou sucessiva. Baseada em Grosjean (2008), a autora define o bilinguismo simultâneo
como aquele em que a criança está exposta às duas línguas desde o nascimento,
fazendo uso de ambas regularmente durante a primeira infância, antes mesmo de
ingressar na pré-escola. Assim, a autora exclui da definição de bilinguismo simultâneo
as crianças expostas a duas línguas, mas que produzem apenas em uma delas.
Em termos de nomenclatura, os teóricos também divergem sobre as
classificações das línguas. Uma vez simultâneas, não poderiam ser definidas,
tradicionalmente, como L1 e L2, ou língua materna e segunda língua. Assim, tem-se
utilizado terminologia como Língua A e Língua B ou, ainda, Língua A e Língua α.
Já o conceito de bilinguismo sucessivo está presente nas teorias de aquisição de
linguagem relacionada a diversas idades, não somente à infância. Segundo Li (2013),
enquanto os termos “primeira língua” (L1) e “segunda língua” (L2) não são bem aceitos
no bilinguismo simultâneo, dada sua natureza sincrônica, nos estudos sobre
bilinguismo sucessivo os impasses surgem em relação à aquisição da segunda língua,
principalmente no que diz respeito à idade de aquisição e no impacto que isso traz à
produção do falante. No bilinguismo infantil sucessivo, segundo Wei (2000), o período
sensível para aquisição da segunda língua gira em torno dos cinco anos de idade.
O estudo da consciência metalinguística relacionada ao bilinguismo infantil é de
grande relevância, pois a literatura indica que processos metalinguísticos parecem
desenvolver-se precocemente em crianças bilíngues (BIALYSTOK, 1986, 1993). Essa
hipótese poderia ser explicada pelo uso de dois códigos linguísticos. A criança bilíngue
teria uma noção antecipada sobre a arbitrariedade da língua, porque entenderia que
um objeto do mundo teria uma representação em cada língua. Após essas
considerações breves sobre o tema, apresenta-se o método e, logo após, os resultados
e discussões.
2 Método
Este trabalho apresenta uma discussão sobre o desenvolvimento
metalinguístico no bilinguismo a partir de uma revisão bibliográfica e abrangeu
publicações indexadas nas bases de dados eletrônicas: Apa Psycnet, Directory of Open
Access Journals, ProQuest Central New Platform, EBSCOhost Academic Search Premier,
Elsevier ScienceDirect Journals, PUBMED e Scielo. Os artigos foram publicados em
inglês, entre os anos de 2000 e 2015. Os indexadores empregados foram “children
AND metalinguistic awareness AND bilingualism” e “crianças AND consciência
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metalinguística AND bilinguismo”. Além desses indexadores, foram utilizadas as
combinações “children AND metalinguistic awareness” e “crianças AND consciência
metalinguística”. Foram selecionados artigos experimentais, revisados por pares.
Os artigos identificados pela estratégia de busca inicial foram avaliados
conforme os seguintes critérios de inclusão: (1) os participantes das pesquisas foram
crianças bilíngues, (2) foram revisados por pares, (3) foram escritos em inglês,
português ou espanhol, (4) foram disponibilizados na íntegra, (5) avaliam ao menos
uma habilidade metalinguística (6) os participantes apresentam processamento típico;
e (7) os participantes fazem parte do contexto formal de ensino. Os artigos de revisão
ou aqueles que não atenderam aos critérios estipulados foram excluídos.
3 Resultados e discussão
Foram encontrados na primeira estratégia de busca (children AND
metalinguistic awareness AND bilingualism) nove artigos, todos em inglês e revisados
por pares. Na segunda estratégia (crianças AND consciência metalinguística AND
bilinguismo), nenhum artigo foi encontrado. Na terceira estratégia, retornaram 81
resultados, 26 deles revisados por pares. Na última estratégia, apenas um artigo em
língua portuguesa foi encontrado, mas já havia aparecido na busca anterior. Outros
dois artigos apareceram entre a primeira e a terceira busca. Excluindo-se esses artigos
repetidos, a revisão bibliográfica organizou-se, então, em torno dos 33 artigos
revisados por pares.
Após a leitura do resumo, 24 artigos foram excluídos – alguns eram de revisão
bibliográfica, outros tiveram adultos jovens como participantes, e ainda outros não
avaliaram nenhuma habilidade metalinguística ou investigaram crianças monolíngues,
como foi o caso do único artigo publicado em língua portuguesa. Ao final, nove artigos
atenderam aos critérios propostos. O Quadro 1 apresenta as principais informações
dos artigos selecionados.
Quadro 1 – Informações dos artigos selecionados
Autor/ano Idade/n Línguas Tarefas Tipo de consciência
Laurent; Martinot (2010)
8-10 anos/N = 110 Francês Francês/Provençal
Apagamento de sílaba e de fonema Permuta de sílabas e fonemas
Fonológica
Cheung et al. (2010)
5-9 anos/ N=141
Chinês /Inglês
Inteligência verbal Memória de curta duração verbal Leitura de palavras Produção e apagamento de rima Apagamento de fonema; Vocabulário Percepção da fala
Morfológica Fonológica
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Quadro 1 (continuação) – Informações dos artigos selecionados
Autor/ano Idade/n Línguas Tarefas Tipo de consciência
Francis (2002)
7-13 anos/ N=45
Espanhol/Náuatle
Tarefa de edição e correção Análise de categorias; Correção ortográfica ao nível da palavra Morfossintaxe/semântica ao nível da sentença; Narrativa oral; Reconto Leitura; Escrita; Efetividade de correção/edição
Considera as habilidades como uma unidade.
Serratrice et al. (2009)
6-10 anos/N=167 Inglês/Italiano Italiano/Espanhol
Julgamento gramatical de sentenças Sintática
Kang (2010)
5-6 anos/ N=126
Inglês/Coreano
Correspondência de fonema inicial Correspondência de rima PAL-RW Teste de rima estranha Teste de sílaba estranha Peabody Picture VocabularyTasks-III Identificação de palavras Partes A e B do PAL Bateria de leitura e escrita (PAL-RW)
Fonológica
Bialystok; Mcbride-Chang; Luk; (2005)
5-6 anos /N= 200
Inglês Inglês/Cantonês
Peabody Picture Vocabulary Tasks Apagamento de sílaba Apagamento de sílaba onset Contagem de fonema Decodificação de palavra
Fonológica
Bialystok; Barac (2011)
E1 8 anos /N=100 E2 7-10 anos /N=80
E1 – Inglês/Hebreu E2 – Inglês/Francês
Tarefas de conhecimento linguístico - Questionário sobre o uso de cada língua Peabody Picture Vocabulary Test KBIT-2; Tarefas metalinguísticas - Wug task e Julgamento gramatical
Morfológica
Davidson; Raschke; Pervez (2010)
E1 5-6 anos/ N=20 E2 3- 6 anos/N=72
Inglês Urdu/Inglês
Peabody Picture Vocabulary Test Julgamento sintático
Sintática
Chen et al. (2012)
E1 8-12 anos/N= 337 E2 7-8 anos/N=62 E3 6-8 anos/N=90
Mandarim Dialetos Minnan, Puxian e Mindong
E1- Julgamento de rima e onset E2-Teste de QI - Raven’s Standard Progressive Matrices, Julgamento de rima e onset E3 -Teste de consciência de sílaba e tom
Fonológica
E – Experimento; KBIT-2 - The Kaufman Brief Intelligence Test, Second Edition; PAL - Process Assessment
of the Learner; RW- Reading and Writing
Através do Quadro 1, observou-se que a maioria dos artigos investiga a
consciência fonológica, há dois que pesquisam a consciência morfológica e outros dois
a consciência sintática. Entre os artigos, encontrou-se um que avalia a consciência
metalinguística como uma habilidade única. As habilidades investigadas,
principalmente a habilidade fonológica, são desenvolvidas e requisitadas
principalmente na infância, durante a alfabetização. Os participantes têm idade entre
três e treze anos de idade e foram recrutados em ambientes formais de ensino.
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Entre as línguas estudadas, o inglês é a língua predominante, principalmente
em relação a alguma língua asiática. O francês e o chinês parecem em duas
investigações cada. Uma das pesquisas estuda o bilinguismo provocado pelo uso do
mandarim e dialetos regionais chineses. Além desses dialetos chineses, algumas
línguas minoritárias são investigadas, como o náuatle, o cantonês e o provençal.
Dentre os estudos, quatro envolvem alguma língua de origem latina, mas nenhum a
língua portuguesa.
O estudo de Laurent e Martinot (2010) buscou determinar se a experiência
bilíngue aumenta o desenvolvimento da consciência fonológica em leitores bilíngues
iniciantes (de escolas bilíngues) comparados a seus pares monolíngues (de escolas
monolíngues). Os resultados da pesquisa sugerem que os alunos de escola bilíngue
apresentam uma consciência fonológica mais desenvolvida que seus pares
monolíngues.
Cheung et al. (2010) examinaram as correlações entre a percepção da fala, a
consciência metalinguística (fonológica e morfológica), a leitura de palavras e o
vocabulário em uma primeira língua (L1) e uma segunda língua (L2). Os resultados
dessa investigação indicam que, primeiro, a percepção da fala foi mais preditiva da
leitura e do vocabulário na L1 do que L2. Segundo, enquanto a consciência morfológica
foi preditiva da leitura e do vocabulário em ambas as línguas, a consciência fonológica
desempenhou um papel depois que a consciência morfológica foi controlada na L2
(inglês). A percepção da fala em L1 e a consciência metalinguística predisseram a
leitura de palavras em L2, mas não o vocabulário. Por fim, as diferenças de
desempenho nas tarefas são atribuídas às variações nas propriedades e aos contextos
de aprendizagem de cada língua.
O trabalho de Francis (2002) examinou a relação entre fatores envolvidos na
proficiência bilíngue, na alfabetização e no desenvolvimento da consciência
metalinguística. A investigação teve três objetivos: (1) descrever as tendências que
emergem de um inventário de correções e revisões de amostras de uma primeira
produção escrita de crianças de séries iniciais; (2) comparar essas tendências com
descobertas de estudos anteriores em que as amostras foram tomadas a partir de
reflexões metalinguísticas de participantes focados em aspectos do conhecimento de
suas duas línguas; e (3) propor um quadro para pesquisas futuras na relação entre o
bilinguismo e a consciência metalinguística. Em geral, Francis observou que a
capacidade de mudança nos textos aumentou da segunda para a sexta série, crianças
mais velhas são mais propensas a focar sua atenção sobre os níveis de processamento
da linguagem para além do nível mais local de correções ortográficas. O
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desenvolvimento da proficiência linguística bilíngue implica em uma capacidade de
começar a refletir conscientemente sobre padrões que envolvem sequências de textos
mais longos sucessivamente.
Serratrice et al. (2009) investigaram se a capacidade de julgar a gramaticalidade
de uma sentença em uma língua é afetada pelo conhecimento da construção
correspondente na outra língua. Embora o desempenho em inglês tenha sido em geral
pobre, não houve diferenças significativas entre os bilíngues inglês/italiano e seus
pares monolíngues. Em contrapartida, verificou-se que o conhecimento de inglês
afetou a capacidade dos bilíngues de discriminação entre as sentenças gramaticais e
agramaticais em italiano. Os bilíngues inglês/italiano foram significativamente menos
precisos que os monolíngues e os bilíngues espanhol-italiano. A língua da comunidade
e a idade também desempenharam um papel significativo na acurácia das crianças.
A investigação de Kang (2010) examinou se há vantagens bilíngues em termos
de consciência fonológica em crianças que estão adquirindo duas línguas alfabéticas
diferentes fonológica e ortograficamente, além de investigar fatores da alfabetização
que explicam as variâncias na consciência fonológica, em comparação com crianças
monolíngues. Os resultados indicam que crianças bilíngues tiveram vantagens em
tarefas de consciência fonológica tanto na L1 como na L2, existiu transferência
linguística no processamento da consciência fonológica da L1 e da L2 e a consciência
fonológica dos dois grupos foi explicada por diferentes fatores. Esses resultados são
discutidos de acordo com as características específicas da L1 e os efeitos das
diferenças de instrução na língua.
Bialystok, McBride-Chang e Luk (2005) examinaram o efeito do bilinguismo na
aprendizagem de leitura em duas línguas que não compartilham o mesmo sistema de
escrita. Os autores apontaram para a importância de avaliar as características de cada
língua e o contexto de instrução em que as crianças tornam-se alfabetizadas, pois o
bilinguismo exerce efeito sobre a alfabetização.
O objetivo da investigação de Bialystok e Barac (2011) foi examinar crianças
que estavam em processo de tornarem-se bilíngues, avaliando o nível de proficiência e
o tempo no programa de imersão. Segundo os autores (2011), os resultados avançam
a compreensão da relação entre o bilinguismo e o desempenho metalinguístico. Ao
contrário do controle executivo, as vantagens metalinguísticas foram relatadas em
níveis modestos de bilinguismo, mostrando que o que fez as crianças progredirem no
desenvolvimento metalinguístico não foi o bilinguismo, mas a proficiência linguística.
Davidson, Raschke e Pervez (2010) compararam o desempenho de crianças
bilíngues e monolíngues em tarefas de julgamento gramatical. Nos dois experimentos
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apresentados, observou-se que bilíngues de 5 e 6 anos de idade superam seus pares
monolíngues em tarefas que avaliam a consciência sintática. Além disso, a investigação
mostra que crianças bilíngues superam monolíngues em pelo menos algumas medidas
de capacidade metalinguística.
O estudo de Chen et al. (2013) investigou o efeito da experiência com os
dialetos min na consciência fonológica do mandarim de crianças chinesas. Os
resultados indicam que a experiência dialetal interfere na consciência fonológica do
mandarim de crianças chinesas de 1ª e 2ª série, mas o efeito desaparece quando as
crianças avançam as séries. Essa experiência com dois dialetos afeta de maneira mais
efetiva a consciência fonológica do mandarim, mas de uma forma semelhante à
experiência com um dialeto.
Entre os nove estudos apresentados, seis apresentam alguma vantagem
metalinguística de crianças bilíngues sobre seus pares monolíngues (LAURENT,
MARTINOT, 2010; FRANCIS, 2002; SERRATRICE et al., 2009; KANG, 2010; BIALYSTOK,
MCBRIDE-CHANG, LUK, 2005; DAVIDSON, RASCHKE, PERVEZ, 2010). A vantagem
refere-se ao desenvolvimento e ao progresso da consciência fonológica e sintática, que
parecem ser mais ampliadas em crianças bilíngues. Essas habilidades são evidenciadas,
geralmente, nas duas línguas da criança e melhoram durante a alfabetização.
Além disso, essa revisão bibliográfica mostra que o conhecimento
metalinguístico de uma língua, no caso o inglês, impacta na capacidade de julgamento
gramatical na outra língua (italiano) (SERRATRICE et al., 2009) e implica na reflexão
deliberada sobre padrões sintáticos (FRANCIS, 2002). Em geral, os estudos
apresentados mostram que crianças bilíngues superam monolíngues em algumas
medidas de capacidade metalinguística e que o bilinguismo exerce efeito positivo na
alfabetização.
Quatro artigos apontaram para a importância da análise das especificidades das
línguas dos bilíngues, pois suas características exercem papel fundamental no
desempenho linguístico das crianças. Além disso, alguns artigos mencionam o contexto
de aprendizagem dessas línguas, incluindo a idade e o tipo de instrução recebida pela
criança, como fatores significativos para a performance das crianças bilíngues.
Dois artigos apontam para uma influência menos significativa do bilinguismo
em relação à consciência metalinguística. Por exemplo, no estudo de Serratrice el al.
(2009), os bilíngues inglês/italiano apresentaram uma acurácia menor que os
monolíngues e os bilíngues espanhol-italiano em tarefas de julgamento gramatical.
Talvez o segundo grupo de bilíngues tenha sido favorecido pela proximidade entre as
línguas. Já no estudo de Bialystok e Barac (2011), o progresso no desenvolvimento
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metalinguístico sofreu maior impacto da proficiência linguística do que do bilinguismo
em si.
A partir desses resultados, observa-se que a vantagem bilíngue em tarefas
metalinguísticas surge na maioria dos estudos elencados, porém seria inapropriado
afirmar categoricamente que essa vantagem é uma característica do bilinguismo, já
que alguns estudos indicam a inexistência de diferenças de desempenho entre crianças
mono e bilíngues. Após a apresentação e discussão dos dados encontrados, passa-se às
palavras finais.
Considerações finais
A consciência metalinguística tem sido extensivamente estudada em
populações bilíngues. Segundo Bialystok (2001), as pesquisas com tarefas
metalinguísticas direcionam-se para a hipótese de que o bilinguismo melhora o
desempenho do sistema de funções executivas tanto em processamento verbal
quanto não verbal. Essas investigações citadas pela autora e aquelas apresentadas
neste trabalho mostram que a experiência de falar duas línguas diariamente provoca
algumas consequências na maneira como os processos cognitivos operam, resultando
em um desenvolvimento na capacidade de inibição e atenção. Contudo, nem todos os
estudos apontam para uma superioridade bilíngue em relação aos monolíngues em
tarefas de metalinguagem.
Dentre as diferentes habilidades metalinguísticas, a consciência fonológica tem
recebido maior destaque, pois é um dos componentes-chave para o progresso da
alfabetização, assim como as habilidades morfológica e sintática. Essas duas
habilidades também são importantes para a aprendizagem da leitura e da escrita, por
isso são recorrentes nos estudos com crianças bilíngues, ao contrário do que ocorre
com as habilidades semântica, pragmática e textual, que são menos estudadas.
Nesta revisão, verificou-se que alguns estudos que avaliaram a consciência
fonológica evidenciaram que a similaridade entre as línguas e a regularidade da
estrutura fonética pode facilitar o acesso à consciência fonológica de uma língua para a
outra. Além disso, em relação à consciência sintática, crianças bilíngues superam seus
pares monolíngues quando julgam a gramaticalidade de sentenças que contêm erros
semânticos, assim elas têm uma demanda adicional para ignorar o significado, porém
o desempenho entre bilíngues e monolíngues não difere quando a sentença é
semanticamente adequada. Essa vantagem também é evidenciada no desempenho de
tarefas que avaliam a consciência morfológica (DAVIDSON et al., 2010).
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Através deste estudo, percebeu-se que não há artigos revisados por pares que
investiguem bilíngues falantes de português brasileiro ou línguas nativas do Brasil,
embora haja estudos desse tema, principalmente no sul do país. Tampouco se
verificaram investigações sul-americanas, sugerindo uma lacuna a ser preenchida por
estudos futuros com as diferentes línguas dessa região e as habilidades
metalinguísticas menos destacadas.
Estudos sobre metalinguagem, sob a perspectiva psicolinguística, são
necessários para identificar as habilidades que são afetadas pelo bilinguismo, pois isso
tem importante implicação na compreensão teórica da estrutura cognitiva e em uma
melhor aplicação prática das duas línguas do bilíngue em programas educacionais. A
partir desta revisão de estudos, espera-se contribuir com a discussão sobre a cognição
bilíngue na infância, com ênfase na questão da existência ou não da vantagem bilíngue
em termos da metalinguagem.
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Anais do DUO VII - 2016
Dialogue Under Occupation
Porto Alegre, RS, outubro de 2015 Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
Dialogue Under Occupation 174
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