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ANALISANDO O RACISMO, E A DESCOLONIZAÇÃO NO CURRÍCULO: 10 ANOS PÓS-IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 Filipe Luiz Cerqueira Carvalho1
RESUMO
Este trabalho busca analisar possibilidades e caminhos da lei 10.639/03 durante dez anos.Identificando o que se tinha antes da lei, o que foi alterado, quais foram os avanços e retrocessos. Com isso elencamos alguns desafios que julgamos ser patente para o ensino, da história e cultura Africana e Afro-brasileira, conforme prevê a lei. Não buscamos aqui dar respostas finais, esgotando o tema. Consideramos que seja um trabalho em andamento, analisando alguns documentos e construindo um ensaio teórico, orientando as análises aqui apreendidas. Entendemos que a partir da perspectiva decolonial podemos avançar com as propostas da lei, perscrutando meticulosamente o campo curricular.
Palavras-chave: Descolonização, Decolonialidade, Currículo, Racismo, Educação
ANALYZING RACISM AND CURRENCY DECOLONIZATION: 10 YEARS AFTER IMPLEMENTATION OF LAW 10.639 / 03
ABSTRACT This work seeks to analyze possibilities and ways of law 10.639 / 03 for ten years. Identifying what was before the law, what was changed, what were the advances and setbacks. With this we highlight some challenges that we believe are evident for teaching, African and Afro-Brazilian history and culture, according to the law. We do not seek here to give final answers, exhausting the theme. We consider it to be a work in progress, analyzing some documents and constructing a theoretical essay, guiding the analyzes seized here. We understand that from the decolonial perspective we can move forward with the proposals of the law, meticulously examining the curricular field.
Keywords: Decolonization, Decoloniality, Curriculum, Racism, Education.
ANALIZANDO EL RACISMO Y LA DESCOLONIZACIÓN EN EL CURRÍCULO: 10 AÑOS POST-IMPLEMENTACIÓN DE LA LEY 10.639/03 RESUMEN Este trabajo busca analizar posibilidades y caminos de la ley 10.639 / 03 durante diez años. Identificar lo que se tenía antes de la ley, lo que fue alterado, cuáles fueron los avances y retrocesos. Con eso elegimos algunos desafíos que creemos que es patente para la enseñanza, la historia y la cultura
1 Filipe Luiz Cerqueira Carvalho – Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ-EDU), Mestrando em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FEBF). Participa do Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros – NEAB/UERJ
africana y afro-brasileña, conforme a la ley. No buscamos aquí dar respuestas finales, agotando el tema. Consideramos que es un trabajo en marcha, analizando algunos documentos y construyendo un ensayo teórico, orientando los análisis aquí incautados. Entendemos que desde la perspectiva decolonial podemos avanzar con las propuestas de la ley, escrutando meticulosamente el campo curricular.
Palabras clave: Descolonización, Decolonialidad, Currículo, Racismo, Educación.
Introdução
Esta pesquisa tem como ponto de partida uma sinóptica observação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e Para o
Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana e do Dossiê de 10 anos da lei
10.639/03. Discorreremos sobre o contexto nacional em que a lei foi implementada,
concomitantemente observando as recomendações e questionamentos levantados pela
Diretrizes Curriculares Nacionais direcionados para construção de uma educação das
relações étnico-raciais.
A partir dessa exígua inspeção, traremos à tona algumas objeções que a lei
enfrentou no contexto em que foi criada. Fundamentado em fragmentos da entrevista
contida no dossiê de dez anos da lei 10.639/03 investigaremos se houve alguma
alteração no pensamento educacional, no currículo, nos conteúdos curriculares, na
formação de professores do ensino superior brasileiro. Dito de outro modo,
identificaremos as possíveis alterações no ambiente escolar frente ao racismo, nesses
poucos mais de 10 anos. Analisar-se-á quais foram os avanços e retrocessos que
ocorreram durante todo esse processo. Com isso evidenciaremos alguns caminhos e
desafios que ainda atravessam a proposta de uma educação democrática, de
promoção da igualdade racial. De outro forma, para nós resumidamente trata-se de
estratégias para uma educação decolonial afro-brasileira.
Além disso, este trabalho, em alguns pontos, será investigado em torno do
campo curricular, pois acreditamos que o currículo possa ser uma das mais relevantes
ferramentas quando tratamos de uma educação para relações raciais. Relevantes em
dois aspectos. O primeiro, como ferramenta na articulação de conteúdos, saberes e
conhecimentos que provoquem e tencionem caminhos para promoção da igualdade
racial. O segundo, como uma ferramenta de controle, de manutenção que não
possibilita outros saberes além do conteúdo tradicional2.
Um olhar mais inveterado ao campo do currículo poderá nos fornecer algumas
pistas, respostas e saídas de como se dá a efetivação do ensino da história e cultura
Africana e Afro-Brasileira atualmente, quais os avanços, retrocessos e barreiras que
tivemos durante esses quinze anos e os caminhos e desafios que necessitam ser
percorridos.
Localizamos o currículo como a arena de batalha para os educadores e
pensadores que vislumbram construir uma educação de combate ao racismo,
descolonizadora. Conotamos o currículo como arena de batalha, por que o enxergamos
como uma ferramenta política, permeada por disputas e uma intrínseca relação de
poder, onde um determinado saber se coloca como verdadeiro e único, se tornando
hegemônico em detrimento de outros saberes, que acabam sendo filtrados,
resignificados ou geralmente marginalizados e excluídos. Ou como salienta
FOUCAULT (2010) saberes sujeitados3.
É nesse conflito e constante relação de forças e poder que atravessam o
currículo, que faz com que o optamos como um objeto central para análise dos
caminhos que percorremos até o presente momento da efetivação da lei e como um
dos mais complexos obstáculos e desafios a serem enfrentados por educadores que
pensem saídas para uma educação das relações raciais.
Em síntese, acreditamos que o currículo pode ser nossa principal ferramenta na
busca por uma educação democrática que contemple a diversidade racial, presente no
cotidiano escolar e na sociedade brasileira. Conquanto, para tal devemos pensá-lo
2 Por conteúdos tradicionais, entendemos como, conteúdos que são privilegiados no processo de
seleção, obstruindo a diversidade. Trataremos desse mais adiantes
3 Por '‘saberes sujeitados’', eu entendo igualmente toda uma série de saberes que estavam desqualificados como saberes não conceituais, como saberes insuficientemente elaborados: saberes ingênuos, saberes.
partindo da/e para perspectiva decolonial4 afro-brasileira, onde a questões raciais seja
levada em consideração.
Com isso faremos um epítome a partir dos olhares de Frantz Fanon (2005),
discorrendo através da concepção de descolonização que o autor nos apresenta.
Entendemos que o colonialismo, mesmo tendo seu fim formalizado, perpetuou-se por
outros meios. - O martelamento da artilharia, a política da terra arrasada deram lugar a
sujeição à sujeição econômica (FANON, 2005). - Um desses seria o campo da
educação, ou, melhor do saber. Gerando o que chamamos de colonialidade do saber
(MALDONADO-TORRES, 2018). Percebemos então, que o racismo se consolida
devido a intensos diálogos entre a colonialidade do saber, educação e o currículo.
Melhor dizendo,a colonialidade é resultado de uma imposição do poder e da dominação
colonial que consegue atingir as estruturas subjetivas de um povo, penetrando na sua
concepção de sujeito e se estendendo para sociedade de tal maneira que, mesmo após o
termino do domínio colonial, suas amarras persistem. Nesse processo existem alguns espaços
e instituições sociais, nos quais ela opera com maior contundência. As escolas da educação
básica e o campo da produção científica são alguns deles. Nestes, a colonialidade opera, entre
outros mecanismos, por meio dos currículos. (GOMES, 2018.
É partindo desse pressuposto que entendemos que o currículo torna-se o maior
revés para construção de uma educação de combate ao racismo no Brasil, por mais
que tenhamos diretrizes, resoluções e afins, pensar educação étnico-racial atualmente
nos direcionam a elaborar algumas reflexões em torno do currículo e, por conseguinte
da descolonização deste.
Nutriremo-nos também com as contribuições de alguns autores que compõe o
grupo Modernidade/Colonialidade e Muniz Sodré (2012). Consideramos que esses
autores nos darão substância para analisar criticamente nosso objeto. Quando
buscamos observar as diretrizes e, concomitantemente, o dossiê, ressaltando avanços
e destacando onde ocorreram alguns insucessos na implementação da lei.
Novamente, consideramos a questão curricular como possível motivo de alguns
fracassos no desenvolvimento da lei, nos levando a discutir como já brevemente
4 Falaremos no decorrer do texto.
abordamos sobre o currículo como uma ferramenta que seleciona, exclui e hierarquiza
saberes, imbricado de uma constante relação de poder, onde um determinado saber se
pretende como verdadeiro e absoluto.
Com isso identificamos o currículo como instrumento de manutenção do saber
único, que para nós se trata exclusivamente do eurocentrismo5, o saber europeu, o
saber do colonizador, que se pretendem como único, absoluto, tradicional, reduzindo
todas às outras possibilidades de compreensão sobre o mundo. E é nesse aspecto que
se faz relevante os pressupostos teóricos que nos elucidaram no percurso do nosso
trabalho.
1. O currículo, formação de professores e a lei: o que mudou nesses quinze
anos? Avanços e retrocessos.
São históricas as pautas e reivindicação do movimento negro que giram em
torno da educação, seja na educação básica ou no ensino superior, o movimento negro
constantemente enxergou a educação como um campo crucial para emancipação da
população negra e redução das desigualdades. Elaborando estratégias no campo
educacional, reivindicando alterações no currículo, contribuindo para uma educação
democrática e antirracista, onde os saberes africanos e afro-brasileiros sejam incluídos.
Neste ponto, baseado na entrevista do dossiê de análise de dez anos da lei
10.639/03, concedida pela professora Iolanda de Oliveira6, onde encontramos reflexões
sobre os caminhos percorridos durante dez anos da referida lei. Considerando o
contexto em que foi implementada, destacaremos alguns pontos importantes da
entrevista para pensar o que de efetivamente mudou e o que ficou inalterado no curso
das elaborações estratégias para uma educação das relações da étnico-raciais.
5 Eurocentrismo – a Europa como centro do mundo, para além do conceito geográfico, mas como um centro cultural, do saber e do conhecimento. 6 Professora Iolanda de Oliveira do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB) da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Iolanda de Oliveira possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense, mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora associada atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Relações Raciais Currículo e Didática, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, raça, relações raciais em educação, negro e ações afirmativas, formação de profissionais do magistério.
Bem como relatamos o movimento negro e alguns educadores que discutem a
temática racial, já muito antes da lei da 10.639/03, apresentavam algumas iniciativas
isoladas, porém o silenciamento face ao racismo na escola era predominante até
implementação. No entanto, logo nos primeiros anos pós-implementação, surgem
inúmeras iniciativas, de certo modo ainda isoladas e um tanto equivocada, pois não
tivemos de início certa regularização a nível nacional, como relata Iolanda:
“Nós temos noticiais de experiências algumas ainda pautadas no senso comum, sobretudo. Nós temos escolas que ainda estão comemorando o Dia Nacional da Consciência Negra com meninos negros desfilando com correntes nas pernas. Diante do exposto, cabe questionar o que é melhor o silêncio que havia em décadas passadas. Em 1980, o silêncio era um ritual pedagógico permanente, a favor da discriminação racial na escola, como foi descrito por Luis Alberto [Gonçalves]. Nos dias atuais, não temos mais o silêncio. Mas, há práticas que são questionáveis. O que é melhor o silêncio ou prática equivocada, que ainda ratifica o negro como alguém que somente foi escravo?” (GONÇALVES; MACHADO, 2013, p. 193 - 194).7
A partir desse relato chamamos atenção para dois fatores, que parece não terem
sido superados com a da lei, mesmo com todos os pareceres, cursos e recursos
oferecidos através dos: Núcleo Estudos Afro-Brasileiro - (NEAB’s), Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – (SECADI), Secretaria
de Política de Promoção da Igualdade Racial – (SEPPIR). São para nós problemáticas
e desafios encontrados no contexto educacional em que a lei foi implementada que
perduraram até os dias atuais. Destacamos então, o currículo e a formação de
professores. Essas duas áreas foram citadas inúmeras vezes por Iolanda no dossiê,
por tanto entendemos como as principais objeções, para desenvolver uma educação
das relações raciais assentados no dialogo(com) e inserção dos saberes africanos e
afro-brasileiros. Seja na escola ou nas Universidades, o currículo e a formação de
professores carecem de demasiada atenção para postular uma agenda descolonizante
na educação.
Se em anos anteriores a lei o silenciamento diante do racismo e dos resultados
deste, era um grande obstáculo, com a lei, em parte presenciamos um rompimento
7 Citação retirada da entrevista da Professora Iolanda de Oliveira. Concedida a Revista Teias para o dossiê de 10 anos da lei 10.639
parcial com silenciamento. No entanto, encontramos com as práticas equivocadas, e
muitas vezes omissão de gestores e determinadas instituições de ensino. Afinal, para
nós, ter uma lei não é a bastante, vide que se a principio não houver interesse por parte
dos executores da lei, simplesmente não a executam.
[...] pode-se até colocar muitas leis, você sabe, a lei se dá, mas não se cumpre. Os que estão contra, não vão dizer que estão contra, simplesmente não cumprem. Vê essa lei contra o racismo, o racismo nesse país é crime, mas quantas pessoas foram incriminadas, foram levadas a prisão por racismo aqui nesse país? (MOORE, 2005).
Com isso enfatizamos ainda mais a importância de se encarar o currículo e a
formação profissional, como os principais desafios e campo de batalha a serem
enfrentados no campo educacional. Como vimos não basta ter uma lei, nem tampouco
permanecermos quinze anos após sua a implementação, encontrando praticas isoladas
que enfatizam e recriam o imaginário racista. Mesmo que tratando diretamente
disciplinas e temáticas das relações raciais, percebemos uma hierarquização entre os
saberes considerados tradicionais e o saber africano e ou afro-brasileiro, onde os dois
últimos encontram-se marginalizados, inferiorizados e até mesmo excluídos.
Isso nos leva há outro ponto, que para nós é o eixo central para compreender,
por que mesmo depois de mais dez anos, com leis, cursos matérias didáticos e com
muitos avanços, ainda podemos perceber equívocos. Quando identificamos o campo
curricular, como grande desafio, é por que entendemos que há no currículo uma
relação de poder e essa relação de poder, que nos permite perceber mesmo com todos
os dispositivos legais, a inferiorização e hierarquização de saberes. Atribuímos a essa
relação de força e poder que permeia o currículo, como estorvo para o ensino da
história e da cultura Africana e Afro-brasileira na escola e nas universidades,
considerando o apontamento de Iolanda, que é nas universidades onde ocorre à
formação dos profissionais que atuarão na escola básica.
É preciso que a gente pense em estratégias e políticas públicas que garantam que a Lei 10.639/03 se concretize, tanto no espaço universitário, quanto na
educação básica. Uma das questões que coloco é: ninguém pode ensinar o que não sabe. [...]. Já falávamos da importância da História da África para os currículos escolares. Posto que o professor que não estudou a cultura negra e faz a associação entre negro e escravidão. Ele não pode ensinar o que não sabe. (GONÇALVES; MACHADO, 2013, p. 195).
2. O SABER, AS RELAÇÕES DE PODER E O CURRÍCULO: O HEGEMÔNICO E O
MARGINALIZADO
Ao longo do trabalho buscamos dar centralidade ao debate em torno do
currículo, enfatizando-o como mais desafiador campo ser tratado por educadores que
discorrem sobre relações raciais. Superficialmente concebemos o currículo como uma
ferramenta prescritiva, que tem como função única organizar o ensino-aprendizagem
docente e selecionar os conteúdos e saberes que devem compor este. Justamente
nessa seleção de conteúdos e saberes, que ocorre o que já abordamos razoavelmente
ao longo deste ensaio, a hierarquização, inferiorização e exclusão entre os saberes.
Não cabe apenas discutir o que selecionar, quais critérios utilizar nessa seleção, mas efetuar a crítica do conhecimento produzido e dos seus modos de produção, ao mesmo tempo que problematizam por que determinados conhecimentos são selecionados, e outros, não. (MACEDO; LOPES, 2011, p. 77).
Quando verificamos tal seleção de saberes, percebemos a hierarquização entre
esses e para nós essa hierarquização se dar pelo fato de que o currículo é um campo
de disputa, imbricado por intensa relação de poder. A fundo é currículo em si é uma
relação de poder. Como JESUS (2008) explica:
Assim, o currículo não é um elemento neutro de transmissão do conhecimento social. Ele está imbricado em relações de poder e é expressão do equilíbrio de interesses e forças que atuam no sistema educativo em um dado momento, tendo em seu conteúdo e formas, a opção historicamente configurada de um determinado meio cultural, social, político e econômico. (JESUS, 2008, p. 2641).
Nessa relação de poder e força que podemos enxergar, o que consideramos ser
a manutenção de um saber hegemônico, do saber verdadeiro, do saber único, que
seria para nós seria o saber europeu, que é concebido como tradicional, único,
reduzindo ou excluindo as demais possibilidades de enxergar e compreender a
realidade do mundo, que SODRÉ (2012) classifica como monocultura8, que em nossa
compreensão trata-se efetivamente da consolidação do eurocentrismo. É o saber
europeu que efetiva-se predominantemente no currículo através dessa relação de
poder, pela monocultura, que a qualifica como única, racional, científica, verdadeira.
8 Monocultura – redução da realidade, do saber e da ciência a um único modo de compreensão.
Em contraponto, de outro lado encontramos no campo curricular o saber, história e
cultura do negro, dos afro-brasileiros e africanos que seria nessa perspectiva
monocultural do eurocentrismo, o saber como mito, irracional, não científico, não
dotado de intelectualidade.
O conhecimento produzido pelo homem branco é geralmente qualificado como científico, objetivo e racional, enquanto que aquele produzido por homens de cor (ou mulheres) é mágico, subjetivo e irracional. Esta dimensão, a colonialidade epistêmica ou do saber, não apenas estabelece o eurocentrismo como perspectiva única de conhecimento, mas também descarta as outras produções intelectuais. (DAMAZIO, 2010, p. 2).
Com isso percebemos que o ensino de história e cultura Africana e Afro-
brasileira, situa-se marginalizado, inferiorizado ou como trataremos mais adiante, torna-
se saberes sujeitados.
Por 'saberes sujeitados', eu entendo igualmente toda uma série de saberes que estavam desqualificados como saberes não conceituais, como saberes insuficientemente elaborados: saberes ingênuos, saberes hierarquicamente inferiores, saberes abaixo do nível do conhecimento ou da cientificidade requeridos. (FOUCAULT, 2010, p. 8).
Então percebemos como o currículo não é um território neutro, é um mecanismo,
uma ferramenta de controle ideológico de manutenção do poder. O currículo corporifica
as relações sociais, logo o espírito europeu e o racismo advento deste encontra sua
manutenção nesta ferramenta. Por isso neste trabalho buscamos dar certa centralidade
ao currículo e conceber este como maior desafio das relações étnico raciais no Brasil.
Por tanto para ampliar, qualificar as experiências que tivemos da lei 10 639 e
fugir de praticas que reescrevem o imaginário pejorativo do negro, como apresentado
por Iolanda. É necessário permear o campo curricular com olhar clinico e enfrentar
essa relação de poder, a fim de evidenciar o saber africano e afro-brasileiro sem
ressignificar, sujeitar ou marginalizar esses referidos saberes.
Por fim mesmos com os DCN’s e leis para educação das relações étnico-raciais
é preciso discutir os fatos que permeiam o currículo e as relações de poder deste, que
obliteram uma inserção ampla e coesa dos saberes, culminando na manutenção do
racismo e na manutenção do poder eurocêntrico.
Enfim, a elaboração de um currículo é um processo social, no qual convivem lado a lado os fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais e
determinantes sociais como poder, interesses, conflitos simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, etnia e gênero. (JESUS, 2008, p. 2640).
3. DESCOLONIZAÇÃO E DECOLONIALIDADE, QUAL A SAÍDA? ESTRATÉGIAS
FRENTE AO EUROCENTRISMO NA EDUCAÇÃO.
Pois bem, para perspectiva critica do Hemisfério Sul, o tempo educacional é o da
descolonização, portanto, tempo de algo como a “reeducação” ou a reinvenção dos sistemas
de ensino. (SODRÉ, 2012)
Pois bem, essa breve citação de SODRÉ (2012) em “Reinventando a educação”
já traz a tona, como os ciclos debates de educação têm girado demasiadamente em
torno da descolonização. É um tema atual e corriqueiro, discutido, nos mais variados
sentidos, no entanto essa temática deve ser minuciosamente analisada, para não
cairmos em percepções equivocadas, como – romper com todo saber e conhecimento
que foi produzido até o presente em prol de uma simplória inversão ou mera
substituição deste9 – fazer um câmbio entre os saberes, apenas invertendo a posição
hierárquica, se pretendo igualmente como único e universal.
Consideramos que a descolonização trata-se de uma arma, ferramenta a ser
inserida nas relações de poder em face do eurocentrismo, é em primeiro ponto, uma
disputa, um duelo entre essas forças, entre o assujeitado e o hegemônico. Dito de
outro modo, “A descolonização é o encontro de duas forças congenitamente
antagônicas que extraem sua originalidade precisamente dessa espécie de
substantificação que segrega e alimenta a situação colonial”. (FANON, 2005, p.52).
Conquanto, justamente por ser um encontro de força, a descolonização não se
dará de modo natural, depende de um esforço, como o próprio Frantz Fanon (2008)
nos traz, – a descolonização não resultara de um encontro amigável, de um
acontecimento mágico – ou seja, a mesma, não resultará de simples acordo.
Porém, se desejamos interpelar o saber único, verdadeiro, universal, resultante
do eurocentrismo, que em síntese trata-se do saber colonizado, o saber do colonizador.
9 Não acreditamos que seja essa a proposta da descolonização ou ainda decolonialidade, como observaremos mais adiante. Um exemplo disto é que não nos privamos neste trabalho de utilizar autores que pertencem ao cânone acadêmico, europeu.
Afinal a colonização impulsionada pelos europeus, não resultou somente na violência
física, no genocídio, mas também no epistêmicidio dos povos colonizados. Portanto,
descolonizar é também evidenciar os saberes que foram apagados, ou, como expressa
Michel Foucault (2010), que foram assujeitados. Precisamos refletir sobre a
descolonização, compreendendo a necessidade desta para educação brasileira e seus
agentes, observando também os seus limites.
Constatamos até aqui, com base no dossiê da revista teias, que o nosso desafio
na luta por uma aplicabilidade não equivocada do ensino de história e cultura africana e
afro-brasileira, se encontra no currículo e o currículo em si é permeado por relação de
poder, na seleção de conteúdos, onde o saber europeu se encontra hierarquicamente
superior em detrimento dos demais saberes, sobretudo o africano. Logo asseveramos
que é sobre o campo curricular e sua seleção de conteúdos que devemos ruminar
contiguamente a descolonização.
É nesse aspecto que encontramos o objeto e necessidade de se descolonizar,
somente a descolonização dos saberes provocaria tensões para valorização e inserção
de saberes historicamente concebidos como mito, sem cientificidade e com isso
tencionar o monismo eurocentrado na educação brasileira, que compreende apenas
um modo ler e interpretar o mundo. O que nos leva a compreender que além de
encontro de forças, a descolonização do saber, do currículo, procede também em:
Descolonizar o processo educacional significa liberá-lo, ou emancipá-lo, do monismo ocidentalista que reduz todas as possibilidades de saber e de enunciação da verdade à dinâmica cultural de um centro, bem sintetizado na expressão “pan-Europa”. (SODRÉ, 2012, p. 19).
Descolonizar, em síntese trata-se de uma abertura, da inserção do novo, do
outro, levando em consideração que vivemos em um mundo plural, onde a diversidade
é patente. Então abrir o currículo, o cotidiano da escola e universidades há novos
saberes ou a velhos saberes que estavam encobertados, sujeitados, colonizados.
Seria, portanto, necessário uma abrangência de saberes, não é que o saber europeu
deixe de compor o currículo, não é a negação das contribuições ou da cultura europeia
na escola, mas sim concretas adições. Que podemos compreender também como uma
ecologia de saberes, bem situado por Muniz Sodré10
A ecologia dos saberes, ou seja, admissão da possibilidade de que a ciência entre não como monocultura, mas como parte de uma ecologia mais ampla de saberes, em que o saber científico possa dialogar com o saber laico, com o saber popular, com saber indígena, com o saber das populações urbanas marginais, com saber camponês [...]. (SODRÉ 2012, p. 42).
Bem, com isso, indicamos que não basta aos educadores, somente afirmar as
diferenças e a pluralidade cultural, é preciso um dialogo que permeie essa pluralidade
de saberes e culturas, sem hierarquizar as diferenças ou ressignificar, recodificar.
As universidades do Brasil e da América Latina como um todo, não só criou
obstáculos na inserção de negros e indígenas, como também fomentou teorias que
justificasse tal exclusão. Criando também uma exclusão de suas histórias, saberes e
epistemologias.
Percebemos com isso que as universidades cumpriu um papel importante ao lado do genocídio, que foi o epistemicídio, que então no caso da América injustiça social, injustiça econômica esta igualmente atrelada a injustiça cognitiva. (SANTOS, 2011, p.72)
É nesse sentido, que, revela-se o papel assumido pela universidade no
genocídio, epistemicídio e genocídio, de diversos povos, que nos faz utilizar outro
conceito, que igualmente remonta as hierarquizações de poder e saber instaurado pelo
eurocentrismo, a colonialidade. Talvez esse conceito explique melhor essa função
epistemicida das universidades, pois em nossa compreensão, não é que as
universidades brasileiras ou latino-americanas tenham sido a principal instituição no
processo de colonização, mas sim na construção de conhecimentos e teorias que
ampliassem e perpetuassem os seus efeitos.
Que neste caso trata-se da própria colonialidade, que são em síntese a
continuação catastrófica do período colonial, por outros meios, adquirindo novas
formas, sem uma ocupação territorial evidente.
10 Reconhecemos que o conceito em questão, “ecologia de saberes” foi formulado pelo sociólogo
português Boaventura de Sousa Santos, contudo acreditamos que modo apresentado por (SODRÉ,
2012) der conta de situar melhor objetivo deste trabalho.
[...] Colonialidade pode ser compreendida como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de colônias formais. A ‘descoberta’ do Novo Mundo e as formas de escravidão que imediatamente resultaram daquele acontecimento são alguns dos eventos-chaves que serviram como fundação da colonialidade. (MALDONADO-TORRES, 2018, p.72)
Se pretendermos reflexionar, uma atitude descolonizante na escola, nas
universidades e consequentemente na estrutura curricular que as rege, torna-se
indispensável pensar igualmente na perspectiva de uma proposta decolonial. Ou
melhor, uma perspectiva decolonial afro-brasileira. (GOMES, 2018).
A perspectiva decolonial afro-brasileira trata-se para nós da possibilidade de
trazer para cânone acadêmico, ou, melhor confrontar esse cânone, com obras de
autores brasileiros que em suas formulações teóricas e intelectuais já assumiam uma
postura decolonial.
A decolonialidade é instrumento que contrapõe os mais variados efeitos da
colonialidade, principalmente nas formas de produzir e conceber o conhecimento.
“refere-se à luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e
simbólicos” (MALDONADO-TORRES 2018). Dito de outro modo a decolonialidade alia-
se no enfrentamento dos efeitos da colonialidade do saber11, que implica nas formas de
conceber o conhecimento, como bem assinalou (MALDONADO-TORRES, 2018).
É somente em virtude da articulação de formas do ser, poder e saber que modernidade/colonialidade poderia sistematicamente produzir lógicas coloniais, práticas e modos de ser que apareceram não de modo natural, mas como uma parte legítima dos objetivos da civilização ocidental moderna. Colonialidade, por isso, inclui a colonialidade do saber, a colonialidade do poder e a colonialidade do ser como três componentes fundamentais da modernidade/colonialidade. (MALDONADO-TORRES, 2018, p. 42)
Reconhecer e assumir uma postura decolonial afro-brasileira, possibilita
enfrentar os efeitos da colonialidade no saber, que possui seus desdobramentos no
campo curricular. Concomitantemente este reconhecimento mostrará como a tradição
11 Não pretendemos neste artigo esgotar o debate concernente, as três dimensões da colonialidade, para
tal esclarecimento recomendamos ver (MALDONADO-TORRES, 2018).
do pensamento negro brasileiro, preocupou-se com a descolonização dos currículos,
da sociologia e dos métodos educacionais no geral.
A lei 10.639/03 exemplifica esta postura decolonial intrínseca a tradição do
pensamento negro brasileiro. Ela é resultante da produção de conhecimento e ativismo
de militantes e intelectuais afro-brasileiros. Como bem salienta Nilma Lino Gomes,
militantes e intelectuais negros através de denuncias e combate ao racismo, apontaram
isto que hoje chamamos de colonialidade12.
Há muito o Movimento Negro e os intelectuais negros, por meio das suas práticas e de diversas formas de organização afirmativas, identificam a presença da colonialidade nos padrões de poder, de trabalho e de conhecimento no Brasil. E o fazem destacando a questão racial, a realidade africana e a existência do racismo. Desconstroem o mito ôntico colonial do humano e não humano. Na medida em que se afirmam sujeitos de história, conhecimento e culturas, as negras e os negros afirmam e reafirmam formas alternativas de ser humanos e sujeitos de direitos não reconhecidos pelas concepções hegemônicas de humanidade e cidadania. (GOMES, 2018, p. 241)
Intelectuais negros clássicos e contemporâneos, do passado ou presente, como:
Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento, Guerreiro Ramos, Milton Santos, Muniz Sodré
Fernando Santos Jesus, Gislene Aparecida dos Santos. E muitos outros. São exemplos
disto que tratamos, mesmo que em suas brilhantes obras não apareça os conceitos
supracitados.
Ao perfilhar a perspectiva decolonial afro-brasileira, possibilitamos que as
contribuições desses referidos autores penetrem o espaço o meio acadêmico. E a partir
delas encontramos subsídios para sustentar de modo correspondente ao saber colonial
nas relações de poder sui generis do currículo.
Dito de outro modo nos garantirá ferramentas para refletir meios de atenuar o
eurocentrismo e formular uma concepção de currículo, que abranja os saberes, historia
12 Não pretendemos aprisionar ou limitar os intelectuais afro-brasileiros na perspectiva
colonialidade/decolonialidade, consideramos que qual quer esforço nesse sentido seria anacrônico. Visto
que muito antes do surgimento do conceito colonialidade/decolonialidade a tradição do pensamento
negro já refletia a partir do combate ao racismo a idéia de descolonização. Além disso é inegável as
contribuições do movimento negro brasileiro e das produções de conhecimento deste para elaboração
do pensamento decolonial.
e cultura africana e afro-brasileira com primor. Uma perspectiva decolonial afro-
brasileira é indispensável para repensar as bases do currículo na educação brasileira.
De modo não artificial, quimérico, mas sim pensar a descolonização dos
currículos em perspectiva negra e brasileira. Esta forma nos permitira novas
formulações no campo da educação. Em síntese este reverbera na valorização do
negro, sua historia e cultura.
Portanto, a compreensão que existe uma perspectiva negra decolonial brasileira significa reconhecer negras e negros como sujeitos e seus movimentos por emancipação como produtores de conhecimento válidos que não somente podem tencionar o cânone , mas também o indagam e trazem outras perspectivas e interpretações. (GOMES, 2018, p.235).
Retirar o pensamento negro, os intelectuais negros brasileiros, da
subalternidade, que as universidades os condenaram, é fulcral para elaborar uma saída
descolonizadora frente ao eurocentrismo. Ou melhor, refletir caminhos para um
currículo decolonial.
Concebemos como currículo decolonial, uma das saídas contra a colonialidade
geradora do eurocentrismo no saber. Em resumo essa idéia de currículo decolonial
oriunda da experiência e da intelectualidade afro-brasileira. Consolidar-se-ia com
currículo, voltado para o diverso, para democracia e justiça.
É necessário esclarecer que descolonização e decolonialidade são conceitos e
estratégias distintas. Para mesma finalidade, ambas a nosso ver, só podem ser bem
realizadas considerando as contribuições do movimento negro e intelectuais negros.
Seja como for o caminho estabelecido para romper com eurocentrismo, é fundamental
admitir uma perspectiva decolonial afro-brasileira.
Objetivamente a decolonialidade seria um projeto a ser encarado dentro das
universidades. Uma descolonização desse espaço, nos modos de produzir
conhecimento, na política e suas funções, seria materialização da ecologia de saberes.
Um bom exemplo desta seria o Encontro de Saberes, movimento ocorrido em 2010 na
Universidade de Brasília (UNB). Reunindo mestres quilombolas, indígenas e doutores,
sem nenhum tipo e hierarquia, promovendo a diversidade epistêmica. “Descolonizar,
nesse contexto, significa intervir na constituição desse espaço universitário em todos os
níveis: no copo discente, no corpo docente, no formato institucional, no modo de
convívio e na sua conformação epistêmica geral (cursos, disciplinas, ementas, teorias,
pedagogias,etc.)” (CARVALHO, 2018, p.81).
Descolonização pode ser compreendida como algo maior, ou, mais amplo em
termos práticos. O conceito de descolonização, que ocorre para além dos limites da
universidade. É um luta por transformação que pretende irradiar toda sociedade e
níveis de educação. Situando nos currículos da educação básica e nas formas de fazer
política.
Seja como for, seja como estiver colocado ambas as estratégias partem das
reivindicações históricas das populações africanas e afro-diásporica. Desde que o
primeiro humano africano se insurgiu contra forças escravistas e coloniais.
Enfatizamos que não queremos aqui, esgotar este ou aquele conceito,
descolonização e decolonialidade. Mas estamos convictos da importância destes frente
ao eurocentrismo no campo do saber, curricular. Assumir este projeto é crucial para
educação brasileira, essencialmente quando ambicionamos uma educação de
qualidade, democrática que abranja a rica diversidade da população brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[Iolanda] Posto que o movimento negro de longa data viesse já reivindicando a alteração dos currículos escolares apontando a questão racial como fator de seletividade escolar e que estava colocando a população negra em situação de inferioridade frente ao acesso e permanência no sistema educacional brasileiro. [...] Mas, se não houver a mobilização de docentes pesquisadores das universidades comprometidos com a questão e do movimento negro, completaremos vinte anos [da Lei 10.639/03] com a situação que estamos vendo hoje. E, ao mesmo tempo em que temos bons resultados, ainda precisamos de mais resultados positivos e garantias para a efetiva implantação da Lei 10.639/03. (GONÇALVES; MACHADO, 2013, p. 192; 196).
Bem como apontamos até aqui, tivemos alguns avanços, no entanto ainda
podemos identificar alguns equívocos. Como mostramos nossos desafios são árduos e
históricos, oriundo de longas datas nossas reivindicações no campo da educação,
exigem de nós zelo e diligencia, se queremos mudar, teremos de nos esforçar, estar
atento aos debates, fatos e acontecimentos, para não repetirmos os mesmos erros ou
permanecermos equivocados quanto ao ensino de história e cultura africana e afro-
brasileira.
Observemos para que os saberes a serem penetrados, não venham ser
ressignificados, recodificados e recolonizados. Por tanto consideramos também que
quando falamos dessa ecologia de saberes para descolonizar, estamos de certo modo
nos referindo ao que FOUCAULT (2010) conceitua de “Genealogia”, que seria a
inserção, o ressurgimento desses saberes desqualificados, enterrados e inferiorizados,
que concebemos aqui como saber africano.
Todavia esses saberes ou genealogia, não serão rasamente implantados no
currículo, vão igualmente questionar, confrontar o que é ciência, o saber único,
cientifico, universal e principalmente o poder deste.
A genealogia seria, pois relativamente ao projeto de uma inserção dos saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e torná-los livres, isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, formal e científico. (FOUCAULT, p. 11).
FOUCAULT (2010), como já foi sinalizado anteriormente, nos alerta para o
cuidado dessa genealogia, não ser recolonizada, modificadas estrategicamente pelo
próprio eurocentrismo, pela universalidade do saber, em suas próprias palavras.
A partir do momento em que se valorizam, em que se põem em circulação essas espécies de elementos de saber que tentamos desencavar, não correm eles o risco de ser recodificados, recolonizados por esses discursos unitários que, depois de os ter a princípio desqualificado e, posteriormente, ignorado quando eles reaparecem, talvez estejam agora prontos para anexá-los e para retomá-los em seu próprio discurso e em seus próprios efeitos de saber e de poder? (FOUCAULT, p, 12).
Esse representa umas das mais complexas cautelas que devemos ter, quando
falamos de descolonizar, quando falamos dessa ecologia de saberes, das relações de
poder no currículo. Por isso acreditamos que descolonização, esse duelo de forças
ocorrerá através dessa ecologia, pois está confrontará diretamente o saber científico,
ou melhor, reinventará os modos de se fazer ciência, de pensar ciência.
Resumindo, nosso caminho na educação para estabelecer de fato um ensino da
cultura e da história africana e afro-brasileira, como prever a lei 10 639/03, avançando
sem cair novamente e em experiências equivocadas, que reproduzem e petrificam
estigmas racistas que corroboram para exclusão e inferiorização da população negra,
deve perpassar inteiramente por uma reinvenção. Reinventar, recriar as formas de se
fazer ciência na educação. Concretamente, devemos enegrecer os modos de pensar e
fazer ciência, reafricanizar como aborda Petronilha Gonçalves Silva (2005).
(...) Africanizar ou reafricanizar ciência, e a educação (Silva, 2005, p.32), ou seja, a (...) necessidade de serem adotados pensamentos e procedimentos que orientam a produção de conhecimento, oriundos de valores e princípios de raiz africana (Ibdem, p. 32), mas também (...) reconhecer nas diversas ciências, os conhecimentos chupados da tradição africana, assimilados à ciência ocidental sem que se citem fontes (Ibdem, p. 32) além de exposto, insere-se a pesquisa o contexto que busca (...) enegrecer os pensamentos científicos e educacionais (Ibdem, p 32.) [..]. (SILVA, 2005, p. 32 apud OLIVEIRA, 2014, p. 15-16).
Essa proposta apresentada por (SILVA 2005) acentua a emergência de
ponderar a descolonização como projeto fundamental para educação brasileira. Melhor
dizendo enfatiza a proposta de um projeto decolonial afro-brasileiro. Africanizar,
reafricanizar, reinventar, todos esses conceitos estão intrínsecos ao projeto decolonial
que educação brasileira deve assumir como estratégia.
Concluímos ser indispensável o reconhecimento dessa perspectiva decolonial
afro-brasileira. Intelectuais, professores, gestores, todos que atuam em espaço de
formação, formal ou não. Deve compreender esse reconhecimento como estratégia
para tencionar o cânone acadêmico ou escolar e como um agenda histórica de
intelectuais e ativistas negros.
O pensamento negro, que fundamenta decolonialidade afro-brasileira, está ao
longo de toda historia brasileira e Latina americana, tratando da descolonização, do
currículo e da educação como um todo. Por tanto, finalizando, reafirmamos o que
viemos discutindo ao longo de todo o texto. Se vislumbrarmos, uma educação, que
corresponda a diversidade racial do Brasil, uma educação que seja um bem comum e
publica, onde a lei 10.639/03 seja mais do que práticas equivocadas e romantizadas.
Precisaremos incansavelmente projetar uma agenda descolonizante, debruçado na
tradição do pensamento negro brasileiro, latino, caribenho, norte americano, em outras
palavras, em todo pensamento Afro-diásporico.
O Racismo na educação exige uma descolonização da mesma. O currículo é
arena onde será travada essa luta.
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