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ANÁLISE DOS RANCHOS DE TORRÃO DE ACEGUÁ/RS Rachel Beckman Morgado (1), Fernando Campos Costa (2) (1) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade da Região da Campanha – URCAMP, Bagé, RS, Brasil e-mail: [email protected] – (2)Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Luterana do Brasil –ULBRA, Canoas, RS, Brasil – e-mail:[email protected] RESUMO Proposta: Analisar os ranchos de torrão de leiva, situados na região da Lata e do Minuano, no município de Aceguá, fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Trata-se de moradias erguidas com blocos maciços de vegetação rasteira, onde o solo cumpre com a característica de resistência à compressão e as raízes e folhas fortalecem a resistência à tração. Meses depois da construção, o torrão deixa vazios com ar que contribuem para o isolamento térmico e acústico da construção. A cobertura tradicionalmente é feita de capim Santa Fé, vegetação de áreas úmidas típica da pampa. Método de pesquisa/Abordagens: Nas duas localidades citadas, foram realizados levantamentos topográficos das áreas, desenhos das casas, descrição e detalhamento da técnica utilizada. Também foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas com os moradores dos ranchos, com a intenção de resgatar o histórico local, desde a construção das casas até os dias de hoje, com o objetivo de recolher detalhes da técnica popular. Resultados: A valorização da técnica popular e a validação de suas características construtivas sociais e ambientais, por meio de um diagnóstico e posterior esclarecimento da técnica construtiva, suas vantagens e a importância cultural dos ranchos para a região. Palavras-chave: rancho de torrão de leiva; extinção; santa fé; técnicas populares; resgate. ABSTRACT Proposal: To analyze furrow clod lodges, located in the Lata and Minuano region, Aceguá district, in Rio Grande do Sul's southeastern border with Uruguay. These lodges were erected using compacted blocks of low vegetation, in which the soil can be used to give resistance and compression properties, and the roots and leafs fortify the resistance to traction. Traditionally, the cover is made with capim Santa Fé, a vegetation typical of the pampa ecosystem, a humid area. Research method: In both localities, was realized topographic studies of the areas, draws of the houses, description and detailing of the used techniques. Was also applied interviews with the ranchos inhabitants, with the intention to rescue the local history, since the houses construction until this days, with the objective to recover details of the popular technique. Results: Technical valorization and validation of the characteristics of this kind of construction – socially and environmentally, the vantages and cultural importance of the ranchos for the region. Keywords: furrow clod lodges, extinguishing, santa fé, popular techniques, rescue - 1258 -

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ANÁLISE DOS RANCHOS DE TORRÃO DE ACEGUÁ/RS

Rachel Beckman Morgado (1), Fernando Campos Costa (2) (1) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade da Região da Campanha – URCAMP, Bagé,

RS, Brasil e-mail: [email protected] – (2)Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Luterana do Brasil –ULBRA, Canoas, RS, Brasil – e-mail:[email protected]

RESUMO

Proposta: Analisar os ranchos de torrão de leiva, situados na região da Lata e do Minuano, no município de Aceguá, fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Trata-se de moradias erguidas com blocos maciços de vegetação rasteira, onde o solo cumpre com a característica de resistência à compressão e as raízes e folhas fortalecem a resistência à tração. Meses depois da construção, o torrão deixa vazios com ar que contribuem para o isolamento térmico e acústico da construção. A cobertura tradicionalmente é feita de capim Santa Fé, vegetação de áreas úmidas típica da pampa.

Método de pesquisa/Abordagens: Nas duas localidades citadas, foram realizados levantamentos topográficos das áreas, desenhos das casas, descrição e detalhamento da técnica utilizada. Também foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas com os moradores dos ranchos, com a intenção de resgatar o histórico local, desde a construção das casas até os dias de hoje, com o objetivo de recolher detalhes da técnica popular.

Resultados: A valorização da técnica popular e a validação de suas características construtivas sociais e ambientais, por meio de um diagnóstico e posterior esclarecimento da técnica construtiva, suas vantagens e a importância cultural dos ranchos para a região.

Palavras-chave: rancho de torrão de leiva; extinção; santa fé; técnicas populares; resgate.

ABSTRACT

Proposal: To analyze furrow clod lodges, located in the Lata and Minuano region, Aceguá district, in Rio Grande do Sul's southeastern border with Uruguay. These lodges were erected using compacted blocks of low vegetation, in which the soil can be used to give resistance and compression properties, and the roots and leafs fortify the resistance to traction. Traditionally, the cover is made with capim Santa Fé, a vegetation typical of the pampa ecosystem, a humid area.

Research method: In both localities, was realized topographic studies of the areas, draws of the houses, description and detailing of the used techniques. Was also applied interviews with the ranchos inhabitants, with the intention to rescue the local history, since the houses construction until this days, with the objective to recover details of the popular technique.

Results: Technical valorization and validation of the characteristics of this kind of construction – socially and environmentally, the vantages and cultural importance of the ranchos for the region.

Keywords: furrow clod lodges, extinguishing, santa fé, popular techniques, rescue

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1 INTRODUÇÃO

Na aurora da história, havia tantos sistemas técnicos quanto eram os lugares. A história humana é igualmente a da diminuição do número de sistemas técnicos, movimento de unificação acelerado pelo capitalismo. Hoje, observa-se por toda parte, no Norte e no Sul, no Leste e no Oeste, a predominância de um único sistema técnico, base material da mundialização. (SANTOS, 1994).

O presente artigo pretende contribuir com a sistematização e a documentação da técnica e do ambiente de construção dos ranchos de torrão no município de Aceguá, na fronteira Brasil/Uruguai. Reunindo informações obtidas ‘in loco’, referenciais teóricos que contextualizam a técnica no ambiente natural e cultural, estudos comparativos com outras técnicas autóctones e tecnologias modernas, busca estabelecer alguns parâmetros na definição da melhor relação ambiente e técnica construtiva.

1.1 Objeto

O abrigo, a casa, o espaço de morar, constitui-se na busca do ser humano por proteção, conforto e estabilidade. Foram as dificuldades encontradas pelo homem ao longo de sua história que geraram e estimularam essa ação na paisagem para satisfazer esse desejo antigo.

O bioma Pampa reúne características de topografia, solo, vegetação, fauna, clima, com ventos predominantes, índices pluviométricos, horas de insolação e inclinação solar, umidade do ar, variação de temperatura, estações do ano, que se converteram em condicionantes para a adaptação e adoção de uma técnica apropriada de construção para aquela região.

“El principal aspecto a examinar es la asombrosa detreza de los constructores primitivos y campesinos al tratar los problemas climáticos y su habilidad al usar unos recursos mínimos para obtener un máximo de confort.“( RAPOPORT, 1969).

Dessa forma, as características condicionantes locais moldaram a técnica tanto para as populações autóctones do Pampa quanto para os colonizadores ibéricos.

A manufatura da habitação inicia com os primeiros passos da técnica, criando ferramentas que condicionavam a matéria prima e a habitação, criando padrões e variáveis da técnica, empilhou pedras, leivas de terra e palha até desenvolver a pá de corte (uma ferramenta), e configurar um tijolo de solo superficial e orgânico, com raízes e folhas de vegetação nativa e rasteira (gramíneas).

Figura 01 Figura 02

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2 OBJETIVO

Obtenção de diagnóstico e detalhamento da técnica construtiva. Demonstrar as vantagens desse tipo de construção – na perspectiva da técnica adequada ao meio – e sua relação e importância histórica e cultural para aquele povoado.

3 JUSTIFICATIVA

Uma das características que demarcam o processo de povoamento dessa região fronteiriça, onde hoje consta o município de Aceguá, é a construção de casas de torrão. Há disponibilidade de matéria-prima no bioma do pampa.

O processo de êxodo rural, acentuado nas décadas de 60 e 70, o acesso ao padrão “modernizador”, “oficial”, desvalorizaram a própria história dessas comunidades.

No sentido de contribuir para o resgate e a (re) valorização de uma técnica ancestral de construção, apropriada ao meio em que surge, portanto, parte intrínseca e definidora da identidade cultural de uma comunidade.

A experiência e o conhecimento acumulados fornecem evidências e possíveis soluções para a problemática ambiental que começa a ganhar ênfase nas pesquisas científicas e nas políticas públicas, depois de amplamente pautada pelos movimentos sociais e organizações não-governamentais.

4 HISTÓRICO

A técnica de construção dos ranchos, trazida pelos primeiros imigrantes europeus da península ibérica (notadamente portugueses e espanhóis) misturou-se ao conhecimento dos povos indígenas (charruas, guenoas e minuanos) e adaptou-se ao clima e à cultura local. Sua expansão na região atravessou o Uruguai e veio para a fronteira com o Brasil.

“... o exercito enfrentou uma serie de dificuldades; era inverno, fazia muito frio... Dom Diogo resolveu então deixar parte dos soldados, comerciantes e mulheres... no local do acampamento, começou a surgir uma vila, com muitos ranchos de torrão cobertos de palha, que oferecia melhores recursos...” (FAGUNDES, 2005 pag. 38.).

Aceguá ou Yace Guab em guarani, provavelmente já foi utilizada pelos povos autóctones da região como cemitério. A palavra significa “local de descanso eterno” indica o lugar que os indígenas escolhiam para viver seus últimos dias. A topografia proporcionava uma visão panorâmica da região e a proximidade com o céu. A essa origem quase alegórica, reúne-se o resultado do comércio informal, assentado numa fronteira seca, entre a banda oriental (Uruguai) e a banda ocidental (Brasil). Deste lado, foi emancipada do município de Bagé em 1996. Do outro lado da fronteira, já em 1863, o Parlamento uruguaio promulgou uma lei que denominava a localidade Pueblo Juncal. Mais tarde, em homenagem as primeiras famílias, passou a ser chamado de Povoado Almeida, depois Povoado Aceguá. Posteriormente incorporou a denominação original do local: Aceguá. Segundo o censo de 2006, possui pouco mais de 4 mil habitantes, 90% vivendo na zona rural e apenas 10% na zona urbana. O estudo dos ranchos de torrão foi realizado na Comunidade do Minuano do Aceguá e Vila da Lata, cerca de 10 e 30 km da zona urbana de Aceguá, respectivamente.

O rancho de torrão de leiva, terrõn, rancho de leiva, rancho é denominado na classificação do Arquitecturas de Tierra en Iberoamérica, catalogacion de técnicas construtivas en tierra (HABYTED/ CYTED), como mampuestos cortados, blocos de solo ou partes de solo e cortado, sendo retirados do horizonte A. Sua forma de corte é variada, com a preferência para o paralelepípedo, semelhante com o tijolo. Sendo encontrado em outras regiões como: cangahua, césped, champa, tacurú, tepe e terrón.

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5 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA PESQUISA:

5.1 Coordenadas: 31° 49’ 12” S 41° 28’ 08” O

Estado: Rio Grande do Sul

Mesorregião: Sudoeste Rio-Grandense

Microrregião:Campanha Meridional

Municípios limítrofes: Norte: Bagé

Sul: República Oriental do Uruguai

Leste: Pedras Altas, Candiota e Hulha Negra

Oeste: Bagé e República Oriental do Uruguai

Distância de Porto Alegre: 440 km

5.2 Características geográficas: Área 1.502,17 km² km²

População 4.149 hab. Est. 2006

Densidade 2,7 hab./km²

Altitude metros Clima Temperado

Fuso horário UTC –3

5.3 Características climáticas:

Índice pluviométrico: 1700 mm anuais

Ventos predominantes O caráter dinâmico dos ventos sobre a Pampa, em especial as intermitentes passagens de frentes frias - que se intensificam no inverno e primavera, trazendo o célebre Minuano - vento forte, frio e cortante que sopra de sudoeste (SW) sobre a campanha, com duração aproximada de três dias a cada passagem de massa polar.

5.4 Indicadores sócio-econômicos

IDH PIB R$ 67.158.000,00 IBGE/2003 e PIB per capita R$ 23.641,91 IBGE/2003.

6 METODOLOGIA

Levantamento físico das áreas, medição, descrição de materiais, marcação GPS para a atualização dos mapas. Questionários aplicados na população residente nos ranchos da Vila da Lata e no Minuano do Aceguá serviram de roteiro para investigar o histórico dos moradores com a casa, sua construção, o dia-a-dia, a saúde dos moradores, os usos da casa, as dificuldades mais comuns.

Figura 06

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Diferente da dinâmica que atualiza as tecnologias da construção convencional, a construção em terra é atualizada nas práticas e métodos tradicionais de construir o habitat, usufruindo dos recursos naturais locais, desenvolvidos por gerações de agricultores. Sua preservação e evolução como técnica construtiva atualmente, também depende do diálogo entre o conhecimento popular e o acadêmico.

Pode-se chegar a uma decisão consciente consultando-se a tradição ou baseando-se no raciocínio lógico e na análise científica. Ambos os processos deveriam produzir o mesmo resultado, pois a tradição corporifica as conclusões das experiências práticas de muitas gerações sobre o mesmo problema, ao passo que a análise científica simplismente organiza a observação dos fenômenos do problema. (Hassan Fathy, 1980.).

7 PESQUISA

Uma forma elementar de seu emprego da qual temos noticia pode ser encontrado nos pampas do extremo sul do Brasil, entrando pelo Uruguai. (WEIMER,G. 2005. pag. 256)

Uma técnica de construção: Em Aceguá, a técnica de construção dos ranchos desenvolveu-se de acampamentos sazonais, ao estabelecimento das fronteiras, que determinaram a agricultura e a fixação. Durante o período beligerante, de estabelecimento das fronteiras, as tropas do exercito português e espanhol encontram no Pampa os rigores do inverno, o que exigiu construções que proporcionassem mais proteção. Outro fator importante na decisão da técnica foi à velocidade da construção e total utilização de materiais da região, facilmente encontrados, terron (torrão), palha santa fé e madeira de mato de pequeno e médio porte.

A tecnica consiste em extrair do solo uma placa de terra plantada com grama, na medida em que são feitos quatro cortes verticais e ortogonais entre si, feitos com uma pá de corte em dimenções definidas pela largura da parede a ser construida, e um corte horizontal formando um “tapete” de leiva como usualmente é empregada nas floriculturas. Os torrões assim cortados são sobrepostos uns aos outros com juntas desencontradas. (WEIMER,G. 2005. pag. 256).

A vegetação rasteira estabelece uma malha, tanto interna (raízes) como superficial, contribuindo para a compacividade desse bloco, denominado leiva. O rancho de torrão faz uso do solo superficial horizonte A, com matéria orgânica, diferentemente da maioria da outras técnicas de construção em terra onde o solo indicado é do horizonte B, com um solo mais mineral e sem matéria orgânica. O torrão conta com vegetação rasteira, e preferencialmente úmido, cortado com a pá de corte, ferramenta de metal com as dimensões de 20 cm por 30 cm. Assim é colocada uma linha ou tabua e as leivas são cortadas de forma linear com 40 cm de comprimento longitudinal da peça. Necessário explicar que dependendo das condições locais estas medidas podem variar, principalmente no comprimento, pela necessidade de transporte.

A técnica de construção dos ranchos conta com paredes estruturais de 80 a 60 cm de espessura possibilitando características ideais a uma habitação em uma região com variações de temperatura de até 20°C em um dia e onde a simplicidade e conhecimento empírico dos materiais existentes e necessidades comprovaram-se mais adaptados e indicados, consequentemente a localidade. Em um comparativo podemos observar o desempenho do material. Com tijolos furados a transmitância é de 2,38 W/(m²k) e com uma capacidade térmica de 160 kJ(m²k), nos rancho de torrão a transmitância é de 1 W/(m²k) e capacidade térmica de 720 kJ(m²k)1

1 Dados da dissertação de Mestrado do Arq. Cristian Illanes PROPAR-UFRGS, através do método de calculo do projeto de norma de desempenho térmico de edificações - LABEE-SC.

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7.1 RESULTADOS DO LEVANTAMENTO

7.1.1 Levantamento fotográfico

Figuras 12, 13 - A proximidade entre um rancho e outro, viabilizam uma funcionalidade do dia a dia, ao mesmo tempo em que dialoga com a restrição técnica do rancho, a planta retangular com pequeno vão livre e paredes de grande espessura.

Figuras A, B e C – A cobertura de quincha, santa fé, utiliza para sua manufatura o capim santa fé, (Panicum prionitis), encontrado em locais alagadiços, hoje encontrado em poucas regiões, pois a plantação de arroz invadiu estas áreas.

Figuras 14, 15 – O estudo formal destas costruções, plantas retangulares e com pé dieito baixo, assim com a simetria, alem dos materiais não se destacarem na paisagem.

7.2 Levantamento físico

Foi realizado o levantamento métrico das habitações e verificado alguns itens da casa, como: espessura das paredes tanto na parte inferior como superior: ficando entre 60 a 80 cm de forma trapezoidal onde a parte interna segue o prumo e a externa com uma leve inclinação. Em algumas publicações esta forma foi justificada junto ao beiral reduzido, o que permitiria o desgaste da parede através das chuvas(verificado nas figuras).

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As tesouras são romanas e os telhados têm duas ou, mais comumente, quatro aguas, A cobertura normalmente é feita com capim santa-fé. (WEIMER,G. 2005. pag. 256)

A estrutura do telhado é assentada sobre uma cinta de madeira onde ocorre a distribuição de cargas a parede do rancho, com isto evitando as cargas pontuais sobre a parede de terra. A forma das coberturas encontradas foi diversa, mas o tipo de trabalho e distribuição da peças na estrutura mostra uma tradição.

Figura 17 – Duas variáveis da forma da cobertura

Figura 18 -Duas tesouras e uma terça na cumieira dividindo as águas.

Figura 19 – Corte de pele do rancho de torrão de leiva. Figura 16 – Galpão aparentemente em ruínas, mas seria restaurado no próximo verão, a dificuldade encontrada pelo morador era a matéria prima, o capim santa fé, no entorno já ficava difícil de encontrar, exigia um transporte e mais distante.

7.3 Levantamento social

Realizado em duas comunidades com treze famílias. Pela unidade das respostas vamos detalhar um dos levantamentos (rancho da dona Artêmia), que nos foi mais enriquecedor a pesquisa. Rancho nº05 - Minuano do Aceguá - Uma série de questões organizadas foi utilizada no diálogo com a senhora Artêmia Perez, de 82 anos. Moradora da localidade desde que nasceu, além dela, residem no rancho mais quatro pessoas, somente duas trabalham (são peões de estância próxima). A renda mensal da família é de três a cinco salários mínimos.

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O rancho foi construído há 35 anos, por um mutirão familiar que durou cerca de três meses até o término da obra. Toda a matéria prima da obra foi doada por uma estância próxima a casa. A escolha do material teve por base o baixo custo e a rapidez de sua construção. Os equipamentos encontrados no rancho: fogão a lenha, fogão a gás, espelho, livros bíblicos, quadros de religiosos, geladeira, rádio, ventilador, televisão e antena parabólica, assistem televisão entre uma e duas horas por dia, das 20h às 22h e escutam rádio praticamente o dia inteiro. Dona Artêmia relatou ser profundamente satisfeita com sua moradia, que nos dias quentes de verão, por exemplo, os moradores encontram a temperatura agradável somente no interior dessas construções de torrão. Atualmente o rancho encontra-se em bom estado, sendo que no próximo ano haverá reparos na quincha do telhado. A quincha do telhado é do tipo corrido. O rancho está distribuído em sala e dois dormitórios, separados por divisórias de madeira que estão localizadas embaixo das tesouras do telhado. O sanitário e a cozinha estão localizados próximos da casa. O rancho externamente foi totalmente revestido com blocos cerâmicos. Não há revestimento no piso, os três cômodos da casa são de chão batido.

Figura 24 - Planta Baixa Mobiliada

Figura 25 - Fachada Norte (Principal)

As esquadrias todas as esquadrias (portas e janelas) do rancho são de madeira, colocadas com um marco que não fica embaixo da parede, mas do lado interno (figura D). O piso batido é uma solução (figura E).

Figura D Figura E

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Não há saneamento, os resíduos são largados a céu aberto próximo do local. A coleta de resíduos sólidos se faz uma vez por mês. Antigamente os resíduos eram queimados nas proximidades dos ranchos.

8 OS RESULTADOS PERMITEM CONCLUIR QUE:

A coleta de dados nas localidades e o resultado obtido pela utilização dos questionários, proporcionaram uma aproximação reveladora de filigranas do ambiente natural e cultural onde aquele tipo de arquitetura e técnica construtiva – o rancho de torrão – surgiu e como essa técnica caracteriza o ethos daquela comunidade.

O detalhamento das construções revelou a profundidade do conhecimento popular, mesmo sem nenhuma sistematização formal e ficou evidente o acúmulo de várias gerações na solução das questões climático-estruturais das casas. O resgate de tradições construtivas antigas aliadas aos benefícios da tecnologia, como a construção em terra, em pedra, a utilização de materiais construtivos característicos da arquitetura vernacular é de certa forma uma tentativa de manter a sustentabilidade de todo o sistema (AKASAKI,1999).

A qualidade de vida dos habitantes contrasta com a simplicidade do interior das casas. É recomendável uma investigação mais criteriosa sobre a relação do tipo de arquitetura que utiliza recursos naturais locais e a boa saúde que gozam os usuários das casas de torrão. A integração da arquitetura das casas, a partir de um estudo formal da paisagem, onde o horizonte a 360° alonga a visão, permitindo através dos ranchos, retangulares de baixo pé direito e com paredes de terra e telhado de capim mimetizando aos padrões naturais da paisagem da pampa. “As edificações deverão combinar o melhor das tradições de cada região, com o mais sustentável das novas tecnologias, em um NOVO REGIONALISMO, que confia nos aspectos locais, como os materiais construtivos, responsabilidade climática, econômica e cultural, com soluções apropriadas”. (ROAF, 2001, p.15). A possibilidade de registrar a experiência dessas comunidades no desenvolvimento de uma arquitetura própria, vernácula, capaz de promover soluções ambientalmente equilibradas também expôs a agonia de um conhecimento que é patrimônio da humanidade, uma técnica construtiva sendo perdida. Por essa razão, finalmente recomendamos de maneira bastante enfática, pesquisas e investigações que garantam sua preservação e valorização, permitindo uma atenção permanente a iminente extinção desta técnica e conseqüente tradição construtiva da sociedade local.

O patrimônio construído vernáculo é importante, porque é a expressão fundamental da cultura de uma comunidade, das suas relações com o território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade cultural do mundo. A construção vernácula é o meio tradicional e natural pelo qual as comunidades criaram o seu habitat. É um processo evolutivo que inclui necessariamente alterações e uma adaptação constante em resposta as dificuldades sociais e ambientais. A sobrevivência desta tradição em todo o mundo está ameaçada pela uniformização econômica, cultural e arquitetônica. Saber resistir a esta uniformização é fundamental e deve ser tarefa não só das populações, mas também dos governos, dos urbanistas, dos arquitetos, dos restauradores e de um grupo multidisciplinar de especialistas. Carta Icomos do Património Construído Vernacular ratificada na 12° Assembléia geral do Icomos, no México, em outubro 1999.

"Quebrar intencionalmente uma tradição numa sociedade basicamente tradicional, com é a camponesa é uma espécie de assassinato cultural, e o arquiteto deve respeitar a tradição que ele esta invadindo”. (Hassan Fathy, 1980.)

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9 REFERÊNCIAS

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10 AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer as comunidades que nos receberam da melhor forma possível e a Virgínia Paiva Dreux, Alexander Mendonça, Albano Volkmer, Cristian lhanes, Adriano Marcello Santos e Julia Coelho de Sousa.

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