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EDIÇÃO SIMPLIFICADA . Henrique de Melo Anjos da Escuridão® 2013 - www.bn.br - Todos os direitos reservados.

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EDIÇÃO SIMPLIFICADA .

Henrique de Melo

Anjos da Escuridão® 2013 - www.bn.br - Todos os direitos reservados.

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Índice Capítulo 1 - Uma sombra na escuridão............................................................................................ 03

Capítulo 2 – Anjo Vingador...............................................................................................................07

Capítulo 3 - O senhor da morte........................................................................................................16

Capítulo 4 - Exorcismo......................................................................................................................17

Capítulo 5 - Um pedaço negro de sua alma.....................................................................................21

Capítulo 6 - Lembranças perdidas....................................................................................................23

Capítulo 7 - William McGregor..........................................................................................................26

Capítulo 8 - Recado de 170 quilos....................................................................................................39

Capítulo 9 - Dia de treinamento........................................................................................................41

Capítulo 10 - O informante................................................................................................................44

Capítulo 11 - Sangue e incenso........................................................................................................49

Capítulo 12 - Encontro marcado.......................................................................................................53

Capítulo 13 - Chamando todos os anjos...........................................................................................58

Capítulo 14 - O que vamos fazer com essa

árvore de natal?................................................................................................................................ 69

Capítulo 15 - O menino......................................................................................................................77

Capítulo 16 - Despertando deuses.....................................................................................................80

Capítulo 17 - Cavaleiro Escarlate.......................................................................................................82

Capítulo 18 - Nuvem de fogo..............................................................................................................85

Capítulo 19 - Um reencontro...............................................................................................................89

Capítulo 20 - Uma luz na escuridão....................................................................................................91

Capítulo 21 - Anjos da Escuridão........................................................................................................92

Capítulo 22 - Uns mortos muito loucos...............................................................................................95

Capítulo 23 - Armadilha nas sombras.................................................................................................99

Capítulo 24 - Melissa.........................................................................................................................101

Capítulo 25 - Abaddon.......................................................................................................................112

Capítulo 26 - O Portal........................................................................................................................116

Capítulo 27 - Adeus, Julia..................................................................................................................125

Capítulo 28 - Um feliz natal das sombras........................................................................................ 126

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“Nos cantos obscuros de sua alma estão todas as respostas que você busca. Em meio a todos os

medos e traumas, em meio à escuridão que te atormenta, existe uma luz esperando para ressurgir das

sombras que eclipsam sua alma. Domine a escuridão, seja um com ela e a transforme em luz.

Ressurja!”

William McGregor

Capítulo 1 - Uma sombra na escuridão.

Imerso nas sombras, perdido na penumbra, uma estranha figura se abrigava na noite do Recife antigo, um vulto denso de pesares e tormentos. A chuva escorria por sua face lívida e entristecida. As luzes da cidade adormecida cintilavam no ar fúnebre, carregadas pelas aparições e vultos, alvitres de pessoas, espectros de entes queridos que se consumiram dentro dos muros de concreto da cidade brutal, se espelhavam no fundo de seus olhos sombrios, profundos abismos de sua alma angustiada, seus cabelos negros caíam sobre seu semblante atormentado, agitados pela brisa.

Meus olhos estavam marejados pela água fria da chuva. Tudo estava debilmente distorcido. A realidade lúgubre e escura parecia ligeiramente diferente essa noite. A cidade estava iluminada pelos enfeites de natal, amarelos, azuis, vermelhos e brancos, cintilavam no ar despercebidos pelos vivos que passavam distraídos diante do espetáculo de luzes, percebidos de forma mais atenta, quase que doentia, pelas aparições que me cercavam, podia vê-las uma a uma, e elas, quando atentas, também podiam me ver. As luzes de natal não atraíam apenas as almas perdidas do Recife, almas que perderam sua luz, mas especialmente pequenos vultos de criaturas estranhas que eu não conseguia identificar, brincavam festivamente com a áurea das luzes, pois era tudo que podiam tocar, tentavam capturá-las para si, alguns conseguiam segurar por poucos instantes o reflexo das luzes em suas mãos enevoadas, mas logo o perdiam, a essência da luz esvaía no vazio escuro. Era interessante ver como perseguiam incansáveis as centelhas coloridas, especialmente as brancas e amarelas, e como tentavam me trazer um pouco da luz que conseguiam. Sempre me surpreendia com um ou outro no meu ombro tentando colocar luz no meu rosto, tentando trazer luz para minha alma, mas logo desapareciam esmaecidos na escuridão assim como a luz que carregavam. Já fazia tempo que perdera minha própria luz, por isso não fazia diferença, porém nunca entendi porque faziam isso, acho que se sensibilizavam comigo, talvez achassem que eu também precisava de luz. Eles eram corações perdidos e desolados como tantos outros que vagavam pela cidade, que vagavam pelo Recife, e somente eu podia perceber que ainda havia luz dentro deles. Eram apenas 6h15min da manha, havia uma fina neblina pairando no ar. Embora o sol estivesse encoberto por nuvens nebulosas, ele clareava a maior parte da cidade. Grandes colunas de luz desciam do céu atravessando os Cumulus Cinzentos que ameaçavam precipitar, elas deitavam sobre os edifícios e ruas que lentamente despertavam das sombras da noite, sombras que insistiam em permanecer e se escondiam em ruelas e becos, espreitando o dia. A claridade deslizava pelo concreto entristecido e velho, lançando-se para dentro das janelas, atravessando a porta de vidro de um tímido escritório no Recife, revelando a logomarca do detetive particular Jonathan Martins, um anjo segurando um grande olho sobre sua cabeça. A luz se refratava no vidro quebrando-se como num prisma, dividindo-se na penumbra do escritório, arrastava-se por sobre os móveis, quatro cadeiras e uma escrivaninha numa sala pequena. Ouvia-se uma forte respiração e o tilintar de metais, era o jovem detetive na sala dos fundos, seus braços se moviam para cima e para baixo alternadamente, enquanto segurava barras com anilhas somando vinte quilos em cada mão, seu corpo transpirava e a luz entrava delineando seus músculos, os braços se contraíam inflados pelo sangue dentro dos bíceps torneados e volumosos, as veias saltavam ante ao esforço do treino, os olhos castanhos claros compenetrados encaravam o vazio de seus pensamentos enquanto se aplicava no exercício e ouvia o rádio que

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tocava músicas dos anos 80, fora interrompido por uma notícia de emergência que chamou a atenção do detetive, "Cientistas e meteorologistas alertam para o que pode ser o maior inverno de todos os tempos no Brasil, segundo eles uma intensa massa de ar frio se desloca pelo oceano em nossa direção, não se sabe ao certo sua procedência, mas os especialistas afirmam que o estranho fenômeno baixará bastante a temperatura no nosso estado." De repente, uma batida o desconcentrou, ele colocou as barras no chão e foi até a porta interna, abriu-a lentamente e olhou para a porta de vidro retirando da testa algumas mechas molhadas de seu cabelo castanho. – Quem é? – questiona intrigado. Um vulto se desenha por trás do vidro revelando uma silhueta de mulher. - Uma cliente. Vim à procura dos seus serviços. – E sua voz confirma. - Ah! Só um segundo. – Fala desajeitado, ele volta e apanha as barras novamente. – Espera aí um minutinho que só falta essa série. – Sussurra para si mesmo enquanto se concentra para um último esforço. Instantes depois, Jonathan segue até a porta abrindo-a rapidamente. – Senhora, me desculpe pela demora. – Ele está sem camisa, completamente suado, segurando uma toalha, ao abrir a porta dá espaço para a jovem mulher passar enquanto enxuga os cabelos. – Queira me perdoar. Só abro a partir das sete horas, a senhora me pegou desprevenido. – Diz Jon, puxando uma cadeira. – Sente-se, por favor. – Ela entra elegantemente espalhando seu perfume pelo ar, cítrico, levemente seco. Veste uma saia preta na altura dos joelhos e uma blusa branca, seus saltos estalam no chão despertando pequenos vultos curiosos. Ela volta-se para o detetive antes de sentar. - Pelo que vejo eu cheguei numa ótima hora. - A morena de olhos amendoados e pele branca fita Jon da cabeça aos pés, parando por alguns segundos os olhos em seu abdômen definido e com ênfase repete a frase. - Numa ótima hora! - Balança a cabeça e abaixa os óculos de sol para poder ver melhor. Encabulado, Jon desconversa. - Por favor, sente-se, vou só pôr uma camisa. - Camisa? - Interrompe a mulher colocando os óculos na bolsa. - Mas pra quê? Por mim, fique a vontade. – Ela diz gesticulando com a mão, Jon ri sem jeito e desvia o olhar. - Aceita um chá, uma água, um café? - Um café, por favor, mas tem que ser bem quente, muito quente. - Profere movendo os lábios avermelhados e carnudos, encarando o detetive no fundo dos olhos. Jon finge que não entende. – Ah, claro! - Responde sorrindo nervoso e saindo de costas, ele entra na sala dos fundos e fecha a porta, respira profundamente e sussurra. - Se eu fosse solteiro não entrava ninguém aqui assim dando mole pra mim, hm! - Resmunga balançando a cabeça em negação e vai em busca do café, minutos depois volta para o escritório com uma xícara e a entrega gentilmente para a mulher, está ainda com a toalha no pescoço, os longos cabelos castanhos decaem sobre seus ombros, está devidamente trajado desta vez. Atrapalhado, ele joga a toalha em uma de suas gavetas, fechando-a rapidamente, a mulher o encara ironicamente. - Organizado você, né? Seu escritório é bem interessante! - Sem graça e puxando sua cadeira para se sentar, Jon responde. - É!? Obrigado, obrigado, eu tento, eu tento. Mas a que devo o prazer de sua visita, a senhora disse que procurava pelos meus serviços? - Claro. Mas me chame de Helena, por favor. Estou com um grande problema, senhor Martins. - Ah, Jon, por favor! - Fala sorrindo com um canto da boca. - Tá certo. - Responde rindo e colocando o cabelo para trás da orelha. - Acho que você é minha última esperança! Eu serei breve e direta. - Por favor! - Sou advogada, represento a Senhora Fernanda de Bragança, seu filho de oito anos foi seqüestrado pelo marido. Deixe-me explicar melhor, ela foi casada com um desembargador da justiça, no divórcio ela ficou com a guarda total do filho, o que foi bastante complicado de conseguir, pois todos temiam seu marido, mas, depois de muito esforço encontrei um juiz de coragem que fizesse justiça, enfim, o marido não aceitou, ele disse que ela não teria sossego e começaria tirando seu filho, ele recorreu da decisão do juiz e disse que até segunda ordem o menino ficaria com ele, foi até a casa dela e o pegou em sua ausência, eu tenho aqui... - abre a bolsa no colo e retira um papel que ela desdobra delicadamente e o entrega a Jon. - ... um documento da justiça que

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concede a guarda à minha cliente, o senhor vai encontrar anexada uma Ordem de Afastamento para que ele fique longe dela e do filho. - Certo, por que não vai à policia? - Esse é o problema, não há ninguém que tenha coragem de enfrentá-lo, ele tem muitas conexões políticas e militares, inclusive na polícia daqui. Já fui a muitas delegacias e nada, já procurei vários detetives também, eu estou sem opções. - Entendo, e onde eu entro nessa estória? - Quero que o senhor ache o garoto e traga fotos provando que o desembargador descumpriu a ordem judicial. - Isso parece fácil! Mas vai demorar alguns dias até que os localize. - Nem tanto, tenho amigos no gabinete onde ele trabalha e um deles teve acesso à agenda dele, no próximo domingo ele irá a um restaurante chinês próximo a beira mar de Boa Viagem e vai levar o filho. - E você quer que eu o fotografe lá? - Quer outra chance melhor do que essa? - Me diz uma coisa, o filho gosta dele? - Gosta sim, claro, mas ele é muito violento, já os agrediu várias vezes, esse foi o motivo da separação, ele é muito bruto. Você terá que ser cauteloso, ele anda acompanhado de guarda-costas e se suspeitar que está sendo fotografado, você pode se dar muito mal. - Jon pára e pensa reclinando a cadeira para trás, analisando a proposta. - Eu pago muito bem, detetive. - Diz a mulher seriamente, encarando Jon. - Aceito o caso e você pagará apenas o justo, agora me conte exatamente aonde ele vai? - Segundo meu informante, o almoço será no China City na Rua Navegantes, bem próximo a Avenida Boa Viagem, não tem erro. Tem grandes portas de vidro.... ....e a luz do sol ofuscava o detetive que ocupava uma das mesas redondas enquanto bebia um suco de laranja, trajava um blazer escuro por cima de uma camisa branca, jeans e botas de trilha. As luzes dos balões chineses vermelhos se refletiam na lente levemente espelhada de seus óculos de sol pendurados no nariz. Discretamente vigiava a entrada, despreocupado, o restaurante estava estranhamente vazio, uma vez que naquele domingo haveria um jogo de futebol, final de campeonato. - Vai ser fácil avistar esse juiz, é só encontrar alguém engalhado com meio mundo de trogloditas de ternos preto amarrotado. – Murmurou, tomando o último gole de suco e retirando a câmera digital de um dos bolsos do blazer. De repente, teve a atenção atraída por uma voz grave que ecoava irritada a poucos metros atrás dele, virou-se e viu um homem de camisa pólo verde, alto e esguio, que puxava fortemente um garoto pelo braço, enquanto reclamava com ele em voz alta. - Você vai comer comida chinesa comigo, é mais saudável do que essas porcarias de fast-food! - Mas pai, eu queria ganhar o brinquedo do filme "Os Heróis". - Retruca o garoto com voz triste. - Que heróis o quê menino, um bando de bichas de colantes coloridos, coisa de veado! Vai, pára de chorar, se não vou te dar um motivo real! - Grita sacudindo o menino pelo braço e ameaçando-o com a mão levantada. O detetive assiste à cena enfurecido, respira fundo apertando os olhos com o dedo indicador e o polegar, pensando no que fazer. - Mudança de planos, não vou ficar aqui assistindo esse idiota agredindo uma criança. - Murmura Jon enquanto se levantava tranqüilo, após alguns passos ele alcança o grupo. – Ah, com licença! - Levanta a mão em gesto de atenção em direção ao desembargador, rapidamente, os seguranças se aproximam e o abordam. - Quem é você? - Eu gostaria de falar com o Doutor Eduardo. Tenho esses documentos para entregar. - Retira as cópias que fez dos documentos de Helena e as entrega a um segurança, que repassa para o juiz. - Levante a mão senhor, eu preciso revistá-lo. - Mal avisa e já vai enfiando as mãos em cima do detetive, sacudindo-o num baculejo invasivo. - Tá desarmado chefe. - E quem é você? - Indaga o desembargador se aproximando de Jon. - Eu sou um detetive, sua mulher me contratou, gostaria que o senhor lesse os documentos e me entregasse a criança. - O desembargador ri debochadamente na cara de Jon enquanto amassa os papéis e os joga contra seu rosto, nesse momento dois seguranças já o cercavam. - Você come bosta, garoto? - Pergunta violentamente ameaçando o detetive com o dedo, apontado para sua cara.

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- Por quê? Estão servindo isso? Nossa, eu não piso mais aqui, hein? - Responde cinicamente o detetive olhando para os lados. - Você é muito ousado, por acaso sabe quem eu sou? - Sei, um desembargador de bosta que gosta de bater em crianças e mulheres, e que é muito macho quando está cercado de seguranças, acertei? Ou ainda tá frio? Por que se você quiser me dar algumas pistas, eu sou bom de adivinhação. - Diz Jon ironicamente apontando o dedo para cima e pros lados, revirando os olhos. - Chega dessa palhaçada, tirem esse idiota da minha vista! - Os seguranças ameaçam agarrar Jon que gesticula pedindo que esperem um instante. - Doutor, essa é sua ultima chance, me entregue o garoto! - Jon aponta para o menino que estava logo atrás com um dos seguranças assistindo a tudo. - Vai pro inferno idiota! Vamos minha gente, arrastem este traste da minha frente! - Os seguranças se posicionam em direção a Jon, dois de cada lado, o seguram pelos ombros. Jon cruza os braços segurando as mãos dos seguranças, se joga pra trás puxando-os um contra o outro e eles se chocam com as cabeças e caem atordoados, ele se abaixa e retira uma das armas deles, apontando rapidamente contra os que restavam, a arma reluz negra em sua mão, o metal frio refletindo as luzes agoniadas do restaurante. - Se vocês se moverem um centímetro eu espalho a bosta da cabeça de vocês pelo chão! - Os seguranças recuam. - Joguem logo as armas para cá, rápido! - Grita Jon enfurecido. - Passa o garoto para cá, vai, não me teste, imbecil! - O garoto, surpreso, vai até Jon com os olhos arregalados. - Tá tudo bem garoto? - Tá sim, senhor! - Bora! De joelhos todo mundo! Quem vier atrás vai levar bala! - Algumas pessoas no lado de fora correram para ver o que estava acontecendo, mas Jon já havia deixado o local, se dirigiu ao estacionamento onde um amigo taxista o aguardava, saiu rapidamente puxando o garoto pela mão. - Tá tudo bem mesmo garoto? - O menino responde que sim balançando a cabeça. - Então que carinha é essa? - É que o senhor luta igual aos heróis do filme. - Sério? - É sério! - Jon sorri e coloca o garoto no braço. - Quer dizer que você gosta de heróis? - Gosto sim, o senhor não? – Ah, eu adoro, prometo a você que antes de te devolver a sua mãe, a gente passa numa lanchonete e compra um desses kits do filme para você, tá certo? - O senhor promete? - Pergunta o garoto animado e com os olhos brilhando. - Prometo, palavra de herói! - Os dois adentram no táxi e saem em disparada do estacionamento do restaurante. - Direto para o escritório, Jon? - Pergunta o motorista olhando para o detetive pelo retrovisor. - Não Miguel, vamos parar numa lanchonete primeiro. A Avenida Conde da Boa Vista estava coberta por uma suave garoa fria que pairava no ar gélido da noite. A chuva declinava lentamente do céu negro como um véu de vidro, um pranto do anoitecer. Despercebida, uma figura sombria e impassível, distorcida nas sombras, vigiava a cidade, a espreita nas trevas. Um longo e negro sobretudo se debatia no vento, agitado em suas costas como duas asas negras, o barulho do tecido lembrava folhas secas arrastadas pelo chão, ansiavam para abraçar a escuridão. Em cima do corredor de metal que liga o Shopping Boa Vista ao edifício garagem, a estranha aparição de cabelos negros vagueava seus olhos incandescentes sobre os distraídos cidadãos de Recife. Um anjo negro, um escravo das sombras, carregava a morte em seus ombros e ansiava por destruir o mal, um vício, uma necessidade cada vez mais constante, uma droga que o inebriava noite após noite e o distraia momentaneamente de seu imenso vazio. Castigado pela chuva que mais uma vez cobria a cidade, ele esmaecia dentro do abismo da noite, atormentado pelas luzes e pelas lembranças, esculpido dentro do crepúsculo, exilado na escuridão, quase um demônio, forjado em fúria e dor, inquieto e atento, seus olhos rubros refletiam as luzes da cidade, e num breve momento, um suave perfume pairou no ar agitando alguns vultos, atiçando a penumbra. Sangue. Suave, férreo e quase palpável, era um chamado. E ele correu por entre os vultos inquietos e se jogou em direção a avenida, se perdendo entre as aparições, esmaecido, tragado pela escuridão.

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Capítulo 2 – Anjo Vingador

O ruído metálico do táxi estalou na noite fria do Recife. As luzes amarelas dos faróis tremularam pelo vazio escuro, o ranger da porta se abrindo lentamente revelou um sobretudo que se agitou no vento e uma face cansada e sombria. A porta bateu. O carro se distanciou devagar e Jon acenou para o veículo que se perdeu nas ruas enegrecidas pela noite, o assobio do metal que rangia acordou algumas sombras. A brisa se debatia contra sua face, ele lentamente levantou o rosto em direção ao céu azul escuro e contemplou as estrelas perdidas na vastidão do universo, um delicado véu de cristais cobrindo a cidade. Atravessou tranqüilo a calçada até a porta de seu escritório, só a luz de um pequeno abajur em cima da escrivaninha iluminava o lugar. Desconfiado, olhou para os lados e retirou as chaves do bolso, elas tilintaram e reluziram antes de abrir a porta de vidro. Com passos silenciosos e firmes ele entrou na sala, parou por uns instantes e analisou o ambiente, seus olhos inquietos absorvendo as sombras. Havia algo diferente, as coisas estavam fora do lugar, o escritório estava arrumado demais, alguém tentara disfarçar que estivera ali. Ele vasculhou a sala à procura de outros sinais que denunciassem a presença de alguém. Jogou o sobretudo, abriu uma gaveta da escrivaninha e pegou a arma, uma Desert Eagle preta, que refletiu a luz do abajur em seu metal negro. A porta que dá para um pequeno dormitório atrás do escritório estava entreaberta, lembrava de tê-la deixado trancada, afinal de contas o quarto era sempre uma bagunça com seus alteres espalhados pelo chão. Ele se aproximou tentando ouvir algum barulho, olhou pela brecha, mas estava muito escuro, deslizou a mão pela madeira áspera e empurrou silenciosamente a porta, deixou a luz entrar e esperou atentamente seus olhos se acostumarem com a escuridão. Ouviu de leve uma respiração e sentiu um suave aroma no ar, suas pupilas se dilataram e seus olhos absorveram o escuro. As sombras disformes foram lentamente tomando forma, havia uma silhueta na penumbra, alguém estava sobre o pequeno sofá no canto da sala, um sofá-cama usado nas noites longas de trabalho. A figura se formou delicada e suave, seu rosto angelical coberto por algumas mechas de cabelo dourado que cintilava na escuridão, seu corpo sob uma cocha se encolhia tentando se proteger do frio daquela noite, frio bem incomum no nordeste do país, suas mãos pequenas e frágeis puxavam o tecido para si. Devagar, ela abriu os olhos azuis incandescentes, eles iluminaram a escuridão e sua voz doce ecoou por entre as sombras. - O que você está fazendo aí no escuro, detetive? - Jonathan sorri e balança a cabeça. - O que você está fazendo aqui? Eu quase te ataquei! - Com „ataquei‟ você quer dizer „atirou‟? – Ela fala sentando no sofá, seus cabelos loiros caem sobre seu rosto e são delicadamente colocados de lado por seus dedos de mármore. - Eu não ia atirar em você, mas fiquei assustado quando percebi que o escritório estava mexido. - Mexido? - Retruca intrigada, você quer dizer „arrumado‟?! Pois estava uma zona!! - Que seja! - Você precisa ter mais cuidado, deveria ter deixado a luz daqui acesa. - Você percebeu que a porta tava trancada, né? - Questiona ironicamente. - Sim, eu percebi sim senhora. Mas você sabe que eu não gosto de arriscar. - Explica enquanto se aproxima ajoelhando-se perto da jovem. - A que devo a honra de sua ilustre visita? – Ele desliza os dedos por entre os cabelos loiros dela, acariciando seu rosto. - Estava por perto e queria te ver. - Fala gentilmente encarando o detetive e colocando sua mão por sobre a dele em seu rosto. - Estava com saudades. – Jonathan beija delicadamente a sua noiva. - Amo você, meu anjo! - Claro que ama! Quantas namoradas você teve que arrumavam sua coisas? - Jon sorri. - É mesmo, o que nos leva a uma contradição. – Ele se levanta e senta ao lado dela. - Quando te conheci você me perguntou se era machista, foi muito engraçado, você disse que não ia ser dona de casa pra ficar arrumando bagunça de ninguém. - Diz ironicamente, a jovem sorri e esconde o rosto com a manta. - E mesmo pedindo que não faça limpeza aqui, você sempre que vem faz algo do tipo. - É que só não pode se você mandar. - Retruca sorrindo e se deitando sobre o detetive que a abraça. - Sua boba! Seu negócio é contrariar, né? - Fala apertando-a. - Nada disso, nem vem! - Retruca Julia sorrindo. Os dois se abraçam e se beijam se perdendo dentro das sombras do escritório.

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Um último suspiro se exauriu de seu corpo imaturo. Ofegante, o estranho levantou sua carcaça volumosa e suada de cima do cadáver, uma adolescente de 16 anos trajando a farda de um colégio municipal, seu corpo ainda estava quente. Apoiou-se sobre o joelho e suspendeu a calça jeans surrada, respirou fundo enxugando o suor da cara enrugada, a camiseta branca encardida e furada colava em seu corpo fétido. Apanhou o canivete ao lado no chão, em uma poça de água formada pela garoa, e se afastou do corpo, deixando-o caído atrás de um velho galpão no Recife antigo. Afastou-se lentamente, admirando-o. Vez em quando desviava a vista para limpar o sangue do canivete que refletia sua face pervertida e o sorriso amarelado, usando um molambo velho da oficina onde trabalha que funciona como fachada para desmanche e ponto de drogas. Mais uma vez olhava o corpo e apreciava a silhueta da jovem garota jogada no chão, a luz caía sobre ela delineando seus atributos físicos. Ele colocou o canivete no bolso e olhou para a fina garoa que caía, já era bem tarde e a noite estava fria, andou dois passos e tornou a olhar para o corpo, foi então surpreendido por uma curiosa aparição. Nesse segundo em que ele olhou para o bolso da calça, depositou o canivete e tornou a olhar o corpo, uma estranha sombra se abrandou sobre o cadáver, se movendo de forma sinistra como se quebrasse a cada movimento, parecia de fumaça e de luz pálida. A sombra inclinou-se calmamente em direção à jovem e ficou sobre um joelho ao lado do corpo, curvando-se sobre o rosto sem vida. A cada gesto da demoníaca criatura seu sobretudo negro se agitava no ar debatendo-se em ódio e fúria sobre suas costas largas, crescia dentro da penumbra e caía sobre o estranho ser como duas asas negras, o tecido rangia no chão com um barulho estranho, como se vários insetos rastejassem nas sombras. Lentamente, ele roçou seu rosto contra o da jovem e ouviu a confissão de seu espírito atormentado que ainda jazia encerrado no corpo, sussurrou algumas palavras e devagar levantou a cabeça em direção ao assassino. - Ela disse que foi você. - Não, não fui eu, Jesus! - Aterrorizado pela figura escura, o assassino balbucia. O ser escuro se levanta com o rosto estranho, abre os braços largamente encarando o assassino, inclina a cabeça para o ombro esquerdo e diz com a voz rouca. - Eu pareço Jesus pra você? - O assassino surtado de medo corre desesperado, seus passos desengonçados eclodem nas sombras do beco atrás do galpão. Atordoado de temor ele arrisca olhar para trás, vê a bizarra figura de pé o encarando ao longe com seus olhos estranhos, olha para frente tentando escapar da escuridão e ao voltar-se novamente para trás a figura sumira. O assassino aumenta a velocidade de seus passos e começa a ouvir atrás dele estalos que se aproximam lentamente ficando cada vez mais perto. Sem fôlego ele cai esparramado no chão.

Vira-se para trás à procura da aparição, mas só havia o vazio, o barulho cessara, levanta aliviado e desconfiado, espreitando todos os lados. Logo em seguida sai do beco, indo ao encontro das luzes dos postes da rua ao lado. Fora alguns mendigos que dormiam cobertos por papelão, só vultos e sombras perambulavam na rua àquela hora. - É nisso que dá fumar pedra com aquela pirralha, fiquei muito doidão vendo parada estranha! – Balbucia entorpecido e aliviado alisando a fronte calva de sua cabeça perturbada. Cambaleia no meio da rua, tropeçando em meio aos sem-tetos. - Dá uma pedra aí, velho! - Estende a mão um pedinte em direção ao assassino que passava por ele. - Vai pro inferno desgraçado, vai trabalhar seu vagabundo! – Fala sorrindo histericamente e sai da rua atravancando numa viela estreita e sombria perto dali. Sua risada estridente ecoa por entre as paredes frias da viela e mistura-se às sombras, ziguezagueia apoiado nas paredes mofadas e escuras indo em direção a saída. Avista a alguns metros uma luz que entra vacilante no fim do beco e pode ver ao longe uma sombra esmaecida lentamente aparecer, um vulto disforme, trêmulo, parecendo um homem, se aproxima desconfiado. A chuva cai mais forte de repente, fria como gelo. - Quem é você? - A figura permanece imóvel. Mesmo com pouca luz e a certa distância é possível ver seu rosto pálido coberto por seus longos cabelos negros encharcados pela chuva intensa, uma sombra estranha cai sobre seus olhos que tem um brilho enrubescido e o sobretudo pesando ensopado sobre seu corpo. O assassino gagueja amedrontado. - Acabaram as pedras, só amanhã agora! - Enquanto balbucia resvalava a mão em direção ao bolso.