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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE GEOGRAFIA, HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa político-religiosa de Cuiabá (1930 – 1945) RAFAEL ADÃO CUIABÁ-MT ABRIL/2017

Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

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Page 1: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE GEOGRAFIA, HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa político-religiosa de Cuiabá

(1930 – 1945)

RAFAEL ADÃO

CUIABÁ-MT ABRIL/2017

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RAFAEL ADÃO

Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa político-religiosa de Cuiabá

(1930 – 1945)

Dissertação apresentada à Banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de Geografia, História e Documentação – IGHD da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial à obtenção de título de mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Cândido Moreira Rodrigues.

CUIABÁ-MT ABRIL/2017

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ADÃO, Rafael. Anticomunismo e suas construções mitológicas na Imprensa político-religiosa de Cuiabá (1930 – 1945). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2017.

RESUMO

Em se tratando dos enunciados contemporâneos no cenário político

brasileiro que reverberam contra o comunismo, é fundamental pensar o

anticomunismo no Brasil, sendo a década de 1930 momento crucial para

expansão e consolidação da propaganda anticomunista. Diante de um

contexto político conturbado e de intensas disputas, o anticomunismo se

intensificou perante uma elite cada vez mais temerosa de que as ideias

contestadoras do seu status quo ganhassem ampla adesão junto às classes

trabalhadoras. Nesse mesmo cenário, que abarca a crise do modelo

democrático liberal, observou-se pelo mundo a ascensão de expressões

extremistas nacionalistas e fascistas, refletida no Brasil com a formação do

governo autoritário do Estado Novo, vigente entre os anos 1937 e 1945.

Nesse sentido, a proposta deste trabalho objetiva analisar como estava

inserida a imprensa religiosa e partidária da capital mato-grossense, Cuiabá,

perante os debates anticomunistas dos anos de 1930 a 1945. E em diálogo

com o historiador francês, Rauol Girardet, busca-se compreender as

construções dos mitos políticos e conspiratórios contra essa outra expressão

política, o comunismo, assim como, tudo aquilo que ela representava,

contestava e repercutia.

Palavras chaves: Anticomunismo, construções mitológicas e imprensa.

Page 6: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

ABSTRACT

In dealing with contemporary statements in the Brazilian political scene that

reverberate against communism, it is fundamental to think of anti-

communism in Brazil, the decade of 1930 being a crucial moment for the

expansion and consolidation of anti-communist propaganda. Faced with a

troubled political context and intense disputes, anti-communism intensified

in the eyes of an increasingly fearful elite that the contending ideas of its

status quo gained wide acceptance among the working classes. In this same

scenario, which encompasses the crisis of the liberal democratic model, the

rise of nationalist and fascist extremist expressions was observed in world,

reflected in Brazil with the formation of the authoritarian government of the

Estado Novo, in force between 1937 and 1945. In this sense, the purpose of

this study is to analyze how the religious and partisan press in Cuiabá, the

capital of Mato Grosso, faced the anticommunist debates of the years 1930

to 1945. In dialogue with the French historian Rauol Girardet, the aim is to

understand the constructions of political and conspiratorial myths against

this other political expression, communism, as well as everything that it

represented, challenged and reverberated.

Keywords: Anticommunism, mythological constructions and the press.

Page 7: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

AGRADECIMENTOS

A constituição de todo este processo de pesquisa e escrita não foi

um processo solitário, mas cercado do auxílio e atenção de parceiros e

amigos. Apresento aqui, então, os agradecimentos a essas parcerias e

colaborações. Primeiramente ao meu estimado orientador, prof. Dr. Cândido

Moreira Rodrigues. Crítico, exigente e historiador de excelência, o prof.

Cândido, desde a graduação, partilha conosco de seu valoroso apoio e

incentivo nessa empreitada acadêmica e busca pela compreensão das

diferentes faces da política e da religião na história contemporânea.

Gratidão expressada também aos demais examinadores deste

trabalho acadêmico, a prof. ª Dra., Thaís Leão Vieira que dividiu conosco seu

olhar ímpar da História Cultural. Olhar este presente desde o processo

seletivo, onde na entrevista desafiou-me com pertinentes questionamentos

em relação ao meu projeto de pesquisa. E ao prof. Dr., Edvaldo Correa Sotana

que de maneira significativa nos auxiliou com seu conhecimento abrangente

sobre imprensa e sobre o comunismo.

Um agradecimento afetuoso aos funcionários do Arquivo Público

de Mato Grosso, que sempre me atenderam com apreço e dedicação. E aos

professores do Departamento de História da UFMT e do Programa de Pós-

Graduação em História, que são para mim referências de profissionalismo e

humanidade. Como ainda, ao professor Dr. Fernando Zolin Vesz do Programa

de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFMT.

Agradecimento fraternal aos amigos desta jornada tão

desafiadora no programa de pós-graduação, que graças a vocês se tornou

mais leve e divertida, em especial: Amauri Júnior da S. Santos (Mau), parceiro

de estudos e de Lollapalooza; Rafael Freitas (Rafa), amigo leal e

comprometido; Natally Sena (Taly), dona de deliciosas gargalhadas e sempre

Page 8: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

de bem com vida; Túlio Arruda, uma amizade doce e amável; e ela, “de

Lucas”, Fernanda Nicoli da Silva, saiba que nossas conversas foram

fundamentais para a construção desta dissertação, aprendi muito contigo.

Este coração ainda carrega outros amigos da História e que

também marcaram suas presenças nas narrativas deste trabalho, assim tenho

enorme agradecimento a: Alexandre Vinícius (Ale), amigo fiel, que auxiliou-

me com sua perspectiva sensível; Luciene A. Castravechi (Lu), “fia de Xô dito”

e nossa musa Clio inspiradora, dona de uma personalidade cativante, doce e

ao mesmo tempo sincera; Ruan G. de Almeida Vital (Nito) e Léo Floriano,

“parças” de filmes e bagunças, meus amigos mais presentes; Rhaissa M. B.

Lobo (Tissa), mulher de fibra, uma alma linda e forte; Fernanda Queiroz de

Menezes (Mineira) e seu esposo Vitão, obrigado por sempre me receberem

com muito carinho em sua casa; Prof.ª Dra. Beatriz Feitosa (Bia),

extremamente amável e uma pessoa que tenho imensa admiração; Silvana

Ferrai Leite (pexinha), a ruiva mais divertida dos Estados Unidos; Mauro

Alcântara; Natália Madureira (Naty); Gisele O. Umbelino (Gi), obrigado pela

ajuda com as revisões ortográficas; Tiago Viera de Melo (Titi); Alencar

Cardoso da Costa; e Andrielly Natarry Leite (Dry) que compartilhou comigo

de preciosas referências bibliográficas e metodológicas.

Agradecimentos plenos de bons sentimentos aos meus outros

amigos e irmãos na vida, Luis Marcelo do Espírito Santo Costa e sua mãe

Gumercinda Leandra do Espírito Santo (uma segunda mãe para mim), Ruthe

Bispo Sales, Naiara Aparecida Cristina Gomes, Thargus Martins Bertholine,

Larissa S. Alvim, Carlos Eduardo Leite, Leonardo Melo de Oliveira e Samira

Rajab. Aos meus amáveis padrinhos, Gilda Neves de Oliveira e Wilson de

Oliveira, por sempre estarem ao meu lado nos momentos mais difíceis. Ao Sr.

Acomerques Costa e Silva e sua esposa Rosilene, que sempre acreditaram em

meu potencial e garantiram meus estudos em instituições fundamentais para

Page 9: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

a minha formação.

E aos meus colegas do Ministério Público do Estado de Mato

Grosso, especialmente ao Procurador de Justiça - Paulo Roberto Jorge do

Prado, Cláudia Di Giácomo Mariano – Diretora Geral, minha Chefinha - Katiucy

Albuquerque, Gerson N. Barbosa, Eunice Helene R. de Barros, Maria Ap.

Leite, João Pedro de Campos Filho, Lúcia C. Cuiabano, Loaci A. Cavalcanti,

Giseli C. de Souza, Silvana S. Rodrigues e Lucinéia N. de Oliveira Sá.

Externo ao final minha gratidão mais cara e cheia de saudades,

revertida para minha mãe Lindaura Aparecida Adão, uma mulher guerreira e

de fé, que me deu forças e estímulos para abraçar a vida, para lutar e realizar

sonhos e seguir meus caminhos com dignidade, compromisso, liberdade e

sem jamais se enganar.

Page 10: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

Por um mundo onde sejamos socialmente iguais,

humanamente diferentes e totalmente livres.

Rosa Luxemburgo.

Page 11: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Grafia do título do Jornal “O Matto Grosso”, Caderno: 184, 18 fev.

1937................................................................................................................70

Imagem 2: Grafia do título do Jornal “A Cruz” em 1939, Caderno: 1375, 12

fev. 1939..........................................................................................................74

Imagem 3: Dom Aquino Corrêa, Jornal “A Cruz”, Caderno: 1182, 15 mai.

1935................................................................................................................75

Imagem 4: Propaganda vinculada no jornal “A Pena Evangélica, n.: 492,13

mar. 1937........................................................................................................76

Imagem 5: Grafia do título do Jornal “A Pena Evangélica” em 1942, n.: 743,

10 jan. 1942....................................................................................................77

Imagem 6: Grafia do título do Jornal “Alliancista” em 1937, Edição n.: 1, 10

out. 1937.........................................................................................................77

Imagem 7: “Presidente Getúlio Vargas e seu aniversário natalício”, Jornal “A

Cruz”, Caderno: 1527, 19 abr. 1942..............................................................187

Page 12: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 14

CAPÍTULO I ........................................................................................... 34

Imprensa, anticomunismo e o arquivo ................................................. 34

Imprensa: desenvolvimento, percalços e desafios de seu

processo modernizador ............................................................... 34

Escrita e persuasão: a imprensa como plataforma privilegiada dos

intelectuais .................................................................................. 45

Imprensa, anticomunismo e as diferentes expressões políticas no

Brasil de 1930 a 1945 .................................................................. 50

Imprensa em Mato Grosso e o arquivo de periódicos ................ 65

CAPÍTULO II .......................................................................................... 80

Mitologia conspiratória anticomunista nos jornais de Cuiabá .............. 80

Cultura política, conceitos e possibilidades de análise ............... 80

O mito da conspiração e a construção do outro: “a luta do bem

contra o mal”. .............................................................................. 84

As expressões políticas e culturais do anticomunismo no Brasil 91

Anticomunismo e a reação católica contra o mundo moderno

liberal ........................................................................................... 94

Anticomunismo e a articulação protestante em torno da

modernidade e do progresso .................................................... 104

Contra a degeneração moral: anticomunismo cristão .............. 109

CAPÍTULO III ....................................................................................... 143

Anticomunismo entre o nacionalismo, o liberalismo e o Estado Novo

........................................................................................................... 143

Anticomunismo na escala nacionalista e liberal ........................ 143

Page 13: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

Os “traidores” da Pátria – O perigo vermelho afronta a nação 148

Comunismo – A utopia “extremista” frente às ideias liberais ... 170

Anticomunismo e o Estado Novo na imprensa religiosa cuiabana

................................................................................................... 185

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 197

FONTES/JORNAIS PESQUISADOS.........................................................200

REFERÊNCIAS. ..................................................................................... 200

Page 14: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

14

INTRODUÇÃO

A imaginação coletiva é um recurso poderoso que mobiliza a

sociedade entorno de propósitos e crenças. Envolta de sentidos e

explicações, a imaginação repercute diversas visões de mundo, sejam elas

individuais ou coletivas. O filósofo polonês, Bronislaw Baczko1, entende o

imaginário coletivo como um artifício capaz de criar sentidos e narrativas

influentes na acomodação da vida em sociedade, direcionando condutas,

funções, posições sociais e modelos a serem adotados. Com seu auxílio se

fabricam mitos, monumentos, tormentas, identidades e as “fronteiras” que

demarcam as diferenças entre nós e o outro.

O âmbito do político também recepciona e constrói imaginários,

já que não é um espaço restrito às percepções racionais e pragmáticas,

conduzido apenas pelas estratégias e disputas em torno do poder. Imerso na

realidade global da sociedade, o universo político se embriaga de cores,

símbolos, tradições, sonhos, utopias, ódio, ressentimentos e compaixões.

É nesse sentido que historiadores como René Rémond2 e Serge

Berstein3 defenderam a tratativa dos estudos sobre o político em vigoroso

diálogo com as diversas dimensões sociais, inclusive a cultural. Pois, as

fronteiras do político não estão cercadas por uma muralha que o separa do

inconsciente e das emoções coletivas. É uma realidade de consistência

própria, mas conectada e influente sobre toda a esfera privada e pública da

sociedade e que:

Ora ele se dilata até incluir toda e qualquer realidade e

1 BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. 2 RÉMOND, René. Uma História Presente. p. 13-36. In: RÉMOND, René (org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV editora, 2003. 3 BERSTEIN, Serge. A cultura política. p. 349-363. In: RIOUX, Jean-Pierre e Jean-François Sirinelli. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1988. ´p. 349-363.

Page 15: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

15

absorver a esfera do privado: este é o traço das sociedades totalitárias. Ora ele se retrai ao extremo. Essas variações obedecem a necessidades externas; refletem também as flutuações do espírito público.4

O historiador francês Raoul Girardet é outra relevante referência

dessa perspectiva. Seus estudos, em “Mitos e Mitologias Políticas” de 19875,

contribuíram com instigantes análises sobre os imaginários políticos e a

constituição de narrativas mitológicas acerca do outro e das realidades

sociais e políticas.

Nessa obra, Girardet atenta-se para a constituição do universo de

sentidos que se expressam na busca do salvador e na construção dos mitos

políticos. O autor acredita que tais manifestações se identificam de forma

mais intensa em momentos de profundas transformações, como as rupturas

políticas, revoluções, contrarrevoluções ou no estabelecimento de governos

totalitários. Dessa maneira, defende que o surgimento e a dinâmica dos mitos

políticos ocorrem prevalentemente como resposta e explicação aos

momentos de grandes crises, disputas e conflitos sociais, a fim de estabilizar

ou mesmo provocar as transformações da ordem corrente.6

A primeira metade do século XX foi um desses momentos de crise,

onde, de acordo com o historiador Eric Hobsbawm, ocorreu o profundo

desgaste das ideologias e instituições políticas da sociedade liberal burguesa

do século XIX.7 No Brasil, esse contexto se constituiu em grandes tensões

perante uma República pressionada internamente por movimentos que

4 RÉMOND, René. Do político. In: ______. (org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV editora, 2003, p. 442. 5 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 6 Idem. 7 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX, 1914-1191. Companhia das Letras, São Paulo, 2013, p. 112.

Page 16: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

16

reivindicavam renovações e rupturas com as antigas expressões oligárquicas

nacionais e regionais. Dentre essas tendências de ruptura, surge, em 1922, o

Partido Comunista do Brasil (PCB), ligado à III Internacional8, refletindo não

apenas o anseio por mudanças na composição política brasileira, mas

também aspirações revolucionárias de inspiração marxista-leninista e em

contestação às bases econômicas e sociais capitalistas.

É nesse contexto de intensas mudanças e rearranjo das forças

políticas e sociais que esta pesquisa se dedica aos anos de 1930 a 1945,

marcados pela inserção de novos protagonistas políticos. Contudo,

inicialmente não havia consenso sobre quais novas diretrizes o país deveria

seguir. E em relação à emissão das propostas comunistas, diversos setores

sociais e políticos estiveram sistematicamente em vigilância e oposição aos

anseios dessa ideologia política, assinalando um enfrentamento ativo

denominado de anticomunismo. Essa ação oposicionista propagou uma série

de mitos sobre o comunismo e seus partidários, alastrando um antagonismo

que circunscreve por diversos anos a história política brasileira.

Essa manufatura mitológica foi e é tecida com a ajuda de

diferentes suportes discursivos9, com o intuito de produzir e difundir

8 Importante destacar que, no ano de 1919, houve no Brasil a fundação de um Partido Comunista confluente das concepções libertárias da revolução russa, mas ainda muito ligado ao movimento anarquista brasileiro. Entretanto, as contradições entre as propostas do anarquismo e as concepções marxistas acabaram promovendo um processo de cisão entre seus intelectuais e militantes. Isso levou à constituição de um novo Partido Comunista, em 27 de março 1922, este sim ligado à III Internacional e tendo como um de seus principais fundadores o jornalista Astrojildo Pereira. Cf. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 251-282. 9 Michel Foucault ao pensar o discurso refuta sua compreensão como a de mera representação, mas sim um aparato de enunciados que constituem um campo discursivo estabelecido dentro de um espaço e tempo. Dessa maneira, Foucault acredita que para entender os discursos e seus enunciados, não se pode basear na simples interpretação textual e semântica, ou ainda, na identificação do que está oculto dentro de um determinado texto. Sua proposta vai além, tendo o discurso como um aparato de imagens, textos, falas e representações engendradas por diversas relações de poder e por seus campos de disputas. Assim, os discursos não são meros reflexos de ideias, são concepções

Page 17: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

17

“verdades” que são construídas e repercutidas pelas instituições, pela

ciência, pelas tradições religiosas, pela política e nas relações sociais em

modo geral. No caso deste trabalho, o destaque se dá aos meios de

comunicação, especificamente à imprensa, que são reconhecidos pelo

filósofo e historiador Michel Foucault como um dos produtores dominantes

de regimes de verdades, um espaço de poder privilegiado que se utiliza de

determinadas regras e saberes para difundir explicações e “certezas” sobre a

realidade.10

A imprensa nacional e regional, expressa por uma variedade de

agentes do campo intelectual, religioso e político, utilizou-se desse espaço

privilegiado para difundir suas “verdades” discursivas sobre o comunismo,

com o interesse de alertar sua população sobre o que considerava ser uma

ideologia perigosa e ilusória.

Assim, esta dissertação propõe analisar as construções

mitológicas sobre esse outro, o comunismo, na imprensa cuiabana dos anos

de 1930 a 1945, período em que o anticomunismo se intensificou no Brasil.

Ato contínuo, pretende-se compreender a interação dos aspectos locais com

contextos mais abrangentes, no intuito de evidenciar as singularidades e

similaridades dessa manifestação política em comparação com o restante do

país.

Segundo Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva, no século

XIX, diante do quadro de exploração dos trabalhadores, reflexo da Revolução

Industrial, os ideais comunistas ganharam destaque entre alguns

de verdade arqueologicamente formadas. Essa produção discursiva, como afirma Foucault em “A ordem do discurso”, é: “controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos”, com o intuito de estabelecer o domínio dos acontecimentos. Cf. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 8-9. 10 __________. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Gral, 2012, 30. reimp, p. 13.

Page 18: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

18

pensadores11. Mas somente com Karl Marx e Friedrich Engels se construiu

um pensamento teórico comunista coligado a uma ação política prática e

revolucionária que ansiava suplantar o capitalismo. É o denominado

“socialismo científico”, distinto das propostas utópicas que acreditavam na

passagem impassível entre o modelo capitalista para o comunismo.12

O comunismo idealizado por Marx e Engels – como teoria

fundamentada entre a prática e a atuação política dos trabalhadores, no

intuito de modificar a realidade e estabelecer uma sociedade sem classes –

ganha novos contornos com Vladimir Lenin e a Revolução Russa, pois passa-

se a pensar a estruturação prática de um Estado comunista. Lenin,

amparando-se nas ideias de Marx, defende a constituição de um modelo de

transição, primeiramente de uma fase classificada de socialismo, apoiada na

conquista do poder pelo proletariado, mas ainda com divisões de classes.

Portanto, o socialismo seria um percurso inicial que, quando aperfeiçoado,

chegaria a constituição de uma sociedade sem a “dominação do homem

sobre o homem”13, alcançando, assim, o comunismo e o corpo social sem

classes.

As ideias e propostas do comunismo repercutiram na

concretização de importantes lutas e movimentos políticos e sociais, como a

Revolução de Outubro na Rússia de 1917. Já o mundo ocidental e capitalista

do século XX o tratou como uma grande ameaça a ser combatida:

11 O comunismo possui princípios que são encontrados desde a Antiguidade, ou ainda no Cristianismo Primitivo, estabelecendo a defesa de uma vida comunitária e combate à doutrina de riqueza e acumulação incessante de bens. Na Idade Moderna, diante da ascensão da burguesia, intelectuais como Thomas More (1478-1535) pensaram na possibilidade de construir uma sociedade utópica e sem propriedade privada, que deveria pertencer ao Estado, e onde os trabalhadores viveriam apenas para a sua subsistência. Cf. SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique Silva; Dicionário de Conceitos Históricos. 2.ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009, p. 70-74; 12 Idem. 13 Idem.

Page 19: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

19

O que para algumas pessoas era a concretização de um sonho dourado, para outras era um pesadelo tomando formas reais. O comunismo despertou paixões intensas e opostas: de um lado, o dos defensores, encaravam-no como revolução libertadora e humanitária, que abriria acesso ao progresso econômico e social; de outro ponto de vista, o dos detratores, viam-no como uma desgraça total, a destruição da boa sociedade e a emergência do caos social e do terror político.14

No Brasil, a Revolução Russa inspirou diversas organizações

operárias e movimentos anarquistas e socialistas, tendo inclusive

influenciado greves e manifestações dos trabalhadores entre os anos 1917 e

192015. De acordo com Moniz Bandeira, Clovis Mello e A.T. Andrade, na obra

“O ano vermelho”, esse alcance se expressou inicialmente de maneira

confusa, pois proletariados e lideranças socialistas, em sua maioria ligadas ao

movimento anarquista, não assimilaram de forma imediata as propostas dos

bolcheviques russos. O desconhecimento das diretrizes de Marx e Engels

gerou uma ambiguidade de concepções que incluíam o anarquismo de M.

Bakunin e Kropotkin, e o comunismo utópico. No entanto, a revolução

bolchevique trouxe vigor às lutas operárias brasileiras, introduzindo

14 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho – O Anticomunismo no Brasil (1917-1964). Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 2000, p. 5. 15 Uma série de greves e levantes promovidas por trabalhadores, originadas de forma espontânea e sem um plano ou direcionamentos bem definidos e organizados, repercutiram pelo país entre os anos de 1917 e 1920, em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco e inclusive Mato Grosso. Tais manifestações se estabeleceram em um momento de crescimento dos centros urbanos e industrialização brasileira estimulada pela Primeira Guerra Mundial. Patrões e donos das fábricas impuseram um processo de exploração violenta sobre a massa de operários, criando um contexto de insatisfação geral dos trabalhadores. Esses operários, incluindo mulheres grávidas, idosos, enfermos e crianças, eram obrigados a trabalhar em um violento regime de trabalho de 10 a 12 horas por dia, com salários muitas vezes atrasados e em péssimas condições sanitárias e de segurança. Esse cenário era agravado em virtude da ascendente piora da vida dos trabalhadores urbanos, pressionados com a elevação dos preços dos aluguéis e de itens básicos de consumo, como os alimentos. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 51.

Page 20: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

20

gradativamente novas ideias e estratégias da agenda revolucionária

comunista.16

Por outro lado, a reação à Revolução proletária russa foi imediata

em diversas partes do mundo: corporações industriais, imprensa burguesa,

potências imperialistas liberais, bem como a elite dominante brasileira,

objetivaram reprimir com agressividade a propagação da revolução. Reação

essa que ocorreu seja internamente em seus países, reprimindo os

movimentos revolucionários internos17. Seja por meio do patrocínio

financeiro e bélico do Ocidente às forças contrarrevolucionárias russas,

durante a Guerra Civil de 1918 a 1920.18

A reação também foi encampada por meio da imprensa. Os

autores de “O ano vermelho” demonstraram que, mesmo antes do processo

revolucionário se consolidar, uma série de informações falsas e conspiratórias

foram propagadas por agências telegráficas dos Estados Unidos e da Europa

e amplamente repercutidas nos jornais brasileiros: “as classes dominantes

inventaram toda a sorte de infâmias, contra o primeiro Estado proletariado.

A guerra fria principiou antes mesmo da intervenção militar, promovida pelos

aliados, na República dos Sovietes.”19

Essa oposição entre os adeptos do comunismo e os

16 Ibid., p. 140-146. 17 No Brasil, os movimentos grevistas de 1917 a 1919, por exemplo, apesar das poucas conquistas, como o aumento de salários, sofreram reações sistemáticas de desarticulação impetradas por donos de fábricas e governos estaduais e federais. Para tanto, instaurou-se um processo violento de perseguição com prisões e deportação das principais lideranças, fechamento de uniões operárias e proibição de circulação dos jornais operários ou daqueles que apoiassem as manifestações dos trabalhadores. Essas ações foram permitidas pelo estabelecimento do estado de sítio, suprimindo, assim as garantias básicas de direito. Houve também, intensa repressão policial às manifestações de greve, promoção de demissões em massa e articulação de uma campanha, via imprensa, que objetivava desacreditar e combater o incipiente processo revolucionário. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 48-72. 18 Cf. HOBSBAWM, Eric. Op. cit., 2013, p. 70. 19 Idem, p. 111

Page 21: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

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anticomunistas se deflagrou em quase todo século XX, influenciando

significativamente os rumos políticos de diversas partes do globo,

No decorrer do século XX, o conflito opondo comunismo e anticomunismo ocupou posição central, colocando-se como elemento destacado na dinâmica política, cultural e nas relações internacionais. Não é possível compreender os acontecimentos mundiais dos últimos decênios sem levar em consideração os embates em torno da utopia comunista.20

Os projetos e concepções do modelo marxista-leninista que

deram origem e base ao bolchevismo e ao projeto soviético foram

classificados de forma bastante temorosa e combativa por diferentes setores

da sociedade brasileira. Nesse sentido, em diálogo com Motta, é necessário

entender o anticomunismo de forma heterogênea, onde distintos grupos

como católicos, liberais, militares e outros projetos sociais e políticos

elaboraram diferentes visões e estratégias de enfrentamento ao comunismo.

Contudo, Motta constata que esses setores diversos e divergentes, em

momentos raros e de tensão, onde trataram a ameaça do comunismo como

crítica, realizaram ações conjugadas promovendo “verdadeiras ‘frentes

anticomunistas’ ”.21

Para a historiadora Carla Luciana Silva, a reação e preocupação

perante a consolidação da Revolução Russa e instituição da União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foi imediata, na década de 1920, por

parte dos setores dominantes da sociedade brasileira, como: o Estado,

políticos, pensadores, empresários e a Igreja Católica. No entanto, a

historiadora acredita que o anticomunismo no Brasil se intensifica a partir de

1930, ganhando formas mais claras e vinculadas a uma tradição

20 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 5-6. 21 Idem, p. 4.

Page 22: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

22

conservadora e autoritária22. Isso tudo, situado em um contexto onde o

governo e outros setores dominantes da sociedade ansiavam controlar as

reivindicações dos trabalhadores brasileiros.23 Esses setores compartilhavam

da visão de que era preciso constituir o domínio das “massas”,

institucionalizando suas organizações junto ao Estado24, a fim de impedi-las

de compartilhar ideias revolucionárias e questionadoras do status quo, ideais

estes representativos do comunismo.

Em geral, conservadores e anticomunistas brasileiros temiam que

a ascendente população de trabalhadores urbanos se alinhasse plenamente

às organizações sindicais e aos movimentos políticos de esquerda. Diante

disso, compreendiam que era preciso controlar as “massas”, em sintonia com

às percepções do Estado. O intuito era forjar a harmonia social em oposição

ao comunismo e às propostas que desafiassem a sustentação de uma ordem

22 Segundo Mario Stoppino, pode-se definir o autoritarismo moderno como doutrinas antirracionalistas e anti-igualitárias, que defendem uma organização social marcada pela diferença e desigualdade, justificada pela “vontade de Deus e consolidadas pelo tempo e pela tradição ou impostas inequivocamente pela sua própria força e energia interna”, é marcada por três diferentes aspectos: “Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas. Em sentido psicológico, (...) acoplamento de duas atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores, incluindo por vezes o obséquio e a adulação para com todos aqueles que detêm a força e o poder; de outra parte, a disposição em tratar com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles que não têm poder e autoridade. As ideologias autoritárias, enfim, são ideologias que negam de uma maneira mais ou menos decisiva a igualdade dos homens e colocam em destaque o princípio hierárquico, além de propugnarem formas de regimes autoritários (...)” Cf. STOPPINO, Mario. Autoritarismo. In.: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola e; PASQUINO, Gianfranco (Org). Dicionário de Política – 11º ed. Volumes 1 e 2, Fundação Universidade de Brasília, Brasília/DF, 1998, p. 94-104. 23 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros. Porto Alegre: Ed. da PUC-RS, 2001, grifo nosso. 24 Cf. GOMES, Angela De Castro. Trabalhismo e Corporativismo. In.: ______. A Invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 237-264.

Page 23: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

23

social historicamente excludente: “Em termos gerais, o anticomunismo

brasileiro apareceu junto com os movimentos populares, manifestações e

greves, os quais independem via de regra da história dos partidos comunistas

ou movimentos anarquistas”.25

Desta maneira e partilhando do olhar de Silva, compreende-se o

anticomunismo para além de uma mera oposição a um partido ou grupos

políticos que tenham vinculação com os projetos marxistas. Segundo a

historiadora, o anticomunismo no Brasil representa um processo discursivo

autoritário e de aspectos totalitários26 que impôs, por meio de jornais, livros,

sermões eclesiásticos, discursos e propostas políticas, imagens de terror e

medo contra qualquer propositura que ameaçasse a ordem social vigente.

Ou seja, por meio do anticomunismo se identificava um opositor generalista,

sendo qualquer cidadão “subversivo” que contrariasse a constituição de uma

sociedade assinalada pelo conservadorismo27:

25 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 47. 26 Carla Luciana Silva se baseia nas definições de Hannah Arendt acerca dos conceitos de totalitarismo. A argumentação de Silva estabelece que governos com aspectos totalitários se concretizam na medida em que haja uma sociedade com tendências totalitárias: “a existência de movimentos totalitários, ou seja, totalitarismo não se restringe à existência de um Estado detentor de um projeto totalitário. Uma dada sociedade, em dada época pode apresentar tendências totalitárias, o que poderá levá-la a encaminhar a existência de um Estado com características totalitárias”. Cf. SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros. Porto Alegre: Ed. da PUC-RS, 2001, p. 43. 27 O pensamento conservador, nas considerações de Karl Mannheim, está em oposição ao pensamento baseado no direito natural do século XVIII que delimitou os direitos básicos e naturais a todos os indivíduos e sociedades, como: a doutrina do contrato social, da soberania popular e os direitos inalienáveis ao homem (vida, liberdade, propriedade, o direito de resistir à tirania). O Direito Natural apresenta princípios racionais, gerais e de validade estática e universal a todos os indivíduos e sem distinções. Nesse sentido, o pensamento conservador é crítico e oposto às inovações políticas e sociais transmitidas pelo iluminismo e pela Revolução Francesa. A ênfase dada ao indivíduo pelos pressupostos iluministas é um problema na visão dos conservadores, pois defendem a percepção de Estado ou nação não como um conjunto e reunião de indivíduos, mas sim o contrário, onde os indivíduos fazem parte de um todo, um domínio amplo e nacional, onde o termo “nós” se sobrepõe ao “eu”. Para o pensamento conservador, portanto, existe uma unidade nacional, um povo, devotado ao seu passado, leis, costumes, linguagem e à sucessão de suas gerações. Nega-se, dessa forma, o indivíduo e o individualismo. Nega-se também o primado da razão iluminista, e em substituição valorizam a história, vida e a nação, uma vez

Page 24: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

24

o inimigo que estava sendo construído tinha elementos totalitários, o que se percebe pela imprecisão histórica do “inimigo”. Os valores conservadores e reacionários sobre os quais estava fundada a sociedade são fundamentais para compreendermos como se processava a aceitação disso e a percepção de que a organização comunista era algo fantasmagórico e perigoso, aceitos de forma geral pela cultura política do período. As manifestações de oposições às atitudes do governo, ou se davam dentro das representações existentes – os partidos elitistas liberais ou conservadores – ou eram consideradas subversivas à ordem estabelecida.28

Assim, o anticomunismo sistematiza um discurso que não

necessariamente se dirigia aos militantes comunistas, mas que poderia se

estender a toda e qualquer manifestação conflitante com os interesses das

camadas detentoras de poder político e econômico. E em distintos

momentos da história brasileira, o anticomunismo incidiu-se como forma de

respaldo para a instauração de políticas conservadoras impetradas pelas

elites, produzindo um imaginário político e social que deu parte da

sustentação e legitimidade a projetos autoritários como: o Estado Novo

(1937-1945) e o golpe militar de 1964 que projetou uma ditadura sangrenta

com mais de 20 anos de duração.

Precisamente, durante os governos de Getúlio Vargas, nas

décadas de 30 e 40, o anticomunismo fez parte de um projeto político e social

extremamente conservador, “avesso à convivência pluralista e

diversificada”29 e que ambicionava forjar uma unidade nacional sem conflitos

que não acreditam em modelos universais de instituições e de direitos, possíveis de serem aplicados em lugares distintos. Cf. MANNHEIM. Karl. Sociologia (coletânea). Org. FORACCHI, Marialice Mencarini; [tradução: WILLEMS, Emílio; ULINA, Sylvio; MARCONDES, Cláudio; seleção e revisão técnica da tradução: FERNANDES, Florestan]. São Paulo: Ática, 1982. 28 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 34-35. 29 SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1984, p. 181.

Page 25: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

25

e discordâncias. O objetivo era promover a homogeneização da moralidade,

da cultura, da língua, da ideologia e a “eliminação de quaisquer formas de

organização autônoma” e que não estivessem alinhadas ao Estado30,

principalmente o comunismo. Todavia, não apenas o Estado objetivou

promover esse projeto de identidade nacional uniforme e autoritária, tal

visão também era difundida e assimilada por integrantes religiosos,

intelectuais, partidos, movimentos políticos e pela imprensa. Assim, cresceu

o apoio entre as representações conservadoras da sociedade pela instituição

de um Estado antidemocrático e “forte”, capaz de repreender e afastar as

vozes discordantes e destoantes do domínio hegemônico.

A Ação Integralista Brasileira (AIB), criada em 1932, foi uma dessas

expressões políticas que partilharam de projetos e concepções autoritárias,

identificando-se com um modelo de nacionalismo rígido, pautado na

formação de uma sociedade uniforme e hierárquica, e com os discursos e

fundamentos dos governos nazifascistas. Apesar de referências, como a do

cientista político Hélgio Trindade31, que compreendem o integralismo como

uma das expressões fascistas da década de 1930, entende-se aqui que esse

foi um movimento político de massas organizado e estruturado em nível

nacional32, inclusive no estado de Mato Grosso33, com características

particulares e mesmo distintas das expressões fascistas italianas. Para

Rodrigo Santos de Oliveira, a identidade política do integralismo era definida

30 Ibid., p. 181-182. 31 TRINDADE, Hélgio. Integralismo – O Fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974. 32 Cf. OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Imprensa Integralista, Imprensa Militante (1932-1937). 2009. 388 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, PUC-RS, Porto Alegre, 2009, p. 14. 33 Cf. ATHAIDES, Rafael; PEREIRA, Luciana Agostinho. A Ação Integralista em Mato Grosso (1933-1937). In.: BERTONHA, João Fábio (Org.). Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil Integralismo, fascismos e repressão política. Maringá: Eduem, 2013; e ADÃO, Rafael. Integralismo e Anticomunismo no Jornal “A CRUZ”, Cuiabá: Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em História, UFMT, 2013.

Page 26: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

26

pelo antiliberalismo, espiritualismo (em oposição às concepções

materialistas, defendendo as bases e direcionamento de uma sociedade

cristã) e pelo o combate febril ao comunismo34.

Dessa forma, este trabalho almeja promover as análises da

repercussão do anticomunismo em Cuiabá, capital de Mato Grosso,

pensando conjuntamente a ascensão das propostas autoritárias nas décadas

de 1930 e 1940, repercutidas no Brasil, por exemplo, com a instauração do

regime ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas. E, internacionalmente

com a escalada de concepções e governos extremistas – como a Itália fascista

de Benito Mussolini e a Alemanha nazista de Adolf Hitler. Contudo, o recorte

temporal proposto nesta pesquisa não desconsidera as expressões

anticomunistas anteriores a esse contexto.

E no sentido de estruturar os enunciados e imagens do

anticomunismo presentes nos jornais de Cuiabá, aproxima-se da perspectiva

de Lawrence Stone35, que percebe o uso da narrativa como um importante

instrumento capaz de superar uma explicação puramente determinista ou

monocausal, muito característica de uma história estritamente estruturalista.

Portanto, este trabalho ambiciona projetar uma história que não é medida

estritamente por números, dados, ou pela “lei” das estruturas sociais e

econômicas. É antes de tudo, uma pesquisa que almeja entender as

sensibilidades e contradições dos indivíduos e da sociedade, suas

construções mitológicas, crenças, ideias e imaginários. Tal como, abranger o

desenho dos interesses e estratégias das diferentes culturas políticas

existentes dentro do contexto social e histórico da Cuiabá dos anos 30 e 40.

Nessa concepção, entende-se que o anticomunismo não foi

34 OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Op. cit. 35 STONE, Lawrence. O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história. In: Revista de História. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1991.

Page 27: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

27

produzido de forma estritamente consciente, como um “artifício” puramente

estratégico. Mas sim, em diálogo com Raoul Girardet36, é possível mesmo

compreendê-lo como uma construção mitológica que investiu sobre outro

uma construção narrativa conspiratória. Essa “trama” imagética e simbólica

incorporou elementos do imaginário ocidental, já há muito tempo difundidos

e envoltos dos medos mais profundos e inconscientes da sociedade.

Compreende-se, portanto, que as narrativas mitológicas anticomunistas

criadas historicamente no Brasil possuem aspectos subjetivos com o poder

de influenciar e trazer explicações sobre os acontecimentos, crises e tensões

políticas e sociais.

Como já mencionado, os impressos se constituíram como

instrumentos privilegiados na difusão do anticomunismo e, portanto, dentro

de um percurso metodológico, são fontes e objetos de pesquisa

fundamentais para compreender sua difusão e construção mitológica.

Desde a década de 1970, vem crescendo significativamente no

Brasil o número pesquisas na área da História que prestigiam os periódicos.

Isso advém, segundo Tania Regina de Luca, em “História dos, nos e por meio

dos periódicos”, em consequência de olhares cada vez mais atentos aos

aspectos culturais no processo de análise histórica, o que levou ao prestígio

de outras fontes para a compreensão de uma história mais local e que

vislumbra novos personagens. Dessa maneira, panfletos, revistas, jornais e

impressos ganharam mais destaque e espaço, simultaneamente à

consolidação de uma história com novas abordagens, objetos e problemas,

diversificando as pesquisas e enriquecendo suas análises.37

A mesma autora aponta para a renovação da História Política,

36 GIRARDET, Raoul. Op. cit. 37 DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla. Fontes Histórica. Bassanezi, Editora Contexto, São Paulo SP; 2008, p. 111-115.

Page 28: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

28

elencando René Rémond e Edward P. Thompson como colaboradores de um

novo momento deste campo da história. Também os historiadores dessa

nova História Política têm prestigiado jornais e revistas como importantes

fontes de pesquisa, já que nelas podem-se observar os registros e

representações diárias dos lances e “dos embates na arena do poder”.38

Não obstante, e ressaltando as propostas teóricas e

metodológicas presentes no artigo “Na oficina do historiador: conversas

sobre história e imprensa” de Heloisa de Faria Cruz e Maria do Rosário da

Cunha Peixoto: é preciso tratar a imprensa não como mero assessório da

história política e social, repercutindo em suas páginas o dia a dia dessas

esferas, mas como uma força atuante e influente na instituição de “nossos

modos de vida, perspectivas e consciência histórica”.39

Para Cruz e Peixoto, é função central problematizar as articulações

da imprensa em relação aos diversos momentos históricos e a compreendê-

la como parte do processo “de constituição, consolidação e reinvenção do

poder” da burguesia dentro das sociedades modernas capitalistas, refletindo,

assim, os diferentes contextos e produções hegemônicas. Ou seja, tratar a

pesquisa nessa perspectiva permite tomar a imprensa como “força ativa da

história do capitalismo e não como mero depositário de acontecimentos nos

diversos processos e conjunturas”40.

Dessa forma, permite-se concentrar os esforços não para a

partilha de uma história linear sobre a imprensa, mas uma análise atenta às

especificidades históricas como: o surgimento dos primeiros jornais e de uma

sociedade moderna, juntamente a “uma esfera civil pública nas sociedades

38 Ibid., p. 128. 39 CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. In.: Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC, n. 35, São Paulo: EDUC, 2007. p. 259; 40 Idem.

Page 29: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

29

burguesas emergentes”; ou a constituição de grandes conglomerados de

empresas de comunicação, dotados de “poder econômico e político,

decisivos para o atrofiamento do espaço público e democrático na

contemporaneidade”.41

No Brasil, desde o século XIX e início do XX, os periódicos,

sobretudo nos ambientes urbanos, se constituíram repercutindo múltiplos

interesses, não apenas do grande empresariado, capaz de financiar vultuosas

redações, maquinários e editoras. Havia também pequenas e médias oficinas

de imprensa ligadas a operários, imigrantes e diversos grupos políticos e

religiosos que fizeram de seus impressos instrumentos políticos e de

produção cultural.42 Nesses parâmetros, o processo investigativo deve ser

capaz de delinear os espaços de produção da imprensa, como redações,

associações e editoras. Em conjunto, mapear seus escritores e as

reproduções de outras publicações, em nível nacional e regional, além de

estruturar seus parceiros e sua relação com o Estado.

De acordo com Jean-François Sirinelli, jornais e revistas são

projetos coletivos, resultados da união de várias pessoas em torno de

crenças, ideias e valores em comum.43 Portanto, os periódicos devem ser

avaliados sob inúmeros aspectos, e não apenas sob o ângulo de seus

escritores e textos. Por conseguinte, algumas questões são fundamentais a

serem avaliadas no processo investigativo das publicações, que envolvem: I)

seu financiamento; II) sua linguagem; III) suas peças publicitárias; IV) que

grupo (s) o(s) representava(m) e os intelectuais associados; V) sua tiragem;

VI) suas técnicas de impressão; VII) para qual grupo social era dirigido; VIII)

seu formato e disposição gráfica – notícias, manchetes, ilustrações; IX) e sua

41 Ibid. 42 Idem, p. 119-121. 43 SIRINELLI, Jean-Francois. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV editora, 2003, p. 249.

Page 30: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

30

periodicidade,

As ambiguidades e hesitações que marcam os órgãos da grande imprensa, suas ligações cotidianas com diferentes poderes, a venalidade sempre denunciada, o peso dos interesses publicitários e dos poderosos do momento também podem ser apreendidos a partir de determinadas conjunturas44.

Porém, é importante ressaltar os limites para abstração de todas

essas informações nos periódicos selecionados para esta pesquisa, tendo em

vista que esses impressos não estão mais em circulação e a composição dos

dados de seus bastidores, financiamento e circulação estão, em parte,

prejudicadas. Observa-se ainda que tais jornais omitiram diversas

informações acerca de sua tiragem por edição e é comum encontrar textos

sem o registro do seu autor. Contudo, tais obstáculos não impedem de

constituir um procedimento metodológico crítico e que permita um olhar

analítico para além da avaliação semântica posta nos textos dos impressos.

Deste modo, o objetivo é estar atento para outras questões

inseridas nos periódicos, como por exemplo: sua intencionalidade, seus

posicionamentos políticos, a conjuntura econômica na qual fez parte, sua

articulação com movimentos culturais e sua repercussão social. É um

exercício de historicizar a fonte, definindo suas escolhas e suas funções

sociais45, atento às especificidades de um jornal religioso ou de um jornal

político partidário.

Essa atitude de problematização da imprensa perante o processo

de pesquisa histórica permite superar a construção ideológica e celebrada de

uma imprensa que se reconhece neutra e objetiva. Como Cruz e Peixoto

44 DE LUCA. Tania Regina. Op. cit., p. 130. 45 Idem, p. 132.

Page 31: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

31

destacam, a imprensa trata-se de uma prática constituinte da realidade

social, que contempla formas de pensar e agir, capazes de produzir

generalizações sobre diferentes posições e interpretações, pois em sua ação

“delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem

adesões e consensos”46. Nessa direção, jornais e revistas, desde o século XIX,

atuam para promoverem a divulgação e disseminação de valores,

comportamentos e ideias, instituir memórias, formar uma visão de mundo e

serem “vitrines” para o mercado consumidor.47

Portanto, toda essa postura metodológica e crítica,

problematizando a fonte, precisa estar atenta para os desdobramentos do

âmbito político, social, cultural e econômico das décadas de 30 e 40 do século

XX, compilados nos periódicos da época. Período esse onde a imprensa

brasileira teve sua liberdade cerceada pelo o Estado Novo e mesmo antes da

instauração deste regime. Tal aprisionamento se deu tanto pela via da

repressão, quanto por meio de acordos consensuais ou apoio irrestrito ao

governo e ao seu líder, porém, sem esquecer que houve resistência,

Não há como deixar de lado o espectro da censura. Em vários momentos, a imprensa foi silenciada, ainda que por vezes sua própria voz tenha colaborado para criar as condições que levaram ao amordaçamento. O papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar, seja na condição de propaganda política favorável ao regime ou espaço que abrigou formas sutis de contestação, resistência e mesmo projetos alternativos, tem encontrado eco nas preocupações contemporâneas, inspiradas na renovação da abordagem do político.48

Para tratar de todas essas questões, as exposições dos temas aqui

46 CRUZ Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha, Op. cit., p. 260. 47 Idem, 261-262. 48 DE LUCA, Tânia Regina. Op. cit., p. 129.

Page 32: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

32

tratados se dividem em três capítulos, sendo o Capítulo I, “Imprensa,

anticomunismo e o arquivo”, dedicado à história e historiografia da imprensa

brasileira e mato-grossense durante as décadas de 1930 e 1940, e igualmente

a repercussão do anticomunismo, isso tudo acompanhado da

problematização das fontes a serem analisadas: as publicações religiosas “A

Cruz – Instrumento de Imprensa da Igreja Católica no Estado de Mato Grosso”

e “A Pena Evangélica – Órgão Semanário da Primeira Igreja Presbyteriana de

Cuyabá”; e os impressos de vinculação político-partidária “O Matto-Grosso” -

do Partido Republicano Mato-Grossense e “Alliancista” - da Aliança Mato-

Grossense.

Ante a conjuntura de incertezas, da ascensão de diferentes opções

políticas e de conflitos irreconciliáveis entre essas distintas proposições, se

estabeleceram uma série de mitos políticos49 relacionados ao comunismo.

Nesse contexto, buscamos no Capítulo II, “Mitologia conspiratória

anticomunista nos jornais de Cuiabá”, em diálogo com Girardet, verificar as

“variantes narrativas” publicadas nos periódicos, compostas de inúmeras

“construções morfológicas” que promoveram, sob a perspectiva de certos

interesses, imagens temíveis e conspiratórias sobre grupos e indivíduos50.

Essas narrativas, já bastante dispersas e permanentes na imaginação coletiva

ocidental, também foram incorporadas pelos jornais cuiabanos, impondo

sobre este outro, o comunismo, concepções extremamente negativas e

sombrias e que continuam presentes, mas sob novos contornos, no

imaginário contemporâneo brasileiro.

Ainda no segundo capítulo, são debatidas duas expressões

políticas e religiosas do anticomunismo brasileiro, destacando-se as

enunciações que desqualificaram o comunismo por meio de um discurso

49 GIRARDET, Raoul. Op. cit. 50 Idem, p. 34.

Page 33: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

33

moral cristão no jornal católico “A Cruz” e no presbiteriano “A Pena

Evangélica”. Aqui, o recorte temporal privilegia os anos que antecedem a

instituição do regime do Estado Novo, em 1937.

Já no terceiro e último capítulo, o qual denominado

“Anticomunismo entre o nacionalismo, o liberalismo e o Estado Novo”,

evidenciam-se outras bases para a propagação do combate ao adversário

“vermelho”: o nacionalismo e o liberalismo, com a inserção dos jornais

políticos mato-grossenses: “O Matto Grosso” e “Alliancista”. Contudo, se faz

necessário observar que as publicações religiosas pesquisadas também

fizeram uso das referências nacionais e liberais para combater o comunismo

e que, portanto, são pensadas em conjunto a essa imprensa partidária. Não

se pode omitir ainda, o quanto a investidura do comunismo como uma

entidade de “homens do complô”51, serviu como um dos alicerces para a

efetivação de medidas autoritárias do Estado Novo de Getúlio Vargas,

questão também tratada neste capítulo.

51 Ibid., p. 49.

Page 34: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

34

CAPÍTULO I

Imprensa, anticomunismo e o arquivo

(...) só existe imprensa livre quando o povo é livre; imprensa independente, em nação independente – e não há nação verdadeiramente independente em que seu povo não seja livre.52

Imprensa: desenvolvimento, percalços e desafios de seu processo

modernizador

Para compreender o decurso do tempo, jornais, panfletos e

revistas tornaram-se no Brasil, sobretudo a partir da década de 1970,

importantes instrumentos de investigação para os historiadores. A imprensa

é um instrumento de comunicação, capaz de difundir informações e entreter,

reverberando aspectos tanto do âmbito social e dos costumes, como das

questões econômicas e políticas.

Maria Helena Capelato, na obra “Imprensa e História do Brasil”,

entende que o uso da imprensa como fonte e objeto de análise permitiu

enriquecer as pesquisas do campo da história. Pois, nesse meio de

comunicação encontra-se um compilado de informações sobre cotidiano de

determinada sociedade e/ou época, revelando múltiplos aspectos e

experiências que contemplam não apenas “os ‘ilustres`, mas também os

sujeitos anônimos” 53

Contudo, a imprensa não é uma entidade anônima e abstrata,

composta apenas pelo elixir das palavras. Longe disso, é formada pela

reunião de pessoas capazes de utilizá-la como instrumento de influência e a

52 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 9. 53 CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1988, p. 20.

Page 35: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

35

favor de seus interesses e ideias. Cabe ao historiador percorrer os bastidores

desse “palco” a fim de descortinar o texto e do mesmo modo, repercutir a

ação dos sujeitos dentro de suas determinações, contextos e realidades

sociais.54

Não são numerosos os trabalhos que discutem o papel e o

desenvolvimento da imprensa no Brasil, e grande parte deles centram-se na

repercussão da imprensa nos grandes centros urbanos do país. Destaque

para Rio de Janeiro e São Paulo, referências usuais para as formulações de

generalizações acerca de toda imprensa brasileira. Tal perspectiva impede,

no entanto, a consideração e abrangência das particularidades e diversidades

na produção dos impressos das demais regiões do país.

Dentre os autores que tentaram mapear o desenvolvimento

histórico da imprensa em todo o país evidencia-se o historiador Nelson

Werneck Sodré que, sob o referencial marxista, articulou o desenvolvimento

da imprensa com a ascensão do capitalismo. Para Sodré, estes dois eventos

estão intimamente relacionados, pois ao passo que cidades ascendiam e a

burguesia mercantilista conquistava mais espaço na Europa, exigia-se o

aperfeiçoamento da transmissão de informações: “Como todas as invenções,

a de Guttenberg resultou de necessidade social, que o desenvolvimento

histórico gerou e a que estava vinculada a ascensão burguesa, em seu

prelúdio mercantilista”.55

O acelerado ritmo do capitalismo, aumento da população urbana,

transportes mais velozes e novas tecnologias de impressão foram fatores que

permitiram o crescimento do número de publicações impressas, como os

jornais, e seu maior alcance geográfico e social, auxiliando os projetos

hegemônicos burgueses e a uniformização da sociedade,

54 Ibid. 55 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 2.

Page 36: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

36

Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras linguísticas, de barreiras culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação – tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento.56

Para Antônio Gramsci as classes dominantes estruturam e

universalizam suas concepções de mundo em toda a sociedade por meio de

instituições, como a Igreja, partidos políticos, a escola, a universidades e os

meios de comunicação de massa, ocupadas por intelectuais profissionais.

Assim, os órgãos de imprensa são parte da estrutura ideológica que sustenta

o projeto hegemônico dos grupos dominantes. Pois, a manutenção do poder

por determinada classe dirigente não se estabelece apenas pelo aparato da

coerção e uso da força do Estado. Mas igualmente ou de forma até mais

significativa, por meio da difusão de modelos de autoridade, práticas e

saberes que promovam o consenso social entorno dos propósitos e valores

dos setores sociais dominantes, permitindo a sustentação e aceitação do seu

poder hegemônico entre os grupos próximos e subordinados.57

Grande parte da imprensa brasileira se configurou como aliada

dos interesses dos grupos dominantes e do capitalismo e para defendê-los

compôs-se, até mesmo, suscetível a ameaçar os regimes democráticos. Para

tanto, declara Sodré, os meios de comunicação brasileiros influenciaram nos

acontecimentos que levaram um presidente a cometer suicídio, e a outro no

patrocínio de seu exílio. Logicamente, fala-se aqui primeiramente de Getúlio

Vargas que antes de impor a morte sobre seu peito, em 1954, sofreu uma

56 Ibid., p. 2-3. 57 Cf. OLIVEIRA, Luciano Amaral. Gramsci. In: OLIVEIRA, Luciano Amaral (Org.). Estudos do discurso: perspectivas teóricas. São Paulo: Parábola, 2013, p. 36-44;

Page 37: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

37

campanha oposicionista de impressos e emissoras de rádio que auxiliaram na

propagação de uma crise política sobre seu governo. Já o presidente exilado

foi João Goulart, deposto em abril 1964 com o auxílio conjugado de jornais,

rádio e televisão: “A imprensa, acolitando o rádio, no primeiro caso, e a

acolitando o rádio e a televisão, no segundo, foi uma das alavancas que

destruiu dois presidentes eleitos”. 58

Sodré argumenta que na década de 1920, nos grandes centros

urbanos, a imprensa brasileira desenvolveu novos contornos. Com a inovação

tecnológica de seu parque de produção, o aumento no número de tiragens

diárias e consequente redução de seu valor para o leitor, verificou-se uma

repercussão cada vez maior das manchetes e ideias jornalísticas junto à

sociedade. O autor acredita, portanto, que nesse período se consolidou uma

imprensa baseada em uma estrutura empresarial.59 Estrutura essa que já

vinha se consolidando desde os últimos anos do século XIX, quando da

instauração da República, instituindo um processo industrial e comercial cuja

a grande mercadoria era a informação.60

Centrado também no percurso da imprensa empresarial

brasileira, Juarez Bahia apresenta uma percepção semelhante à estabelecida

por Sodré. Sua obra, “Jornal, História e Técnica”, da mesma forma, delimita

os anos 20 como o início de um processo de racionalização e modernização

da imprensa brasileira, a caracterizando como a primeira a romper com os

laços do partidarismo na América do Sul. Segundo Bahia, na década de 1930

esse processo foi intensificado, contexto no qual observa-se a superação da

imprensa de tipografia artesanal, substituída por uma produção jornalística

industrial. Em geral, os jornais e revistas passam a se constituir como

58 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. XIV. 59 Idem, p. 371-372. 60 Idem, p. 275.

Page 38: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

38

verdadeiras empresas: com a organização de sua estrutura e incorporação da

divisão de tarefas, com o objetivo de tornar viáveis e rentáveis

economicamente a venda de informação.61

Os dois autores, preocupados em estabelecer compreensões

generalistas sobre a imprensa, centraram suas narrativas na busca de

evidenciar rupturas e formação de novas tendências. Suas delimitações

demonstram a passagem da produção jornalística opinativa, muito

identificada com a literatura, para um jornalismo de imprensa aos moldes

industriais de produção. Nessa direção, dá-se cada vez mais importância às

notícias, demarcando uma pretensa imagem de objetividade e de rigor

profissional.

Já a obra de Marialva Barbosa, privilegiando o século XX, “História

Cultural da Imprensa: Brasil 1900-2000”, atenta-se primordialmente para a

composição das identidades, memórias, mitos e representações dos

profissionais da imprensa brasileira. Utilizando testemunhos registrados por

esse grupo, a autora discute as construções representativas advindas da

relação entre as identidades e memórias dos jornalistas, pois: “(...) ao falarem

de si mesmos como grupo, instauram signos distintivos em relação a diversos

outros. É a memória como lugar de produção de discursos que funda as

particularidades desse lugar de pertencimento”.62 E para a autora, foi nos

anos de 1920 que se principia a construção de uma identidade memorável

dos jornalistas de imprensa, perpassada pela fundação de um passado

mítico, de entrega e de sacrifícios devotados à profissão:

A mítica da vocação, do amor à profissão, dos sacrifícios impostos, da necessidade de informar com isenção e longe

61 BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. 4ª ed., São Paulo: Ática, 1990, p. 105. 62 BARBOSA, Marialva. História cultural da Imprensa: Brasil – 1900-200. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 81.

Page 39: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

39

dos arroubos políticos momentâneos, ao mesmo tempo em que cabia como missão ter claro papel político, tudo isso formula um lugar de fala no mundo do jornalismo que ultrapassa em muito os limites de uma década.63

As narrativas memoráveis dos jornalistas das décadas de 1920 e

1930, apresentadas por Barbosa, se expressavam em torno do signo da

modernidade, assinalando a identidade desse grupo no sentido de buscar

inovações tecnológicas e de linguagem. Dessa forma, assim como Sodré e

Bahia, Barbosa identifica nesse período um ideal de valorização da

informação por parte dos jornalistas, prosperando, a partir de então, um ideal

de objetividade e imparcialidade que privilegiou as notícias em detrimento

da opinião.64 Todavia, a autora se diferencia desses outros historiadores, pois

percebe as mudanças e inovações da imprensa como processo longo e

diversificado, sem a preocupação restrita de produzir marcos de transição de

uma imprensa opinativa para uma imprensa informativa e consolidada por

uma visão empresarial.

Apesar de aspectos modernizantes já estarem presentes nos anos

que antecederam a década de 1930 e da criação do curso de jornalismo no

Estado Novo, Barbosa lembra que a profissionalização dos jornalistas ainda

não havia se consolidado naqueles anos, processo que para a historiadora só

se efetivaria na década de 1950. Era comum, por exemplo, o jornalismo ser

exercido por funcionários públicos, em um empenho de dupla jornada entre

as profissões,

O ingresso no mundo do jornalismo pouco ou nada tinha mudado em relação ao início do século: indicações de pessoas influentes e relações de amizade são fundamentais para ingressar na profissão, que se acumular com outra

63 Ibid., p. 82 64 Idem, p. 80-81

Page 40: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

40

atividade, normalmente no serviço público.65

Nesse cenário, Marialva Barbosa, sob o prisma preferencial da

história cultural, pretende superar uma perspectiva historiográfica sobre a

imprensa que privilegia os fatos marcantes e suas rupturas, e a consequente

narrativa linear temporal dos acontecimentos66.

Porém, como já destacado, toda essa produção historiográfica

omite em grande parte a imprensa desenvolvida pelo interior do país,

destacando, sobretudo a repercussão dos jornais e revistas de capitais como

Recife-PE, Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP, Porto Alegre-RS e Belo Horizonte-

MG.

Na opinião de Nelson W. Sodré permanece na década de 1930, no

interior do país, uma imprensa pequena e artesanal muito ligada a partidos

políticos regionais e “sem perspectivas, reduzida a estreitos horizontes,

ferozmente submetida ao latifúndio e limitada às questões domésticas e

pessoais”.67

Contrariamente à assertiva de Sodré, o contato desta pesquisa

com os periódicos do estado de Mato Grosso demonstrou que seus

horizontes estavam refletidos para muito além de suas margens fronteiriças.

Havia um leque variado de títulos que tratavam de questões regionais,

nacionais e internacionais. Em contato com agências de notícias e

repercutindo informações do rádio e de periódicos de outros estados e

países, os jornais, revistas e leitores de Mato Grosso assimilaram os

acontecimentos e assuntos mais atuais do mundo contemporâneo da

primeira metade do século XX.

Nesse sentido, o jornal “O Estado de Mato Grosso” demonstrou

65 Ibid., p. 140. 66 Idem, p. 11. 67 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 369.

Page 41: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

41

preocupação em trazer ao seu público as notícias mais atualizadas, inclusive

contando com a instalação de uma sucursal na então capital federal, Rio de

Janeiro, no ano de 1939. A notícia da inauguração de uma redação na cidade

carioca foi reproduzida logo na primeira edição do jornal. O editorial de “O

Estado de Mato Grosso”, comandado por Archimedes Pereira Lima (1910-

1993)68, almejava refletir uma visão moderna e de profissionalização do

jornalista, um ofício de conhecimento próprio e específico. As envergaduras

das instalações estabeleceriam a racionalização do espaço, convertido em

uma “casa de trabalho”, onde não mais comportaria amadorismos:

“Mobiliário elegante e sóbrio, numa disposição prática própria de um jornal

moderno, caracterizando um perfeito conhecimento do difícil ‘métier’ que é

a imprensa. Uma casa de trabalho, de agitação intensa”69.

Embora restritos os números de trabalhos acadêmicos que tratam

da imprensa em Mato Grosso, algumas pesquisas contribuíram

significativamente com a compreensão da ressonância desse meio de

comunicação no estado. Destacam-se produções recentes como: “Rodapé

das miscelâneas70” de Yasmin Jamil Nadaf, que busca delinear a história do

folhetim em Mato Grosso; “Factos e cousas nas crônicas da revista mato-

grossense A Violeta (1916-1937)”71 de Laís Dias Souza Costa que estuda a

68 Getulista confesso, Archimedes Pereira Lima (1910-1993) foi um destacado jornalista mato-grossense. Fundou o jornal “O Estado de Mato Grosso”, em 1939, e o “Diário de Mato Grosso”, no ano de 1976. Dirigiu a Imprensa Oficial do Estado a partir de 1937, foi chefe do órgão de censura e propaganda do Departamento Estadual de Imprensa e Propagada (DEIP), durante a intervenção estadual de Júlio Müller, no Estado Novo. Lima e J. Müller estão entre os fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, em Mato Grosso. Seu jornal, “O Estado de Mato Grosso”, fez intensa propaganda política em prol de Getúlio Vargas e seu governo estadonivista. Cf. JUCÁ, Pedro Rocha. Exemplo e palavras de jornalismo. Biografia e perfil profissional, cultural, político e empresarial do jornalista Archimedes Pereira Lima. Cuiabá: Editora Memórias Cuiabanas, 1995. 69 Inaugurada solenemente a sucursal do “O Estado de Mato Grosso”, O Estado de Mato Grosso, Cuiabá/MT, 27 ago. 1939. número 01, p. 3. 70 NADAF, Yasmin Jamil. Rodapé das Miscelâneas: o folhetim nos jornais de Mato Grosso (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002. 71 COSTA, Laís Dias Souza da. Factos e cousas nas crônicas da revista mato-grossense A

Page 42: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

42

revista “A Violeta”, impresso de divulgação das causas femininas e feministas,

oriunda do Grêmio Literário “Julia Lopes”; “Jornal do Comércio: arranjos

políticos e representações da Guerra em Mato Grosso (1930-1945)”72 de

Maurilio Dantielly Calonga, dissertação que analisa o discurso político-

partidário desse periódico durante os governos de Vargas; e “O Jornal A Cruz:

imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-

1924)”73 de Daniel Freitas de Oliveira, empenhando em analisar o processo

de fundação do jornal católico mato-grossense e a especificidade de seus

discursos ultramontanos. Esses trabalhos são indicações importantes que

ajudam a dimensionar os impactos dos periódicos no cotidiano mato-

grossense, considerando as mais distintas preocupações.

Uma exposição mais abrangente sobre a repercussão da imprensa

em Mato Grosso pode ser vista na tese de Eni Neves da Silva Rodrigues,

intitulada “Impressões em preto e branco: história da leitura em Mato

Grosso”. Nela destaca-se a expansão da inserção de livros e jornais no estado

já na segunda metade do século XIX. Suas discussões evidenciam um cenário

de transformações culturais a partir de 1870, contexto de reabertura da

navegação pelo rio Paraguai, fator esse que impactou e dinamizou

profundamente as bases econômicas, políticas e culturais da região.74

Rodrigues mapeou intensas atividades ligadas aos jornais,

associações culturais de teatro e literatura/leitura, tipografias, publicação de

Violeta (1916-1937). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2014. 72 CALONGA, Maurilio Dantielly. Jornal do Comércio: arranjos políticos e representações da Guerra em Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2014. 73 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. O Jornal A Cruz: imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-1924). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2016. 74 RODRIGUES, Eni Neves da Silva, Impressões em preto e branco: história da literatura em Mato Grosso na segunda metade do século XIX, Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UNICAMP, Campinas, 2008.

Page 43: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

43

livros, livrarias e a presença de casas-editoras nacionais e estrangeiras em

Mato Grosso. Todo esse levantamento demonstrou uma quebra de

paradigmas que suplanta uma perspectiva tradicionalmente marginalizante

da produção e recepção cultural regional, sobretudo a literária e editorial,

Quase sempre, a produção regional de uma única unidade da Federação (ou do império, conforme a época) é que costuma servir de base para generalizações para o país. Este procedimento centralizador impede que se consiga traçar um quadro da realidade brasileira como um todo, pois ele não contempla a multiplicidade e a singularidade das muitas regiões de nosso vasto território. Assim, os estudos regionais, de todos os cantos do Brasil, são importantes para que se possam estabelecer relações e comparações entre eles e, desta forma, se ter uma ideia mais próxima da real situação do Brasil, seja em qual for a área de conhecimento. 75

Em diálogo com a historiadora Lylia da Silva Guedes Galetti76, Eni

Rodrigues entende que há uma identidade estigmatizada sobre a cultura

mato-grossense, marcada por uma visão que incorporava a região como

sendo isolada, bárbara e de baixa densidade demográfica. Um sertão distante

onde os pressupostos e referências materiais da modernidade sempre

chegariam com atraso. Essa identidade, construída historicamente, reflete

uma perspectiva europeia presente, a título de exemplo, nas narrativas de

viajantes europeus dos séculos XVIII e XIX, e partilhada até mesmo pelos

próprios mato-grossenses.77

Em oposição a esse estigma, observa-se, como já comentando,

um variado rol de impressos após a Guerra do Paraguai, o que demonstra que

75 Ibid., p. 18. 76 GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações sobre o Mato Grosso. Tese (Doutorado em História), programa de pós-graduação do Departamento de História/FFLCH/USP, São Paulo, 2000. 77 RODRIGUES, Eni Neves da Silva. Op. cit., p. 23.

Page 44: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

44

a região não estava isolada das notícias e inovações da imprensa. Nos

arquivos do Arquivo do Estado de Mato Grosso e do Núcleo de

Documentação e Informação Histórica Regional da UFMT – NDIHR

identificamos o número de trinta e um periódicos que circularam somente

em Cuiabá, entre os anos de 1930 a 1945. Uma diversidade de publicações

ligadas a operários, literatos, estudantes, organizações femininas, instituições

religiosas, partidos políticos e de perfil empresarial.78

De acordo com Graciela R. da Silva e Otávio Canavarros79, a

produção jornalística mato-grossense se consolidou curiosamente, em parte

e em consequência, pela posição geográfica do estado, que por estar distante

dos grandes centros, recebia com grande atraso jornais da região litorânea,

impulsionando a imprensa local.80

Silva e Canavarros ainda destacam que até a década de 1940,

78 Os títulos identificados foram: I) “A Cruz”- Órgão da Liga de Bom Jesus; II) “O Pequeno Mensageiro” – Órgão das Obras do Beato Dom Bosco; III) “O Abecê” - Órgão do Grêmio Literário “José de Mesquita”; IV) “O Liceu” - Órgão do Liceu de Artes e Ofícios São Gonçalo; V) “Carapuça” – Critica-se. Noticia e faz Literatura; VI) “O Délio” – Órgam Literário e Noticioso; VII) “O Democrata” – Órgam do Partido Democrata Mattogrossense; VIII) “O Diplomata” – Órgam Independente e Dedicado aos Interesses do Povo; IX) “O Ferrão” – Crítica, dá noticias e faz literatura; X) “O Matto Grosso” - Orgam dedicado aos interesses do povo; XI) “Constitucional” - Órgam do Partido Constitucionalista de Mato Grosso; XII) “A Penna Evangélica”, nós pregamos a Cristo; XIII) “A Violeta”, Órgão do Grêmio Literário “Júlia Lopes”; XIV) “O Estado de Matto-Grosso” – Órgão do Partido Liberal Mattogrossense; XV) “O Estado de Mato Grosso” - Um jornal Regional de Âmbito e Sentido Nacionais; XVI) “O Estudante” - Periódico da Mocidade Estudiosa; XVII) “O Motorista” – Órgão da Associação Matogrossense de Motoristas; XVIII) “A plebe” – Tudo pelo Brasil. Tudo por Mato Grosso; XIX) “O Luctador” – Orgam do Operario Mattogrossense; XX) “O Operário” - Órgão do Centro Operário de Cuiabá; XXI) “A Batalha” - Um periódico que será sempre o mensageiro das aspirações Matogrossenses; XXII) “A União” – Orgam do Partido Republicano Mattogrossense; XXIII) “A Voz do Norte” – Semanário Independente, Literário e Noticioso; XXIV) “Folha Juvenil”; XXV) “O Alliancista” – Orgam da Alliança Mattogrossese; XXVI) “O Semeador” – Orgam Espiritualista; XXVII) “Folha do Norte” – Órgão Independente, dedicado aos Interesses do Norte; XXVIII) “O Jornal” – Órgam Independente; XXIX) “A Reacção” – Órgão Independente; XXX) Revista do Grêmio Literário Dom Aquino Corrêa; XXXI) Revista do Grêmio Literário “Alvarez de Azevedo”. 79 CANAVARROS, Otávio; SILVA, Graciela. Aquisição de material impresso nos séculos XIX e XX. 13. COLE – Congresso de Leitura do Brasil, Campinas-SP, 2001. 80 Idem, p. 4.

Page 45: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

45

viveu-se em Mato Grosso a “era dos impressos”, onde os periódicos locais

tinham grande receptividade, pois eram baratos e constituídos de uma

variedade de assuntos e temas do cotidiano: do horóscopo e colunas sociais

aos embates políticos, conquistando leitores ávidos por informação.81 E os

impressos mato-grossenses apenas passaram a perder expressividade com a

inserção do rádio e da imprensa nacional na década de 1940.82

Dentro das referências e análises aqui destacadas, percebe-se a

relevante inserção da imprensa na sociedade mato-grossense. Imprensa essa

que não estava desconectada do restante do país, mas sim, sempre

preocupada e interessada nos acontecimentos nacionais e internacionais.

Nesse sentido, este estudo almeja contribuir com a visão global do

anticomunismo no Brasil em interação com as particularidades de uma

imprensa regional, mas que de modo algum esteve restrita apenas à sua

localidade.

É relevante salientar que a imprensa não é uma entidade anônima

e suas escolhas não se restringem à visão de seus proprietários e editores.

Assim, o próximo ponto traz um pouco da relação entre imprensa e seus

escritores, expressos como verdadeiros intelectuais.

Escrita e persuasão: a imprensa como plataforma privilegiada dos intelectuais

Para Jean-François Sirinelli, a história dos intelectuais obteve

ênfase a partir da segunda metade da década de 1970, se constituindo em

81 Ibid., p. 5. 82 A primeira rádio em Mato Grosso foi a “Voz do Oeste”, fundada em 1939 e: veio disputar público informativo (com programas tipo “Bandeirantes no Ar”, com o vozeirão de Augusto Mário Vieira) e de entretenimento (com programas de calouros, tipo “Domingo Festivo na Cidade Verde”) com as fontes escritas. Chegava finalmente a Cuiabá a ‘era do rádio’ e da imprensa nacional, com O Cruzeiro, dos Diários Associados, à frente.” Cf. CANAVARROS, Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. A imprensa mato-grossense antes da era do rádio. Territórios e Fronteiras, Revista do PPGHIS/UFMT, v. 3, n. 01, jan./jun./2002.

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46

um campo histórico autônomo, mas relacionado com a história política,

social e cultural. Antes disso, o historiador afirma que durante grande parte

do século XX a historiografia voltada para as “massas” desprezou o olhar

sobre os intelectuais, pelo fato destes fazerem parte da “elite” e porque seus

estudos eram costumeiramente classificados como de uma história

“positivista”, sendo renegados “ao purgatório dos subobjetos da história”.83

Com a colaboração de Sirinelli, entende-se o conceito de

intelectual sob dois pontos de vista: primeiro em um caráter amplo e

sociocultural que abrange os criadores e os “mediadores” culturais como

atores, jornalistas, professores e até mesmo parte dos estudantes; já a

segunda acepção, mais estreita, está ligada à noção de “engajamento na vida

da cidade como ator”, ansiando intervir e influenciar nos rumos de sua

sociedade. Porém, tais definições não devem ser desvinculadas, devendo o

historiador do político privilegiar uma compreensão abrangente:

Uma tal acepção não é, no fundo, autônoma da anterior, já que são dois elementos de natureza sociocultural, sua notoriedade eventual ou sua “especialização”, reconhecida pela sociedade em que ele vive – especialização esta que legitima e mesmo privilegia sua intervenção no debate da cidade -, que o intelectual põe a serviço da causa que defende.84

Entrar em contato com a história dos intelectuais, exige a

administração e análise de um expressivo número de correlações. É preciso

ler a produção do intelectual, mapear o suporte desse material, seu alcance

e circulação, tudo isso acompanhado de uma investigação prosopográfica85.

Assim sendo, ao correlacionar esta proposta com o trabalho de pesquisa da

83 SIRINELLI, Jean-François. Op. cit., p. 235. 84 Idem, p. 243. 85 Idem., p. 245.

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47

imprensa da capital mato-grossense, Cuiabá, o método exige um esforço de

diálogo cuidadoso entre os textos analisados e a formação dos escritores:

vinculação política, relações coletivas, posição socioeconômica, influência,

ideias, origem e trajetória.

É necessário pensar, ainda, os espaços que esses escritores

ocupavam. A redação de uma revista ou jornal, por exemplo, constitui um

núcleo de profissionais que apresentam uma linguagem comum, definindo

estruturas elementares de sociabilidade. Essa estrutura é formada por

“forças antagônicas de adesão – pelas amizades que subtendem, as

fidelidades que arrebanham e a influência que exercem – e de exclusão –

pelas posições tomadas, os debates suscitados, e as cisões advindas”.86 Em

vista disso, Sirinelli propõe o estudo das estruturas de jornais e revistas como

espaços de sociabilidade - lugares de ebulição intelectual e de relações de

cumplicidade e de conflitos, o que permite subsidiar a análise do “movimento

das ideias”.87

Diante destas considerações, percebe-se a imprensa como

cenário privilegiado para a atuação dos intelectuais, espaço onde podem

exercer sua influência e partilharem ideias. Noberto Bobbio, em “Os

intelectuais e o poder”, enuncia que com a invenção da imprensa houve a

facilitação da difusão e multiplicação das mensagens do intelectual por meio

da escrita, transformando sua imagem clássica de orador:

Nas cidades gregas a força das ideias revelava-se por meio da palavra: a figura típica do intelectual era o orador, o retórico, o demagogo. Após a invenção da imprensa, a figura típica do intelectual passa a ser o escritor, o autor de livros, de libelos, e depois de artigos para revistas e jornais, de volantes, de manifestos, de cartas públicas, ao qual corresponde a contrafigura do escrevinhador

86 Ibid., p. 249. 87 Idem.

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48

[pennivendolo] ou do escrevedor [pennaiolo].88

Esses escritores tornaram-se, segundo Tocqueville, homens

políticos de considerável influência, se convertendo para Bobbio “no mais

persistente e mais atraente modelo ideal dos intelectuais na sua relação com

o poder”89. O intelectual moderno almeja conquistar prestígio persuadindo

as opiniões, amparados na formação de uma opinião pública cada vez mais

intermediada pela imprensa, consolidada com a formação de um público

leitor.90 Este novo intelectual não é mais um ser pensante isolado em uma

torre de marfim, e sim apresenta efetivo engajamento e intervenção perante

os espaços públicos. Tal expressão adquire maior visibilidade no final do

século XIX, revelada, sobretudo, com o caso Dreyfus91.

Acompanhando todo esse processo, a imprensa brasileira se

propagou simultaneamente à difusão desse modelo de intelectual, durante

o século XIX. Médicos, advogados, educadores, engenheiros, literatos

expressavam nas páginas da imprensa seus conhecimentos específicos e

opiniões sobre os mais diversos assuntos em pauta de debate.92

88 BOBBIO, Noberto. Os intelectuais e o poder dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p. 120. 89 Idem, p.121. 90 Idem, p. 120-121. 91 Alfred Dreyfus (1859-1935), judeu e capitão da artilharia do exército francês, foi condenado à prisão perpetua, em 1894, acusado de alta traição por supostamente ter entregue à embaixada alemã, em Paris, segredos miliares franceses. O procedimento de julgamento às portas fechadas, foi bastante controverso, o que foi questionado e protestado por parte do meio intelectual, demonstrando cada vez mais sua atuação e engajamento dentro da esfera pública. Um dos primeiros a denunciar a condenação de Dreyfus foi o escritor Émile Zola (1840-1902), que defendeu, em uma “missão intelectual”, a inocência do judeu capitão e afirmou ser tal julgamento uma trama política antissemita. Cf. SILVA, Cintia Rufino da Silva. O caso Dreyfus, Émile Zola e a imprensa. Contemporâneos Revista de Artes e Humanidades, n. 11, abril/2013; e ZANOTTO, Gizele. História dos intelectuais e história intelectual: contribuições da historiografia francesa. Biblios, Rio Grande, vol. 22, n. 1, 2008, p. 31-45. 92 ENGEL, Magali Gouveia; SOUZA, Flávia Fernandes de; GUERELLUS, Natália de Santana (Orgs). Os intelectuais e a imprensa. 1. ed. - Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2015, p. 8.

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49

Fabio Henrique Pereira ao pensar a relação do jornalismo com a

categoria de intelectual, evidencia, em diálogo com Pierre Bourdieu, que o

primeiro se configurou como um espaço autônomo, com regras e lógicas

próprias de funcionamento e disputas internas dentro de relações desiguais

e hierárquicas. Mas também, inserido em uma estrutura mais ampla,

estabelece, a depender da posição que ocupa, uma série de relações de força

com outros campos: “É impossível analisar o espaço jornalístico sem situá-lo

numa rede de dependências com os campos político, econômico e

intelectual, cujas lógicas determinam as modalidades de funcionamento

dessa atividade. ”93.

Desse modo, observando as especificidades e diferentes mídias

do campo do jornalismo é possível perceber que essas relações são

equacionadas de diversas maneiras, como exemplifica o autor, um jornal

sensacionalista se aproxima mais da influência e das imposições da esfera

econômica, já uma revista de cultura partilha de mais aproximações com o

polo intelectual.94 Contudo, Pereira acredita que é demasiadamente

reducionista constituir interpretações tendo por referência apenas as

estruturas sociais, pois considerando o “microcosmo” da carreira de um

jornalista-intelectual é possível apreender motivações subjetivas, nem

sempre “associadas à conflitualidade social”, mas que orientam e influem o

percurso desse profissional.95

Pontuando todas essas considerações, compreende-se a

importância de associar o anticomunismo e as diferentes vozes dos

intelectuais da imprensa cuiabana em uma relação dialética com seu

93 PEREIRA, Fábio Henrique. Os jornalistas-intelectuais no Brasil: identidade, práticas e transformação no mundo social. Tese (Doutorado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, UNB, 2008, p. 22. 94 Idem. 95 Idem, p. 23.

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50

universo coletivo e contexto histórico. Todavia, sem omitir ou isolá-los de

suas visões de mundo e interesses pessoais.

Em complemento, associam-se essas considerações ao ponto de

vista ao de Nildo Viana que discute o papel do indivíduo na história. Para

Viana, os historiadores devem compreender que o indivíduo é um ser

definido socialmente e de autonomia relativa a depender da sociedade,

classe social, grau de consciência e época em que vive. Esse indivíduo

constitui um grau de influência no curso da história, mas isto depende, em

primeira instância, das condições sociais postas. Ou melhor, da aceitação que

ele terá em determinada sociedade, diminuindo sua atuação à medida que

suas ideias sejam recepcionadas em apenas certa classe social, ou fração

desta, ou ainda restrita apenas a um certo grupo.96

Deste modo, é possível afirmar que o papel de cada intelectual na

difusão do imaginário anticomunista, só ganhou aceitação e difusão, pois, nas

décadas de 1930 e 1940, há setores sociais e políticos como Igreja Católica,

partidos políticos, governo e integralistas que recepcionaram e desejaram a

propagação dessas ideias, conquistando alcance relevante na tribuna dos

periódicos.

Imprensa, anticomunismo e as diferentes expressões políticas no Brasil de

1930 a 1945

A década de 1930 caracterizou-se por um período de intensas

reivindicações políticas e sociais. Uma heterogeneidade de novas propostas

e ideias que influenciaram a desarticulação da República Oligárquica vigente

desde o final do século XIX.

96 VIANA, Nildo. O papel do indivíduo na história. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 14, n. 21, 2º sem. 2013, p. 130-131;

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51

Dentre os novos protagonistas políticos destaca-se o tenentismo,

articulado a partir da década de 1920, esse movimento reuniu diversos

setores insatisfeitos e em oposição ao domínio político oligárquico dos

estados de São Paulo e Minas Gerais. Foi composto por militares e civis,

como: soldados e oficiais militares, em geral de baixa patente, que defendiam

profundas mudanças no sistema político em vigor; políticos e representantes

oligárquicos dissidentes e insatisfeitos com o governo; camadas médias

urbanas; e também contou com o apoio da imprensa oposicionista97. As

propostas eram as mais diversas: reformas políticas, voto secreto e fim das

fraudes eleitorais, legislações em defesa dos trabalhadores, como

regulamentação das horas de trabalho e fixação do valor base do salário

mínimo.98

Em 1929, o tenentismo rearticula suas forças com novos aliados

em torno da Aliança Liberal perante um cenário político de acirrada disputa

de sucessão presidencial99. Representando principalmente os insatisfeitos

com a disposição política oligárquica e rebeldes militares, a Aliança Liberal

lançou Getúlio Vargas como candidato à presidência da República.

Por sua vez, o grupo do então presidente Washington Luís,

vinculado ao tradicional poder oligárquico ligado ao governo, apoiou o

governador paulista Júlio Prestes, que se saiu vencedor. Parte do grupo

perdedor articulou um processo insurgente eclodido em 3 de outubro de

1930, após o assassinato do candidato à vice de Vargas, João Pessoa.

Surpreendido, Washington Luís tentou conter sua derrocada e realizou

97 PRESTES, Anita Leocádia. Os militares e a reação republicana: as origens do tenentismo. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 16-19 98 PANDOLFI, Dulce. Os anos a 1930: as incertezas do regime. In.: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano – O Tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 16. 99 PRESTES, Anita Leocádia. Op. cit., p. 87.

Page 52: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

52

inúmeras prisões de políticos, tal como de jornalistas atuantes em periódicos

oponentes do Rio de Janeiro: “A Batalha”, “A Esquerda” (órgão tenentista),

“Diário Carioca”, “O Jornal” e “Diário da Noite” (estes dois últimos faziam

parte da cadeia de jornais dos Diários Associados de Assis Chateaubriand100).

As medidas repressivas incluíram a imposição da censura que restringiu o

conteúdo noticiado, ou mesmo, impedindo alguns jornais de circularem.101

Ainda assim, o movimento tenentista saiu vitorioso, depondo o

presidente Washington Luís, em 24 de outubro de 1930: “o Diário da Noite

abriu a primeira página com a manchete: Viva o Brasil! Viva a República Nova

e Redimida! (...) e a alegria da vitória foi acompanhada de represálias,

voltando-se a fúria popular contra a imprensa governista”.102 Jornais de apoio

ao governo, como “A Noite”, “O País”, “A Notícia”, “Crítica”, “Gazeta de

Notícias” e “Vanguarda”, tiveram suas sedes queimadas e pilhadas na capital

federal. Logo após esses acontecimentos, Getúlio Vargas assume a chefia do

Governo Provisório, em 03 de novembro de 1930, e passa a governar por

meio de decretos-lei diante do fechamento do Congresso Nacional, das

Assembleias estaduais e municipais e revogação da Constituição de 1891.103

Descontente com a perda de seu protagonismo político, a elite

paulista alavanca uma campanha exigindo que o governo provisório

retomasse as bases constitucionais no país. A defesa pela

100 Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira Melo (1892-1968) foi escritor e proprietário do grupo de comunicação “Diário Associados”, que reuniu uma rede de rádios e jornais como o “O Jornal”, “Diário de Pernambuco”, o “Jornal do Comércio” e o “Diário da Noite”, adquirindo inclusive, em 1928, a revista “O Cruzeiro”. Figura polêmica, teve uma relação bastante controvérsia e lucrativa com o governo de Getúlio Vargas, ora o atacando, ora promovendo sua imagem e ações governamentais às custas de vultuosos financiamentos. Cf. BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. 4ed., São Paulo: Ática, 1990, p. 262-264; e BARBOSA, Marialva. História cultural da Imprensa: Brasil – 1900-200. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 77-78. 101 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 374-375. 102 Idem. 103 Idem.

Page 53: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

53

reconstitucionalização teve repercussão na imprensa, mas também houve

jornais que defendiam o prolongamento do Governo Provisório104. Então, o

movimento Constitucionalista deflagra contra o governo, no ano de 1932, um

conflito civil no estado de São Paulo, que apesar de derrotado, conseguiu

pressionar o governo a promover eleições para a formação de uma

Assembleia Constituinte, em 1933.

Todo esse cenário refletia um período de efervescências políticas

e de opiniões divergentes acerca dos destinos do país, o que fomentou

diversos debates e disputas. Essa situação se dava, especialmente, em

virtude da crise econômica de 1929 e do insurgente movimento tenentista.

Mas, incorporado a esse contexto, havia também outras expressões políticas

que conquistavam cada vez mais espaço,

A mobilização era intensa: jovens militares, intelectuais, profissionais liberais, estudantes, lideranças sindicais, comunistas, socialistas e também setores da Igreja, integralistas, políticos tradicionais e dissidências partidárias.105

Entre essas novas mobilizações e contestações, encontra-se a

Aliança Nacional Libertadora (ANL), que reuniu em 1935 correntes e

instituições anti-imperialistas e anti-integralistas, tendo como principal figura

de liderança o ex-tenentista Luís Carlos Prestes. Tal associação foi composta

por uma diversidade de aderentes, como partidos políticos, entre eles o

Partido Comunista do Brasil, sindicatos, militares, profissionais liberais, grupo

de estudantes e organizações feministas.106

104 Ibid., p. 377. 105 VIANNA, Marly de Almeida G. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In.: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano – O Tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 65. 106 Idem, p. 80-87.

Page 54: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

54

Entretanto, a elite liberal burguesa brasileira assume uma postura

temerosa diante do fortalecimento organizacional do proletariado e da maior

participação e reivindicação popular no âmbito político. O surgimento da

ANL, propondo maiores liberdades democráticas e reforma agrária, se

configurou como uma ameaça aos interesses dessa elite. Grande parte da

imprensa, dominada e patrocinada pelos setores dominantes do país, ajudou

a impulsionar um clima de medo sobre movimentos que almejassem desafiar

a ordem estabelecida, como era o caso da ANL.107

Nas páginas dos impressos o medo era estrategicamente

incorporado ao comunismo, formatando a ANL como um movimento

exclusivamente comunista e desconsiderando toda a sua diversidade política.

Assim, ANL esteve inserida em um discurso anticomunista amplamente

difundido nos jornais e em uma conveniente aliança com os interesses do

governo:

No dia 26 de junho de 1935, em sua primeira edição, o jornal O Globo deu início a uma grande provocação (o que seria repetido por ocasião do Estado Novo), anunciando a descoberta de “um plano subversivo”, ordenado por Moscou, para implantação imediata no Brasil de um regime soviético.108

Dentro desse momento de instabilidade, ocorreram levantes

armados liderados pela ANL, incialmente deflagrados em Natal-RN, no dia 23

de novembro de 1935, repercutindo em seguida nas cidades de Recife-PE e

Rio de Janeiro-RJ, respectivamente nos dias 24 e 27 do mesmo mês. Segundo

Marly Vianna, a base deste “movimento era a dos tenentes, de luta contra a

exploração do Brasil pelo capitalismo internacional, pela reforma agrária e

107 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 379-380. 108 VIANNA, Marly de Almeida G., Op. cit., p. 86.

Page 55: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

55

pela democracia – por pão, terra e liberdade”.109

Essas ações, classificadas em tom depreciativo pelos

anticomunistas como “Intentona”110, irromperam uma expressiva repressão

por parte do Estado. No campo discursivo, o governo Vargas e a grande

parcela dos jornais traduziram os levantes de novembro de 1935 como um

movimento exclusivamente comunista, o associando ao imaginário brasileiro

que já percebia o comunismo como uma expressão perigosa e aterrorizante.

Em consequência, e contando com o apoio da maioria da imprensa, da Igreja

Católica, de diversos intelectuais, do Congresso que cedeu ao Executivo

praticamente poderes ilimitados de repressão e de outros setores da

sociedade, Vargas justificou a necessidade de medidas autoritárias, como a

suspensão de garantias constitucionais e censura à imprensa, para combater

a “ameaça vermelha” comunista:

A imprensa empresarial criou as condições para o desencadeamento e a manutenção desse clima de pânico e de medo. Pagou por isso, pouco depois, como o Congresso que, tendo cedido tudo, inclusive a retirada e espancamento de membros das suas duas casas, e votado o estado de sítio e o estado de guerra, acabou fechado.111

As medidas de repressão se intensificaram e no ano seguinte os

109 Ibid., p. 102. 110 Maria Celina D`Araújo informa que os acontecimentos em torno dos levantes de 1935, denominados pelos anticomunistas de Intentona “significando intento louco, plano insensato”, se configuraram, a partir de 1937, em um evento constantemente rememorado pelas Forças Armadas por meio de cerimônias oficiais, encerradas apenas na década de 1990. Essas cerimônias serviam para homenagear as perdas militares em decorrência das ações comunistas. Há controvérsias quanto ao número de vítimas fatais, que segundo as instituições militares teriam chegado ao número de 30, mas pesquisas historiográficas indicam o número de 22 mortos. No entanto, o que mais impactava os militares foram as notícias e narrativas propagadas de que militares teriam sido mortos dormindo. Contudo, os documentos do Tribunal de Segurança Nacional mencionam apenas uma morte de militar em situação indefesa e sem arma, mas não em posição de repouso. Cf. D`ARAÚJO. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 16-17. 111 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 379-380.

Page 56: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

56

opositores, sejam de esquerda ou de oligarquias, foram perseguidos e

julgados conjuntamente por uma instância de exceção, o Tribunal de

Segurança Nacional, sob o pretexto de combater os crimes contra o país e

suas novas diretrizes conservadoras. Dessa maneira, o governo conseguiu

reprimir às forças políticas descentralizadoras e àquelas que ansiavam por

ações liberalizantes, permitindo, sem obstáculos, a instauração de um regime

ditatorial em 1937.112 Assim, em novembro de 1937, antes das eleições

presidenciais de 1938, Getúlio Vargas e seus principais aliados, como os

generais Góes Monteiro, Daltro Filho e Eurico Gaspar Dutra, o idealizador e

redator da nova Constituição de 1937 - Francisco Campos e o Chefe de Polícia

Filinto Müller concretizaram a instauração do Estado Novo.113

Esse regime autointitulado de novo, foi a sistematização de um

programa nacionalista uniformizante e conservador. Um projeto, que de

acordo com Marialva Barbosa, foi expresso e difundido por pensadores como

Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alberto Torres e Francisco Campos,

refletindo todo um ideário de nação que deveria ser conduzido pelo Estado

e por seus intelectuais.114 Tal proposta de nacionalidade esteve vinculada à

concepção de uma sociedade hierarquizada e que naturalizaria suas as

diferenças sociais e econômicas. Marcava-se assim, uma divisão social

definida entre os homens considerados “habilitados” para educar e

promover leis e aqueles obedientes e seguidores das diretrizes promulgadas

pelo topo da “pirâmide social”.115

Os subordinados da nação, a população de maneira geral, eram

então caracterizados, inclusive pelos escritores conservadores da imprensa,

112 D’ARAÚJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 19. 113 CAPELATO. Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: O Brasil Republicano – O Tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 116-117. 114 BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 104. 115 Idem, p. 104-108.

Page 57: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

57

como sociedade de massas, onde seus indivíduos compreenderiam “um todo

amorfo, anônimo e uniforme”116. Dessa maneira, construiu e fundamentou-

se um discurso de tutela e direcionamento dos trabalhadores, “através da

educação e da massificação das informações”117,

Caberia ao governo, através de múltiplos aparelhos burocráticos criados no período e com o concurso de intelectuais orgânicos dos grupos dirigentes, desempenhar funções cada vez mais complexas, inclusive a de dar orientação ao povo, massa amorfa e indiferenciada. Paralelamente, apresenta-se a necessidade de difundir conhecimentos e noções elementares e, assim, tornar-se fundamental o papel dos intelectuais e dos veículos de difusão, isto é, a imprensa.118

Portanto, as décadas de 1930 e 1940 são marcadas pelo domínio

de uma imprensa em proximidade e relações de poder junto ao Estado, tal

como pela conjugação do público leitor e da população como uma massa que

deveria ser tutelada politicamente e intelectualmente.

Essas interpretações estiveram relacionadas à construção de um

projeto conservador e dominante de nacionalidade inspirado no pensamento

autoritário europeu, mas que no Brasil assume outros contornos. Essas

expressões autoritárias, também observadas em outros países da América

Latina, como a Argentina de Juan Domingo Perón, se caracterizaram pelo

desmantelamento do pluripartidarismo e fortalecimento do poder executivo

por meio do estabelecimento de um consenso social, instrumentalizando-se

de uma propaganda política muito bem arquitetada.119

A construção da imagem do consenso político e social no Estado

116 Ibid. 117 Idem. 118 Idem. 119 Cf. CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2º ed. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

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58

Novo contou com o apoio majoritário dos periódicos que continuaram

circulando após a instauração do novo regime. Em troca, muitas publicações

se beneficiaram da proximidade com o Estado varguista, por meio de

isenções de impostos e subsídios para importação do papel de impressão e

de equipamentos gráficos120. Contudo, não se deve esquecer que a

propaganda em prol do Estado Novo e de seu líder era acompanhada do

silenciamento e cerceamento da liberdade de imprensa, então proibida de se

opor e criticar o governo.

Com o objetivo de centralizar e controlar a propaganda política,

perante todo o âmbito de divulgação, seja ele, radiofônico, revista ou jornal,

o Estado Novo varguista criou, em dezembro de 1939, o Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP), chefiado por Lourival Fontes. O referido órgão

além de controlar a propaganda do Estado, era responsável pela censura da

produção dos meios privados de imprensa e rádio, do teatro e do cinema. No

ano seguinte, foi criado em cada estado e com as mesmas atribuições do DIP,

o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), dirigido no

Estado de Mato Grosso pelo jornalista pelo Archimedes Pereira Lima.

O DIP foi antecedido por outros dois órgãos até conquistar a sua

configuração mais consolidada e abrangente. No ano de 1932, o Ministério

da Educação, sob a regência de Francisco Campos, passou a ser constituído

por um Departamento de Propaganda, com o objetivo de orientar a massa

popular por meio de um cinema educativo. Já em 1934, Getúlio Vargas

reformula o Departamento de Propaganda, o subordinado ao Ministério da

Justiça e com uma nova denominação: Departamento de Propaganda e

Difusão Cultura (DPDC). Este novo órgão, também sob tutela de Francisco

Campos e dirigido por Lourival Fontes, ganhou “novas formas de controle e

120 BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 121.

Page 59: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

59

coerção” sob o rádio e cinema.121

Mas foi com o DIP, criado a partir da junção do DPDC ao Serviço

de Divulgação ligado ao Gabinete do Chefe da Polícia de Filinto Müller, que a

censura assumiu um papel de repressão policial. Ocorreu, naquele momento,

a incorporação progressiva de policiais como censores, substituindo os

jornalistas. Assim, O DIP assumiu um poder de censura extremamente

repressivo e em associação com as ações de propaganda política. Cabia,

então ao órgão controlar o registro dos meios de comunicação, inclusive

serviços de alto-falantes, fomentar a propaganda em torno do regime,

determinar o que deveria ou não ser publicado e ordenar a prisão de

jornalistas e o fechamento de jornais e rádios não alinhados com o

governo.122

Além da censura, o Estado Novo realizou o controle da “produção

discursiva da imprensa” por meio de um grande aporte de verbas públicas

destinadas aos jornais, revistas, agências de notícias e emissoras de rádio que

colaborassem com aquele sistema político. Por outro lado, os periódicos e

emissoras de rádio que não colaborassem com o regime sofriam pressões

econômicas por meio de cortes da publicidade governamental ou, no caso de

jornais e revistas, suspensão dos subsídios para importação do papel e de

equipamentos gráficos. O governo federal exercia rígido controle sob a

importação de papel para a imprensa, a fim de limitar apenas a circulação

dos periódicos que estivessem em conciliação com a propaganda política

instituída. E nas situações mais extremas e rigorosas obrigava-se o

fechamento ou incorporação dos meios de comunicação ao Estado.123

Contudo, além de se estabelecer um papel de censura, o estado

121 Ibid., p. 117 122 Idem, p. 120 123 Idem, p. 121-121.

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60

objetivava com o DIP alastrar a ideologia estadonovista perante toda a

sociedade brasileira. Para tanto, o DIP era responsável inclusive por promover

manifestações cívicas e festas populares que exaltavam os referenciais

nacionalistas e difundiam propaganda do estado varguista.124

Até o seu funcionamento em 1945, o DIP tratou de sacralizar a

imagem de Vargas, coordenando grande parte desses eventos e datas

comemorativas que contavam com a presença deste. Segundo Ângela de

Castro Gomes, criou-se a impressão de que o país vivia um “tempo festivo”,

um período de grandes desfiles com multidões, músicas, bandeiras e

estandartes, objetivando estabelecer um tom mítico e de grandiosidade em

torno do regime. Gomes destaca que dentro dessas solenidades públicas,

havia três momentos fundamentais onde se criavam simbolicamente uma

aproximação entre as autoridades do Estado Novo e a plateia de

trabalhadores: o aniversário do Presidente, o Dia do Trabalho e o aniversário

do Estado Novo. Somado a esses três eventos, o calendário festivo e de

propaganda do regime junto aos trabalhadores, ainda era marcado pelo 7 de

setembro, Natal e Ano Novo.125

Como se verifica no trecho abaixo do jornal “A Pena Evangélica”,

as diretrizes da propaganda em prol do Estado Novo por meio das

manifestações cívicas também se fizeram testemunhar no jornal

presbiteriano:

O mês de Novembro, pode-se chamar sem mêdo de erro, sob as novas diretrizes do Estado Novo, o mês do civismo e da exaltação à Pátria. Não haviam cessado ainda os écos da estrondósa manifestação de alegria das comemorações festivas do 1º aniversário do Estado Novo, e já o povo jubiloso pelos seus elementos mais representativos, voltava

124 Ibid., p. 118-119 125 GOMES, Angela De Castro. A Invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 216-218.

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61

para as ruas, alegre, comemorando a significativa data consagrada á Bandeira. (…) Pela Força Publica estadual, pelas escolas e repartições, a mesma vibração e disposição de ânimo impulsionavam as massas para os festejos que se realizaram. E tantos foram eles em todos os setores da vida cuiabana, desde o palácio interventorial até o mais modesto serventuario, que desnecessàrio se torna descreve-los. A mesma ideia fascinava a todos O culto á Bandeira do Brasil. 126

Apesar desta ser uma publicação anterior a instituição do DIP e de

sua sucursal estadual, o periódico da Igreja Presbiteriana de Cuiabá já

indicava em 1938 os moldes da propaganda política do Estado Novo por meio

dos festejos cívicos, exaltação dos símbolos nacionalistas, como a bandeira,

e comemoração da instauração do novo regime. Em todos os espaços

públicos o estado varguista impunha sua presença e devoção junto as massas.

Outra ação relacionada à difusão da ideologia e propaganda do

Estado Novo era efetivada por meio da transmissão obrigatória via rádio do

programa “Hora do Brasil”, a partir de 1939, transmitido até mesmo por meio

de alto-falantes em praças públicas e vias de maior trânsito de pessoas. Nesse

sentido, O DIP realizava e articulava todas essas medidas, a fim de incorporar

a figura personalista de Vargas ao Estado Novo, efetivando uma campanha e

propaganda política de considerável sucesso e abrangência. O DIP então

apresentou Vargas como o “pai dos pobres”, o estadista que realizava e

orientava as massas de trabalhadores, um líder de ação: “que cria,

determina, estabelece, assina, manda e executa.”127 O estado, personificado

na figura de seu líder, foi, então, revestido de um papel condutor da nação e

dos trabalhadores, construindo, em consequência, a perspectiva de uma

126 A Bandeira. “A Pena Evangélica”. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 29 nov. 1938, Caderno 580, p. 1. 127 BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 119-120.

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62

cidadania passiva e receptora.128

O DIP é, portanto, parte do projeto constitucional de 1937 que

institucionalizou a censura nos meios de comunicação. Nesse momento, a

imprensa esteve revestida de um caráter público, atrelada aos interesses e

ideologias do Estado.129 Segundo Capelato, o governo, sob a justificativa de

estabilizar a ordem pública e atender aos projetos do Estado e da Nação,

promoveu a institucionalização dos meios de comunicação em massa junto a

estrutura governamental, cerceando sua ação independente. E em uma

estratégia semelhante ao governo fascista italiano, a imprensa escrita se

constituiu no Estado Novo como um dos principais meios de propaganda

política, objetivando promover suas ações, camuflar as intempéries

enfrentadas e ocultar a repressão exercida pelo regime.130

Há três produções acadêmicas instigantes que analisaram a

inserção de jornais mato-grossenses nesse contexto de coerção e de “função

pública” da imprensa no governo Vargas. Em “Tempo de esperança: a

imagem do Estado Novo na imprensa mato-grossense”131, Léia de Souza

Oliveira estudou a difusão da imagem do Estado Novo por meio do jornal “O

Estado de Mato Grosso”. A autora conclui que há uma forte relação entre a

imagem do Estado Novo e as ideias de modernidade e progresso nacional,

onde Mato Grosso ocupava posição estratégica na campanha estadonovista

de ocupação e integração desta região com o restante do país, denominada

“Marcha para Oeste”, o que foi propagado por essa publicação.

Em outra obra, “Propaganda Política e Trabalhismo na imprensa

128 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 21ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, p. 130. 129 CAPELATO, Maria Helena. Op. Cit. 130 Idem, p. 79-95. 131 OLIVEIRA. Léia de Souza. Tempo de esperança: a imagem do Estado Novo na imprensa mato-grossense. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, PUC, São Paulo, 1995.

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campo-grandense durante o governo Vargas (1930-1943)”132, de Fernanda

Chaves de Andrade, é discutida a veiculação dos discursos sobre o

trabalhismo como forma de propaganda política de Getúlio Vargas

demarcando, inclusive, períodos anteriores ao Estado Novo. A historiadora

utilizou como fonte os periódicos “O Jornal do Comércio” e “O Progressista”,

ambos da cidade de Campo Grande, atual capital do Mato Grosso do Sul –

lembrando que no recorte cronológico da pesquisa o referido centro urbano

ainda pertencia ao estado unificado de Mato Grosso. Andrade verificou que

os dois periódicos cumpriram a missão oficial em relação ao discurso

trabalhista de Vargas, todavia, também identificou neles críticas comedidas

ao regime estadonovista133.

Percebe-se assim, apesar de que Vargas e seu governo quisessem

impor apenas uma narrativa oficial sobre a realidade, de maneira sutil ou

mesmo clandestina, houve discordâncias e críticas que escaparam do

controle da censura. Segundo Nelson W. Sodré, algumas publicações de

oposição, inclusive comunistas, conseguiram atuar mesmo com grandes

dificuldades. O historiador cita dois jornais com títulos que refletem a

resistência e contestação a esse cenário de amordaçamento: “Folha

Dobrada”, de 1939 e “A Resistência”, de 1944.134

Por fim, e voltando ao contexto mato-grossense, registra-se um

trabalho bastante próximo com esta pesquisa. Trata-se da dissertação da

historiadora Jucineide Moreira de Souza Pereira, “Entre a Cruz e o Estado: O

anticomunismo na imprensa mato-grossense durante o primeiro governo

Vargas (1930-1945)”135. Apesar dos temas abordados, anticomunismo e

132 ANDRADE. Fernanda Chaves. Propaganda Política e Trabalhismo na imprensa campo-grandense durante o governo Vargas (1930-1943). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2011. 133 Idem, p. 125. 134 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 382. 135 PEREIRA, Jucineide Moreira de Souza. Entre a Cruz e o estado: anticomunismo na

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64

imprensa, serem também tratados neste trabalho, Pereira, em uma relevante

pesquisa historiográfica, toma outro enfoque, concentrando-se na

repercussão do combate ao comunismo enquanto propaganda política

estratégica do governo de Getúlio Vargas na imprensa mato-grossense. Em

associação, realizou a análise da incorporação da imagem de Vargas como

grande líder e “pai dos pobres” nessa mesma imprensa.

Contudo, e como já destacado, este trabalho objetiva

compreender o anticomunismo não somente como instrumento estratégico

e de propaganda política do Estado. Pois, partilhando das perspectivas de

Carla Luciana Silva e Rodrigo Patto Sá Motta, pode-se considerar que o

anticomunismo já se fazia presente na sociedade brasileira e mato-grossense

antes do seu uso político como artífice do medo e de convencimento para

instauração do Estado Novo, auxiliando na sustentação de Getúlio Vargas e

de seus aliados no poder.

Instituições como a Igreja Católica, apesar de sua aliança com o

Estado varguista, trataram do combate ao comunismo considerando diversos

outros fatores, como as orientações papais e as perspectivas ideológicas de

seus intelectuais e lideranças. A batalha católica contra o comunismo esteve

relacionada até mesmo com sua proximidade ao integralismo, o que é

refletido no Jornal “A Cruz” através da “Columna Integralista”. Ainda,

destaque para o pouco abordado anticomunismo protestante, como

também, de grupos oligárquicos e partidários de Mato Grosso.

Outro fator que distingue esta dissertação da composta por

Pereira foi em relação à escolha dos jornais. A historiadora priorizou a

pesquisa analítica do jornal “A Cruz”, e teve como fonte suplementar e

comparativa, outros três periódicos: a revista feminina “A Violeta”, “O Estado

imprensa mato-grossense durante o primeiro governo Vargas (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, 2008.

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65

de Mato Grosso” e “Alliancista”. Já esta dissertação delimitou para a análise

quatro periódicos, sendo dois religiosos – “A Cruz” e “A Pena Evangélica” – e

dois relacionados a partidos oligárquicos do cenário político mato-grossense

– “O Matto Grosso” e “Alliancista”.

Apesar das distinções, ambas abordagens podem estabelecer

diálogos e contribuir com a ampliação dos debates regionais e nacionais

acerca do anticomunismo. No próximo item trata-se mais detalhadamente

acerca da seleção do corpus documental e das características próprias de

cada periódico selecionado para esta pesquisa.

Imprensa em Mato Grosso e o arquivo de periódicos

Ao adentrar no âmbito da imprensa em Mato Grosso, verifica-se

uma longa data de existência e tradição, transparecidas em uma expressiva

produção. Conforme apontam Graciela Rodrigues da Silva e Otávio

Canavarros, no artigo “A imprensa mato-grossense antes do rádio”136, desde

a implantação do jornal oficial “Themis Mattogrossense”, que começou a

circular em 1839, até o ano de 1939, quando passou a ser impresso um dos

mais longevos jornais locais intitulado “O Estado de Mato Grosso”, foram

produzidos mais de 120 títulos. Seja no Império, como nas primeiras fases da

República, pequenos jornais exerceram papel importante e significativo em

um Estado distante dos grandes centros urbanos do país.137

Canavarros e Silva traduzem uma diversidade de títulos

jornalísticos, concentrados principalmente na capital, Cuiabá. Todavia, essa

diversidade era acompanhada de uma “fugacidade”, pois grande parte dos

136 CANAVARROS, Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. A imprensa mato-grossense antes da era do rádio. Territórios e Fronteiras, Revista do PPGHIS/UFMT, v. 3, n. 01, jan/jun/2002. 137 Cf. JUCÁ, Pedro Rocha. Imprensa Oficial de Mato Grosso. Cuiabá: Edições Aroe, 2009, p. 65.

Page 66: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

66

títulos sobreviviam a curtos períodos de duração. De um levantamento de

125 títulos do acervo microfilmado no Núcleo de Documentação e

Informação Histórica Regional da UFMT (NDIHR), registraram uma média de

136 edições por órgão.138

Distintamente do que se observou nos grandes centros urbanos

do Brasil, quando da consolidação e predomínio de uma grande imprensa

empresarial, durante a pesquisa dos periódicos de Mato Grosso139, entre os

anos de 1930 a 1945, percebeu-se uma diversidade de pequenos títulos.

Esses, então, eram ligados a partidos políticos, maçons, liberais, intelectuais,

instituições religiosas católicas, espíritas e evangélicas, associações

femininas, grêmios estudantis e operários. Contudo, como já observado por

Canavarros e Silva, a grande maioria dessas produções circularam durante

pouco tempo, cinco exceções são destacadas: o órgão do Republicano “O

Matto Grosso” (1879-1937); o jornal católico “A Cruz” (1910-1969); a revista

feminina “A Violeta” (1917-1950); o jornal presbiteriano “A Penna

Evangélica” (1925-1944); e jornal “O Estado de Mato Grosso” (1939-1979),

fundado por Archimedes Pereira Lima.140

A partir da década de 1940, os impressos mato-grossenses

perdem espaço para o rádio. Nesse mesmo período, o mercado local de

periódicos também reduz seu espaço em consequência da acirrada

concorrência com as publicações nacionais, que passaram a chegar com

regularidade após o estabelecimento de uma linha de transportes aéreos

regulares. O período marcou a implantação de um mercado nacional de

livros, jornais e revistas, tendo a revista “Cruzeiro”, do grupo “Diários

Associados”, como destaque. Deu-se o estabelecimento de uma nova “era”

138 CANAVARROS; Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. Op. cit., 2002, p. 23. 139 MORGADO, Eliane Maria Oliveira. Catálogo de jornais, revistas e boletins de Mato Grosso – 1847-1985. Cuiabá: EdUFMT, 2011. 140 Idem.

Page 67: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

67

com o rompimento do “monopólio do jornalismo provinciano”.141

Problematizando as fontes, Michel Foucault, em “Arqueologia do

Saber”, as compreende como arquivos, mas não como um aparato de

vestígios deixados pelas sociedades, reunidos como herança do passado em

uma biblioteca ou museu. Trata-se aqui de uma concepção que questiona

sobre: a) o que a sociedade escolheu guardar?; b) por que decidiu armazenar

determinados documentos, em prejuízo de outros?; c) e como convencionou

o armazenamento de sua multiplicidade de acervos?142

Essas perguntas devem ter em mediação os diferentes percursos

históricos e as particularidades de cada arquivo. A seleção e classificação do

arquivo não são aleatórias, sua forma de organização implica em uma nova

prática discursiva que acaba por influenciar nossa visão sobre determinado

discurso. Dessa forma, o pesquisador deve constituir uma postura crítica

quando proceder a seleção de suas fontes e corpus de análise.143

Neste diálogo de questionamento com Foucault, o desafio é

perceber o arquivo, não como algo neutro, mas um lugar cheio de seleções e

códigos que refletem a visão de uma sociedade, constituindo uma relação de

poder acerca do que é eleito ser preservado. O fazer história, irá também se

constituir em uma nova seleção, produzindo novos sentidos, dentro de um

“reemprego coerente”, ao proceder o exercício de “recopiar, transcrever ou

fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu

estatuto”.144 O historiador tem a tarefa, portanto, de explicitar suas escolhas,

a forma que encontrou organizado, classificado e preservado os documentos,

e como pretende reorganizar dentro de sua pesquisa esse acervo

141 CANAVARROS; Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. Op. cit., 2002, p. 29-30. 142 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro/RJ: Forense Universitária, 2008, 7 ed. 143 Idem. 144 CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: ______. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1982, p. 81.

Page 68: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

68

documental, permitindo, assim, um diálogo transparente.

A busca desse arquivo de impressos “provincianos” para a

discussão do anticomunismo em Cuiabá deu-se em duas instituições.

Primeiramente no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (APMT) e por

meio da Biblioteca Nacional Digital145, uma ferramenta online, da Biblioteca

Nacional.

No APMT tivemos acesso facilitado aos exemplares selecionados,

o acervo está em parte microfilmado, ou acondicionado em caixas, separados

por datas e títulos. Alguns títulos foram encadernados, garantindo uma maior

preservação do material, outros são encapados com papéis, a fim de protegê-

los da ação do tempo e do ambiente e para que não haja perda dos

fragmentos que estejam se desfazendo. De fato, uma pequena parte das

fontes pesquisadas tiveram que ser desconsideradas devido a sua

ilegibilidade, tanto em microfilme quanto em documento físico, porém sem

grandes prejuízos para a pesquisa.

Por meio da ferramenta online Biblioteca Nacional Digital

conquistou-se uma grande agilidade na pesquisa, o que possibilitou o acesso

ao acervo digitalizado da Biblioteca Nacional, em qualquer horário e local.

Este instrumento auxiliou principalmente a busca por jornais com acervos

mais numerosos. É possível ainda pelas buscas online proceder a seleção de

“palavras-chaves” relacionadas à pesquisa, evitando leituras cansativas e por

vezes infrutíferas.

Em relação aos periódicos destacados, foram abordados os

seguintes critérios: a) abrangência temporal, dentro do período de 1930 a

1945; b) variedade de títulos levando em consideração a que grupo social ou

instituição pertenciam, ou seja, observar as diferentes vozes, seja de

católicos, protestantes e partidos políticos; e c) número relevante de

145 Disponível no seguinte domínio: <https://bndigital.bn.br/>.

Page 69: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

69

exemplares disponíveis para pesquisa, a fim de contribuir com uma análise

contínua.

Levando em consideração esses parâmetros, chegou-se ao

número de 4 (quatro) periódicos. A apresentação sucinta obedece a uma

ordem temporal, primeiramente elencando os mais antigos:

I) O Matto Grosso

“O Matto Grosso”, fundado no ano de 1878, ainda no Império, e

teve uma circulação longa, até o ano de 1937. Ligado ao “Partido Republicano

Mato-Grossense”, deixou de circular logo após a saída do governo de Mario

Corrêa da Costa, então principal nome deste quadro partidário. Dentro do

recorte da pesquisa, as edições disponíveis no APMT e na hemeroteca digital

da Biblioteca Nacional são dos anos de 1930 a 1933 e 1935 a 1937.

Entre as transformações pelas quais o jornal passou durante sua

circulação, observa-se mudanças de título e direção. Na sua fundação, por

mérito de Joaquim Rodrigues Calháo, que também o dirigiu, o jornal recebeu

o título de “A província de Matto Grosso”. Passou a se chamar “O Matto

Grosso” somente dez anos após o início de sua circulação e já sob o comando

do jornalista, político e filho do fundador deste periódico, Emílio do Espírito

Santo Rodrigues Calháo (1865-1935), que dirigiu o jornal até o fim de sua

vida.146

Após a morte de Emílio Calháo, o desembargador e escritor

Octavio Cunha (1882-1958) assumiu a direção do jornal “O Matto Grosso”, a

partir de maio de 1936, permanecendo nesta função somente até 1º de

novembro deste mesmo ano, quando o jornal passa a ser dirigido pelo

146 SÁ, Niconor Palhares; SILVA, Marijâne Silveira da. Intelectuais e discursos veiculados pelo jornal O Matto Grosso (1910-1930). Cuiabá: VII Congresso Brasileiro de História da Educação, 2013.

Page 70: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

70

advogado e político José Jayme Ferreira de Vasconcelllos (também conhecido

como Jayme F. Vasconcellos) até a sua última publicação em 1937.

Vasconcellos também foi ligado a outro periódico, sendo fundador e

proprietário do “Jornal do Comércio” de Campo Grande e membro do

Instituto Histórico de Mato Grosso (IHMT) e da Academia Mato-Grossense de

Letras (AML).147

O jornal “O Matto Grosso” era dividido em quatro partes, sendo a

primeira página dedicada aos principais artigos, pronunciamentos de

políticos, publicações e divulgação de decisões judiciais, bem como a

exposição na parte superior direita das chamadas notícias de “última hora”.

Na segunda e terceira páginas, exibiam-se classificados e propagandas com

uma variedade de imagens, as representações iconográficas no periódico

estavam limitadas apenas ao campo da publicidade. Já a quarta página

apresenta uma diversidade de pequenas notícias, em nível mundial, nacional

e regional, além de mais divulgações de propagandas e classificados.

Imagem 1: Grafia do título do Jornal “O Matto Grosso”, Caderno: 184, 18 fev. 1937.

Em suas páginas o enfrentamento contra os grupos políticos

concorrentes era constante. Destaque para os embates contra o senador

João Villasbôas, que outrora fora aliado do partido. Na edição de n. 143, de

16 de dezembro de 1936, em manifesto do deputado Agrícola Paes de Barros,

147 CALONGA, Maurilio Dantielly., Op. cit., p. 22-24.

Page 71: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

71

verificam-se os momentos de instabilidades e de disputa política que irão

culminar com a deposição de Mario Corrêa, em março 1937. E meses depois,

em outubro de 1937, com a ascensão de Julio Müller como governador:

A frase lançada pelo Senador Villasbôas e repetida em todos os comícios por todos os oradores: ‘Não haverá mais governo contra a vontade do povo’!-ainda ecôa em nosso Estado. E o Partido Liberal, que hontem uniu se ao bloco Evolucionista por achar nocivo aos interesses públicos a politica dos Irmãos Muller, vem, 18 meses depois, unir áquelles que tanto guerrearam para derrubar um Governo honesto e trabalhador.148

O fragmento acima indica parte das características disputas das

elites mato-grossenses em torno do poder regional e oligárquico. Em um

costumeiro rearranjo político, as principais lideranças dos partidos Liberal e

Evolucionista uniram-se e criaram o Partido Alliancista, em apoio aos irmãos

Filinto e Julio Müller e contra o governo de Mario Corrêa e seu partido. As

configurações e desfechos desses embates políticos e principalmente o

enfrentamento ao comunismo, tido como grande ameaça da soberania

nacional, serão detalhados no Capítulo III.

II) A Cruz

O Jornal “A Cruz” (Órgão da Liga do Bom Jesus149 - Instrumento de

Imprensa da Igreja Católica no Estado de Mato Grosso) foi um semanário,

distribuído aos domingos, fundado em 1910 e interrompendo sua circulação

apenas em 1969. Este jornal nasceu a partir de dois episódios importantes: a

148 BARROS. Agricola Paes. Ao Povo. O Matto Grosso. Orgam Dedicado aos interesses do povo. Cuiaba, 16 dez. 1936, Caderno 143 da 3ª fase. 149 A partir de 1925 o jornal apresenta a denominação de A Cruz – Órgão da “Liga Cathólica” da Archidiocese. Já na edição de número 1182 de 15 mai. 1935 constitui um novo subtítulo: “Órgão da Liga do Bom Jesus”, que perdurou até o ano de 1950.

Page 72: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

72

chegada dos salesianos a Mato Grosso, acompanhados de uma máquina

tipográfica, na qual inicialmente era impresso o jornal; e pela disputa de

interesses ideológicos e políticos entre integrantes da Igreja Católica em

Mato Grosso e republicanos positivistas e anticlericais, que almejavam o

estabelecimento de um estado laico, em todos os seus aspectos, seja na

educação, ou na política de intervenção junto aos povos indígenas.150

Foi articulado por eclesiásticos e leigos da Liga Católica de Mato

Grosso, como o arcebispo Dom Carlos D`Amour, o franciscano Frei Ambrósio

Daydé151 (diretor do Jornal entre 1910 a 1925), o arcebispo metropolitano de

Cuiabá Dom Francisco de Aquino Corrêa, o comendador José Barnabé de

Mesquita (substituto de Frei Ambrósio na direção do jornal, entre os anos de

1925 a 1953), bem como clérigos, juristas, políticos, professores e

intelectuais de representatividade junto à comunidade católica em Cuiabá.

O arcebispo Dom Aquino Corrêa (1885-1956) foi certamente a

grande expressão intelectual e de condução do jornal durante o período que

esta pesquisa trata, suas cartas pastorais, discursos, escritos e mensagens de

cunho conservador eram destacadas, em prevalência nas primeiras páginas.

Além de religioso e escritor, foi político, governando o estado nos anos de

1918 a 1922, em um momento de conflitos políticos entre partidos e

oligarquias estaduais. Implementou a fundação do Instituto Histórico e

150 CANAVARROS, Otávio. Leitura na Imprensa Cuiabana: o caso de A Cruz. (1910/1940). In: XVI COLE - Congresso de Leitura do Brasil, 2007, Campinas. CD - Rom - Anais do XVI COLE. Campinas, SP: ALB - Unicamp, 2007. v. 1; 151 O franciscano Frei Ambrósio Daydé (1875-1945) foi redator-chefe do jornal “A Cruz” entre 1910-1924. Ao lado do arcebispo de Cuiabá, Dom Carlos Luiz D`Amour, foi defensor assíduo da Igreja Católica e de sua hierarquia. Polêmico, envolveu-se em diversas querelas com articulistas de outros periódicos, como “O Debate”, “Jornal do Commércio” e “O Paiz”. Para Daniel F. de Oliveira, sem a presença do frei franciscano Daydé a criação do jornal “A Cruz” não teria sido dada em 1910. Cf. OLIVEIRA, Daniel Freitas de. O Jornal A Cruz: imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-1924). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2016, p. 83-89.

Page 73: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

73

Geográfico de Mato Grosso (1919) e do Centro Mato-Grossense de Letras

(1921), instituições de referência para a difusão de uma nova identidade

mato-grossense: mais coesa, menos fragmentada e ligada à religiosidade

católica.152

Além de D. Aquino e Mesquita, em sua edição de 1937 de

aniversário, “A Cruz” divulgou toda a sua equipe de redação naquele

momento, composta exclusivamente por homens: Nunes Ribeiro, Palmyro

Pimenta, Antonio Estevão de Figueiredo, Antenor de Figueiredo, Professor

Feliciano Galdino de Barros e os contadores Benedicto A. London (gerente da

publicação “A Cruz”) e Manoel Deschamps Cavalcanti.153

A coleção deste título jornalístico, disponível no APMT, é a mais

completa dentre os jornais analisados e dentro do recorte temporal desta

pesquisa. Registra-se os anos de 1930 a 1945, mas há ausência de algumas

edições e o estado de conservação de outras impediram sua leitura, sem,

contudo, impedir a análise ampla deste periódico.

O jornal apresentou uma variedade de crônicas, sonetos, poesias

e artigos, e segundo levantamento de Daniel F. Oliveira, teve uma tiragem

entre 1000 e 1.100 exemplares154 logo nos primeiros anos, distribuídos, além

da capital cuiabana, em outras cidades e localidades do interior do Estado,

como Várzea Grande, Cáceres, Diamantino, Poconé e Corumbá.155 Jucineide

Pereira, em pesquisa na Cúria Metropolitana de Cuiabá, identificou

assinaturas do jornal no ano de 1935, nas cidades de Poconé, Coxim, Três

Lagoas, Lageado (atual Guiratinga) e até mesmo no Rio de Janeiro, mas

152 PEDRAÇA, Célio Marcos. O Universo ideológico de Dom Aquino e os anos Vargas: entre a Igreja e o Estado (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, 2007, p. 56-66. 153 Redação d` “A Cruz”. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 15 mai. 1937, Caderno 1284, p. 2. 154 No período que compreende os anos de 1930 a 1945 o periódico não informou a sua tiragem. 155 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. Op. cit., p. 139-144.

Page 74: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

74

também havia distribuição gratuita do periódico na capital e em outras

cidades de Mato Grosso.156 Quando o jornal iniciou sua distribuição a

publicação era quinzenal, mas com a aquisição pela Liga Católica, em 1911,

de uma máquina rotativa Marinoni própria, não mais dependendo dos

equipamentos tipográficos da Escola Salesiana, tornou-se possível a tiragem

semanal do impresso. 157

O semanal era composto por quatro páginas e expunha além dos

textos já citados, informes, notícias e uma variedade rica de propagandas,

estas últimas dispostas entre a terceira e quarta páginas. Em edições

ocasionais e comemorativas, duas ou quatro páginas eram acrescentadas. Os

textos relacionados ao comunismo ganhavam geralmente destaque logo nas

primeiras páginas.

Imagem 2: Grafia do título do Jornal “A Cruz” em 1939, Caderno: 1375, 12 fev. 1939.

Entre os quatro periódicos analisados, o jornal “A Cruz” foi o mais

rico e variado em seu material iconográfico. Eram postas em destaque as

imagens de autoridades eclesiásticas e políticas, publicadas geralmente na

primeira página, por vezes na segunda e mais raramente na terceira. As

imagens do material publicitário eram impressas nas duas últimas páginas.

Ênfase para as imagens oficiais de José de Mesquita, de Getúlio Vargas –

sobretudo a partir de 1941, ano da visita deste à Cuiabá –, e de maneira mais

156 PEREIRA, Jucineide Moreira de Souza, Op. Cit., p. 63. 157 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. Op. cit., p. 143.

Page 75: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

75

constante do arcebispo Dom Aquino, conforme registro abaixo:

Imagem 3: Dom Aquino Corrêa, Jornal “A Cruz”, Caderno: 1182, 15 mai. 1935.

De todos os periódicos, certamente, “A Cruz” foi o mais

combatente do comunismo, espelhando bastante da postura política

institucional da Igreja Católica e de seus membros.

III) A PENA EVANGÉLICA

O periódico “A Pena Evangélica – Órgão Semanário de

Propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá”158, como o próprio

nome sugere, foi um semanário presbiteriano que circulou entre 1925 a

1944. Apresentou posturas bastante conservadoras em relação aos aspectos

morais e de comportamento, em vista de posicionamentos contrários a

certos costumes católicos, considerados inadequados. Também como em “A

CRUZ”, é possível observar discussões atinentes aos aspectos políticos,

formando opiniões e imagens contrárias acerca do comunismo.

Sua redação, no recorte temporal da pesquisa, foi composta por

158 O título do jornal inicialmente circula com a grafia “A Penna Evangélica” (duplicando a letra “n” da palavra pena), mas a partir da edição 556 de 04/06/1938 adota a grafia com apenas uma letra “n”: “A Pena Evangélica”.

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um grande número de componentes: Augusto José de Araújo (pastor),

Francisco Cesar Melo (presbítero), Joaquim Jorge de Carvalho (presbítero), e

os diáconos Américo Gomes de Barros, João Carlos de Araújo Bastos, João

Mendes Rodrigues, João Manoel da Cruz e João Paes de Barros.159

A publicação presbiteriana foi semanal e constituída de quatro

páginas, mas entre 1936 e 1938 foi mais comum circular com seis. Dispôs nas

duas primeiras laudas de mensagens religiosas, artigos e expedientes do

jornal. Na terceira e quarta páginas destaque para o suprimento noticioso,

“O mundo em sete dias”, e também havia espaço para publicidade, informes

e classificados. As ilustrações se limitaram às imagens de aporte publicitário:

Imagem 4: Propaganda vinculada no jornal “A Pena Evangélica, n.: 492,13 mar. 1937.

A coleção desse título jornalístico disponível no APMT e na

Biblioteca Nacional Digital não está completa, e dentro do recorte temporal

desta pesquisa registram-se os anos de 1930, 1931, 1934, 1936-1938, 1942

e 1944, contudo, mesmo com a ausência de alguns anos e edições, o acervo

159 Expediente. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 4 jan. 1936, Caderno 430, p. 2.

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77

identificado auxiliou as percepções políticas engendradas por esta

publicação.

Imagem 5: Grafia do título do Jornal “A Pena Evangélica” em 1942, n.: 743, 10 jan. 1942.

IV) ALLIANCISTA

“Alliancista”, jornal do partido Aliança Mato-Grossense foi

articulado pelos senadores João Vilasboas e Vespasiano Barbosa Martins,

congregando parte dos membros dos antigos partidos Evolucionista e Liberal.

Imagem 6: Grafia do título do Jornal “Alliancista” em 1937, Edição n.: 1, 10 out. 1937.

Circulou às quintas-feiras e domingos e conteve de forma mais

frequente quatro páginas, dispondo de artigos, discursos políticos e atos

governamentais nas primeiras laudas e nas últimas deu maior espaço para

propagandas e notícias. Constam no acervo do APMT vinte edições deste

impresso, entre outubro de 1937 a janeiro de 1938. Representou

iconograficamente as imagens de Filinto Müller, Júlio Müller (Interventor do

Estado durante o Estado Novo), João Ponce de Arruda (Secretário Geral do

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78

Estado durante o governo de Júlio Müller), Isaac Póvoas (prefeito de Cuiabá,

entre 1937 a 1941) e Getúlio Vargas, a quem, já nos primeiros números,

declarou enérgica adesão.

Em sua primeira edição de 10 de outubro de 1937160 comemorou,

em primeira página, a posse do novo governador Julio Müller, então eleito de

forma indireta, um mês antes, pela Assembleia Legislativa, mas que no mês

subsequente recebeu o aval de Getúlio para ser seu representante como

interventor no Estado, quando da instauração da ditadura varguista. Na

mesma publicação divulgou uma carta de despedida de Manoel Ary da Silva

Pires, ex-interventor do Estado que naquele momento se retirava da

condução do governo e a transferia para Müller.

A década de 1930 foi assinalada pela atuação de interventores no

Estado, como Antônio Mena de Gonçalves161 e Manoel Ary da Silva Pires, em

grande parte consequência de conflitos entre as oligarquias políticas do

estado. A fim de suprimir essas e outras disputas, inclusive o movimento

separatista da região sul162, o governo federal promoveu ativa repressão ao

“habitat político dos poderosos senhores locais.”163. O grupo político do

“Alliancista” articulou parte desses conflitos entre oligarquias locais,

principalmente, contra Partido Republicano.

E dentro das novas referências de atuação do governo federal,

articulando uma política mais centralizadora, o jornal demonstrou vigorosa

160 Alliancista – Orgam da “Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 10 out. 1937, Caderno 1, p. 1-2. 161 Interventor do Estado logo após a ascensão de Getúlio Vargas à presidência em novembro de 1930 até abril de 1931: “Sua gestão como interventor do estado, ainda que só tivesse a duração de cinco meses, caracterizou-se por uma ação saneadora e moralizadora contra os grandes proprietários usineiros do norte, que chegaram a ser presos e humilhados em seus próprios domicílios.” Cf. CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso: (1889-1943). Campo Grande: Ed UFMS, 2006, p, 166 (grifo do autor). 162 Idem, p. 165. 163 Idem, p. 165-177.

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79

aliança com as estratégias e a propaganda política de Getúlio Vargas e de seus

aliados. O anticomunismo se insere nessa perspectiva, em torno da definição

conspiratória de um inimigo, em apoio a um projeto nacional rígido

conduzido pelo líder Vargas, questão a ser debatida no capítulo III.

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80

CAPÍTULO II

Mitologia conspiratória anticomunista nos jornais de Cuiabá

Ou retomamos o feito conservador, jurídico, tradicional da nossa politica, desde o Imperio, ou descambamos pelo plano inclinado da força e das aventuras communistas, com que se rotula a anarchia legalizada. (…) Operarios, guardae bem estas palavras: A Religião, eis vossa protectora! O communismo, eis o vosso inimigo!164

Cultura política, conceitos e possibilidades de análise

Nos capítulos II e III objetiva-se examinar os jornais selecionados

em diálogo fundamentalmente com o conceito teórico da mitologia

conspiratória do historiador Raoul Girardet165, a fim de examinar, sob

diferentes aspectos, as construções narrativas conferidas sobre essa outra

conjugação política, o comunismo. Girardet compreende que os mitos

políticos conspiratórios possuem o poder de desfigurar a realidade,

instituindo outra cheia de pesadelos, “certezas”, paixões e medos, servindo a

certos interesses daqueles que a fomentam. Todas essas percepções que

evidenciam as questões mais subjetivas do campo do político são

compartilhadas com os sentidos de uma história política associada ao

domínio cultural.

Tratar a esfera política como algo à parte do restante da vida

social, refletindo apenas os jogos de poderes e de interesses, onde são

aplicadas decisões racionais e estratégicas, é certamente uma fragilidade

argumentativa. Dentro dos ambientes institucionais, representativos e nos

espaços de poder há uma imersão cultural composta por uma diversidade de

164 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 08 jan. 1933, Caderno 1062, p. 1-2. 165 GIRARDET, Rauol. Op. cit.

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81

ideias, tradições, identidades e valores:

Sem a intenção de opor à escolha racional um paradigma culturalista, os estudos dedicados às culturas políticas revelam outras dimensões explicativas para os fenômenos políticos, como a força dos sentimentos (paixões, medo), a fidelidade a tradições (família, religião) e a adesão a valores (moral, honra e patriotismo).166

Considerando essas assertivas, o olhar sob os aspectos culturais

se constitui como um processo de análise imprescindível para os estudos do

campo político. Dois historiadores franceses, Serge Berstein e Jean-François

Sirinelli, contribuíram, no final dos anos de 1980, com importantes reflexões

e possibilidades de investigação da cultura política das mais diferentes

expressões políticas existentes, como a comunista, liberal, socialista,

conservadora, republicana, democrata, fascista e diversas outras.167 Rodrigo

Patto Sá Motta, em interlocução com esses dois historiadores franceses,

afirma que a cultura política é uma abordagem enriquecedora atenta para as

representações, imaginários e mitos políticos que se refletem e orientam as

decisões e os projetos de políticos.168

Portanto, compartilhando da visão de Motta, entende-se a cultura

política como “conjunto de valores, tradições, práticas e representações

políticas”169 comungado por certo partido, nação, religião, movimento

sindical ou qualquer outro grupo social e político. Abarcando ideias,

166 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In. ______ (Org.). Culturas Políticas na História. 2 ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014, p. 29. 167 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre e Jean-François Sirinelli. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1988. p. 354. 168 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A cultura política comunista: alguns apontamentos. In: ______.; NAPOLITANO, Rodrigo (Orgs.). Comunistas brasileiros: cultura política e produção cultural. Belo Horizonte.: Editora UFMG, 2013, p. 17. 169 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2014, p. 21.

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82

linguagens, identidades coletivas e interpretações que traduzem uma visão

comum sobre o passado e refletem propostas e direções para o porvir170.

Assim, em interação com âmbito da cultura política é possível

construir um exercício de análise das correntes ideológicas e do conjunto de

tradições que as cercam, considerando o contexto histórico e local. Promove-

se uma correlação entre diferentes elementos, como o discurso codificado e

suas palavras chaves, fórmulas repetitivas, símbolos, gestos e representações

visuais.171 Contudo, deve se tomar o cuidado para não se restringir a análise

ao campo das representações, mas relacioná-la ao caráter prático das

escolhas e interesses dos sujeitos.172

Para Serge Berstein, essas escolhas práticas do indivíduo são

influenciadas pela sua vivência coletiva, que o autor define como “vetores de

socialização”, incorporados às filiações políticas, à família, filiações sindicais,

corporações militares e às instituições de ensino, por exemplo. Não se trata

de um processo de doutrinação, mas de composições influentes e variadas,

que por vezes até se contrapõem. Apresenta-se, dessa maneira, uma

variedade de ações culturais sobre o indivíduo, uma “difusão de temas, de

modelos, de normas, de modos de raciocínio que, com a repetição, acabam

por ser interiorizados e que o tornam sensível à recepção de ideias ou à

adopção de comportamentos convenientes.”173

A essa “lista” de vetores influentes, Motta acrescenta ainda a

religião e as publicações impressas como importantes veículos que

interferem na dimensão política dos indivíduos. Esta pesquisa partilha da

opinião de Motta, no sentido que identifica na imprensa cuiabana e mato-

170 Ibid. 171 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre e Jean-François Sirinelli. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1988, p. 349-363. 172 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2014, p. 23. 173 BERSTEIN, Serge. Op. cit., p. 357.

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83

grossense a difusão de imagens capazes de constituir uma série de heróis,

oponentes e crenças da mitologia política, onde o leitor encontra “motivação

para identificar-se e aderir” às mensagens publicadas174. Como também,

identificamos de forma bastante presente a influência do campo religioso,

pois as igrejas católica e presbiteriana de Cuiabá foram propagadoras de

identidades e valores que repercutiram significativamente no plano político.

Os jornais selecionados neste trabalho, estejam eles ligados aos

partidos políticos ou às instituições religiosas, responderam e partilharam de

uma cultura política conservadora, estabelecendo representações

mitológicas contra um inimigo comum, o comunismo. A tratativa é entender

como essas instituições aliaram seus interesses e a semeadura de imagens

negativas em relação ao oponente “vermelho”. E compreender ainda, como

essas estratégias, sejam no campo prático ou na formatação de mitos

conspiratórios, alinharam-se ao golpe autoritário do Estado Novo.

Pensar a repercussão das representações, imagens, valores,

tradições, crenças e mitos nos jornais cuiabanos, “O Matto Grosso”, “A Cruz”,

“A Pena Evangélica” e “Alliancista” é viabilizar a análise de uma série de

filiações políticas e culturais dos grupos e indivíduos dessas publicações. Cada

publicação elegeu valores, diretrizes morais, padrões de nacionalidade, bases

econômicas e políticas junto a seus fiéis e eleitores. Suas atuações, no recorte

temporal de 1930 a 1945, demonstram um momento de instabilidades e de

grandes escolhas, sendo o comunismo percebido como uma expressão

totalmente oposta às normas conservadoras as quais defendiam. Nesse

embate, promoveram e apropriaram-se de outras construções mitológicas

que instituíram um simulacro conspiratório anticomunista, a ser melhor

tratado nas subsequentes discussões.

174 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2014, p. 23-24.

Page 84: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

84

O mito da conspiração e a construção do outro: “a luta do bem contra o mal”.

Antes de promover diálogo e análise direta das fontes, é preciso

delimitar mais um conceito para a compreensão do anticomunismo e seu

desenvolvimento imagético e discursivo. Neste ponto, sob o prisma de Raoul

Girardet, destacam-se os mitos políticos, uma construção subjetiva, mas não

desvinculada da realidade e das vivências sociais. Os mitos políticos inseridos

na definição de Girardet são promovidos como uma fabulação, deformação

ou interpretação objetivamente recusável do real. Portanto, este é um

instrumento analítico fundamental para compreendermos como os aspectos

subjetivos podem influir significativamente nos destinos de uma sociedade,

por meio da imposição de “verdades” que não são explicadas apenas por

uma referência demasiadamente racionalista.175

Nesta perspectiva e dentro de um traçado metodológico, Girardet

alerta que o mito político não pode ser medido e classificado

sistematicamente, pois sua característica mais marcante é ser imprevisível e

dinâmico, necessitando estar atento para suas singularidades. No entanto, o

mito pode vir revestido de características que se repetem, apresentando

traços comuns com outras manifestações mitológicas, e ainda completa: “é

preciso igualmente entender que um mesmo mito é suscetível de oferecer

múltiplas ressonâncias e, não menos, numerosas significações”176

As construções mitológicas se intensificam diante de uma

realidade envolta de tensões e desequilíbrios sociais. São propagadas de

forma mais violenta e nítida quando se acentuam as angústias coletivas, em

momentos bruscos, de desajuste da estrutura social e nos embates virulentos

pelo poder. Nessa via, os sistemas mitológicos estão conectados aos

175 GIRARDET, Raoul. Op. cit. 176 Idem, p. 15.

Page 85: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

85

momentos de crise, transição, rupturas, mudanças repentinas e aceleradas

que trazem “desagregação dos mecanismos de solidariedade e de

complementariedade que ordenam a vida coletiva.”177

Perante as angústias e incertezas, o mito político, enquanto

narrativa explicativa, tem a capacidade de restabelecer o equilíbrio,

reconquistar a lógica do mundo, ou seja, é capaz de trazer uma visão global

e coerente que pode ser encontrada nas visões nostálgicas:

O desconhecido ameaçador de um universo social fendido pode ser novamente subjugado e dominado. Sobre os restos das crenças mortas, novas certezas se edificam. Nos corações, nas consciências, os equilíbrios rompidos se reconstituem. Fornecendo-lhe novos elementos de compreensão e de adesão, o imaginário mítico permite àquele que ele se abandona reamarrar-se em um presente reconquistado, tomar pé em um mundo que voltou a ser coerente, que voltou a ser com efeito, claramente “legível”.178

Como já destacado, a década de 1930 esteve em uma sucessão de

acontecimentos, tanto a nível nacional como internacional, onde as certezas

escapavam às leituras da realidade. O ocidente, até então “refundado” na

lógica racional do iluminismo e do progresso, sentiu seu mundo estremecer.

A democracia liberal sofreu um duro golpe econômico e estrutural, iniciado

em um dos seus centros financeiros, se propagando em cadeia pelo mundo.

A experiência traumática de 1929179, logo após uma guerra de caráter

177 Ibid., p. 180. 178 Idem, p. 183. 179 Segundo José Jobson de Andrade Arruda, em “A crise do capitalismo liberal”, os Estados Unidos caminharam rumo a um sistema econômico insustentável que privilegiava a concentração de riquezas e um modelo altamente liberal. A crise se alastrou por várias partes do mundo, em diferentes proporções e em diferentes momentos. O governo brasileiro queimou parte da produção nacional de café para reajustar os preços do produto no mercado externo, uma medida drástica a fim de sustentar a elite cafeicultora. ARRUDA, José Jobson de Andrade Arruda. A Crise do capitalismo liberal. In.: FILHO. Daniel Aarão Reis;

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86

mundial e que teve a Europa como cenário principal, alardeou incertezas, e

deu ressonância às vozes que buscavam mudanças, e claro, novas bases e

alternativas. Mas nem todas essas mudanças propagavam o “novo”, em vez

disso, difundiam uma velha ordem, cheia de ressentimentos e

irracionalidades expostas no fascismo, nazismo180, salazarismo, franquismo,

Estado Novo e outros poderes autoritários.

No estremecer das balizas também havia outra opção,

consolidada no século XIX por Friedrich Engels e Karl Marx, o socialismo

científico, que denunciou a exploração capitalista e seu domínio ideológico,

evidenciando os excluídos da história e os conclamando para a luta, com a

finalidade de desenvolver uma sociedade comunista, sem classes,

propriedade privada e alienação humana. A Revolução Russa de 1917 tornou-

se um marco na concretização prática das propostas de Engels e Marx, porém

sob o influxo de uma tradição “marxista-lenista” e adaptações práticas181,

influenciando de maneira mítica182 partidos políticos e movimentos

revolucionários em todo o mundo.

FERREIRA, Jorge; ZENHA, Cleleste. O século XX. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005, p. 11-34. 180 Ver: ELIAS, Nobert. O Colapso da civilização. In: Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus no século XIX e XX. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 267-355. 181 A Revolução Russa instituiu uma tradição marxista-leninista que reverberou nas ideias e proposituras dos partidos comunistas. O socialismo enquanto estrutura estatal e partidária se reverteu em um sistema que impôs, de cima para baixo, as vontades e decisões dos líderes partidários, instituindo um governo centralizado. O modelo instaurado na União Soviética, com algumas mudanças, foi referência para os demais países socialistas pós II Guerra Mundial. Cf. HOBSBAWM, Eric. Revolução Mundial. In.:_____. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita; revisão técnia Maria Célia Paoli – São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-89. 182 Hobsbawm afirma que a Revolução de Outubro na Rússia se reverteu em um acontecimento que “abalou o mundo”. A Revolução Russa transformou-se em um símbolo de adoração por parte daqueles que ansiavam por mudanças revolucionárias em prol de uma melhor alternativa ao modelo de sociedade capitalista, inspirando importantes levantes e revoluções pelo mundo Cf. HOBSBAWM, Eric. Revolução Mundial. In.: _____. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita; revisão técnia Maria Célia Paoli – São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-89.

Page 87: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

87

Nesse mundo de tensão, mesmo em um território de fronteira

como o Mato Grosso, e por vezes esquecido pelo poder central, os

acontecimentos e novas ideias precisavam de uma rápida explicação, que se

fez amplamente presente nas letras e papéis de jornais e revistas. A imprensa

é um dos mecanismos reguladores sociais capazes de controlar, em limites

suportáveis, as tensões internas da sociedade, empregando regimes de

verdades.183

Assim, os recursos da narrativa e do imaginário mitológico foram

largamente acionados pela imprensa cuiabana e utilizados para manutenção

da ordem existente, fazendo, em sua prevalente maioria, severa oposição à

alternativa revolucionária comunista. Em vista disso, numerosas foram as

significações postas pelo anticomunismo na capital mato-grossense,

apropriando-se de uma linguagem política amplamente difundida na cultura

política ocidental: o mito da conspiração.

Em sua obra “Mitos e Mitologias Políticas”, Girardet trata da

construção de três mitos conspiratórios, sobretudo na França do século XIX,

e que envolvem três personagens: o maçom, o jesuíta e o judeu. Girardet,

então percebe que foram criadas narrativas que seguiram um roteiro muito

bem tramado, uma “identidade de estrutura” arquitetada em torno ao

“legendário do complô”. Esse sistema de imagens e representações se baseia

em uma trama composta por uma organização cheia de segredos, pactos de

silêncio, laços de promessas, códigos e senhas, onde quem infringir e romper

essa ordem será punido exemplarmente. Constituídas de uma “hierárquica

rígida e piramidal”, suas lideranças possuem autoridade absoluta e os

submissos deverão passar por uma escala de aperfeiçoamento para chegar

aos níveis superiores. Suas reuniões são em locais desconhecidos e

estratégicos, de vigilância constante e alterados frequentemente para não

183 Cf. FOCAULT. Michel. Op cit., 2012, p. 13.

Page 88: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

88

serem desvelados.184

Na vontade de alcançar seus objetivos de dominação, a

organização conspiratória utiliza-se de todos os meios e recursos, e não há

limites para isso: serviços de espionagem, assassinatos e delações. Sua

influência está presente em todos os âmbitos, educacionais, bancários,

institucionais, políticos e familiares. Presente também, no controle da

imprensa, a fim de manipular as informações e ludibriar a sociedade. Todo

esse estratagema conspiratório é alicerçado pela corrupção e destruição dos

sistemas de valores morais e de costumes.185 Aos agentes do complô são

revestidas imagens demoníacas, sangrentas, animalescas, de escuridão e

perversão moral, um corruptor forasteiro capaz de levar à ruína famílias e

toda a sociedade.186

Um dos modelos mais significativos de um mito conspiratório foi

a propaganda antissemita “Os protocolos dos Sábios de Sião”, aludindo um

complô judaico de dominação mundial. Tal peça narrativa serviu às mais

diferentes posições conservadoras de diversos países, e de forma mais

intensa entre as duas guerras mundiais. Também o anticomunismo brasileiro,

na década de 1930, valeu-se desse recurso mítico, mesmo quando já se sabia

de seu caráter fraudulento.187 Inicialmente formulado no século XIX pela

polícia czarista Russa, A narrativa de “Os protocolos dos Sábios de Sião”

objetivou atacar as ações modernizadoras no âmbito econômico, impetradas

184 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 33-36. 185 Idem, p. 38-40 186 Idem, 43-49. 187 A associação entre comunistas e judeus foi bastante utilizada por integralistas, principalmente por um dos seus membros e liderança, Gustavo Barroso, um intelectual reconhecidamente antissemita. Essa associação ganha expressão também no Estado Novo, justificando a perseguição de judeus, que nem sempre tinham ligação com o comunismo. Cf. JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega de. O Anticomunismo de Gustavo Barroso: A crítica política como instrumento para um discurso antissemita. In: RODRIGUES, Cândido Moreira; BARBOSA, Jefferson Rodrigues (Orgs). Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920 – 1950. Cuiabá/MT: Editora da UFMT, 2011, cap I, p. 15-32;

Page 89: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

89

pelo ministro Witte, e assim, proporcionar um cenário conspiratório em

torno da das aspirações liberais deste.188

O Jornal presbiteriano “A Penna Evangelica”, divulgou as cenas

sobre Moscou de uma exposição nazista, em Berlim, se apropriando do

modelo narrativo antissemita que tem o judeu “sem-pátria” e estrangeiro

como um modelo conspirador sanguinário, “sádico” e sem escrúpulos. São

essas referências, já há muito tempo reproduzidas e que serviram de

instrumentos imagéticos na batalha cristã contra o comunismo, associada

aqui ao antissemitismo:

São indescriptiveis os documentos autenticos que falam do ultraje cultural dos 6 milhões de trabalhadores forçados, que são sacrificados nas immensas florestas da Siberia e que sofrem sob o jugo de estrangeiros, seus dominadores, que são todos, sem excepção, judaico-sadistas. Grandes fotografias demonstram assassinios em massa e assassinios de refens. Esta exposição, única no mundo pela sua integridade, dá um quadro horripilante do terror sanguinario e da miseria geral do povo, e impõe-se ao espectador um sentimento de abominação e horror contra um regime, que um pequeno numero de salteadores assassinios e judaicos-sadistas quer implantar ao povo de todo o mundo.189

Como observado no texto acima, toda essa construção imagética

conspiratória se articula a outros enunciados e referências mitológicas já

presentes no imaginário político ocidental e, desta forma, conquista maior

receptividade junto a sociedade. As funções dos mitos políticos são

inerentemente estratégicas, já que são poderosos instrumentos para

legitimar perseguições e exclusões, e ocultar as falhas do poder vigente.190

188 Ibid., p. 50. 189 O Bolchevismo sem máscara. “A Penna Evangélica”. Órgão Semanário de Propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuiabá. Cuiabá, 06 fev. 1937, Caderno 487, p. 2. 190 GIRARDET, Op. cit., p. 49-51.

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90

Por conseguinte, os mitos políticos, como a mitologia do complô,

tratam de uma narrativa que não está apartada da realidade histórica, mas

sim relacionada aos acontecimentos e às estratégias políticas frente a disputa

ou manutenção do poder:

Nenhum dos mitos políticos se desenvolve, sem dúvida, no exclusivo plano da fábula, em um universo de pura gratuidade de transparente abstração, livre de todo contato com a presença das realidades da história. Mas, no que diz respeito a mitologia do Complô, aceita-se de boa vontade que a carga de densidade histórica se revela, com toda evidência, particularmente pesada: com efeito, não há nenhuma, ou quase nenhuma de suas manifestações ou de suas expressões que não possa ser relacionada mais ou menos diretamente com os dados factuais relativamente precisos, facilmente verificáveis em todo caso, e concretamente apreensíveis.191

Sem embargo, toda essa urdidura da narrativa mitológica constitui

um poder de manipulação significativo, amplificando, distorcendo e

promovendo um efeito polêmico e mutacional sobre a realidade, onde o

contexto temporal é invalidado: “a relatividade das situações e dos

acontecimentos, esquecida; do substrato histórico não restam mais que

alguns fragmentos de lembranças vividas, diluídas e transcendidas pelo

sonho.192

Por meio dessas valiosas considerações, compreende-se que a

construção de uma entidade demoníaca e conspiratória foi um amálgama

importante, principalmente nos momentos de instabilidade social e política.

Posições conservadoras no Brasil de 1930 consolidaram a figura do mal

comunista costurada com a narrativa imagética do complô:

191 Idem, p. 51-52. 192 Idem, p. 52-53.

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91

O Mal que sofre, e mais ainda, talvez, aquele que se teme, acha-se doravante muito concretamente encarnado. Ganhou uma forma, um rosto, um nome. Expulso do mistério, exposto em plena luz e ao olhar de todos, pode ser enfim denunciado, afrontado e desafiado.193

Perpassando todos esses pontos ligados a uma perspectiva da

cultura política, duas questões são levantadas: Como se produziu e refletiu a

construção dos mitos e imaginários anticomunistas nos jornais cuiabanos

entre os anos de 1930 a 1945? Quais suas vinculações políticas e suas

posições diante do contexto histórico de crise da democracia liberal, e diante

dessa crise, quais alternativas e soluções defenderam? Todavia, antes de

responder essas questões, é preciso trazer as diferentes expressões políticas

e culturais brasileiras que imputaram combates repressivos e narrativas

conspiratórias contra o comunismo.

As expressões políticas e culturais do anticomunismo no Brasil

A cultura comunista extrapolou às composições partidárias e às

teorias marxistas. As adesões ao comunismo ocorreram não apenas por

interesses políticos e de classe, mas também por refletir identidades e

projetos envoltos de um ideal a ser conquistado, perpetuando mitos e

símbolos capazes de arregimentar operários, pensadores e diversas camadas

sociais.194

Por sua vez, grupos religiosos, midiáticos, políticos, militares e

intelectuais com objetivo de manipular o imaginário social brasileiro,

construíram uma série de referências representativas, simbólicas e

193 Ibid., p. 55. 194 Cf. FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do Mito – Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002.

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92

discursivas de impressão negativa em relação aos comunistas. Os impressos

constituíram, nas décadas de 1930 e 1940, lugar de destaque para a

propagação intensa de uma propaganda política de massa contra o

comunismo. O intuito era promulgar uma narrativa carregada de

estereótipos, sob a égide da conspiração. Nesse momento, os que aderiram

ao anticomunismo partilharam de construções mitológicas em prol de

combater o “inimigo vermelho”, integrando os propósitos de unificação e

consolidação de valores e opiniões junto a um Estado nacional.

Mas essas ações se estabeleceram sobre diferentes motivos e

interesses, que em alguns momentos se arregimentavam. E a fim de

compreender as bases e as diferentes expressões políticas e culturais do

anticomunismo no Brasil, partilha-se das concepções de Rodrigo Patto Sá

Motta. O referido autor identificou diferentes esferas ideológicas

anticomunistas, ligadas até mesmo ao campo da esquerda195, contudo e de

forma predominante, as vertentes conservadoras e reacionárias foram as que

mais produziram discursos de combate extremo ao comunismo. E dentre

essas três matrizes conservadoras destacam-se: o catolicismo, o

nacionalismo e o liberalismo.196

Mas, todas essas matrizes se articulavam e não estavam isoladas

uma das outras, tendo o anticomunismo católico maior expressão e

amplitude.197 Em conjunto, ou em atuação paralela, diversos grupos ligados

195 Rodrigo Patto Sá Motta aponta que parte da esquerda brasileira se posicionou contrária ao comunismo considerando os aspectos autoritários da União Soviética, trazidos principalmente à tona, em 1956, por meio de um relatório secreto do XX Congresso do PCUS. Contudo, em comparação aos partidos socialistas da Europa Ocidental em um contexto pós Segunda Guerra Mundial e sob influência estadunidense, essa postura não foi tão expressiva, pois, no Brasil, tradicionalmente o anticomunismo estava associado ao círculo conservador e reacionário. Cf. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho – O Anticomunismo no Brasil (1917-1964). Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 2000, p. 33-34. 196 Idem, p. 35. 197 Idem, p. 67-68.

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93

às forças armadas, instituições religiosas, governo, setor empresarial, AIB,

parlamento, organizações femininas e meios de comunicação estiveram

empenhados, não apenas nas décadas de 1930 e 1940, como em todo o

contexto da Guerra Fria, na luta discursiva, conspiratória e repressiva contra

o adversário “diabólico, imoral, exótico e ilusório”.

Entretanto, esta pesquisa entende ser relevante destacar as

outras expressões que efetivaram o combate ao comunismo, mesmo que não

sejam prevalentes, como o caso do protestantismo. É oportuno que as

pesquisas sobre o anticomunismo também ambicionem compreender a

inserção de outras instituições, grupos e movimentos neste debate, como as

diversas denominações protestantes ou evangélicas, religiões que estão em

ascensão política e social no país198.

No caso deste estudo, identificamos que a Igreja Presbiteriana de

Cuiabá, por meio de seu jornal, “A Pena Evangélica”, imputou forte empenho

no combate ao comunismo. Dessa forma, é importante inserir nesta

discussão, além da esfera católica, as características do anticomunismo

protestante, mesmo encontrando dificuldades como o restrito número de

trabalhos que possam auxiliar e referenciar esta análise. Nesse sentido, os

dois próximos tópicos almejam apresentar as discussões acerca das bases e

expressões cristãs do anticomunismo no Brasil, destacando o catolicismo e o

protestantismo.

198 Nos últimos 10 anos o número das chamadas denominações cristãs evangélicas aumentou 61,45 % no Brasil, somando uma população de 42.275.440 de pessoas, mais de 20 % da população brasileira. Apenas os evangélicos de missão, que incluem luteranos, presbiterianos, metodistas, batistas, congregacionais e adventistas representam atualmente 4% da população. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Censo demográfico 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. ISSN 01004-3145, Rio de Janeiro – RJ.

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94

Anticomunismo e a reação católica contra o mundo moderno liberal

De maneira geral, as religiões cristãs contribuíram

significativamente para a difusão do anticomunismo. Mas, certamente, o

maior empenho foi praticado pela Igreja Católica que tratou o comunismo

como um adversário impiedoso, tanto por parte de suas lideranças, como de

seus membros leigos.

Carla S. Rodeghero entende que este processo, se insere no

combate da Igreja Católica aos processos de modernização da sociedade

ocidental. Desde o período da Renascença, passando pela Reforma

Protestante, pela Revolução Industrial na Inglaterra, pelo movimento

iluminista e Revolução Francesa, a modernidade racional e ocidental vem

questionando os preceitos e a ordem católica.199

Esse processo modernizador se repercute na laicização do Estado

e na ascendente secularização da sociedade ocidental, cada vez mais urbana,

industrializada e incorporada de novos valores e utopias, se afastando

progressivamente das referências morais da Igreja. Aos olhos do catolicismo,

o comunismo seria parte desse processo, juntamente com outras expressões

políticas, sociais e culturais como: o liberalismo, anarquismo, indústria

cultural, movimentos juvenis e femininos que teriam aprofundado “ainda

mais o fosso aberto anteriormente entre religião e sociedade.”200

Em ofensiva contra esse percurso histórico, a Igreja Católica reagiu

por meio de um movimento denominado catolicismo ultramontano iniciado

no século XIX, e que se manteve até a segunda metade do século XX. Tal

movimento se caracteriza por um processo de centralização hierárquica da

199 RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998, p. 44. 200 Idem, p. 44-45.

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95

Igreja, encabeçado pelo Papa Pio IX (1846-1878). Em referência à teologia

tomista, o movimento primou pela rejeição à filosofia racionalista, à ciência

moderna e à democracia liberal burguesa, bem como ao capitalismo e ao

comunismo,

as características fundamentais da reação anti-moderna católica permaneceram mais ou menos as mesmas. Na esfera intelectual, a rejeição à filosofia racionalista e à ciência moderna. Na esfera doutrinária, a retomada das decisões tridentinas e da filosofia e teologia tomista. Na política externa, a condenação à liberal democracia burguesa e concomitante reforço da idéia monárquica. Na política interna, o centralismo em Roma e na pessoa do Papa e o reforço do episcopado. Na esfera sócio-econômica, a condenação ao capitalismo e ao comunismo e um indisfarçável saudosismo da Idade Média, que se manifestará fortemente no Brasil na década de 1930.201

As ideias marxistas revolucionárias, baseadas no materialismo e

atreladas ao cientificismo, marcando críticas severas ao campo religioso,

tornaram-se o mais novo inimigo moderno e conspirador dos valores morais

da Igreja. Portanto, na percepção dessa Igreja ultramontana o comunismo era

um concorrente potencial, portador de crenças e ideias totalmente opostas

às diretrizes religiosas e capazes de fazer ruir toda a instituição:

A filosofia comunista se opunha aos postulados básicos do catolicismo: negava a existência de Deus e professava o materialismo ateu; propunha a luta de classes violenta em oposição ao amor e à caridade cristãs; pretendia substituir a moral cristã e destruir a instituição da família; defendia a igualdade absoluta contra as noções de hierarquia e ordem, embasadas em Deus. No limite, o sucesso da pregação comunista implicaria no desaparecimento da Igreja, que

201 MANOEL, Ivan Aparecido. O pêndulo da História. Tempo e eternidade no pensamento Católico (1800-1960). Maringá/PR, Eduem, 2004, p. 11.

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96

seria um dos objetivos dos líderes revolucionários.202

Um dos primeiros documentos produzidos pela Igreja Católica

condenando o comunismo e o socialismo foi a encíclica Quanta Cura,

publicada em 1864 pelo papa Pio IX, perfazendo essas manifestações

políticas como ideias que objetivavam destruir a religião e a família. O

documento está claramente inserido no contexto de crítica da Igreja aos

processos de modernização da sociedade, dentre eles a laicização. Processo

este que defendia o afastamento da Igreja do poder do Estado e da educação

dos jovens que passaria a ser encargo do governo.203

Continuando o avanço combativo, a encíclica Quod Apostolici

Muneris de Leão XIII, de 1878, alertou, não de maneira evidente, os bispos

católicos sobre os perigos das propostas revolucionárias comunistas. Já em

1891, a Encíclica Rerum Novarum, do mesmo papa, fez críticas tanto à

exploração gananciosa do capitalismo, como ao comunismo, então tratado

como uma grave ameaça à harmonia social, defendendo a obediência do

operariado frente aos patrões e proprietários. No entanto, refletindo

preocupações com as questões sociais, Leão XIII apoiou a atuação do Estado

no sentido de proteger o trabalhador da exploração excessiva, mas também

caberia a este impedir greves e proteger a propriedade privada204.

A partir da Revolução Russa, em 1917, o temor da Igreja Católica

em relação ao comunismo se acentuou. Todavia, a escalada ascendente do

anticomunismo católico se deu na década de 1930, durante a Guerra Civil

Espanhola, pois, segundo Marco Antônio M. L. Pereira, a Igreja Católica se

opôs expressivamente ao crescimento e a ação de partidários anarquistas e

comunistas em um território onde a Igreja teve por séculos um domínio

202 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 38-39. 203 DENZINGER, Enrique. El magistério de la Iglesa. Barcelona: Herder, 1955, p. 402-403. 204 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 37-38.

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97

político protagonista.205

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) tratou-se de um confronto

entre forças conservadoras, nacionalistas e fascistas, defensores do fim da

república, e a base do Governo Republicano Espanhol, a Frente Popular,

composta de sindicatos, anarquistas, comunistas, outras correntes de

esquerda e partidários democráticos. Nesse contexto, de acordo com Pereira,

a Igreja católica viu seu domínio na esfera civil social diminuir

consideravelmente na República espanhola. E diante das bases anticlericais

dos republicanos, o catolicismo espanhol arregimentou suas forças ao lado

dos conservadores e nacionalistas. Como consequência de suas posições,

sofreu intensa perseguição por parte dos grupos republicanos durante o

conflito espanhol, o que impactou demasiadamente a Igreja e acentuou suas

posições anticomunistas, inclusive junto ao catolicismo brasileiro.206

Há controvérsias sobre as ações que culminaram em depredações

de santuários, ataques e assassinatos de sacerdotes. Para muitos autores

esses atos de violência foram fruto das explosões revolucionárias populares.

No entanto, os integrantes da Igreja Católica no Brasil associaram as

agressões sofridas na Espanha quase que exclusivamente aos comunistas. Já

em relação aos demais componentes da frente republicana, formada por

democratas e anarquistas, a culpabilização se dava de forma mais

oscilante.207

Em reação a esses acontecimentos o Papa Pio XI, no ano de 1937,

publicou a Encíclica Divinis Redemptoris, onde reforçou de maneira direta a

postura anticomunista da instituição religiosa católica, advertindo sobre as

205 Cf. PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do discurso anticomunista católico. Dissertação (Mestrado em História). UNESP, Franca, 2010, p. 87-98. 206 Idem. 207 Idem.

Page 98: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

98

consequências do comunismo e conclamando seu enfrentamento. Esta e as

demais orientações papais aqui destacadas repercutiram junto ao

episcopado brasileiro, que reforçava a posição anticomunista do Vaticano por

meio de Cartas Pastorais destinadas às suas dioceses.208

No Brasil, os anos de 1930 marcaram um processo de retomada

da Igreja Católica no cenário central da política brasileira, sob a condução do

Cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira (1882-1942). Em face da

proclamação da República, no final do século XIX, a Igreja perdeu

considerável poder de influência política e social, em consequência da

separação protocolar entre Estado e Igreja. Perante esse contexto, o objetivo

era “recristianizar” a sociedade e reaproximar de forma mais expressiva as

posições católicas das tomadas de decisões pelos poderes oficiais do Estado.

A partir desse momento, Dom Sebastião Leme, principal liderança

do movimento de restauração católica, apoiou a aproximação da Igreja a seus

membros leigos, como intelectuais conservadores e políticos de direita.209 O

cardeal, então, incentivou uma série de ações como o fortalecimento da

imprensa católica e constituição de entidades seculares de atuação junto aos

jovens, mulheres, processos eleitorais e operários. Seguindo as diretrizes do

Papa Pio XI (1922-1939), criou-se organizações como a Ação Católica e Liga

Eleitoral Católica (LEC) que se constituíram em projetos políticos e de

divulgação, não partidários, mas que objetivavam difundir os preceitos e

valores seguidos pela Igreja, entre eles o anticomunismo.

A Ação Católica foi um movimento que contou com a participação

de fiéis leigos difundido em alguns países católicos e no Brasil, aqui se

208 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 39-43. 209 MOURA, Carlos André Silva. Restaurar todas as coisas em Cristo: Dom Sebastião Leme e os diálogos com os intelectuais durante o movimento de recatolização no Brasil (1916-1942). In: RODRIGUES. Cândido Moreira; PAULA, Christiane Jalles de. Intelectuais e militância católica no Brasil. Cuiabá: EdUFMT, 2012, p. 17.

Page 99: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

99

estabelecendo oficialmente em 1935 com Dom Sebastião Leme. Tal

movimento objetivava a inserção de leigos na hierarquia da Igreja, auxiliando-

a na defesa de seus princípios e no seu projeto de maior influência sobre a

sociedade. Seu estatuto dividiu esta organização em quatro ramos: 1º)

Homens de Ação Católica; 2º) Liga Feminina da Ação Católica; 3º) Juventude

Católica Brasileira; e 4º) Juventude Feminina Católica.210 Contudo, como

observa Darlene Socorro da Silva, apesar de ter sido instituída oficialmente

em 1935, diversas manifestações já em 1922 seguiam o modelo da Ação

Católica proposta por Pio XI. Em Mato Grosso, por exemplo, a própria Liga das

Senhoras Católicas de Cuiabá, criada em 1924, seria uma ramificação da Ação

Católica.211

Já a LEC, criada em 1932 por Dom Sebastião Leme, objetivou

trazer de forma mais atuante as demandas católicas para o cenário político,

tendo em vista o momento de discussão de uma nova Constituição para o

Brasil, direcionando e angariando votos aos candidatos que defendessem às

causas da Igreja Católica, como a obrigatoriedade do ensino religioso nas

escolas.212

A imprensa foi outro instrumento importante para Igreja Católica

propagar seus valores e o anticomunismo. Segundo Cândido Rodrigues, a

revista “A Ordem”, dentro desse contexto de “reação católica” que marca a

reaproximação da Igreja com o Estado, demonstra a posição da instituição no

combate às proposituras liberais e socialistas.213 A revista idealizada pelo

210 PEDRAÇA, Célio Marcos. O Universo ideológico de Dom Aquino e os anos Vargas: entre a Igreja e o Estado (1930-1945). Dissertação de Mestrado. UFMT, Cuiabá, 2007, p. 55-56. 211 OLIVEIRA. Darlene Socorro da Silva Oliveira. Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): O movimento de Ação Católica e as Associações Femininas. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2010, p. 73-74. 212 RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem – uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte: Autêntica/Fapesp, 2005, p. 142. 213 Cf. RODRIGUES, Cândido Moreira, Op. cit.

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100

intelectual Jackson de Figueiredo (1891-1928), assim como o Centro Dom

Vital, nos anos de 1921 e 1922, respectivamente, se estabeleceram como

órgãos de representação laica, dirigidos por Alceu Amoroso Lima (1893-

1982), a partir de 1928214. Em Mato Grosso, o jornal católico “A Cruz”,

similarmente, se configurou como mecanismo importante para o combate ao

comunismo, mas esse ponto será discutido de forma abrangente logo

adiante, quando se der a análise dos periódicos.

Para Rodrigues, Alceu Amoroso Lima, também conhecido por seu

pseudônimo de Tristão de Athayde, foi um destacado intelectual católico e

defendeu durante a década de 1930 a intervenção católica na política, não

pela constituição de partidos, mas por meio da propagação dos valores

religiosos católicos junto à sociedade e através de organizações como a LEC

e a Ação Católica. Opôs-se à Aliança Nacional Libertadora - ANL por sua

relação com o comunismo, e definiu este último como antiespiritualismo,

antinacionalismo e antifamiliarismo. Entendeu, nessa fase, o comunismo

como uma ilusão e ameaça à Pátria, uma “hipertrofia da coletividade”, tão

perigosa quanto o liberalismo que, por sua vez, classificava como expressão

do individualismo. Chegou a avaliar, em 1935, o Integralismo “como o

movimento mais próximo dos católicos”, evidenciando, naquele momento215,

posições autoritárias.216

214 Ibid., p. 15. 215 É importante salientar que Cândido Rodrigues constata mudanças nas percepções políticas de Alceu Amoroso Lima, já no final de 1939 e meados de 1940, abandonando sua aprovação ao integralismo. A datar de 1942, passa a realizar inclusive uma crítica progressiva ao Estado Novo, partilhando da filosofia democrática de Jacques Maritain passando a defender um pensamento progressista democrata. Cf. RODRIGUES, Cândido Moreira. Aproximações e conversões: o intelectual Alceu Amoroso Lima no Brasil dos anos 1928-1946. São Paulo: Alameda, 2013. 216 RODRIGUES, Cândido Moreira. Observações insuficientes de fenômenos parciais da sociedade: comunismo e democracia em Alceu Amoroso Lima. In.: _____.; BARBOSA, Jefferson Rodrigues (Orgs.). Intelectuais e comunismo no Brasil: 1920-1950: Gustavo Barroso – Plínio Salgado – Alceu Amoroso Lima – Jorge Amado – Miguel Costa. Cuiabá: EdUFMT, 2011, p. 77-92, grifo nosso.

Page 101: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

101

Outra atuação demonstrativa da preocupação e das estratégias da

Igreja Católica com relação ao comunismo foram os Círculos Operários,

reflexos das diretrizes papais de Leão XIII e Pio XI. Por intermédio desses

núcleos, a Igreja tinha o propósito de afastar a classe trabalhadora das ideias

comunistas. Articulados primeiramente no Rio Grande do Sul, essas

associações tiveram repercussão nacional a partir de 1935, ano dos levantes

comunistas.217

Na perspectiva de Astor Antônio Diehl, a Igreja Católica, diante da

frágil atuação do Estado na solução dos problemas sociais, assumiu o papel

de estimular a organização operária sob uma ótica assistencialista, mutualista

e corporativa.218 Nesses parâmetros, os Círculos Operários se constituíram

como parte de uma ação política vigorosa da Igreja, que ansiava influenciar

os meios sociais, através de associações laicas, e impedir a propagação do

comunismo na sociedade:

combate ostensivo ao materialismo, através do púlpito e da ‘boa imprensa’; organização de associação de senhoras, de estudantes, de moços, Ação Católica, LEC, onde se formavam líderes ‘imbuídos do espírito cristão’, e finalmente, a aproximar-se do operariado pela organização dos Círculos Operários.219

Nesse sentido, a Igreja conseguia abranger diversas camadas

sociais difundindo seus preceitos e o enfrentamento ao comunismo. A

organização da LEC objetivava angariar votos aos candidatos que apoiassem

os seus ideais e a Ação Católica na difusão desses. A revista “A Ordem” foi

voltada para os intelectuais e os Círculos Operários direcionados para ação

217 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 46-47. 218 DIEHL, Astor Antônio, Círculos Operários no Rio Grande do Sul: um projeto sócio-político da Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre. EDIPUCRS, 1990, p. 18. 219 Idem, p. 26, grifo do autor.

Page 102: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

102

junto aos trabalhadores.

Todavia, a atuação da Igreja Católica no combate ao comunismo e

no estabelecimento de frentes doutrinárias, que tocavam aspectos morais,

políticos e econômicos, não se restringiu apenas a essas organizações, à

imprensa católica e às cartas episcopais. Constantemente livros e outros

jornais publicavam textos de religiosos e leigos católicos. Além disso, sua

influência junto aos políticos parlamentares da Assembleia Nacional

Constituinte de 1933/1934 foi bastante significativa, representada no debate

do ensino religioso nas escolas e na oficialização do casamento religioso.220

Para influenciar efetivamente e buscar um espaço privilegiado

junto ao poder estatal, opondo-se ao liberalismo e ao comunismo, a Igreja

também se aproximou daquele que se anunciava como nova alternativa

política: o governo Vargas, principalmente a partir de 1935.221 Foi

extremamente conveniente para Getúlio Vargas a aliança com a Igreja

Católica, pois encontrou neste grande aliado referências de imagem,

tradição, prestígio e importantíssimos códigos que legitimaram sua ação e a

instauração do regime autoritário do Estado Novo. A Igreja, no que lhe

concerne, percebia esse “Estado sacralizado” como um parceiro fundamental

para suas ações junto à sociedade civil e no combate ao comunismo:

São dois os planos de auxílio que a Igreja prestou ao Estado no Brasil dos anos 30: o primeiro, de caráter, mais constitucional, significou um apoio político decisivo em momentos cruciais da década; o segundo, não menos importante, relacionou-se à função milenar e indispensável de dominação das consciências. O agudo anticomunismo, que atendia aos interesses imediatos da Igreja enquanto instituição em nível mundial, serviria aqui de eficiente instrumento para denunciar, isolar, desmoralizar o adversário e fornecer ao Estado uma legitimidade especial

220 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 103. 221 DIEHL, Astor Antônio. Op. cit., p. 49.

Page 103: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

103

para suas práticas repressivas.222

Dentro dessa realidade, e de acordo com o historiador Jérri

Roberto Marin, o arcebispo de Cuiabá, D. Francisco de Aquino Corrêa,

defendeu a cristianização da sociedade por meio da configuração de alianças

entre a Igreja, o Estado e as elites. Para D. Aquino, o “marco civilizador de

Mato Grosso estava associado à Igreja Católica”. O “homem católico e

apostólico” deveria se constituir como expressão da identidade e dos valores

católicos e instrumento para a expansão do catolicismo no estado.223 Essa

missão civilizatória e projeto de domínio religioso do catolicismo mato-

grossense estiveram em sintonia com as propostas do Estado Novo de Vargas,

aliado ainda ao anticomunismo, questões a serem detalhadas no capítulo III.

Portanto, e haja vista a configuração de uma República que retirou

a Igreja de sua estrutura oficial, mas não deixando de ser influenciada por

essa. E tendo em conta, a crise do liberalismo no final da década de 1920,

que para parte dos membros católicos, religiosos e leigos, seria o grande

culpado do avanço do comunismo. A Igreja Católica brasileira empenhou-se,

nas décadas de 1930 e 1940, para propagar um modo de vida cristão e de

apaziguamento de conflitos, ambicionando impedir a inserção de ideias

“duvidosas” e que projetassem a mobilização política e autônoma de fiéis e

trabalhadores. Para tanto, membros e lideranças católicas, como Dom

Sebastião Leme e o arcebispo de Cuiabá, Dom Francisco de Aquino Corrêa,

apoiaram alternativas autoritárias, como o Estado Novo, empenhando-se, de

maneira expressiva e em conjunto a esta conformação política, na luta contra

o comunismo.

222 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. 2. Ed. Campinas: Papirus, 1986, p.189-190. 223 MARIN. Jérri Roberto. A Igreja católica em Mato Grosso e as divisões eclesiásticas. In.: PERARO. Maria Adenir. (Org.). Igreja católica e os cem anos da arquidiocese de Cuiabá (1910-2010). Cuiabá: EdUFMT/FAPEMAT, 2009, p. 58-59.

Page 104: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

104

Anticomunismo e a articulação protestante em torno da modernidade e do

progresso

O teólogo e sociólogo Valdinei Aparecido Ferreira, em sua tese

“Protestantismo e Modernidade no Brasil – da utopia à nostalgia”224, aborda

os conceitos sobre a modernidade e sua relação e desenvolvimento nas

Igrejas Protestantes até a sua inserção na América Latina e no Brasil.

Analisando as obras de diversos autores que direta ou indiretamente

estudaram o protestantismo e a modernidade, como François Guizot, Georg

Wilhlm, Hegel, Émile Louis, Max Weber, Karl Marx, Peter Berger, Ernest

Troeltsch, Ferreira identifica que a esfera protestante foi articulada sob os

contornos da modernidade, desde a instauração da Idade Moderna,

passando pela formação de uma nova consciência iluminista e racionalista,

até chegar ao desenvolvimento de uma sociedade capitalista industrial.225

Inicialmente, o protestantismo se estabeleceu na crença da

soberania do sujeito, visto pela Reforma Protestante como capaz, por meio

de sua consciência íntima e individual, de realizar a leitura e interpretação

das palavras bíblicas sem a intermediação de uma autoridade eclesiástica.

Em um eixo filosófico, foi impactado e aproximou-se dos pressupostos

iluministas, sob a leitura de que o mundo é regido por leis naturais,

perfeitamente possíveis de serem compreendidas pelo saber e razão. E sob

o controle e entendimento dessas leis seria possível reger o progresso

contínuo da humanidade.226

224 FERREIRA, Valdinei Aparecido. Protestantismo e Modernidade no Brasil - da utopia à nostalgia. Tese (Doutorado em Sociologia), programa de pós-graduação do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas/FLCH/USP, São Paulo, 2008. 225 Idem, p. 43-48. 226 Idem.

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105

Max Weber, ao investigar as vertentes protestantes, em “Ética

Protestante e o espírito do capitalismo”227 publicado a primeira vez em 1904,

acredita que estas, em especial o calvinismo e os segmentos puritanos,

contribuíram substancialmente para a expansão e desenvolvimento da

sociedade capitalista industrial. Isso, em consequência das afinidades entre a

fé e o modelo moral rígido protestante e a “organização racional do

trabalho”228 do mundo capitalista.

Na perspectiva dos estudos de Weber, essa conduta moral da

“ética protestante” prega a seus membros a composição de uma vida regrada

e racionalizada, que valoriza o trabalho e o crescimento profissional e por sua

vez condena os vícios e o ócio.229 Tal modelo de vida expressaria o espírito

burguês nos círculos protestantes, incentivando o fiel a buscar seu

enriquecimento que somado a um estilo de vida prudente e sem excessos,

permitiria o acúmulo de capitais, um dos princípios do capitalismo.230

Contudo, Weber ressalta que nem todo tipo de protestantismo apresenta

essa afinidade, como é o caso do luteranismo, pois, para o pensador alemão,

esta vertente não apresentaria o ímpeto do racionalismo tão presente no

“espírito do capitalista” moderno.231

A lógica do sistema econômico capitalista moderno se sustentaria

pela configuração de um Estado nacional laico e eficiente

administrativamente, bases que garantiriam o desenvolvimento e progresso

desse modelo.232 As Igrejas Protestantes também defenderam a instituição

dos Estados-nacionais desassociados da religião, o que permitiria o

227 WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Tradução: José Marcos Mariane de Macedo; São Paulo: Companhia das Lestas, 2004. 228 Idem, p. 82. 229 Idem, p 157. 230 Idem, p. 118. 231 Idem, p. 81. 232 FERREIRA, Valdinei Aparecido. Op. cit., p. 47.

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surgimento de uma pluralidade de instituições religiosas, cabendo a escolha

de uma delas ao indivíduo, e não a imposição e monopólio de uma única

crença.233

Ao observar todo esse arcabouço de conceitos e acontecimentos

da modernidade e da ideia de progresso, evidenciados pela Reforma

Protestante, Revolução Francesa e ascensão da sociedade capitalista

industrial. Ferreira apresenta as várias perspectivas teóricas que discutem as

relações, transformações e rompimentos do protestantismo em relação às

propostas da modernidade reformista, iluminista e industrial. Dessa maneira,

o autor defende que as respostas, escolhas e diretrizes do protestantismo

quanto aos paradigmas da modernidade e do progresso foram as mais

diversas. Seja de diálogo e acomodação, ou de recusa e crítica, evidenciando

distintos segmentos do protestantismo: liberais, conservadores e

pentecostais.234

Dentre esses distintos traçados, Ferreira ao investigar os primeiros

missionários protestantes estadunidenses, líderes das primeiras missões no

Brasil da segunda metade do século XIX, capta uma acentuada identificação

desses grupos religiosos com o modelo de progresso e modernidade liberal

representada pelos Estados Unidos:

Advogavam o trabalho livre, o valor do indivíduo, a disciplina pessoal como caminho para o progresso. Enxergavam nos Estados Unidos o modelo de nação moderna. No Brasil, na medida do possível, tratavam de se aproximar das elites liberais e propagar tais ideias.235

Em sentido próximo, Ducan Alexandre Reily, em diálogo com Paul

233 Ibid., p. 47-48. 234 Idem, p. 134. 235 Idem, p. 194.

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107

Pierson (1974), entende que o conceito de progresso propagado na fase

inicial do protestantismo brasileiro associava: uma norma rigorosa de

moralidade pessoal a ser seguida, que traria a prosperidade individual,

benefícios à saúde e também de forma semelhante à nação; identificação da

democracia com o protestantismo, em especial a vertente calvinista; e a

convicção de que a difusão de escolas protestantes e o investimento em

educação proporcionaria, em consequência, o progresso de toda

sociedade.236

A convicção entorno do progresso e da educação, pode ser

observada materialmente inclusive pela implantação de instituições

educacionais protestantes de ensino básico e superior em várias partes do

país. Exemplo da Escola Americana, fundada em 1870, atualmente Instituto

Presbiteriano Mackenzie. Regionalmente a Missão Evangélica Presbiteriana

do Brasil Central fundou a Escola Evangélica de Buriti, no município de

Chapada dos Guimarães no ano de 1913.237

Diante dessas considerações e da conjunção do protestantismo

brasileiro com um modelo de modernidade liberal, quais foram os

posicionamentos deste segmento religioso em relação ao comunismo?

Apesar de definir um recorte temporal distinto desta pesquisa, o

livro de Paulo Julião da Silva, “O Anticomunismo Protestante e o alinhamento

ao golpe militar (1945-1964)”238, fornece intepretações que podem

corroborar com as análises do anticomunismo propagado pelo jornal

presbiteriano “A Pena Evangélica”.

236 REILY, Ducan Alexandre. A. História documental do protestantismo no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Aste, 1993, p. 269. 237 FREITAS, Lucas Paulo; SÁ, Elizabeth Figueiredo de Sá. Philippe Landes e sua atuação na educação mato-grossense. Artigo publicado no Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História, Natal, 2013, p. 09. 238 SILVA, Paulo Julião. O Anticomunismo protestante e o alinhamento ao golpe militar (1945-1964). Curitiba, Editora Primas, 2014.

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108

Em se tratando do anticomunismo protestante, Julião da Silva

constituiu um trabalho expressivo buscando analisar os discursos

anticomunistas de Igrejas Protestantes de Recife/PE, de denominações

presbiterianas, batistas e Assembleias de Deus. As fontes pesquisadas foram

as mais diversas: periódicos, depoimentos orais e prontuários da Delegacia

de Ordem Política e Social.239

Em sua pesquisa, Silva demonstra que o combate ao comunismo

em Pernambuco realizado pelos protestantes foi intenso e em vigilância

contra “possíveis infiltrações subversivas”. Dessa forma, o autor revela que

mesmo as Igrejas Protestantes, costumeiramente associadas como

instituições religiosas “apolíticas”, mas arraigadas da influência cultural

norte-americana em um contexto de Guerra Fria, constituíram a ascensão de

movimentos de esquerda naquele Estado, a exemplo das ligas camponesas,

como uma grande ameaça. O combate ao comunismo, dessa maneira, se

converteu em uma campanha que incluía todos os subversivos de esquerda,

externos ou internos, alinhando-se aos discursos de apoio ao golpe militar de

1964. Dentro de seus quadros, membros, fiéis ou pastores suspeitos foram

afastados de suas funções na Igreja, ou até denunciados aos órgãos de

repressão.240

Nas conclusões de Julião Silva as Igrejas Protestantes no Brasil,

com fortes ligações históricas com o protestantismo inglês e estadunidense,

aderiram ao discurso anticomunista amplamente propagado por essas

nações capitalistas e liberais. Nessas circunstâncias, as denominações

religiosas pesquisadas estiveram avessas a quaisquer propostas de mudanças

revolucionárias e contestadoras da ordem social.241

239 Ibid. 240 Idem. 241 Idem, p. 201-203.

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109

Silva, abarcando reflexões de Peter Berger242, ainda compreende

que o anticomunismo protestante era reflexo de um segmento religioso que

se sentia fragilizado diante de uma sociedade cada vez mais secularizada e

descrente dos “milagres divinos”, diminuindo seu poder representativo junto

à sociedade.243 A oposição ao marxismo se reflete também, em diálogo com

Pierre Bourdieu244, diante de suas críticas às bases religiosas, percebidas

como legitimadoras da dominação de um certo grupo ou classe e

propagando a “manipulação simbólica das aspirações opositoras”.245

Assim, e em convergência com todas essas considerações aqui

realizadas, paradoxalmente, o protestantismo que se forjou sob o rompante

da modernidade não esteve em total sintonia com suas considerações,

transformações e reflexos, enfrentando ao longo de sua história crises

teológicas246. Apesar de suas origens reformistas e diante de uma sociedade

em ascendente descompasso com a espiritualidade religiosa, as diferentes

denominações protestantes temeram a perca de fiéis e de influência.

Contudo, cada uma delas escolheu e trilhou respostas diferentes para esse

processo. “A Pena Evangélica”, representando a Igreja Presbiteriana de

Cuiabá, manifestou esses conflitos em suas páginas, o que será evidenciado

e examinado no próximo tópico juntamente ao jornal católico, “A Cruz”.

Contra a degeneração moral: anticomunismo cristão

Trabalhador, não se iluda, não se enraiveça e não se deixe levar

pela cólera da luta de classes, pelo sonho da liberdade, pelas mentiras

242 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para a teoria sociológica da religião. – 5º ed. São Paulo: Paulus, 2004. 243 Idem, p. 71-73. 244 BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. 245 SILVA, Paulo Julião. Op. cit., p. 50-51. 246 BERGER, Peter L. Op. cit.

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110

sorrateiramente propagadas, pelas paixões ludibriadoras e pelo perigoso

“canto da sereia”247. São esses e outros enunciados utilizados pela imprensa

religiosa cuiabana para desacreditar o comunismo junto à população.

Como discutido no primeiro capítulo, as ideias postas na imprensa

mato-grossense tinham grande repercussão social na década de 1930.

Constata-se uma variedade significativa de periódicos regionais, em um

momento onde o rádio e a imprensa de âmbito nacional não haviam

consolidado sua presença no estado, algo que só viria a ocorrer a partir

década de 1940. Essa imprensa periódica de fácil acesso era uma importante

plataforma para a população local, letrada ou não (considerando as práticas

de leituras coletivas248), acessar outros territórios e constituir percepções

para além das preocupações cotidianas de seu universo local.

Reiteradamente esses impressos compreendiam estar “a postos”

para proteger mato-grossenses e brasileiros, em nome da religião, da família,

das mulheres, crianças, operários, dos cristãos e da moralidade, contra um

oponente muito bem articulado e cheio de “falsas” propostas de felicidade

plena. Para José Barnabé de Mesquita (1892-1961), esse adversário era um

“falso condutor”249 e de pretensões duvidosas, buscando por meio da

fragilidade dos “espíritos ignorantes”250 germinar seu controle demoníaco.

José de Mesquita demonstrou ser uma das vozes atuantes no

combate fervoroso contra os “agentes soviéticos”251. Figura influente e um

dos fundadores do Instituto Histórico de Mato Grosso (1919) e da Academia

247 LEITE, João Carlos Pereira. Cuidado com a sereia. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 10 jul. 1932, Caderno 1036, p. 1. 248 Cf. CHARTIER, Roger (Org.) Práticas de leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Ed. Liberdade, 1996. 249 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 08 jan. 1933, Caderno 1062, p. 1. 250 Idem. 251 Idem.

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111

Mato-Grossense de Letras (1921). Foi desembargador e presidente do

Tribunal de Justiça do Estado e um dos principais articuladores e diretor do

jornal católico “A Cruz”. Bastante erudito, produziu uma variedade de textos

como artigos, poesias e crônicas. Sua formação católica e atuante, inclusive

como presidente da Liga Católica Mato-Grossense (1925-1953), associação

responsável pelo jornal “A Cruz”, se evidencia em muitos desses textos e

traduziram seu alinhamento com a Igreja em relação ao comunismo. Nas

palavras de Mesquita, o comunismo e outras ideias revolucionárias seriam

fontes de desordem, capazes de abraçarem perigosamente o operário e

imporem uma nova e caótica ordem social:

São amigos-ursos do operariado, todos os revolucionarios desde os de 1789 até os de hoje, que têm no “Contrato Social” de Rousseau ou no “O Capital” de C. Marx, todos esses que pregam abertamente, á face dos governos que os toleram, a destruição da ordem social, para se criar em substituição uma nova ordem, que melhor se diria desordem de cousas...252

Este fragmento textual, segundo “A Cruz”, faz parte de uma

conferência realizada por José de Mesquita, no dia 18 de novembro de 1932.

Devido sua grande extensão, acabou publicada em partes 5 edições

sequenciais pelo periódico católico. Nessa composição, a fala de Mesquita

esteve repercutida não apenas em um evento para um número restrito de

pessoas, mas foi cuidadosamente registrada, através de doses explicativas e

em exposições catequéticas, nas primeiras páginas do impresso católico.

Sua postura contrária às ideias de Jean-Jacques Rousseau e Karl

Marx refletiu nessa conferência uma clara aproximação com as novas leituras

252 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 11 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 11 dez. 1932, Caderno 1058, p. 1.

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112

da filosofia tomista realizada pela Igreja. Conforme avaliado pelos

historiadores Rogério Luiz de Souza e Edison Lucas Fabrício, as ideias do

pensador medieval Tomás de Aquino (1225-1274) revigoraram dentro da

Igreja Católica do século XIX com a encíclica do papa Gregório XVI, “Mirari

Vos” (1832), que promove censuras ao liberalismo. Ainda, foram recuperadas

na encíclica “Aeterni Patris – Sobre a Restauração da Filosofia Cristã conforme

a Doutrina de São Tomás de Aquino” (1879) de Leão XIII, em um contexto de

fortes conflitos ideológicos entre a Igreja e os novos preceitos liberais

expandidos após a Revolução Francesa.253

No Brasil, no entanto, a teologia tomista somente constituiu maior

destaque no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX,

carregada de novos sentidos e releituras. As principais influências

neotomistas vieram dos franceses Jacques Maritain, Etienne Gilson e

Sertillanges, como também de autores brasileiros, como Leonel Franca, Alceu

Amoroso Lima e Afrânio Coutinho, estes dois últimos pertencentes ao Centro

Dom Vital do Rio de Janeiro. Essa releitura marca uma posição antimoderna

e conservadora dos intelectuais católicos, traduzida na negação aos

paradigmas positivistas, materialistas, cientificistas, racionalistas (na

perspectiva do filósofo Kant) e comunistas, concepções que teriam se

contraposto aos dogmas religiosos e ao cristianismo.254

Promovendo a articulação das referências e o emprego das

imagens do anticomunismo católico, Mesquita preocupou-se não apenas em

precaver sobre as possíveis ameaças do comunismo para a classe

trabalhadora, mas em complemento, trouxe propostas para as causas sociais

dos trabalhadores, a fim de impedir a expansão dos ideais socialistas entre

253 SOUZA, Rogério Luiz; FABRÍCIO, Edison Lucas. Neotomismo e política: Leonel Franca e o debate sobre modernidade e totalitarismo. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IX, n. 25, Maio/Agosto de 2016 - ISSN 1983-2850, p. 40-41. 254 Idem, p. 42-50.

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113

estes:

O espirito do cooperativismo, a organização de classe, bem entendida, a justiça accessivel, rapida e gratuita, a assistencia moral nos infortunios, muito mais graves quando falta amparo de um conselho amigo, são outros tantos pontos que exigem o exame dos pensadores e dos homens de governo, verdadeiramente conscios dos seus encargos.255

As questões e demandas sociais, como acesso à justiça e a

organização das classes foram reconhecidas aqui por Mesquita como

“encargos” do governo e a este caberia organizar os trabalhadores, a fim

assisti-los e prestar-lhes amparo.

Angela de Castro Gomes aponta a crescente preocupação no

período republicano com as “questões sociais”, ou seja, com a situação social

dos mais pobres e dos trabalhadores, com o objetivo de ordenar e controlar

o mercado de trabalho, impedindo a composição de possíveis distúrbios. Para

tanto, ansiava-se desvincular a imagem do trabalhador ao cenário de pobreza

e promover um ideal de trabalho associado à conquista da cidadania. Dessa

forma, difundiu-se, pós-30, um modelo de trabalhador nacional que via no

trabalho: “(...) um direito e um dever; uma tarefa moral e ao mesmo tempo

um ato de realização; uma obrigação para com a sociedade e o Estado, mas

também uma necessidade para o próprio indivíduo (...)”256.

Dentro dessas articulações, a Igreja Católica no Brasil reconhecia

que o capitalismo liberal e os empregadores cometiam abusos contra o

operariado e clamava pela atuação assistencial do Estado para mitigar essa

255 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 04 dez. 1932, Caderno 1057, p. 1-2. 256 GOMES, Angela de Castro. Ideologia e Trabalho no Estado Novo. In.: PANDOLFI. Dulce Chaves. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 55.

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relação de exploração e impedir a eclosão de revoltas e a desordem social,

conforme as orientações de Leão XIII, por meio da Rerum Novarum (1891), e

Pio XI com a encíclica Quadragésimo Anno (1931)257. Portanto, para os

clérigos e intelectuais conservadores da Igreja, como Mesquita, o trabalhador

brasileiro deveria ser instruído, assistido e controlado, com o objetivo de ser

afastado dos ideais marxistas, do “falso amigo”, da luta por igualdade, das

greves, das organizações independentes e da aspiração pelo controle dos

meios de produção.

Neste sentido, o escritor católico José de Mesquita, destacando as

duas encíclicas papais acima mencionadas, tratou de construir uma imagem

ideal de operário como a de um “bom cristão” conduzido pela Igreja, sem

preocupações com as questões materialistas e distante das ideias

revolucionárias da “flammula rubra”258. Esse trabalhador cristão deveria ser

disciplinado, respeitar às relações hierárquicas de poder e, referenciando um

“espírito cooperativo”, se organizar aos moldes de um artesão medieval:

A Edade-media, tão aviltada pela ignorancia e pela má-fé dos sectarios, foi o periodo aureo da historia do operariado. Organizam-se as corporações de classe, o artesanato, visando o amparo dos operarios contra a-opressão dos senhores.259

Assim, para combater as pretensões da “anarquia” comunista

junto aos operários, Mesquita compreendeu que era necessário a atuação da

Igreja e do Estado, em uma conjugação reacionária e em sentido contrário às

257 DIEHL, Astor Antônio, Op. cit., p. 17-18. 258 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 25 dez. 1932, Caderno 1060, p. 1. 259 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 01 jan. 1933, Caderno 1061, p. 1.

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115

bases filosóficas e políticas do iluminismo e do liberalismo. E concluiu a sua

extensa conferência, afirmando que era necessário reviver as normas e as

tradições conservadoras do governo Imperial brasileiro:

Ou retomamos o feito conservador, jurídico, tradicional da nossa politica, desde o Imperio, ou descambamos pelo plano inclinado da força e das aventuras communistas, com que se rotula a anarchia legalizada. (…) Operarios, guardae bem estas palavras: A Religião, eis vossa protectora! O communismo, eis o vosso inimigo!260

A conferência de novembro de 1932 realizada pelo

desembargador Mesquita e publicada no jornal “A Cruz”, elucida, em vários

aspectos, o momento político combativo da Igreja Católica brasileira e sua

luta contra o comunismo. Combate esse constantemente reverberado nas

páginas e pelos intelectuais do jornal católico, evidenciando a crença de uma

missão: afastar os trabalhadores brasileiros das promessas das “sereias

moscovitas”261, traduzidas como ameaças ao “humilde, dócil e servil”

operário brasileiro, já “domado” pela submissão da dor e da exploração de

um passado escravocrata:

O nosso operario é bom, é simples, é de boa fé. Produto de gerações de gente crente, vindo de uma sedimentação ethnica, que fructificou, muitas vezes, na dôr, através das senzalas e dos eitos, nunca foi um revoltado nem perverso. A crença ancestral e a doçura da índole fazem delle um receptivo para a ternura e para o bem. É preciso não deixar que o entoxiquem com as doutrinas malsans do extremismo corruptor.262

260 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 08 jan. 1933, Caderno 1062, p. 2. 261 A Acção Catholica e o Proletariado. A Cruz - Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 23 fev. 1936, Caderno 1222, p. 1. 262 Idem.

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116

Mas para o catolicismo conservador o comunismo não era o único

adversário, o combate se dava também em relação a outros grupos,

instituições e ideias anticlericais que defendiam um Estado laico, separado

das questões religiosas, como os maçons, protestantes, liberais e o

movimento positivista.263

O historiador José Oscar Beozzo afirma que antes de 1930 e a

partir da ascensão, em 1870, de uma burguesia liberal ligada aos

pressupostos capitalistas, seja no campo, com a crescente economia cafeeira

capitalista, ou nas cidades, com o fortalecimento de setores bancários e

comerciais, a Igreja perdeu parte de seu poder político anteriormente

fundado em uma sociedade de senhores de escravos. Essas novas elites

afastaram-se consideravelmente da Igreja Católica e buscaram novas fontes

de sentidos como o liberalismo, protestantismo, positivismo e a maçonaria.

Esta última organização, por exemplo, substituiu grande parte da

representatividade das irmandades e das ordens religiosas leigas.264

Nesta perspectiva, em interação teórica com Pierre Bourdieu e

suas considerações acerca das disputas dentro do campo religioso, a Igreja

Católica tentou monopolizar o poder da religião e o mercado de bens de

salvação individual junto aos leigos. Assim, enfrentou com austeridade as

ideias e religiões concorrentes de seu status privilegiado no Brasil,

ambicionando fixar total domínio sobre os bens simbólicos do mercado

religioso. Desse modo, ambicionava garantir o “controle do acesso aos meios

263 Para José Oscar Beozzo, tendo por referência Pablo Richard, a Igreja Católica foi vista por liberais e positivistas, do final do século XIX e início do XX, como uma instituição anticientífica, irracional, e oposta à modernidade e ao progresso. Cf. BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a revolução de 1930, o Estado Novo e a redemocratização. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira: Tomo III O Brasil Republicano. IV vol. DIFEL, São Paulo, 1986; cap VI, p. 277. 264 Idem, p. 276.

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117

de produção, de reprodução e de distribuição dos bens de salvação”, que

seria assegurado pelo seu corpo hierárquico e especializado de sacerdotes

clericais265. Em vista disso, a inserção de novos concorrentes religiosos, como

o protestantismo, e ainda de ideologias críticas do domínio religioso católico,

como o positivismo e o marxismo, foram combatidas pelo catolicismo de

forma rigorosa e através de uma atuante desqualificação de tais vertentes.

O próprio surgimento do jornal “A Cruz”, em 1910, esteve

relacionado à oposição da Igreja Católica em Mato Grosso aos seus

adversários e em reação às publicações anticlericais, a exemplo do jornal “A

Reação” (1909-1914), propagador dos propósitos positivistas e liberais da

Liga Mato-Grossense de Livres Pensadores.266 Nesse período, de acordo com

Daniel F. Oliveira, o episcopado brasileiro defendia a inserção e expansão da

imprensa católica, seguindo as orientações ultramontanas dos Papas Leão XIII

(1878-1903) e Pio X (1903-1914). Essas diretrizes, incorporadas pelo

episcopado brasileiro, traduziram uma visão maniqueísta, onde a boa

imprensa católica, propagadora dos bons costumes, deveria, em oposição,

combater uma má imprensa que estaria em dissonância com a moral e os

princípios cristãos defendidos pela Igreja.267

O jornal foi articulado pelos representantes da “Liga Social

Catholica Brasileira de Matto Grosso” como Frei Ambrósio Daydé e outros

clérigos e leigos católicos de prestígio social e político268 e inicialmente

refletiu as posturas do arcebispo de Cuiabá, D. Carlos Luiz D`Amour (1877-

265 BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 57-58. 266 Cf. CANAVARROS, Otávio. Leitura na Imprensa Cuiabana: o caso de A Cruz. (1910/1940). In: XVI COLE - Congresso de Leitura do Brasil, 2007, Campinas. CD - Rom - Anais do XVI COLE. Campinas, SP: ALB - Unicamp, 2007. v. 1. 267 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. Op. cit., p. 58-62, grifo nosso. 268 Cf. CANAVARROS, Otávio, Op. cit., 2007; e OLIVEIRA, Daniel Freitas. Op. cit. 2016, p. 58-74.

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118

1921), partidário da romanização269 da Igreja em Mato Grosso e de posições

ultramontanas. O arcebispo D. Carlos, segundo a historiadora Sibele Moraes,

tentou suprimir um catolicismo popular e regional evidenciado por festas de

santos, procissões e distintas celebrações litúrgicas.270 Isso é característico de

uma sociedade com passado colonial e marcada pelas atividades

mineradoras, como foi o caso da capital mato-grossense, onde predominou

uma comunidade eclesial formada de componentes leigos e organizada por

meio de irmandades.271

“A Cruz”, dessa maneira, constituiu-se como plataforma de valores

religiosos e moralizantes católicos e em consonância com as posições

ultramontanas da Igreja. Em conjunto, e conforme investigações realizadas

por Daniel F. Oliveira ao estudar a inserção do jornal católico nas suas duas

primeiras décadas de atuação, identificou-se que um dos objetivos do jornal

269 Processo que objetivava reformar o catolicismo o tornando mais ligado às diretrizes de Roma, ou seja, à autoridade papal. No Brasil, esse processo ganha expressão no período imperial, principalmente na segunda metade do século XIX, onde os bispos da Igreja objetivavam conquistar maior autonomia perante os representantes imperiais (sistema padroado - onde o imperador indicava os cargos eclesiásticos mais importantes) e em relação ao poder dos leigos reunidos em irmandades. “A romanização teve como estratégia principal a interferência do clero na liderança e orientação do culto, num movimento de reforço da estrutura hierárquica da Igreja. A aproximação da liderança eclesiástica no Brasil com a Igreja romana implicava a observância dos princípios defendidos pela cúria pontifícia então envolvida numa campanha política e ideológica contra o liberalismo, o racionalismo, o protestantismo e a Maçonaria.” Essa campanha católica conservadora fazia parte do pensamento ultramontano. Cf. VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 660. 270 MORAES, Sibeli. O episcopado de D. Luiz Carlos D`Amour. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2003, p. 50-54. 271 Kleber Roberto Lopes Corbalan (2006) evidencia que em regiões de mineração, por proibição régia da Coroa Portuguesa, não se podiam instalar ordens religiosas regulares, caso de Minas Gerais, Goiás e Cuiabá. Assim, associações leigas, como as irmandades, predominaram no cenário religioso de Mato Grosso. Essas comunidades eclesiais eram formadas por escravos, livres e senhores, e tinham uma forte relação com seu santo padroeiro. Os clérigos envolviam-se mais com as questões burocráticas, dando espaço e bastante autonomia para os componentes leigos. Cf. CORBALAN, Kleber Roberto Lopes. A Igreja Católica na Cuiabá Colonial: da primeira capela à chegada do primeiro bispo (1722-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2006, p. 47-55.

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119

seria impedir a expansão de religiões e ideologias concorrentes do

catolicismo. Dessa forma, seus redatores promoveram polêmicas

campanhas, durante a direção de Frei Ambrósio (1910 a 1924),

principalmente contra o protestantismo, o espiritismo e a maçonaria,

caracterizados frequentemente como seitas diabólicas.272 Também se fazia

presente a oposição ao positivismo, anarquismo, socialismo e ao comunismo,

dentre outras conjugações.273

Mas foi a partir da década de 1930, sob a direção de José de

Mesquita e forte influência do arcebispo Dom Aquino, que o jornal se voltará

ativamente e rotineiramente contra o comunismo, como exposto mais acima

pelas falas do próprio Mesquita. No entanto, os demais adversários católicos

aqui destacados ainda foram preocupações impressas no periódico católico,

contudo de forma menos destacada.

Esses embates evidenciam não apenas os aspectos religiosos do

jornal, como ainda a permanente atuação política do catolicismo. Apesar do

afastamento desta tradicional instituição religiosa em relação ao poder

oligárquico liberal e republicano, sua forte influência ainda se fez presente,

mesmo sofrendo oposição de grupos positivistas e maçônicos. Como já

realçado no I Capítulo, D. Francisco de Aquino Corrêa, aliás, foi um ator

importante e de consenso para apaziguar conflitos políticos entre grupos

opositores274, assumindo a presidência do estado, de 1918 a 1922, com

apenas 32 anos de idade. Além disso, a Igreja estava presente em vários

272 OLIVEIRA, Daniel Freitas. Op. cit. 273 Idem, p. 12. 274 O período que antecedeu a chegada de Dom Aquino à presidência do Estado, marca a disputa pela hegemonia política e oligárquica do Estado, inclusive com lutas armadas, entre o Partido Republicano Conservador (PRC), chefiado pelo deputado federal Antônio Azeredo e o Partido Republicano Mato-grossense (PRMG), liderado pelo senador da República Pedro Celestino Corrêa da Costa. Cf. PORTELA, Lauro Virginio de Souza. Uma república de muitos coronéis e poucos eleitores: coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930), Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2009, p. 129-131.

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120

aspectos da sociedade civil, como na atuação catequista junto a comunidades

indígenas, dirigindo escolas275, hospitais, asilos e, evidentemente, na

articulação de uma imprensa católica como “A Cruz”, jornal que como visto

no primeiro capítulo, tinha circulação não apenas na capital cuiabana, mas

abrangia outras cidades do estado.

Em articulação com o nível nacional o periódico se engajou no

projeto da Igreja de recristianizar a sociedade, dentro das diretrizes de Dom

Sebastião Leme, conforme exposto no tópico “Anticomunismo e a reação

católica contra o mundo moderno”. As diferentes frentes de atuação junto

aos seus fiéis leigos, como os Círculos Operários, a Liga Eleitoral Católica e a

Ação Católica276, estiveram repercutidas em suas páginas.277

No fragmento abaixo, que noticia a fundação da Liga Eleitoral

Católica na arquidiocese de Cuiabá no dia 22 de janeiro de 1933, é possível

verificar como a Liga Eleitoral Católica era um instrumento que servia, além

275 Um importante grupo de atuação católico foram os salesianos, que chegaram em Mato Grosso em 1894. Congregação católica oriunda do norte da Itália, fundaram na capital cuiabana dois centros educacionais e de ofícios diversos, o Lyceu Salesiano São Gonçalo, em 1902, e, na região do Coxipó, a Escola Agrícola Santo Antônio, iniciando suas atividades em 1897. Já na cidade de Corumbá, em 1899, instituíram o Colégio Santa Tereza. Estabeleceram também relevante atividade por meio de colônias junto aos índios Bororo e Xavante. Os salesianos perpetraram novos aspectos culturais no estado, se inserindo na vida cotidiana de maneira significativa. Sua atuação objetivava, por meio da educação e da catequese, propagar, na sociedade católica mato-grossense e nos grupos indígenas com os quais atuavam, práticas de modernização e de ordenamento disciplinar por meio do trabalho e da educação. Cf. FRANCISCO, Adilson José. Educação e Modernidade. Os Salesianos em Mato Grosso – 1894 – 1919. Fapemat/Editora da UFMT, Cuiabá/MT, 2010, p. 17-25. 276 Ver em: OLIVEIRA. Darlene Socorro da Silva Oliveira. Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): O movimento de Ação Católica e as Associações Femininas. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2010. 277 Círculos Operários Católicos: edições n. 979, de 07 jun. 1931; n. 1548, de 4 out. 1942 e n.1683, de 22 jul. 1945. Liga Eleitoral Católica: 1933, assunto abordado em 23 edições; 1934 - 28 edições; 1935 - 02 edições; 1936 - 01 edição; 1937 – 01 edição; 1945 – 14 edições. Ação Católica: 1932, assunto abordado na edição 1016; 1933 – ed. 1093; 1936 – edições 1222 e 1263; 1937 – ed. 1316; 1938, assunto tratado em 8 edições; 1939 – 10 edições; 1940 – 09 edições; 1941 – 04 edições; 1942 – 04 edições; 1943 – 10 edições; 1943 – 03 edições; e 1945 – 06 edições.

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121

de arregimentar os votos dos católicos278, para promover o enfrentamento

ao comunismo tido como subversivo, irreligioso e ateu:

Celebrou-se a 22 do corrente, conforme noticiáramos, a fundação da Liga Eleitoral Catholica desta Archidiocese. (...) A força do systema communista está na irreligião e no atheismo, com que materializa as massas populares para atiral-as contra a sociedade. Somente a religião, portanto, pode oppor uma barreira a essa onda subversiva. D`aqui a necessidade e o dever cívico de prestigiar a religião, não só no lar e no templo, mas também nas escolas, na imprensa, na visa oficial do Paiz, e em toda parte.279

Nessa mesma publicação noticiosa são informados os membros

leigos da LEC na arquidiocese de Cuiabá, alguns deles inclusive eram

colaboradores do jornal “A Cruz” ou da Liga Católica Mato-grossense, como

o desembargador João Carlos Pereira Leite (presidente da LEC e colaborador

do jornal), Manoel Deschamps Cavalcanti (secretário geral da LEC e membro

da redação do periódico católico), Benedicto Augusto London (membro da

LEC e gerente da publicação semanal) e Major Américo Monteiro Salgado

(membro da LEC e vice-presidente da Liga Católica).280

Dentro das atuações políticas da Igreja Católica em Cuiabá, as

páginas do periódico católico também repercutiram a aproximação da Igreja

com iniciativas autoritárias, como o Estado Novo de Getúlio Vargas281 e o

Integralismo. Em relação a este último, entre os anos 1935 e 1937, “A Cruz”

cede um importante espaço ao movimento integralista no estado de Mato

Grosso por meio da “Columna Integralista”, onde foram divulgadas as ações

278 RODRIGUES, Op. cit., 2005, p. 142 279 Liga Eleitoral Catholica - A sua fundação nesta Archidiocese. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 29 jan. 1933, Caderno 1065, p. 1. 280 Os demais integrantes são: Miguel de Castro e Silva e Luiz Robertino Ribeiro. Fonte: Liga Eleitoral Catholica - A sua fundação nesta Archidiocese. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 29 jan. 1933, Caderno 1065, p. 1. 281 Assunto a ser abordado no III capítulo.

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e diretrizes ideológicas deste grupo político.

Luciana A. Pereira e Rafael Athaides conseguiram identificar uma

significativa presença dos integralistas neste estado, durante os anos de 1933

a 1937. Em pesquisa realizada junto à imprensa integralista, os pesquisadores

assinalaram que a AIB contou com sete mil filiados em diversas áreas urbanas

como Cuiabá, Campo Grande, Três Lagoas, Aquidauana, Diamantino, Várzea

Grande, dentre outras. Ao todo, de acordo com o jornal “Monitor

Integralista”, estruturam-se 18 núcleos municipais, 6 distritais e 2 rurais que

se concentraram primeiramente e em maior número na porção sul do estado,

hoje o atual estado do Mato Grosso do Sul.282

Repercutindo parte dessa atuação em Mato Grosso, a “Columna

Integralista” além de ter servido como espaço de propaganda e divulgação

das ideias integralistas, demonstrou a proximidade da hierarquia e da

intelectualidade católica com tendências autoritárias e fascistas, conciliados

por suas posições antiliberais e anticomunistas283. A referida coluna

propagou, em combinação ao discurso católico conservador, a defesa de

trabalhadores ordeiros e a constituição de uma sociedade cristã, em total

oposição à luta “entre classes”284, mas pela constituição da unidade nacional

“mediante o systema orgânico e crhistão das cooperações”285, seguindo o

princípio “da ordem e da autoridade”286. Já o comunismo e a III Internacional,

nas palavras publicadas na “Columna Integralista”, representariam um

artífice moderno que ameaçaria a fé e a moral cristã e católica, atuando

282 ATHAIDES, Rafael; PEREIRA, Luciana Agostinho. A Ação Integralista em Mato Grosso (1933-1937). In.: BERTONHA, João Fábio (Org.). Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil Integralismo, fascismos e repressão política. Maringá: Eduem, 2013, p. 19-43. 283 CORDEIRO. Leandro Luiz. Alceu Amoroso Lima e a intelectualidade católica frente ao integralismo. In.: BERTONHA, João Fábio (Org.). Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil Integralismo, fascismos e repressão política. Maringá: Eduem, 2013, p. 95-96. 284 Columna Integralista. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 20 out. 1935, Caderno 1204, p. 2. 285 Idem. 286 Idem.

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dentro de cinco frentes:

1º Religião: Destruir e desacreditar toda a fé christan, pela philosophia, pelo mysticismo e pela sciencia empírica. 2º.) Moral: Corromper a moralidade das raças occidentaies por infiltração da moralidade oriental; enfraquecer os laços do matrimonio, destruir a vida familiar, abolir as successões e até os nomes da família. 3º. Esthético: culto da fealdade e da estravagancia na arte, na literatura, na musica e no theatro. Modernismo, orientalismo puro, degeneração. 4º) Social: abolição da aristocracia, criação da plutocracia, crear a revolta dos cérebros proletários pela vulgaridade, pela corrupção e inveja, dando origem ao ódio de classe. 5ª.) Destruição do ideal do artífice, abolição da propriedade particular, aniquilar o patriotismo, o orgulho de raças.287

Verifica-se, portanto, a defesa pela conservação de um modelo

social excludente, que rejeita ideias que possam trazer “revolta dos cérebros

proletários”. Ocorre, portanto, a negação de qualquer crítica ao modelo de

exploração e hierarquização social. As manifestações de resistência ou

revolta, até mesmo no campo artístico e estético, eram renegadas como um

plano degenerado, imoral e comunista que intuiria destruir a pátria, as bases

patrimonialistas e a fé cristã.

Outra publicação religiosa que repercutiu com intensidade o

cenário político e o tom discursivo contra o comunismo foi o veículo de

imprensa presbiteriana “A Pena Evangelica – Órgão semanário de

propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá”. Sua posição

anticomunista se dava em nome de uma vida cristã, e contra o “irracional

irreligioso”288 e promotor de ilusões do “pseudo paraíso vermelho”289.

287 Columna Integralista. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 06 out. 1935, Caderno 1202, p. 2. 288 Communismo. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 19 dez. 1936, Caderno 480, p.2. 289 Impressão da Russia Sovietica. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 26 dez. 1936, Caderno 481, p. 6.

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Os articulistas do periódico semanal presbiteriano eram

expressivamente rígidos em relação aos costumes, marcando críticas aos

hábitos considerados inapropriados, como o consumo de bebida alcoólica e

de cigarros. Postura essa muito condizente com a identificação do

protestantismo presbiteriano com a defesa de uma moral austera, questões

apresentadas por Max Weber290 e destacadas no tópico anterior.

Essa defesa rígida dos costumes pode ser percebida através das

críticas realizadas pelo jornal em relação ao catolicismo em Mato Grosso,

definido como muito conivente com certas práticas consideradas

inapropriadas e incompatíveis com os dogmas religiosos cristãos. Parte

desses julgamentos aparecem em embates, no carnaval de 1936, com o

periódico católico “A Cruz”, onde “A Pena” repreende a publicação de

propagandas de bebidas alcoólicas291 e de lança-perfumes292 no jornal

católico cuiabano:

Por muito tempo este jornal inseriu nas suas columnas um annuncio de uma fabrica de licores do segundo Districto desta cidade, que se tornou bem conhecida e afamada, não somente devido á qualidade do seu produto alcoolico, mas principalmente devido á propaganda que della fez o órgão catholico, por muitissimo tempo. (…) Passam se os tempos.

290 WEBER, Max. Op. cit. 291 A partir da edição n. 1204 de 20/10/1935, “A Cruz” publicou sucessivamente até a edição de 1233 de 10/05/1936, a seguinte peça publicitária: “Elesbão Ferreira da Cruz – Atacadista de aguardente/Offerece as vantagens seguintes: Productos de 1ª qualidade/Medida com sobra/Preços modicos”. Ao todo foram 30 edições que repercutiram a referida propaganda de aguardente, entre os anos de 1935 a 1936, fixadas na terceira ou quarta página. 292 As propagandas de lança perfumes no jornal “A Cruz” podem ser vistas em uma série de publicações contínuas a partir da edição n. 1199 de 15/09/1935, até a publicação de n. 1221 de 16/02/1936, já às vésperas do carnaval de 25 de fevereiro de 1936. Assim, totalizaram-se 23 publicações contendo a peça publicitária de lança perfumes, majoritariamente expostas na quarta página, onde foi registrado uma tabela de preços do comércio dos “Irmãos Miraglia”, então localizado da rua 13 de junho. O texto publicitário repetidamente informou: “LANÇA PERGUMES: Para conhecimentos dos nossos distinctos amigos e fregueses damos a seguir o preço dos Lança-perfumes para carnaval de 1936 - RODO DE LUXO METALLICOS”.

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Aproxima-se o carnaval. Com que sorpreza nos deparamos n` “A CRUZ” com um annuncio de lança-perfumes! E nós pensamos, contrariados: “de certo “A CRUZ” não coopera mesmo comnosco. E alem disso, ainda é para nós uma pedra de tropeço. Commo pode ser que emquanto combatemos o carnaval, o jornal catholico faça a propaganda do carnaval, annunciando lança-perfumes? Não, não é possível”. É o cumulo. O jornal catholico, o órgão da Liga do Bom Jesus, aconselhar o povo a comprar lança-perfumes e aguardente, o que importa em fazer a apologia do carnaval e da embriaguez. Não. “A CRUZ” está errada, e decididamente, precisa mudar de rumo.293

“A Pena Evangelica” ainda empunhou, em junho de 1936, severas

críticas à tradicional festa religiosa de São Benedito que fazia emprego de

touradas, o que classificava como um ato brutal e selvagem:

Alvoraça-se na cidade com a triste noticia de que este anno vamos ter touradas. Vae se realizar a festa de S. Benedito e immediatamente depois se seguirão estes outros malfadados festejos, perversamente brutaes e brutalmente perversos (…) A cidade movimenta-se nos preparativos para aquelles dias de selvageria e de retrocesso moral.294

Em sua próxima edição uma campanha se deu nas páginas do

jornal, com o slogan: “Maltratar os animaes é indicio de máo caracter”.295

Nesse mesmo editorial, logo na primeira página, clamou para que o jornal

católico “A Cruz” promovesse uma “boa imprensa” em prol da moralidade:

Concitamos tambem a imprena local e principalmente a ilustrada colega “A Cruz”, para que em nome da boa imprensa, da imprensa sadia e moralizante, levantemos a

293 Os erros d` “A Cruz”. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 8 fev. 1936, Caderno 435, p.2. 294 Touradas. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 13 jun. 1936, Caderno 453, p.2. 295 As Touradas. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 20 jun. 1936, Caderno 454, p.1.

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nossa voz e entremos numa campanha tenaz contra as touradas. Ninguem pense que neste momento fazemos propaganda sectaria. Não! Somente falamos como defensores da moral, da lei e da civilização. É por isso que sem nenhum constrangimento, apesar de sermos uma órgão de doutrinação evangelica, sentimo-nos bem em appelar para “A CRUZ” para que juntas façamos a campanha do bem e da moralidade.296

O protestantismo histórico, de acordo com o historiador Carlos

Barros Gonçalves, foi implementado na segunda metade do século XIX e

expresso pelas Igrejas Congregacional (1855), Batista (1859/1882),

Presbiteriana do Brasil (1862), Presbiteriana Independente (1903), Metodista

(1878), e Episcopal (1889). Seu estabelecimento promoveu-se tendo por

base as ações missionárias, principalmente norte-americanas, incluindo

britânicas.297

No início do século XX o embate entre o catolicismo e o

protestantismo foi vigoroso no estado de Mato Grosso. O fim do Império e a

separação da Igreja e do Estado proporcionou ambiente favorável para que

os protestantes expandissem sua atuação em um país predominantemente

católico. Conforme o historiador Sérgio Ribeiro Santos, a inserção do

protestantismo na capital mato-grossense, Cuiabá, se deu no final do século

XIX e começo do século XX, contexto da Primeira República, onde ocorreu a

promoção da liberdade religiosa e configuração do Estado laico.298

A presença e incorporação do protestantismo no estado também

decorreram de transformações sociais e culturais, favorecendo o

reordenamento do cenário religioso.299 Santos, assim, enumera alguns

296 Ibid. 297 GONÇALVES, Carlos Barros. As polêmicas antiprotestantismo nas primeiras décadas do século XX: Cuiabá 1926, 1927. Fronteiras: Revista de História, v. 12, n. 21, 2010, p. 153-154. 298 SANTOS, Sergio Ribeiro. A inserção do protestantismo em Cuiabá na Primeira República. RPC Gráfica, Cuiabá, 2010. 299 Idem, p. 19.

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desses aspectos de transformação, como: a amplitude, em nível nacional e

local, de ideias liberais que marcam a defesa das liberdades individuais de

crença, pensamento e de livre iniciativas econômicas; as concepções

filosóficas positivistas300 vinculadas ao cientificismo e em oposição ao

catolicismo ultramontano, este último refletido como ultrapassado; e o apoio

de entidades maçônicas, grande incentivadora do ideário liberal, ao

desenvolvimento de outras vertentes religiosas distintas do catolicismo. 301

Em compatibilidade com as discussões trazidas no tópico

“Anticomunismo e a articulação protestante em torno da modernidade e do

progresso”, o protestantismo em Mato Grosso associou sua fé e imagem aos

ideais de modernidade, progresso e civilização, em oposição ao catolicismo,

refletido como velho e grande empecilho para a propulsão das invocações

necessárias. Os missionários protestantes consideravam-se na missão de

promover um projeto civilizatório para o Brasil, em objeção ao que definiam

como atraso econômico e social advindo de uma exploração colonial

portuguesa e católica, que teria subjugado o povo brasileiro a um

obscurantismo religioso.302

O catolicismo, por sua vez, e como já aqui caracterizado, com a

considerável perda de seu espaço político privilegiado, engajou-se em uma

missão de recomposição de forças dentro de sociedade brasileira. A disputa

pelo espaço religioso entre católicos e protestantes, nas últimas décadas do

século XIX e início do XX, constituiu na difusão de um antiprotestantismo por

parte dos membros da Igreja Católica, e anticatolicismo por meio dos filiados

ao protestantismo, reverberando na imprensa desses dois grupos religiosos

300 Ênfase para a Liga dos Pensadores, associação fundada em Cuiabá no ano 1910, com o objetivo de promover as ideias racionais e liberais e combater a estrutura hegemônica católica. Cf. SANTOS, Sergio Ribeiro. A inserção do protestantismo em Cuiabá na Primeira República. RPC Gráfica, Cuiabá, 2010, p. 19. 301 Idem. 302 GONÇALVES, Carlos Barros. Op. cit., 2010, p. 160-161.

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os confrontos traçados.303

Segundo Carlos Barros Gonçalves304 o jornal “A Pena Evangélica”,

objetivou dar suporte na divulgação e expansão da doutrina presbiteriana,

que já havia marcado sua presença por meio de trabalhos missionários no

final do século XIX e por meio de sua estruturação institucional enquanto

Igreja, em 1912, na cidade de Corumbá, e no ano de 1920, na capital Cuiabá.

Dessa maneira, “A Pena Evangélica”, que inaugurou sua circulação em 16 de

maio de 1925, era parte da significativa atuação do presbiterianismo dentro

do estado de Mato Grosso.

Este periódico presbiteriano teve como um dos seus articuladores

iniciais o Reverendo Philip Sheeder Landes, que além de desejar difundir os

ensinamentos de sua denominação cristã, utilizou a publicação como

instrumento para desqualificar o discurso antiprotestante empregado por

intelectuais católicos no Jornal “A Cruz” e em outras publicações regionais,

como “O Matto Grosso” e “Revista Pro-Familia” – do Lyceu Salesiano de Artes

e Ofícios São Gonçalo. As críticas ao protestantismo, inclusive a empregada

por D. Aquino Corrêa, em conferência de abril de 1926 chamada de

“Imperialismo e protestantismo”, qualificavam o protestantismo como uma

ação imperialista estadunidense e de dominação estrangeira305, traduzindo

parte dos conflitos discursivos e imagéticos que perpassaram a disputa pelos

espaços da fé e das crenças da sociedade mato-grossense.

Mas, como já explicitado, o semanal presbiteriano também esteve

envolvido em outra campanha: o anticomunismo, dentro de uma bandeira

moralizante, equivalente à realizada pelo semanal católico “A Cruz”.

Em seu suprimento noticioso, “O mundo em sete dias”, há uma

303 Idem, p. 153-159. 304 GONÇALVES, Carlos Barros. Até os confins da terra: o movimento ecumênico protestante no Brasil e a evangelização dos povos indígenas. Ed. UFGD, Dourados, 2011. 305 GONÇALVES, Carlos Barros. Op. cit., 2010, p. 168-176.

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relevante atenção dada às notícias, não apenas pelo grande espaço dado a

essa seção, mas ainda, em um dos lemas propagados pelo jornal

presbiteriano que se autodenominava o mais “noticioso do Norte do Estado”.

Dentro da publicação dessas narrativas noticiosas, no recorte dado na

pesquisa, destaque para o panorama do comunismo na Rússia, para a Guerra

Civil Espanhola, para os regimes fascista italiano e nazista alemão e para os

eventos em torno da II Guerra Mundial.

Curioso é que grande parte das notícias, em sua maioria breves e

sem comentários, não tinham as suas fontes divulgadas e quando essas eram

reveladas indicavam agências internacionais e nacionais de notícias306,

serviços de informação do governo, outros jornais, emissoras de rádio e

telegramas.

As agências internacionais de notícias tiveram um papel

fundamental na produção de notícias, vendidas como valiosas mercadorias e

que se difundiram ainda mais com o advento de instrumentos tecnológicos

como o telégrafo. Esse instrumento e meio de comunicação modificou a

circulação das notícias e a forma de narrar os acontecimentos, acelerando

sua repercussão.307 Antigos relatos extensos, cheios de dados e minúcias,

foram substituídos por textos rápidos, breves e atuais308, reflexo da demanda

de leitores ávidos por informação e que cada vez mais vivenciavam uma vida

urbana acelerada e frenética.

306 Algumas das agências de notícias citadas pelo jornal foram: “United Press” (edições: n. 206 de 13/09/1930, 577 de 29/10/1938, 743 de 10/01/1942, 744 de 17/01/1942, 748 de 14/02/1942; 853 de 26/02/1944 e 865 de 21/05/1944); “Associated Press” (edições: 743 de 10/01/1942, n. 744 de 17/01/1942, 748 de 14/02/1942 e 868 de 10/06/1944); “Reuters” (edições: 779 de 26/09/1942 e 878 de 19/08/1944); “Transocean” (edição n. n. 744 de 17/01/1942); “Stefani” (edição n. n. 744 de 17/01/1942); e Agências oficiais como a “Agência Nacional” do Governo Vargas (edições 744 de 17/01/1942, 748 de 14/02/1942, 752 de 14/03/1942) e Agência oficial alemã “D.N.B.” (26/09/1942 e 878 de 19/08/1944). 307 MACIEL, L. A., Cultura e tecnologia: a constituição do serviço telegráfico no Brasil, Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 41, p. 127-144. 2001, p. 128. 308 Idem.

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Importante destacar que a notícia não é uma informação neutra.

Tudo o que é produzido pelas agências internacionais de notícias, como a

“Associated Press” e a “United Press”, ambas estadunidenses, a inglesa

“Reuters” e a francesa “France Presse” – apenas para destacar as principais

atuantes no mercado brasileiro das décadas de 1930 e 1940 –, passa por um

crivo apropriado de divulgação e seleção, tanto das agências que as

produzem como dos jornais que as recepcionam. Há, portanto, uma relação

dinâmica na produção e exposição das notícias, que podem servir aos mais

variados usos e posições de interesses.309 Assim, as notícias, que tanta

acomodação ganharam na publicação semanal “A Pena Evangélica”, não

eram simplesmente aportes informativos, mas ideológicos. Através de um

recorte apropriado, eram feitos direcionamentos que contribuíram para a

afirmação e propagação das crenças e ideias defendidas pela Igreja

Presbiteriana:

A Russia decretou hoje uma lei, prohibindo de uma maneira radical o aborto provocado. Outrosim, a lei do divorcio só será aplicada quando as duas partes quiserem. A nova lei entra nos assumptos mais intimos da família.310

A notícia acima é um exemplo de como a edição do jornal

delimitou os seus aportes moralistas, ainda que de maneira sutil, alertando

seus leitores que o governo russo, então comunista, violava as questões de

foro íntimo de seus cidadãos. Aquele sistema antirreligioso e “ateu

vermelho” atacaria e estaria em confronto com as questões morais e os

valores presbiterianos. Nessa mesma direção, os articulistas do periódico

309 BAHIA, Juarez. Op. cit., p. 275-276. 310 O mundo em 7 dias. Coluna de notícias do jornal “A Penna Evangélica”. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 4 jul. 1936, Caderno 456, p. 4.

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fomentaram uma campanha constante, contrapondo o comunismo aos

ensinamentos e símbolos cristãos:

Muito se tem escrito, no mundo, a respeito da atividade de que os chefes vermelhos na Russia, sempre tiveram e continuam tendo, para com a religião. Adotando eles a opinião de Lenin - “a religião é o opoio dos povos” não se limitam apenas, a prender, assassinar e deportar os sacerdotes que, ainda hoje, trazem nos labios e no coração os ensinamentos de Cristo. Iniciaram uma campanha continuada e sordida contra todas as religiões, transformaram as igrejas em cabarets quebraram, as imagens dos santos nas ruas (…)311

O artigo acima, de julho de 1938, é uma republicação da “Agência

Carioca”, mas reverbera a posição dos membros do jornal “A Pena

Evangélica”, auxiliando na construção negativa do comunismo, em um

período já marcado pelos levantes comunistas e pelo Estado Novo,

acontecimentos que acentuaram a conjugação de distintos posicionamentos

conservadores no Brasil e suas posições anticomunistas.

Os redatores da publicação presbiteriana cuiabana rechaçaram a

via do autoritarismo no intervalo dos anos de 1936 e 1937, antes da

acomodação do Estado Novo, se colocando em uma campanha contrária a

movimentos de vinculação fascista como o integralismo. Tal campanha se

articulou em conjunto ao anticomunismo e foi designada de: “Nem

communismo, nem integralismo”312. Houve também outros textos onde a

campanha contra estas duas vertentes políticas se davam em conjunto, com

dois artigos intitulados: “A Foice, o Fascio ou A Cruz? – Communismo,

311 Na Russia, os communistas realizaram um Juri para julgar Deus! - aspectos deprimentes da luta contra as religiões (Comunicado da Agencia Carioca). “A Pena Evangélica”. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 16 jul. 1938, Caderno 562, p. 5. 312 Edições: 465 de 05/09/1936; 472 de 24/10/1936 e 546 de 26/03/1938;

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132

Fascismo ou Christianismo?”313, neste caso o combate estava associado à

defesa dos princípios cristãos, contra a “foice comunista” e a associação do

integralismo com o fascismo. Todavia e contraditoriamente, “A Pena

Evangélica” exprimiu apoio às medidas repressoras de Vargas e à instauração

do regime autoritário do Estado Novo, questões essas delimitadas no

próximo capítulo.

Imerso nessas posições políticas, os redatores dos periódicos “A

Cruz” e “A Pena Evangélica” auxiliaram na construção mitológica

anticomunista fundada em tons moralizantes. Ambos os jornais, em defesa

da instituição familiar e da fé, marcando posições bastante conservadoras,

exprimiram a defesa de uma sociedade assinalada por diferenças

hierárquicas. Contrapondo-se, dessa maneira, não apenas aos projetos

revolucionários igualitários e de promoção das bases sociais, mas também à

instituição de mudanças estruturais que instabilizassem suas

representatividades sociais e políticas.

Essa ameaça, percebida e combatida como real, mas também

engajada de maneira vantajosa em relação a certos interesses, forjou o

comunista, em diversas publicações, como o “conspirador de ilusões”, a

“figura do ateu”, “promotor da desordem” e “desmantelador da sociedade

cristã”. Os comunistas, retratados como uma organização conspiratória

agiriam dentro de uma “manipulação multidimensional”, capaz de operar e

promover uma “gigantesca rede de controle e de informação”. Assim, a

atuação dos agentes comunistas não estaria restrita apenas aos espaços

políticos e governamentais, mas sua expansão e influência se efetivaria “em

todos os domínios da vida coletiva, quer se trate dos costumes, da

organização familiar, como também do sistema educacional ou dos

313 Edições: 476 de 28/11/1936 e 477 de 28/11/1936.

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133

mecanismos econômicos.”314

O alcance nefasto dos “homens do complô”, atuando de forma

influente sobre a família, as mulheres, as crianças, a educação, a imprensa e

os bancos, promoveria a corrupção e o afrontamento dos bons costumes.

Uma verdadeira dissolução de princípios que levaria à “desagregação

sistemática das tradições sociais e dos valores morais”.315

Nos parâmetros desta conspiração, a sociedade soviética,

instaurada na União Soviética, foi costumeiramente associada pelos discursos

religiosos a uma incivilizada libertinagem, capaz de desvirtuar e condenar o

a cultura e a estrutura social. No mundo comunista, o divórcio, o adultério e

a “ ‘libertação’ da mulher”316 seriam propagados, proporcionando a

destruição do casamento e, por consequência, da família. Seguindo essa

perspectiva, o articulista René, em “A Pena Evangélica”, fez um alerta

moralizador dos filmes que deveriam ser evitados pelos bons cristãos:

O máo cinema contamina o cerebro das nossas patricias, pois as scenas de adulterio são um caminho aberto para a satisfação das paixões a se desenvolverem amanhã. Nisto reside tambem o exemplo frisante do communismo, que vem sendo condenado em todos os sectores dos povos civilizados. É por isso que aquelles que querem seguir verdadeiramente a doutrina de Christo devem renunciar o máo cinema e não assistir a filmes em que se desenrolem scenas de adulterio. As fitas do cinema devem ser seleccionadas. Aconselhamos áquleles que nos quiserem ouvir, que quando for levado á tela um bom film que encerre exemplos de honra, de trabalho, de dignidade, de coragem, de patriotismo, etc. corram sem demora a assisti lo. Mas que evitem o mào cinema.317

314 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 38-39. 315 Idem, p. 40. 316 O Bolchevismo sem máscara. “A Penna Evangélica”. Órgão Semanário de Propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuiabá. Cuiabá, 06 fev. 1937, Caderno 487, p. 2. 317 RENÉ. Certos filmes Cinematographicos.... A Penna Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 26 set. 1936, Caderno

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Dentro desse recorte, o artigo aqui destacado indicou filmes que

exaltassem bons exemplos de trabalho, honra e patriotismo, ou seja, que

fecundavam um modelo disciplinar e ordeiro. O alerta sobre o adultério se

dá, em evidência, a uma escolha de gênero, às “patrícias”, que o articulista

do periódico acreditava terem cérebros facilmente manipuláveis e movidos

pelas paixões.

Escritores do jornal religioso “A Cruz”, composto por uma redação

exclusivamente masculina, conforme evidenciado no Capítulo I,

argumentavam que a mulher deveria se voltar para as atividades domésticas

e para o âmbito privado da família. Pois, para eles, o “papel” feminino teria

uma função extremamente relevante na conformação de um modelo familiar

tradicional e bíblico. Os articulistas do impresso “A Cruz” compreendiam o

Estado soviético como parte de um processo modernizador que permitiu a

perdição da mulher, a inserindo dentro dos quadros de trabalho do

proletariado e a desviando de suas tarefas e funções no ambiente

doméstico318. Como consequência de tais ações, haveria o desmantelando da

tradicional configuração do lar cristão:

Uma intensiva mobilização das mulheres para empregos industriaes, assignala a celebração do “Dia Internancional

468, p. 3. 318 Yasmin Jamil Nadaf expressa o modelo de mulher idealizado pelo intelectual católico e escritor José de Mesquita, através da interpretação do conto “Crucina (Ensaio sobre a mística do sofrimento)”, publicado no jornal católico “A Cruz”, entre março a julho de 1935. Segundo investigações de Nadaf, a personagem principal do conto seria a mãe de Mesquita, a Sra. Maria Cerqueira Caldas, que reflete na imagem de sua genitora um padrão ideal e apropriado. Tal referência indicaria a defesa da mulher voltada aos espaços domésticos, dedicada ao cristianismo, à caridade, submissas e sempre cheias de virtudes, docilidade e simplicidade. Uma evidente representação refletida nos contornos da Virgem Maria, tão comum ao catolicismo. Mesquita evidencia a afeição por essa representação feminina em depreciação e oposição à personagens de costumes mais contemporâneos e modernos. Cf. NADAF, Yasmin Jamil. Crucina, de José de Mesquita. Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso, n, 71, 2012, p. 76-79.

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das Mulheres”. O Dia 8 de Março, ha oito annos, foi escolhido para realização dos “meetings” femininos, sob auspicios dos Sovietes. O dia é empregado na mais vasta propaganda e no trabalho educacional, em favor das mulheres. Entre o seu programma de trabalho do corrente anno o governo fez figurar o de retirar 1.600.000 esposas e filhas dos serviços domesticos para industria, a fim de fazer frente á falta de braços. (…) Os jornaes hoje salientam a necessidade de tirar as mulheres das cosinhas para as fabricas, como uma das tarefas governamentaes, de maior urgencia. (…) Em centenas de villas os presidentes dos Sovietes são do sexo feminino. Os armazens, escriptorios, theatros e outros logares publicos, estão decorados com bandeiras vermelhas, nas quaes estão escriptos lemmas de defesa do progresso das mulheres. Almejarão as mulheres brasileiras viver sob taes influencias modernizadoras do regimen sovietico, gozar o tal progresso e emancipação feminina, tão decantados pelos pregoeiros do communismo?319

A notícia publicada pelos redatores de “A Cruz”, sem referência de

fonte, mas que aparenta divulgar informações da imprensa soviética, traz o

“Dia Internacional das Mulheres” como marco de uma série de ações e

propagandas soviéticas visando a emancipação feminina. Trata-se, segundo

a publicação, de um movimento modernizador do regime soviético que

desemboca na ascensão da mulher em ambientes de liderança e de trabalho,

considerados estritamente masculinos.

Esse cenário reflete parte das aspirações da Revolução Russa e do

comunismo, que abriram espaços para a atuação política e militante das

mulheres320. Como ainda, recepcionaram as colaborações teóricas de

319 As mulheres na Russia. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 13 dez. 1931, Caderno 1006, p. 1. 320 Jorge Ferreira afirma que o modelo feminino do comunismo revolucionário, das décadas de 1930 a 1950, também compartilhava de visões tradicionais da mulher enquanto exemplo de virtude moral, maternal, de sacrifícios, subordinação e abnegações. Contudo, o projeto comunista incentivava o engajamento das mulheres no cenário político e auxiliou as lutas femininas pela libertação da opressão social e a ampliação da cidadania da mulher. Cf. FERREIRA, Jorge. Imagens femininas. In.: ______. Prisioneiros do Mito – Cultura e

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136

grandes intelectuais femininas, a exemplo da polonesa Rosa Luxemburgo321

e da líder revolucionária russa Alexandra Kollontai – defensora da

emancipação da mulher e de seu direito ao voto, bem como da igualdade de

oportunidades e de rendimentos entre os dois sexos.322

Aos olhos contemporâneos e mais progressistas, que assistiram e

ainda contemplam de forma positiva a inserção da mulher no mercado de

trabalho e das lutas feministas que ampliaram o poder e articulação da

mulher dentro da sociedade, a notícia acima do jornal católico mais parece

uma campanha positiva ao comunismo. Mas, em se tratando da época e das

posições dos escritores do periódico católico, o que se perfazia era uma

divulgação negativa de comportamentos e influências modernizadoras,

demarcada pelos posicionamentos do catolicismo ultramontano frente a

esses ideais.

Em análise da revista católica “A Ordem”, Carla Luciana Silva

entende que a presença da mulher no mercado de trabalho, era interpretada

pela Igreja Católica como o avanço do comunismo e de suas ideias sobre a

sociedade brasileira. A instituição alegava que mulher deveria regressar e se

limitar ao lar e para sua missão de mãe e esposa, do contrário, sua moral e

saúde física estariam comprometidas.323 Nesse sentido, ocupar funções

imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002, p. 129-133. 321 Rosa Luxemburgo liderou a Liga Spartacus, ala revolucionária dos socialistas alemães, ao lado de Karl Liebknecht. Após a instauração da república na Alemanha, em 1918, os socialistas de direita dirigiram a socialdemocracia alemã e impediram a passagem do poder para os conselhos operários e soldados, a fim de implementar reformas graduais às instituições monárquicas e imperialistas. Então, os revolucionários espartaquistas deflagraram uma rebelião, em janeiro de 1919, mas após dominarem Berlim, a ação foi sufocada pela socialdemocracia com o apoio do exército imperial. Rosa Luxemburgo foi presa ao lado de Liebknecht, e logo depois, ambos foram assassinados pelas forças oficiais. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 189-194. 322 RIBEIRO, Maria Rosa Dória. As comunistas e o feminismo. Revista Perseu: História, Memória e Política, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, n. º 9, ano 7, 2013, p. 121-123. 323 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 94.

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137

entendidas como inerentemente “masculinas” seria algo contra a virtude da

mulher.

O comunismo, então, utilizaria o sexo feminino como instrumento

de sua conspiração e de seu projeto de dominação. Como bem destaca

Girardet, a mulher é no mito do complô: “Habilmente colocada a serviços dos

poderosos deste mundo, é a ela que caberá a tarefa de destruir os lares, de

dilacerar as famílias”324. No artigo abaixo, novamente do jornal católico “A

Cruz”, publicado na Coluna “Communicado” de um dos principais articulistas

e lideranças católicas de Cuiabá, João Carlos Pereira Leite (1861-1933)325,

sogro de José de Mesquita, percebe-se como essa convenção mitológica é

cuidadosamente empregada como se estivesse revelando ao leitor um plano

comunista nocivo que instrumentalizaria a mulher a seu favor:

Passa a demonstrar com a doutrina comunista dos congressos o conceito que fazem do papel da mulher e o odio que votam á família. ‘Para que a revolução triunfe precisamos da mulher. Para possuirmos a mulher, necessitamos fazel-a abandonar a família. É preciso destruir nela o sentimento egoista e o instinto do amor maternal. A mulher não passa de uma cadela, de uma fêmea, emquanto ama os filhos’. Será isto invenção? Absolutamente. ‘O Congresso das mulheres comunistas, reunido em Paris, a 16 de Novembro de 1924, assim definiu o papel da mulher no

324 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 41. 325 Um dos principais personagens que articulou a fundação do jornal “A Cruz” e a Liga Social Catholica Brasileira de Mato Grosso, ocupou importantes posições políticas, como deputado federal (legislaturas de 1915-1926), desembargador e exerceu cargos públicos no Estado de Mato Grosso. Foi presidente da Liga Católica de Mato Grosso entre 1912 a 1914 e ajudou a fundar, em 1926, a Liga Eleitoral Católica, sendo o primeiro presidente desta associação. De acordo com Daniel F. de Oliveira: “Em seus discursos sempre se mostrou convicto do sucesso da missão do jornal. Apesar de sua relação com a diretoria da associação católica e com a redação do periódico católico ter sido momentaneamente abalada entre fins de 1914 e 1915, a posterior reconciliação com os redatores d’A Cruz e, ainda, sua mobilização em prol da criação de uma liga eleitoral católica em Cuiabá demonstra que se manteve convicto em seus princípios católicos e da atuação do laicato no meio social.” OLIVEIRA, Daniel Freitas de. O Jornal A Cruz: imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-1924). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2016, p. 89-91.

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138

movimento bolchevista’.326

Destruir o instinto natural, dócil e maternal da mulher, de cuidado

e de doação à família, eis o “projeto comunista revelado” com o auxílio do

articulista católico João Carlos. Assim, nessa artimanha mitológica o

comunismo defenderia que a figura feminina voltada para o âmbito

doméstico, não passaria de uma fêmea animalesca. Nesta trama

conspiratória, a mulher era, então, associada como um “frágil” elo e que seus

“caprichos, suas fantasias e suas exigências”327 poderiam servir como meios

para o comunismo conquistar seus objetivos, e em consequência, assolar o

modelo familiar cristão defendido pela Igreja.

Interessante salientar que esse artigo trouxe uma série de

considerações originalmente publicadas em um diário protestante suíço,

“Jornal de Genéve”, do dia 20 de abril de 1932. Nessas considerações, o

intelectual católico Pereira não se abstive de fazer uso de uma publicação

religiosa concorrente do catolicismo, o que é discordante com a posição

antiprotestante da publicação católica “A Cruz”. Todavia, indica a

aproximação dos dois discursos anticomunistas conservadores. Não

obstante, o escritor ressaltou que muitas seitas protestantes, em coligação

com o “Estado Leigo” e a “Liga Anticlerical”, seriam complacentes com as

considerações “propagandistas do communismo”.328

Ainda no âmbito da moralidade, das tradições e da família, a

criança é outro sujeito suscetível de ser “corrompido”, dentro da lógica

conspiratória. Seguindo essa linha de pensamento, governos, educadores e

326 LEITE. João Carlos Pereira; MESQUITA, José de. Communicado – O Bolchevismo contra o Cristianismo. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 26 jul. 1932, Caderno 1034, p. 2. 327 GIRARDET, op. cit., 1987, p. 41. 328 LEITE. João Carlos Pereira. MESQUITA, José de. Communicado – O Bolchevismo contra o Cristianismo. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 26 jul. 1932, Caderno 1034, p. 2.

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139

instituições são convertidos e manipulados pela entidade conspiratória em

prol do rompimento das “concepções habituais de bem e mal” na sociedade,

e compondo a corrupção, perversão e a “libertinagem precoce” na

infância329.

Os articulistas das publicações religiosas presbiteriana e católica

produziram este tipo de construção imagética que credenciava o comunismo

soviético como um agente corruptor das crianças, estampando um cenário

comovente e caótico que impôs a “miseria das crianças bolchevistas”.330

Nesse âmbito, o sistema educacional soviético teria instaurado a ordem da

subversão e de afastamento dos rebentos de suas famílias, em um quadro de

delinquência sem controle:

Em nenhum paiz civilizado do mundo, a juventude vive sob tão grande tyrania, como na Russia Bolchevista. Dos corações e das almas, das crenças, arrancaram Deus e a religião. Na Rússia a vida do homem baixou até a dos irracionais. O governo monopolizou a educação das creanças; desde os primeiros meses são tiradas do seio da família. Os paes não teem direito de educar seus filhos; há poucas famílias, e somente onde ainda não penetrou o communismo. O governo educa a juventude em institutos próprios. E qual é o resultado desta educação sem Deus, sem religião, sem oração e até sem a doçura do lar doméstico? Todos os paizes cultos, tomandos juntos, não teem tanta juventude corrompida e degenerativa como actual Rússia! Pena de morte para os menores, em nenhum paiz existe: estes pequenos delinquentes, em ultimo caso, se recolhem nas casas de correção. Mas o céu assim permite, para que se veja o resultado da educação leiga e sem Deus!331

329 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 40-41. 330 O Bolchevismo sem máscara. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 06 fev. 1937, Caderno 487, p. 2. 331 Abominação Moderna. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 13 out. 1935, Caderno 1203, p. 1.

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140

Sem fé e sem Deus, um ateu sem escrúpulos, o comunismo foi

tratado pelos jornalistas dos dois periódicos religiosos, “A Cruz” e “A Pena

Evangélica”, como uma ilusão extremamente pecaminosa e imoral, onde os

ataques a toda e qualquer religião seriam radicalmente potentes:

A campanha, contra as religiões tomou no territorio russo, aspectos ignobeis. Não raro promovem os comunistas “festejos”, onde as creaturas depravadas dão expansão aos seus sentimentos cinicos levantam-se forcas e queimam se fogueiras, pendurando-se nas primeiras e atiçando ás segundas, as imagens de Cristo, de Budha e de Mahomet. E a orgia flutua. E os sorrisos sacrilegos abalam os espaços.332

Essa luta antirreligiosa teria chegado ao nível de uma encenação

bolchevista pretensiosa, que teatralizou o julgamento de Deus:

Mas não é só. (…) Leon de Poncins conta que, em 1923 Trotski e Lunatcchersky (hoje já desaparecidos da Russia) fizeram realizar um juri, na praça publica, com o fim de julgar um “grande criminoso” DEUS! Assistiram a esse “julgamento” nada menos de cinco mil soldados do exercito governista. Trotski, com a palavra pronunciou longo discurso insultando o “criminoso” com linguagem desabrida. Seu companheiro, do mesmo modo. Por fim, como “Deus não tivera a coragem” de comparecer ao julgamento, os dios revolucionarios resolveram julgal-o “um coverde”. Espetaculos como esses não devem ser ignorados. Deprimentes e brutaes, eles valem, certamente, como uma eloquente demonstração do nivel moral dos chefes bolchevistas – daqueles que despudoradamente, prometiam a vitoria da revolução tragica, dias melhores para o povo russo que, oje mais do que nunca, vive submergido na lama de todas as desgraças.333

332 Na Russia, os communistas realizaram um Juri para julgar Deus! - Aspectos deprimentes da luta contra as religiões (comunicado da Agencia Carioca). A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 16 jul. 1938, Caderno 562, p. 5. 333 Idem, p. 5-6.

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141

Destaca-se, desta forma, que a consideração do comunista como

ateu foi uma associação bastante instrumentalizada por essas duas vertentes

religiosas. Porém, Guy Besse entende que as críticas de Karl Marx às religiões

não são considerações baseadas no ateísmo, apesar de Marx ter aderido à

algumas delas. O marxismo não objetiva extinguir a crença em alguma

divindade, mas defende a luta dos homens por justiça social sob bases

materiais e terrenas, sem a espera de uma intervenção divina ou sob os

fundamentos alienantes das concepções religiosas.334

Assim, e dentro dessas análises, apesar de adversários entre si,

católicos e presbiterianos cuiabanos deram especial atenção ao

enfrentamento de um outro oponente, o comunismo. Dessa forma,

propagaram uma série de enunciados que buscavam, sobretudo por meio

das referências morais e das crenças cristãs, combater um concorrente

simbólico e secular que se fez crítico das instituições religiosas dominantes.

Em geral, o que se observa é a promoção de um simulacro de

ideias e imagens com a finalidade de desqualificar o outro comunista,

instaurando uma série de imagens depreciativas sobre este. O emprego

dessas imagens refletiu uma narrativa conspiratória e mitológica bastante

eficiente, que estimulou o temor e a irracional oposição contra uma possível

difusão de proposituras comunistas junto aos trabalhadores brasileiros. Da

mesma forma que respaldou o uso da repressão e da instituição do

autoritarismo, questão a ser tratada no capítulo seguinte.

Contudo, esses dois combates cristãos apesar de terem

constituído proximidades, distinguiam-se quanto às suas motivações e eram

tecidos de certas particularidades das duas vertentes religiosas. De um lado

teve-se o catolicismo brasileiro e mato-grossense, em conjugação com o

334 BESSE, Guy. O ateísmo nos nossos dias. In: ARNAULT, J. et al. Cristãos e comunistas. Paris. Publicações Europa, 1976.

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142

neotomismo e os valores ultramontanos, que ambicionavam reinstaurar a

presença católica junto ao Estado e conquistar o monopólio da esfera

religiosa nacional. Em outra posição, o presbiterianismo influenciado pelos

princípios do calvinismo e das missões protestantes anglo-saxãs, planejava

conquistar novos adeptos, recorrendo à defesa das concepções modernas e

liberais, mas totalmente contrários às novas expressões sociais e políticas

revolucionárias.

É significativo ainda salientar que essas narrativas voltadas ao

campo da moralidade e da constituição do comunismo como uma ilusão,

particularmente para os mais pobres e operários, não ficaram restritos a

esses dois jornais religiosos de Cuiabá, mas foram mais evidentes nessas

publicações. Nem tão pouco, o discurso anticomunista posto em “A Cruz” e

“A Pena Evangélica” esteve restrito a essas formações. Dessa maneira, no

próximo capítulo, abrange-se o estudo de mais periódicos e destaca-se a

construção mitológica do comunista como um estrangeiro audaz que

ambicionava a instauração da dominação soviética pelo mundo, bem como

as relações dos periódicos com o Estado Novo.

Page 143: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

143

CAPÍTULO III

Anticomunismo entre o nacionalismo, o liberalismo e o Estado Novo

A ameaça que representam é aquela que jamais deixou de obsedar os sonhos das cidades pacíficas: a do vagabundo, do nômade que ronda as casas felizes (...). A do viajante sem nome que traz com ele a doença ou a epidemia, cuja chegada faz apodrecer a colheita e perecer o gado.335

Anticomunismo na escala nacionalista e liberal

Atentando-se agora para outras referências do anticomunismo

brasileiro, elenca-se aqui as vertentes do nacionalismo e do liberalismo. Em

relação ao primeiro, por se tratar de um conceito amplo, partilha-se da

compreensão de Motta que delimita o nacionalismo conservador como

aquele que conduziu o enfrentamento ao comunismo no Brasil. Tendência

essa que trouxe referências do romantismo alemão336 e do corporativismo337,

onde delimita-se o sentido de nacionalidade ao território e ao seu povo, com

335 GIRARDET, Rauol. Op. cit., p. 43-44 336 A partir da virada para o século XIX o romantismo político na Alemanha apresenta críticas ao modelo de Estado-nacional burguês originário da Revolução Francesa, o percebendo como demasiadamente individualista. Pensadores como F. Schlegel e A. Müller, então defenderam um modelo de organização social corporativo, onde o ordenamento político não deveria ser tratado sob as bases racionais iluministas, mas pela evolução histórica e natural, respeitando os fundamentos e permanências do organismo e corpo social, e assim preservando suas tradições e passado. Cf. CESA, Claudio. Romantismo político. In.: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola e; PASQUINO, Gianfranco (Org). Dicionário de Política – 11º ed. Volumes 1 e 2, Fundação Universidade de Brasília, Brasília/DF, 1998, p. 1133-1135. 337 De acordo com Maria Celina D`Araújo, o corporativismo no Brasil das décadas de 1930 e 1940 teve influência do ponto de vista doutrinário do romeno Mihail Manoilescu: “O corporativismo de Manoilescu procurava associar um espírito medieval de comunidade com a ideia de Estados nacionais fortes e centralizados; mais do que isso, postulava que seria através desse Estado forte que se recomporiam as estruturas sociais em patamares superiores ao então existentes – a organização social através de ramos da produção ou seja, das corporações (...) Os partidos e a liberdade de organização política deveriam ser substituídos por câmaras e/ou setores da produção organizados e liderados por um Estado fortalecido.” D’ARAÚJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 11.

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144

padrões culturais e de identidades uniformizantes, perfazendo uma ordem

centralizadora e tradicional. Assim sendo, tal organização nacional deveria

ser protegida contra todos aqueles que anseiam desestruturá-la: “Neste

sentido, os comunistas seriam elementos deletérios, pois instigavam a divisão

e a própria destruição do “corpo” nacional, à medida que insuflavam o ódio

entre as classes”.338

Estado, Igreja Católica, imprensa, literatura, políticos e

intelectuais, propagaram nos anos de 1930 um modelo de nacionalismo

baseado em uma comunidade una e orgânica, reprimindo às manifestações

contrárias à constituição dessa unidade nacional e de seu “corpo” social. O

sentido era camuflar as intempéries e exclusões sociais, e respaldar os

interesses de dominação assegurados pelo Estado339. Portanto, não se

deveria falar de luta de classes e pluralidade de concepções, mas sim,

disciplinar o povo e afastar “os despossuídos” dos espaços públicos e

políticos.340

Carla Luciana Silva destaca que a partir da década de 1920, houve

a preocupação com a construção de uma nova nacionalidade por meio de

características idealizadas do povo brasileiro e de sua história, bem como das

relações entre classes sociais e das formações políticas nacionais. Parte dessa

construção esteve ligada às tendências e ideais autoritários, como a dos

teóricos Sílvio Ramos, Oliveira Vianna, Alberto Torres, Guerreiro Ramos,

Manuel Bonfim, influenciados por pensadores europeus e conceitos do

darwinismo e evolucionismo social.341 Sob estes referenciais, os intelectuais

338 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 50. 339 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília. Ed. UNB, 1993, p. 12-15. 340 Idem. 341 O darwinismo social é a tradução da teoria das leis de seleção natural proposta por Charles Darwin (1809-1882), para aplicação e compreensão das sociedades humanas. O filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) iniciou a apropriação dos estudos de Darwin para o âmbito social e defendeu que os seres humanos são desiguais por natureza. A vida

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145

conservadores procuraram assinalar as desigualdades sociais brasileiras por

meio de explicações “científicas”, as justificando como algo “natural”.342

Dessa maneira, esses pensadores, compreendendo as diferenças

e tensões sociais do Brasil como cientificamente justificável, se posicionaram

contrários às ideias contestatórias de uma estrutura social excludente, como

o marxismo representa. Assim, esses intelectuais, como leigos católicos,

políticos, advogados e adeptos ou simpatizantes da Ação Integralista

Brasileira, desqualificavam o socialismo e o marxismo por meio de

explicações teóricas, os tratando como uma verdadeira farsa messiânica e

ilusória, promotora de rebeliões e do caos.343

Sob referências nacionalistas exacerbantes, a AIB empregou o

patriotismo como uma das fortes bandeiras para o chamamento de

apoiadores que pudessem integrar seus quadros. A “idolatria” incondicional

à pátria serviu, em conjunto, para marcar posição no combate ao

comunismo, traduzido como um movimento “exótico” ao que seria

compreendido como a “alma brasileira”. O anticomunismo integralista foi

em sociedade seria um campo de batalha, como em um ambiente natural, vencendo e sobrevivendo os mais “aptos”, dividindo a sociedade entre os inferiores (pobres e proletariados) e superiores (ricos, políticos). Para Spencer este processo “natural” não deveria ter a interferência do Estado, dando condições para a sobrevivência dos mais pobres, ou seja, menos “aptos”. Dessa forma, deveria ocorrer um processo de “evolução” social, sobrevivendo as sociedades mais “civilizadas” e “superiores”. Cf. BLANC, Marcel. Os herdeiros de Darwin. São Paulo: Scritta, 1994. Em complemento, Maria Augusta Bolsanello afirma que o darwinismo social estava associado à defesa de uma sociedade capitalista, baseada na apologia laissez faire econômico e social, vinculando-se logo posteriormente a ideologias eugenistas e racistas, propagando preconceitos e até mesmo a eliminação dos classificados como “inferiores”. Essas ideias foram partilhadas por um grande número de intelectuais brasileiros, no final do século XIX e início do XX. Esses pensadores apoiaram a imigração de europeus para a realização de uma nova miscigenação e “embranquecimento” do povo brasileiro. Suas concepções, em geral, objetivavam legitimar, por meio de bases declaradas como “científicas”, os preconceitos e as desigualdades sociais existentes no país. Cf. BOLSANELLO. Maria Augusta. Darwinismo social, eugenia e racismo: sua repercussão na sociedade e na educação brasileiras. Educar. n. 12, Editora UFPR, 1996, p. 153-165. 342 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 51-58 343 Idem.

Page 146: Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa

146

também um importante mote para conquistar adesões daqueles que temiam

o avanço vermelho.344

Deste modo, o comunista foi expressado como o outro, um

extremista que desestabilizaria a harmonia social da nação, estimulando

conflitos e rebeliões, ferindo e dividindo a visão de uma nação integral e

organicista. O nacionalismo de expressão conservadora e autoritária apontou

sumariamente o comunismo como “inimigo da nação”. Inimigo esse

percebido como uma ameaça real e concorrente, mas foi, sobretudo, uma

construção conveniente que justificou perseguições e repressões contra as

mais diversas manifestações que perturbassem a ordem moral e social,345

Os comunistas representavam o inimigo a combater, a fim de servirem como argumento capaz de justificar a coesão em função da presença de um agente nocivo. Ao mesmo tempo em que deveriam ser mantidos pelo governo para sustentar o mito da conspiração, sua eliminação também era necessária. Ao negarem a cooperação social apregoada pelo imaginário totalitário, os comunistas impediam a imagem de uma sociedade orgânica e harmoniosa.346

Dentro do legendário simbólico da conspiração347, o comunismo

foi classificado como o “império das trevas”, personalizado na figura do

estrangeiro “feiticeiro”, a serviço do mal e do medo, agindo pela escuridão

em uma ação contra a família e a pátria. Esse outro, o comunista, seria

344 Hélgio Trindade aponta que o principal motivo revelado pelos integralistas para adesão à AIB foi o anticomunismo. Logo após, tem-se a identificação com o fascismo europeu, seguido do nacionalismo e da oposição ao governo Cf. Cf. TRINDADE, Hélgio. Integralismo – O Fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974, p. 55. 345 Elizabeth Cancelli entende que os comunistas foram, dentre os inimigos construídos pelo Estado, os que mais sofreram perseguições policiais e mais tiveram sua imagem associada a uma visão mítica de grande mal, e que, portanto, deveriam ser plenamente combatidos. Cf. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília. Ed. UNB, 1993, p. 79. 346 Idem, p. 82. 347 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 42-49.

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147

rendido à URSS e seu plano arquitetaria subjugar a nação brasileira às

vontades “imperialistas” de Moscou:

O communismo, como todo movimento que agita paixões e se baseia numa systematização total do mundo, é por sua natureza imperialista. Sempre o foi na mente de Marx, como foi na tactica de Lenine.348

Já, em relação ao anticomunismo propagado pelo liberalismo,

deve-se ater, segundo Motta, para os seus dois planos, o econômico e o

político.349 Este último, o liberalismo político, nas observações de Kalina

Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva, constituiu-se por meio de uma na

base social burguesa e pensamento de filiação liberal e iluminista, em

contraposição ao absolutismo. Seu auge se deu no século XIX, tanto na

Europa Ocidental quanto na América Latina, até o período do entre guerras,

quando sofreu considerável abalo com a crise de 1929 e ascensão de regimes

fascistas. Por sua vez e em relação à perspectiva econômica e capitalista, o

liberalismo rejeita a intervenção estatal e defende a livre-iniciativa

comercial.350

Dessa maneira, a via do liberalismo econômico critica o

comunismo por considerá-lo um sistema demasiadamente intervencionista,

restringindo a liberdade comercial. Assim, o discurso empregado pelos

liberais sustenta a livre-iniciativa empresarial e qualifica o sistema econômico

comunista como ineficiente e com sérios problemas de funcionamento. Os

anticomunistas que compartilham dessas percepções, ainda repercutem o

comunismo como ameaça à garantia da propriedade privada, visto que o

348 O communismo e meios de combatel-o. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 09 jan. 1938, Caderno 1318, p. 1. 349 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 60. 350 SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA Maciel Henrique Silva. Op. cit., p. 258.

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148

pensamento liberal a defende como um “direito individual inalienável” e

intocável.351

Mesmo a Igreja Católica que apresentava críticas ao capitalismo

liberal, igualmente estruturou considerável empenho, inclusive por meio de

encíclicas papais, na defesa da propriedade particular e individual, vista como

um direito legítimo. Já para o protestantismo, a defesa da propriedade

privada e acúmulo de bens materiais, um dos princípios do capitalismo, está

em conciliação com os parâmetros da “ética” protestante352.

No tocante ao anticomunismo refletido pelos adeptos do

liberalismo político, vinculados a uma tradição ideológica e institucional

liberal-democrata, constantemente trataram os Estados comunistas como

avessos às liberdades democráticas.353 Todavia, Motta acredita que esse

discurso não foi nada coerente, já que os partidários do liberalismo acusavam

os regimes comunistas de serem verdadeiras tiranias e ditaduras, mas

omitiam a tradição autoritária da República brasileira. Em contrapartida, a

defesa das bases democráticas-liberais para constituir críticas em

comparação ao comunismo, era perigosa, como foi durante os anos de

repressão do Estado Novo, o que, em certa medida, provocava a

marginalização dos enunciados denunciativos do autoritarismo dos regimes

comunistas.354

Os “traidores” da Pátria – O perigo vermelho afronta a nação

O comunismo idealizado por Marx configura-se como um projeto

político que almeja proporcionar uma revolução a nível mundial, extinguindo

351 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 64. 352 WEBER, Max. Op. cit. 353 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 60. 354 Idem, p. 61.

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149

as concepções nacionalistas burguesas e a desigualdade entre as classes. O

“Manifesto do Partido Comunista” (1848) elevou essa ideia, convidando os

trabalhadores de todo o mundo a se unirem e instaurarem uma nova ordem

mundial, que nas palavras de Eric Hobsbawm: “é, quase com certeza e de

longe, o escrito político individual mais influente desde a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa”.355 O sonho

revolucionário mundial ganhou impulso particularmente dois anos após a

Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, impelindo uma verdadeira onda

revolucionária por diversas regiões do globo:

A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo desde a conquista do islã em seu primeiro século. Apenas trinta ou quarenta anos após a chegada de Lenin à Estação Finlândia em Petrogrado, um terço da humanidade se achava vivendo sob regimes diretamente derivados dos “Dez dias que abalaram o mundo” (Reed, 1919) e do modelo organizacional de Lenin, o Partido Comunista.356

Portanto, o potencial revolucionário, na expectativa de

desmantelar as bases do capitalismo, se propagou e se consolidou na Rússia

bolchevista, onde constituiu um modelo político sólido que reconfigurou o

cenário da geopolítica internacional, principalmente após a Segunda Guerra

Mundial.357 As reações aos ânimos da revolução socialista russa foram

enérgicas nos países capitalistas, em campanhas nacionalistas que

credenciavam o comunismo como um projeto imperialista da União

Soviética.

355 HOBSWAM, Eric J. Introdução ao Manifesto Comunista. In.: _____. Sobre história. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 381, grifo do autor. 356 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX, 1914-1191. Companhia das Letras, São Paulo, 2013, p. 62. 357 Idem.

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150

A expressão internacionalista do bolchevismo russo foi, dessa

forma, qualificada pelos anticomunistas brasileiros como contrária à essência

dos valores brasileiros e tida como uma associação conflituosa com as bases

da civilização ocidental. Ainda acusavam as organizações comunistas pelo

mundo de serem instituições totalmente influenciadas e obedientes aos

interesses do partido comunista russo.358 Os partidários do comunismo

foram, então, tratados como um “intruso que se introduz nos lares prósperos

para levar-lhes a perturbação e a ruína”359. Um estrangeiro portador de

doenças e epidemias capazes de devastar a paisagem, espalhando medo e

insegurança, sempre a vagar pela noite como uma ameaça hostil à paz e à

ordem.

Neste sentido e dentro dessa arquitetura mitológica, o

anticomunismo brasileiro, apresentou o socialismo russo como uma ameaça

internacional capaz de romper as balizas da nação, em rejeição à

conformação internacionalista do comunismo. Compartilhando dessa visão,

a narrativa traçada pelos periódicos cuiabanos acreditava revelar um complô

do “subterrâneo império socialista”. Uma trama de controle mundial que

objetivaria destruir governos e nações e substituí-los por ditaduras

proletárias submetidas aos desígnios dos bolcheviques russos. E os

brasileiros aliados a essa “trama” comunista eram qualificados de traidores

da pátria.

Apropriando-se dessa fonte mitológica, os redatores de “A Pena

Evangélica”, em 1936, demarcaram o comunismo como um perigo

internacional. E de maneira noticiosa, trataram de expor e “revelar” aos seus

leitores, os planos de um arranjo secreto muito bem articulado em várias

posições mundiais:

358 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 75-76. 359 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 43-44

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Os communistas internacionaes tem nestes ultimos dias feito reuniões secretas. Ha um convenio secreto para levar a cabo urgentemente movimentos revolucionarios em varios logares do mundo. No dia 12 de Setembro houve uma reunião dos comunistas internacionaes em que foi conseguido uma importante soma para o fundo secreto. Varios inspectores foram nomeados para agir e representar o movimento em varios pontos. Um foi para Amsterdam e outro para Basileia. Em 16 de Setembro ultimo, os comunistas franceses receberam novas instruções para que consigam descontentamentos em varios paizes, até que consigam desencadear qualquer movimentos revolucionario. No proximo dia 16 de Outubro, haverá, promovido pelo partido comunista, um congresso dos sem trabalho.360

A ação “atroz” dos comunistas já havia sido exposta no Brasil pela

ação da “intentona comunista” de 1935, segundo relato abaixo e não

assinado de “A Pena Evangélica”. A “intentona”, de acordo com a edição,

trouxe consequências aterrorizantes sobre a vida de crianças, mulheres e

famílias das cidades impactadas por essa ação:

A ultima tentativa de communismo trouxe muitas lagrimas para a familia brasileira. A esta hora muitas mães choram a perda de seus filhos, muitas esposas chamam em vão pelos seus esposos, muitas irmãs esperam os seus irmãos, que nunca mais voltarão. Muitas noivas guardam recordação de seus noivos e muitas crianças choram na orphandade. Todos estes cahiram no campo de lucta, defendendo a honra e a gloria da Patria, ultrajadas e postas em perigo pelo egoismo atroz de muitos brasileiros desalmados. Entretanto houve um bem para o Brasil, sahido da confusão da ultima intentona. Aquelles que se achavam illudidos com a campanha communista, cahiram na realidade e viram que o que domina nos comunistas são baixos e vis interesses, com excepção feita de alguns comunistas ideallistas, que os há felizmente. No movimento do Nordeste os communistas

360 O mundo em 7 dias. “A Penna Evangélica” - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 17 jul. 1936, Caderno 471, p. 2.

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tomaram conta da cidade de Natal por 48 horas. Por lhes ter sido adversa a sorte das armas, tiveram de abandonar a cidade após 48 horas. Pois bem. Quando elles sahiram de Natal, carregaram consigo, saqueados dos bancos e das casas de comercio, mais de cinco mil contos; e deixaram violadas 96 menores da Escola Domestica e diversas familias. Isto em 48 horas! Está ahi o panno de amostra para que o nosso povo veja e saiba o que é e o que quer o communismo! (...) Imaginemos o que será da nossa Patria se o communismo vier a dominar!361

É interessante observar que esse relato estabelece o termo

“intentona”, para tratar das insurreições que se sucederam em Natal-RN,

Recife-PE e Rio de Janeiro. Esta denominação foi apropriada para

desprestigiar os levantes comunistas e marcar suas derrocadas, perfazendo

tais ações como meras e desastrosas intenções. Nesta sequência, na ânsia de

desqualificar as insurreições de 1935, a narrativa presente no texto “O

Comunismo em ação” diminuiu significativamente a amplitude e a resistência

dos levantes, principalmente no estado potiguar, onde o movimento teve

início e não ficou restrito a capital, mas estendeu-se para o interior. Outra

pretensão de menosprezar o movimento está na afirmativa de que, em Natal,

a ação dos levantes teria durado apenas 48 horas, quando na realidade durou

quatro dias e com relevante participação popular362.

A historiadora Marly de Almeida G. Vianna defende que as

insurreições ocorridas em 1935, cuja expressiva quantidade era de militares,

refletiram “a última manifestação da rebeldia tenentista”363, diante de uma

nova configuração política que não atendia as expectativas de muitos

soldados e oficiais. A unidade dessas ações se efetivou, sobretudo, pela

361 O communismo em acção. “A Penna Evangélica” - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 04 jan. 1936, Caderno 430, p. 5. 362 VIANNA, Marly de Almeida G. Op. cit., p. 88-91. 363 Idem, p. 101.

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153

imagem de Luís Carlos Prestes, o “herói” tenentista da Coluna Prestes364, que

já nesse período havia se conjugado ao comunismo:

Os movimentos seguiram as tradições das lutas que vinham ocorrendo no Brasil desde 1922 e que expressavam os anseios de classes e camadas da população que queriam novos caminhos para o país, superando a dominação dos grupos da já ultrapassada República Velha365.

Na cidade de Natal o movimento iniciou-se em consequência da

revolta de militares rebeldes e contou com o apoio da população. Em Recife,

foi provocado pelos líderes regionais do PCB, mas sem participação popular,

apesar de terem buscado a adesão desta. Já no Rio de Janeiro, os levantes

liderados por Prestes, ficaram principalmente concentrados nos quartéis. Os

eventos se deram de maneira desarticulada, e muitos dos militares

envolvidos não eram partidários das ideias comunistas, e nem mesmo ligados

à Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou ao PCB. Mas, como já explicitado no

primeiro capítulo, de maneira geral as reivindicações refletiam a luta pela

democracia e reforma agrária e contra a exploração capitalista

364 A Coluna Prestes inicia-se em 1925 da junção de duas frentes tenentistas de oposição à configuração oligárquica da Primeira República. Após os levantes de São Paulo, em 1924, os revoltosos partiram em direção ao sudoeste, até adentrarem no Estado do Paraná, onde enfrentaram forças federais comandadas por Cândido Rondon. As forças rebeldes gaúchas, comandadas por Luís Carlos Prestes partem para se unir às forças paulistas no Paraná, enfrentando antes tropas legalistas no caminho, perdendo metade do seu contingente, em abril de 1925. Após a união das duas frentes, lideradas por Miguel Costa e Prestes, seus componentes fizeram uma jornada de 25.000 quilômetros até o ano de 1927, contando com uma força que chegou a 1.500 homens, atravessando 13 estados brasileiros, inclusive Mato Grosso, e dois países estrangeiros, Paraguai e Bolívia. Caracterizou-se principalmente como um movimento de contestação e que ajudou a fragilizar o sistema político vigente. Cf. FERREIRA, Marieta de Morais; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano (v.1): o tempo do liberalismo excludente - da proclamação da República à Revolução de 1930. 4ª ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 387-415. 365 VIANNA, Marly de Almeida G. Op. cit., p. 101.

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internacional.366

Atentando-se para a repercussão dos levantes comunistas em

Mato Grosso, o recente artigo do historiador Vitor Wagner Neto de Oliveira

investigou um processo criminal do Tribunal de Segurança Nacional e nele

pode constatar a participação de militares e civis mato-grossenses, em

dezembro de 1935, de articulações comunistas em hibridismo com o

tenentismo. Essas articulações ocorreram em Aquidauana, na fazenda Ipê

pertencente a Garibaldi Medeiros, que possuía um irmão e filho presos na

capital federal por participação nos levantes de novembro de 1935. No local,

além de Medeiros, estavam presentes o capitão Antonio Rollemberg,

membro da ANL, e outros militares.367

Outro personagem identificado na investigação foi Agrícola

Batista, também membro da ANL e que teria participado dos movimentos

tenentistas dos anos de 1920, cujo nome verdadeiro era Radio de Queiroz

Maia. Batista já teria tentado, em setembro de 1935, junto com Godofredo

Gonçalves (caudilho gaúcho) e Silvino Jacques (líder de bandos armados),

articular levantes revoltosos na fronteira com o Paraguai com o auxílio de

trabalhadores rurais, mas acabou preso na cidade de Bela Vista. Tais

tentativas de levantes demonstraram um ambiente político conturbado e de

agitações militares, em um cenário de violência armada relacionado,

inclusive, com aspirações de divisão do estado de Mato Grosso, caso de

Silvino Jacques.368

Não identificamos nos jornais analisados a repercussão desses

acontecimentos descritos por Vitor Oliveira, pois, provavelmente as

investigações tenham ocorrido em sigilo. Todavia, imprensa, Estado,

366 Ibid., p. 102-103. 367 OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto. Articulações comunistas em Mato Grosso. Revista Cadernos de História – PUC MINAS, n. 24, v. 16, 2015, p. 51-67. 368 Idem.

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religiosos, figuras políticas e intelectuais intensificaram a luta contra o

comunismo, julgando os levantes de 1935 como estrita materialização do

empreendimento soviético e sua influência perigosa e “bárbara” no Brasil,

sem apreciar a atuação de outras forças no movimento, como o tenentismo.

(Serviço de Imprensa do Departamento Nacional de Propaganda) - Vencidos dentro das nossas fronteiras pela heroica resistencia dos bens servidores da patria, que salvaram na hora do maior perigo, os agentes do bolchevismo internacional promovem agora no extrangeiro a mais desabrida campanha de injuria e calumnia contra o governo e nação, que em perfeita solidariedade, souberam defender a civilização contra os assaltos da barbaria vermelha.369

Em continuidade à atenção em torno dos levantes de 1935, os

componentes do impresso “O Matto Grosso”, do Partido Republicano

advogaram pela punição dos envolvidos e sem direito às garantias

constitucionais de defesa. O jornal rechaçou notícia divulgada pelo

Departamento de Propaganda do governo que repercutia o pedido de

libertação de presos políticos no Brasil, em destaque Prestes, feito por um

deputado espanhol comunista:

Pregando a destruição da Sociedade e o assassinio oficializado, os communistas não tem direito de exigir a justiça organizada do regime liberal democratico, com as amplas garantias de defesa. Na Russia estariam fuzilados summariamente os que, como entre nós, se levantaram ousadamente contra as instituições politicas. O excesso de liberalismo das nossas leis e não os moinhos de vento dos “sanchos” communistas e que nos privam, pelos sentimentos de humanidade, tão próprios dos brasileiros, de implantar, contra os inimigos das nossas instituições os

369 A campanha communista no estrangeiro contra o Brasil e seu governo. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiaba, 15 ago. 1936, Caderno 63 da 3ª fase.

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methodos criminosos por elles próprios apregoados.370

“O Matto Grosso”, fundado em 1879, ainda no período Imperial,

esteve vinculado, após a instauração da República, ao Partido Republicano

Mato-Grossense. Circulou na capital Cuiabá, com algumas interrupções, até

o ano de 1937. Defendeu a modernização e o progresso de Mato Grosso,

dentro de um modelo capitalista de acentuação do processo de urbanização

e de exploração e expropriação dos recursos naturais. E esteve em oposição

às imagens compostas em contos publicados, sobretudo nos grandes centros

urbanos brasileiros, onde designavam Mato Grosso como uma terra

selvagem e bárbara371.

Lylia da Silva Guedes Galetti explana que, entre os anos de 1918-

1922, as elites da sociedade norte mato-grossense e o Estado, sob a

condução de Dom Aquino, promoveram várias manifestações culturais de

exaltação “à terra e ao homem mato-grossenses, com o intuito de ‘livrá-los’

do estigma da barbárie” de uma terra longínqua e na “fronteira do mundo

civilizado”.372 Destaque para a fundação do Instituto Histórico de Mato

Grosso (1919) e o Centro Mato-grossense de Letras (1921), e a difusão de

símbolos para delimitar a identidade regional como hino, datas

comemorativas, brasão e a eleição de grandes personagens para serem

inscritos na memória histórica local.373

Os articuladores do jornal “O Mato Grosso” também desejavam

370 Petulancia dos patrias quixotescos – Comunistas hesponhóes com a pretenção de dar ordens ao governo brasileiro. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiabá, 29 mai. 1936, Caderno 2 da 3ª fase. 371 A obra da historiadora Lylia da Silva Guedes Galetti apresenta as diversas imagens acerca desta territorialidade, o Mato Grosso, costumeiramente representado como um “sertão a ser conquistado” por estrangeiros e por outras regiões do país. Cf. GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Sertão, Fronteira, Brasil: imagens de Mato Grosso no mapa da civilização. Cuiabá, MT: Entrelinhas: EdUFMT, 2012. 372 Idem, p. 321, grifo da autora. 373 Idem.

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superar a identidade estigmatizada em torno da região. Nesse sentido,

aclamaram a imagem de um Estado que começava a absorver elementos

civilizatórios e de progresso, como emissoras de rádio e hotéis, ao contrário

das crenças e narrativas que qualificavam essa fronteira como selvagem:

Os tempos vão passando, as cousas vão se transmudando, o sr. Monteiro Lobato prevê o petroleo jorrar, aos borbotões, do nosso sub-solo, e as opiniões, as crendices sobre o nosso Matto-Grosso, vão se modificando. As onças vão se rareando, os bugres desaparecem no recesso das florestas, as cobras se evolam, e novos casos, modernos, de accôrdo com a civilização que surge, são engendrados. (…) Por ahi se vê que em vez de selvagens e de reptis, já apparecem, nos casos passados em Cuiabá, hoteis e radios. De facto, Matto-Grosso progride.374

Em se tratando de um periódico político, seus escritores

repercutiram semanalmente o cotidiano da política regional e nacional. As

publicações políticas e partidárias, em Mato Grosso, tinham a função de

propagar as ideias de suas principais lideranças, mas também serviam de

instrumento de ataque a seus adversários, travando diversos embates

passionais.375 No período que abrange o recorte deste trabalho e das edições

localizadas, o periódico, vinculado ao então denominado Partido Republicano

Mato-Grossense, repercutiu, destacadamente, as disputas contra os

membros do Partido Evolucionista.

Outrossim, respaldou de forma veemente o principal nome do

partido e então governador, Mario Corrêa da Costa (1886-1937), durante o

período bastante instável de seu segundo376 e curto mandato, entre

374 Matto-Grosso civiliza-se. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiabá, 28 nov. 1936, Caderno 128 da 3ª fase. 375 PORTELA, Lauro. A Primeira República em Mato Grosso por meio dos periódicos. Cuiabá: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, n, 71, 2012, p. 45. 376 Mario Corrêa da Costa foi também governador de Mato Grosso de 1926 a 1930.

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setembro de 1935 a março de 1937. O último número identificado de “O

Matto Grosso”, foi no mês de março de 1937, o mês em que o governador

Mario Correia da Costa foi afastado do comando do estado e em seu lugar

instituído o interventor federal Ari da Silva Pires. Mas o referido partido,

nesse momento ligado à União Democrática Brasileira, de Armando de Salles

de Oliveira, já em julho de 1937, constituiu um novo jornal sob o título de “A

União”, cuja última edição foi registrada em 07 de novembro de 1937 no

Arquivo do estado de Mato Grosso, mês em que teve início o Estado Novo e

a consequente extinção dos partidos políticos.

Dentro da tradução conspiratória, o periódico “O Mato Grosso”

revestiu o comunismo como um projeto de dominação que possuiria

instrumentos importantes para conseguir instaurar um mundo de ruínas e de

submissão, o meio de comunicação seria um deles. Portanto, os “homens do

complô” almejariam apropriar-se da imprensa para manipular e arregimentar

a alma e a inteligência das pessoas.377 José de Mesquita, articulista católico

do jornal “A Cruz”, em cadência poética e ganhando espaço nas páginas de

“O Matto Grosso”, fez uma distinção maniqueísta entre a boa e a má

imprensa rubescente e subversiva:

Do mundo hodierno em meio ao rudes torvelinhos, entre a sombra que envolve e entenébra os caminhos, vejo as ambas que vêm de oppostas direcções, marchando, uma serena e outra lugubre e irosa, trazendo uma nas mãos uma tocha radiosa, e outra a bomba e o punhal das rubras subversões. Uma de chlámide alva e casta vem cingida, um nimbo de ouro traz sobre a fronte garrida, e um sorriso de amor nas faces lhe reluz. É a Imprensa que educa e eleva e purifica, que da austera Moral as bases edifica, e tem por mira o Bem, e tem por arma a Cruz!

377 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 38.

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Outra veste de negro e, na treva, maneja a perfidia e a calumnia e, sordida, rasteja sobre o lameiro vil sobre o impuro atascal. É a Imprensa, que aggride ou bajula, destruindo tudo que a alma possue de mais nobre e mais lindo, para erguer, sobre a ruina, as construcções do mal!378

Vinculado, igualmente, a uma lógica conspiratória, o periódico

“Alliancista – Órgão da ‘Alliança Mattogrossense’”, apresentou os levantes de

1935 como uma “intentona” fracassada e falaciosa, engendrada por traidores

aliados ao “credo moscovita”:

É sabido que o komintern cujus processos de luta, na phase de preparação revolucionaria, consistem, principalmente, na mentira, no embuste, no disfarce, na mystificação, na astucia, na trahição, no mascaramento mais cynico de attitudes, ordenou aos seus corypheus do Brasil, depois do fracasso da intentona de Novembro de 35, que abjurassem, de publico e razo, para escaparem ás sancções da lei de segurança o credo moscovita379

Este fragmento é parte do discurso realizado pelo deputado

estadual, Agrícola Paes de Barros, pronunciado no dia 6 de agosto de 1937,

na Assembleia Legislativa do Estado, e objetivou alertar que a ação dos

comunistas soviéticos ainda estaria presente junto aos brasileiros, mesmo

após repressão aos levantes de 1935. Mas, em 1937, os “homens do complô”

comunista agiriam de maneira disfarçada, sorrateira e mascarada. Negavam,

em público, serem aliados do “credo” de Moscou, no objetivo de continuar a

colocar em prática suas estratégicas e escapar da rigorosa vigilância da lei.

378 MESQUITA, José Barnabé. As duas imprensas. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiabá, 28 nov. 1936, Caderno 128 da 3ª fase. 379 A “União” - instrumento consciente ou inconsciente – do komitern. Alliancista – Orgam da “Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 17 out. 1937, Caderno 3, p. 2.

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Contudo, essa tática teria sido desvelada pelo Chefe da Polícia do governo

Vargas, o mato-grossense Filinto Müller:

Não ha, no Brasil, quem ignore essas instrucções do Komintern porque foram ellas descobertas a tempo pela polícia de Filinto Muller, - sentinella vigilante das instituições e da civilização christã brasileiras – e divulgadas a tempo de se precatar a nação contra semelhantes manifestações de arrependimento tardio e solerte. Sabido como é que comunismo é, por assim dizer, o banditismo codificado: que o crime é a base dessa philosophia maldita; que a deshonra é aconselhada por esse tenebroso credo; que na destruição completa e impiedosa do nosso grandioso patrimonio moral e christão é que pretende o credo moscovita erguer, no Brasil, a instituição do amôr livre e do paganismo; que a mentira, a calumnia a infamia, o disfarce mais descarado são as armas mais poderosas;380

O mote aqui ansiou instaurar o comunismo como uma “crença”

exógena e estranha à civilização brasileira e cristã. Uma ameaça que

propagaria o caos, o “amor livre” e o “paganismo”, e pronta para se utilizar

da imprensa como forma de infiltração:

Essa capacidade de infiltração e de dissimulação dos communistas que, sob esta e outras formas, vão minando todo nosso organismo social; essa capacidade de mystificar que vae ao ponto de transformar jornaes democraticos em doceis instrumentos de seus manejos inconfessaveis, é que nos faz pensar na extensão da trama que nos envolve, é que nos faz meditar horrorizados no dia de amanhã se, por desgraça suprema, virmos a ser presa das hordas barbaras de Moscou, é que nos põe alerta, -em sentido!- de pé, na defesa da honra das nossas famílias e nos suggere o appello que destas columnas formulamos aos nossos confrades: para que não sirvam de instrumentos dos baixos manejos communistas; para que expulsem do corpo de seus collaboradores esses vendilhões do templo; para que pensem, finalmente na família brasileira que essas bestas

380 Ibid.

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féras querem lançar nos braços do amôr livre, e gritem, conosco, lealmente NÃO, ALTO LÁ! PARA TRAZ COMMUNISTAS!381

Há diversas referências neste trecho do discurso do deputado

estadual Paes de Barros, onde primeiramente atenta-se para o perigo da

corrupção da imprensa em prol da causa comunista, como ainda a

correspondência com as falas religiosas e moralistas contra o comunismo, já

discutidas no capítulo anterior.

Destaca-se, porém, a tradução do comunismo como uma

expressão bestial capaz de minar o “organismo social”. Dessa maneira,

encontra-se no “Alliancista” uma representação imagética, também

visualizada em outros jornais382 aqui pesquisados, que relaciona o

comunismo a uma figura animalesca, uma “besta fera”. Um simbolismo

mitológico denominado por Girardet de “bestiário do complô”, produtor de

representações iconográficas e textuais que associam o inimigo a seres

peçonhentos, venenosos, rastejantes, imundos, e transmissores de

doenças383, capazes de contaminar e destruir todas as esferas da sociedade.

Tal apropriação foi realizada em um outro exemplo partilhado no

jornal aliancista, onde o comunismo esteve comparado a uma hidra, animal

da mitologia grega com corpo de dragão e várias cabeças de serpentes

381 Ibid. 382 “A Pena Evangélica” informa que um periódico do Rio de Janeiro, sem citar o nome, chama o comunista Luiz Carlos Prestes de lobisomem. Cf. Coluna “Última hora”. “A Penna Evangélica” - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 04 mar. 1936, Caderno 439, p. 2; Por sua vez, José de Mesquita afirmou que o socialismo seria um lobo com aparência de ovelha para enganar e ludibriar o operariado. Cf. MESQUITA. A religião e o operariado. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá/MT; 18 dez. 1932; Caderno 1059, p.1. Mas em “A Cruz” há outras associações do comunismo como uma expressão animalesca e bestial, trazendo referências como a de dragões, tentáculos e algo desumano, e podem ser vistas, como exemplo, nas seguintes edições: Ed. 939 de 31 ago. 1930, p. 2; Ed. 1040 de 07 ago. 1932, p. 2-3; Ed. 1052 de 30 out. 1932, p. 1 e 2. 383 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 44-45.

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venenosas, e a um polvo cheio de tentáculos viscosos: “[…] doutrina

condemnada pela gente culta, hydra e polvo, cujos tentaculos ameaçam as

nossas instituições democraticas.”384 Conforme Verônica Karina Ipólito, em

sua tese “O vermelho que violenta a ordem”, o imaginário anticomunista, por

diversas vezes, utilizou-se da imagem do polvo, reproduzido como um animal

devorador, cujos tentáculos simbolizariam o avanço e a dominação comunista

pelo mundo.385

O órgão da “Alliança Matogrossense”, assim como “O Matto

Grosso”, foi um jornal pertencente a um grupo político, a Aliança Mato-

Grossense - liderada pelos senadores João Vilasboas (1891-1985) e

Vespasiano Barbosa Martins (1889-1965), congregando parte dos membros

dos antigos partidos Evolucionista e Liberal. Seus componentes apoiaram a

liderança política dos irmãos Filinto e Julio Müller, destacados aliados de

Getúlio Vargas e fizeram intensa oposição aos representantes do antigo

Partido Republicano Mato-Grossense, de Mário Corrêa da Costa.

Para o historiador Valmir Batista Corrêa, os partidos republicanos

estaduais qualificaram-se como instrumentos das oligarquias locais que

dificilmente transpunham os limites de suas fronteiras, ou seja com restrito

alcance nacional. Também se caracterizavam por uma “vida efêmera”, com

arranjos e rearranjos estratégicos em torno das eleições, ou mesmo para fixar

oposição ao grupo oligárquico presente na liderança do Estado,386

Nascidos normalmente para atender a interesses imediatos, os PRs regionais nem sempre demonstravam claramente seu papel político, seus programas, plataformas

384 Festa da bandeira em S. Antonio do Rio Abaixo. Alliancista – Orgam da “Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 28 nov. 1937, Caderno 14, p. 1, grifo nosso. 385 IPÓLITO, Verônica Karina. O vermelho que violenta a ordem: os comunistas sob o olhar da DOPS no Paraná. Tese de Doutorado em História, UNESP, Assis, 2016, p. 168-169. 386 CORRÊA, Valmir Batista. Partido Nacional dos Pobres (Campo Grande, 1934). In: Estudos Regionais, 1981, p. 57-58.

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e objetivos. E utilizando comumente o jornalismo como veículo de propaganda política e de defesa de suas posições partidárias387

Refletindo essa conjugação, os impressos de “O Mato Grosso” e o

“Alliancista” configuraram-se como espaços de defesa de interesses políticos

oligárquicos e partidaristas, que mudavam de posição à medida que suas

lideranças se rearticulavam no jogo político.

O senador Vilasboas foi exemplo dessa dinâmica política

conveniente, pois anteriormente atuava pelo Partido Liberal, ajudando Mario

Correia a ser eleito governador do Estado, pela Assembleia Constituinte

Estadual de 1935. Mas, já em 1936, o acordo se desarticulou diante da crise

das contas públicas estaduais, e Vilasboas migrou para a Aliança Mato-

Grossense. Os ânimos se acirram entre o grupo político dos senadores

Vespasiano e Vilasboas e os partidários republicanos mato-grossenses,

culminando em um conflito armado, em 22 de dezembro de 1936. Para se

protegerem, os dois senadores tiveram que se abrigar no quartel do 16º BC

e a situação somente foi controlada com o envio de tropas federais à

Cuiabá.388

O “Alliancista” originou-se do jornal Evolucionista, submetido à

censura nas eleições municipais de janeiro de 1936.389 O primeiro número do

“Alliancista” circulou em 10 de outubro de 1937, um mês antes da instituição

do Estado Novo, e transpôs constantemente os acontecimentos de 22 de

dezembro de 1936, como um marco de resistência e triunfo diante da

derrocada do governo de Mario Corrêa (em março de 1937) e posterior

ascensão de Julio Müller ao comando do Estado:

387 Ibid. 388 MENDONÇA, Rubens. História de Mato Grosso. Cuiabá: Instituto Histórico de Mato Grosso, 2ª ed., 1970, p. 112-114. 389 Idem, p. 114.

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Um anno decorreu ontem do misero attentado de que foram victimas nesta capital, os eminentes mattogrossenses Drs. João Villasbôas e Vespasiano Martins, então nossos egregios representantes na Camara Alta do Paiz. Não houve, nesta terra, quem não se lembasse daquella scena vandalica, friamente planejada e executada com todo requinte de selvageria, pelo mais truculento dos governos que infelicitou o nosso Estado. (…) Assim como nas luctas travadas em torno de um ideal, o martirio de que se lança mão para anniquilla-lo é a aurora do seu triumpho, assim tambem o sangue de Villasbôas e de Vespasiano Martins, foi o clarão annunciador da nossa vitoria, projectado na noite escura e tormentosa que vinhamos atravessando.390

Mesmo fiéis ao seu passado político, os membros do jornal

“Alliancista” não mediram esforços para propagar o apoio ao governo de

Getúlio Vargas, ainda enquanto presidente Constitucionalista. Já no Estado

Novo, promoveram Vargas, nos moldes de uma propaganda nacionalista,

enquanto líder redentor e nacional. E justificaram o regime varguista,

levando-se em consideração o combate aos “inimigos da pátria”, entre eles o

comunismo: “salvador da nossa nacionalidade. Reagiu na altura que devia

reagir, contra as sucessivas investidas dos inimigos do regimen e da ordem

que se avolumavam cada vez mais.”391

O patrocínio ao Estado Novo não poupou esforços, mesmo que

isso ferisse a identidade política do “Alliancista”. Logo após a extinção dos

partidos políticos pelo regime, o jornal altera o seu título, retirando a

denominação “Orgam da Alliança Matogrossense”, passando a se chamar

“Alliancista – Órgão Independente”, já a partir da 15º edição, de 05 de

390 22 de Dezembro – Uma pagina negra da historia politica de Matto-Grosso. Alliancista – “Orgam Independente”, Cuiabá, 23 dez. 1937, Caderno 18, p. 1. 391 Novos Rumos – O patriotismo nunca desmentido das nossas classes armadas, traça novos rumos á nossa nacionalidade. Alliancista – “Orgam Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 14 nov. 1937, Caderno 10, p. 1.

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165

dezembro de 1937.

Assim, os escritores do jornal, em sintonia com as estratégias

políticas do governo e de seus apoiadores, defenderam a aplicação de

medidas repressivas contra o comunismo e utilizaram-se de fortes

referências nacionalistas para isso, tendo em conjunto uma campanha de

exaltação da imagem de Vargas:

felizmente o gesto nobre e edificante do grande Presidente Getúlio Vargas porá o nosso paiz a cavalleiro da situação deprimente que estava a crear para elle os hipocritas pregoeiros do communismo. Felizmente esse gesto sublime que tanta resonancia teve em toda a vastidão do territorio patrio e que veio arregimentar todas as energias do nosso paiz em torno da figura mascula desse grande brasileiro a que estão hoje entregues os destinos da nossa nacionalidade, felizmente, esse gesto sublime, repetimos, distanciará cada vez mais de nós a possibilidade de sermos colonia de Moscou.392

Essa ordem em sentido patriótico forjava um país classificado por

conservadores como pacífico e de uma população resignada, o que seria

característico da “alma brasileira”. O comunismo foi entendido sim como uma

composição perigosa à nação, mas o argumento para seu aniquilamento

serviu de grande instrumento para instauração de um regime de líderes

“salvadores” contra os “traidores da pátria”393 e a ameaça forasteira. Os

defensores da nação conquistaram os louros da vitória reprimindo a ameaça

estrangeira e vermelha, em nome da preservação nacional.

Exaltou-se, dessa forma, as principais figuras do Estado Novo,

como Getúlio Vargas e Filinto Müller, e a de seus representantes locais, como

o interventor Júlio Müller e seu Secretário de Estado, João Ponce de Arruda.

392 Tentativa frustrada. Alliancista – “Orgam Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 28 nov. 1937, Caderno 14, p. 1. 393 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 56.

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166

Mesmo em apoio ao regime, registra-se no Arquivo Público do Estado de

Mato Grosso, em janeiro de 1938, a última publicação do jornal “Alliancista”.

Nessa última edição identificada, verifica-se novamente o episódio

envolvendo a disputa política com os republicanos:

Na data de 5 de janeiro (?), “O Evolucionista”, órgão da extincta Alliança de Partidos e que se editava nesta cidade, publicava, entre duvidas e aprehensões, na sua primeira pagina, a noticia horripilante da scena de vandalismo, a mais trafica das que infelizmente têm nodoado a historia politica da nossa terra-o attentado de 22 de Dezembro de 1936, contra a vida de dois Senadores da Republica. Uma duvida terrivel, como uma sombra negra pairava sobre a nossa terra, enchendo de sérios pressentimentos a alma das nossas famílias.394

Não era condizente em um regime autoritário ter um impresso

que estampasse em sua capa o nome de um antigo partido e que ainda fazia

constantes referências à sua história. Nas ditaduras se almeja instituir, pela

força e pela propaganda, apenas uma narrativa e somente uma versão sobre

o passado395, ainda que outros passados, como o episódio de 22 de

dezembro de 1936, permanecessem latentes. Todavia, para os redatores do

“Alliancista”: “[…] não é missão nossa agora, recrudescer essa chaga, cuja

lembrança ainda permanece viva na memoria de todos”.396

O governo varguista combateu vigorosamente os conflitos

políticos regionais ao longo das décadas de 1930 e 1940, tendo Vargas

394 Anno Novo. Alliancista – “Orgam Independente”, Cuiabá, jan. 1938, Caderno 20, p. 1. 395 O Estado Novo se preocupou com a construção de uma história que favorecesse seus preceitos políticos, e, para tanto, estabeleceu um rígido controle sobre a produção de ensino de História. Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Lourival Fontes no DIP articularam a promoção de uma História do Brasil do fim do século XIX até o Estado Novo que prezou para a construção de uma única história, desconsiderando as especificidades e particularidades de cada período, como também, as divergentes visões historiográficas. Cf. GOMES, Angela de Castro. História e Historiadores; Rio de Janeiro: FGV, 1996. 396 Anno Novo. Alliancista – “Orgam Independente”, Cuiabá, jan. 1938, Caderno 20, p. 1.

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167

interferido no estado por meio de um projeto saneador e moralizador,

repreendendo grupos armados, contrabandistas e o poder dos coronéis.397

Dessa maneira, expressando as diretrizes da aliança com Vargas e

com a família Müller, os promotores do “Alliancista” silenciaram as chagas de

seu passado de ardentes disputas políticas. Em primeiro plano, a missão

desse jornal, vinculado a membros de uma elite política conservadora, foi

proporcionar aplausos e sustentação aos “novos ventos” e ao “novo” regime.

Sua aliança foi primordial com o ordenamento autoritário, retratado,

contraditoriamente, como tempo de “paz”, “liberdade” e “sossego”, e dando

voz à batalha contra o comunismo:

Felizmente, para a honra do nosso povo e gloria dos nossos foros de civilisação, outros zéfiros desfraldam a flámula auriverde, emblema sagrado da nossa Patria, e nova auróra, promissora, dealba no horizonte mattogrossense, anunciando, num (?) perene de paz, a liberdade e o sossêgo de que tanto carece o nosso povo para a concretisação dos seus puros ideaes de concordia, de grandeza e prosperidade. Hoje, vendo assegurados todos os seus direitos, livre das ameaças moscovita, que tentou desgraçadamente villipendiar o nosso passado de tradições das mais honrosas, a nossa nacionalidade se sente disposta e confiante no porvir sempre grandioso da terra extremecida.398

Segundo Maria Helena Capelato, intelectuais e políticos de

tendências antidemocráticas evidenciaram uma inquietação com as questões

sociais e debateram formas para imposição do controle das massas.399 Nesse

sentido, o uso de referências nacionalistas foi bastante apropriado para a

construção de uma única identidade nacional coletiva, em oposição à

397 CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso: (1889-1943). Campo Grande: Ed UFMS, 2006, p. 165-177. 398 Idem. 399 CAPELATO, Maria Helena. Op. Cit., 2007, p. 109;

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168

imagem ameaçadora de um estrangeiro que estimularia as lutas de classes e

a divisão social:

O comunismo habitava os pesadelos dos conservadores, à medida que representava o fantasma da desagregação, da ruptura da ordem e da unidade orgânica da nação. Ele era a personificação do estrangeiro, do alienígena, em uma palavra, do “outro”.400

Essa unidade nacional comportaria a expressão de um brasileiro

ordeiro, disciplinado, que não questionaria as forças hierárquicas

dominantes. A representação pela união nacional, pela sua segurança e

ordem esteve envolta de heróis, símbolos e da ideia de uma massa uniforme,

anulando e diluindo as diversidades, conflitos, erros, derrotas e injustiças.

Dentro dessa construção, as lutas de classes não fariam sentido aqui, pois as

distintas camadas sociais conviveriam em “perfeita harmonia”, conforme

espelhado por artigo do intelectual nacionalmente reconhecido e de

pensamento conservador, Oliveira Vianna401, publicado no periódico “A

Cruz”:

É preciso que fique bem assentado este ponto: no Brasil, as classes proletárias não precisam, empregar a violência, para conseguir a realização das duas aspirações de justiça social. Em nossa historia, nunca houve (apesar do que sustentam em contrario a mim, alguns sociólogos nosso) lutas de classes. Não há, nas chamadas classes burguesas, para com

400 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 55-56. 401 Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) foi um Intelectual que contribuiu direta e indiretamente com a consolidação dos projetos políticos dos governos de Vargas: “membro importante do corpo de governo da Era Vargas, com as seguintes atribuições: Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho (1932-1940); integrante da Comissão Especial encarregada do anteprojeto da Constituição (1933); integrante da Comissão Revisora das Leis do Ministério da Justiça (1939) e Ministro do Tribunal de Contas da República (1940-1951).” Cf. SILVA, Fernanda Xavier da. A formação do Brasil moderno em dois tempos: uma análise comparada do pensamento de Oliveira Vianna e Hélio Jaguaribe. Tese de Doutorado em Sociologia, UNICAMP, Campinas, 2013, p. 7.

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169

as classes trabalhadoras, nenhum sentimento de instransigencia e hostilidade, como em outros paizes de velha civilização.402

Partilhando das considerações de Angela de Castro Gomes,

Oliveira Vianna, unido a outros pensadores, fez parte e adesão de uma

cultura política expressa pela idealização da formação de um país moderno,

baseado em uma economia urbana e industrial.403 Nesta perspectiva, Vianna

formulou propostas que objetivavam superar o considerado atraso histórico

de um país limitado por seu passado colonial: de falta de governo, saúde,

educação, opinião pública e outras carências e características de uma

sociedade moderna.404 O conjunto de sua obra obteve grande repercussão e

receptividade junto a imprensa, editoras, leitores e junto ao governo, onde

atuou como consultor jurídico do Ministério do Trabalho (1932-1940).405

As formulações molduradas por Vianna no periódico “A Cruz”

refletiram as aspirações de uma cultura política autoritária e a “construção

simbólica da identidade nacional” que naturalizavam as desigualdades entre

os seres humanos.406 Tais proposituras defendiam um projeto social

402 VIANNA, Oliveira. Communismo, Nacionalismo e Constituição. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT; 1º mar 1936; Caderno 1223, p.2. 403 GOMES, Angela de Castro. Oliveira Vianna: o Brasil do insolidarismo ao corporativismo. In.: LIMONCIC, Flávio; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. Os intelectuais do antiliberalismo: projetos e políticas para outras modernidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 205-211. 404 Segundo Gomes, a concepção de que o Brasil era atrasado por seu passado histórico já estava dispersa e ainda se faz presente na imprensa, meio intelectual e no senso comum, tendo por referência o modelo social, econômico e político de países europeus e dos Estados Unidos. Para superar tal “atraso” e falta de solidariedade social, Vianna, um intelectual antiliberal, defende a formulação de um Estado forte e autoritário que deveria conduzir a sociedade para “novas regras de convívio e cooperação”, ou seja, um modelo social e político alicerçado no corporativismo. Cf. GOMES, Angela de Castro. Oliveira Vianna: o Brasil do insolidarismo ao corporativismo. In.: LIMONCIC, Flávio; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. Os intelectuais do antiliberalismo: projetos e políticas para outras modernidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 207-209. 405 Idem, p. 205-206. 406 Idem, p. 211-217.

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rigorosamente conduzido pelo Estado e em contraposição a “uma sociedade

fundada no dissenso, postulando a tendência à unidade em todos os

aspectos, fossem econômicos, políticos, sociais ou morais”.407

Dentro dessas reflexões, é possível concluir que os escritores dos

jornais, sejam políticos ou religiosos aqui analisados, constituíram, entre os

anos 1935 e 1937, uma “frente anticomunista”, embora possuíssem posições

distintas e divergentes. Na perspectiva de Rodrigo Patto Sá Motta, tanto em

1935/37, como em 1964, diferentes setores sociais como Igreja, militares,

empresários, intelectuais, governo, constituíram uma mobilização nacional

que caracterizou o comunismo como o grande adversário da nação.408

Sob o propósito de defender a pátria, apoiaram, em conjunto,

ações de violência do Estado, mesmo que para isso partidos fossem extintos,

órgãos de imprensa censurados e o passado “amordaçado”. Dessa forma, não

apenas o comunismo seria silenciado, mas todas e quaisquer divergências

que ameaçassem a idealização de uma homogeneidade social e que

perturbassem a constituição historicamente excludente da nação brasileira.

Comunismo – A utopia “extremista” frente às ideias liberais

Para Carla Luciana Silva, intelectuais e a imprensa brasileira,

incorporando inclusive textos estrangeiros, retrataram o comunismo como

um sistema de “miséria e tirania”. Um regime fadado ao fracasso, limitador

das garantias individuais e da propriedade privada. Assim, as campanhas

anticomunistas classificaram a União Soviética como um ambiente isolado e

que havia iludido seus operários, condenando os mais humildes a um cenário

de sangue e pobreza, enquanto as lideranças comunistas viveriam uma vida

407 Ibid., p. 222. 408 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 57.

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luxuosa.409

Os jornais cuiabanos analisados também fizeram uso da

propositura dessa construção. No artigo “A Rússia empobrece-se sob o

regime soviético – Um pouco de estatística”, o jornal do Partido Republicano

Mato-grossense trata de uma publicação do Serviço de Imprensa do

Departamento Nacional de Propaganda, e fica evidente a defesa da livre

iniciativa comercial baseada no lucro. Em contrapartida, há uma propagada

ineficiência do regime econômico socialista russo, com base em estatísticas

que não problematizaram a nova realidade soviética:

Examinando os proprios dados officiaes, nos quaes, se erros existem, são no sentido de favorecer o regimen – verifica-se que a actividade da producção teve, nos 19 annos de experiencia communista, uma baixa de 14%. A Russia dos tempos do Tzar exportava mais de um bilhão e oitocentos milhões de francos ouro, de cereaes. Toda a exportação de productos agricolas, em 1934 não ia além de alguns milhões de francos. A lição da Russia é clara: todas as vezes que os dirigentes sovieticos pretendem aplicar ao campo as suas doutrinas theoricas o descalabro é fatal. Quando acontecer baterem em retirada, forçados pela pressão da fome e das revoltas que nem sempre é possivel afogar em sangue-a situação melhora. (...) Sem liberdade e sem esperança de lucro não ha trabalho efficiente, nem há progresso possivel.410

A equipe editorial de “O Matto-Grosso” retratou o sistema

econômico socialista como disseminador da pobreza e destinado ao fracasso.

Contudo, como aponta Hobsbawm, a economia do socialismo real

implantada na União Soviética teve várias fases e estágios. Antes da

consolidação do Estado “bolchevista” a Rússia havia recém-saído da Primeira

409 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 133-139. 410 A Rússia empobrece-se sob o regime soviético – Um pouco de estatistica. O Matto Grosso – Orgam dedicado aos interesses do povo, Cuiabá, 07 jul. 1936, Caderno 31, 3ª fase.

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Guerra Mundial, e de uma Guerra Civil (1918-1920)411, encontrando novos

desafios e adaptações de um inédito sistema que enfrentou o isolamento e

boicote de países capitalistas, o que representou considerável baixa em suas

exportações e investimentos: “Assim, a jovem URSS foi necessariamente

lançada num curso de desenvolvimento autossuficiente, em virtual

isolamento do resto da economia mundial”.412

Após a vitória dos revolucionários no conflito interno, Lenin

planeja um sistema denominado de Nova Política Econômica (NEP),

alicerçado na economia de mercado camponês, mas controlada pelo Estado

e de planejamento gradual para sua transformação em uma base

exclusivamente socialista. A NEP não conseguiu ampliar o parque industrial

da União Soviética, mantendo-se, sobretudo, ligada ao ambiente rural, mas

permitiu a restauração da produção industrial aos níveis anteriores à

guerra.413

Já com Joseph Stalin, a partir de 1928, ocorreu um processo de

industrialização intensa, nivelado a um programa de planejamento e

modernização da economia. A nova diretriz deu prioridade à indústria de

base (produção de energia, petróleo, carvão, ferro e aço), controlada por uma

estrutura estatal altamente centralizada. Deste modo, a União Soviética

manteve elevadas taxas de crescimento na década de 1930, enquanto o

mundo capitalista amargava uma crise sem precedentes em sua história,

contrariando os roteiros que constituíram o socialismo soviético como um

caos econômico.414

411 Os “bolcheviques” tiveram que enfrentar uma guerra civil contra forças absolutistas e burguesas, respaldadas com recursos estrangeiros, que desejavam retomar o poder, entre 1918 e 1920, conflito este que fragilizou imensamente a economia russa. Cf. HOBSBAWM. Eric. A revolução mundial. In.: ____. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-89. 412 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 366. 413 Idem, p. 363-371. 414 Idem.

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Como já afirmado, de todos os jornais aqui analisados, “A Cruz”

foi o mais combativo em relação ao comunismo e sua leitura foi favorecida

pelo grande número de periódicos disponíveis nos acervos pesquisados. Este

jornal também estruturou o comunismo, já em 1930, como um sistema frágil

economicamente e uma utopia inspirada no socialista Etienne Cabet (1788-

1856):

A Russia despenhou-se pelo declive da mais perigosa instituição social, saindo, por assim dizer, de uma pobreza sem andrajos para uma verdadeira miseria de mulambos. Da crise economica foi ter á crise social e com esta a excruciante miséria da infeliz experimentação de um regimen já fracassado nas aspirações de Cabet.415

Identifica-se aqui uma confusão contextual neste trecho da

publicação católica, pois Cabet416 foi um socialista utópico, com

compreensões distintas das propostas pelo socialismo de Marx e que

influenciou as bases revolucionárias da Rússia. Nos primeiros anos da década

de 1930 é possível notar pouca familiaridade do jornal católico com as bases

teóricas marxista e leninista do socialismo russo, o associando inclusive ao

anarquismo, conforme trecho publicado da palestra do cuiabano e membro

da Academia Mato-Grossense de Lestras, Nilo Póvoas (1891-1967):

“O ANARQUISMO”, estudo minucioso, desenvolvido com rara penetração e proficiência, sobre as multifárias correntes filosóficas que assoberbam hodiernamente os espíritos com os espalhafatosos rótulos de “MARXISMO”, “BOLCHEVISMO”, “SOVIETISMO”, “COMUNISMO”, e quejandos e ateando por tôda a parte o facho da revolução,

415 Rússia Bolchevista. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 09 nov. 1930, Caderno 949, p. 2. 416 Ver: MANIKA, Rodrigo Wünsch. Liberdade e igualdade no pensamento utópico de Etienne Cabet. Revista Vernáculo, n. 23 e 24, 2009.

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com sério gravame para a ordem e harmonia social.417

Todavia, a partir de 1932, essas confusões entre socialismo

utópico, anarquismo e comunismo diminuem, sem, no entanto, gerar

qualquer prejuízo ou diminuição no arsenal argumentativo que ansiava

traduzir a vida na União Soviética como caótica e miserável. E para dar

credibilidade às suas falas, “A Cruz” utilizou inclusive a exposição de relatos

de viajantes que teriam conhecido o regime de perto.

O fragmento abaixo repercute o discurso do deputado e jornalista

Rosário Congro (1884-1963), na Assembleia Constituinte do Estado, sessão

do dia 28 de novembro de 1935. Este deputado mencionou o relato

publicado no jornal “A Razão”, de Cáceres, que destaca a entrevista do

jornalista Gondin da Fonseca ao jornal “Correio da Manhã”, que em visita à

Rússia, acabou se decepcionando com o país socialista, narrando um cenário

de miséria, fome e cerceamento das liberdades mais básicas:

Na Russia há fome, opressão, mendigos. Todas as liberdades foram suprimidas. Todas! Não só as vulgares liberdades acadêmicas, consagradas em velhas e novas democracias, como até a simples liberdade de locomoção que mesmo os cães possuem. Quer um cidadão russo viajar dentro da Russia? Impossivel, a menos que obtenha permissão especial das autoridades. Mudar de quarto? Utopia irrealizável. Tudo se permitte apenas áquelles que estão nas graças do poder, considerados satisfeitos e adeptos fervorosos do regimen tiranico que substituiu o terror czarista pelo mais grave ainda terror soviético.418

Gondin da Fonseca foi enviado à Rússia pelo jornal “Correio da

417 PÓVOAS, Nilo. Catholicismo, obscurantismo e analphabetismo – 4ª conferência da série organizada pela Liga Católica, proferida a 21 de abril de 1929, pelo Prof. Nilo Póvoas. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 31 ago. 1930, Caderno 939, p. 2. 418 CONGRO, Rosário. A Ilusão Comunista. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT, 22 dez. 1935. Caderno 1213, p. 1-2.

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Manhã”, em 1934, momento em que se debatia o reconhecimento

diplomático da URSS. Seus artigos trataram de diferentes aspectos da Rússia,

desde o plano econômico até as particularidades do viver cotidianamente em

um país comunista. O jornalista se colocava como um escritor imparcial e sem

intenções de “atacar os Soviets”, mas com o intuito apenas de retratar o

mundo político e social em torno de Moscou. No entanto, as publicações de

Fonseca no “Correio da Manhã” fizeram parte da campanha anticomunista

deste jornal e os artigos do jornalista estiveram na direção de demarcar as

contradições vividas em um sistema político que defendia a igualdade, mas

onde, contraditoriamente, suas lideranças exploravam seu povo.419

Em outra avaliação, militantes e simpatizantes brasileiros das

propostas do marxismo-leninista também empreenderam viagens à Rússia

desde a década de 1920, e deixaram uma série de relatos acerca das

percepções que tiveram daquela inédita experiência comunista. Na obra

“Relatos de viagens à URSS em tempos de militantes comunistas brasileiros”,

o historiador Edvaldo Correa Sotana analisa livros, cartas, artigos e memórias

de intelectuais comunistas que estiveram na URSS. Durante as décadas de

1920 e 1930, destacam-se os nomes de Heitor Ferreira Lima, Caio Prado

Júnior, Astrojildo Pereira e o ex-tenentista Luiz Carlos Prestes. No entanto,

diferente de Gondin, os militantes comunistas difundiram uma série de

representações positivas em torno da União Soviética que, na contramão do

capitalismo, seria um lugar justo e onde os “sonhos revolucionários” teriam

obtido sua concretude.420

Para Sotana, as observações dos militantes e intelectuais

comunistas que estiveram na União Soviética foram marcadas por suas

419 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 160-161; 189. 420 SOTANA, Edvaldo Correa. Relatos de viagens à URSS em tempos de militantes comunistas brasileiros. Curitiba: Casa Editorial Tetravento Ltda. p. 37-38.

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filiações políticas e práticas culturais, como também as interpretações dos

viajantes anticomunistas.421 Assim, os intelectuais comunistas brasileiros

representaram simbolicamente o “mundo soviético” “como um modelo ideal

de sociedade”422, não obstante seus relatos sobre as experiências vividas na

URSS incluíam críticas e reflexões sobre o regime423.

Por outro lado, nas páginas da publicação católica cuiabana,

marcando sua posição anticomunista, as únicas vozes eleitas a expor os novos

rumos da URSS foram a dos viajantes que traduziam a Rússia como uma

utopia repressora. E, propositalmente, os editores de “A Cruz” não

apresentaram e confrontaram outras perspectivas daqueles que estiveram

na União Soviética424.

Apesar da postura antiliberal da Igreja Católica, outro ponto

fundamental tratado na publicação “A Cruz” foi a defesa da propriedade

privada:

O communismo é pura utopia que não admitte o pronome meu nem seu; tudo é nosso. Se estivessemos num regimen communista, ninguém poderia dizer: minha casa, meu jardim, meus animaes. Casas, jardins e animaes seriam communs, pertenceriam a todos e a ninguém porque seria o governo quem distribuiria temporariamente essas cousas a quem quisesse.425

A defesa da propriedade privada foi um dos fatores

preponderantes para a Igreja Católica condenar e se opor ao socialismo. Na

421 Ibid., p. 223.

422 Idem, p. 224. 423 Idem, p. 226. 424 Outras edições do jornal “A Cruz” onde é possível verificar relatos de viajantes decepcionados com o comunismo soviético: 1291 de 4 jul. 1937, p. 1-2; 1273 de 21 fev. 1937, p. 2. Em “A Pena Evangélica” também se verifica tal mote discursivo na edição 481 de 26 dez. 1936, p. 6. 425 LEITE, João Carlos Pereira. Communicado – O comunismo rubro. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 11 dez. 1932, Caderno 1058, p. 1.

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Encíclica “Rerum Novarum”, promulgada em 1891, do Papa Leão XIII (1810-

1903), constantemente referenciada por outros religiosos, defende-se que a

propriedade particular era um direito divino e natural, e os operários

deveriam conquistá-la através de seu trabalho.426 O controle da propriedade

pelo Estado foi considerado pelo papa como uma “subversão completa”427 e

contrária ao direito legítimo dos proprietários.

Importante observar, segundo Motta, que o anticomunismo

brasileiro, em defesa da propriedade, não necessariamente esteve em

acordo com uma “aceitação acrítica do capitalismo”428. Este foi o caso da

Igreja Católica e também dos colaboradores de “A Cruz”, que fizeram

reprovações ao capitalismo em sua expressão liberal. Fernando Saboia de

Medeiros, por exemplo, em artigo publicado no referido jornal, classifica o

liberalismo burguês como o precursor do comunismo e como uma premissa

individualista que teria afastado a sociedade da autoridade divina da Igreja:

Nos limites do egoísmo se estendem a revolta rousseauista contra o principio de autoridade e a insurreição communista contra o direito de propriedade. Dest’ arte se póde afirmar que o socialismo é consequência do individualismo. Pleitear a egualdade de direitos é assumir um titulo á defesa da igualdade de bens. (...) As fronteiras do egoísmo excluem os domínios da religião e do sobrenatural. Separar a Egreja do Estado, considerar a religião um acto unicamente do fôro interno, admittir a autoridade enquanto simples elemento humano da sociedade civil, são outras tantas premissas do individualismo burguez.429

426 MENDES, Claudinei Magno Magre; OLIVEIRA, Terezinha, PERIN, Conceição Solange Bution. Do Antissocialismo ao Anticapitalismo: um estudo sobre a Rerum Novarum. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IX, n. 25, Maio/Agosto de 2016 - ISSN 1983-2850, p. 294. 427 Rerum Novarum, § 3. 428 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 64. 429 MEDEIROS, Fernando Saboia. Reconstituição social. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 14 jul. 1935, Caderno 1190, p. 1-2.

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A “revolta” de Rousseau, ou seja, os ideais que inspiraram a

Revolução Francesa teriam afastado o Estado da Igreja, e junto com a

Revolução Russa, propagaram ideias egoístas que representariam o

rompimento e insubordinação do homem frente ao domínio sobrenatural da

Igreja. E mais, a luta pela igualdade de direitos promovida pelo liberalismo,

teria permitido a luta comunista pela igualdade de bens.

Em sentido argumentativo próximo, e servindo-se das

considerações do Papa Pio XI, a Carta Pastoral de Dom Aquino, “Deus e

Pátria”, publicada no jornal “A Cruz”, classificou o materialismo marxista

como expressão de uma “economia moderna” e de uma mentalidade

racionalizada, “divorciada da lei moral” cristã, promovendo a destruição das

bases de uma sociedade coesa em torno da religião:

Fundamental nos parece a observação de Pio XI, que assim pondera: ‘Tendo a economia moderna principiado a organizar-se, exatamente quando as máximas do racionalismo haviam penetrado e arraigado em muitos espiritos, dahi nasceu, dentro em breve, uma sciencia economica divorciada da lei moral, o que resultou em dar-se redea larga, ás paixões humanas’. Do racionalismo ao materialismo, como se sabe, a estrada é franca e escorregadia (...)’. Não há lei alguma, que possa cohonestar semelhante situação. (…) D`aqui o combate a Deus e a todas as religiões. (...) D`aqui o anniquilamento de toda a organização social, em que hoje prosperam os povos. D`aqui, em suma, o bolchevismo da Russia sovietica e vermelha.(…)430

Agora, em relação “A Pena Evangélica”, seus articulistas

repercutiram suas vinculações protestantes e calvinistas, em conjugação com

430 Deus e Patria. Trechos da Carta pastoral de S. Excia. Revma. O Snr. Dr. Aquino Corrêa, sobre a actual socitação política do Brasil. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 10 jan. 1932, Caderno 1010, p. 1.

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179

valores liberais e de um Estado laico. Como já discutido no capítulo anterior,

o calvinismo apresenta afinidades ao senso jurídico e empresarial do

capitalismo burguês.431 Mesmo diante da crise liberal democrática, os

jornalistas de “A Pena” defenderam este modelo político, em contrapartida

às outras opções classificadas como extremistas, perigosas e radicais. Assim,

trataram o comunismo como um extremismo de esquerda, em comparação

às expressões como o nazismo e integralismo tidas como extremismos de

direita:

Atrocidades, vandalismo, intuitos sanguinarios, de lado a lado. Fascismo e communismo. Communismo e fascismo, sob varios nomes nacionaes. Muda se o emblema mas no fundo é a mesma cousa. Seja o legendario feixe com a machadinha, seja a cruz swastica, seja o sigma – a idéa é a mesma – Estamos sob duas alternativas. Extremismo da esquerda, extremismo da direita. (...) Como bem acentuou o dr. Bianco Filho no seu discurso publico no “Dia da Patria,” devemos manter a Liberal Democracia e zelar pelas nossas tradições de honra e de liberdade. Mas a Liberal Democracia e as nossas tradições de honra e liberdade estão ameaçadas de morte pelo Integralismo e pelo communismo, os indesejaveis extremismos, da direita e da esquerda, como tambem acentuou nesta semana o senador João Villasboas. Christianismo é o de que precisamos. E os ideaes de Christo salvarão o mundo. Fóra de Christo não há salvação.432

O artigo acima é elucidativo sobre a posição dos membros e

colaboradores do jornal, que se colocaram a favor da democracia liberal até

pouco antes do início do Estado Novo. E dessa maneira, posicionaram-se

contra ditaduras que poderiam perseguir os indivíduos inclusive tendo em

consideração o exercício de sua fé.

431 Cf. WEBER, Max. Op. cit., p. 90-126. 432 Venha o Christianismo. A Penna Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 12 set. 1936, Caderno 466.

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180

Atendo-se em específico ao comunismo, este foi tratado como um

caminho temerário que deflagraria contra as liberdades de expressão e

contra a propriedade privada, defendida como um princípio capitalista muito

caro para a ideologia privatista de protestantes originários de países como

Estados Unidos e Inglaterra433, como era o caso da Igreja Presbiteriana de

Cuiabá.

Porém, ao final do artigo acima, promovendo um diálogo com a

fala do senador Vilasboas, o periódico manifesta que fora do cristianismo

“não há salvação”, contrariando sua posição em defesa pela liberdade e de

oposição aos extremismos. Evidenciou, assim, uma posição intransigente,

onde as ideias e pessoas que estivessem afastadas dos preceitos religiosos

cristãos não seriam recepcionadas e aceitas, polarizando o mundo em uma

fórmula dicotômica, entre cristãos e não cristãos, e entre o bem e o mal.

No empenho de combater a expressão “maléfica” do comunismo,

este foi qualificado de sistema tirânico e a encarnação mais exemplar de uma

ditadura expressa pela violência e censura. Os editores de “A Pena

Evangélica” destacaram essa colocação em suas notícias:

Noticias de origem russa disem que as desordens na Russia são cada vez mais espalhadas por toda a parte. O massacre é terrivel, e onde ha rios ou é perto do mar o governo bolchevista manda lançar os cadaveres a agua. A censura telegraphica não deixa dar pormenores da revolta434

Como discutido no capítulo anterior, as notícias não são

construções imparciais, de modo que a “A Pena Evangélica” proporcionava

uma seleção e tessitura de relatos que retratavam bastante da sua postura

433 SILVA, Paulo Julião. O Anticomunismo protestante e o alinhamento ao golpe militar (1945-1964). Curitiba, Editora Primas, 2014, p. 97. 434 O mundo em sete dias. A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 19 set. 1936, Caderno 480, p. 6.

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em relação aos acontecimentos. O suplemento noticioso de “A Pena

Evangélica” não informou neste caso as fontes das “notícias de origem russa”,

mas paradoxalmente destacou as dificuldades de conseguir mais

informações diante da censura soviética.

Quanto à feição da repressão e terror stalinista, somente foi

possível ter uma ideia de sua abrangência após o XX Congresso do Partido

Comunista, em 1956, onde foram denunciados os crimes cometidos por

Stalin.435 Antes disso, a “cortina de ferro” imposta pelo ditador russo

dificultava o conhecimento amplo do que se passava na URSS. Hobsbawm ao

comentar sobre a troca e recepção de informações sobre os países socialistas

da União Soviética, destaca os obstáculos quanto à censura, língua e contexto

histórico dessa região:

Durante longos períodos, muito pouca informação sobre esses países pôde sair, e muito pouca sobre outras partes do mundo pôde entrar. Em troca, mesmo cidadãos não especializados mas educados e sofisticados do Primeiro Mundo muitas vezes descobriam que não conseguiam entender o que viam ou ouviam em países cujo passado e presente eram tão diferentes dos seus, e cujas línguas muitas vezes estavam além do seu alcance.436

O “Alliancista”, com a contribuição de Noemio Silva no artigo

“Democracia ou morte”, foi outro periódico que discursivamente defendeu a

democracia, nos momentos que precederam ao golpe do Estado Novo, e em

435 Jorge Ferreira, em “Prisioneiros do Mito”, traduz os impactos das revelações sobre o terror de Stalin, no XX Congresso do Partido Comunista, entre os comunistas brasileiros. Tal evento abalou as narrativas míticas sobre o “culto à personalidade” de Stalin e sobre o que era ser comunista, o que exigiu uma reforma desta concepção por meio da reafirmação de antigos valores revolucionários do marxismo-leninismo e abandono do stalinismo. Cf. FERREIRA, Jorge. 1956: o ano terrível. In.______. Prisioneiros do Mito – Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002, p. 290-302; 436 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p. 365.

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oposição e proclamação do comunismo e integralismo como manifestações

extremistas:

Illudidos pelas labias dos extremistas, muitos brasileiros se deixaram embahir pelos cantos de sereia dos pseudos salvadores; porém hoje, não existe no Brasil quem ignore que tão pernicioso quanto o negregado credo communista, é o seu irmão gemeo o integralismo.437

Por outro lado, no mesmo artigo, revestiu a figura do presidente

Getúlio Vargas à qualificação de democrata, o mesmo governante que já a

partir de 1935 vinha consolidando um sistema de governo que cerceava

direitos e liberdades coletivas e individuais, com total apoio do Congresso

Nacional438: “Não ha duvida que a Nação deve vêr no Snr. Getulio Vargas a

maior sentinella da Democracia Brasileira.”439

Apesar dos jornalistas de “A Pena Evangélica” e “Alliancista” terem

se posicionado em prol da democracia, defenderam a repressão contra

aqueles qualificados de “extremistas e inimigos do Estado”. E verifica-se, logo

após a chegada do Estado Novo, sem nenhuma resistência, mas em evidente

respaldo, que “A Pena Evangelica” contemplou a instauração desse regime

como medida necessária para reprimir o comunismo e impedir a perturbação

da ordem. Assim, contra o “extremismo” vermelho, incoerentemente

associou o novo status político de novembro de 1937 como uma severa

medida para que se pudesse “desfrutar” da “verdadeira democracia”. Os

articulistas do jornal também fizeram votos de legitimidade à ditadura

Vargas, como uma ação “medicamentosa” e necessária que “cauterizaria” os

437 SILVA. Noemio. Democracia ou morte. Alliancista – Orgam Alliança Mattogrossense, Cuiabá, 14 out. 1937, Caderno n. 2, p. 1. 438 D’ARAÚJO, op. cit., 2000, p. 19 439 SILVA. Noemio. Democracia ou morte. Alliancista – Orgam Alliança Mattogrossense, Cuiabá, 14 out. 1937, Caderno n. 2, p. 1.

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“males” no caminho da nação, geralmente incorporados como comunistas:

A vida collectiva, como o organismo humano, exige por vezes a intervenção cirugica, ou a applicação medicamentosa drastica (…) O Dr. Getulio Vargas, com a serena tranquillidade de quem cumpre o dever, vae reconduzindo o Brasil á pose da sua finalidade, sem abalos e com o applauso geral, e sem recúo cauterisando as fontes geradoras dos males que nos tomavam o caminho440

Os fragmentos aqui expostos fizeram parte da construção

imagética de um oponente “vermelho” e que respaldava medidas

repressoras para combatê-lo. Essa arquitetura conspiratória do medo, por

sua vez, auxiliou a instauração do Estado autoritário de Vargas: “Não há como

fazer a separação entre o que é ‘projeto do Estado’ dos interesses mais gerais

da sociedade, que apoiava e solicitava suas medidas, o que observamos

especificamente com relação às práticas anticomunistas”.441 Os jornalistas e

seus impressos aqui designados, juntamente a outros periódicos em nível

regional e nacional, constituíram parte desse apoio.

Entende-se nessa conjuntura que as narrativas aqui

problematizadas, em diálogo com as proposituras de Girardet, obedeceram

a uma série de formulações mitológicas, pois distorceram e negligenciaram

contextos, manipulando informações e designando o comunismo e suas

diversas manifestações estrangeiras e nacionais, como meras farsas

ditatoriais de Moscou.

Ampliando o debate, Hobsbawm ressalta que os movimentos

socialistas e trabalhistas, como sindicatos, cooperativas e partidos, em

essência são democráticos, pois se constituem por meio de assembleias e

440 O momento. A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 08 jan. 1938, Caderno 535, p. 1. 441 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 41.

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eleições, permitindo as manifestações de oposição e até mesmo a

democracia direta. Contudo, não se deve negar que o poder revolucionário

russo, marxista-leninista, acabou por se concentrar em um modelo de

“socialismo real” unipartidário e centralizado. O que permitiu, sob a liderança

de Stalin, tornar-se altamente repressor, eliminando e perseguindo seus

próprios cidadãos soviéticos. Contudo, o historiador britânico chama a

atenção para a leitura contextual da Revolução Russa, bem como, para seus

desdobramentos.442

O advento da Guerra Civil, por exemplo, contribuiu para a

instauração de um governo cada vez mais autocrata e a imposição do uso do

terror sobre os contrarrevolucionários. O Estado soviético ganhou então a

feição do centralismo, culminando, após a morte de Lenin, com a formação

de um poder absoluto nas mãos de Stalin. E este último se perpetuou pelo

terror e medo, aniquilando sumariamente seus adversários, que outrora

tinham sido aliados.443 Todavia: “Isso certamente não fora previsto por Marx

e Engels, e também não se desenvolvera na II Internacional (marxista)”.444

Diante das considerações aqui inseridas, em contrapartida, os

jornalistas cuiabanos dos periódicos analisados associaram o comunismo

estritamente ao regime político soviético. Intelectuais, religiosos e políticos,

tendo como instrumento as páginas dos impressos locais, instituíram as

traduções sob o regime russo e o comunismo como leituras estereotipadas,

omissas e carregadas de proposições ideológicas. Dessa maneira, ignoraram,

ou mesmo, suprimiram as diversas propostas marxistas que eram pensadas

sob o eixo democrático, a exemplo de Rosa Luxemburgo (1871-1919) que

defendeu a concepção democrática de socialismo por meio da propagação

442 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 376-385. 443 Idem. 444 Idem, p. 379.

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da “ativa” e “enérgica” “vida política das massas”.445

Porém, tais leituras não devem ser desqualificadas como meras

farsas, já que influíram significativamente sobre a realidade, perpetuando e

consolidando formulações mitológicas sobre o comunismo, até hoje

presentes no imaginário político brasileiro.

Neste sentido, o anticomunismo manifestou-se nos quatro jornais

de representações religiosas e políticas como uma combinação importante,

em um momento de instabilidades políticas e sociais, como foram os anos de

1930, tanto a nível internacional, nacional e mesmo regional. E apesar de

suas diferenças e rivalidades, reuniram suas posições contra um “mal” capaz

de ameaçar suas tradições e objetivos de controlar e arregimentar as massas

em torno de suas convicções e aliados. Para tanto, qualificaram o comunismo

como extremismo e tirania, sem a apreensão de suas diversas visões,

contextos e expressões políticas. E de maneira divergente, não esconderão o

apoio ao regime repressor de Vargas – caso de o “Alliancista”, “A Pena

Evangélica” e “A Cruz” – em nome da pátria, da ordem e, paradoxalmente,

até mesmo da democracia.

Anticomunismo e o Estado Novo na imprensa religiosa cuiabana

Como já se colocou em evidência as relações entre as publicações

de o “Alliancista” e o Estado Novo, no subcapítulo “Os traidores da Pátria – O

445 Atenta às leituras dos escritos de Rosa Luxemburgo, a filósofa Isabel Maria Loureiro, destaca que a socialista polonesa defendia a formação de um “autogoverno” das massas baseado em conselhos, e não no modelo de representação parlamentar burguês. Ou seja, a democracia socialista de Luxemburgo previa: “participação de amplas massas populares procurando rapidamente transformar a ordem constituída e instaurar a igualdade econômica, política e social – isto é, uma verdadeira democracia – o que, no seu entender, é incompatível com o capitalismo. (...) Democracia, revolução e socialismo – eis o tripé em que se assenta a teoria política de Rosa Luxemburgo.” Cf. LOUREIRO, Isabel Maria. Democracia e socialismo em Rosa Luxemburgo. Revista Crítica Marxista, São Paulo, Xamã, v.1, n. 4, 1997, p. 45-57.

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perigo vermelho afronta a nação”, interpretadas como uma relação fiel e

propagandística que exaltava os símbolos nacionais, faz-se necessário de

forma mais abrangente entender os posicionamentos políticos dos dois

jornais religiosos.

Importante destacar que não foi possível realizar uma análise das

relações do Estado Novo com o jornal republicano “O Matto-Grosso”, pois

este já havia sido extinto em março de 1937. Extinção esta que coincide com

a saída de Mario Corrêa da Costa do governo, que passou a ser conduzido

por um interventor federal até a eleição indireta pela Assembleia Legislativa

de Júlio Strubing Müller. Este último passou a governar a partir de outubro

de 1937 e continuou como interventor do Estado Novo até o final do regime.

Nas imprensas católica e presbiteriana cuiabanas, o

anticomunismo também fez parte da propaganda varguista. Novamente em

referência à historiadora Maria Helena Capelato, na obra “Multidões em

cena”, esta propaganda política instituiu paixões nacionais, promoveu o

medo e conspirações, apropriou-se da história, calou a esquerda e encenou

a imagem de um Estado harmonioso, centrado na figura de um mito

sacralizado, que se afirmava defensor do trabalhador brasileiro.446

O jornal católico “A Cruz”, em relação ao Estado Novo, auxiliou na

sacralização da liderança do regime e promoveu uma propaganda política aos

moldes de um órgão oficial do governo Vargas:

446 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit., 2008, p. 73-96.

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Imagem 7: “Presidente Getúlio Vargas e seu aniversário natalício”, Jornal “A Cruz”, Caderno: 1527, 19 abr. 1942.

Getúlio Vargas contou com a afinidade e respaldo institucional da

hierarquia eclesiástica brasileira e mato-grossense desde sua ascensão à

presidência, pois perceberam na figura desse líder político uma aliança que

poderia reconciliar a presença do catolicismo junto ao Estado. A adesão do

catolicismo ao projeto nacionalista do Estado varguista representava a união

em torno de um “ideal de regeneração social e política do Brasil.”447

No período varguista, principalmente durante o Estado Novo,

estabeleceu-se em Mato Grosso uma política centralizadora, sob o título de

“Marcha para Oeste”, que objetivou ocupar a região incentivando o

povoamento por meio das migrações. O intuito era reduzir os aspectos

regionais e nacionalizar as fronteiras baseando-se em um discurso de

progresso e civilização, por meio da exploração e domínio das riquezas

naturais da região. Tal ação era partilhada pelos interesses e percepções do

episcopado mato-grossense, pois ambas as esferas visavam “sanear,

447 MARIN, Jérri Roberto. A Igreja Católica em terras que só deus Conhecia: o acontecer e “desacontecer” da Romanização na Fronteira do Brasil com o Paraguai e Bolívia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2009, p. 473.

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moralizar e civilizar a fronteira oeste”448. Estaria, nesse sentido, inaugurada

uma nova fase de “colonização”, que se distinguiria por conta de seus “bons

propósitos”:

Sendo a vida perpetua renovação é natural que se cogite agora, embora, por enquanto, sob a forma de bôa intenção, de retomar a marcha para oeste do Brasil, não para dilatar o meridiano, frear selvícolas e descobrir ouro e gemas preciosas, mas para levar a civilização e o progresso a essa imensa região desaproveitada, incorporando à Nação as formidandas riquezas naturaes que a tornam privilegiada.449

No periódico católico a plena adesão a Getúlio Vargas já se

delineou após os levantes comunistas de 1935, se efetivando em conjunto a

uma postura anticomunista, o que justificaria o apoio das medidas

repressivas de um Estado “forte”. Na sequência dos levantes de 1935, o

governo Vargas iniciou uma série de ações de exceção, como decretação do

estado de sítio450, com o objetivo de conter os opositores.

Como observado no Capítulo I, apôs os levantes, esquerda e

oposição, comunistas e oligarquias, foram perseguidos todos juntos e

processados pelo Tribunal de Segurança Nacional451, sob a justificativa de se

448 Ibid. 449 O Futuro de Mato Grosso. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT, 10 jul. 1938, Caderno 1344, p. 1. – Artigo republicado do jornal “Diário de Notícias”, de 28 jun. 1938. 450 Após os denominados levantes comunistas, a justificativa para fechamento do regime estava dada. O Congresso, a partir de novembro de 1935, passou a aprovar uma série de medidas que garantiam amplos poderes ao Executivo, como a decretação do Estado de Guerra, e em contrapartida, a esfera legislativa limitava sua própria ação. Mesmo antes do levante comunista, em abril de 1935, por conta do impacto de várias greves, o Congresso aprovou a Lei de Segurança Nacional, suprimindo diversas garantias democráticas da Constituição de 1934, permitindo a censura dos meios de comunicação e prisões de manifestantes. Cf. PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano: o tempo do nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2 ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 33. 451 Este tribunal de exceção foi instituído em setembro de 1936, e estava sob a regência da

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julgar crimes contra a ordem nacional. Dessa forma, o governo conseguiu

limitar a ação dos seus opositores, abrindo o caminho para a instauração do

regime autoritário452. A implantação do Tribunal, em setembro de 1936,

favorecia a ingerência da Justiça, suprimindo as garantias de defesa, com o

objetivo de preservar o governo no poder mediante a vigilância e uso da

repressão.453

Antes mesmo da instalação do Tribunal, e diante das atuações de

repressão aos comunistas após os levantes de 1935, “A Cruz” chancelou e

esperava a continuidade de tais ações: “Prosiga na severa reacção, O Governo

e terá as bênçãos e os applausos de todos os bons brasileiros”454. A reação

enérgica contra o comunismo e seus apoiadores evitaria o que refletiam

como perversidade antirreligiosa e caótica do comunismo, desafiando a

estrutura social reinante.

O arcebispo Dom Aquino Corrêa, na missa de Ação de Graças

realizada para homenagear a vinda de Getúlio Vargas à capital mato-

grossense, primeiro presidente da República a visitar Cuiabá, em agosto de

1941 e em plena vigência do Estado Novo, defende de forma veemente o

governo autoritário de Vargas, dando preferência a este regime de exceção

Justiça Militar. Composto por juízes civis e miliares (inclusive pelo chefe da polícia - Filinto Müller) indicados diretamente pelo presidente da República, devendo ser acionado sempre que o país estivesse em Estado de Guerra. O tribunal foi criado logo após os levantes comunistas ocorridos nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro, em novembro de 1935. Sua atuação visava julgar e processar os envolvidos em atividades que fossem classificadas como ameaçadoras da segurança nacional. A partir do Estado Novo, passa a ser uma jurisdição autônoma, passando a julgar não apenas os comunistas e militantes de esquerda, mas também integralistas e políticos liberais que se opunham ao governo. Cf. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília. Ed. UNB, 1993, p. 102-107.; e FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS/CPDOC. A Era Vargas dos anos 20 a 1945. Rio de Janeiro-RJ, 2014.Disponível.em:<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos3037/RadicalizacaoPolitica/TribunalSegurancaNacional>. Acesso em: 20 jun. 2016. 452 D’ARAÚJO, Maria Celina. Op. cit., p. 18. 453 CANCELLI, Elizabeth. Op. cit., p. 102-107. 454 Actualidades: Novos Processos de Governo. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT, 19 jan. 1936, Coluna: Actualidades, Caderno 1217, p. 1.

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em detrimento à via democrática representativa e constitucional:

E, de mais a mais, de que servem as constituições, quando o povo, a quem elas conferem a soberania, se converte em joguete nas mãos dos magnatas, cuja prepotência, mancomunada com a chicana dos mentores, torce a mercê dos interesses partidários, ou seus mais salutares dispositivos? A quejandos regimes constitucionais, confesso candidamente, prefiro, mil vezes, um governo como esse, que há cerca de onze anos, vem regendo e felicitando os destinos do povo brasileiro. Disse o filósofo grego, que o juiz deve ser a justiça animada: V. Excia., Senhor Presidente, tem sido a nossa constituição animada, e animada do verdadeiro espírito de brasilidade, que é a alma do Brasil, deste Brasil, que, como bem disse V. Excia., nasceu sob o signo da cruz.455

O salesiano Francisco de Aquino Corrêa, segundo arcebispo de

Cuiabá, entre 1922 a 1956 (ano de seu falecimento), teve grande destaque e

influência junto Governo Federal no decorrer da década de 1930,

configurando-se em um dos principais religiosos católicos ao lado do regime

do Presidente Getúlio Vargas, na compreensão do historiador Célio Marcos

Pedraça. Sua participação nos anos Vargas foi manifestada por meio de

discursos, poesias, cartas pastorais e representações em eventos, sobretudo

no decorrer do Estado Novo. Sua eloquência como orador, poeta e escritor

garantiram ressonância de seus discursos carregados de moralismo e tom

instrutivo, que em grande medida, aglutinavam religião e política em uma

perspectiva expressamente conservadora.456

A carta pastoral de Dom Aquino datada de 1938 e intitulada “O

455 CORRÊA, Francisco de Aquino. A oração gratulatória do Arcebispo D. Aquino Corrêa. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 10 ago. 1941, Caderno 1502, p. 1. 456 PEDRAÇA, Celio Marcos. Personalidades da Igreja Católica e os anos Vargas: o personagem Dom Aquino Corrêa (1930-1945). In.: PERARO. Maria Adenir (Org.). Igreja Católica e os cem anos da arquidiocese de Cuiabá (1910-2010). EdUFMT/FAPEMAT, 2009, p. 183-185.

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Culto da Autoridade”, mas publicada de forma fragmentada em sete edições

do jornal “A Cruz” de 1939, argumentou que a relação entre liberdade e

autoridade é uma “equação” complicada. A título de mau exemplo dessa

“equação” trouxe a Rússia comunista que, em nome da liberdade proletária,

acabou se constituindo em uma “ditadura soviética” tão repressora como o

governo dos Czares russos:

Assim é que em resolvel-o acham-se empenhadas as nações e todas as escolas. De um lado, o communismo, que sob calor de salvar a liberdade, aggravou-lhe o supplicio, e na Russia, para usar a comparação do tribuno proletario, nada mais fez senão virar de cima para baixo o pau da bengala, que é o povo, de modo que sobre este hoje, em vez do castão de ouro, que era a autocracia dos czares, pesa ponteira de aço, que é a dictadura dos soviestes.457

O arcebispo compreendia, em suma, que o exercício da

autoridade seria benéfico, em prol do “equilíbrio social”, coligando poder e

liberdade. Para tanto, a autoridade deveria ser revestida dos princípios

cristãos e reconhecida por Deus, referenciando aqui as proposituras de

Tomás de Aquino458, cabendo ao povo total submissão e obediência aos

superiores. Esta carta pastoral elucida ainda mais a aproximação de Dom

Aquino e o Estado Novo de Vargas, em um regime que se consolidava pelo

culto à figura de seu líder, legitimado e revestido pela sacralidade da Igreja

Católica.459

457 CORRÊA, Francisco de Aquino. O culto da autoridade. Carta Pastoral publicada no jornal “A Cruz”, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 15 jan. 1939, Caderno 1371, p. 1. 458 Como Célio Marcos Pedraça informa, Dom Aquino, aliado às convenções do tomismo, defendia um poder de esfera espiritual, comandado pela Igreja, e um poder temporal materializado na figura do Estado. Os poderes superiores deveriam ser obedecidos, na justificativa que “não há poder que não venha de Deus”. Portanto, Dom Aquino, também embasado em São Paulo, apoiava a aliança e submissão dos cristãos aos poderes superiores legitimados por Deus. Cf. PEDRAÇA, 2009, p. 185. 459 LENHARO, Op. cit., p.189-190.

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Ainda, em o “Culto da Autoridade”, o arcebispo cuiabano cuidou

de denunciar os perigos da liberdade, que para a liderança católica estariam

materializados no comunismo e na democracia liberal. Segundo o clérigo, o

modelo liberal de democracia laicizante teria favorecido “surtos de

anarchia”.460 Nesse sentido, o apoio dos intelectuais religiosos de “A Cruz” a

um Estado “forte” e autoritário também representava parte de suas posições

antiliberais e em associação ao combate do comunismo. Pois, de acordo com

os enunciados expostos no jornal católico e discutidos no tópico anterior, os

pressupostos liberais seriam em parte responsáveis pelo surgimento das

ideias comunistas e contrárias aos preceitos religiosos cristãos.

Já para os editores de “A Pena Evangélica” a defesa da democracia

não se constituiu mais apropriada com a instauração do Estado Novo. Neste

caso, os articulistas do jornal aderiram ao projeto ditatorial getulista,

marginalizando sua bandeira a favor da democracia liberal, logo após a

instauração do regime. Como apontado no tópico anterior, a adesão ao

Estado Novo expressou-se no sentido de defender posturas severas e

enérgicas contra os males que perturbassem a ordem social vigente, em

especial o comunismo.

Como medida de repressão à indesejavel doutrina do communismo que quer á viva força se introduzir entre nós, o Exmo. Sr. Presidente da Republica não tem descuidado em por em pratica as mais severas providencias afim de que possamos desfrutar a verdadeira democracia portadora de uma boa civilização. (…) Nosso Senhor Jesus Christo que não se incomodou com as convenções de seu tempo, embora guerreado e odiado pelos que queriam introduzir doutrinas que não vinham de Deus, explicou ás multidões que o homem não pode fazer o que quer, pois os que comentem erros, são filhos do erro. (...) Neste sentido, nada de perturbação da ordem publica, e nem outros factos que

460 CORRÊA, Francisco de Aquino. O culto da autoridade. Carta Pastoral publicada no jornal “A Cruz”, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 15 jan. 1939, Caderno 1371, p. 1.

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193

tenham em vista generalizar o extremismo que só serve para diminuir os horizontes da nossa democracia e da verdadeira civilisação que sempre desfrutou a nossa estremacida Patria, digna de melhor sortenão podemos estar de acordo com as investidas do communismo. 461

No propósito de combater a “doutrina filha do erro”, aprovou a

instituição do regime autoritário, para manutenção do ordenamento social

contra possíveis extremismos e a fim de manter a “democracia”, mas que

naquele momento estava bem distante, lá no “horizonte”. O periódico passa,

a partir de então, a reconhecer o governo estadonovista, seus símbolos e

principais apoiadores, silenciando a palavra democracia de suas páginas, mas

reproduzindo outras de maneira mais significativa, como: pátria, patriotismo,

nação, bandeira, civismo, ordem, medo e povo brasileiro. Certamente essa

defesa também refletia os aspectos da censura, que não apenas eliminavam

a liberdade de opinião, como igualmente exigiam espaços para propaganda

das imagens cívicas e realizações do governo.

Essa propaganda não se limitou ao governo federal, mas deu até

mais destaque aos políticos de Mato Grosso e representantes do Estado

Novo, principalmente ao interventor federal Julio Müller:

O orgam official do Estado consignou na integra, na sua edição do corrente, um documentos que deve ser registrado e vulgarisado, pela sua alta significação. Referimo-nos ao manifesto do sr. Interventor Julio Muller. Acreditamos sinceras as palavras do jovem administrador em cujas mãos, neste instante de tanta responsabilidade, acham-se entregues os destinos de Matto-Grosso.462

461 MORENO. Nada de extremismo. A Penna Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 13 nov. 1937, Caderno 527, p. 5. 462 O Momento. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 08 jan. 1938, Caderno 535.

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O auxílio ao Estado Novo, foi registrado nos dois jornais, até

próximo dos últimos atos do regime, em maior destaque para “A Cruz”.

Porém, já em 1942, “A Pena Evangélica” deu sinais de uma certa resistência

frente ao regime de censura:

Infelizmente ainda perdura a dificilima situação criada para a pequena imprensa em consequencia do preço exorbitante do papel. Temos feito todos os esforços para nos manter e não faltarmos em dar semanalmente aos nossos amigos e pão do espirito, por meio de um conselho sadio ou um apelo pertinente ao coração.463

A restrição e controle de importação de papel linha d'água para

impressão dos jornais foi imposta pelo DIP. As taxas eram elevadas e ficavam

isentas delas apenas os impressos que tivessem autorização para circular.

Dessa forma, o governo varguista conseguia restringir o uso de papel e

controlar a imprensa, sem precisar do uso da força.464 O trecho acima

denuncia de maneira cautelosa essa “situação criada” para a pequena

imprensa, sem se referir diretamente à censura do governo.

Interessante constatar também que nos anos de 1942 e 1944 não

se verificou textos anticomunistas no periódico presbiteriano. Há, no

entanto, um destacado registro sobre o que se passava no país socialista, em

tom de desconstrução das narrativas mitológicas anticomunistas propagadas

anteriormente pelo jornal:

Muitas pessoas continuam até hoje fazendo uma péssima idéia da Russia, como um pais onde absolutamente não

463 A Pena Evangélica. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 13 jun. 1942, Caderno 764. 464 DE LUCA, Tânia Regina. As revistas de cultura durante o Estado Novo: problemas e perspectivas. IV Encontro Nacional da rede Alfredo de Carvalho. 2006, São Luis do Maranhão/MA. Anais do 4o Encontro Nacional de História da Mídia. São Luis/MA: Rede Alfredo de Carvalho, 2006. v. 1., p, 3.

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195

existe liberdade religiosa e onde tudo é contra a religião e os que são religiosos. Está idéia, porém, se desvanece para quem toma o “O Estado de São Paulo” e lê o seguinte telegrama: Londres, - O Dr. Ciril Garbetr, arcebispo de York, declarou hoje que existia uma grande esperança para a Igreja na Russia, apesar do carater secular do Estado. Os altos dignatarios da Igreja Russa pediram ao arcebispo de York que servissem do porta-voz de uma mensagem em que se dizia que todos gozavam de completa liberdade em suas igrejas e que jamais foram interrompidas na celebração do seu culto. O Dr. Garbett disse que “os altos dignatarios eclesiasticos da Russia estão prestando sincero e cordeal apoio ao esforço de guerra”.465

O jornal presbiteriano mudou de posição em relação à questão

religiosa na Rússia. Aqui não se tem mais a Rússia ateia e que ousou “julgar”

Deus466, como tratado no Capítulo II. Na década 1930 os redatores da

publicação presbiteriana expressaram que o país russo comunista perseguiria

as religiões de maneira implacável e em estabelecimento a um Estado

fundamentalmente amoral.467 Essa mudança de posição pode ser reflexo da

acomodação russa como aliado da guerra contra os nazistas e fascistas,

isentando-a do papel de principal adversário a ser combatido.

Os escritores do jornal católico, por sua vez, continuaram firmes

em sua batalha antiliberal e anticomunista. A “Coluna Atualidades”, de 16 de

julho de 1944, discute as possíveis propostas pensadas para o Brasil após a

Segunda Guerra Mundial, demarcando total crítica ao modelo soviético

russo, ou liberal inglês:

465 Há liberdade religiosa na Russia. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 19 fev. 1944, Caderno 852. 466 Na Russia, os communistas realizaram um Juri para julgar Deus! - Aspectos deprimentes da luta contra as religições (comunicado da Agencia Carioca). A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 16 jul. 1938, Caderno 562, p. 5 467 Ver o subtópico: “Contra a degeneração moral: anticomunismo cristão”, inscrito no capítulo II.

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196

Vemos, assim, quem julgue ótimo para “salvar a Patria” (erro de visão, facil de explicar) os regimes made in London, ou in Moscóvita, tais sejam as tendencias capitalistas ou communistas dos pretensos reformadores, messias que se propõe a fazer um Brasil novo, à mercê de seus secretos desejos desinteressados…468

Perante todos esses questionamentos e análises, as campanhas

anticomunistas vinculadas às expressões conservadoras e autoritárias até

aqui tratadas, incitam uma instigante indagação, emoldurada por Girardet:

“A ordem que o Outro é acusado de querer instaurar não pode ser

considerada como o equivalente antitético daquela que se deseja por si

próprio estabelecer?”.469 Por conseguinte, lança-se outra questão: O poder e

a influência sobre a sociedade credenciado aos comunistas, não era, em

diversos aspectos, semelhante ao reivindicado pelos membros de entidades

religiosas e forças oligárquicas aqui destacadas?

Na esperança de arregimentar opiniões, ações e sentidos, em

meio à turbulência de novas disputas e acontecimentos, tais agentes

utilizaram-se das páginas de seus jornais para imprimir seu desejo de

expansão e de influência junto aos poderes constituídos. E perante esse

cenário de instabilidades, compartilharam e ajudaram a edificar narrativas e

fontes mitológicas em negação ao comunismo. Em suma, e de forma

conveniente, suas campanhas anticomunistas se estenderam a outros

elementos considerados “subversivos” e que contestassem os princípios e as

estruturas de poder dominantes, tais como: a defesa da propriedade privada,

o domínio oligárquico, a constituição social de sujeição das mulheres, os

preceitos morais cristãos e a preservação de uma sociedade marcada pela

desigualdade e por uma tradição política autoritária e conservadora.

468 Modelos. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 16 jul. 1944, Caderno 1688, p1. 469 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 62.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas páginas de representativos jornais cuiabanos o

anticomunismo se sustentou como uma associação mitológica expressada

por diferentes culturas políticas e religiosas do estado de Mato Grosso, como

católicos, presbiterianos, representantes da oligarquia política local e o

Estado, ou ainda outras manifestações políticas e sociais. Uma luta

estruturada e de interesses, mas também cheia de paixões, sentidos,

inseguranças e certezas sobre os rumos que a sociedade mato-grossense e

brasileira deveriam traçar.

A imprensa das décadas de 1930 e 1940 incorporou inovações

tecnológicas, de linguagem e de edição, em busca de sua modernização, no

entanto sem abandonar parte de suas antigas convenções e práticas. Este

meio de comunicação foi e ainda se constitui como espaço privilegiado para

intelectuais, grupos políticos, religiosos, editores e empresários

conquistarem as opiniões e a cognição do seu público leitor. E dentro de seu

percurso histórico, em meio às suas inovações, censuras e vinculações

políticas, foi possível identificar as especificidades da imprensa local, repleta

de variados títulos e plataforma primordial de informação da sociedade

cuiabana nas primeiras décadas do século XX.

Cristãos como padres, pastores e seus fiéis utilizaram-se desse

espaço discursivo de poder, a imprensa, e nela propagaram e registraram

suas doutrinas moralistas e conservadoras, com o propósito de arregimentar

e influenciar os espaços da fé, tal como, da política. De um lado, teve-se o

catolicismo, no intuito de resgatar e expandir seu domínio hegemônico no

campo religioso, fragilizado pela ascensão de uma sociedade politicamente e

culturalmente mais secularizada. O marxismo e suas vertentes eram vistas

pelos intelectuais católicos cuiabanos, em destaque Dom Aquino e José de

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198

Mesquita, como parte dessa desestabilização e como mais um golpe

moderno contra o poder da Igreja Católica, assim como o liberalismo.

Nesta direção, os significados das lutas e propostas do comunismo

foram duramente combatidos pelo catolicismo mato-grossense em sua

tribuna jornalística “A Cruz”. E esse enfrentamento foi revestido das

referências do discurso moralista cristão, ultramontano e neotomista, aliado

às orientações e ações das lideranças eclesiásticas romanas e nacionais. E

esteve em convergência até mesmo, com outro grupo anticomunista, o

integralismo, movimento de massas e de vinculações com o fascismo, que

teve acomodação de seus discursos no periódico “A Cruz”, no período de

1935 a 1937.

Também defendendo a moral cristã, a família e a religião contra o

comunismo, o presbiterianismo em Cuiabá perfez construções mitológicas

frente ao socialismo de Marx, Engels e Lenin através de sua “Pena

Evangélica”. No entanto, ao contrário e em conflito com os dogmas católicos,

os escritores presbiterianos, ligados à tradição protestante calvinista

(sobretudo de origem estadunidense), opuseram-se ao comunismo e

também ao integralismo, em defesa dos pressupostos liberais.

No terceiro capítulo, com a inserção de dois jornais partidários à

discussão, “O Matto Grosso” e o “Alliancista”, verificou-se a luta contra o

comunismo associada à representação mitológica deste como algo perigoso

aos ideais nacionais e liberais. Isso esteve conectado à instituição de uma

nacionalidade rígida e uniformizante que censurou e combateu o comunismo

e as demais vozes políticas e sociais que pudessem desestabilizar a nova

ordem de repressão política, então consolidada pelo Estado Novo. As

diretrizes antidemocráticas deste regime objetivaram controlar e disciplinar

a “massa” de trabalhadores, supervisionando suas reinvindicações e

associações.

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199

Em identificação com tal ordem, os representantes dos jornais “A

Cruz”, “Alliancista” e “A Pena Evangélica”, coligaram-se ao projeto autoritário

e à propaganda política varguista, mesmo que isso contrariasse parte de suas

convicções, caso dos dois últimos. Já os interesses dos clérigos e leigos

católicos de “A Cruz” estiveram em considerável consenso com o Estado

Novo, aliado ao contexto nacional de reaproximação da Igreja Católica e do

Estado.

Por fim, articulando as proposituras trazidas ao longo deste

processo de pesquisa, análise e escrita, entende-se que os enunciados e as

construções mitológicas anticomunistas impressas nas publicações aqui

estudadas, foram partes constituintes de uma cultura política onde imperou

valores dominantes e excludentes.

Religiosos, intelectuais e políticos fomentaram o medo e

distorceram a realidade, deslegitimando as diversas propostas do

comunismo e negligenciando o contexto histórico da União Soviética. Para

tanto, configuraram diversos mitos políticos que visavam suprimir esse outro

projeto e, no mesmo sentido, as ideias e ações contestatórias de uma longeva

estrutura social injusta e desigual. Assim, defenderam à constituição e

permanência de uma sociedade alicerçada por pressupostos morais cristãos,

conservadores e autoritários.

E neste sentido, auxiliaram o Estado na promoção de um cotidiano

de censura e opressão, mas também de conciliação em torno da imagem de

Vargas, tratado, sob a arquitetura de uma propaganda política e mitológica,

como o “condutor e salvador da nação”. De modo consequente,

promoveram, de maneira significativa, o silenciamento da pluralidade de

ideias e das lutas políticas e sociais que desejavam mais cidadania e

igualdade, exaltando, por outro lado, uma aparente harmonia e unidade

nacional.

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200

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