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AANNTTOONNIIOO HHEENNRRIIQQUUEE BBEERRNNAARRDDEESS
DDAASS PPEERRSSPPEECCTTIIVVAASS OONNTTOOLLÄÄGGIICCAASS ÅÅNNAATTUURREEZZAA DDOO IINNTTEERRNNAAUUTTAA::ccoonnttrriibbuuiiÇÇÉÉoo ÑÑ eeppiisstteemmoollooggiiaa eemm GGeeooggrraaffiiaa
By the ontological perspectives to nature of Internet users:
contribution to epistemology in Geography
Tese de doutorado apresentada aoPrograma de PÄs-GraduaÅÇo em Geografia da UNESP-FCT, como requisito parcial para a obtenÅÇo do tÉtulo de Doutor em Geografia.
AgÑncia de fomento: FAPESP
Orientador: Prof. Dr. Eliseu SavÖrio Sposito.
PPrreessiiddeennttee PPrruuddeennttee
22001122
FICHA CATALOGR�FICA
Bernardes, Antonio Henrique.B444d Das perspectivas ontol�gicas � natureza do internauta: contribui��o �
epistemologia em Geografia / Antonio Henrique Bernardes. - Presidente Prudente: [s.n], 2012.
264 f. : il.
Orientador: Eliseu Sav�rio SpositoTese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ci�ncias e TecnologiaInclui bibliografia
1. Geografia. 2. Filosofia. 3. Epistemologia em geografia. 4. Ontologia. 5. Internet. I. Sposito, Eliseu Sav�rio. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ci�ncias e Tecnologia. III. T�tulo.
AAooss hhoommeennss iimmeerrssooss nnoo ccoottiiddiiaannoo..
Agrade�o,,
�queles que sem pronunciar ao menos uma palavra sobre Filosofia ou Geografia me
ensinaram o que � ser homem comprometido no mundo. Dona S�nia e Z� (Seu Fernando),
tomando de empr�stimo de Mario de Andrade, amar � verbo intransitivo.
Ao meu orientador e parceiro, que aturou e ponderou meus desvarios em quase oito
anos de orienta��o. Muito obrigado Prof. Eliseu! Levarei sempre comigo esse jeito de fazer
ci�ncia que privilegia o livre pensar.
Ao meu irm�o, sen�o de sangue, mas de alma. Putz..., Rafa (in memorian) como eu
queria que voc� estivesse aqui. Saudades de nossas conversas, risadas, rusgas e, sobretudo, de
ti. Eis que nossas conversas virou uma tese! Ela tamb�m � sua!
� minha querida, “linda que tu �s...”. Aline, obrigado por ser companheira e me apoiar
e rir das loucuras de ser-junto, assim como, me mostrar que a vida � sentimento.
� minha cunhadinha (Fran) e ao meu brother, Carlos. Carl�o...carrego nossa amizade,
ou melhor, nossa fraternidade no cora��o. Passamos muitas coisas juntos nestes mais de 10
anos e passaremos por outras tantas na vida do mesmo modo. Com cumplicidade, uni�o,
cervejas, whiskys, sorrisos, rugas e plays, mas, sobretudo, como irm�os...
Ao meu cunhado Willian e � minha irm�zinha querida, mala e risonha. Priscila, te
adoro!
� minha segunda m�e (av� Nair), � av� Tereza e ao av� Dorvalino e aos tios Cl�udio,
Ademir e Silvia...
� Micas (Michele), a cearense de M�ss�r�oo (Mossor�-RN); Carmencita (Carmen),
ser-do-mal; Priscila Varges, figura. Obrigado por me aturarem nos meus momentos mais
el�tricos e por serem t�o carinhosas e atenciosas. Saibam que a nossa amizade jamais ser�
como “extrato de tomate”.
Ao Bianchi, Joaninos (Jo�o Paulo), Devides (Ricardo). Valeu por tudo meus brothers
e � n�is vei...
Ao colega... (R�gis). Valeu pelo apoio, conversas, risadas, choros, broncas e,
principalmente, pela companhia. Voc� faz da vida uma poesia pelas contradi��es de ser.
Preciso praticar isto! Te at�rooo... colega!
Ao colega... (Igor). Foi voc� quem melhor me definiu e eu adorei, mas n�o arrisco
definir-te. Prefiro voc� assim, complexo e encantador.
� colega... (Paula Lindo), � colega... (Maria Ang�lica). Obrigado por fazer a minha
estadia em Prudente mais prazerosa.
Ao Cat�ozinho (Rafael Cat�o) – mineiro-brasiliense-paulista –, Raquel, Henrique,
Archanjo, Juscelino, Andr�a...
� Prof.� Margarete (Ol�, querida coordenadora!), ao Prof. Raul e suas “tiradas”
r�pidas e �s nossas conversas com cerveja, ao Prof. N�cio e suas pondera��es pertinentes, ao
Prof. Benito e �s mil elucubra��es e ao Prof. Vitte e � sua aten��o e carinho...
Aos colegas de Gradua��o e P�s-gradua��o em Geografia da UNESP-FCT...
Aos professores do Departamento de Geografia da UNESP-FCT e da USP-FFLCH...
Aos queridos colegas da Se��o de P�s-Gradua��o – C�ntia, Andr�, M�rcia, Ivonete e
Eurinati. Voc�s enchem a “sess�o” de alegria e leveza.
� FAPESP (Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo) pelo fomento e
apoio a esta pesquisa.
Para aqueles que contribu�ram que Prudente se tornasse um lugar para mim: Pink
Floyd, Creedence, The Doors, Led Zeppelin, Janis Joplin, Bob Dylan, U2, Red hot, Pearl Jam,
Ramones, Rolling Stones, AC/DC, Black Sabbath, Deep Purple, Guns n’ Roses, O Rappa,
Caetano Veloso, Skank, Cazuza, Tit�s, Chimarruts etc.
E, aos alteres, ao tabaco, �s compras de final de semana e �s certas formas de
aliena��o as quais me fazem ser social no mundo.
IIss tthheerree aannyybbooddyy oouutt tthheerree??
Pink Floyd, 1979
RREESSUUMMOO
Baseando-nos nas discuss�es realizadas por alguns fil�sofos, notadamente, Arist�teles, Leibniz, Kant, Hegel, Husserl, Heidegger e Sartre, apontamos certo fundamento que as caracterizam como discuss�es ontol�gicas. De fato, partimos da metaf�sica em dire��o � ontologia, neste entremeio destacamos a gnosiologia e a teoria do conhecimento, como discuss�es contradit�rias � ontologia.Pela an�lise destas diferentes proposituras ontol�gicas tomamos como refer�ncia o m�todo regressivo-progressivo desenvolvido por Sartre para denominar e determinar duas perspectivas de interpreta��o da realidade: a perspectiva posicional e a perspectiva oniposicional. Com isto analisaremos as denominadas ontologias do espa�o desenvolvidas por Silva e por Santos para os estudos geogr�ficos levando em conta as suas principais influ�ncias filos�ficas e alguns dos pressupostos levantados pelas discuss�es ontol�gicas em Filosofia.Por conseguinte, discutimos os conceitos de ciberespa�o e cibergeografia tendo como par�metros algumas proposi��es te�ricas de Silva, Sartre e Heidegger em que as proposi��es de Santos emirjam no desenvolvimento do discurso como certo entendimento do internauta.Deste modo, tentamos colocar em evid�ncia a fundamenta��o de um dos modos de ser-no-mundo quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet, ou seja, o processo cognitivo do internauta. Certas categorias e conceitos geogr�ficos s�o tomados como instrumentos de entendimento em que cada uma delas indica certo grau de entendimento deste ser que � o homem no mundo. Privilegiam-se os conceitos de meio e homem e as categorias de paisagem, lugar, territ�rio, regi�o e espa�o.
Palavras-chave: ser, ser-no-mundo, meio, espa�o, Internet
AABBSSTTRRAACCTT
Based on the discussions made for some philosophers, notably Aristotle, Leibniz, Kant, Hegel, Husserl, Heidegger and Sartre, we point out certain foundations which characterize those discussions as ontological. In fact, starting from metaphysics towards ontology, we highlighted the gnosiology andthe theory of knowledge as discussions which are contradictories to ontology.By analyzing these different ontological proposals, we take as reference the regressive-progressive method, developed by Sartre, to nominate and determine two perspectives of interpretation of reality: the positional and the omnipositional perspectives. We then analyzed the ontologies of the space developed by Silva and by Santos for the geographic studies. We took into account main the philosophical influences of those geographers, as well as some assumptions made from ontological discussions in Philosophy, to develop a proposal of studies in Geography.Then, we discussed the concepts of cyberspace and cybergeography based, principally, on theoretical propositions by Silva, Sartre and Heidegger, in which Santos prepositions emerge in the development of the discourse as an understanding of the internet user.We will attempt to show the grounding of one of the modes of being-in-the-world when his relations are moderated by the Internet, i.e. internet user’s cognitive process. Certain categories and geographical concepts are use as knowledge tools, and each of them indicates certain degree of understanding of this being that is the man in the world. The concepts of milieu and human being and the categories of landscape, place, territory, region and space are focus.
Key-words: human being, being-in-the-world, milieu, space, Internet
SSUUMMÖÖRRIIOO
IINNTTRROODDUUÜÜááOO.......... .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. ....1144
PPAARRTTEE 11::PPEERRSSPPEECCTTIIVVAASS OONNTTOOLLÄÄGGIICCAASS
CCAAPPààTTUULLOO 11:: OONNTTOOLLOOGGIIAA EEMM FFIILLOOSSOOFFIIAA ...... .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. ....22771.1. EXCURSâES METAFàSICAS .......................................................................................................................291.2. TEORIA DO CONHECIMENTO E AS ONTOLOGIAS EM HEGEL ...................................................................391.3. A FENOMENOLOGIA NO DEBATE ONTOLÄGICO ......................................................................................461.4. A FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL COMO ONTOLOGIA ...........................................................................511.5. A ONTOLOGIA FENOMENOLÄGICA DE SARTRE ......................................................................................571.6. EXCURSâES MARXISTAS DA ONTOLOGIA DE SARTRE .............................................................................691.7. APONTAMENTOS .....................................................................................................................................78
CCAAPPààTTUULLOO 22:: OONNTTOOLLOOGGIIAA EEMM GGEEOOGGRRAAFFIIAA .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. ....88552.1. ONTOLOGIA DO ESPAÜO EM ARMANDO CORRäA DA SILVA..................................................................882.1.1. IMPASSE ARISTOTÄLICO-KANTIANO ........................................................................................................892.1.2. UMA PROPOSIÅÇO TEÉRICO-METODOLÉGICA E SEU SILOGISMO ..............................................................922.1.3. DA SUBTOTALIDADE AO TERRITÉRIO ......................................................................................................962.1.4. O ESPAÅO DO E PARA O OUTRO ............................................................................................................1022.2. ONTOLOGIA DO ESPAÜO EM MILTON SANTOS ....................................................................................1072.2.1. PAISAGEM E ESPAÅO GEOGRÑFICO: DIFERENCIAÅÖES NECESSÑRIAS.......................................................1082.2.2. TERRITÉRIO E REGIÇO ..........................................................................................................................1122.2.3. OS ESPAÅOS GEOGRÑFICOS...................................................................................................................1162.2.4. OS MEIOS DOS PERÜODOS......................................................................................................................1202.2.5. DO MEIO TÄCNICO-CIENTÜFICO INFORMACIONAL, O LUGAR ...................................................................1242.3. APONTAMENTOS ...................................................................................................................................126
PPAARRTTEE 22::AA NNAATTUURREEZZAA DDOO IINNTTEERRNNAAUUTTAA
CCAAPPààTTUULLOO 33:: DDEESSEENNVVOOLLVVEENNDDOO PPRREESSSSUUPPOOSSTTOOSS .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ ..............1133663.1. CIBERESPAÜO E CIBERGEOGRAFIA: PONTUANDO DIFERENÜAS ............................................................1383.2. DESENVOLVENDO PRESSUPOSTOS TEÄRICO-METODOLÄGICOS ..........................................................1493.2.1. A NATUREZA DO MEIO E O ESPAÅO .......................................................................................................1493.2.2. DO LUGAR PARA O TERRITÉRIO E A REGIÇO ..........................................................................................163
CCAAPPààTTUULLOO 44:: OONNTTOOLLOOGGIIAA DDOO IINNTTEERRNNAAUUTTAA ........ ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ ..............1177004.1. BREVE HISTÄRICO DA REDE DE INTERNET ............................................................................................174
4.2. O MEIO DO LUGAR PARA AS RELAÜâES DE INTERNET ..........................................................................1754.3. PELO LUGAR, AS TERRITORIALIDADES ..................................................................................................1884.4. ESPAÜO E ESPACIALIDADES PARA A REDE DE INTERNET.......................................................................219
CCOONNSSIIDDEERRAAÜÜââEESS .......... ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ ..............224400
RREEFFEERRääNNCCIIAASS............ .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ .............. .............. .............. ........ ..............225544
AAPPääNNDDIICCEEMODELO DO QUESTIONÖRIO APLICADO NA PESQUISA DE CAMPO .... .............. ........ ..............226611
AANNEEXXOOCÄPIA DO RASCUNHO FEITA PELO PROF. DR. ARMANDO CORRäA DA SILVA ....226699
PPRR��LLOOGGOO
Poder�amos nos remeter a qualquer ponto pret�rito daquilo que foi vivido nesta breve
trajet�ria acad�mica para poder justificar esta pesquisa que objetiva a obten��o do t�tulo de
Doutor em Geografia. Entendemos que o seu fundamento est� fora dos murros acad�micos e
ocorre tanto antes de quaisquer pretens�es acad�micas. Contudo, possivelmente, ele seja
melhor exposto sob uma indaga��o corriqueira aos estudantes rec�m ingressos nos cursos de
Geografia: Por que voc� quis fazer – o curso de – Geografia?
Quando estudante do primeiro ano da Gradua��o de Geografia n�o tinha muito claro o
porqu� e possivelmente nem hoje, mas, por ora, ao menos posso indic�-la por meio de outras
indaga��es: Quem sou? O que � o mundo? Singelas perguntas que exigiram e exigem
respostas. Se, n�o s�o t�o complexas as respostas como as perguntas, o trajeto que
percorremos foi complexo, afinal ele � o fundamento desta tese.
Sou quem sou e o mundo � o que, numa �ntima rela��o que o mundo me invade
enquanto ofere�o minha organicidade para o mundo. Quando o mundo me invade sou mundo,
sou humano e sociedade, mas nunca deixando de ser eu pr�prio e o mundo passa ser eu tanto
quanto sou ele. Mas como sabemos nem toda rela��o �ntima � feita de romances, ela tamb�m
� feita de denega��es, contradi��es, ang�stias etc. que s�o t�o vigorosas, que estas linhas s�
expressam a parte mais fugaz destes sentimentos.
Sartre e outros tantos pensadores que dialogamos para redigir esta tese indicam a
contradi��o dial�tica ou a nega��o da nega��o como um dos fundamentos desse ser no mundo
que � o homem. Resguardando esta concep��o, mencionamos outro modo de nega��o mais
�ntimo, porque � vivido. O mundo nega certos homens porque � social, porque estabelece
padr�es. Seja porque este homem n�o � belo o quanto querem, n�o possui bens o quanto lhe
sugerem e n�o se comporta como lhe concebem. Nas�o e vivo desta nega��o cotidiana que �
trivial a tantos outros homens e � para estes homens, como, tamb�m, uma resposta para mim
do que sou no mundo, que fa�o Geografia.
Boa parte dessas nega��es mundanas leva com que os homens sejam de algum modo
exclu�dos. A exclus�o tem como um dos seus fundamentos os projetos em comum objetivados
nos objetos t�cnicos e como estes se estabelecem a certos homens e eles reagem a imposi��o
de certos projetos que n�o s�o os seus. Este processo que permite a defini��o de quem � ou
n�o � exclu�do de certo tipo de rela��o no mundo colocam em relevo tanto os aspectos
subjetivos e objetivos, assim como, os aspectos metaf�sicos e f�sicos deste fen�meno.
Verdade? Sim, se tratarmos de uma rela��o de certo homem para o meio material de sua
exist�ncia e para outros homens pela sua facticidade de ser – ou seja, o outro homem em
“carne e osso”. Todavia, devemos ponderar esta afirma��o porque atualmente h� homens
inclu�dos pela utiliza��o de certo sistemas t�cnicos, no caso, a Internet, que manifestam sua
peculiar exclus�o social sem a facticidade de ser. Referimo-nos as viagens sem presen�a, �
apresenta��o pela aus�ncia de ser para o outro homem, as fal�cias projetadas por uma rela��o
de interface mediada eletronicamente que posso ser aquilo que quero e n�o aquilo que sou.
Obviamente, que sempre sou o que sou, mas posso me apresentar ou apresentar o mundo para
algu�m do modo que desejo que seja.
Desse modo, o homem que n�o � belo o quanto querem, n�o possui bens o quanto lhe
sugerem e que n�o se comporta como lhe concebem, encontra um meio de realiza��o de seus
desejos, de seus devaneios e de expressar sua ang�stia sem maiores implica��es por meio de
uma rela��o em que ele � presente-ausente. O feio pode ser belo, o pobre pode ser rico e
“torto” pode ser “reto”, n�o para ele pr�prio, mas para o Outro que diz o que ele �. Ou seja, a
representa��o que o Outro ter� de mim n�o depende mais estritamente das apreens�es dele,
pois posso me representar e condicionar o olhar do Outro para Mim. Desenvolvo uma esp�cie
de “avatar” de mim mesmo e condiciono o olhar do Outro, assim como, posso apresentar o
mundo ao Outro somente segundos meus projetos de ser. Entendemos que esse tipo de atitude
de m�-f� (SARTRE, 1997, p.94) � uma esp�cie de psicose.
Remetendo todo esse discurso as perguntas derivadas daquela inicial, podemos
constatar que quem sou e o que � o mundo pode, quando as rela��es s�o mediadas
eletronicamente, possuir outro car�ter de quando ocorrem pela facticidade de ser-no-mundo.
Se, sempre sou quem sou e sou o que sou para mim, assim como, o mundo, o meio e o lugar
de minhas rela��es s�o para mim, quando as rela��es s�o mediadas pela Internet, o que sou?
Quem sou? O que � o mundo? O que � o meio e o lugar?
Convidamos o leitor a essa viagem que em nenhum momento se fez solit�ria e por
mais que toda a passionalidade do vivido em certos momentos ganham corpo nas palavras
redigidas, porque nos confundimos com os homens os quais pesquisamos e imergimos no
mundo que tentamos analisar, a raz�o sistematizada da ci�ncia geogr�fica e da Filosofia
sempre foram as refer�ncias quando buscamos entender quem � esse homem quando suas
rela��es s�o mediadas pela Internet.
14
IINNTTRROODDUU����OO
A geografia, ao surpreender a realidade do mundo enquanto espacialidade e o espa�o enquanto fisionomia da Terra, exprime uma inquietude fundamental do homem. Ela responde a um interesse existencial que extingue o intento de abordar o homem como objeto do conhecimento. Colocar-se de fora da Terra e do espa�o concreto para conhec�-los do exterior, � esquecer que, por sua pr�pria exist�ncia, o homem est� comprometido como ser espacial e ser terrestre. [...] � necess�rio, portanto, compreender a geografia n�o como um quadro fechado em que os homens se deixam observar tal como insetos de um terr�rio, mas como o meio pelo qual o homem realiza sua exist�ncia, enquanto a Terra � uma possibilidade essencial de seu destino. (DARDEL, 1952 [2011], p. 89)
Dardel n�o somente exp�e sua concep��o de geografia enquanto categoria, como
tamb�m aponta um horizonte em que a exist�ncia humana na Terra � um modo de
comprometimento. Uma rela��o un�voca entre o meio e o homem, pois � nele que se realiza a
sua exist�ncia como uma possibilidade essencial de seu destino. Nesse sentido, abordar o
homem como um objeto do conhecimento isolado do meio de sua exist�ncia � antes de tudo
destituir dos homens aquilo que os diferencia dos existentes em geral, a sua ess�ncia humana.
A ess�ncia indica a subjetividade e a exist�ncia � objetividade do ente que � o homem.
A Terra como destino dos homens p�e em quest�o tanto a exist�ncia como a ess�ncia
humana. A exist�ncia, na medida em que se � necess�rio estar para ser e se � estando. Existir
� ser-no-mundo, entre as coisas e por sua facticidade, no presente. Para a rela��o entre a
exist�ncia e a ess�ncia humana Heidegger afirma que “a ess�ncia da presen�a est� em sua
exist�ncia” (HEIDEGGER, 2011, p. 85)1. A pr�pria ess�ncia remete a exist�ncia e
inversamente, porque ser-no � ser-em...
“em” deriva-se de innan-, morar, habitar, deter-se; “an” significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado com, cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito e diligo. O ente ao qual pertence o ser-em, neste sentido, � o ente que sempre eu mesmo sou. (HEIDEGGER, 2011, p. 100)
1 Presen�a � o termo utilizado em portugu�s para a tradu��o de Dasein para a 5� edi��o de “Ser e tempo” de Martin Heidegger publicado em 2011 pela Editora Vozes. At� ent�o se utilizava para a tradu��o em portugu�s o termo ser-a�, tanto para as obras de Heidegger como para as de outros fil�sofos, como as de Sartre (1997), por exemplo. Para evitar maiores equ�vocos textuais e por entender que o termo ser-a� �, de certo modo, contradit�rio a propositura que buscarmos desenvolver neste trabalho, a partir deste ponto utilizaremos o termo em alem�o Dasein ou ser-do-homem, exceto para as cita��es.
15
Para Heidegger ser-no-mundo pressup�e a rela��o un�voca entre o Dasein ou o ser-do-
homem e o mundo que s� se realiza pela sua facticidade de ser. Ser-no-mundo pressup�e a
rela��o entre exist�ncia e ess�ncia e entre estar e ser, porque ser-no � ser-em – no sentido de
habitar – e � ser-junto, este, no sentido de estar no mundo em que as coisas nos remetem
quando remetemos as coisas e fazemos aparecer o mundo e a n�s mesmos no mundo.
O mundo s� pode aparecer ao Dasein pela pr�xis ou pela ocupa��o, como prefere
Heidegger. A ess�ncia est� nesta rela��o do homem para o mundo, pois qualquer a��o
humana indica certa pr�xis como objetiva��o de certa subjetividade como projeto de ser no
mundo. Trata-se de um passado subjetivado rumo � objetiva��o no presente que aponta o
futuro como um modo da exist�ncia humana. � pela pr�xis que subjetivamos certa
objetividade e objetivamos certa subjetividade em que a mundanidade nos invade, assim
como, humanizamos o mundo. Porque habitar o mundo � fazer dele o meio de nosso destino.
Deste modo, o mundo �:
[...] o contexto “em que” uma presen�a f�tica vive como presen�a, e n�o o ente que a presen�a em sua ess�ncia n�o �, mas pode vir ao seu encontro dentro do mundo. Mundo possui aqui um significado pr�-ontologicamente existenci�rio. Deste sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o mundo “p�blico” do n�s, ora o mundo circundante mais pr�ximo (dom�stico) e “pr�prio”. (HEIDEGGER, 2011, p. 112)
Para Heidegger o mundo surge ao Dasein pela sua necessidade de ser um ente no
mundo. � necess�rio que se esteja em certo local e lugar para ser, pois n�o � poss�vel ser sine
l�cus. O homem surge num mundo em que as coisas lhe investem, assim como, os outros
homens. Assim, ser-no-mundo �, tamb�m, ser-para-outro. A minha facticidade de ser me
coloca no mundo como um ente entre outros entes, cujo pode ser apreendido por um ser que
n�o seja eu, o Outro. A preposi��o “para” quando nos referimos ao ser-Para-outro assinala a
contradi��o entre a totalidade que sou e a totalidade que � o Outro, assim como, as estruturas
constitutivas do Dasein – o Para-si, o Em-si e o Para-outro s�o estruturas do Dasein
desenvolvidas por Sartre.
O mundo s� pode surgir para o Dasein e este para o mundo e aos Outros no cotidiano.
Esta � a condi��o inescap�vel e a qual h� o ser-no-mundo. Abord�-lo de outro modo � por “a
carruagem � frente dos bois”, justamente, porque h� uma preced�ncia ontol�gica a todo e
qualquer conhecimento cient�fico particular acerca do mundo e dos homens.
16
A quest�o de ser visa portanto �s condi��es a priori de possibilidade n�o apenas das ci�ncias que pesquisam os entes em suas entidades e que, ao faz�-lo, sempre j� se movem numa compreens�o de ser. [...] A pesquisa cient�fica n�o � o �nico modo de ser poss�vel desse ente e nem sequer o mais pr�ximo. [...] Dessa maneira, as ontologias que possuem por tema os entes desprovidos do modo de ser da presen�a se fundam e motivam na estrutura �ntica da pr�pria presen�a, que acolhe em si a determina��o de uma compreens�o pr�-ontol�gica de ser. (HEIDEGGER, 2011, p. 47-49)
As ci�ncias particulares para Heidegger s�o um dos modos da ontologia na medida em
que pressup�em que todo e qualquer conhecimento � um modo de ser. As ci�ncias se fundam
no entendimento da estrutura �ntica e indicam os entes, os quais s� podem surgir ao mundo e
serem compreendidos pelo Dasein, o pr�prio fundamento de qualquer ontologia regional �
uma ontologia fundamental. A ontologia regional se refere �s ci�ncias particulares em geral e
a ontologia fundamental a que se det�m ao entendimento a esse do ser do ente que � o
homem, do Dasein.
Considerando que tanto as ontologias regionais como a ontologia fundamental
objetivam, mesmo que de modo diferentes, o entendimento sistematizado da realidade,
entendemos que a proposta de Dardel consiste numa retomada das discuss�es pertinentes �
ontologia fundamental no seio da ontologia regional.
A ci�ncia n�o visa a realidade das coisas, mas sua “possibilidade”, n�o sua particularidade “hist�rica”, mas sua conex�o “legal”, n�o sua “natureza”, mas sua composi��o. A geografia por sua posi��o, n�o pode ser furtar de ser solicitada entre o conhecimento e a exist�ncia. Descartando-se da ci�ncia ela se perderia na confus�o e loquacidade. Entregando-se sem reservas a ci�ncia ela se exporia ao que Jaspers chama “uma nova vis�o m�tica”, esquecendo-se que uma atitude cient�fica objetiva visa a uma compreens�o total do mundo que n�o pode deixar de ser tamb�m moral, est�tica e espiritual. O frio isolamento c�smico do espectador combina mal com a finitude e a solid�o moral do homem em sua exist�ncia efetiva, com a exig�ncia concreta de sua morada terrestre. (DARDEL, 1952 [2011], p. 97)
Dardel realiza algumas ressalvas quanto ao desenvolvimento de uma perspectiva e
uma interpreta��o fria caracter�stica do cientificismo, em que o espectador – pesquisador –
n�o leva em conta os modos de exist�ncia dos homens porque se perde em abstra��es de
car�ter eminentemente universais ou, como prefere o pr�prio Dardel ao citar Jaspers, ao
desenvolvimento de “uma nova vis�o m�tica”. Por outro lado, ele considera que a atitude
cient�fica ao se desenvolver sobre certa estrutura��o l�gica possibilita que o conhecimento
n�o se encaminhe para uma esp�cie de verborragia confusa. Assim, ele prop�e que a ci�ncia
17
ao buscar uma compreens�o total do mundo n�o deve deixar de entender os aspectos morais,
est�ticos e espirituais pela exist�ncia efetiva dos homens.
Pelas assertivas de Dardel pressupomos que as preocupa��es que caracterizam as
ontologias regionais, no nosso caso a Geografia, s�o distintas daquelas da ontologia
fundamental. Sob outros termos, podemos considerar que a l�gica � o n�cleo do pensamento
cient�fico e a ontologia fundamental � o n�cleo do pensamento filos�fico. Se, por exemplo,
nos debru�armos acerca de alguns constructos geogr�ficos e para almejarmos entender a
ordem de concatena��o dessas ideias em sua rela��o com o real – epistemologia em Geografia
– � poss�vel notar o desenvolvimento l�gico por meio de categorias e conceitos. Aqui
consideramos a l�gica enquanto desenvolvimento de uma linguagem interpretativa dos
fen�menos com a qual se tenta atribuir sentido explicativo para o mundo.
Por outro a lado, a ontologia, de modo geral, considera que os homens fundamentam e
s�o fundados em rela��o � certa exterioridade imediata, campo material ou mundo. Por este
processo Heidegger aponta a alteridade como um dos fundamentos do Dasein e do mundo;
Sartre denomina este processo de nega��o fundamental (1997) e, posteriormente, como
contradi��o primitiva (2002), enquanto Hegel o denomina como contradi��o ou dial�tica
(2005).
Em linhas gerais estes fil�sofos orientam suas respectivas discuss�es a partir da
contradi��o fundamental do Dasein para o mundo em dire��o � an�lise dos modos como os
homens podem entender o mundo. Busca-se compreender a possibilidade do entendimento.
Este tipo de conhecimento � denominado atualmente de Teoria do conhecimento. Metaf�sica,
gnosiologia, teoria do conhecimento e ontologia s�o campos de estudos da Filosofia que, ao
longo de seu desenvolvimento, correspondem uma as outras e se aproximando muito daquilo
que certas ci�ncias denominam atualmente de processo cognitivo. Esta � a estrutura do
primeiro cap�tulo, ou seja, a discuss�o � encaminhada da metaf�sica � ontologia em que esta
�ltima cont�m as discuss�es anteriores de modo contradit�rio. A ontologia � um modo
contradit�rio de manifesta��o das discuss�es metaf�sicas, gnosiologias e da teoria do
conhecimento.
Pela identifica��o e entendimento da l�gica que perpassa os diferentes modos das
discuss�es ontol�gicas em Filosofia esperamos que seja poss�vel responder uma pergunta
central para primeiro cap�tulo: O que � a ontologia? Ora, mas para responder o que � a
ontologia devemos identificar e entender certa l�gica ontol�gica, o que p�e em evid�ncia a
fragilidade da dissocia��o entre a l�gica e a ontologia que empreendemos, pois a pr�pria
ontologia designa certo desenvolvimento l�gico.
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Sem d�vida que esta dissocia��o � fr�gil, ainda mais porque a realizamos no sentido
de ilustrar didaticamente a assertiva realizada por Dardel de como pode ter havido um
afastamento no desenvolvimento l�gico de uma ci�ncia particular, no caso a Geografia, de
uma abordagem ontol�gica que se atribui relevo aos modos do ser-no-mundo.
No pr�prio seio do universo cient�fico, um mal-estar prov�m da oscila��o sincera do pensamento entre duas ordens do mundo: a da realidade concreta, mais local e moment�nea; a do real, abstrata e universal, resgatada pelo m�todo cient�fico. Em que n�vel da realidade as �guas marinhas s�o verdadeiramente reais? No n�vel do fen�meno, l� onde suas transpar�ncias, reflexos, suas ondula��es agem sobre nosso sentidos e nossa imagina��o? Ou no n�vel do esquema que prov�m a an�lise f�sico-qu�mica? � a onda que vemos ou a mol�cula, � o �tomo que “concebemos” que devemos atribuir valor essencial? (DARDEL, 1952 [2011], p. 96-97)
O que identificamos como afastamento entre a l�gica e a ontologia, ou melhor, o fato
de n�o se considerar no desenvolvimento de uma ontologia regional � ontologia fundamental,
� um dos fundamentos do que Dardel denomina de mal-estar das ci�ncias. N�o podemos
afirmar todas as ci�ncias e pesquisadores e tampouco a Filosofia sofra deste mal-estar, mas a
sua recorr�ncia em debates, tanto na Geografia como na Filosofia, merece ao menos ser
melhor estudada. Assim, estamos de acordo com a problem�tica levantada por Dardel para o
mal-estar relacionado �s ordens de desenvolvimento do pensamento cient�fico e a
correlacionamos com as denomina��es de Heidegger para os �mbitos ontol�gicos – ontologia
fundamental e ontologia regional.
Em outros termos, Sartre discute esta mesma problem�tica levando em conta os
posicionamentos do ser-no-mundo, em que h� ao menos duas perspectivas de an�lise da
realidade:
Um conhecimento puro, com efeito, seria conhecimento sem ponto de vista, logo, conhecimento do mundo situado, por princ�pio, fora do mundo. Mas isso n�o faz sentido: o ser cognoscitivo e seu objeto desvanecer-se-ia na indistin��o total das rela��es rec�procas. Assim, o conhecimento, posto que iria definir-se por seu objeto e seu objeto desvanecer-se-ia na indistin��o total das rela��es rec�procas. Assim, o conhecimento s� pode ser surgimento comprometido no determinado ponto de vista que somos. Ser, para a realidade humana, � ser-a�, ou seja, “a�, sentado na cadeira”, “a�, junto a mesa”, “a�, no alto da montanha, com tais dimens�es, tal dire��o etc.”. � uma necessidade ontol�gica. (SARTRE, 1997, p. 391)
A necessidade ontol�gica, ao qual se refere Sartre, ou o privil�gio �ntico-ontol�gico,
ao que se refere Heidegger, atribui como necess�rio a preced�ncia da ontologia fundamental
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em rela��o � ontologia regional. Inversamente a este princ�pio, algumas ci�ncias trabalham
com os aspectos mais universais e abstratos do real e a necessidade ontol�gica, cada vez mais,
� eclipsada por conceitos e categorias que generalizam a concreticidade do real e a exist�ncia
dos homens.
A forma cient�fica � t�o mais elevada quanto mais adequada for o reflexo da realidade objetiva que ela oferecer, quanto mais ela for universal e compreensiva, quanto mais ela superar, quanto mais ela voltar as costas para a imediata forma fenom�nica sensivelmente humana da realidade, tal como ela se apresenta cotidianamente. (LUK�CS, 1968, p. 182)
O conhecimento cient�fico possui como caracter�stica generalizar as singularidades da
realidade por universalidades, ou melhor, pelo universal busca-se conceber o singular. Cada
ci�ncia particular realiza esta opera��o em maior ou menor grau. A ontologia, como campo de
estudos da Filosofia, realiza o procedimento inverso. Busca-se nos modos de ser do homem as
singularidades, seus aspectos fundamentais, e a universalidade nada mais � que o fruto do
empreendimento do entendimento do pr�prio Dasein. Retomando o exemplo utilizado por
Engels � poss�vel notarmos com mais clareza o movimento de pensamento do singular ao
universal mediado pelo particular.
Podemos conceber o primeiro ju�zo como ju�zo singular: registra-se o fato singular (o fato que o atrito gera calor). O segundo ju�zo como particular: uma particular forma de movimento, a mec�nica, mostro-se a propriedade de transforma-se, em particulares circunst�ncias (por atrito), em uma outra forma particular de movimento, o calor. O terceiro ju�zo � o universal: toda forma de movimento revela-se apta, ali�s obrigada, a se transformar em outra forma de movimento. [...] De fato, todo conhecimento efetivo, completo, consiste apenas no seguinte: que n�s, como pensamento, elevamos o singular da singularidade � particularidade e desta � universalidade, que n�s reencontramos e estabelecemos o infinito no finito, o eterno no caduco. A forma da universalidade, por�m, � forma fechada em si, isto �, infinitude; ela � a s�ntese dos muitos finitos no infinito. (ENGELS apud LUK�CS, 1968, p. 101)
Singular, particular e universal se trata de um silogismo dial�tico do processo de
entendimento do ser-no-mundo. O singular � o concreto absoluto ou o abstrato absoluto; o
universal � concreto abstrato ou o abstrato concreto; o particular � o termo mediador do
silogismo que permite o estabelecimento de certo tipo contradit�rio aos outros dois termos.
Para Engels deve-se, para quaisquer an�lises, partir do entendimento singular em dire��o ao
universal. O procedimento inverso incorreria num modo de mistifica��o especulativa da
realidade.
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Marx ilustra este beco-sem-sa�da do idealismo filos�fico com um exemplo geral e simples, que chega mesmo a banalidade. A abstrata representa��o “a fruta” nasce do justificado processo mental que consiste em resumir as caracter�sticas comuns das ma�as, peras, etc., em um conceito. A mistifica��o especulativa tem lugar quando esse processo real � invertido, quando a fruta � concebida como subst�ncia e as ma�as, peras, etc., como modos desta subst�ncia. Por um lado, a realidade sens�vel � por este procedimento anulada especulativamente; por outro, nasce um dificuldade inventada, mas agora insuper�vel. (LUK�CS, 1968, p. 86)
Trazendo este exemplo de Marx citado por Luk�cs para nossa discuss�o poder�amos
afirmar que h� atualmente em alguns estudos geogr�ficos uma tend�ncia de anular
especulativamente a realidade sens�vel ao abordar sociedade, classe social, atores etc., como
subst�ncias cujo um dos seus modos � o homem enquanto ser-no-mundo. O mesmo vale para
as categorias lugar, territ�rio, regi�o e, destacadamente, o espa�o geogr�fico como subst�ncias
cujo um dos seus modos � o campo material ou o meio da exist�ncia humana. Esta
problem�tica emerge quanto se negligencia o privil�gio �ntico-ontol�gico, se concebendo o
ser-no-mundo como algo previamente dado, generalizado, universalizado, previamente
dilu�do no infinito.
Para ilustrar e sintetizar estas diferentes perspectivas, que incorrem em diferentes
modos de abordagem do real, tomamos como exemplo a teoria da relatividade especial
desenvolvida por Einstein, explicitada por Hawking da seguinte maneira:
[...] algu�m no trem que quicasse uma bola de pingue-pongue para cima e para baixo pudesse dizer que a bola se deslocou apenas uns poucos cent�metros, outra pessoa de p� na plataforma perceberia a bola se deslocando cerca de quarenta metros. Da mesma forma, se o observador no trem ligasse uma lanterna el�trica, os dois observadores discordariam sobre a dist�ncia percorrida pela luz. J� que velocidade � dist�ncia dividida por tempo, se eles discordassem sobre a dist�ncia que a luz percorreu, a �nica maneira de concordarem sobre a velocidade da luz � tamb�m discordarem sobre o tempo de dura��o da viagem. Em outras palavras, a teoria da relatividade exige que coloquemos um ponto final � id�ia de tempo absoluto! Em vez disso, cada observador deve ter sua pr�pria medida de tempo, registrada por um rel�gio que carrega consigo e rel�gios id�nticos carregados por diferentes observadores n�o precisam ser concordantes. (HAWKING, 2005, p. 41-42)
A teoria da relatividade especial ou restrita desenvolvida por Einstein nada mais � do
que a considera��o de dois pontos de vistas ou duas perspectivas distintas para interpreta��o
de um mesmo fen�meno. Nenhum dos dois � mais verdadeiro que o outro, se trata de pontos
de vista distintos. Diferentemente desta concep��o da teoria da relatividade, quando tratamos
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a realidade pelo espa�o e tempo absoluto as diferentes perspectivas para o fen�meno s�o
destitu�das em prol de uma mensura��o absoluta cuja refer�ncia � o fen�meno e n�o o Dasein
– por exemplo, Maxwell definiu o elemento �ter como o ambiente o qual a luz se propagaria e
permitiria mensur�-la, assim como, o ar � para o som e a �gua para as ondas.
A diferen�a fundamental da teoria da relatividade especial � que a ideia de espa�o e
tempo absoluto � questionada quando se considera que estas categorias s�o definidas, antes de
tudo, pela situa��o e posi��o do espectador para o fen�meno considerado. Ora, considerar a
situa��o do espectador para o fen�meno nada mais � do que designar a posi��o do ser-no-
mundo e sua perspectiva de interpreta��o. Denominamos essa perspectiva2 de posicional e
aquela que destitui a situa��o e posi��o do ser-no-mundo tendo o fen�meno como refer�ncia,
ou seja, que possui pontos de vista relativos para o fen�meno, denominamos de perspectiva
oniposicional.
A perspectiva oniposicional seria aquela que possibilita o desenvolvimento de uma
interpreta��o com centro de refer�ncias relativos, incita-me a eliminar a equa��o pessoal que
sou e restitui ao mundo o centro de refer�ncia mundano como qual o mundo se organiza. O
mundo � reconstitu�do no terreno da racionalidade, abstraindo-me do mundo pelo pensamento
ou me posicionando abstratamente em rela��o a um dos termos identificados. A perspectiva
posicional � o posicionamento pr�vio do espectador, que antecede a quaisquer procedimentos
racionais ou intelectuais. Ela pressup�e que o espectador seja um ente entre outros entes no
mundo, ou seja, o ser que � homem deve ser no meio do mundo pela sua facticidade de ser. A
facticidade situa o Dasein de posicional com uma orienta��o de modo espec�fico para o
mundo. A proemin�ncia desta perspectiva acarreta em considerar os processos mais
fundamentais que precedem quaisquer conhecimentos espec�ficos.
Abordar a fundamenta��o do ser-no-mundo � uma discuss�o pouco presente nos
estudos geogr�ficos, tanto quanto, o desenvolvimento de uma abordagem pela perspectiva
posicional que possui como base de discuss�o a ontologia fundamental. O conceito de homem
� central para o desenvolvimento desta abordagem e deve ser tratado pela contradi��o entre
estar e ser ou exist�ncia e ess�ncia. Posicionado, situado no mundo, o espectador/pesquisador
2 O conceito de perspectiva na sua concep��o mais trivial se trata de determinado ponto de vista e das condi��es do observador que implica numa escolha de um contexto ou refer�ncia de onde se parte o senso, a interpreta��o de certa experi�ncia, normalmente pela compara��o com outra, podendo at� se consolidarem sob a forma de paradigmas. Podemos identificar certa perspectiva pelo modo de abordagem dos fenom�nos que ela proporciona. Sem d�vida, que quem interpreta e utiliza certa abordagem desenvolve, em certa medida, a perspectiva de an�lise proposta pelo autor, sua metodologia e l�gica de entendimento dos fenom�nos do mundo de modo posicional. Mas, h� diferen�as.
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se coloca no mundo como um homem entre outros homens e o pesquisado est� para ele nas
mesmas condi��es de apreens�o, no mundo.
Pela perspectiva posicional n�o se parte de um homem abstrato para o
desenvolvimento do discurso porque o homem concreto investe e fundamenta o pesquisador
do mesmo modo que � fundado por ele, como ser-no-mundo. Isto incorre que os homens
pesquisados n�o sejam destitu�dos de seus modos de ser, pois, muitas vezes, quando certa
pesquisa atribui relev�ncia aos modos dos entes no mundo tente a destituir do homem a sua
humanidade e eles passam a ser considerados, principalmente, pelas suas objetiva��es
particulares. Deste modo, concordamos com Moreira (2006, p. 122) quando ele afirma que
lidando “com o homem em sua rela��o com a paisagem, o meio e o espa�o, falta � Geografia
um conceito de homem que organize e ilumine o discurso da rela��o”.
Destacamos que h� certos estudos geogr�ficos que desenvolvem uma interpreta��o
posicional e/ou ontol�gica, atribuindo relevo ao conceito de homem, como por exemplo: Eric
Dardel, Armando Corr�a da Silva e, atualmente, �lvio Rodrigues Martins, Ruy Moreira,
Werther Holzer, Jean-Marq Besse etc. Contudo, para o desenvolvimento desta pesquisa
destacamos os estudos de Silva, notadamente, a sua proposta te�rico-metodol�gica de
fenomenologia-ontol�gica estrutural, acompanhada do silogismo apar�ncia, ser e forma.
Trata-se de uma proposta te�rico-metodol�gica em Geografia que aborda a fundamenta��o do
ser-no-mundo destacando o processo cognitivo ao indicar um di�logo com a gnosiologia e
ontologia. Silva parte da apar�ncia como concreto absoluto em dire��o � forma como
concreto abstrato. Este conjunto de pressupostos � denominado por Silva como ontologia do
espa�o.
Contudo, n�o podemos nos restringir somente a esta proposta te�rica desenvolvida por
Silva e sim a utilizamos como refer�ncia, pois ele, em boa parte de suas publica��es,
desenvolve seus estudos geogr�ficos apoiado nas discuss�es ontol�gicas, tanto, que s� �
poss�vel entender o concatena��o l�gica dos principais conceitos e categorias geogr�ficas por
ele trabalhado, assim como, as principais influ�ncias que o orientaram, quando tomamos suas
obras em conjunto. Para tanto, buscaremos expor, analisar e estruturar suas principais
propostas no segundo cap�tulo e em seguida realizaremos o mesmo procedimento para a
ontologia do espa�o desenvolvida por Milton Santos.
Diferentemente da ontologia do espa�o de Silva, Santos a desenvolver� levando em
conta a localiza��o, distribui��o e organiza��o dos objetos, assim como, as a��es que estes
ensejam, para os diferentes per�odos da hist�ria humana. A escolha por trabalhar com as
proposituras desenvolvidas por Santos ou a sua ontologia do espa�o n�o � aleat�ria. De um
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lado, trata-se de um expoente ge�grafo cuja proposta te�rico-metodol�gica se destaca por sua
operacionalidade, sendo amplamente difundida nos estudos geogr�ficos brasileiros como um
instrumento de den�ncia para os empreendimentos dos atores hegem�nicos. Por outro lado,
quando nos remetemos suas bases filos�ficas � poss�vel notar uma forte influ�ncia do
marxismo e de algumas proposituras desenvolvidas por Sartre.
Dentre as diversas semelhan�as que possam existir entre as proposituras geogr�ficas
de Silva e de Santos, destacamos a influ�ncia das discuss�es de Sartre para ambos ge�grafos.
Todavia, ao nos remetermos as proposituras de Sartre � necess�rio n�o nos restringirmos as
suas principais obras e sim, tamb�m, buscar naqueles que ele estabelece di�logo as bases para
esta discuss�o.
Neste sentido, a exposi��o e an�lise que empreenderemos no primeiro cap�tulo que vai
da metaf�sica � ontologia nos leva a considerar os aspectos gerais das proposituras de
Arist�teles, Kant, Leibniz, Hegel e Husserl, focando a an�lise nas proposituras desenvolvidas
em “Ser e tempo” de Heidegger e em “O Ser e o Nada”, “Quest�es de m�todo” e “Cr�tica da
raz�o dial�tica” de Sartre. Pois, � a partir da an�lise mais acurada de algumas proposituras de
Sartre, n�o s� a partir de suas principais obras e sim levando em conta algumas influ�ncias e
di�logos que propiciam o desenvolvimento de sua ontologia, que � poss�vel identificar e
analisar os fundamentos das respectivas ontologias do espa�o, que possuem perspectivas
distintas de interpreta��o dos fen�menos mesmo se desenvolvendo sobre algumas bases
filos�ficas similares.
Deste modo, a discuss�o do primeiro cap�tulo remete ao segundo, pois pela ontologia
em Filosofia pretendemos analisar as respectivas ontologias do espa�o. Em verdade, as
ontologias do espa�o s�o a refer�ncia para a an�lise ontol�gica. Tanto que a pergunta central
do primeiro cap�tulo – o que � a ontologia? – remete as perguntas centrais do segundo
cap�tulo, que s�o: o que � a ontologia do espa�o? Como a ontologia do espa�o � um modo de
ontologia, como as discuss�es ontol�gicas em Filosofia podem nos ajudar a entender a
ontologia do espa�o? Quais as influ�ncias da ontologia ao modo desenvolvido por Sartre para
as proposi��es de Santos e de Silva?
Pela identifica��o e entendimento do modo de concatena��o l�gica das principais
categorias e conceitos geogr�ficos e do seu respectivo desenvolvimento te�rico � poss�vel
identificar a perspectiva de abordagem e interpreta��o para as respectivas ontologias do
espa�o para responder algumas das quest�es centrais do segundo cap�tulo. Contudo, se
responder as quest�es p�em em evid�ncia certas semelhan�as e diferen�as para as respectivas
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ontologias do espa�o quando tomamos como refer�ncia a ontologia ao modo desenvolvido
por Sartre deixamos de lado a sua operacionalidade te�rico-metodol�gica.
Nesse sentido, no sentido de resguardar a operacionalidade te�rico-metodol�gica das
respectivas ontologias do espa�o entendemos que pelo m�todo regressivo-progressivo
desenvolvido por Sartre possamos desenvolver uma proposta cujas considera��es de Silva, ou
melhor, a sua perspectiva de pesquisa seja a refer�ncia do discurso no intuito de desenvolv�-la
para que algumas proposi��es desenvolvidas por Santos sejam retomadas por uma perspectiva
posicional no seio do debate ontol�gico para os estudos geogr�ficos. Ou melhor, pretendemos
desenvolver posicionalmente uma abordagem em que a perspectiva oniposicional seja dilu�da
como um modo de entendimento dos pr�prios homens acerca do mundo.
Esta discuss�o � apresentada no terceiro cap�tulo, assim como, os conceitos de
ciberespa�o e cibergeografia e o desenvolvimento de uma proposta de pesquisa por uma
perspectiva posicional, a qual assinala o reposicionamento do pesquisador para o pesquisado,
consequentemente, atribuindo o devido acento aos modos de ser-no-mundo para os estudos
geogr�ficos quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet.
Consideramos o internauta apenas como um dos modos do ser-no-mundo na
contemporaneidade que se caracteriza quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet. Pelos
pressupostos ontol�gicos almejamos identificar e analisar a natureza ou os aspectos
fundamentais que caracterizam esta rela��o em que certas categorias e conceitos geogr�ficos
sejam apenas um dos modos de entendimento do ser-no-mundo. Essa discuss�o � apresentada
no quarto e �ltimo cap�tulo amparada na an�lise de dados secund�rios e numa pesquisa de
campo realizada em duas lan houses na cidade de Presidente Prudente entre os anos de 2010 e
2012.
Por meio dessa pesquisa de campo procuramos aferir os modos de navega��o, o
entendimento e a proemin�ncia de certos procedimentos da raz�o quando os internautas
buscam realizar seus projetos de ser pelas representa��es eletr�nicas. Contudo, n�o nos
referimos a quaisquer internautas e sim aqueles brasileiros que, sen�o, residentes numa cidade
m�dia do oeste do Estado de S�o Paulo, s�o da Regi�o de Presidente Prudente.
Deste modo, iniciamos a an�lise considerando o internauta como um Dasein para certo
computador em uma lan house da cidade de Presidente Prudente como um dos seus modos de
ser-no-mundo, em que a paisagem e o lugar indicam o meio de sua exist�ncia em dire��o a
revela��o da antipr�xis objetivada nos objetos pela pr�xis dos internautas, constituindo
territorialidades. O certo consentimento ou a certa denega��o dos projetos de ser do internauta
para antipr�xis da rede de Internet nos permite identificar e entender quais procedimentos da
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raz�o possui proemin�ncia nessa rela��o mediada eletronicamente e como � poss�vel pelo
entendimento do conflito abstrair concretamente esse sistema de telecomunica��o. Dentre as
diversas formas de entendimento do internauta para esta rela��o, trabalharemos com duas que,
por ora, s�o apresentadas sob essas indaga��es: quem � o Outro e quem sou eu quando as
rela��es s�o mediadas pela Internet? Como pelo empreendimento do entendimento do
internauta pode nos revelar o modo de estrutura��o dos objetos e a��es para esse sistema de
telecomunica��o?
O que pretendemos por esta discuss�o � destacar a fundamenta��o de um dos modos
de ser-no-mundo quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet, ou seja, o processo
cognitivo do internauta. Certas categorias e conceitos geogr�ficos s�o tomados como
instrumentos de entendimento do Dasein para o mundo em que cada um delas se trata de certo
grau de entendimento do ser. Privilegiam-se os conceitos de meio e homem e as categorias de
paisagem, lugar, territ�rio, regi�o e espa�o.
Em verdade, destacamos como a rela��o contradit�ria entre certo internauta e o meio
material de suas rela��es mediadas eletronicamente – como abstrato absoluto – pode
caminhar em dire��o ao entendimento do que � o espa�o – como abstrato concreto – em que
as categorias de paisagem, lugar, territ�rio e regi�o s�o alguns dos modos do entendimento do
ser-no-mundo.
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27
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Qual o sentido de discutirmos a ontologia em Filosofia quando esta pesquisa � em
Geografia? Poder�amos argumentar que a Filosofia nos oferece um meio mais acurado de
an�lise para discutirmos a episteme da Geografia, pois toda ci�ncia possui um n�cleo l�gico
em que h� a concatena��o de teorias, categorias e conceitos em que as discuss�es filos�ficas
comparecem como um modo de instrumentalizar a busca do entendimento do real.
Quando nos referimos � epistemologia de certa ci�ncia, logo vem � mente os modos
como certas ideias filos�ficas podem ter referenciado o desenvolvimento dessa ci�ncia.
Analisamos certo discurso cient�fico para identificar as principais ideias e como elas podem
ou n�o corresponder a outras ideias desenvolvidas no �mbito da Filosofia. Contudo, �
necess�rio levar em conta que, por mais que as ci�ncias em geral se desenvolvam pelo di�logo
com certas proposi��es filos�ficas, a Filosofia tamb�m se modifica por meio deste di�logo.
Assim, a epistemologia pode ser considerada tanto um campo de estudo das ci�ncias como da
Filosofia.
A partir da epistemologia como campo de estudo da Filosofia poder�amos realizar
discuss�es que nos levassem � ontologia e, desta, � ontologia do espa�o como algo
diretamente ligado � Geografia – esta discuss�o comparecer�, posteriormente, no
desenvolvimento desta pesquisa. � pelos estudos em Geografia que podemos justificar o
porqu� de nos remetermos � ontologia em Filosofia, pois esta pesquisa se fundamenta nas
proposi��es te�ricas de dois ge�grafos brasileiros, Milton Santos e Armando Corr�a da Silva,
que a denominam de modo similar: ontologia do espa�o.
Pelo estudo e an�lise das principais obras de Santos e Silva, identificamos algumas
influ�ncias de certas doutrinas marxistas no desenvolvimento de suas respectivas proposi��es
te�ricas, dentre as quais destacamos, como referenciais comuns, o estruturalismo de Althusser
e Foucault e o existencialismo de Sartre. Tendo em vista a proposi��o destes dois ge�grafos e
a identifica��o de alguns autores que os influenciaram, levantamos uma pergunta que norteia
o desenvolvimento desta pesquisa: quem � o homem e/ou conceito de homem nos estudos
geogr�ficos?
Esta quest�o fundamental designa uma discuss�o que se basear� no entendimento dos
modos desse ser que � o homem no mundo para os estudos geogr�ficos; logo, trata-se de uma
quest�o de car�ter ontol�gico. � nesse sentido que nos remetemos � ontologia em Filosofia,
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destacadamente, ao existencialismo de Sartre, para buscarmos entender como Santos e Silva
desenvolvem certos princ�pios ontol�gicos para os estudos geogr�ficos.
A escolha pelo existencialismo sartreano n�o � aleat�ria, pois, de um lado, a pr�pria
pergunta norteadora desta pesquisa nos remete a ele e, por outro, entendemos que tanto Silva
como Santos desenvolvem algumas proposi��es de Sartre, mesmo que segundo projetos
distintos e espec�ficos, dentre os quais destacamos os conceitos de totalidade, totaliza��o,
intencionalidade e pr�tico-inerte. Todavia, para a proposi��o de Silva ainda devemos levar em
conta o conceito de homem ou o Dasein e suas estruturas fundamentais – Em-si, Para-si e
Para-outro – como prop�s Sartre.
Para chegarmos �s proposituras de Sartre com certa seguran�a � necess�rio n�o nos
restringirmos �s suas principais obras e sim, tamb�m, buscar naqueles pensadores com quem
ele estabelece di�logo, as bases para esta discuss�o, pois quando nos referimos, por exemplo,
ao conceito de pr�tico-inerte em Sartre � necess�rio ter em vista o di�logo que ele estabelece
com Heidegger por meio do conceito de ocupa��o e com Husserl pelo conceito de
intencionalidade, que por sua vez, nos remete ao conceito de for�a em Leibniz, que lembra a
categoria aristot�lica de pot�ncia. O conceito de for�a em Leibniz traz para discuss�o o
sistema mon�dico e o espa�o relacional, que por sua vez, � questionado por Kant a partir do
conceito de fen�meno, o qual Hegel questiona por meio da dial�tica hist�rica, pela
gnosiologia e pela proposta de contradi��o entre a objetividade e a subjetividade.
Contudo, se para cada conceito ou categoria geogr�fica nos remetermos �s suas
influ�ncias mais profundas, seja na Filosofia ou em quaisquer outras ci�ncias, objetivar�amos
realizar um empreendimento ad infinitum, o que n�o � o caso. Pretendemos, neste cap�tulo,
cuja exposi��o obedece � cronologia das discuss�es em Filosofia, identificar e entender
algumas ideias fundamentais que caracterizam as discuss�es ontol�gicas na Filosofia. Em
outras palavras, almejamos entender, em seus aspectos gerais, como a metaf�sica de
Arist�teles, Leibniz e Kant surge na “Fenomenologia do esp�rito” de Hegel sob o modo de
gnosiologia ou teoria do conhecimento que ser�, de certo modo, apropriada na fenomenologia
de Husserl e ser� retomada com todo vigor nas propostas te�ricas desenvolvidas por
Heidegger, notadamente, em “Ser e tempo” e por Sartre em “O Ser e o Nada”. As discuss�es
em “Quest�es de m�todo” e “Cr�tica da raz�o dial�tica” comparecem como uma proposta
ontol�gica realizada por Sartre para que o existencialismo seja desenvolvido no seio do
marxismo. 3
3 Todas as obras citadas para identificar e analisar as principais caracter�sticas das discuss�es ontol�gicas foram escolhidas entre aquelas traduzidas para o portugu�s.
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Desse modo, correlacionando metaf�sica, teoria do conhecimento e ontologia, este
cap�tulo tem, como objetivo, responder o que � a ontologia para que, ent�o, possamos melhor
auferir, no segundo cap�tulo, como os pressupostos ontol�gicos foram utilizados nas
proposi��es te�ricas de Silva e de Santos.
1.1. ExcursÄes metafÅsicas
A Filosofia nasce da admira��o e do espanto, dizem Plat�o e Arist�teles. Admira��o: Por que o mundo existe? Espanto: Por que o mundo � tal como �? (CHAU�, 2000, p. 265)
Quando se pergunta por que o mundo existe, fica impl�cita outra pergunta: para quem
ele existe? Indagar por que o mundo � de tal ou qual maneira � perguntar quem o organiza ou
o desorganiza tendo-se, um par�metro pr�vio, certa organiza��o; afinal, dizer que certo lugar
est� organizado ou desorganizado �, antes de tudo, perguntar para quem ele est� desta
maneira. Podemos considerar que estas indaga��es s�o fundamentais na medida em que
indicam certo modo de rela��o entre certo homem e o mundo, pois para perguntar o que � o
mundo � necess�rio perguntar quem eu sou no mundo. Aqui se trata do ser e do ente de
determinada rela��o, ou melhor, de determinado fen�meno.
A admira��o e o espanto, como, segundo Chau�, dizem Plat�o (428-347 a.C) e
Arist�teles (384-322 a.C), � muito pr�ximo ao belo e ao sublime em Kant (1993, p. 21). O
belo � aquilo que encanta no limite da superf�cie, da apar�ncia; � a ordem de um prazer
agrad�vel e harm�nico. J� o sublime liga-se ao assombroso, profundo, aquilo que provoca
como��o. Destes diferentes conceitos, o est�mulo aos homens em sua rela��o com o mundo �
um dos aspectos fundamentais. Eles assinalam sentimentos humanos que podem provocar a
curiosidade, a necessidade de entendimento e de desenvolvimento de explica��es para estes
fen�menos.
Tentar entender determinado fen�meno � trilhar sobre uma linha t�nue entre a
objetividade e a subjetividade, ou melhor, � a objetividade ent�o subjetivada em dire��o �
constru��o de ideias acerca desta realidade e, quando pertinente, retorna-se � objetividade
para confirma��o ou n�o das ideias desenvolvidas. A metaf�sica, na Filosofia, adv�m
justamente do trilhar essa linha t�nue para se entender o mundo e os homens.
Para os escol�sticos, importantes no ber�o da filosofia ocidental, n�o havia a
determina��o de abordagens como sendo metaf�sicas ou empiristas, materialistas ou
racionalistas. Eles estavam preocupados com a organiza��o das explica��es do mundo e dos
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homens sob uma l�gica coerente. � por volta do ano 50 a.C que surge o termo metaf�sica,
empregado pela Filosofia.
A palavra metaf�sica foi empregada pela primeira vez por Andr�nico de Rodes, por volta do ano 50 a.C., quando recolheu e classificou as obras de Arist�teles que, durante muitos s�culos, haviam ficado dispersas e perdidas. Com essa palavra – ta meta ta physika – o organizador dos textos aristot�licos indicava um conjunto de escritos que, em sua classifica��o, localizavam-se ap�s os tratados sobre a f�sica ou sobre a Natureza, pois a palavra grega meta quer dizer: depois de, ap�s, acima de.Ta: aqueles; meta: ap�s, depois; ta physika: aqueles da f�sica. Assim, a express�o ta meta ta physika significa literalmente: aqueles [escritos] que est�o [catalogados] ap�s os [escritos] da f�sica. Ora, tais escritos haviam recebido uma designa��o por parte do pr�prio Arist�teles, quando este definira o assunto de que tratavam: s�o os escritos da Filosofia Primeira, cujo tema � o estudo do “ser enquanto ser”. Desse modo, o que Arist�teles chamou de Filosofia Primeira passou a ser designado como metaf�sica. (CHAU�, 2000, p. 266) (grifo da autora)
A designa��o de metaf�sica para determinadas abordagens filos�ficas derivam da
denomina��o de Andr�nico de Rodes (130-60 a.C) aos escritos aristot�licos desenvolvidos
ap�s a F�sica, notadamente aqueles escritos que Arist�teles denominou de Primeira Filosofia.
Ele entender o “ser enquanto ser” e o “ente enquanto ente”; ou melhor, um ente principal que
subordina os demais entes, ente que � o homem. O ser do ente, como denomina Tom�s de
Aquino (1225-1274 d.C), � a principal preocupa��o da Primeira Filosofia, este enquanto
objetividade e subjetividade. Assim, a metaf�sica � considerada como o estudo ou o
conhecimento da ess�ncia das coisas ou do ser real e verdadeiro das coisas, daquilo que elas
s�o em si mesmas, apesar das apar�ncias que possam ter e das mudan�as que possam sofrer.
Diferentemente da denomina��o de Andr�nico de Rodes, temos que,
No s�culo XVII, o fil�sofo alem�o Jacobus Thomasius considerou que a palavra correta para designar os estudos da metaf�sica ou Filosofia Primeira seria a palavra ontologia.A palavra ontologia � composta de duas outras: onto e logia. Onto deriva-se de dois substantivos gregos, ta onta (os bens e as coisas realmente possu�das por algu�m) e ta eonta (as coisas realmente existentes). Essas duas palavras,por sua vez, derivam-se do verbo ser, que, em grego, se diz einai. O partic�pio presente desse verbo se diz on (sendo, ente) e ontos (sendo, entes). Dessa maneira, as palavras onta e eonta (as coisas) e on (ente) levaram a um substantivo: to on, que significa o Ser. O Ser � o que � realmente e se op�e ao que parece ser, � apar�ncia. Assim, ontologia significa: estudo ou conhecimento do Ser, dos entes ou das coisas tais como s�o em si mesmas, real e verdadeiramente. (grifo da autora) (CHAU�, 2000, p. 266)
No mesmo sentido,
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H� uma ci�ncia que considera o ser enquanto ser, isto �, enquanto o consideramos como tendo uma natureza comum... que � inerente a todos e a cada um dos seres a sua maneira. Chama-se vulgarmente Metaf�sica, mas � melhor ser chamada de ontologia ou ci�ncia “cat�lica” e filosofia universal. (CLAUBERG apud LALANDE, 1999, p. 767)
Tanto Clauberg como Thomasius consideram que Arist�teles definira a Filosofia
Primeira como o estudo do ser das coisas, as ess�ncias, aquilo que h� de �ntimo, perene e
verdadeiro nos entes. �ntima porque pensada, penetrando pelas apar�ncias dos entes em busca
do entendimento acerca deste. Perene, porque as ideias em rela��o dos entes podem se tornar
pressupostos para o entendimento do mundo. Verdadeiras porque os pressupostos levantados
condizem, de certo modo, com a objetividade dos entes e podendo estes podem se tornar leis,
aumentando sua perenidade.
Busca-se aquilo que faz de um ente um ser. A ess�ncia de um ente ou ser do ente � o
pr�prio ser que deve atribu�-la, ou seja, o ser-do-homem. A ess�ncia dos entes � humana e,
como tal, ela pode ser verdadeira para os homens. Neste sentido, para ambos pensadores, a
Filosofia Primeira deveria ser designada como ontologia, pois esta considera os aspectos
l�gicos desenvolvidos por Arist�teles e n�o um aspecto cronol�gico de seus escritos quando
fora denominada por Andr�nico de Rodes como Metaf�sica.
Por outro lado, a palavra meta que comp�e a palavra metaf�sica quer dizer, como
supracitado, o que est� al�m de... , o que est� acima de... , o que vem depois, mas no sentido
de ser superior ou de ser a condi��o de alguma coisa. Assim, a palavra metaf�sica n�o
indicaria apenas o conjunto de escritos anteriores a F�sica de Arist�teles e sim o estudo de
alguma coisa que est� acima e al�m das coisas f�sicas, o que � fundamento da exist�ncia e do
conhecimento delas. Possivelmente, este seja um dos motivos que a palavra metaf�sica seja
mais utilizada que do que a palavra ontologia.
Deste modo, concordamos com Martins, para quem
Identificada como filosofia primeira ou Metaf�sica, pelo que se observa a ontologia tem in�cio em Parm�nides. Este pr�-socr�tico estabelece a necessidade de tomar as coisas em geral enquanto s�o, as coisas enquanto entes. E o ente n�o foi nem ser� sen�o o que �, ou seja, o seu ser. Identifica-se assim a ess�ncia de todos os entes: o seu ser. Perseguindo a supera��o socr�tica dos sofistas, temos Plat�o integrando ao discurso ontol�gico a quest�o da alteridade entre a IdÇia e o ente em geral, para nesse caso colocar-nos que a ess�ncia, o ser do ente, se encontra na Id�ia. Id�ia esta que � em verdade um ente metaf�sico, encerrando o ser das coisas em geral. Em Arist�teles, sem abandonar a posi��o plat�nica, temos uma altera��o capital, pois mais que ao perguntar pelo ente verdadeiro, derivado
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do predicado, somos remetidos a indagar-nos sobre o ente enquanto ente. Mais exatamente n�o mais indagar das propriedades que predicam o ser de determinado ente e, portanto, respondendo quem � este determinado ente, mas sim afirmar dos entes em geral independente de suas predica��o espec�fica, ou seja, dos entes enquanto entes. Arist�teles, com isso, estabelece a filosofia primeira, que posteriormente se designar� metaf�sica ou ontologia. Trata-se daquele saber que anteceder� os saberes espec�ficos. � nesse de tomarmos os entes enquanto entes, que encontraremos as formas de exist�ncia universais desses entes, no sentido de serem gÉneros supremos aos quais � poss�vel ao ser se predicar. S�o as categorias, e entre elas encontramos a subst�ncia, a quantidade, o lugar, o tempo etc. Do ponto de vista l�gico/gramatical s�o os g�neros supremos, e do ponto de vista ontol�gico s�o as formas elementares da exist�ncia. Respondem n�o o que os entes s�o, e sim indicam o estar e o ter enquanto condi��o do existir dos entes em geral. (MARTINS, 2007, p. 34) (grifo nosso)
Martins exp�e de maneira resumida algumas no��es da ontologia na Filosofia,
afirmando que para Plat�o ela ocorre a partir da alteridade entre a ideia e o ente, sendo a
primeira a ess�ncia do segundo, como uma esp�cie de ente metaf�sico. � a verdade acerca do
mundo que pode ser alcan�ada pelo conhecimento que est�, de certo modo, distante das
iner�ncias materiais que s�o uma c�pia deformada da al�theia. Quanto �s considera��es da
ontologia em Arist�teles, Martins afirma que ela pode ser definida a partir dos escritos da
Primeira Filosofia e que abordar os entes enquanto entes � para encontrar as formas de
exist�ncia universais desses entes, os g�neros supremos. Eis o que destacamos desta cita��o
de Martins, os g�neros supremos ou as categorias que, do ponto de vista ontol�gico, s�o as
formas elementares da exist�ncia, que indicam a condi��o de existir dos entes em geral.
Assim, o g�nero � formado por um conjunto de esp�cies semelhantes e as esp�cies, por um conjunto de indiv�duos semelhantes. Os indiv�duos ou subst�ncias primeiras s�o seres realmente existentes; os g�neros e as esp�cies ou subst�ncias segundas s�o universalidades que o pensamento conhece atrav�s dos indiv�duos. (CHAU�, 2000, p. 280)
A passagem do g�nero para as esp�cies e das esp�cies para os indiv�duos sugere uma
hierarquia categ�rica que designa as universalidades do g�nero e das esp�cies e a
singularidade dos indiv�duos, que s�o o que realmente existem, a partir dos indiv�duos que se
estabelecem as universalidades por meio de procedimentos do entendimento. Os g�neros
supremos ou as categorias assinalam para as formas elementares da exist�ncia dos entes em
geral.
Dentre os g�neros supremos aristot�licos destacamos: mat�ria, forma e pot�ncia. A
mat�ria � elemento do que os entes s�o “feitos”, do qual a forma � sua fei��o singular. A
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pot�ncia � o conte�do da mat�ria que pode se expressar na forma quando atualizada,
transformando-a por meio de alguma causa. A forma cont�m a ess�ncia que a determina num
certo momento e sua mudan�a causa a transforma��o. A “ess�ncia � a unidade interna e
indissol�vel entre uma mat�ria e uma forma, unidade que lhe d� um conjunto de propriedades
ou atributos que a fazem ser necessariamente aquilo que ela �”. (CHAU�, 2000, p. 279)
Leibniz (1646-1716), a partir de alguns pressupostos aristot�licos, entende que os
corpos s�o uma unidade m�ltipla, ou seja, uma s�ntese de v�rios elementos os quais
indicamos, denominamos e entendemos pelas categorias e conceitos. Esta s�ntese �
denominada de m�nada. As m�nadas s�o �tomos espirituais, s�o subst�ncias-for�a. S�o
eternas, in�meras e singulares que obedecem a uma hierarquia ascendente, das mais simples
at� Deus, a m�nada suprema. Todo corpo � uma m�nada. Todo homem � uma m�nada. Todo
corpo, toda mat�ria � composta por agregado de elementos simples que � identificado pelo
entendimento que o decomp�e; cada elemento simples quando identificado possui diferen�as
em si em rela��o aos demais na composi��o de uma mesma mat�ria. � este elemento simples
e sua combina��o espec�fica que qualifica os corpos e permite se perceber as diferen�as pela
rela��o com outros corpos.4
O corpo como o m�ltiplo expresso por uma unidade simples � para Leibniz um
perceber, um representar. Percebe-se o uno e representa-se o m�ltiplo pelo cometimento do
entendimento. Neste sentido, para entender a din�mica dos corpos devemos considerar que h�
algo al�m da extens�o dos corpos ou a res extensa cartesiana que, para Leibniz, o precede: a
for�a.
Nesse sentido, Leibniz distingue dois tipos de for�as: as passivas e as ativas. As for�as passivas representam a massa de um corpo e diz-se de sua resist�ncia a penetra��o e ao movimento. Das for�as ativas, Leibniz as define como a aut�ntica for�a, ou seja, aquela que tende a a��o. Para a for�a ativa ter�amos a possibilidade de identificar for�as derivativas ou for�as primitivas. As for�as primitivas existem em cada subst�ncia individual considerada em si mesma. J� as for�as derivativas, estas s�o as �nicas que representam comportamento f�sico, e s�o exercidas de diferentes maneiras, decorrente de uma limita��o da for�a primitiva frente ao conflito dos corpos entre si. (MARTINS, 1996, p. 121)
� por meio da for�a, categoria muito similar � pot�ncia de Arist�teles, que ocorrem as
transforma��es dos elementos simples e dos corpos. Quanto mais pr�xima � perfei��o, maior
ser� o exerc�cio da pot�ncia e da a��o de determinada subst�ncia em rela��o � outra; por outro
4 Cf. MARTINS, 1996, p. 114-115.
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lado, quanto menos perfeita, maior sua fraqueza e sua possibilidade de padecer. Este processo
atribui movimento �s subst�ncias simples e aos corpos. A transforma��o das subst�ncias e o
seu movimento t�m como fundamento a m�nada e sua respectiva for�a, que por sua vez,
remete a Deus sob o modo de uma m�nada suprema que pode influenciar as a��es das demais.
Trata-se de atributos estabelecidos a priori e de car�ter divino.
Podemos considerar as m�nadas como uma esp�cie de ess�ncia a priori que, de certo
modo, ir� definir a forma da mat�ria e a pot�ncia desta em sua rela��o com outras m�nadas.
Aparentemente Leibniz se det�m na singularidade dos entes e no seu modo de rela��o com
outros entes, pois a universalidade � tratada, logicamente, pela pr�pria concep��o de m�nada,
da sua for�a, o movimento e a correla��o entre elas. � pelo entendimento da din�mica entre as
m�nadas que h� o espa�o, para Leibniz.
O espa�o � entendido a partir da coexist�ncia dos corpos e a rela��o estabelecida entre
eles conforme o exerc�cio da respectiva for�a de cada um, numa tentativa de conjugar as
proposi��es da f�sica e da metaf�sica discutidas em sua �poca. Ou seja, � uma empresa
intelectual que parte da percep��o dos fen�menos em dire��o ao entendimento dos m�ltiplos
modos das rela��es que os constituem. Diferentemente da concep��o de espa�o absoluto
hegem�nica em sua �poca, em que todas as partes s�o iguais, a concep��o a partir das
m�nadas, que s�o espec�ficas, Leibniz prop�e um espa�o relacional, pois a intera��o das
for�as individuais entre as m�nadas define o modo de rela��o entre os corpos.
Neste ponto, entendemos que h� uma proximidade quanto �s concep��o da categoria
espa�o em Sartre e Husserl, mas ambos se afastam efetivamente de uma concep��o metaf�sica
de apelo divino. A rela��o entre as m�nadas, sua pot�ncia e a��o, estabelecida a priori em
Leibniz, poderia, por exemplo, ser relacionada aos objetos e suas intencionalidades fruto das
rela��es sociais como atributos a posteriori em Sartre, notadamente, em sua obra “O Ser e o
Nada”. N�o h� men��o das m�nadas nas obras de Sartre, mas as duas concep��es de espa�o
se aproximam muito quando entendemos a correla��o entre os corpos como um pressuposto
fundamental. Contudo, antes de abordarmos algumas proposi��es desenvolvidas por Husserl e
Sartre � necess�rio nos atentarmos para a mudan�a quanto � concep��o daquilo que se
entendia por metaf�sica.
A metaf�sica � questionada fortemente por David Hume (1711-1776) e pelos
denominados empiristas do s�culo XVI, quando contestam a liga��o entre f� e a raz�o, entre a
Religi�o e a Filosofia. Eles afirmam que as ideias se constituem por uma s�rie de associa��es
subjetivas derivadas das rela��es dos homens com o mundo, ou seja, das percep��es e n�o de
procedimentos destitu�dos de quaisquer rela��es com o mundo, pois um racioc�nio a priori
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n�o pode produzir qualquer entidade, uma vez que n�o h� nenhuma experi�ncia. O mundo
para os empiristas deve se conhecido por sua pr�pria realidade, em si. O sujeito que o
apreende deve apenas relat�-lo como ele �, pois ele se trata de uma realidade separada e
independente de n�s e como tal a ci�ncia necessariamente deve realizar este afastamento para
tentar explic�-lo.
Kant (1724-1804) refuta este princ�pio caracter�stico da abordagem empirista,
afirmando que
Se a intui��o tivesse de se guiar pela natureza dos objetos, n�o vejo como deles se poderia conhecer algo a priori. De outra maneira, se o objeto –enquanto objeto dos sentidos – se guiar pela natureza da nossa faculdade de intui��o, posso perfeitamente representar essa possibilidade. Entretanto, como n�o posso deter-me nessas intui��es, desde o momento em que devem tonar-se conhecimentos. Antes como � preciso que as reporte, como representa��es, a qualquer coisa que seja seu objeto e que por meio delas, terei de admitir que os conceitos, com a ajuda dos quais opero essa determina��o, se regulam tamb�m pelo objeto e incorro na mesma dificuldade acerca do modo pelo qual dele poderei saber algo antecipadamente, ou ent�o os objetos, o que � o mesmo, a experi�ncia pela qual nos s�o conhecidos – como objetos dados – regula-se por esses conceitos e assim vejo um modo mais simples de sair do embara�o. (KANT, 2005, p. 29-30)
J� no primeiro par�grafo Kant aponta a impossibilidade de quaisquer conhecimentos a
priori se nos deixarmos guiar pela natureza dos objetos e em seguida, com mais acuidade,
afirma que se nos restringirmos � natureza dos objetos, n�o h� possibilidade de conhecimento,
pois este s� � poss�vel por meio dos conceitos; ou seja, os conceitos instrumentalizam o
entendimento dos fen�menos, que � a realidade. O fen�meno � “a rela��o entre um sujeito e
um predicado” (KANT, 2005, p. 49).
Na tentativa de entender os procedimentos racionais leva Kant a considerar a raz�o
como elemento fundamental e o modo como ocorre o conhecimento � abordado pela
metaf�sica. A metaf�sica � “em verdade, outra coisa sen�o o invent�rio, uniformemente
organizado, de tudo o que possu�mos pela raz�o pura” (KANT, 2005, p. 21), ou seja, a
metaf�sica � o invent�rio dos conhecimentos que n�o t�m quaisquer rela��es com as
iner�ncias materiais mesmo que dela derivem, por isso puro. A realidade � o fen�meno, n�o �
a coisa em-si ou o ente em-si e tampouco a ess�ncia. � pelo fen�meno que Kant define os
ju�zos sint�ticos e anal�ticos, ou melhor, os ju�zos devem ser pensados tendo os fen�menos
como par�metro.
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Da forma como s�o, os ju�zos de experi�ncia s�o todos sint�ticos, j� que seria absurdo fundar com base na experi�ncia um ju�zo anal�tico, uma vez que n�o preciso sair do meu conceito para formular o ju�zo e, por conseguinte, n�o necessito da testemunha da experi�ncia. Que um corpo seja extenso � uma proposi��o que se verifica a priori e n�o um ju�zo da experi�ncia. Pois antes de passar para a experi�ncia j� possuo no conceito todas as condi��es para meu ju�zo. [...] Ao contr�rio, conquanto eu j� n�o inclu�a no conceito de um corpo em geral o predicado de peso, esse conceito indica, entretanto, um objeto da experi�ncia obtido mediante uma parte da mesma experi�ncia, � qual ainda posso acrescentar outras partes dessa mesma experi�ncia, diferentes das que pertencem ao conceito de objeto. (KANT, 2005, p. 50)
Os ju�zos sint�ticos s�o a priori e os anal�ticos a posteriori. O primeiro se trata de um
conceito que j� possuo em rela��o a determinado objeto e n�o preciso sair dele para formular
um ju�zo; o segundo se trata de ju�zos da experi�ncia, aos quais posso atribuir diferentes
qualidades. Contudo, as representa��es antecedem os ju�zos, as quais Kant denomina de
intui��es. Para esta discuss�o nos importa, especificamente, a intui��o a priori ou intui��o
pura, que determinar� o espa�o e o tempo. Quanto ao espa�o, Kant (2005, p. 68-69) afirma
que ele �
[...] uma representa��o a priori necess�ria, que fundamenta todas as intui��es externas. � imposs�vel haver uma representa��o sem haver espa�o, conquanto se possa perfeitamente pensar n�o haver objeto algum no espa�o. [...] O espa�o n�o � um conceito discursivo, ou como se diz, um conceito universal das rela��es das coisas em geral, mas uma intui��o pura. Em primeiro lugar, porque s� podemos a representa��o de um espa�o �nico e, quando falamos de v�rios espa�os, referimo-nos as partes de um s� e mesmo espa�o. As partes n�o podem anteceder o espa�o �nico, que abrange tudo, como se constitu�ssem seus elementos – que permitem sua composi��o. [...]Da� se conclui que, em rela��o ao espa�o, o fundamento de todos os seus conceitos � uma intui��o a priori – que n�o � emp�rica. (grifo nosso)
De uma s� vez Kant rebate a l�gica desenvolvida pelos empiristas e do espa�o
relacional ao modo desenvolvido por Leibniz, considerando o espa�o como uma intui��o a
priori e n�o emp�rico, o qual fundamenta todas as rela��es externas e como tal n�o pode ser
um conceito universal das rela��es das coisas em geral, ou seja, relacional. O espa�o � o
fundamento de todos os conceitos derivados das intui��es externas porque � uma intui��o a
priori. Ele � abordado como uma esp�cie de recept�culo, tanto que “� imposs�vel haver uma
representa��o sem haver espa�o, conquanto se possa perfeitamente pensar n�o haver objeto
algum no espa�o.” (KANT, 2005, p. 68)
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Mas o espa�o seria apenas a forma de toda a intui��o sens�vel externa (n�o se trata aqui de saber se esta conv�m em si ao objeto exterior que chamamos de mat�ria, ou se reside unicamente na constitui��o do nosso sentido). A mat�ria seria, em oposi��o a forma, o que �, na intui��o exterior, um objeto da sensa��o, por conseguinte, o especificamente emp�rico da intui��o sens�vel e externa. Porque n�o pode ser dado a priori. Em toda a experi�ncia, algo deve ser sentido e isso � o que h� de real na intui��o sens�vel; portanto, tamb�m o espa�o, em que devemos estabelecer a experi�ncia dos movimentos, deve ser suscept�vel de sensa��o, isto � ser designado pelo que pode sentir-se; e este, enquanto complexo de todos os objetos da experi�ncia e ele pr�prio um objeto da mesma, chama-se espa�o emp�rico. Mas, enquanto material, tamb�m � m�vel. Um espa�o m�vel, por�m, se � que seu movimento se deve percepcionar, sup�e, por seu turno, um outro espa�o material alargado, em que ele � m�vel, este (sup�e) um outro, e assim por diante at� o infinito. (KANT apud MARTINS, 1996, p. 26)
Kant atribui ao espa�o certo movimento quando considerado como emp�rico e m�vel,
assim como uma parte do espa�o sup�e outras partes maiores ou mais “alargadas” e assim
infinitamente. Prosseguindo, ele afirma que
A mat�ria � o que � im�vel no espa�o. O espa�o, que � tamb�m m�vel, chama-se espa�o material, ou ainda o espa�o relativo; aquele em que, por fim, se deve pensar todo o movimento (por conseguinte, ele � em si absolutamente im�vel) chama-se o espa�o puro ou tamb�m absoluto. (KANT apud MARTINS, 2003, p. 56)
O espa�o emp�rico e m�vel � denominado por Kant como relativo e aqueles espa�os
“alargados”, no limite, � im�vel e puro, o qual ele denomina de absoluto. O espa�o absoluto �
a priori e o relativo a posteriori. Considera-se que a diferen�a entre a rela��o entre os
diversos espa�os relativos que pressup�em, no limite, um espa�o absoluto, � incognosc�vel.
O movimento para estes espa�os relativos � atribu�do por Kant � categoria tempo.
Aqui somente acrescento que os conceitos de mudan�a e de movimento –como mudan�a de lugar –, s� s�o poss�veis por e na representa��o do tempo, e que se essa representa��o n�o fosse uma intui��o – interna – a priori, n�o haveria a possibilidade de uma mudan�a, quer dizer, a possibilidade de uni�o de predicados opostos contraditoriamente em um s� e mesmo objeto – por exemplo, que uma mesma coisa esteja e n�o esteja em um lugar. Somente no tempo podem encontrar-se essas duas determina��es contraditoriamente opostas em uma mesma coisa, quer dizer, s� na sucess�o. Explica, pois, nosso conceito de tempo, a possibilidade de tantos conhecimentos sint�ticos a priori, como exp�e a ci�ncia geral do movimento, que n�o � pouco fecunda. (KANT, 2005, p. 74)
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� pelo tempo enquanto uma intui��o a priori interna acerca da sucess�o, das
mudan�as e do movimento que se percebe as diferen�as existentes para um mesmo objeto em
certo lugar em per�odos diferentes. O tempo se trata de uma intui��o a priori interna que
possibilita o desenvolvimento dos conceitos de mudan�a, movimento e sucess�o. A mudan�a
e o movimento possibilitam a rela��o entre dois ou mais predicados contradit�rios para um
mesmo objeto, por exemplo, ora um mesmo objeto estava num lugar e ora n�o. Ela n�o � uma
intui��o externa como o espa�o porque o seu fundamento est� no ser que percebe a sucess�o.
As categorias tempo e espa�o s�o correlacionadas por Kant levando em conta dois
conceitos, o de sucess�o e o de simultaneidade.
[...] o tempo n�o � mais que uma dimens�o; os diferentes tempos n�o s�o simult�neos, mas sucessivos – enquanto que espa�os diferentes n�o s�o sucessivos, mas sim simult�neos. Estes princ�pios n�o s�o deduzidos da experi�ncia, porque esta n�o pode dar uma estrita universalidade nem uma certeza apod�tica. (grifo nosso) (KANT, 2005, p. 73)
A simultaneidade do espa�o pressup�e a sua relatividade como uno-m�ltiplo. Uno
porque absoluto e m�ltiplo porque relativo. Simult�neo porque o espa�o absoluto, como �
uma intui��o a priori externa, s� pode ser sob a forma de recept�culo que cont�m outros
espa�os relativos a este. Portanto, ele n�o pode ser sucessivo porque esta � uma atribui��o do
tempo. O tempo � sucessivo porque possibilita a representa��o de diferentes espa�os. As
representa��es do tempo s�o realizadas pelos sujeitos, como uma intui��o a priori, por isso
interna e n�o simult�nea, pois ele – o tempo – � considerado uma representa��o do sujeito da
rela��o de determinado fen�meno. Um sujeito n�o pode identificar tempos simult�neos, pois
isso incorreria que um mesmo sujeito esteja ao mesmo tempo em lugares diferentes para
apreend�-lo.
Encerrando esta breve digress�o sobre algumas proposituras desenvolvidas por Kant,
entendemos que a solu��o encontrada por ele para se livrar dos constrangimentos causados
pelas teorias empiristas, da metaf�sica cl�ssica e do racionalismo de Leibniz foi abordar o
entendimento pela L�gica geral – que se ocupa das formas do pensamento, por isso, � a priori
– e a L�gica transcendental – ocupa-se das intui��es emp�ricas, ou seja, dos fen�menos,
percep��es e representa��es a posteriori. Conquanto, � necess�rio ultrapassar a L�gica geral,
pois ela n�o nos acrescenta nenhum conhecimento. Afinal, para Kant (2005, p. 44):
Por�m, se todo o conhecimento se principia com a experi�ncia, isso n�o prova que todo ele derive da experi�ncia. Nosso pr�prio conhecimento experimental bem poderia ser um composto do que recebemos por meio das
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impress�es sens�veis e daquilo que a nossa pr�pria capacidade de conhecer –apenas acionada por impress�es pr�pria capacidade de conhecer – produz por si mesma, acr�scimo esse que n�o distingue dessa mat�ria-prima, enquanto nossa aten��o n�o despertar por um longo exerc�cio que nos capacite a separ�-los.
A separa��o necess�ria frisada por Kant para os conhecimentos que se principiam pela
experi�ncia s�o os denominados conhecimentos puros, dos quais se ocupa a L�gica geral.
Conquanto, se todo conhecimento se principia pela experi�ncia � necess�ria uma l�gica que
d� conta de explic�-los. Eis que a L�gica transcendental se ocupar� das representa��es e das
intui��es e as categorias em Kant emergem como conceitos puros que n�s impomos para o
entendimento da realidade.
Desse modo, Kant incorre na separa��o entre o dom�nio do ser e o dom�nio do pensar,
fato que se torna ainda mais claro quando analisamos sua abordagem para as categorias de
espa�o e de tempo. A primeira categoria se trata de uma intui��o a priori externa e a segunda
de uma intui��o a priori interna. O espa�o emp�rico s�o aqueles relativos, pois o espa�o
absoluto � incognosc�vel. O tempo, por ser uma intui��o a priori interna, n�o pode ser
emp�rico e como tal � incognosc�vel. O tempo � uma esp�cie de representa��o do movimento
para um espa�o relativo. A mudan�a da configura��o espacial para certo lugar � o que permite
representar o tempo. O que media a rela��o para ambas as intui��es � o fen�meno.
O conceito de fen�meno � central para a supera��o da L�gica transcendental em
dire��o � L�gica geral em Kant, pois � por meio dele que os conhecimentos que se principiam
pela experi�ncia podem se separar dela e se tornarem puros pelo pensamento. O conceito de
fen�meno � uma esp�cie de elemento mediador entre o dom�nio do ser e o dom�nio do pensar.
Questionar o conceito de fen�meno em Kant � questionar a pr�pria L�gica transcendental e,
por conseq��ncia, a L�gica geral, que � subordinada � primeira. Eis ao que se prop�e Hegel
(1770-1831).
1.2. Teoria do conhecimento e as ontologias em Hegel
[...] O supra-sens�vel �, pois, o fen�meno como fen�meno. Nesse caso, pensar que o supra-sens�vel � por isso o mundo sens�vel, ou o mundo como � para a certeza sens�vel imediata e para a percep��o, � entender distorcido: porque o fen�meno n�o � de fato o mundo do saber sens�vel e do perceber como essente, mas este mundo como suprassumido ou posto em verdade como interior. Costuma-se dizer que o supra-sens�vel n�o � o fen�meno; mas, com isto, n�o se entende por fen�meno o fen�meno e sim o mundo sens�vel como a pr�pria efetividade real. (HEGEL, 2005. p. 118)
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Por essa assertiva Hegel afirma que o fen�meno � o supra-sens�vel e n�o o mundo
sens�vel como � para a percep��o, ou seja, o fen�meno � o mundo sens�vel suprassumido. A
suprassun��o em Hegel � a subjetiva��o de certa objetividade. Entendemos que ele rebate a
concep��o empirista da realidade em-si quando afirma que o fen�meno � o supra-sens�vel,
uma das ideias centrais que ele desenvolveu em sua “Fenomenologia do esp�rito”5. O
fen�meno, em Hegel, tamb�m n�o se trata de uma esp�cie de elemento mediador entre o
sujeito e o predicado como em Kant ele �, sim, o supra-sens�vel. Conquanto, atentemo-nos ao
processo que Hegel considera precedente ao fen�meno.
[...] Uma vez que foi enunciada a igualdade da forma com a ess�ncia, por isso mesmo � um engano acreditar que o conhecimento pode se contentar com o Em-si ou a ess�ncia, e dispensar a forma – como se o princ�pio absoluto da intui��o absoluta pudesse tornar sup�rfluos a atualiza��o progressiva da ess�ncia e o desenvolvimento da forma. Justamente por ser a forma t�o essencial � ess�ncia quanto essa � essencial a si mesma, n�o se pode apreender e exprimir a ess�ncia com ess�ncia apenas, isto �, como intui��o imediata ou pura auto-intui��o do divino. Deve-se exprimir igualmente como forma e em toda riqueza da forma desenvolvida, pois s� assim a ess�ncia � captada e expressa como algo efetivo. (HEGEL, 2005, p. 35)
Hegel considera que n�o se pode apreender e exprimir a ess�ncia por si mesma e
tampouco a forma por si mesma, pois a rela��o entre a forma e a ess�ncia � um processo
sempre renovado. Este processo � o que d� origem ao fen�meno em Hegel. A ess�ncia
necessita de uma atualiza��o progressiva pela forma e esta pela ess�ncia. Este processo
fundamental de renova��o progressiva ao entender de Hegel � negligenciado por Kant,
precisamente, quanto ele trata da apreens�o da ess�ncia como ess�ncia, ou seja, como auto-
intui��o do divino, que s�o as intui��es a priori em Kant: intui��es como as de tempo e
espa�o que precedem qualquer conhecimento acerca do mundo.
Deste modo, Hegel empreende uma tentaiva de supera��o do criticismo kantiano por
meio da investiga��o do conhecimento que n�o se submete a um conjunto de procedimentos
que certifique o pr�prio conhecimento antes mesmo de conhecer.
Para Hegel, as restri��es kantianas nos afastariam do conhecimento especulativo, nos aproximando do senso comum. Hegel pretende continuar o projeto cr�tico dando, por�m uma solu��o para a incognoscibilidade da coisa-em-si em contraposi��o do fen�meno. [...] Para isto, era preciso uma maneira de unificar a l�gica – as categorias do pensamento subjetivo – com a
5 A partir deste ponto, referir-nos-emos � obra “Fenomenologia do esp�rito” de Hegel somente como “Fenomenologia”.
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ontologia, as categorias do ser. O estudo do ser n�o � separado do pensamento. O ser � constitu�do como pensamento e o pensamento revela o ser. [...] Isso s� foi poss�vel porque, como dissemos, a filosofia de Hegel tem esta tonalidade fortemente sentido racional, expressa na not�ria f�rmula “o real � racional, o racional � real”. O ponto de partida de Hegel � o absoluto, e este � identificado com a raz�o. Para Hegel a pergunta metaf�sica: que � o que existe? A resposta de Hegel �: existe a raz�o. Tudo o mais s�o fen�menos da raz�o, manifesta��es da raz�o. (DUCL�S, 2011)
Para Hegel n�o h� intui��es a priori e, tampouco, conhecimentos puros e sim h� a
empresa para a exposi��o e para o entendimento do pr�prio processo de conhecer. Ele busca
superar a dicotomia expressa pela dissocia��o da L�gica transcendental e da L�gica geral de
Kant pelo desenvolvimento de uma l�gica que congregue, ao mesmo tempo, o dom�nio do ser
e do pensar. Essa supera��o nada mais � do que levar a cabo o processo de contradi��o entre a
ess�ncia e a forma. A solu��o encontrada por Hegel para realizar esta empresa � considerando
o real como racional e o racional como real. Por este princ�pio a dissocia��o se torna
imposs�vel, j� que a pr�pria raz�o � o real.
O processo de imbrica��o entre ess�ncia e forma � um dos elementos que exp�e o
desenvolvimento da l�gica de Hegel para superar o sistema kantiano e indicar os fins de sua
“Fenomenologia”, que � a raz�o e o esp�rito absoluto. Considerando a dial�tica ou a
contradi��o, Hegel n�o s� atribui movimento ao pensamento como tamb�m questiona o
conceito de fen�meno do modo abordado por Kant.
Assim, da representa��o da invers�o que constitui a ess�ncia de um dos lados do mundo supra-sens�vel, deve-se manter longe da representa��o sens�vel da consolida��o das diferen�as num distinto elemento do subsistir: [deve-se] representar e apreender em sua pureza esse conceito absoluto da diferen�a como diferen�a interior – o repelir-se fora de si mesmo do hom�nimo como hom�nimo, e ser-igual do desigual enquanto desigual. H� de pensar a mudan�a pura, ou a oposi��o em si mesma: a contradi��o. [...] Assim o mundo supra-sens�vel, que � o mundo invertido, tem, ao mesmo tempo, o outro mundo ultrapassado, e dentro de si mesmo: � para si o invertido, isto �, � o invertido de si mesmo; � ele mesmo e seu oposto numa unidade. S� assim ele � a diferen�a como interior, ou como diferen�a em si mesmo, ou como infinitude. (HEGEL, 2005, p. 128)
Hegel destaca que n�o se deve pensar o hom�nimo como hom�nimo para a
representa��o do mundo sens�vel e este propriamente dito. � necess�rio tratar o mundo
sens�vel como invertido em rela��o ao representado, mas ambos s�o uma e s� unidade. A
diferen�a reside que um � interiorizado e o outro � interior. Hegel denomina esta “oposi��o”
de contradi��o. Por isso, ess�ncia e forma s�o contraditoriamente dependentes, pois para que
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haja a forma de determinado ente � necess�rio haver outro ente que a determine enquanto
essente. Determinar a forma � suprassumi-la e estabelec�-la como um mundo invertido
perante a representa��o que dela tenho. Esta representa��o � a ess�ncia da forma.
O primeiro modo de contradi��o ocorre pela rela��o da consci�ncia para certa
exterioridade imediata. Esta � a dita rela��o do ser para o ente, pois para que haja o ente �
necess�rio um ser que, enquanto ser, seja tamb�m um ente que o negue. O segundo modo de
contradi��o � quando a forma do ente � suprassumida e como mundo invertido ela �
confrontada com a sua representa��o, a ess�ncia. Neste momento se constitui a consci�ncia-
de-si.
O ser ‘visado’ [da certeza sens�vel], a singularidade e a universalidade – a ela oposta – da percep��o, assim como o interior vazio do entendimento, j� n�o s�o como ess�ncias, mas como momentos da consci�ncia-de-si; quer dizer, como abstra��es ou diferen�as que ao mesmo tempo para consci�ncia s�o nulas ou n�o s�o diferen�as nenhumas, mas, ess�ncias puramente evanescentes. Mas de fato, por�m, a consci�ncia-de-si � a reflex�o, a partir do ser do mundo sens�vel e percebido; � essencialmente o retorno a partir do ser-Outro. Como a consci�ncia-de-si � movimento; mas quando diferencia de si apenas a si mesma, entoa para ela a diferen�a � imediatamente suprassumida, como um ser-outro. [...] Para a consci�ncia-de-si, portanto, o ser-Outro � como um ser, ou como um momento diferente, mas para ela � tamb�m a unidade de si mesma com essa diferen�a, como segundo momento diferente. [...] A consci�ncia tem de agora em diante, como conci�ncia-de-si, um duplo objeto: um, imediato, objeto da certeza sens�vel e da percep��o, o qual por�m � marcado para ela com um sinal de negativo; o segundo objeto � justamente ela mesma, que � a ess�ncia verdadeira e que de in�cio s� est� presente em oposi��o ao primeiro objeto. A consci�ncia-de-si se apresenta aqui como o movimento no qual essa oposi��o � suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem-a-ser para ela. [...] A consci�ncia-de-si que pura e simplesmente � para si, e marca imediatamente seu objeto com car�ter do negativo; ou que � de in�cio, desejo – vai fazer pois a experi�ncia da independ�ncia desse objeto. (grifo nosso) (HEGEL, 2005, p. 136-137)
Hegel atribui movimento � raz�o pelas contradi��es que levam � constitui��o da
consci�ncia-de-si e quando, a partir desta, h� a atualiza��o progressiva da ess�ncia pela forma
como diferen�a, sendo ela suprassumida como um ser-outro. Para a consci�ncia-de-si o ser-
outro � id�ntico e diferente de si mesma do qual ela identifica apenas as diferen�as como
momentos distintos. A partir deste ponto Hegel afirma que a consci�ncia-de-si possui um
duplo objeto: o primeiro se trata da forma imediata, de um objeto que para ela tem um sinal de
negativo; o segundo � a representa��o desta forma, a ess�ncia que para ela � o verdadeiro e
que est� em oposi��o ao objeto primeiro. Ao final dessa assertiva Hegel menciona que a
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consci�ncia-de-si se volta para si como um modo de buscar a independ�ncia desse objeto para
se constituir como raz�o.
Em contraponto, se na metaf�sica de Kant a raz�o deve ser pura, destitu�da de
quaisquer vest�gios das experi�ncias, uma esp�cie de mimese, sem atualiza��es progressivas,
por isso inerte, est�tica em que o conceito reverbera o pr�prio conceito que indica ao longe
certa experi�ncia, para Hegel a raz�o � uma pot�ncia din�mica cheia de possibilidades e n�o �,
portanto, est�tica. A raz�o � movimento porque o real � a raz�o. Essas diferen�as levam Hegel
a questionar fortemente a concep��o de intui��o a priori em Kant, pois n�o h� na realidade
algo que n�o tenha uma justifica��o racional.
Quando afirmamos que Hegel questiona a concep��o de intui��o a priori desenvolvida
por Kant � necess�rio nos atentarmos que isso leva � contesta��o da categoria espa�o e tempo.
Mas, qual � a proposi��o de Hegel para estas categorias?
Um dos princ�pios da filosofia de Hegel � demonstrar logicamente que o presente � o
reino da raz�o. O presente � um fundamento ontol�gico genu�no como uma esp�cie de ponte
entre o passado e futuro. O presente � fundamento ontol�gico porque, a princ�pio, para que o
ser consciente e o mundo se efetivem enquanto tal � necess�rio uma nega��o fundamental ao
modo do hic et nunc. “Tomado etimologicamente, o ser-a� � o ser em certo lugar; mas a
representa��o espacial n�o tem absolutamente nada a fazer aqui.” (HEGEL apud LUK�CS,
1979, p. 43). O Dasein � uma necessidade do ser, ou seja, ele � estando. � necess�rio estar em
certo lugar para ser.
O tempo � poss�vel porque o Dasein identifica e qualifica as formas e as ess�ncias
tamb�m por suas diferen�as na rela��o com a exterioridade imediata, que atualiza a
consci�ncia-de-si para que esta se constitua como raz�o. O passado � a forma suprassumida e
identificada no pensamento presente como essencialmente diferente. O futuro � a teleologia
como uma forma de manifesta��o do trabalho, mas ela � considerada como uma forma de
falta objetiva perante uma completude subjetiva que o ser poder� perseguir.
A teleologia em Hegel se trata de um elemento do sistema l�gico para o processo de
nega��o fundamental e n�o como no sentido que � atribu�do por Marx para o entendimento
dos modos de subjetiva��o de certa objetividade e objetiva��o de certa subjetividade que
perpassa o modo de produ��o hegem�nico e pode direcionar as rela��es sociais. A teleologia
em Hegel �, no limite, a identifica��o de certa insufici�ncia da essencialidade do passado que
busca pelo exerc�cio no presente se completar no futuro enquanto ideia. � a consci�ncia-de-si
se identificando como insuficiente e que procura a sua satisfa��o no reconhecimento da
pr�pria insufici�ncia.
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As categorias de espa�o e de tempo s�o abordadas lateralmente por Hegel, podemos
considerar que elas est�o impl�citas ao desenvolvimento de sua l�gica. Contudo, tentamos ao
menos expor o fundamento de ambas para podermos destacar algumas diferen�as destas com
aquelas concep��es desenvolvidas por Kant. Entendemos que o tempo e o espa�o em Hegel
jamais seriam intui��es a priori que assinalam para a extens�o e a sucess�o, como uma
esp�cie de litura do pensamento. Estas categorias seriam derivadas do processo de nega��o
fundamental do Dasein em situa��o, que identifica e qualifica as insufici�ncias como
consci�ncia-de-si.
Este conjunto de contradi��es do sistema hegeliano que parte da consci�ncia para
exterioridade e a constitui��o da consci�ncia-de-si, assim como as contradi��es entre as
diferentes representa��es da consci�ncia, � denominado por Luk�cs como primeira ontologia:
Na Fenomenologia, Hegel exp�e o processo atrav�s do qual a consci�ncia do homem surge da intera��o entre suas aptid�es internas e o mundo ambiente, o qual foi em parte gerado por sua pr�pria atividade, em parte dado por natureza; al�m disso, exp�e como a consci�ncia – ap�s inter-rela��es an�logas, mas do tipo mais elevado – se desenvolve at� chegar �autoconsci�ncia; e mostra tamb�m como, desse desenvolvimento do homem, deriva o esp�rito enquanto princ�pio determinante do car�ter essencial do g�nero humano. Como esp�rito – e, portanto, tamb�m um caminho que conduz ele, com os princ�pios dial�ticos que o constituem – surgem as outras contradi��es, involunt�rias, dessa linha ontol�gica de Hegel: as contradi��es internas � pr�pria concep��o do esp�rito. (LUK�CS, 1979, p. 31)
A segunda ontologia de Hegel para Luk�cs pode ser encontrada em obras posteriores a
Fenomenologia, destacadamente na Filosofia do Direito, em que:
[...] a figura do esp�rito assume por vezes – ou melhor, freq�entemente –uma forma fetichizada e enrijecida; isso ocorre quando ele � despojado dos v�nculos din�micos, decisivos no plano da g�nese concreta, com as atividades dos indiv�duos, adquirindo em conseq��ncia uma autoconsci�ncia em termos de puro ser-para-si, com o que os componentes peculiares da constru��o (sobretudo a sociedade civil) aparecem completamente cancelados nas universalidades do esp�rito, na qual a dial�tica conceptual das formas do esp�rito que se apoia apenas em si mesmo substitui a dial�tica real do hist�rico-social. Se agora perguntarmos como surgiu esse enrijecimento e invers�o da dial�tica hist�rica de Hegel, chegamos a aquele conjunto de problemas de sua segunda ontologia. (LUK�CS, 1979, p. 33-34)
As contradi��es fundamentais da consci�ncia para a exterioridade imediata �
constitui��o da consci�ncia-de-si e as contradi��es engendradas no �mbito do pensamento
entre os diferentes momentos da forma e da ess�ncia indicam a raz�o como objeto da filosofia
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hegeliana. Aqui ela se constitui como raz�o absoluta que se efetiva por meio das suas
estruturas e contradi��es internas: a isso, Hegel denomina l�gica. Pela l�gica, ele exp�e que a
raz�o, ao desenvolver-se explicitando ela mesma, vai constituindo raz�es por meio de teses,
ant�teses e, no limite, criam-se teses superiores que ser�o o seu pr�prio fen�meno.
A raz�o em Hegel debru�a sobre ela mesma e constitui o esp�rito, o qual Luk�cs critica
por perder os v�nculos din�micos do �mbito da g�nese concreta e quando se verte como puro
ser-para-si, no qual as contradi��es conceituais do esp�rito passam a substituir as contradi��es
das din�micas hist�rico-sociais. Apesar da cr�tica de Luk�cs ao sistema l�gico de Hegel,
notadamente para a sua segunda ontologia, ele admite que as proposituras de Hegel s�o um
marco na Filosofia, principalmente, quando consideramos as proposituras de seus
antecessores para o entendimento da realidade. Em linhas gerais, concordamos com Luk�cs
(1979, p. 52) quando ele afirma que:
Hegel se distingue dos seus predecessores e, mais ainda, dos defensores contempor�neos de um sistema logicista universal precisamente porque nele a l�gica – apesar do predom�nio que obt�m na determina��o do sistema –n�o constitui o ponto de partida prim�rio; e isso porque Hegel n�o tem a m�nima inten��o de chegar ao seu sistema universalista apenas desenvolvendo e aperfei�oando a l�gica, a matem�tica, etc., existentes; aocontr�rio, pretende criar – partindo de considera��es e pontos de vista ontol�gicos – uma l�gica radicalmente nova, a l�gica dial�tica, para desse modo alcan�ar um sistema l�gico do ser e do devir no terreno global do ser em-si. O sujeito-objeto id�ntico, a transforma��o da subst�ncia em sujeito, s�o ve�culos dessa passagem da totalidade do ontol�gico em um sistema l�gico.
Segundo Luk�cs, Hegel n�o parte da l�gica para chegar � explica��o de uma ontologia
e sim parte da ontologia utilizando a l�gica dial�tica para desenvolver um sistema l�gico do
ser em dire��o � raz�o absoluta. A denominada primeira ontologia de Hegel � a passagem da
totalidade ontol�gica para o sistema l�gico que ele desenvolver� com mais rigor ap�s sua
Fenomenologia, na sua segunda ontologia. Hegel “quer demonstrar filosoficamente que o
pr�prio presente � um reino da raz�o, com que a contradi��o termina por se elevar a categoria
ontol�gica e l�gico-gnosiol�gica central.” (LUK�CS, 1979, p. 10)
A metaf�sica desenvolvida at� Kant atribui como sua incumb�ncia que a raz�o poderia
conhecer as coisas como elas realmente s�o em si mesmas. Ele nega esta empresa e passa a
considerar a metaf�sica sob um novo prisma, em que s� conhecemos as coisas tais como elas
s�o organizadas pela raz�o sem saber ao certo elas correspondem ou n�o ao modo de
organiza��o da realidade em si mesma. Neste ponto a metaf�sica passa, cada vez mais, a se
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tornar o que se denomina teoria do conhecimento ou uma teoria acerca da capacidade e
possibilidade humana de conhecer e de julgar – moral.
N�o poder�amos dizer que Hegel esteja fora desse contexto em que a metaf�sica ou a
ontologia � entendida como teoria do conhecimento, pois, pela pr�pria exposi��o de algumas
de suas proposituras, notamos que a sua principal preocupa��o � entender o processo
gnosiol�gico, ou melhor, como o homem determina o que � o mundo, ao mesmo tempo se
determinando enquanto consci�ncia-de-si em dire��o a pens�-lo por uma raz�o absoluta. Sem
d�vida que a l�gica que Hegel desenvolve � diferente daquela de Kant, mas tamb�m n�o h�
d�vida que ambos n�o buscam entender a realidade em si mesma e sim como a raz�o pode
possibilitar este entendimento.
1.3. A fenomenologia no debate ontolÑgico
Diante desse quadro em que a metaf�sica � entendida, cada vez mais, como
gnosiologia ou teoria do conhecimento como uma das bases para a discuss�o ontol�gica, se
consolidando como um dos principais objetos de estudo da Filosofia, � proposta uma
separa��o a partir da filosofia de Augusto Comte (1798-1857).
Desde meados do s�culo XIX, como conseq��ncia da filosofia de AugustoComte – chamada de positivismo –, foi feita uma separa��o entre Filosofia eci�ncias positivas (matem�tica, f�sica, qu�mica, biologia, astronomia, sociologia). As ci�ncias, dizia Comte, estudam a realidade natural, social, psicol�gica e moral e s�o propriamente o conhecimento. Para ele, a Filosofia seria apenas uma reflex�o sobre o significado do trabalho cient�fico, isto �, uma an�lise e uma interpreta��o dos procedimentos ou das metodologias usadas pelas ci�ncias e uma avalia��o dos resultados cient�ficos. A Filosofia tornou-se, assim, uma teoria das ci�ncias ou epistemologia (episteme, em grego, quer dizer ci�ncia). (CHAU�, 2000, p. 65)
A separa��o entre Filosofia e ci�ncias positivas, empreendida a partir da filosofia de
Augusto Comte, de modo algum reduz a Filosofia � epistemologia e tampouco encerra o
debate ontol�gico. Mesmo que umas das consequ�ncias desta separa��o seja a emerg�ncia de
muitos dos estudos fil�sofos mais espec�ficos, destacamos ao menos duas correntes que
contrap�em esta cis�o: a corrente filos�fica que foi denominada de Filosofia anal�tica, cujo
precursor � o fil�sofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951), que se dedicava ao entendimento
quanto �s estruturas da consci�ncia e seu modo de express�o, a linguagem; outra corrente
filos�fica, denominada de Fenomenologia, iniciada pelo fil�sofo Edmund Husserl (1859-
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1938), propunha entender a estrutura��o da consci�ncia reflexiva ou o sujeito do
conhecimento. 6
Entre essas possibilidades, para dar prosseguimento �s discuss�es da ontologia em
Filosofia, optamos pela corrente que se prop�e a entender o sujeito do conhecimento, ou seja,
aquela iniciada por Husserl. N�o poderia ser diferente, pois de Leibniz a Hegel buscamos
expor como as discuss�es metaf�sicas se aproximam da teoria do conhecimento e da
ontologia. Agora nossa pretens�o � expor, de modo geral, como a ontologia ganha novos
contornos por meio de algumas proposi��es desenvolvidas por Husserl, para que ent�o
possamos nos remeter a algumas proposituras desenvolvidas por Heidegger e Sartre.
Husserl considera a Filosofia como a ci�ncia das ess�ncias e a ontologia �, por ele,
dividida e denominada de ontologia formal e de ontologia material. A primeira se ocupa do
estudo das ess�ncias que conv�m a todas as ess�ncias; a segunda, das ess�ncias materiais e �
subdividida em ontologias regionais.
A ontologia formal tem notoriedade no sistema desenvolvido por Husserl, que
pretendia evitar que a verdade filos�fica fosse provis�ria como as verdades cient�ficas, pois
estas tendem a se debru�ar sobre o entendimento de uma realidade cambiante. Como as
ci�ncias pretender explicar os fatos observ�veis, muitas vezes, n�o p�e em quest�o seus
fundamentos, ent�o, estes cabem � Filosofia.
A solu��o encontrada por Husserl � que a Filosofia deve estudar as coisas como um
modo de representa��o da experi�ncia da consci�ncia, em suas ess�ncias, livre das teorias e
proposi��es caracter�sticas das ci�ncias e das constantes transforma��es do mundo emp�rico.
Isso n�o significa que negligencie a experi�ncia do mundo emp�rico e sim que este � apenas
um momento dentro de uma concatena��o l�gica para identificar a verdadeira ess�ncia dos
fen�menos. Ele almeja, de certo modo, restaurar a “L�gica pura” desenvolvida por Kant no
intuito de atribuir certo rigor � Filosofia.
Toda a filosofia husserliana resume-se, em grandes linhas, como filosofia transcendental enquanto an�lise da constitui��o da subjetividade transcendental. Seu princ�pio metodol�gico � a tentativa de descrever a vida da consci�ncia como se apresenta � reflex�o. Pretende purificar a filosofia transcendental iniciada por Kant, distinguindo seu trabalho atrav�s da ela-bora��o do m�todo e constru��o sistem�tica. (ZILLES, 2007, p. 218)
6 A Filosofia atualmente n�o se restringe a estudos acerca da teoria do conhecimento, epistemologia e moral. H�, tamb�m, a Hist�ria da Filosofia, Filosofia da hist�ria, Filosofia da pol�tica e uma corrente que vem ganhando relev�ncia, o p�s-modernismo. Destacadamente a Filosofia da hist�ria e Filosofia da pol�tica ganham relev�ncia no per�odo p�s Segunda Guerra em meio �s discuss�es ideol�gicas e os regimes autorit�rios. O p�s-modernismo � uma corrente mais recente, podendo se considerar que o seu principal alvo � realizar a cr�tica acerca dos conceitos e valores que sustentaram a Filosofia e o pensamento ocidental.
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“Descrever a vida da consci�ncia como se apresenta a reflex�o” indica o estudo das
viv�ncias cotidianas e os estados da consci�ncia, n�o para os objetos emp�ricos e sim para os
“objetos” ideais, do fen�meno que � estar consciente de algo. O que interessa para Husserl � o
modo como ocorre conhecimento pelos homens no mundo. Quanto � sua aproxima��o com as
discuss�es desenvolvidas por Kant, Chau� (2000, p. 102) afirma que:
[...] a fenomenologia considera a raz�o uma estrutura da consci�ncia (como Kant), mas cujos conte�dos s�o produzidos por ela mesma, independentemente da experi�ncia (diferentemente do que dissera Kant).O que chamamos de “mundo” ou “realidade”, diz Husserl, n�o � um conjunto ou um sistema de coisas e pessoas, animais e vegetais. O mundo ou a realidade � um conjunto de significa��es ou de sentidos que s�o produzidos pela consci�ncia ou pela raz�o. A raz�o � “doadora do sentido” e ela “constitui a realidade” enquanto sistemas de significa��es que dependem da estrutura da pr�pria consci�ncia.[...] A raz�o � raz�o subjetiva que cria o mundo como racionalidade objetiva. Isto �, o mundo tem sentido objetivo porque a raz�o lhe d� sentido.
Por um lado, Husserl considera a raz�o como uma estrutura da consci�ncia como
fizera Kant; por outro, difere dele ao considerar que a consci�ncia produz seus pr�prios
conte�dos de modo independente das experi�ncias. Mesmo que a consci�ncia para ambos seja
o sujeito do conhecimento como estrutura e atividade universal e necess�ria do saber, Husserl
difere de Kant quando considera a estrutura da consci�ncia como intencional. Pela
intencionalidade o ser atribui significa��es e sentido ao mundo, o constituindo como um
conjunto de significa��es que dependem da pr�pria estrutura da consci�ncia. � a raz�o que
cria o mundo e lhe atribui seu sentido objetivo. Por este princ�pio, o ser tem condi��o de
estabelecer uma rela��o com o mundo enquanto fen�meno.
O fen�meno em Husserl � considerado de forma diferente ao proposto por Kant e
Hegel.
Fen�meno n�o s�o apenas as coisas materiais que percebemos, imaginamos ou lembramos cotidianamente, porque s�o parte de nossa vida. Tamb�m n�o s�o, como supunha Kant, apenas as coisas naturais, estudadas pelas ci�ncias da Natureza (f�sica, qu�mica, biologia, astronomia, geologia, etc.). Fen�meno s�o tamb�m coisas puramente ideais ou idealidades, isto �, coisas que existem apenas no pensamento, como os entes estudados pela matem�tica (figuras geom�tricas, n�meros, opera��es alg�bricas, conceitos como igualdade, diferen�a, identidade, etc.) e pela l�gica (como os conceitos de universalidade, particularidade, individualidade, necessidade, contradi��o, etc.). (CHAU�, 2000, p. 302-303)
49
O fen�meno para Husserl est� al�m das coisas materiais e das ideias, sendo, tamb�m, a
pr�pria cria��o humana como idealidades, por exemplo: as categorias e os conceitos, as
entidades, as institui��es, as representa��es alg�bricas, geom�tricas, art�sticas etc. O
fen�meno s�o as significa��es para a consci�ncia criadas pela pr�pria consci�ncia.
A amplia��o do conceito de fen�meno realizada por Husserl � um dos elementos que
leva ele a propor a divis�o da ontologia em Regional e Formal. A ontologia regional seria
aquela dedicada aos estudos dos diferentes tipos de fen�menos que manifestam pelo ser um
tipo de realidade diferente – a matem�tica, a arte, a hist�ria, a religi�o, a pol�tica etc.
Todas as ontologias regionais possuem seu fundamento na ontologia formal e a
sistematiza��o desta � a Fenomenologia. A Fenomenologia se trata do m�todo que busca o
entendimento das ess�ncias, n�o ao modo de Leibniz para as suas m�nadas e sim como
atribui��es dos homens aos objetos. Destaca-se a import�ncia das representa��es dos
fen�menos para consci�ncia, suprassumindo-o e se afastando das iner�ncias materiais e sua
carga ideol�gica, para evidenciar a ess�ncia do fen�meno.
Portanto, a fenomenologia nada pressup�e; nem o mundo natural, nem senso comum, nem as proposi��es da ci�ncia, nem as experi�ncias ps�quicas. Coloca-se antes de toda cren�a e do todo julgamento para explorar simplesmente o dado. Como declarou Husserl, � um “positivismo absoluto”. Com base no mesmo � poss�vel levar a cabo o processo de redu��o ou, melhor dizendo, de uma s�rie de redu��es. Antes de qualquer outra a redu��o eid�tica. (MORA, 2001, p. 292).
A redu��o eid�tica ou a Epoch� se trata de um procedimento para colocar em suspenso
ou em entre par�nteses o elemento essencial do fen�meno, ou melhor, � um afastamento das
iner�ncias materiais e ideol�gicas que caracterizam determinado fen�meno representado pela
consci�ncia para considera somente a sua ess�ncia. Isso n�o significa negar a objetividade,
mas metodicamente renunciar ao seu uso. Ap�s a redu��o eid�tica deve permanecer um
conjunto de viv�ncias puras que constatam que a consci�ncia � consci�ncia de algo. Eis o
fen�meno. A redu��o eid�tica conduz ao entendimento do ser, destacando os aspectos
subjetivados. Chega-se, de maneira reflexiva, ao entendimento do sujeito do conhecimento
como fonte original de toda a certeza do mundo.
Nesse sentido, todo o conhecimento filos�fico se fundamenta como conhecimento
universal do sujeito do conhecimento ou o “conhecimento universal de si mesmo”. A redu��o
eid�tica � para Husserl um procedimento necess�rio para que a Filosofia obtenha a condi��o
de uma ci�ncia genuinamente rigorosa, de claridade apod�tica, sem ambig�idades. Os objetos
50
desta ci�ncia rigorosa devem ser as ess�ncias atemporais, o que � garantido por sua
idealidade, fora do mundo cambi�vel e transit�rio da ci�ncia emp�rica.
At� certo ponto, a fenomenologia pode ser compreendida como explica��odo que est� impl�cito, desde o in�cio, no conceito de intencionalidade da consci�ncia. Essa orienta-se para a subjetividade absoluta que se constitui de maneira transcendental, que Husserl tamb�m designa como intersubjetividade transcendental ou vida transcendental. Todo o empenho intencional realiza-se na rela��o entre inten��o vazia e plena. Assim o pr�prio conceito de intencionalidade �, em sua raiz, teleol�gico. E a teleologia da intencionalidade � uma teleologia da raz�o, ou seja, transforma a raz�o latente em raz�o patente. (ZILLES, 2007, p. 220)
Husserl acrescenta � redu��o eid�tica o que ele denominada de redu��o transcendental.
Esta consiste em por entre par�nteses n�o s� a objetividade do fen�meno e sim, tamb�m, tudo
o que n�o � correlato � consci�ncia pura. Como resultado desta �ltima redu��o nada mais
resta do objeto al�m do que � dado ao sujeito. Desta maneira a Fenomenologia orienta-se para
a constitui��o da subjetividade absoluta e da intersubjetividade transcendental. Esta, por sua
vez, nada mais � do que a raz�o acess�vel � pr�pria raz�o. � a raz�o se debru�ando e tentando
analisar a si pr�pria.
A intersubjetividade transcendental � o princ�pio da egologia, em que o Outro n�o
deixa de ser uma de suas representa��es.
A reflex�o fenomenol�gica de Husserl mostra o outro como outro, ou seja, como um eu-sujeito consciente n�o pode estar presente na minha consci�ncia da mesma maneira como outros entes do mundo. Somente � dado como “apresentado” em seu corpo, numa apresenta��o que nunca encontra sua plenitude numa apresenta��o.Por isso, o outro � o estranho do eu. Nesse caminho, a reflex�o conduz para al�m da egologia � intersujetividade transcendental. (ZILLES, 2007, p. 220)
A plenitude do Outro ou o outro-sujeito nunca � alcan�ada pela sua objetividade, ou
seja, pela apreens�o e representa��o de seu corpo n�o obtemos o que ele realmente �. Por isso,
o Outro � um sujeito estranho a Mim do qual distingo dos demais entes porque conjecturo que
ele seja outra consci�ncia que n�o a minha, mas ele deve ser pensado no pr�prio �mbito da
raz�o.
Deste modo, podemos considerar que a intersubjetividade transcendental de Husserl
possui certa semelhan�a com a raz�o absoluta desenvolvida por Hegel? Sim, se considerarmos
que a raz�o para ambos deve se debru�ar sobre si pr�pria para obter a verdade. N�o, por dois
motivos: um, a raz�o absoluta em Hegel � movimento da raz�o como totalidade em si mesma,
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sendo detentora da verdade e para Husserl ela � fundada e especulativa, logo n�o sendo fonte
de toda verdade poss�vel; dois, o imediato � fundamental para a consci�ncia em Husserl, pois
pela apreens�o e representa��o da “pr�pria coisa” – j� que � a raz�o quem a define, por isso,
ela � a “pr�pria coisa” – h� o conflito entre as ess�ncias das representa��es para se adquirir a
verdade. Para Hegel o imediato � o mediato, devendo, de certo modo, ser ignorado como
momento no movimento total do ser e da raz�o.
Entendemos que tanto Husserl como Hegel desenvolvem e prop�em um projeto
epistemol�gico para a Filosofia a partir de discuss�o da teoria do conhecimento. Hegel
pretende constituir a raz�o absoluta como totalidade em si mesma. Husserl busca fundamentar
qualquer conhecimento poss�vel na subjetividade absoluta. Heidegger (1889-1976),
diferentemente dos dois, n�o prop�e um projeto epistemol�gico, pois o objetivo de sua
Fenomenologia Existencial � fundamentar todas as ontologias por uma ontologia fundamental
e concreta.
1.4. A fenomenologia existencial como ontologia
A Fenomenologia Existencial desenvolvida por Heidegger � muito diferente quanto ao
seu objeto de investiga��o em rela��o � Fenomenologia Transcendental de Husserl. Enquanto
este desenvolve a fenomenologia sobre a subjetividade absoluta e o mundo � constitu�do pela
representa��o do mundo exterior para a consci�ncia, Heidegger desenvolve a sua ontologia
por interroga��es ao Dasein.
Elaborar a quest�o de ser significa, portanto, tornar transparente um ente –que questiona – em seu ser. Como modo de ser de um ente, o questionar dessa quest�o se acha essencialmente determinado pelo que nela se questiona – pelo ser. Designamos com o termo presen�a esse ente que cada um de n�s mesmos sempre somos e que, entre outras coisas, possui em seu ser a possibilidade de questionar. (HEIDEGGER, 2011, p. 42-43)
Continuando, Heidegger afirma que:
A presen�a n�o � apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contr�rio, ela se distingue onticamente pelo privil�gio de, em seu ser, isto �, sendo, estar em jogo seu pr�prio ser. Mas tamb�m pertence a essa constitui��o do ser da presen�a a caracter�stica de, em seu ser, isto �, sendo, estabelecer uma rela��o de ser com seu pr�prio ser. [...] A presen�a sempre se compreende a si mesma a partir de sua exist�ncia, de uma possibilidade pr�pria de ser ou n�o ser ela mesma. (HEIDEGGER, 2011, p. 48)
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O Dasein � o ser que somos. O ente que � ser, sendo, no mundo, podendo questionar
os outros entes em geral que n�o possuem o mesmo car�ter de ser, ess�ncia, assim como,
podendo questionar o seu pr�prio modo de ser. A ess�ncia do Dasein � a sua pr�pria
exist�ncia. � necess�rio estar no mundo entre outros entes sendo. A ess�ncia do Dasein �
existir estando no mundo. O ser perpassa o estar e a ess�ncia a exist�ncia. � a partir de sua
rela��o com o mundo que o Dasein compreende seu pr�prio ser.
A presen�a se determina como ente sempre a partir de uma possibilidade que ela � e, de algum modo, isso tamb�m significa que ela se compreende em seu ser. Nele, por�m, encontra-se a indica��o de que, para uma interpreta��o ontol�gica desse ente, a problem�tica de seu ser deve ser desenvolvida a partir da existencialidade da exist�ncia. (HEIDEGGER, 2011, p. 87)
Heidegger ir� mencionar que a existencialidade da exist�ncia � no cotidiano. � nele
que os entes em geral aparecem ao Dasein e este ao mundo. O mundo � possibilidade ao
Dasein de ser o que �, sendo, ou ser o que ele projeta ser-no-mundo. Ser-no-mundo pressup�e
o modo de ser concreto do Dasein, porque ser-no � ser-em e � ser-junto, este, no sentido de
estar no mundo em que as coisas nos remetem quando remetemos as coisas e fazemos
aparecer o mundo e a n�s mesmos no mundo.
O mundo s� aparece ao Dasein como possibilidade de ser, seja sendo ou como projeto,
pelo ato. Pelo ato, pr�xis ou ocupa��o, como define Heidegger, objetivamos nossos projetos
no mundo, ao mesmo tempo, em que subjetivamos o mundo com suas determina��es e
possibilidades. Ora, como o ser se projeta num mundo habitado e trabalhado pela ocupa��o de
outros seres que n�o o seu, esta revela os instrumentos como um modo de ser-no-mundo pelas
suas determina��es e possibilidades. Projetar-se no mundo pela ocupa��o dirigida aos entes �
um processo em que o Dasein concebe seu ser-al�m no mundo e para si mesmo, podendo
questionar seu ser pelas possibilidades de ser.
� tamb�m no cotidiano que o Outro nos aparece e aparecemos ao Outro.
Os “outros” n�o significam todo o resto dos demais al�m de mim, do qual o eu se isolaria. Os outros, ao contr�rio, s�o aqueles dos quais, na maior parte das vezes, n�o se consegue propriamente diferenciar, s�o aqueles entre os quais tamb�m se est�. Esse estar tamb�m com os outros n�o possui o car�ter ontol�gico de um ser simplesmente dado “em conjunto” dentro de um mundo. O “com” � uma determina��o da presen�a. O “tamb�m” significa a igualdade no ser enquanto ser-no-mundo que se ocupa dentro de uma circunvis�o. “Com” e “tamb�m” devem ser entendidos existencialmente e n�o categorialmente. � base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo � sempre mundo compartilhado com os outros. O mundo da presen�a � mundo compartilhado. O ser-em � ser-com os outros. O ser-em-si
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intramundano desses outros � a copresen�a. (HEIDEGGER, 2011, p. 174-175)
O Outro para Heidegger nos aparece no mundo como ser-no-mundo que n�o sou e
inversamente. O Outro deve fundamentar o Dasein do mesmo modo que os outros entes em
geral que n�o possuem o car�ter de ser. A diferen�a reside no fato de que o Outro � para o
Dasein co-presente, pois do mesmo modo que o Dasein �, o Outro o � tamb�m. Esse ser-com
o Outro no mundo ou o Mitsein, como denomina Heidegger, se revela pelo outro como ser-
no-mundo e pelos seus projetos objetivados nos entes.
Diferentemente de Husserl, que estabelece a correla��o entre as subjetividades, ou
seja, a intersubjetividade como um modo de apontar o Outro, para Heidegger o mundo
tamb�m � constitu�do pela correla��o entre os Daseins como ser-no-mundo. A diferen�a
radical entre as duas proposituras � que Heidegger enfatiza o car�ter factual do Dasein. �
necess�rio ser-aqui no mundo e n�o a� ou l�.
W.v. Humboldt examinou varias l�nguas que exprimem o “eu” pelo aqui (hier), o “tu” pelo “por a�” (da), o “ele” pelo “l�” (dort), portanto, l�nguas que, numa formula��o gramatical, exprimem os pronomes pessoais pelos adv�rbios de lugar. [...] O “aqui”, “l�”, “por a�” n�o meramente determina��o de lugar dos entes intramundanos, simplesmente dados em posi��es espaciais, e sim caracteres da espacialidade origin�ria da presen�a. Os supostos adv�rbios de lugar s�o determina��es da presen�a, possuindo, primariamente, um significado existencial e n�o categorial. [...] No “aqui”, a presen�a que se empenha em seu mundo n�o se dirige para si mesma, mas de si mesma para o “l�” de um manual da circunvis�o, aludindo, por�m, a si na espacialidade existencial. (HEIDEGGER, 2011, p. 175-176)
Utilizando-se de alguns estudos de Humbold, Heidegger exp�e que certos adv�rbios
de lugar exprimem pronomes pessoais como um modo de determina��o existencial do Dasein.
O “eu” pelo “aqui”, o “tu” pelo “a�” e o “ele” pelo “l�”. Esses adv�rbios indicam certo local
ou o modo de existir dos entes em geral, assim como, do pr�prio ente que � o homem.
Tratando-se do Dasein, o ser � “aqui” e os Outros s�o “a�” ou “l�”. O Dasein jamais poderia
ser a�, sen�o incorrer�amos numa descaracteriza��o da exist�ncia do “eu”, porque s� posso
ser-aqui. Os adv�rbios de lugar assinalam, tamb�m, para os entes em geral em que o Dasein
se dirige do “aqui” em que se est� para um “l�” ou para “a�” em que se encontra um ente
qualquer para sua ocupa��o.
Deste modo, reiteramos a nossa op��o pelo uso do termo original em alem�o, Dasein,
ao inv�s da tradu��o para o portugu�s por ser-a� ou presen�a, como mencionado, e expomos
uma das caracter�sticas que entendemos que seja fundamental para o desenvolvimento da
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ontologia fundamental de Heidegger, a facticidade do Dasein. Ela � o fundamento que
designa o posicionamento, uma perspectiva para o mundo, a circunvis�o do Dasein, seja para
os entes em geral ou para Outro que aparece como copresente no mundo por sua facticidade
de ser e n�o por uma rela��o subjetiva entre seres.
Estamos de acordo sobre o seguinte ponto: que o ente, no sentido em que voc� o denomina “mundo”, n�o poderia ser esclarecido em sua constitui��o transcendental pelo retorno a um ente do mesmo modo de ser. Mas isso n�o significa que o que constitui o lugar do transcendental n�o � absolutamente nada de ente – ao contr�rio, o problema que se p�e imediatamente � o de saber qual � o modo de ser do ente no qual o “mundo” se constitui. Tal � o problema central de Ser e tempo – a saber, uma ontologia fundamental do Dasein. (HEIDEGGER apud VALENTIM, 2009, p. 214)
A quest�o da facticidade de ser pode ser notada, tamb�m, neste trecho de uma carta
que Heidegger endere�a para Husserl, ficando patente uma das diferen�as fundamentais entre
as proposituras desses pensadores. Heidegger menciona a necessidade de desenvolver uma
ontologia fundamental para entender o modo de ser do ente ou o ser-no-mundo no qual o
mundo se constitui, ou seja, o modo como o Dasein se fundamenta ao fundamentar o mundo.
Esse fato de ser lan�ado para a conting�ncia do mundo, entre as coisas, � uma
intencionalidade mais fundamental do que contemplar e pensar as coisas, como fizera
Husserl. Eis um dos motivos que leva Heidegger a entender a ontologia de modo distinto
daquele de Husserl.
Para Heidegger, h� uma ontologia fundamental que precisamente � a metaf�sica da Exist�ncia. A miss�o da ontologia seria, nesse caso, a descoberta da “constitui��o do ser da Exist�ncia”. A designa��o de fundamental procede de que por ela se averigua aquilo que constitui o fundamento da Exist�ncia, isto �, a sua finitude. Mas a descoberta da finitude da Exist�ncia como tema da ontologia fundamental, n�o �, pra Heidegger, mais que o primeiro passo da metaf�sica da Exist�ncia, e n�o toda metaf�sica da Exist�ncia. A ontologia �, na realidade, �nica e exclusivamente, aquela indaga��o que se ocupa do ser enquanto ser, mas n�o como mera entidade formal, nem como exist�ncia, e sim como aquilo que torna poss�veis as exist�ncias. (grifo nosso) (MORA, 2001, p. 529-530)
A ontologia, para Heidegger, seria a indaga��o que se ocupa de construir uma
explica��o l�gica do ser enquanto ser, como aquele que por sua Exist�ncia torna poss�vel
outras exist�ncias, ou seja, o mundo. Trata-se de uma l�gica que explicita o modo de
constitui��o do ser da Exist�ncia em sua rela��o com o mundo, como fundante e fundado.
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N�o se aborda o ser como uma entidade formal e tampouco por sua exist�ncia e sim como ser
do ente no mundo que torna poss�veis as exist�ncias em geral.
Para Heidegger as ci�ncias particulares s�o um modo de ontologia na medida em que
pressup�em que todo e qualquer conhecimento � um modo de ser. As ci�ncias se fundam na
compreens�o da estrutura �ntica. Como os aspectos �nticos indicam os entes e estes s� podem
surgir ao mundo e serem compreendidos pelo Dasein, o pr�prio fundamento de qualquer
ontologia regional � uma ontologia fundamental. A ontologia regional se refere �s ci�ncias
parciais em geral e a ontologia fundamental se det�m � compreens�o do ser do ente, o Dasein.
A ontologia formal e material, assim como as ontologias regionais propostas por
Husserl podem ser facilmente associadas � ontologia fundamental e � ontologia regional
propostas por Heidegger. Ainda mais quando consideramos que a ontologia formal ir�
fundamentar a ontologia material para Husserl e a ontologia fundamental ir� fundamentar a
ontologia regional para Heidegger. Sem d�vida que h� semelhan�as e influ�ncias, mas n�o
podemos negligenciar que estes �mbitos “ontol�gicos”, por mais que possam ser
correlacionados, possuem diferen�as fundamentais quanto ao seu modo de concep��o, pois
Heidegger, diferentemente de Husserl, prop�e a ontologia fundamental a partir da facticidade
de ser ou o privil�gio �ntico-ontol�gico.
Em seu conte�do, a fenomenologia � a ci�ncia do ser dos entes – � ontologia, ao esclarecer as tarefas de uma ontologia, surgiu a necessidade de uma ontologia fundamental, que possui como tema a presen�a, isto �, um ente dotado do privil�gio �ntico-ontol�gico. Pois somente a ontologia fundamental pode-se colocar diante do problema cardeal, a saber, da quest�o sobre o sentido de ser em geral. Da pr�pria investiga��o resulta que o sentido metodol�gico da descri��o fenomenol�gica � a interpreta��o. [...] desvendo-se o sentido do ser e as estruturas fundamentais da presen�a em geral, abre-se o horizonte para qualquer investiga��o ontol�gica ulterior dos entes n�o dotados do car�ter de presen�a. (HEIDEGGER, 2011, p. 77)
Para Heidegger, o fundamento da ontologia est� no modo como a exist�ncia
fundamenta a ess�ncia do ente que o homem �, enquanto para Husserl, s�o as representa��es
da exist�ncia. Por mais que consideremos em Heidegger alguns princ�pios fenomenol�gicos
para o desenvolvimento de sua ontologia, eis uma diferen�a para se levar em conta.
Considerar a finitude da exist�ncia � o primeiro passo da ontologia fundamental que
ir� se ocupar do modo de constitui��o do ser da Exist�ncia e da compreens�o dos entes n�o
dotados do mesmo car�ter do Dasein. De um lado, ser e ess�ncia e, de outro, ente e
exist�ncia, s�o quatro conceitos indissoci�veis que permitem com que Heidegger distinga-os
em duas �mbitos: o �ntico e o ontol�gico.
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O �ntico se distingue do ontol�gico na medida em que o primeiro se ocupa do ente em
sua pr�pria exist�ncia e o ontol�gico s�o os entes tomados como objeto do conhecimento. A
passagem da experi�ncia �ntica � investiga��o ontol�gica ocorre quando aquilo que faz parte
de nossas viv�ncias cotidianas se torna problem�tico, estranho, confuso e buscamos entend�-
las racionalmente.
Para as regi�es �nticas, Heidegger as define em cinco estruturas: entes materiais
naturais, artificiais, ideais, de valores e os metaf�sicos. Cada regi�o �ntica pressup�e um modo
de compreens�o espec�fico, s�o as ontologias regionais. Para os entes naturais e artificiais os
conceitos ontol�gicos de ser, realidade, temporalidade e causalidade s�o fundamentais; para
os entes ideais os conceitos de idealidade, rela��o e intemporalidade; para os entes que s�o
valores, os conceitos ontol�gicos principais que os descrevem essencialmente s�o a qualidade
e oposi��o. 7
Todas essas estruturas �nticas assinalam para os entes que s�o culturais e hist�ricos e
se transformam com o tempo na medida em que mudam suas ess�ncias, mas os conceitos
ontol�gicos indicados para a sua compreens�o, ao enunciar seus fundamentos objetivos,
pretendem ter certa perenidade.
Proceder da experi�ncia �ntica em dire��o � investiga��o ontol�gica exige do Dasein
um movimento de pensamento, o desenvolvimento de certos conhecimentos para poder
analisar o mundo e a si mesmo como ser-no-mundo. Quando o mundo � pensado, pensa-se o
sujeito e a pr�pria fundamenta��o do ser e do mundo. Estabelece-se um modo de rela��o do
ser-no-mundo. O mundo � refletido, pensado. Heidegger diferencia dois momentos do Dasein
pelo seu modo de exist�ncia e pelos modos de pensar acerca do mundo e de si no mundo
como: exist�ncia aut�ntica e exist�ncia inaut�ntica.
[...] Para Heidegger, a exist�ncia nessa situa��o apresentada teria car�ter inaut�ntico. Para ele n�o seria nesses termos do “Cuidado” das coisas em geral, ou mesmo de outros entes, em que o ser encontraria o seu sentido revelado. O ser-a� condenado � sociabilidade estaria imerso nela, e situando-se diante dela mediante uma estrutura de rela��es, na qual se medem dist�ncias pelo car�ter utilit�rio que possuem as coisas em geral. E � nessa estrutura de rela��es que se baseia a exist�ncia e a no��o de espa�o em Heidegger. (MARTINS, 2007, p. 45)
O Dasein imerso no mundo, entre os outros entes, ocorre na cotidianidade, pois � nesta
situa��o que ele est� cercado de uma estrutura de rela��es que, muitas vezes, escapam � sua
compreens�o e indicam o seu modo de exist�ncia. O mundo fundamenta o Dasein que, por
7 Cf. Chau�, 2000, p. 304-306.
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sua vez, poder� fundamentar o mundo de maneira muito similar como fora fundado. Em
outras palavras, estar em situa��o no mundo � vivenciar uma estrutura de rela��es fundadas
que fundamentam o ser sob o conflito entre possibilidades e necessidades. Eis a exist�ncia
inaut�ntica a qual Martins define como fundamento da concep��o de espa�o para Heidegger.
Por outro lado, a exist�ncia aut�ntica est� fundada no entendimento das determina��es
e possibilidades fundadas no mundo em dire��o � consci�ncia do pr�prio ser da rela��o como
ser-no-mundo. O afastamento do cotidiano em dire��o � exist�ncia aut�ntica ocorre devido �
ang�stia.
[...] �, dentre todos os sentimentos e modos da exist�ncia humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os peda�os a que � reduzido pela imers�o na monotonia e na indiferencia��o da vida cotidiana. A ang�stia faria o homem elevar-se da trai��o cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, at� o autoconhecimento em sua dimens�o mais profunda. (CHAU�, 1996, p. 8)
Quando o homem se identifica e se entende como angustiado, para Heidegger, h� duas
solu��es: ou o homem foge para a vida cotidiana novamente ou tenta super�-la exercendo o
seu poder de transcend�ncia sobre o mundo e sobre si mesmo. Um dos modos de supera��o da
ang�stia �, para Heidegger, a arte.
O �nico caminho para reatar o singular e o universal, o particular e o geral, pois, atrav�s da singularidade de uma obra art�stica, temos acesso ao significado universal de alguma realidade. Essa �ltima perspectiva � a que encontramos, por exemplo, no fil�sofo Martin Heidegger, para quem a obra de arte � desvelamento e desvendamento da verdade. (CHAU�, 2000, p. 414)
1.5. A ontologia fenomenolÑgica de Sartre
Para expor a ontologia em Jean-Paul Sartre (1905-1980) consideramos dois momentos
do di�logo que ele realiza com outras proposi��es filos�ficas. O primeiro se trata de sua obra
“O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenol�gica” e o segundo, de suas obras, “Quest�es
de m�todo” e “Cr�tica raz�o dial�tica”. Para a primeira obra, � comum se afirmar que h� a
tentativa de di�logo com a Fenomenologia de Husserl e a ontologia de Heidegger, assim como
para as duas �ltimas obras � comum vincul�-las a sua filia��o ao Partido comunista franc�s e
a tentativa de di�logo com as proposi��es marxistas.
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Tomamos esta distin��o como par�metro e tentaremos apresentar algumas das ideias
trabalhadas nessas obras de Sartre e suas respectivas supera��es para relacion�-las com
algumas das proposi��es de fil�sofos que ora buscamos trabalhar, notadamente, Husserl,
Heidegger, Hegel.
Entendemos que em “O Ser e o Nada”, Sartre dialoga com a Fenomenologia de
Husserl e com a ontologia de Heidegger, contudo se nota que pelo t�tulo e pela estrutura��o
desta obra h�, tamb�m, a tentativa de di�logo com a “Fenomenologia” de Hegel. O
desenvolvimento desta obra de Sartre � encaminhada a partir de indaga��es ontol�gicas, ou
melhor, indaga��es ao Dasein em dire��o � exposi��o e ao entendimento de suas estruturas,
ou seja, do Para-si, do Em-si e do Para-outro. Enquanto � no Para-outro e nos modos de
rela��o entre os seres que Sartre estabelece um dos princ�pios de sociabilidade como um
modo fundamental de ser, Hegel encaminha a discuss�o para a raz�o absoluta, Husserl para o
Ego transcendental e Heidegger para o Mitsein.
Antes de nos debru�armos na apresenta��o do Para-outro � necess�rio entendermos o
modo de constitui��o do ser-no-mundo. N�o que o Outro apare�a depois dos entes em geral
ao Dasein no mundo, mas respeitando o car�ter explicativo e a estrutura��o dessa obra de
Sartre iniciaremos a discuss�o a partir do modo de constitui��o do Ser e do Nada. Essa � uma
discuss�o capital na obra, pois ela � base para identificar a nega��o fundamental entre a
consci�ncia e a exterioridade imediata. Exporemos, a seguir, alguns contrapontos realizados
por Sartre quanto ao surgimento do ente, do Nada e da nega��o nas proposituras
desenvolvidas por Hegel e Heidegger.8 Quanto a Hegel, Sartre (1997, p. 56) afirma que:
[...] o n�o-ser n�o � a contradi��o do ser: � o seu contradit�rio. Isso implica uma posterioridade l�gica do nada sobre o ser, pois o ser � primeiro colocado e depois negado. Portanto, n�o � poss�vel que ser e n�o-ser sejam conceitos de igual conte�do, j� que, ao contr�rio, o n�o-ser pressup�e um tr�mite irredut�vel do esp�rito: qualquer que seja a primitiva indiferencia��o do ser, o n�o-ser � essa indiferencia��o negada. O que permite Hegel “fazer passar” o ser ao nada � ter introduzido implicitamente a nega��o em sua defini��o mesma de ser.
Quanto �s considera��es realizadas por Heidegger,
8 Na obra “O Ser e o Nada” Sartre utiliza a palavra “ser” nos seus mais variados sentidos: o “ser” �, normalmente, considerado como ente, pois quando o “ser” indica a ess�ncia do ente que � o homem, esta vir� em it�lico ou em mai�sculo, como “Ser”. Para tanto, utilizaremos a palavra “ser”, em it�lico, somente para este segundo caso e para o primeiro caso utilizaremos a palavra “ente”.
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Heidegger tem raz�o ao insistir no fato de que a nega��o se fundamenta no nada. Mas, se o nada fundamenta a nega��o, � porque compreende o n�ocomo estrutura essencial. Em outras palavras, o nada n�o fundamenta a nega��o como sendo um vazio indiferenciado ou alteridade que n�o se apresenta como alteridade. O nada acha-se na origem do ju�zo negativo porque ele pr�prio � nega��o. Fundamenta a nega��o como ato porque � nega��o como ser. [...] Ser� mesmo necess�rio transcender o mundo at� onada e retornar em seguida ao ser para fundamentar esses ju�zos cotidianos? E como a opera��o pode se efetuar? (SARTRE, 1997, p. 60-61)
Assim, Sartre afirma que:
Ora, o Nada n�o �. Se podemos falar dele, � porque possui somente apar�ncia de ser, um ser emprestado, como observamos atr�s. O Nada n�o �, o Nada � “tendo sido”; o Nada n�o se nadifica, o Nada � “nadificado”. Resulta, pois, que deve existir um Ser – que n�o poderia ser o ser-Em-si –com a propriedade de nadificar o Nada, sustent�-lo com o seu pr�prio ser, escor�-lo perpetuamente em sua pr�pria exist�ncia, um ser pelo qual o nada venha �s coisas. O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve nadificar o Nada em seu Ser, e, assim mesmo, correndo o risco de estabelecer o Nada como transcendente no bojo da iman�ncia, caso n�o nadifique o Nada em seu ser a prop�sito de seu ser. (SARTRE, 1997, p. 65)
A diferen�a fundamental entre as concep��es para o ente e para o Nada em Sartre para
aquelas de Hegel e Heidegger � o fato de que ambos seguem o princ�pio de Spinoza omnis
determinatio est negatio9, acarretando que o nada tenha um conte�do similar ao do ente para a
rela��o entre a consci�ncia e a exterioridade imediata. Para Hegel, o nada ou o n�o-ser
proviria da suprassun��o do ente como representa��o verdadeira em rela��o ao mundo
invertido. Em Heidegger o nada prov�m da transcend�ncia como fundamento da nega��o.
Tanto em Hegel como em Heidegger o nada � posterior ao ente, como fundamento da
pr�pria nega��o que determina o ente. N�o como elemento imanente e sim transcendente.
Sartre discorda desta concep��o e afirma que o nada deve vir com o ente como “tendo sido”,
pois a nega��o da consci�ncia para a exterioridade imediata ao mesmo tempo em que nadifica
o nada ela determina o ente, levando � suprasun��o de ambos como “tendo sido”. O nada n�o
� somente uma transcend�ncia e sim, tamb�m, de uma iman�ncia.
Sartre aborda o nada dessa maneira, pois busca evidenciar o processo de
fundamenta��o do ser em rela��o com a exterioridade imediata, pois “a consci�ncia n�o � o
seu pr�prio motivo, sendo vazia de todo conte�do, [...] a consci�ncia se fundamenta se
relacionando com o mundo” (SARTRE, 1997, p. 78).
9 Em latim, “toda determina��o � uma nega��o”.
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O nada � esse buraco no ser, essa queda do Em-si rumo a si, pelo qual se constitui o Para-si. [...] O nada � a possibilidade pr�pria do ser e a sua �nica possibilidade. E mesmo esta possibilidade original s� aparece no ato absoluto que a realiza. O nada, sendo nada de ser, s� pode vir ao ser pelo pr�prio ser. Sem d�vida, vem ao ser por um ser singular, que � a realidade humana. Mas este ser se constitui como realidade humana na medida em que n�o passa do projeto original de seu pr�prio nada. A realidade humana � o ser, enquanto, no seu ser e por seu ser, fundamento �nico do nada no cora��o do ser. (SARTRE, 1997, p. 127; 128)
Pelo processo de nega��o de determinada exterioridade imediata nos constitu�mos e
somos constitu�dos pelo mundo enquanto Para-si-Em-si e o mundo, inicialmente, como
exterioridade imediata. Quando determinado ente est� em rela��o a n�s no mundo
suprassumimos sua forma aparente como objeto para consci�ncia, ser-Para-si. O pr�prio ser-
Para-si indica o ser-Em-si como um momento da consci�ncia. O nada vem ao mundo pelo ser
como ser-Para-si, assim como o Nada. A realidade humana � fundada pelo ente e o
fundamenta, na medida em que o ser n�o pode ser seu pr�prio fundamento.
Para-si e Em-si s�o duas das tr�s estruturas do Dasein10 propostas por Sartre, as quais
n�o s�o abordadas por Heidegger, pois este aborda diretamente a anal�tica existencial sem
passar pela discuss�o do cogito e pela discuss�o dessas dimens�es da consci�ncia. Para Sartre,
Heidegger evita utilizar o cogito cartesiano, como fizera Husserl, para n�o recair no
“fenomenologismo descritivo que conduz ao isolamento meg�rico e antidial�tico das
ess�ncias”. (SARTRE, 1997, p. 121)
Poder�amos pressupor que as estruturas do Dasein foram estabelecidas pela influ�ncia
da psican�lise freudiana, pois o Para-si se aproxima daquilo que trivialmente denominamos de
consci�ncia e o Em-si daquilo que denominamos de inconsci�ncia. Essas denomina��es s�o
amplamente utilizadas nas primeiras obras desenvolvidas por Freud que, posteriormente,
ser�o consideradas sob tr�s estruturas transcendentes: o ego (Ich ou “Eu”), superego (�ber-ich
ou “sobre-eu”) e o id (Es ou “ele”). Contudo, Sartre (1997, p. 99) afirma que Freud apesar de
“seus esfor�os para estabelecer uma verdadeira dualidade – e mesmo uma trindade (Es, Ich,
�berich, expressos pela censura) – resultou apenas em terminologia verbal”, porque justificar
uma censura por si pr�pria afim de ocult�-la numa estrutura ps�quica qualquer encerrando o
ser ao pr�prio ser n�o coloca o problema do censurado e o motivo da censura em quest�o para
o entendimento.
10 Nota-se que Sartre utilizar� amplamente no desenvolvimento de sua obra “O Ser e o Nada” o termo ser-a�como tradu��o para o Dasein, mesmo discordando em certos pontos quanto ao modo de entendimento de Heidegger para a constitui��o deste, especificamente, quando prop�e suas estruturas fundamentais. Ainda, Sartre utilizou amplamente o conceito de ser-no-mundo proposto por Heidegger para o desenvolvimento de sua obra.
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Mas, se o ser-Em-si � contingente, recupera-se a si mesmo convertendo-se em Para-si. O Em-si �, para perder-se em Para-si. Em suma, o ser � e n�o pode ser sen�o ser. Mas a possibilidade pr�pria do ser – a que se revela no ato nadificador – � ser fundamento de si como consci�ncia pelo ato sacrifical que o nadifica; o Para-si � o Em-si que se perde como Em-si para fundamentar-se como consci�ncia. Assim, a consci�ncia obt�m de si pr�pria seu ser consciente e s� pode remeter a si mesma, na medida em que � a sua pr�pria nadifica��o: mas o que se nadifica em consci�ncia, sem que possamos consider�-lo fundamento da consci�ncia, � o Em-si contingente. [...] Segue-se que este Em-si, tragado e nadificado no acontecimento absoluto que � a apari��o do fundamento ou surgimento do Para-si, permanece no �mago do Para-si como sua contingencia original. A consci�ncia � seu pr�prio fundamento, mas continua contingente e o existir de uma consci�ncia em vez de puro e simples Em-si ao infinito. (SARTRE, 1997, p. 131)
Sartre ir� utilizar o cogito e as estruturas do Dasein mencionando a todo instante a sua
facticidadede ser, pois o Para-si � a nadifica��o do Em-si devido que a consci�ncia por ser
consci�ncia para algo � contingente e a sua suprassun��o em-si, ser-Em-si, � um momento
consciente disposto ao modo do Para-si. O ser-Em-si � o reflexo da determina��o de certa
forma da exterioridade imediata como objeto para consci�ncia. Enquanto isso todos os outros
elementos desta mesma exterioridade imediata se tornam indiferenciadas para consci�ncia,
constituindo-se como um fundo da forma determinada. Nenhum ente est� especificamente
designado para se organizar em fundo ou forma: tudo depende da dire��o de nossa aten��o. A
forma determinada � o ente, enquanto o fundo indiferenciado que ampara o ente � o nada.
Este princ�pio geral tanto � v�lido para a rela��o do Para-si ao Em-si como para a
rela��o do ente que � o homem – Para-si-Em-si – para a exterioridade imediata. Ora, mas o
Dasein n�o � seu pr�prio fundamento e o Para-si se constitui enquanto tal porque o � como
Em-si para um ente no mundo. A determina��o de certa forma e fundo na exterioridade
imediata � possibilita a apari��o do Ser e do mundo.
A apari��o do homem no meio das coisas que o “investem” faz com que se descubra
um mundo. Mas o momento essencial e primordial desta apari��o � a nega��o. O homem � o
ser pelo qual o nada vem ao mundo. Seguindo um exemplo utilizado por Sartre: ao procurar
determinada pessoa em um bar, ela � forma e o bar, com seus objetos, � fundo. Esta apreens�o
de “bar” em fundo � uma nadifica��o. O bar com seus objetos tem aten��o marginal e a
nadifica��o de todas as suas formas � a condi��o de apari��o da forma principal, a pessoa
procurada.
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Ao elucidar o fundo e a forma como elementos objetivos para subjetiva��o, ora
nadificando um, ora outro, o espa�o emerge como a categoria da rela��o entre forma e fundo.
Em outras palavras: este espa�o aparente � a idealidade do fundo que � relacionado com a
forma em que a consci�ncia indica v�rios “istos” e “aquilos” sem quaisquer rela��es inerentes
entre si, a n�o ser aquelas efetuadas pelo pr�prio ser. A consci�ncia � espacializadora
enquanto co-presente a todos “istos” e “aquilos” de determinada exterioridade imediata. O
espa�o passa a ser o fundamento de toda rela��o de exterioridade. O nada � uma espacialidade
relacional.
O espa�o com efeito n�o poderia ser um ser. [...] � a maneira �nica pela qual seres que se mostram como n�o tendo qualquer rela��o entre si podem revelar-se ao ser pela qual a rela��o vem ao mundo; ou seja, a exterioridade pura. [...] Seria in�til conceber o espa�o como uma forma imposta aos fen�menos pela estrutura a priori de nossa sensibilidade. (SARTRE, 1997, p. 246-247)
� ao negar a exterioridade que a consci�ncia realiza a espacializa��o. N�o sendo o
espa�o captado pelos sentidos humanos e sim a maneira pela qual os entes podem se revelar
ao ser pela qual a rela��o vem ao mundo. Nem forma nem fundo se referem ao espa�o na
medida em que s�o objetos postos a consci�ncia que excitam os sentidos e o espa�o n�o o �. O
espa�o � uma das dimens�es e modos da exist�ncia de algo, n�o o pr�prio algo.
Neste processo o ser aparece apenas como uma esp�cie de litura c�ndida do conflito
entre os seus projetos e os projetos objetivados nos entes do mundo, por um motivo muito
simples: buscamos entender o modo como o ser se fundamenta em rela��o a sua exterioridade
imediata, contudo, o consideramos numa situa��o em que o mundo est� desabitado e os
objetos s�o inertes.
A situa��o n�o � subjetiva nem objetiva, � porque n�o constitui um conhecimento nem sequer uma compreens�o afetiva do estado do mundo por um sujeito; mas sim uma rela��o de ser entre o Para-si e o Em-si por ele nadificado. A situa��o � sujeito inteiro (ele n�o � nada mais do que sua situa��o) e � tamb�m a “coisa” inteira (n�o h� nada jamais do que coisa). Se quisermos, � o sujeito iluminando as coisas pelo seu pr�prio transcender ou as coisas remetendo suas imagens ao sujeito. [...] Se o Para-si nada mais � que a sua situa��o, da� resulta que o ser-em-situa��o define a realidade humana, dando conta tanto do seu ser-a� como de seu ser-para-al�m. A realidade humana �, com efeito, o ser que � sempre para-al�m de seu ser-a�. E a situa��o � totalidade organizada do ser-a� interpretada e vivida no e pelo ser-para-al�m. (SARTRE, 1997, p. 672-673)
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Estar em situa��o � o ato do mundo se tornar consciente para um ser. � a rela��o
un�voca e perp�tua do homem com determinada exterioridade imediata, o qual define a
realidade humana como Dasein ou ser-a�, como afirma Sartre. Ou seja, � necess�rio estar para
ser, ao mesmo tempo em que somos estando. O Dasein indica um mundo, que por sua vez,
indica o ser que �. Por esta rela��o o Dasein age no mundo para se firmar enquanto ser de sua
exist�ncia.
Esta rela��o enuncia um ser-para-al�m, que nada mais � que os projetos do ser-no-
mundo. A situa��o passa ser considerada pelo conflito entre os projetos do ser e a resist�ncia
do mundo quando este busca lhe atribuir um fim; a resist�ncia do mundo � a pr�xis do Outro
objetivada na mat�ria que retorna ao ser da rela��o como n�o sendo a sua. O ser reconhece
outra pr�xis que n�o a sua nos objetos, como totalidade organizada, que pode admitir ou n�o
os seus projetos. Eis a necessidade.
Os objetos enunciam Outro ao ser pelas coisas-utens�lios, como uma pr�xis objetivada
na mat�ria que n�o � a Minha e que estabelece projetos que n�o s�o os meus. O Outro est�
para Mim como representa��o de um ato objetivado na mat�ria e n�o enquanto Dasein. Ao
utilizar determinado instrumento para efetivar seus projetos pode haver uma esp�cie de
simbiose com os projetos do Outro objetivado na mat�ria auferindo instrumentalidade a
determinado objeto. Isto s� ocorre pela realiza��o de tarefas corriqueiras, no dia-a-dia, no
cotidiano.
Para a quest�o do Outro, Sartre endente que Husserl desenvolve sua filosofia o
considerando como recurso indispens�vel para a constitui��o do mundo ao abordar as
intencionalidades dos homens como uma maneira de manifesta��o do Outro, contudo Husserl
recai no solipsismo.
Com efeito, quando Husserl, nas M�ditations Cart�siennes e em Formale und Transzendentale Logik, se preocupa em refutar o solipsismo, sup�e t�-lo conseguido mostrando que o recurso ao outro � condi��o indispens�vel � constitui��o de mundo. [...] Para Husserl, o mundo, tal como se revela a consci�ncia � intermonad�rio. [...] Certamente, esses pontos de vista assinalam um progresso em rela��o �s doutrinas cl�ssicas. � incontest�vel que a coisa-utens�lio, desde sua descoberta, remete a uma pluralidade de Para-sis. [...] O outro seria uma categoria suplementar que permitiria constituir um mundo, e n�o um ser real existente para-al�m desse mundo. [...] O outro � objeto de inten��es vazias; por princ�pio o outro se nega e foge: a �nica realidade que resta �, portanto, a minha inten��o; o outro � o noema vazio que corresponde em meu olhar em rela��o a ele, na medida em que parece concretamente em minha experi�ncia: � um conjunto de opera��es de unifica��o e constitui��o de minha experi�ncia, na medida em que aparece como conceito transcendental. (SARTRE, 1997, p. 303-305)
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Para Sartre, Husserl n�o consegue superar o solipsismo quando aborda o homem pela
sua objetiva��o na mat�ria, a coisa-utens�lio, e n�o estabelece a rela��o com o Outro como um
dos elementos que fundam o ser, na medida em que o considera como fruto de um
conhecimento. Para Husserl, o Outro al�m de Mim adv�m pelo conhecimento que Eu detenho
Dele e sendo o conhecimento uma s�ntese de uma s�rie de atributos que Eu enuncio do Outro,
n�o h� o Outro como uma alteridade imediata a Mim e, tampouco, Eu para o Outro. N�o h�
um processo de fundamenta��o rec�proca, e sim, uma esp�cie de representa��o daquilo que o
Outro � para Mim e daquilo que sou para o Outro, sempre a uma dist�ncia intranspon�vel. Eu
tenho a consci�ncia da exist�ncia de Outro que n�o sou Eu como objeto entre objetos porque
n�o h� uma rela��o de alteridade e sim de conhecimento.
Para superar o solipsismo husserliano, Sartre recorre ao conceito de ser-no-mundo e o
ser-com ao modo desenvolvido por Heidegger, como segue:
Heidegger responde a quest�o colocada com uma pura e simples defini��o. Descobriu diversos momentos – insepar�veis, por outro lado, salvo por abstra��o – no “ser-no-mundo” que caracteriza a realidade humana. Esses momentos s�o: “mundo”, “ser-em” e “ser”. Descreveu o mundo como “aquilo que a realidade humana se faz anunciar aquilo que �”; definiu o “ser-em” como “Befindlichkeit” e “Verstand”; falta falar do ser, ou seja, o modo como a realidade humana � seu ser-no-mundo. � o “Mit-Sein”, diz Heidegger; ou seja, “o ser-com”. Assim, a caracter�stica de ser da realidade-humana � ser o seu ser com os outros. N�o se trata de um acaso; eu n�o sou primeiro para que uma conting�ncia me fa�a encontrar o outro depois: trata-se de uma estrutura essencial de meu ser. [...] O “ser-com” tem uma significa��o completamente diferente: o “com” n�o designa a rela��o rec�proca de reconhecimento e luta resultante da apari��o no meio do mundo de uma outra realidade-humana que n�o a minha. Expressa, sobretudo uma esp�cie de solidariedade ontol�gica para a explora��o do mundo. (SARTRE, 1997, p. 316-319)
Para Sartre, o “ser-com” ou o Mitsein de Heidegger permite abordar o Dasein por um
processo de contradi��o entre duas consci�ncias distintas, da seguinte forma: Eu nego o
Outro, ao mesmo tempo, em que o Outro me nega para ambos suprassumirmos um ao outro
como homem semelhante, mas que n�o sou. Semelhante, tal como possui uma perspectiva de
mundo que n�o a minha e projetos que n�o s�o os meus, que me escapam de conhecimento.
Seria necess�rio considerar duas realidades humanas distintas para que isto ocorresse e o
Mitsein apenas considera o Outro como uma surda companhia de um integrante de uma
mesma equipe. Mas, como pelo Mitsein se entende o homem presente a outro homem pela sua
facticidade de ser, Sartre busca desenvolv�-lo a fim de evidenciar a rela��o un�voca e
contradit�ria que fundamenta a rela��o de duas ou mais consci�ncias.
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Assim, a objetividade n�o � uma simples refra��o do Outro atrav�s de minha consci�ncia; adv�m ao Outro por mim como qualifica��o real: fa�o com que o Outro seja no meio do mundo. Logo o que capto como caracteres reais do Outro � um ser-em-situa��o: com efeito, eu o organizo no meio do mundo, enquanto ele organiza o mundo rumo a si mesmo; apreendendo-o como unidade objetiva de utens�lios e obst�culos. (SARTRE, 1997, p. 372-373)
� na realidade cotidiana que Eu, como Dasein, apare�o para o Outro no mundo e o
Outro para Mim, como aquele que n�o sou eu, como Dasein. O Outro aparece para Mim e Eu
para o Outro pela objetividade desta rela��o. ele aparece como Dasein no meio de um mundo
que eu organizo e percebo a sua exist�ncia como outro homem que n�o sou eu, mas que
conjecturo que possa ter as mesmas qualidades que eu. Como ser espacializador, que organiza
o mundo a sua volta e que possui projetos neste mundo, contudo:
� necess�rio que sua objetividade n�o remeta a uma solid�o origin�ria e fora de meu alcance, mas sim a uma conex�o fundamental em que o outro se manifeste de modo diferente daquele com que � captado pelo conhecimento que dele tenho. [...] remete por ess�ncia a uma capta��o fundamental do outro, na qual este n�o ir� revelar-se a mim como objeto e sim como presen�a em pessoa. (SARTRE 1997, p. 327)
Esta nega��o, diferentemente daquela derivada da rela��o com exterioridade imediata,
� rec�proca e de um processo de dupla subjetiva��o. A do Outro e a Minha. Percebemos o
Outro por sua objetividade, ao mesmo tempo em que enuncia a sua subjetividade pelos
projetos que pode empreender que fogem do meu conhecimento. � preciso que seja uma
rela��o de ser para que me fundamente e que, ao mesmo tempo, fundamente o Outro.
S� pode haver Outro para o Para-si em uma nega��o espont�nea e pr�-num�rica. O Outro s� existe para consci�ncia como si denegado por mim e para mim na medida em que � si que me denega. N�o posso captar nem conceber uma consci�ncia que n�o me capte. A �nica consci�ncia que � sem me denegar em absoluto e conceb�vel por mim n�o � uma consci�ncia isolada em alguma parte exterior do mundo, sim a minha pr�pria. [...] O que denego ser, finalmente, n�o pode ser mais os que esta denega��o de ser Eu, pela qual o Outro me faz objeto, ou, se preferirmos, eu denego meu eu denegado; determino como Eu-mesmo por denega��o do Eu denegado; coloco esse eu denegado como Eu-alienado no surgimento mesmo pelo qual me desprendo do Outro. Mas, por isso mesmo, reconhe�o e afirmo n�o somente o Outro, mas a exist�ncia de meu Eu-para-Outro; porque, como efeito, n�o posso ser Outro se n�o assumo meu ser objeto para Outro.(SARTRE, p. 363-364)
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Nego o Outro e o firmo para a consci�ncia como um ser que n�o sou Eu. A rec�proca �
verdadeira, tenho meu ser negado para o Outro e quando isto ocorre denego meu Ser-para-
Outro, ou seja, denego a representa��o que o Outro possui de Mim para me firmar enquanto
ser ao Outro. Quando denego esta representa��o do Outro me alieno dela, ao mesmo tempo
em que, s� me constituo em Outro quando sou objeto para sua consci�ncia.
A rela��o entre o Meu ser e o do Outro jamais pode se reduzir a objetividade, sen�o
recair�amos numa rela��o de pura exterioridade, que � solipsismo. Ela tamb�m � uma nega��o
interna, pois devo captar o Outro, primeiramente, como aquele para qual Eu existo como
objeto para ele no mundo. � pelo Para-si que h� o Para-outro. Contudo, ser-Para-outro p�e o
ser numa situa��o que o ser-para-al�m � desconhecido, pois n�o detenho a capacidade de
perceber quais s�o os objetivos no mundo do Outro para Mim, assim como, o inverso.
Enquanto sou instrumento de possibilidades que n�o s�o minhas possibilidades, cuja pura presen�a para-al�m de meu ser s� posso entrever, e que negam minha transcend�ncia para constituir-me como meio e rumo a fins que ignoro, estou em perigo. [...] O medo (sentimento de estar em perigo frente � liberdade do outro). (grifo nosso) (SARTRE, 1997 p. 344)
O estar e a exist�ncia de ser conota localiza��o que, por sua vez, presume uma rela��o
objetiva e material com o Outro. Estamos em perigo quando sentimos nossa objetividade
amea�ada pela liberdade do Outro, quando Minha transcend�ncia � negada e sou estritamente
objeto para o Outro. O que designa os sentimentos de medo e perigo � estar em situa��o
enquanto facticidade de ser em meio a projetos que escapam ao entendimento. O devir destes
sentimentos pode ser entendido pela dor, ou mesmo, no limite, pela morte. Tanto a dor como
a morte nada mais s�o do que o reconhecimento da exist�ncia do ser pelo seu pr�prio corpo
como ser-no-mundo.
Sartre estabelece dois conjuntos de atitudes derivado da rela��o contradit�ria com o
Outro. A primeira consiste no amor, na linguagem e no masoquismo11 e a segunda na
indiferen�a, no sadismo e no �dio12. Nenhum dos dois grupos de atitudes � primordial, na
verdade s�o rea��es fundantes numa situa��o em que se tenta reconhecer uma identifica��o
com o Outro, mesmo que esta se torne um fiasco, pois tende ao conflito desde o instante em
que o Eu observa o olhar do Outro e passa a se colocar na posi��o de sujeito livre ao mesmo
tempo em que vai afrontar a liberdade dele.
11 Cf. SARTRE, 1997, p. 454-472.12 Cf. SARTRE, 1997, p. 472-512.
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Para Sartre a possibilidade de uma unifica��o do Eu com o Outro ocorre por meio do
n�s-sujeito e de n�s-objeto. N�o se trata mais da rela��o simples entre dois seres, como no
caso que Eu estou sozinho frente ao Outro. Mas, o mundo se realiza por situa��es cotidianas
que estamos com Outros. Estar e ser com os outros � pressupor o n�s como certa experi�ncia
particular que se produz sobre o fundamento do ser-Para-outro. O n�s-objeto � estabelecido
pela presen�a objetiva de determinada coletividade para um terceiro, e o n�s-sujeito �
estabelecido pela correla��o dos projetos de Outros ao Meu e do meu aos Outros.
N�o h� qualquer simetria entre a experi�ncia do n�s-objeto e do n�s-sujeito. A primeira � uma rela��o de uma dimens�o de exist�ncia real e corresponde a um simples enriquecimento da experi�ncia originaria do Para-outro. A segunda � uma experi�ncia psicol�gica realizada por um homem hist�rico, imerso em um universo trabalhado e uma sociedade de tipo econ�mico definido; nada revela de particular, � uma “Erlebnis” puramente subjetiva. (SARTRE, 1997, p. 531)
O n�s-objeto se trata de uma realidade humana em que as rela��es entre os homens
ocorrem por vivenciarem certas situa��es em comum. Certas situa��es parecem mais pr�prias
para suscitar a experi�ncia do n�s-objeto, como por exemplo: o trabalho em comum � um
modo de rela��o entre os homens que, por sua vez, podem o experimentar como apreendidas
por um terceiro conjetural enquanto trabalham solidariamente no mesmo objeto, o pr�prio
sentido do objeto manufaturado remete a coletividade trabalhadora como um n�s. Para Eu me
compreender como “n�s”, � necess�rio que Eu me ponha para Outros de modo alienado na
mediada em que sou parte um processo que � a totalidade.
A consci�ncia de classe � evidentemente, a assun��o de um n�s particular, por ocasi�o de uma situa��o coletiva mais nitidamente estruturada do que de costume. [...] Significa que descubro o n�s que estou integrado ou a “classe”, l� fora, no olhar do terceiro, e � esta aliena��o coletiva que assumo ao dizer “n�s”. Deste ponto de vista, os privil�gios do terceiro e “nossos” fardos, “nossas” mis�rias, tem a princ�pio apenas um valor de significa��o; significam a independ�ncia do terceiro em rela��o a n�s. � a partir do meu sofrimento e de minha mis�ria que sou coletivamente captado com os outros pelo terceiro, ou seja, a partir da adversidade do mundo, a partir da facticidade de minha condi��o. (SARTRE, 1997, p. 520-521)
O n�s-objeto � enunciado pela adversidade de minha situa��o em comum com as
situa��es dos Outros perante um terceiro que n�o a partilha no mundo ao modo do n�s. O
mundo organizado e gerido por interesses que se estabelecem na forma de imperativos sociais
� objetivado na mat�ria na forma de objetos t�cnicos, como um pr�tico-inerte que, de certo
modo, designa certas situa��es singulares aos homens, mas que cada um a vivencia de modo
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particular. A manuten��o da sobreviv�ncia e a escassez singular dos homens, quando
estruturadas � o que definem as classes sociais, que por sua vez, redefine situa��es, meios e
lugares correspondentes.
A rela��o entre o mundo materialmente constru�do e os homens � o que, de certo
modo, define uma situa��o que ir� redefinir o pr�prio mundo e os homens. O mundo
materialmente constru�do se trata de certa subjetividade objetivada na mat�ria que pode ser
subjetivada e objetivado novamente por outros homens. Ele poder� ser reproduzido pelo ato
como uma esp�cie de s�ntese contradit�ria entre os dois atos assincr�nicos. Assim, o homem
sempre est� “presente” ao homem, sen�o n�o for sob o modo de objetos que ele manipula
cotidianamente, como ato objetivado na mat�ria, ser� sob o modo de Dasein.
� uma rela��o rec�proca perp�tua que estabelece os diferentes modos de cotidianidade
e pelas situa��es singulares que estes homens vivenciam como necessidade de manuten��o da
sua sobreviv�ncia que define o n�s-objeto e indica certo modo de comportamento singular
perante essas intencionalidades, definindo o n�s-sujeito.
Assim, o ritmo que fa�o nascer nasce em liga��o comigo e lateralmente como ritmo coletivo; � meu ritmo na medida em que � ritmo dos outros, e reciprocamente. Eis precisamente a experi�ncia do n�s-sujeito: trata-se, finalmente, de nosso ritmo. Mas, como se v�, tal s� � imposs�vel se, previamente, pela aceita��o de um fim comum e de instrumentos comuns, eu constituo-me como transcend�ncia indiferenciada, recha�ando meus fins pessoais para al�m dos fins coletivos presentemente perseguidos. [...] Portanto, se o objeto manufaturado remete aos outros, e, com isso, a minha transcend�ncia indiferenciada, � porque j� conhe�o os outros. Assim, a experi�ncia do n�s-sujeito constr�i-se sobre a experi�ncia origin�ria do outro, e pode constituir somente uma experi�ncia secundaria e subalterna. (SARTRE, 1997, p. 526-529)
A experi�ncia do n�s-sujeito est� no campo da psicologia individual e n�o h�, de
forma alguma, apreens�o de outras subjetividades de forma real e lateral, como uma esp�cie
de subjetividade singular. As subjetividades continuam fora do alcance de meu conhecimento
e separadas, o que h� � a apreens�o de um ritmo coletivo, dos atos dos Outros na
cotidianidade, assim como do Nosso ritmo, Nosso ato; Meu devir � o devir do Outro, e
reciprocamente. Os objetos t�cnicos estabelecem a media��o desta rela��o pelas
intencionalidades que foram atribu�das sob a forma de linguagens generalizadas, porque s�o
designadas para um homem qualquer e n�o, necessariamente, para Mim ou Voc�, por
exemplo: as ferramentas e seus respectivos modos de uso, as rela��es profissionais – para o
gar�om, sou um fregu�s e para o bilheteiro do metr�, sou passageiro – os imperativos
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simb�licos – os sinais e s�mbolos comuns nos passeios e vias – os objetos de uso cotidiano,
at� os diferentes modos de comportamento para os lugares espec�ficos.
Para Sartre essa rela��o � diferente daquela do Mitsein de Heidegger, pois � necess�rio
que o Outro me fundamente, ao mesmo tempo, que Eu o fundamente, tendo o conhecimento
de quem � o Outro, na forma de fundado e fundante do ser-Para-outro, para depois se
constituir um n�s, pois “a ess�ncia das rela��es entre consci�ncias n�o � o Mitsein, mas o
conflito.” (SARTRE, 1997, p. 531)
Significa que o Para-si surge em um mundo que � mundo para outros Para-sis. Tal � o dado. E, por isso como vimos, o sentido do mundo esta alienado para o Para-si. Significa, justamente que o Para-si se encontra em presen�a de sentidos que n�o v�m ao mundo por ele. O Para-si surge em um mundo que ele se mostra como j� visto, cultivado, explorado, trabalhado em todos os sentidos e cuja contextura mesmo j� est� definida por essas investiga��es; e, no pr�prio ato que estende seu tempo, o Para-si se temporaliza em um mundo cujo sentido temporal j� esta definido por outras temporaliza��es: � o fato da simultaneidade. N�o se trata aqui de um limite a liberdade, mas sim do fato que � nesse mundo mesmo que o Para-si de ser livre; � levando em conta essas circunst�ncias – e n�o ad libitum – que ele deve escolher-se. (SARTRE, 1997, p. 638)
O homem surge ao mundo com outros homens, que tamb�m � mundo para eles; num
mundo j� explorado e trabalhado, com significa��es que n�o foram atribu�das por este ser
singular, mas que lhes comunicam e enunciam o seu devir. O espa�o j� est� constitu�do e
organizado, assim como o tempo e suas investidas no mundo necessariamente perpassam esta
estrutura. O homem s� pode escolher-se neste contexto de mundo que ele pr�prio surge, n�o
somente segundo a sua vontade, e sim, em conformidade com as necessidades estabelecidas
em sua rela��o com o mundo.
O movimento de transcend�ncia que os homens operam quando se relacionam com um
mundo organizado, os remetem, necessariamente, aos poss�veis, rumo aos fins, que desenha
uma situa��o vindoura e quando retorna a situa��o presente, como um conjunto dos meios
organizados, � para compreend�-la por sua fun��o e objetivo. Esta situa��o � corriqueira, mas
fundamental, porque � por ela que o n�s-objeto e o n�s-sujeito s�o compreendidos como uno
e m�ltiplo de um mesmo processo de fundamenta��o do Ser.
1.6. ExcursÄes marxistas da ontologia de Sartre
“O Ser e o Nada” � considerada por muitos fil�sofos a primeira grande obra filos�fica
e marco daquilo que foi denominado de primeira fase da filosofia de Sartre, ou seja, a fase que
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se caracterizou pelo di�logo e desenvolvimento de proposi��es te�ricas vinculadas �
fenomenologia e � ontologia, notadamente, aquelas de Husserl e de Heidegger.
A segunda fase da filosofia de Sartre se caracteriza pela aproxima��o com as
proposi��es marxistas e pelo seu maior engajamento pol�tico nos movimentos sociais
europeus do p�s-Segunda Guerra Mundial. Em 1945, Sartre funda, com Maurice Merleau-
Ponty, a revista de esquerda “Les temps modernes”; em 1953 ele se filia ao Partido
Comunista franc�s; e, em 1960, publica a sua segunda grande obra filos�fica, “Cr�tica da
Raz�o dial�tica”13, precedida por “Quest�o de m�todo”.
Estas duas obras supracitadas s�o consideradas o marco da sua segunda fase filos�fica
de Sartre, que � caracterizada pela interlocu��o com as algumas proposi��es marxistas. Deste
modo, pretendemos expor e analisar algumas ideias centrais trabalhadas por nestas obras
tendo como refer�ncia o debate ontol�gico proposto em “O Ser e o Nada”. Mas, ao realizar
este procedimento n�o ocorrer� uma confus�o de ideias, tendo em vista que se trata de obras
de fases e matrizes filos�ficas diferentes? Entendemos que n�o, pois no di�logo e
desenvolvimento de certas proposi��es marxistas, Sartre em nenhum momento negligencia as
proposi��es ontol�gicas e existencialistas que desenvolvera; pelo contr�rio, ele prop�e que no
seio do pr�prio marxismo � que se deve desenvolver o existencialismo, ou melhor:
[...] existencialismo e o marxismo visam o mesmo objeto, mas o segundo reabsorveu o homem na id�ia, enquanto o primeiro o procura por toda parte por onde ele est�, em seu trabalho, na casa, na rua. Com toda certeza, n�o pretendemos – como fazia Kierkeggard – que esse homem real seja incognosc�vel. Dizemos apenas que ele n�o � conhecido. Se, provisoriamente, ele escapa ao Saber, � porque os �nicos conceitos que dispomos para compreend�-lo s�o tomados de empr�stimo ao idealismo de direita ou ao idealismo de esquerda. (SARTRE, 2002, p. 35)
Em seguida, ele menciona claramente a posi��o que o existencialismo deve ocupar em
rela��o ao marxismo.
O princ�pio metodol�gico que faz come�ar a certeza com a reflex�o n�o contradiz de modo algum o princ�pio antropol�gico que define a pessoa concreta pela sua materialidade. Para n�s, a reflex�o n�o se reduz a simples iman�ncia do subjetivismo idealista: ela s� � um come�o se nos lan�a imediatamente entre as coisas e os homens no mundo. [...] N�o colocamos a tomada de consci�ncia na origem da a��o, vemos nela um momento necess�rio para a pr�pria a��o: a a��o adota em processo de realiza��o as suas pr�prias luzes. Isso n�o impede que as luzes apare�am na e pela tomada de consci�ncia dos agentes, o que implica necessariamente que se fa�a uma
13 Deste ponto em diante trataremos a obra “Cr�tica da Raz�o dial�tica” de Sartre como “Cr�tica”.
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teoria da consci�ncia. Pelo contr�rio, a teoria do conhecimento continua sendo o ponto fraco do marxismo. (SARTRE, 2002, p. 37)
Tanto na “Cr�tica” como em “Quest�es de m�todo”, a filosofia de Sartre j� era
denominada de existencialista. Ele a entende como uma doutrina que pode dialogar com o
marxismo na medida em que este possui como uma de suas maiores lacunas a teoria do
conhecimento ou o debate ontol�gico.
� no interior do movimento de pensamento marxista que descobrimos uma falha, na mediada em que, a despeito de si mesmo, o marxismo tende a eliminar o investigador de sua investiga��o e fazer do investigado o objeto de um Saber absoluto. [...] As pr�prias no��es utilizadas pela pesquisa marxista para descrever a nossa sociedade hist�rica – explora��o, aliena��o, fetichiza��o, reifica��o etc. s�o precisamente as que, de forma imediata, remetem as estruturas existenciais. As pr�prias no��es de pr�xis e dial�tica –ligadas inseparavelmente – est�o em contradi��o com id�ia intelectualista de um saber. E, para chegar ao principal, o trabalho, como reprodu��o pelo homem de sua vida, n�o poder� conservar nenhum sentido se sua estrutura fundamental se n�o for a de pro-jetar. A partir dessa car�ncia – que tem a ver com o acontecimento e n�o com os pr�prios princ�pios da doutrina –, o existencialismo, no seio do marxismo e partindo dos mesmos dados, do mesmo Saber, deve tentar por sua vez – nem que fosse a t�tulo de experi�ncia – a decifra��o dial�tica da Hist�ria. [...] Assim, a compreens�o da exist�ncia apresenta-se como fundamento humano da antropologia marxista. [...] o marxismo de Marx, estabelecendo a oposi��o dial�tica entre o Conhecimento e o Ser, continha implicitamente a exig�ncia de um fundamento existencial da teoria. De resto, para no��es como a reifica��o ou a aliena��o adquiram todo seu sentido, teria sido necess�rio que o interrogador e o interrogado formassem uma s� coisa. (SARTRE, 2002, p. 130)
Sartre faz uma distin��o para ressalvar a car�ncia quanto � teoria do conhecimento
para o marxismo ao tratar investigador e investigado de forma distante, sem o conceber como
uma s� coisa que se efetiva por um mesmo processo. Ele atribui isso aos acontecimentos e
n�o � pr�pria doutrina do modo desenvolvido por Marx, ou seja, os acontecimentos como
ideias inseridas por fora do marxismo, que � um sistema total. Ele alude que as principais
no��es desenvolvidas pelo marxismo remetem a estruturas da exist�ncia, principalmente a
categoria trabalho, como uma forma de teleologia.
A proposta de Sartre � que o existencialismo seja uma doutrina que possibilite o
entendimento do homem como um agente no mundo, baseada no di�logo com os principais
conceitos e categorias pertinentes ao marxismo que, por sua vez, remetem � exist�ncia como o
fundamento de toda a sua antropologia. A concatena��o metodol�gica para esta proposta �
desenvolvida quando Sartre enuncia o m�todo progressivo e o m�todo regressivo por meio de
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uma an�lise acerca de Flaubert e suas obras.14 O m�todo regressivo � aquele que explora a
profundidade do vivido e o progressivo as din�micas do movimento totalizador.
A explora��o dessa profundidade � uma descida do concreto absoluto(Madame Bovary nas m�os de um leitor contempor�neo de Flaubert, seja Baudelaire, a imperatriz ou o procurador) a seu condicionamento mais abstrato (isto �, as condi��es materiais, ao conflito das for�as produtivas e das rela��es de produ��o enquanto essas condi��es aparecem em sua universalidade e se apresentam como vividas por todos os membros de um grupo indefinido, isto �, praticamente, por sujeitos abstratos). [...] No entanto, nesse n�vel de pesquisa, s� conseguimos desvelar uma hierarquia de significa��es heterog�neas. [...] Cada uma ilumina a outra, mas a irredutibilidade cria uma verdadeira descontinuidade entre elas, cada uma serve de enquadramento a precedente, mas a significa��o envolvida � mais rica que a significa��o envolvente. Em poucas palavras, temos apenas os vest�gios do movimento dial�tico e n�o o pr�prio movimento. � ent�o, e somente ent�o, que devemos utilizar o m�todo progressivo trata-se de reencontrar o movimento de enriquecimento totalizador que engendra cada momento, os impulsos que partem das obscuridades vividas para chegar � objetiva��o final. (SARTRE, 2002, p. 110-111)(grifo nosso)
E o autor finaliza esta discuss�o em “Quest�es de m�todo”, afirmando:
Definiremos o m�todo de abordagem existencialista como m�todo regressivo-progressivo e anal�tico-sint�tico; �, ao mesmo tempo, um vaiv�m enriquecedor entre o objeto (que tem toda �poca como significa��es hierarquizadas) e a �poca (que cont�m o objeto em sua totaliza��o); com efeito, quando o objeto � reencontrado em sua profundidade e singularidade, em vez de permanecer exterior a totaliza��o (como era at� ent�o, o que os marxistas consideravam como sua integra��o na Hist�ria), entra imediatamente em contradi��o com ela; em poucas palavras, a simples justaposi��o da �poca e do objeto d� lugar a um conflito vivo. (SARTRE, 2002, p. 112) (grifo nosso)
O m�todo regressivo aborda analiticamente a rela��o entre significante e significado
caracter�stico de certa �poca. O m�todo progressivo trata do objeto enquanto totalidade em
totaliza��o que � a pr�pria �poca, ou seja, de modo sint�tico. O primeiro, parte do concreto
absoluto – ideia abstrata – em dire��o ao concreto abstrato – ideia concreta – des-totalizando a
totalidade. O segundo busca re-totalizar esta totalidade des-totalizada pela totaliza��o. Trata-
se de dois movimentos de pensamento diferentes e n�o excludentes, pelo contr�rio, s�o
complementares.
14 Cf. SARTRE, 2002, p. 110-116.
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Na “Cr�tica”, Sartre desenvolve com mais acuidade a proposi��o de “Quest�es de
m�todo” a partir de alguns conceitos e categorias marxistas, que possibilitariam a efetiva��o
de interlocu��o entre o existencialismo e o marxismo. Inicialmente, Sartre mostra como o
marxismo deixou de lado o conceito de homem e, por conseguinte, o Conhecimento o qual o
homem desenvolve.
Essa dificuldade apareceu intranspon�vel aos marxistas de hoje; viram apenas um meio de resolv�-la: recusar ao pr�prio pensamento toda a atividade dial�tica universal, suprimir o homem desintegrando-o no Universo. Assim, podem colocar o Ser no lugar da Verdade. Propriamente falando, j� n�o existe conhecimento, o Ser j� n�o se manifesta, seja de que maneira for: evolui segundo suas pr�prias leis; a dial�tica da Natureza � a dial�tica sem os homens; portanto, j� n�o h� necessidades de certezas, crit�rios, chega mesmo a tornar-se in�til pretender criticar e fundamentar o Conhecimento. Com efeito, sob qualquer forma que seja, esta � uma certa rela��o do homem com o mundo que o rodeia: se o homem deixa de existir, essa rela��o desaparece. (SARTRE, 2002, p. 147)
Sartre afirma que muitos estudos marxistas colocam de lado a atividade dial�tica ou o
processo de fundamenta��o do ser-no-mundo quando o desintegra no Universo; este � a
realidade humana destitu�da de sua singularidade. O resultado deste empreendimento � um
discurso sem o homem, ou melhor, os homens s�o considerados como a din�mica inerte
objetivada na mat�ria. Uma din�mica com fortes caracter�sticas universais que rebatem a
possibilidade e a necessidade dos homens.
Sartre busca inserir o conceito de homem nesta lacuna do marxismo para retomar o
processo de fundamenta��o do ser-no-mundo como uma maneira fundamental de desenvolver
o Conhecimento.
Ou, em outras palavras, o movimento dial�tico n�o � uma pujante for�a unit�ria que se revela como a vontade divina por detr�s da Hist�ria, mas sim, antes de tudo uma resultante; n�o � a dial�tica que imp�em aos homens hist�ricos que vivam sua hist�ria atrav�s de terr�veis contradi��es, mas s�o os homens, tais como s�o, sob a influ�ncia da escassez e da necessidade, que se enfrentam em circunst�ncias que a Hist�ria ou a Economia podem enumerar, mas que s� podem tornar intelig�veis pela racionalidade dial�tica. (SARTRE, 2002, p. 147)
O movimento dial�tico deve ser considerado a principal lei do materialismo hist�rico e
n�o uma esp�cie de idealidade que governa a Hist�ria quando se tenta restabelecer, em seu
cerne, o ser e sua fundamenta��o. Justamente porque, regressivamente, “a experi�ncia
dial�tica s� pode revelar-nos as condi��es est�ticas da possibilidade de uma totaliza��o, isto �,
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de uma Hist�ria.” (SARTRE, 2002, p. 184). O movimento inverso e complementar,
progressivamente, busca recompor “o processo hist�rico a partir das rela��es em movimento e
contradit�rias das rela��es consideradas, faremos a experi�ncia da Hist�ria.” (Ibid., p. 184).
O movimento dial�tico como lei do materialismo hist�rico deve ocorrer desde o
processo de fundamenta��o do ser para certa exterioridade imediata at� aos n�veis mais
abstratos que identificam o concreto para o mundo. N�o se trata de uma lei para explicar
somente o modo de organiza��o dos objetos no mundo e sim de uma lei que resguarda o
movimento de pensamento em dire��o � pr�pria compreens�o do homem enquanto ser-no-
mundo.
A necessidade � o primeiro modo de nega��o do ser-no-mundo e o que possibilita a
sua liga��o un�voca com ele.
Com efeito a nega��o primitiva � uma primeira contradi��o do org�nico e do inorg�nico no duplo sentido que a falta define-se para uma totalidade, mas que uma lacuna, uma negatividade como tal tem um tipo de exist�ncia mec�nica e que, em �ltima an�lise, o que falta pode ser reduzido a elementos inorganizados ou menos organizados ou, simplesmente, a carne morta etc. Desse ponto de vista, a nega��o dessa nega��o faz-se pela supera��o do org�nico em dire��o ao inorg�nico: a necessidade � v�nculo de iman�ncia un�voca com a materialidade circundante na medida em que o organismo procura alimentar-se disso; j� � totalizante e duplamente: com efeito, ela nada mais � que a totalidade viva que se manifesta como totalidade e que desvela o entorno material, sem fim, como campo total das possibilidade de plena satisfa��o. (SARTRE, 2002, p. 196)
A nega��o primitiva ou fundamental em Sartre � estabelecida em sua “Cr�tica” n�o
pela invers�o do cogito cartesiano como no “O Ser e o Nada” e sim como a contradi��o entre
o org�nico – homem – e o inorg�nico – exterioridade imediata – pela falta. A nega��o da
nega��o ou a supera��o do org�nico em dire��o ao inorg�nico ocorre pela identifica��o da
falta e da necessidade de ela se restabelecer como totalidade efetiva pela apropria��o do
inorg�nico. Trata-se da teleologia, o ser-al�m, o porvir ou o projeto de ser-no-mundo.
Apropriar-se do inorg�nico pela organicidade estabelece um v�nculo de iman�ncia un�voca
entre ambos e o que se determinava enquanto necessidade se torna possibilidade de satisfa��o
e de manuten��o da exist�ncia. Aqui se estabelece e se fundamentam contraditoriamente o ser
e o mundo.
A a��o do homem no meio � sempre em dire��o ao futuro, por isso teleol�gica. A
teleologia ocorre quando o homem identifica e determinada a falta para uma totalidade
abstrata como ser-no-mundo entre outros seres e pela pr�xis ele modifica tanto o mundo como
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a si pr�prio. Trata-se de uma rela��o un�voca de interioriza��o do mundo e exterioriza��o do
ser.
O homem que produz sua vida na unidade do campo material � levado, pela pr�pria pr�xis, a determinar zonas, sistemas, objetos privilegiados nessa totalidade inerte; ele n�o pode construir suas ferramentas [...] sem introduzir determina��es parciais no meio ambiente unificado [...]; assim, op�e-se a si mesmo pela media��o do inerte; e, reciprocamente, a for�a construtiva trabalhadora op�e a parte ao todo no inerte, no interior da unidade “natural”; [...] Em primeiro lugar isso quer dizer que a nega��o torna-se interior no pr�prio meio da exterioridade; em seguida que ela � uma real oposi��o de for�as. Mas, essa for�a chega duplamente a Natureza pelo homem, uma vez que a sua constitui, ao mesmo tempo, o todo e o dilaceramento do todo. (SARTRE, 2002, p. 204)
Ser e estar no mundo � agir num campo material determinando-o em dire��o a um ser-
al�m que d� conta da falta de ser. Isso unifica o homem � materialidade trabalhada e a
diferencia de outros campos materiais, constituindo-se zonas, sistemas, regi�es etc. A a��o
objetivada no campo material retorna ao homem como uma nega��o da interioridade
exteriorizada e esta remete a nega��o fundamental que s� poder� se constituir em afirma��o
se houver a completa correspond�ncia entre o ser-al�m pensado e a materialidade trabalhada.
Contudo, eis uma proposi��o ideal, porque a pr�pria determina��o do campo material est�
envolta de um circuito de for�as que ao mesmo tempo se diferencia, ela determina certos
atributos de outros campos materiais, se determinando. O homem identifica a necessidade
quando exterioriza a sua interioridade sob o modo de ser-al�m e estas podem conflitar ou
coadunar com uma atividade que n�o � sua. Trata-se de determina��es ou motiva��es para as
suas possibilidades. Esta � uma necessidade de novo tipo, s�o os projetos de outros homens
objetivados na mat�ria, sejam do mesmo campo material trabalhado ou de outros.
Nesse sentido elementar, o indiv�duo repassa do subjetivo para o objetivo j� n�o, como h� pouco, conhecendo seu ser do ponto de vista da mat�ria, mas realizando a sua objetividade humana como unidade de todas as nega��es que o ligam pelo interior ao interior dos outros e de seu projeto como unifica��o positiva dessas mesmas nega��es. Imposs�vel existir no meio dos homens sem que eles se tornem objetos para mim e para eles por mim, sem que eu seja objetos para eles, sem que por eles, minha subjetividade torne a realidade objetiva como interioriza��o de minha objetividade humana. [...] Cada existente integra o Outro na totaliza��o em andamento e, por isso –mesmo se nunca o chegasse a ver – define-se – apesar dos anteparos, obst�culos e dist�ncias – em rela��o � totaliza��o atual que o Outro est� em via de operar. (SARTRE, 2002, p. 219)
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A unifica��o do meu projeto aos projetos dos Outros por sua objetiva��o na mat�ria �
um modo de determina��o do ser. Os seres se integram uns aos projetos dos outros pela
totaliza��o que � a sua pr�xis em determinada totalidade. Por outro lado, o Outro, ao objetivar
sua subjetividade na mat�ria, escancara seu projeto por sua pr�xis, possibilita a identifica��o
do seu ser-al�m e define a sua totalidade como diferente da totalidade dos Outros. O ser-al�m
de um jardineiro � diferente de um veranista e cada um se define, define e � definido pelo
Outro pela pr�xis.
A defini��o rec�proca de Mim e do Outro � pela pr�xis e por sermos no mundo. Sou e
estou num mundo em que h� Outros e a mat�ria trabalhada expressa a Hist�ria humana, esta,
de certo modo, determina um conjunto de necessidades para Mim e para os Outros por um
modo de produ��o definido que se revela pela pr�pria pr�xis “na mediada em que ela �
pluralizada pela multiplicidade dos homens no interior da mesma resid�ncia material.”
(SARTRE, 2002, p. 219).
A escassez � o que fundamenta a rela��o dos homens com a materialidade circundante
e a possibilidade da hist�ria humana. A escassez leva o homem a superar as necessidades do
meio e a engendra como uma possibilidade para sobreviv�ncia. Em determinado campo
material, a escassez, como um modo de manifesta��o da necessidade, pode ser semelhante,
mas isso n�o significa que fundamentar� os homens do mesmo modo. Por outro lado, �
principalmente pela escassez que os homens se identificam e estabelecem projetos em comum
para tentar super�-la.
[...] a Hist�ria � mais complexa do que julga um certo marxismo simplista e o homem n�o tem que lutar somente contra a Natureza , contra o meio social que o engendrou, contra outros homens, mas tamb�m contra a sua pr�pria a��o na medida em que ela se torna outra. Esse tipo de aliena��o primitiva expressa-se atrav�s das outras formas de aliena��o, mas � independente delas; pelo contr�rio, � ele que lhes serve de fundamento. Ou por outras palavras, descobrimos a� a antipr�xis permanente como momento novo e necess�rio da pr�xis. (SARTRE, 2002, p. 237)
A escassez n�o reside somente na rela��o dos homens para a Natureza, mas na pr�pria
Natureza transformada, na mat�ria trabalhada que � totalidade social constitu�da sob as
diretrizes de um determinado modo de produ��o que indicam finalidades que n�o aquelas
estabelecidas pelo homem ou por determinada coletividade. Finalidades cujo fim pode ser
desconhecido pelos homens – aliena��o – e quando o homem, pela pr�xis, objetiva suas
intencionalidades na mat�ria, o fim estabelecido � uma necessidade que pode orientar a sua
pr�xis e ser retomada por ele novamente, eis a antipr�xis.
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A antipr�xis pode ser reproduzida pelos homens indefinidamente quando suas
possibilidades est�o, de certo modo, em acordo com os fins propostos. No limite toda
finalidade � uma forma de antipr�xis, na medida em que ela � a finalidade inerte, exig�ncia e
realidade outra do Outro para o Outro como contrafinalidade. Mas, cabe salientar que nem
todos os homens disp�em dos mesmos recursos para definir e exigir certa finalidade como
uma realidade outra para os Outros. A diferen�a reside na for�a e extens�o de cada finalidade
estabelecida no inerte pelo Outro.
Estamos vendo a complexidade de um processo pr�tico-inerte: finalidade, contrafinalidade descoberta e suportada por certos grupos na impot�ncia, contrafinalidade denunciada teoricamente, mas nunca praticamente reconhecida, em determinado per�odo, por outros grupos que t�m o poder de modificar a situa��o. (SARTRE, 2002, p. 305)
Sartre define esta contradi��o complexa entre a pr�xis e a antipr�xis e da finalidade e
da contrafinalidade como pr�tico-inerte, ou seja, a subjetividade objetivada na mat�ria retorna
ao ser como totalidade em totaliza��o da Hist�ria, fundamentando o pr�prio ser-no-mundo. O
devir do mundo � o devir do ser e reciprocamente, cujo modo de existir � social. A
sociabilidade � estabelecida, por um lado, pela rela��o dos homens com o pr�tico-inerte e, por
outro, pela rela��o entre os homens. Uma remete a outra. S�o un�vocas e constitu�das num
mesmo processo.
As finalidades e contrafinalidades necessariamente designam um modo de ser, um ser-
al�m, que pode n�o estar de acordo com os interesses de determinados homens e grupos ou, a
princ�pio, ser conivente com certos interesses que n�o os seus. Eis, um modo de assegurar a
pr�pria manuten��o de sua exist�ncia. Contudo, isto n�o deixa de ser um modo de reprodu��o
das rela��es sociais de produ��o, ou seja, reprodu��o de certas finalidades que n�o s�o as suas
como “tendo sido” e que podem ser retomadas pelo pr�prio ser como contrafinalidades.
[...] essa materialidade, enquanto materialidade inorg�nica que se produz nas e pelas rela��es pr�ticas, toma a determina��o da alteridade. Assim, no movimento dial�tico que caracteriza, no interior do coletivo, essa estrutura de falsa reciprocidade, a serialidade como selo projetado do objeto comum sobre a multiplicidade humana retorna ao objeto comum e o determina, pela a��o de cada um, como objeto outro (ou seja, objeto comum enquanto objetiva��o do outro ou enquanto outra objetividade). � nesse momento dial�tico que o objeto produz seus homens (enquanto trabalhadores, propriet�rios etc.) como os Outros dos quais ele � a alteridade e que agem sobre ele ou sofrem sua a��o na medida em que se torna para cada um seu Destino Outro ou seu Interesse Outro, ou seja, enquanto a atividade de cada um – na medida em que corresponde �s exig�ncias do objeto comum –
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desvela tamb�m a impot�ncia em cada um de todos sob a forma objetiva de inflexibilidade do objeto. (SARTRE, 2002, p. 408)
A imposi��o pelo pr�tico-inerte de interesses que n�o s�o os de determinado homem
ou grupo constitui uma falsa reciprocidade entre os homens porque est� fundada na alteridade
indicada pelos objetos e suas intencionalidades. Quando os homens identificam os projetos ou
destinos atribu�dos a eles em sua rela��o para o pr�tico-inerte, isso pode lev�-los a constituir
certo tipo de coletividade. Seus interesses particulares s�o dilu�dos quando est�o submetidos a
um mesmo processo que determina uma escassez similar, que pode ser um dos princ�pios da
uni�o entre os homens. Uni�o que quando concretizada poder� constituir em um interesse
geral ou interesse de classe.
Essa nova estrutura da experi�ncia apresenta-se como uma reviravolta do campo do pr�tico-inerte: ou seja, o nervo da unidade pr�tica � a liberdade que aparece como necessidade da necessidade ou, se preferirmos, como sua reviravolta inflex�vel. Com efeito, na medida em que os indiv�duos de um meio s�o colocados em causa diretamente, na necessidade pr�tico-inerte, pela impossibilidade de viver, sua unidade radical (reapropriando-se dessa mesma impossibilidade como possibilidade de morrer de forma humana, ou, em outras palavras, da afirma��o do homem por sua morte) � a nega��o inflex�vel dessa impossibilidade (“viver trabalhando ou morrer combatendo”); assim, o grupo constitui-se como a impossibilidade radical da impossibilidade de viver que amea�a a multiplicidade serial. No entanto, essa nova dial�tica, na qual a liberdade e a necessidade formam uma s� coisa, n�o � um novo avatar da dial�tica transcendental: mas uma constru��o humana, cujos �nicos agentes s�o os homens individuais, enquanto livre atividades. (SARTRE, 2002, p. 443)
� pela necessidade que os homens se orientam e se organizam como possibilidade
humana de n�o serem pela necessidade. Quando buscam superar a necessidade pela liberdade
de ser, os homens confrontam e questionam a necessidade e sua multiplicidade serial em prol
de sua unidade. Deste modo, Sartre afirma que a dial�tica entre a liberdade e a necessidade
deve ser entendida como uma s� coisa e como constru��o humana, cujos agentes s�o os
homens individuais.
1.7. Apontamentos
Pela exposi��o e an�lise que realizamos para algumas proposituras filos�ficas ficou
patente que o que denominamos atualmente como ontologia pode ser associada,
contraditoriamente, � metaf�sica e � teoria do conhecimento. Buscamos levar em conta os
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diferentes pensadores em diferentes per�odos hist�ricos e como estes desenvolvem suas
proposi��es te�ricas em di�logo com as precedentes para entender certa realidade. O
fundamento deste di�logo � o conflito, a contradi��o, a dial�tica no seu modo mais elementar,
em que a ideia primeira, como ideia questionada, n�o � abandonada e sim desenvolvida em
dire��o a super�-la. No bojo da ideia desenvolvida h� a ideia questionada e a ideia
questionadora que se relacionam contraditoriamente.
Deste modo, entendemos que o fundamento da ontologia � o entendimento quanto �
fundamenta��o do ser-no-mundo e a partir de uma ontologia fundamental � poss�vel as
ontologias regionais como modos de entendimento do mundo.
A ontologia regional ou as ci�ncias em geral remete, necessariamente, a ontologia
fundamental. Como esta �ltima se ocupa do entendimento da fundamenta��o do ser-no-
mundo, o qual est� posicionado, situado e no mundo, ao modo do em e no, como exposto por
Heidegger, qualquer pesquisa cient�fica que se utilize dos pressupostos ontol�gicos devem
considerar o privil�gio �ntico-ontol�gica do ser-no-mundo, tanto para o pesquisador como
para o pesquisado.
O privil�gio �ntico-ontol�gico atribui relevo o conceito de homem e o seu processo de
fundamenta��o. Notamos que, de Arist�teles a Sartre, h� o esfor�o de se desenvolver o
conceito de homem, em suas diferentes denomina��es – Ser, ser do ente, ser-no-mundo,
Dasein, ser-a�, presen�a, Para-si-Em-si etc. – pondo em quest�o o modo de ser-no-mundo.
Para alguns pensadores a raz�o � o seu fundamento e para outros a sua rela��o com o mundo.
Quando a raz�o � o fundamento para o conceito de homem, este como uma
representa��o que remete aos seres em geral, h� uma esp�cie de afastamento do observador
em rela��o ao observado – estes podem ser tanto os entes em geral como o pr�prio ente que o
homem � – por meio de procedimentos racionais e o fundamento de todo ente est� no ser que
observa. Por outro lado, quando o conceito de homem � estabelecido pelas rela��es que os
seres em geral estabelecem com o mundo, o pr�prio observador � considerado ao modo do
observado, pois est� no mundo e seu fundamento � indicado pelas rela��es dos seres com o
mundo.
O observador/pesquisador e o pesquisado, principalmente, para as pesquisas de
Ci�ncias Humanas, em que o conceito de homem � abordado, sen�o diretamente, o �
lateralmente, devem ser considerados ao modo do Dasein quando utilizados os princ�pios
ontol�gicos. Isto implica numa remiss�o cont�nua do pesquisador ao �mbito do cotidiano em
que ele � para o pesquisado, pois � nele que h� a pesquisa. O pesquisador deve ser estando no
meio do mundo junto ao pesquisado em que sua perspectiva de pesquisa obede�a, mesmo que
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inicialmente, a sua facticidade de ser. Sem d�vida que pelo desenvolvimento da pesquisa o
pesquisador pode buscar em outras inst�ncias e em outras perspectivas o entendimento de
certo fen�meno no cotidiano para n�o recair em formalismos e abordagens fugazes, mas esta
deve ser, ao modo do Dasein, como conhecimento do mundo e estando no mundo e n�o a
partir de dedu��es e procedimentos a priori.
Deste modo, a partir privil�gio �ntico-ontol�gico e do conceito de homem – Dasein –
ao modo desenvolvido por Heidegger e Sartre pretendemos correlacionar as principais ideias
filos�ficas que explicitamos neste cap�tulo como uma maneira de anunciar alguns conceitos e
categorias que utilizaremos no decorrer da pesquisa, especificamente, no que concerne �
an�lise da ontologia do espa�o desenvolvida por Santos e Silva.
De Heidegger, salientamos o Dasein e o conceito de ser-no-mundo, como o ser que
vive, habita, � e est� em e no mundo; de Sartre, as considera��es quanto �s estruturas do
Dasein – Para-si, Em-si e Para-outro. Concordar com as estruturas do Dasein propostas por
Sartre � considerar a dial�tica comoa principal lei do materialismo hist�rico e trazer para a
discuss�o al�m da fundamenta��o do ser-no-mundo, o Para-outro e sua suprassun��o, o ser-
Para-outro, como um modo fundamental de ser.
Hegel, Husserl, Heidegger e Sartre colocam, cada uma ao seu modo, que h� ao menos
duas maneiras de percebermos o Outro: uma pela pr�xis objetivada na mat�ria e a outra pelo
encontro com Outro sob o modo de ser o ser que n�o sou. Podemos correlacionar esta
concep��o geral de como percebermos o Outro, especificamente, pelas a��es objetivadas na
mat�ria com as concep��es desenvolvidas por Arist�teles e Leibniz, respectivamente, para a
categoria for�a e para a categoria pot�ncia. Ambas as categorias referem-se a certo tipo de
conte�do para determinada forma. Arist�teles desenvolve uma hierarquiza��o categ�rica, em
g�neros, esp�cies e indiv�duos, os quais s�o diferenciados por sua for�a. Leibniz hierarquiza
as m�nadas, das mais simples � suprema, Deus, estabelecendo um modo de rela��o entre elas
que, pelo exerc�cio de sua respectiva pot�ncia, determinar� um modo de exist�ncia e de
rela��o, que � o espa�o.
Se, por um lado, Arist�teles busca identificar pelos g�neros supremos os elementos
fundamentais da exist�ncia, por outro, Leibniz parte de um princ�pio similar, para destacar a
heterogeneidade dos entes e seres, em que o elemento fundamental � a m�nada.
Notadamente, em Sartre, a concep��o de espa�o relacional � retomada para indicar a
heterogeneidade dos entes e a rela��o entre o ser e o nada, mas, diferentemente de Leibniz,
esta n�o possui qualquer apelo divino. O espa�o em Sartre � a rela��o entre entes que n�o
possuem quaisquer rela��es inerentes entre si.
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Tanto para Arist�teles como para Leibniz � pelo ser-do-homem que � poss�vel o
entendimento do mundo, pois s�o pelas categorias e conceitos, como instrumentos
intelectuais, que os homens podem entender como o mundo � organizado. Kant n�o
desconsidera este princ�pio e prop�e que a verdade do mundo � o pr�prio entendimento para o
mundo – a raz�o pura – pois � organizado pelas ideias dos homens.
Kant separa o dom�nio do ser e o dom�nio do pensar. O primeiro ser� objeto de
estudos da L�gica geral e o segundo da L�gica transcendental. A L�gica transcendental �
subordinada a L�gica geral, justamente, porque o conhecimento tem a experi�ncia como
princ�pio, mas como nem todo conhecimento deriva da experi�ncia, � na L�gica
transcendental que a ontologia ter� seu objeto definido, a raz�o pura.
Na L�gica geral, Kant determina o espa�o como uma intui��o a priori externa, um
elemento constitutivo de qualquer fen�meno, que n�o � determinada por procedimentos do
entendimento. O espa�o est� como forma da mat�ria e sendo poss�vel de compar�-lo com
outros espa�os pelo tempo – a intui��o a priori interna indica o movimento dos corpos.
Estabelecem-se espa�os relativos para, no limite, haver um espa�o absoluto. Enquanto em
Leibniz � a relacionalidade entre os corpos que constitui o espa�o, em Kant, este � uma
intui��o a priori, um espa�o relativo porque s� pode ser para um espa�o absoluto.
Kant realiza um recorte da realidade quanto considera os espa�os relativos como um
modo de apreens�o do pr�prio campo material do ser. Tanto que, para comparar os diferentes
espa�os, � necess�rio ter a categoria tempo como intui��o a priori interna que assinala para o
movimento, logo, a mudan�a dos corpos em rela��o a uma exterioridade, o espa�o. Husserl,
para muitos cr�ticos, se aproxima das proposi��es de Kant quando tenta desenvolv�-las para
constituir a Filosofia como uma ci�ncia rigorosa.
Diferentemente de Kant, Husserl considera que os objetos para consci�ncia n�o se
restringem as representa��es acerca da exterioridade, pois as ideias tamb�m s�o objetos para a
consci�ncia. Ele se envereda a identificar a ess�ncia dos fen�menos para determinar as
categorias fundamentais da exist�ncia e o fundamento da ontologia, que � a intersubjetividade
transcendental.
Husserl prop�e a Fenomenologia como m�todo filos�fico em que a intencionalidade e
o Outro s�o alguns dos fundamentos do ser. A intencionalidade � identificada como a
teleologia do ser-do-homem. Este conceito tamb�m pode ser correlacionado com o de for�a
de Arist�teles e o de pot�ncia de Leibniz quando os consideramos como certa transcend�ncia
de determinada iman�ncia. Diferencia-se, porque se para Arist�teles e Leibniz estes s�o
atributos transcendentais, para Husserl ele � um atributo do ser.
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Aqui retomamos as considera��es de Heidegger em “Ser e tempo” e de Sartre em “O
Ser e o Nada” a partir do conceito de intencionalidade ao modo desenvolvido por Husserl.
Eles v�o consider�-la como � um ser-al�m, um projetar do ser-no-mundo, como um modo
essencial de ser. O Dasein s� pode ser projeto de ser-aqui, no presente, rumo a um futuro que
se objetiva pela ocupa��o, como prefere Heidegger, ou pela pr�xis, como prefere Sartre.
Heidegger p�e o Dasein em situa��o rumo a um futuro. Diferentemente, Sartre ir�
conceber as estruturas do Dasein pelo cogito cartesiano e, a partir da�, estabelecer o
fundamento da temporalidade. Similar � Husserl e Hegel, Sartre inverte o cogito sob o
argumento que n�o h� a preced�ncia do pensamento para a exist�ncia, pois elas ocorrem
concomitantemente. Heidegger negligencia esta discuss�o ao afirmar preced�ncia �ntico-
ontol�gica do ser-no-mundo. Os outros seres e os entes s�o identificados e determinados pelo
Dasein por suas objetividades como alteridade.
Outro ponto de discord�ncia entre as proposi��es de Sartre para as de Hegel, Husserl e
Heidegger ocorre quando estes pensadores afirmam que a determina��o de certo objeto � sua
nega��o quando representado, para Sartre quando se determina um objeto para a consci�ncia
h� a nega��o de um campo material – o nada. Destotaliza-se a totalidade e a correla��o entre
os objetos do campo material considerado, em que a forma � o objeto determinado e o fundo �
campo material indiferenciado, � o espa�o.
Em Sartre encontramos uma discuss�o mais acurada quanto o Outro em presen�a,
como o ser que n�o sou. Se o Outro em Husserl � definido como certo ente que apreendo
objetivamente e pelo entendimento e o defino, para Sartre, o Outro fundamenta o ser quando
o apreendo como outro ser consciente de uma rela��o. O identifico pelas suas
intencionalidades atribu�das aos objetos e enquanto ser que prop�e projetos que n�o s�o de
meu conhecimento.
A supera��o do conflito entre Eu e o Outro ocorre quando se identifica e desenvolve
projetos em comum – coletividade – como projetos de ser. Neste ponto Sartre se contrap�e a
proposta desenvolvida por Heidegger, justamente, porque o Outro para Heidegger n�o se trata
de encontro fundamental para o ser e sim uma representa��o pelo cometimento do
entendimento, Mitsein.
Sartre na sua “Cr�tica” desenvolve com mais acuidade uma das maneiras fundamentais
de encontro com o Outro. Uma delas ocorre pela pr�xis que n�o a sua objetivada na mat�ria,
antipr�xis. A antipr�xis � a pr�xis outra que pode determinar a possibilidade humana de ser
remetida ao pr�prio homem. Esta abordagem n�o se distancia daquela de “O Ser e o Nada”, a
diferen�a est� na denomina��o dos conceitos e na busca di�logo com algumas proposi��es
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marxistas. A outra forma de encontro com Outro, do ser em presen�a, em “O Ser e o Nada”
ocorre por uma nega��o rec�proca que fundamenta ambos pelo conflito de ser. Esta rela��o
desenvolve-se do amor ao �dio e sua supera��o � posta a partir do n�s-objeto e do n�s-sujeito.
Na “Cr�tica”, a rela��o com o Outro, nesta segunda forma, ocorre pela identifica��o de
destinos comuns designados aos homens pelo pr�tico-inerte. No limite, a indissociabilidade
entre o n�s-objeto e o n�s-sujeito corresponde ao destino comum para os homens quando
identificado os interesses ou as intencionalidades objetivadas na mat�ria.
O que Sartre em “O Ser e o Nada” determinar� para a rela��o entre o Para-si e o Em-si
como nega��o primordial do ser-no-mundo, na “Cr�tica”, ter� seu fundamento na falta como
ser-al�m projetado pelo ser. A falta pode possibilitar que os homens identifiquem, no campo
material de sua exist�ncia, a necessidade como determina��es de suas possibilidades de ser.
Por sua vez, o campo material de exist�ncia dos homens pode ser correlacionado com a
din�mica entre forma e fundo de “O Ser e o Nada”, que indica um espa�o relacional entre
entes sem quaisquer rela��es inerentes que n�o aquelas empreendidas pelo ser. Na “Cr�tica”,
o fundamento do espa�o relacional � a escassez.
Podemos considerar, sob certos aspectos, que Sartre na sua “Cr�tica” se distancia de
algumas de suas proposi��es de “O Ser e o Nada”. Contudo, a sua proposta � correlacionar o
existencialismo – que tem boa parte de seus princ�pios discutidos em “O Ser e o Nada” –
como uma doutrina que contribua ao marxismo pela teoria do conhecimento. Esta proposi��o
� muito clara em “Quest�es de m�todo”, quando Sartre prop�e o m�todo regressivo-
progressivo como uma possibilidade de, regressivamente, explorar a profundidade do vivido
e, progressivamente, as din�micas do movimento totalizador. Enquanto a proposta de di�logo
entre o existencialismo e o marxismo ocorre em “Quest�es de m�todo”, a sua tentativa,
baseada nos principais conceitos e categorias pertinentes ao marxismo que remetem �
exist�ncia como o fundamento de toda a sua antropologia, ocorre em sua “Cr�tica”.
Entendemos que Sartre n�o deixa de lado os pressupostos existencialistas quando tenta
concaten�-los ao marxismo no desenvolvimento de sua “Cr�tica” e sim busca, dialeticamente,
analisar o vivido pelos homens, ou seja, a cotidianidade, mas passa a atribuir maior relevo �s
din�micas totalizadoras. � a tentativa de entender a totaliza��o pela totalidade. Trata-se de um
procedimento metodol�gico de constante “vai-e-vem”, em que uma inst�ncia fundamenta e �
fundada pela outra em que a dial�tica est� no ser-no-mundo.
Deste modo, entendemos que, pelo de desenvolvimento da discuss�o, ou melhor, do
modo como a que conduzimos, h� a indica��o das proposituras te�ricas desenvolvidas por
Sartre como aquelas mais pertinentes para esta pesquisa. N�o poder�amos negligenciar este
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fato, contudo isso n�o ocorre aleatoriamente. A relev�ncia atribu�da � ontologia de Sartre,
tanto aquela de “O Ser e o Nada” como aquela de sua “Cr�tica”, ocorre por entendermos que
ela exerce grande influ�ncia no desenvolvimento te�rico-metodol�gico de Silva e Santos,
principalmente, para a ontologia do espa�o proposta por cada um destes ge�grafos.
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CCAAPP��TTUULLOO 22
OONNTTOOLLOOGGIIAA EEMM GGEEOOGGRRAAFFIIAA
Pela exposi��o e an�lise de parte da hist�ria da Filosofia atribu�mos relevo as
discuss�es que atualmente s�o denominadas de ontol�gicas e como estas podem ser
consideradas contradit�rias as discuss�es metaf�sicas e � teoria do conhecimento. Esta
exposi��o parece estar invertida em rela��o ao desenvolvimento da pesquisa, pois para esta
partimos das discuss�es geogr�ficas, notadamente, aquelas desenvolvidas por Silva e Santos,
para identificarmos algumas influ�ncias filos�ficas as quais tentamos averiguar.
Sem d�vida h� uma invers�o quando temos como refer�ncia o desenvolvimento da
pesquisa, por outro lado, a exposi��o e an�lise da ontologia em Filosofia precedente �
ontologia do espa�o nos estudos geogr�ficos nos possibilita auferir com maior acuidade quais
s�o as influ�ncias que a ontologia em Filosofia, notadamente, aquela desenvolvida por Sartre
exerce sobre as proposi��es te�ricas de Silva e Santos. N�o nos referimos somente aos
conceitos e �s categorias filos�ficas que podem ter sido apropriadas para estes discursos
geogr�ficos e sim como estes conceitos e categorias filos�ficas, como elementos
fundamentais de certo sistema l�gico, s�o apropriados por estes ge�grafos dentro de outro
sistema l�gico.
A interlocu��o entre a Filosofia e as ci�ncias, que no nosso caso, entendemos que s�o
tomados certos princ�pios, conceitos e categorias da Filosofia para a Geografia, � um
procedimento que deve ser feito com certa cautela, pois o conhecimento cient�fico n�o possui
a mesma estrutura l�gica do conhecimento filos�fico. Lefebvre menciona que ambos os
conhecimentos possuem a realidade como objeto, mas o modo de seu entendimento � distinto.
Com rela��o � filosofia, a vida cotidiana se apresenta como n�o-filos�fica, como o mundo real em rela��o ao ideal (e ao conceito de mundo). Diante da vida cotidiana, a vida filos�fica pretende ser superior, e descobre que a vida abstrata e ausente, distanciada separada. A filosofia tenta decifrar o enigma do real e logo em seguida identifica sua falta de realidade; essa aprecia��o lhe � inerente. Ela quer realizar-se e a realiza��o lhe escapa; � preciso que ela se supere enquanto vida filos�fica. O homem da filosofia e o homem do cotidiano, vamos deix�-los um ao lado do outro, um frente a frente do outro? � imposs�vel do ponto de vista filos�fico, pois a filosofia quer pensar “tudo”, o mundo e o homem, depois se realizar. � igualmente imposs�vel do ponto de vista do homem cotidiano, j� que a filosofia lhe traz consci�ncia e um testemunho decisivos, portanto ela � a cr�tica ao mesmo tempo v� e radical do cotidiano. [...] � aliena��o filos�fica, verdade sem realidade,
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corresponderia ainda e sempre � aliena��o cotidiana, realidade sem verdade. (LEFEBVRE, 1991, p. 18-20)
Quanto �s ci�ncias, Lefebvre afirma:
As ci�ncias parcelares se ocupam da vida real, mas como ci�ncias parcelares, que fragmentam essa enorme realidade que a filosofia deixa fora de si mesma. � a esses s�bios que pertence o real. � deles e das suas buscas que pode sair a unidade do real e do racional, atrav�s da fragmenta��o. (LEFEBVRE, 1991, p. 27 e 28)
Para Lefebvre, boa parte das ci�ncias se pauta num conjunto de categorias e conceitos
que norteiam a sua possibilidade de entendimento da realidade, para tal empreendimento a
fragmenta. A Filosofia trata a realidade como uma totalidade a certa dist�ncia, buscando
entend�-la por meio das categorias e conceitos.
Os conceitos filos�ficos ser�o fun��es do vivido, como os conceitos cient�ficos s�o fun��es de estados de coisas; mas agora a ordem ou a deriva��o mudam de sentido, j� que essas fun��es do vivido se tornam primeiras. E uma l�gica transcendental (pode-se cham�-la tamb�m de dial�tica), que esposa a terra e tudo o que ela carrega, e que serve de solo primordial para a l�gica formal e para as ci�ncias regionais derivadas. Ser� preciso que, no seio mesmo da iman�ncia do vivido a um sujeito, se descubram atos de transcend�ncia do sujeito, capazes de constituir as novas fun��es de vari�veis ou as referencias conceituais: o sujeito, neste sentido, n�o e mais solipsista e emp�rico, mas transcendental. (DELEUZE, 1992, p. 184)
Para Deleuze os conceitos filos�ficos s�o mais pr�ximos da realidade cotidiana do que
a Filosofia para Lefebvre, mas somente quando s�o forjados nos atos de transcend�ncia do
sujeito que cria sentidos para o mundo no seio da iman�ncia do vivido. Em outras palavras,
para Deleuze, os conceitos filos�ficos podem ser mais pr�ximos da realidade cotidiana
quando se leva em conta a fundamenta��o do ser-no-mundo. J� os conceitos cient�ficos
funcionam como descri��es l�gicas do estado das coisas, s�o proposicionais e, “tornando-se
proposicional, o conceito perde todo o car�ter que possu�a como conceito filos�fico, sua auto-
refer�ncia, sua endo-refer�ncia e sua exo-consist�ncia” (DELEUZE, 1992, p. 180).
A diferen�a entre o conceito filos�fico e o cient�fico para Deleuze est� no fato que o
primeiro se ocupa dos sentidos atribu�dos ao mundo no processo de transcend�ncia da
iman�ncia como uma esp�cie de teoria do conhecimento. Por isso, a Filosofia pretende ser
total, como exp�e Lefebvre, pois seu objeto de estudo � a totalidade de ser. O conceito
cient�fico s�o descri��es l�gicas propositivas dos estados das coisas. A fragmenta��o da
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realidade ocorre pela concatena��o l�gica dos conceitos cient�ficos quando estas elegem um
objeto de estudo.
Preliminarmente, entendemos que tanto Santos como Silva utilizam amplamente
algumas proposi��es filos�ficas, das quais destacamos aquelas por Sartre, para o
desenvolvimento de suas respectivas proposituras geogr�ficas. Poder�amos afirmar que Silva
n�o s� utiliza alguns conceitos e categorias trabalhadas por Sartre e sim desenvolve a
abordagem ontol�gica – a partir da ontologia fundamental – para a Geografia. Santos, utiliza
algumas categorias e conceitos desenvolvidos por Sartre com mais ou menos pertin�ncia
dependendo da obra considerada.
Para as proposi��es te�ricas de Santos, entendemos que a concep��o de pr�tico-inerte
e de intencionalidade desenvolvida por Sartre em sua “Cr�tica” � fundamental, na medida em
que ela perpassa boa parte de suas obras. Isto se torna mais claro quando notamos que Santos
atribui a categoria t�cnica como uma das fundamentais para o desenvolvimento de seu
discurso, na medida em que o ato humano, cada vez mais, tende a ser um ato t�cnico que
modifica tanto o meio quanto os homens. Este processo � denominado como ontologia do
espa�o, ou seja, “a principal forma de rela��o entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o
homem e o meio, � dada pela t�cnica” (SANTOS, 1996, p. 28-29).
Na introdu��o de sua principal obra, “A natureza do espa�o”, Santos prop�e e
desenvolve que a ontologia do espa�o seja uma abordagem de dentro, ou seja, uma l�gica
interpretativa da realidade que possibilita a an�lise da localiza��o, distribui��o e a
organiza��o dos objetos t�cnicos e seu respectivo conjunto de a��es.
Silva, notadamente, na sua proposta te�rica de fenomenologia-ontol�gica estrutural,
acompanhada do silogismo apar�ncia, ser e forma, aborda a fundamenta��o do ser-no-mundo,
destacando o processo cognitivo e estabelecendo um di�logo com a teoria do conhecimento.
Ele prop�e que a an�lise tome como ponto de partida a apar�ncia, como concreto absoluto, em
dire��o � forma, como concreto abstrato.
Entendemos que Silva baseia-se em Sartre, principalmente, em sua obra “O ser e o
nada”, para abordar o movimento do pensamento que parte da apar�ncia em dire��o � forma.
A apar�ncia � a exterioridade imediata para consci�ncia, que � fundada e fundante do existir;
a forma � o concreto abstrato, o concreto pensado, como fruto do empreendimento do
entendimento do homem acerca dos fen�menos reais; o ser � o termo deste silogismo que
indica o pr�prio homem como ess�ncia para uma exist�ncia que afere movimento para teoria.
Para este conjunto de pressupostos, Silva o denomina de ontologia do espa�o.
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Ambos os ge�grafos denominam suas respectivas propostas te�rico-metodol�gicas de
ontologia do espa�o, contudo elas diferem essencialmente. A desenvolvida por Santos tem na
categoria espa�o geogr�fico o seu principal objeto de estudo e em Silva � o lugar. Este
trabalha com a ontologia ao modo da Filosofia, ou seja, como teoria do conhecimento,
partindo dos pressupostos de uma ontologia fundamental. Santos, n�o recorre a ontologia
fundamental e sua respectiva metodologia de pesquisa, sua proposta possui como base a
metodologia de pesquisa caracter�stica das ci�ncias humanas e busca na ontologia
fundamental algumas contribui��es para desenvolv�-la para a Geografia, como ontologia
regional.
Deste modo, pretendemos expor e analisar as respectivas proposi��es te�ricas de cada
um desses ge�grafos para identificar o seu desenvolvimento l�gico e algumas de suas
influ�ncias te�ricas em que as principais categorias e conceitos geogr�ficos s�o os elementos
norteadores desta empresa.
2.1. Ontologia do espaÖo em Armando CorrÉa da Silva
Apresentaremos e analisaremos a ontologia do espa�o ao modo desenvolvido por
Silva como uma maneira de indicar a sua perspectiva de abordagem para os estudos
geogr�ficos levando em conta suas principais obras: “O espa�o fora do lugar” (1978), sua tese
de livre-doc�ncia, intitulada como “Cinco paralelos e um meridiano” (1979), “De quem � o
peda�o” (1985), e diversos artigos, do qual destacamos, “Apar�ncia, ser e forma: Geografia e
m�todo” (1996).
Esta an�lise coloca como necessidade o entendimento do modo concatena��o l�gica
das principais categorias e conceitos geogr�ficos por ele trabalhados e o di�logo estabelecido
com algumas teorias, categorias e conceitos pertinentes � Filosofia, notadamente, as
discuss�es desenvolvidas por Sartre e Heidegger.
No decorrer da pr�pria exposi��o das proposituras te�rico-metodol�gicas
desenvolvidas por Silva pretendemos sistematiz�-las para delinear uma coer�ncia l�gica que
as perpassavam, pois boa parte de suas publica��es est�o sob a forma de artigos curtos e
mesmo seus livros s�o colet�neas de artigos, dos quais, muitos deles s�os complexos, densos e
com poucas refer�ncias. Sistematiz�-los se tornou um procedimento necess�rio para melhor
entender suas proposi��es te�ricas.
A erudi��o e o esp�rito art�stico de Silva nos leva a entender que esta forma de
concep��o de seus textos era proposital, por outro lado, isto n�o facilita a instrumentaliza��o
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te�rica e a interlocu��o de suas propostas com outras para o desenvolvimento dos estudos
geogr�ficos. Deste modo, a exposi��o e a sistematiza��o das proposituras desenvolvidas por
Silva tratar�, ao mesmo tempo, o modo como ele trabalha e concatena logicamente as
principais categorias e conceitos geogr�ficos e qual perspectiva de abordagem por ele
proposta para a Geografia.
2.1.1. Impasse aristot�lico-kantiano
Remetemo-nos ao final da d�cada de 1970, per�odo em que a Geografia brasileira
passou por fortes transforma��es. O movimento denominado Geografia Cr�tica, se utilizando
de princ�pios desenvolvidos pelas discuss�es marxistas, realiza cr�ticas incisivas a
denominada New Geography. Silva, nas primeiras p�ginas de “O espa�o fora do lugar”, se
p�e como part�cipe deste movimento, ao mesmo tempo, em que exp�e sua preocupa��o
quanto � reprodu��o de certos impasses te�rico-metodol�gicos para o desenvolvimento desta
Geografia que se configurava.
A discuss�o metodol�gica se p�e quando o objeto mudou. O que aconteceu com o espa�o do ge�grafo?N�o se trata do tru�smo de que o espa�o geogr�fico est� sempre mudando. Disso s� pode derivar o conhecimento ing�nuo. O problema � mais complexo porque se trata, no movimento do real, de caracterizar o que permanece na mudan�a e que, ao mesmo tempo, indica a perman�ncia do movimento. (SILVA, 1988, p. 2)
Para Silva, o problema o qual a Geografia deve superar � complexo, pois se trata de
caracterizar o que permanece na mudan�a e o que designa a perman�ncia no movimento. De
modo apressado, se pode fazer a f�cil associa��o desta assertiva com a concep��o de espa�o e
tempo em Kant, pois para este o movimento – tempo – para o espa�o ocorre pelas mudan�as e
perman�ncias dos objetos contidos nele, ou seja, s� identificamos o tempo pela mudan�a de
certas fei��es dos objetos no espa�o. Contudo, este princ�pio kantiano deve ser recha�ado,
pois para Silva:
A supera��o do impasse exige mais do que a pesquisa nessa dire��o.Num n�vel mais alto de preocupa��o a quest�o pode encontrar viabilidade de solu��o quando o ser � proposto desde logo como n�o sendo separ�vel do tempo, do espa�o e do movimento. (SILVA, 1988, p. 3)
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Por o ser como indissoci�vel do tempo, do espa�o e do movimento � tentar n�o
reproduzir a dicotomia derivada das concep��es kantianas de tempo e espa�o, que coloca
certas categorias como condi��o para que haja quaisquer intui��es externas e internas a
priori. � considerando a pr�xis do ser-do-homem como um modo de objetiva��o do trabalho
na mat�ria, transformando-a, que Silva exp�e a possibilidade de caracterizar tanto o que
perdura como o que muda para os diferentes per�odos hist�ricos. Assim, o impasse �
identificado como:
A discuss�o entrava-se na dicotomia: o ser em si e o ser do movimento.Ora, a Geografia tem raiz em Arist�teles com a classifica��o, emp�rica e l�gica. Por outro lado, a descri��o dos lugares e das popula��es, que se encontra em Her�doto e Estrab�o, implica uma interpreta��o da qual n�o esta isento o ju�zo de valor, o que revela e exp�e o debate sobre o movimento do ser.Foi preciso esperar pelo s�culo XVIII, com Kant, para que a discuss�o sobre o fen�meno, pusesse em jogo o pensamento puro e o pensamento pr�tico como quest�o central. A solu��o hegeliana � conhecida, assim como suas deriva��es. Mas a Geografia ignorou essa solu��o.Ora, a Geografia tem raiz em Kant (nem tanto o Kant ge�grafo) com a quest�o da apar�ncia e realidade. (SILVA, 1988, p. 5)
A classifica��o pela descri��o dos lugares e de sua popula��o possibilita a Geografia
desenvolver uma l�gica que aborda o emp�rico, mas com este h� a reprodu��o da dicotomia
entre o dom�nio do ser e o dom�nio do pensar. Kant p�e em quest�o esta dicotomia por meio
do conceito de fen�meno, mas acaba por desenvolv�-la em outro n�vel, entre a apar�ncia e a
realidade.
A solu��o hegeliana para o impasse desenvolvido por Kant � para Silva a supera��o
entre o dom�nio da apar�ncia e do dom�nio da realidade, ou seja, em Kant cada uma dessas
perspectivas da realidade se encontra numa dist�ncia intranspon�vel, pois o ser permanece
ausente e, por conseguinte, o pr�prio movimento do pensamento e do real, este, como reflexo
e reflex�o. A gnosiologia de Hegel, j� em sua “Fenomenologia do esp�rito”, destaca o
empreendimento do entendimento da apar�ncia para a realidade, ou melhor, busca superar a
dicotomia entre o dom�nio do ser e o dom�nio do pensar pela exposi��o e an�lise do processo
cognitivo.
Na sua tese de livre-doc�ncia, “Cinco paralelos e um meridiano” (1979), Silva exp�e
que a reprodu��o deste impasse incorre em estudos geogr�ficos que se reduzem a descri��o
dos lugares e das popula��es, as classificando por suas diferen�as e semelhan�as. O resultado
� uma esp�cie de mosaico. Os lugares s�o tomados como sub-espa�os, espa�os relativos ou
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regi�es em rela��o a um espa�o absoluto, de modo similar ao proposto por Kant. Silva
denomina esta problem�tica de “impasse aristot�lico-kantiano” (SILVA, 1988, p. 6) e afirma
que a solu��o hegeliana, desconsiderada pela Geografia, ou seja, a dial�tica hist�rica como
uma abordagem que exp�e como ocorre a apropria��o contradit�ria dos entes pelo ser pode
possibilitar a constru��o de um discurso acerca desse movimento do pensamento entre os
conceitos e os tipos.
O procedimento inicialmente adotado por Silva para superar este impasse consiste:
Ora, o discurso do ge�grafo, para mim, deve ter como refer�ncia, neste caso, a categoria espa�o. Isto �: como em Kant, “um conceito fundamental do entendimento” (KANT, 1978, p. 50). [...] Trata-se, assim, de um discurso que se explicita atrav�s de termos espec�ficos que d�o a linguagem uma caracter�stica: “trabalho com conceitos fundamentais do conhecimento” e com “tipos aristot�licos”, no mesmo discurso. H�, ent�o, um ensaio, um movimento particular do racioc�nio, que promove o fluxo contradit�rio de conceitos e tipos. � o que acredito ser a possibilidade de solu��o para o que denominei de “impasse aristot�lico-kantiano” de Geografia. (SILVA, 1979, p. 00I)
Por um lado, o movimento particular de racioc�nio � o arcabou�o te�rico-
metodol�gico desenvolvido na Geografia como uma esp�cie de universalidade que �
contradit�ria a singularidade que � a totalidade do real. Disso, Silva prop�e a subtotalidade,
pois como, tradicionalmente, os ge�grafos tendem a abordar uma parte do todo, a
subtotalidade se trata de um recorte epistemol�gico da totalidade para a Geografia. Por outro
lado, ele considera a ontologia do espa�o (SILVA, 1988, p. 7-9) como um modo de abordar
uma forma de representa��o do todo para a consci�ncia por um conceito fundamental do
entendimento, ou melhor, por uma categoria, o espa�o. Considerar a subtotalidade como
totalidade para os estudos geogr�ficos incorre num procedimento metodol�gico para evitar
que uma Ci�ncia Humana, como a Geografia, seja erigida sob um conceito de homem que n�o
d� conta de sua complexidade de ser-no-mundo.
A Geografia trata de problemas que est�o relacionados a tr�s n�veis de an�lise da realidade: a) a natureza, incluindo aqui o homem como esp�cie antropol�gica; b) � vida social, no sentido de que n�o existe um homo geographicus, abstrato, mas vivendo em/e dando vida a sistemas sociais; e c) �s rela��es entre os grupos sociais e os meios, natural e humanizado. [...] O segundo n�vel � o menos considerado pelos ge�grafos, que preferem em falar em um homem abstrato. (SILVA, 1988, p. 96)
Silva prop�e tr�s n�veis de an�lise da realidade para os estudos geogr�ficos e em todos
eles h� o destaque para o conceito de homem. No primeiro como ser antropol�gico, um ente
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entre entes, pela pr�pria materialidade e facticidade que � o ser pelo seu corpo. No segundo
n�vel, afirma n�o haver um homo geographicus real, tampouco, um conceito. Justamente,
porque o ser-do-homem no e para o mundo � uma totalidade em totaliza��o, como ser social.
Aqui, o adjetivo social para o conceito de homem n�o se refere a um conceito sociol�gico e
sim o modo como o homem � fundado e fundante para a sociedade. No terceiro n�vel, ele
destaca a rela��o entre os homens e deste com o meio. � neste n�vel que os homens como
seres sociais d�o vida aos sistemas sociais.
Silva destaca que o segundo n�vel � o menos considerado pelos ge�grafos, pois, em
geral, estes abordam o homem como um ser abstrato, sob os conceitos de popula��o, classe
social, a��o antr�pica etc. Para Silva o homem deve ser abordado sob o modo de ser-no-
mundo no intuito de resguardar o processo cognitivo para a explica��o e abordar a
subtotalidade como fundada e fundante nos estudos em Geografia.
No artigo “Apar�ncia, ser e forma: Geografia e m�todo”, Silva vai exp�e de modo
expl�cito e sistematizado o modo como ocorre este processo para a concep��o da
subtotalidade ao indicar movimento de pensamento desta at� a categoria espa�o. Ele prop�e
desenvolver o silogismo apar�ncia, ser e forma, correlato � proposi��o te�rica de
fenomenologia-ontol�gica estrutural, possibilitando um modo de compreens�o da
fundamenta��o do ser-no-mundo para os estudos em Geografia. Trata-se de “um
procedimento pluralista e interdisciplinar que consiste em produzir o discurso no momento de
pens�-lo como informa��o e comunica��o, capazes de permitir a express�o do significado e
do significante” (SILVA, 1996b, p. 80).
2.1.2. Uma proposi��o te�rico-metodol�gica e seu silogismo
Poder�amos correlacionar a fenomenologia-ontol�gica estrutural e o silogismo
apar�ncia, ser e forma de maneira simples, ou seja, a apar�ncia atrelada � fenomenologia, o
ser � ontologia e a forma ao discurso estrutural. N�o que esta associa��o seja destitu�da de
sentido, mas se reter somente a ela para o entendimento desta propositura � n�o destacar o
modo como pode ser poss�vel interpretar, representar e entender o movimento do real,
subjetiva e objetivamente, para os estudos em Geografia.
Esta propositura se trata de um hibridismo te�rico-metodol�gico que pretende
relacionar a ontologia com a fenomenologia e o estruturalismo. A ontologia do modo que �
utilizada por Silva est� pr�xima a maneira proposta por Heidegger, na medida em que, “a
ontologia cl�ssica, por exemplo, aquela de Luk�cs e N. Hartman, n�o d� conta da forma real e
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da forma aparente” (SILVA, 1997b, p. 2) e pressupomos que tampouco aquelas de Arist�teles
e de Husserl.
Entendemos que Silva n�o utiliza a ontologia aristot�lica, ou melhor, a sua metaf�sica
na medida em que a taxonomia � um dos seus princ�pios que desenvolve o impasse que ele
identificara. Ora, a identifica��o e classifica��o dos fen�menos n�o deixam de ser um dos
pressupostos para a descri��o. Este � um procedimento necess�rio para a an�lise, mas
insatisfat�rio quando nos retemos somente a ele para se entender a realidade contempor�nea.
Quanto � fenomenologia de Husserl h� dois aspectos que merecem destaque: a constru��o de
um m�todo que privilegia as representa��es fenom�nicas e a partir deste o processo cognitivo
em detrimento do concreto n�o seria pertinente para a utiliza��o em uma ci�ncia como a
Geografia, pois � pelo concreto que podemos identificar e entender o conflito entre
necessidades e possibilidades, que � um dos princ�pios da sociabilidade. Sem este conflito a
pr�pria pr�xis � solit�ria e a categoria sociedade � questionada o que acarreta num modo de
solipsismo. Desconsidera-se para o desenvolvimento te�rico-metodol�gico as rela��es entre
os homens e o seu rec�proco processo de fundamenta��o.
Entendemos que a utiliza��o da fenomenologia por Silva est� de acordo com o modo
desenvolvido por Sartre, principalmente, em sua obra “O Ser e o Nada”, em que ele dialoga
com a fenomenologia de Husserl e a ontologia de Heidegger. Do primeiro ele utiliza o
procedimento que evidencia a contradi��o entre a consci�ncia e a exterioridade imediata que
leva os homens ao conhecimento do mundo enquanto rela��es de rela��es dos objetos e dos
fen�menos; pelo segundo, ele toma o conceito de ser-no-mundo na tentativa de evitar o
solipsismo husseriano.
Silva toma estas considera��es de Sartre para desenvolver a fenomenologia-ontol�gica
estrutural, na medida em que a paisagem � corroborada pela contradi��o da rela��o homem-
meio e, o homem, por sua vez, suprassume certos elementos desta rela��o. Ademais, � pelo
desenvolvimento do silogismo apar�ncia, ser e forma que esta refer�ncia se torna mais clara.
De modo geral, um silogismo � composto por uma premissa maior, uma menor e um
termo mediador. Quando realizado segundo a compreens�o n�o cai nos formalismos
dedutivistas dos silogismos cl�ssicos, como: “Todo homem � mortal; ora, S�crates � homem;
logo, S�crates � mortal.” (LEFEBVRE, 1975, p. 153-154). O silogismo baseado na
compreens�o congrega determinado entendimento de mundo segundo os momentos do
pensamento e as dimens�es de an�lise do real – universal, singular e particular –, por
exemplo: “Todo Estado que, em seu crescimento, ultrapassa certos limites, dirige-se para sua
perda; ora, a Roma imperial ultrapassou seus limites; logo, a Roma imperial dirigiu-se para a
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sua perda.” (LEFEBVRE, 1975, p. 157). Eis um silogismo da necessidade, que � um
silogismo concreto, um silogismo hist�rico.
Para o silogismo apar�ncia, ser e forma, a premissa menor � a apar�ncia, que � o
imediato; o termo mediador � o ser; e, a forma � a premissa maior, que � o concreto e
mediato. Pela articula��o contradit�ria entre estas tr�s categorias evidencia-se o processo de
conhecimento do ser-no-mundo, desde seu modo elementar e imediato – o objetivo
subjetivado – at� o seu modo concreto e mediato – a objetiva��o na mat�ria de certa
subjetividade, que � a objetividade da mat�ria trabalhada, pressupondo uma objetiva��o, ato.
A mat�ria trabalhada designa os projetos ou as intencionalidades que lhe foram atribu�das e a
possibilidade de articula��o contradit�ria a outros projetos num contexto de mundo, que �
totalidade em totaliza��o. O modo concreto ainda pressup�e o entendimento e o
conhecimento dos fen�menos.
A enuncia��o desse silogismo se trata de um esfor�o de colocar o modo de
conhecimento do ser no centro do debate em Geografia, uma vez que “decifrar a forma, que �
resultado e ponto de partida, implica ter o ser como refer�ncia anal�tica, mas que s� se mostra
como apar�ncia” (SILVA, 1996b, p. 80). Os dois momentos qualitativamente diferentes da
categoria forma pressup�em o movimento de pensamento do ser.
O primeiro momento � a forma enquanto apar�ncia e, o segundo, ela dotada de certo
conte�do. “Ora, recuperar a vis�o da apar�ncia � o ‘ver’ carregado de subjetividade. O
espa�o-tempo vivido �, assim, apenas uma media��o. H� que ultrapassar o seu significado
emp�rico, para a id�ia repor-se como id�ia, ou seja, como abstra��o” (SILVA, 1996a, p. 114).
A apar�ncia � o elemento primeiro. No mundo dos fen�menos, o aparente � um objeto
real separado de seu significado para o sujeito, ou seja, como a forma e conte�do destitu�dos
de interesse. Para ultrapassar a apar�ncia � necess�rio vivenciar o lugar. O objeto enquanto
apar�ncia precisa ser vivenciado em determinado meio para ganhar novos contornos, como
objetividade subjetivada. Muda-se o objeto e se muda o sujeito. Nas palavras de Silva (1996b,
p. 79):
A apar�ncia � o ver, o olhar, o enxergar, o observar, o pensar e o refletir externos a consci�ncia, ante a qual se p�e. [...] O ser da conta da interioridade do olhar, do ver, do enxergar, do observar e do refletir. N�o as palavras, agora, mas as categorias e os conceitos. Mas, h� uma teoria e m�todo da apar�ncia e uma teoria e m�todo de ser, cuja articula��o deve ser feita, na passagem do abstrato ao concreto. Ora, h� que retornar ao abstrato, ent�o como modo. � o �mbito da forma. Mas, em movimento.
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Por estas palavras de Silva fica clara a tentativa de di�logo entre a fenomenologia e a
ontologia, assim como, a busca de entendimento do movimento de pensamento que vai do
abstrato absoluto ao abstrato concreto, da totalidade � totaliza��o, da apar�ncia a forma ou da
paisagem – como representa��o refletida da rela��o homem-meio – ao espa�o. Contudo,
fazemos a ressalva para esta cita��o que, tamb�m, devemos considerar que os demais sentidos
humanos interagem nesta apreens�o das formas aparentes, apar�ncia. A forma aparente se
realiza nos sentidos e os sentidos na forma aparente, n�o um depois o outro. Sen�o
recair�amos numa indaga��o que levaria a uma tautologia, como: o gosto tem forma ou dada
forma tem um gosto?
Para o desenvolvimento deste discurso Silva considera que o movimento de
pensamento da apar�ncia � forma possui como fundamento a contradi��o, como totalidade do
ser-no-mundo. Colocando-se a mente como vazio. Como nega��o da exterioridade.
O ponto de partida � a considera��o da abstra��o em si mesma como objeto. [...] Ela se pondo � mente como vazio, que � aspecto do real concreto em si. O vazio � o nada, que a praticidade do universo identifica como uma forma real do existir. O nada pode ser pensado como n�o-ser. O n�o-ser possui uma espacialidade relacional: os vazios s�o m�ltiplos. (SILVA, 1996a, p. 99) (grifo nosso)
Silva estabelece o nada como um elemento do processo de fundamenta��o do ser em
que a forma aparente � a primeira representa��o desta rela��o, como percep��o da
espacialidade. O nada ao modo utilizado por Silva decorre das considera��es realizadas por
Sartre e n�o aquelas de Hegel, pois este considera o nada como a representa��o derivada da
nega��o de determinado objeto, ou seja, a suprasun��o de uma objetividade determinada.
Sartre considera o nada como uma forma de ser da objetividade que permite aos homens
estabelecer rela��es entre as coisas que n�o possuem quaisquer rela��es inerentes entre si.
Pelo processo de nega��o de determinada exterioridade imediata nos constitu�mos e
somos constitu�dos pelo mundo enquanto ser-Em-si e, por sua vez, constitu�mos o mundo
como exterioridade imediata. Quando determinado objeto est� em rela��o a n�s no mundo
suprassumimos sua forma aparente como objeto para consci�ncia, ser-Para-si. O nada vem ao
mundo como um ente pelo ser.
Ao focar nossa aten��o em determinada forma da exterioridade imediata emerge o
objeto para consci�ncia, num mesmo e �nico movimento. Enquanto, isso todos os outros
elementos para esta exterioridade imediata s�o indiferenciados � consci�ncia, se constituindo
como um fundo da forma determinada. O homem � o ser pelo qual o nada vem ao mundo. E,
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ao elucidar o fundo e a forma como elementos objetivos para subjetiva��o, ora nadificando
um, ora outro, o espa�o em Sartre emerge como a categoria da rela��o entre forma e fundo,
como mencionado anteriormente. O espa�o passa a ser o fundamento de toda rela��o de
exterioridade. O nada � uma espacialidade relacional.
Pela nadifica��o emerge formas e fundos, “istos” e “aquilos”, sem quaisquer rela��es
inerentes entre si e a espacialidade relacional que � o nada vem aos entes pela rela��o de ser.
O conjunto destas rela��es � a totalidade, que por sua vez, pode ser relacionada com outras
totalidades. Silva toma o conceito totalidade no intuito de resguardar o car�ter cognitivo da
explica��o, e realiza um recorte epistemol�gico.
A Geografia � uma subtotalidade. Ela pode ser identificada, no �mbito do conhecimento, como uma ideologia do cotidiano, expressa pela apreens�o da espacialidade do valor relacional contido do real. Desse modo, apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma essencialidade desse real e como sua manifesta��o externa. (SILVA, 1996a, p. 99)
Compreender a Geografia enquanto subtotalidade � p�-la como conhecimento parcial
da realidade, objetivo e subjetivo; ou melhor, da totalidade se realiza um recorte para sua
compreens�o em Geografia. Sendo a totalidade o conjunto das rela��es fundamentais de um
fen�meno, o conhecimento geogr�fico � uma parte dela.
A subtotalidade n�o se trata de um recorte arbitr�rio ou uma adequa��o da totalidade
do real para os estudos geogr�ficos. Silva considera que o arcabou�o te�rico-metodol�gico da
Geografia define certa particularidade para a singularidade dos fen�menos reais para uma
interpreta��o cient�fica pretensamente universal. A subtotalidade � a totalidade submetida a
uma interpreta��o geogr�fica, ou seja, � a totalidade interpretada pelas categorias e conceitos
pertinentes a Geografia.
2.1.3. Da subtotalidade ao territ�rio
Por isso, concluo que “o lugar determina a rela��o e vice-versa, porque n�o existem lugares sem rela��es e rela��es sem lugares”. O ponto de partida �, ent�o, um complexo, uma totalidade. Mas, a totalidade, no caso, �, ent�o, a subtotalidade. (SILVA, 1979, p. XIII)
Silva, tanto em o “Espa�o fora do lugar” como em “Cinco paralelos e um meridiano”
considera que o ponto de partida para o estudo geogr�fico � a subtotalidade. Mas, por esta
cita��o � posto um elemento novo para a discuss�o, a categoria lugar. Ela � abordada como
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um complexo de rela��es que � fundada e fundante pela rela��o homem-meio, pois h� a
necessidade do homem estar para ser, assim, a localiza��o implica levar em conta os
conceitos de s�tio, situa��o e posi��o em que seu fundamento � o habitat.
Em o “Espa�o fora do lugar” (SILVA, 1988, p. 11), Silva afirma que a necessidade do
habitat se trata de um fen�meno de polariza��o que define para os grupos humanos a escolha
do s�tio que, por sua vez, ocorre pelas diversas formas de povoamento. A situa��o decorre da
escolha do s�tio e esta aponta para um conjunto de elementos f�sicos e culturais do meio.
Entendemos que a concep��o de habitat e situa��o utilizados por Silva est� muito pr�xima
aquela desenvolvida por Heidegger, pois estar em situa��o � ser perante um meio geogr�fico e
represent�-lo como paisagem para que, pelo empreendimento do entendimento, se constitua
como consci�ncia espacial. Conquanto, � necess�rio ressaltar que para Silva a pr�pria
consci�ncia de espa�o � um modo de paisagem. O que distingue uma paisagem da outra � o
n�vel de entendimento da realidade.
Na obra “De quem � o peda�o”, o conceito de subtotalidade � abordado de outro
modo, ou melhor, h� uma complementa��o deste conceito:
A partir da� a an�lise geogr�fica prop�e que o espa�o superf�cie da terra � o resultado de uma desigual combina��o de fatores que se interagem e se equilibram gerando paisagens homog�neas (hoje, tamb�m de planejamento). O espa�o superf�cie da terra � um resultado, mas � ele pr�prio o ponto de partida geogr�fico. O espa�o superf�cie da terra cont�m, desse modo, como dado natural e hist�rico, uma organiza��o e uma estrutura pr�prias (uma forma espacial), que lhe conferem a caracter�stica ontol�gica de uma dimens�o espacial de exist�ncia do natural e do hist�rico.A dial�tica em Geografia �, ent�o, uma dial�tica da forma?N�o parece ser t�o simples assim.� preciso prosseguir.A dimens�o espacial � uma unidade na multiplicidade: o lugar � �nico e m�ltiplo. � �nico e m�ltiplo em sua naturalidade e historicidade. (SILVA, 1986, p. 92)
O espa�o superf�cie da terra n�o deve ser compreendido de modo simples, pois por ele
podemos tra�ar uma aproxima��o com o conceito subtotalidade e de meio em outras obras de
Silva. O modo de abordagem n�o perde vigor, Silva indica que pela categoria lugar � poss�vel
abord�-lo dialeticamente como uno-m�ltiplo. A multiplicidade da unidade s� pode ocorrer
pela diferencia��o entre “istos” e “aquilos” pela consci�ncia, mas aqui, diferentemente, do
processo de nega��o primitiva – nadifica��o – as rela��es entre as diversas caracter�sticas do
meio, que n�o possuem, inerentemente, quaisquer rela��es entre si, s�o atribu�das pelo
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homem. � o homem quem determina os diferentes aspectos do real. Destotaliza-se a
totalidade para, mais adiante, p�-la como totalidade re-totalizada. Trata-se da rela��o entre
forma e fundo.
Entendemos que para cada aspecto do meio, seja natural ou hist�rico, � para
consci�ncia uma forma para um fundo indiferenciado. O meio geogr�fico tamb�m � esse uno-
m�ltiplo que congrega os aspectos naturais – f�sicos, clim�ticos, biol�gicos, culturais etc. –, e,
os hist�ricos – os diferentes modos de apropria��o do meio no decorrer dos diferentes
per�odos hist�ricos, que incorre em diferentes formas de significa��o.
A diferencia��o das caracter�sticas do meio s� pode ocorrer porque o homem est� em
situa��o. Ele � estando sendo no mundo. A pr�pria escolha do s�tio incorre numa situa��o em
que o habitat � seu fundamento. Que n�o ocorre de outro modo que sen�o pela pr�xis. � pela
a��o do homem no meio que h� pr�xis, em outros termos, a objetiva��o de determinada
subjetividade na mat�ria ocorre pelo ato. Contudo, para o exerc�cio de quaisquer pr�xis
devemos levar em conta que as a��es objetivadas na mat�ria pelo homem atribuem a esta uma
especificidade. � o trabalho morto, ou seja, os objetos indicam a��es que podem n�o ser as
nossas. Este � o �mbito da necessidade como uma possibilidade de ser-no-mundo que n�o
somente pelas nossas possibilidades.
Habitar certo meio � faz�-lo o lugar das viv�ncias cotidianas que implica estar e ser
em determinado s�tio e a posi��o em rela��o a outros s�tios e a outros homens em situa��o, ou
melhor, pela identifica��o de outros homens em situa��o, pressupomos seu s�tio e sua
posi��o, assim como, a nossa. Considerar essas caracter�sticas � entender o lugar pelo
passado, pois estes fen�menos s�o objetividade. � pelo trabalho objetivado na mat�ria que se
atribui intencionalidades ao meio pelas fun��es atribu�das aos objetos.
Os aspectos hist�ricos do meio emergem para o entendimento n�o somente como
formas da exterioridade imediata e sim como determinada objetividade que tem seu
fundamento no trabalho morto e possibilita a compreens�o das diferentes modos de
apropria��o do meio pelos homens, conforme o per�odo hist�rico e o desenvolvimento das
t�cnicas.
[...] a forma espacial � a express�o do lugar, que � a riqueza real, assim como a popula��o que o habita e trabalha.Caberia a Geografia descrever e explicar esse espa�o, pois � de espa�o que se trata, mostrando que a forma espacial � apenas a manifesta��o vis�vel (ou n�o) do espa�o-superf�cie da terra – a paisagem percebida. Ora trata-se de compreend�-la. (SILVA, 1986, p. 95)
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Na obra “De quem � o peda�o”, Silva coloca que cabe a Geografia descrever e
explicar o espa�o, o qual possui como express�o a forma espacial ou a espacialidade, assim
como, a popula��o que o habita e que o transforma pelo trabalho. J� na obra “O espa�o fora
do lugar” ele exp�e os conceitos necess�rios para realizar essa descri��o e explica��o.
Para isso estabelece-se como objetivo a considera��o da forma��o do espa�o geogr�fico, de sua estrutura, de suas caracter�sticas, de seus processos e fun��es, de suas transforma��es e do significado desses elementos constitutivos do todo para a consci�ncia humana. (SILVA, 1988, p. 9)
A estrutura � definida pelas rela��es entre meio natural e o meio cultural; os processos
e as fun��es est�o vinculados a forma��o e a estrutura de determinado meio geogr�fico que
pode atrair ou repelir certos fen�menos; as transforma��es apontam as mudan�as espaciais no
tempo; o significado considera o modo como a objetividade representada por estes conceitos
s�o colocadas para a consci�ncia.
Quando Silva considera os processos como uma forma de transforma��o do meio
geogr�fico ele se refere n�o somente a a��o de for�as internas para determinado meio, mas
tamb�m, as externas e se afasta definitivamente de uma concep��o que define os espa�os
relativos ou regi�es por suas homogeneidades e heterogeneidades. Trata-se de uma concep��o
do espa�o como uno-mult�plo; uno porque � totalidade e m�ltiplo porque, pelo
empreendimento do entendimento, h� a enuncia��o de conceitos que permitem sua an�lise.
Deste modo, o espa�o n�o � tratado como um mosaico de regi�es ou de espa�os relativos e
sim como representa��o da consci�ncia para a exterioridade imediata, por isto ele � categoria.
O primeiro pressuposto da teoria � a categoria, ou seja, a concre��o do pensamento ao n�vel do universal. Por isso, movimento do pensamento, as categorias se sucedem no decorrer da afirma��o ou da interroga��o. Qual sua g�nese?Para responder a esta quest�o tem-se que perguntar qual o seu conte�do. Ora, o conte�do da categoria � o ser ao qual se refere, material ou imaterial.O segundo pressuposto da teoria � o conceito, que implica em maior concretude do que as categorias.De certo modo, o conceito � uma descri��o te�rico-pr�tica da categoria e pode implicar uma defini��o.Contudo, a defini��o � diversa do conceito. Ela �, de certo modo, o modo como se expressa a defini��o do conceito. (SILVA, 1999)
A categoria � para Silva a concre��o do pensamento ao n�vel do universal, ou seja,
considerando que os n�veis para o entendimento do real – singular, particular e universal –, a
categoria � aquela que se refere �s abordagens mais gerais, ou melhor, fundamentais para
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certo fen�meno. Ela deve indicar o fundamento do ser, por isto, concreto, que � o abstrato na
sua forma mais elevada do entendimento para o mundo.
Silva n�o encerra a an�lise do espa�o como certa forma expressa no lugar pelos
conceitos de forma��o, estrutura, caracter�sticas, processos, fun��es, transforma��es e
significados. Para abord�-lo como uno-m�ltiplo ele prop�e, na obra “De quem � o peda�o?”,
tr�s diferentes concep��es para se abordar o espa�o: absoluto, relativo e relacional.
O espa�o absoluto determina o relacional se � qualitativamente mais importante: ele cont�m dentro de si a hegemonia que o relaciona com outros espa�os absolutos. O espa�o relacional determina o espa�o absoluto se, atrav�s da media��o do espa�o relativo, pode modificar o espa�o absoluto. Modificar o espa�o absoluto � alterar-lhe as rela��es, de dentro para fora ou de fora para dentro. Como n�o existem espa�os sem rela��es, desde logo a possibilidade de transforma��o est� impl�cita no pr�prio espa�o como ser.(SILVA, 1986, p. 95)
Silva considera o espa�o absoluto como abstrato e concreto; o relativo, porque existem
rela��es entre os objetos; e, o relacional, conforme Leibniz, porque “um objeto existe somente
na mediada em que cont�m e representa dentro de si as rela��es com outros objetos” (SILVA,
1986, p. 96). O espa�o absoluto determina qualitativamente o relacional quando levado em
conta as a��es hegem�nicas, ou seja, o modo de produ��o hegem�nico respectivo a cada
per�odo. O espa�o relacional pode determinar o absoluto quando pelas a��es atribu�das a
determinados objetos h� uma sobreposi��o de a��es e esta determina a pr�pria rela��o entre
os objetos. O espa�o relativo � um recorte que permite a aferi��o das determina��es entre os
diferentes espa�os.
O lugar compreendido como express�o da espacialidade indica os diferentes modos de
conceber o espa�o. Trata-se de uma totalidade em totaliza��o, ou melhor, de uma
subtotalidade, a qual as diferentes concep��es de espa�o s�o modos do entendimento. Pela
concep��o de espa�o relacional e relativo � poss�vel realizar uma an�lise sincr�nica e
diacr�nica dos lugares. Sincr�nica, porque pela identifica��o dos aspectos naturais e
hist�ricos de determinado meio geogr�fico se pode relacion�-los por suas semelhan�as e
diferen�as para outros meios, assim como, o per�odo em que foi concebido determinado
objeto, diacronia. A an�lise diacr�nica ainda possibilita que seja levada em conta outra
caracter�stica do lugar como forma espacial, o futuro.
No futuro, o lugar apresenta-se como espa�o excedente, que remete � consci�ncia de territ�rio.
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Por isso, o espa�o externo como projeto realiza-se como territ�rio da consci�ncia, no pr�prio momento que ela transcende. (SILVA, 1986, p. 84)
Afirmar que uma das caracter�sticas do espa�o seja ele como excedente � t�-lo como
projeto. O projeto excede a objetividade do espa�o, mas este, por sua vez, s� pode ser projeto
pela pr�xis que, por sua vez, possibilita a emerg�ncia da antipr�xis, que � o projeto do Outro
objetivado na mat�ria. A consci�ncia da contradi��o entre as possibilidades – projetos – e as
necessidades – antipr�xis – ocorre quando as primeiras s�o, de certo modo, determinadas pela
segunda. Ou seja, a necessidade pode direcionar o exerc�cio da pr�xis para fins que n�o s�o os
nossos pelas intencionalidades atribu�das aos objetos, assim como, pode haver o
consentimento do ser-do-homem para determinada antipr�xis a fim de dinamizar suas a��es,
instrumentabilidade.
A instrumentabilidade pode levar com que a pr�xis humana tenha fins desconhecidos
pelo ser da a��o, ou melhor, o homem pode ter consci�ncia quanto a a��es projetadas para o
mundo num �mbito restrito, mas que no limite, s�o retomadas pelo homem como uma
necessidade qualitativamente diferente da anterior. Trata-se da reprodu��o das rela��es
sociais de produ��o, que atribui necessidades aos homens utilizando a instrumentabilidade
como um modo de reprodu��o da antipr�xis.
Este tipo de rela��o, seja qual forem os aspectos considerados, tem seu fundamento na
contradi��o entre possibilidades e necessidades. � pelo conflito que elas emergem ao ser
como um modo de ser-no-mundo. Eis um dos aspectos fundamentais da categoria territ�rio.
A categoria territ�rio �, pois, a primeira concretude do lugar. As rela��es sociais de produ��o s�o, ent�o rela��es localizadas no territ�rio apropriado da natureza ou de outros por conquista, conforme o demonstra toda hist�ria humana at� o presente.A divis�o territorial do trabalho �, por isso, um aspecto da divis�o social do trabalho. � a express�o espacial mais duradoura.A categoria regi�o � posterior ao territ�rio, porque a regi�o � o territ�rio j� ocupado e onde se desenvolveu uma organiza��o do espa�o que o torna determina��o de um modo de vida. � por isso que a regi�o � lugar em que se nasce ou ao qual se pertence. Tem uma grande for�a da in�rcia como lugar j� estruturado. (SILVA, 1986, p. 31)
Na proposi��o de Silva o territ�rio � a primeira categoria que se refere ao concreto.
Ele remete ao modo de apropria��o do meio pelos homens e, na sua inst�ncia mais gen�rica,
h� as rela��es sociais de produ��o. O primeiro modo de transforma��o do meio pelo homem
ocorre pelo habitat, mas por esta a��o humana se revela a antipr�xis como uma forma de
express�o do territ�rio. O territ�rio vem ao ser pelo conflito entre suas possibilidades de ser-
102
no-mundo e as necessidades do mundo. A concep��o de espa�o relacional pode ser aqui
associada na medida em que as intencionalidades atribu�das aos objetos podem determinar a
especificidade de certo lugar. Mas, este n�o pode ser definido somente pelas suas contradi��es
internas. H� de ir al�m do lugar para aferir as contradi��es externas e sua influ�ncia no lugar.
Associa-se aqui a concep��o de espa�o relativo e a categoria regi�o emerge como o lugar j�
ocupado e organizado, a qual determina o modo de vida, n�o somente per si e sim em
perp�tua rela��o com as outras regi�es. Eis porque na proposi��o de Silva a categoria regi�o �
posterior a de territ�rio.
2.1.4. O espa�o do e para o Outro
Pelo que expomos e discutimos at� agora, notamos que a abordagem desenvolvida em
“O espa�o fora do lugar” difere daquela de “De quem � o peda�o?”, contudo elas n�o s�o
excludentes. No primeiro, a concatena��o l�gica � realizada por meio de conceitos que
possibilitam um modo de entendimento da realidade pela categoria espa�o. Os conceitos de
forma��o, estrutura, caracter�sticas, processos, fun��es, transforma��es e significados
remetem o entendimento a inst�ncia mais abstrata, o espa�o, por isso, concreta. Cada um
destes conceitos remetem a determinado fen�meno que n�o pode ser explicado somente pelo
�mbito do lugar. � necess�rio considerar a universalidade e a particularidade desta
singularidade, ou seja, � necess�rio ir al�m das din�micas do lugar. Emerge a categoria regi�o
como categoria posterior ao territ�rio, a qual possui como seu fundamento as semelhan�as e
diferen�as, mas h� de se considerar que a pr�pria semelhan�a � uma abstra��o das diferen�as.
A regi�o � o territ�rio j� ocupado e organizado.
Para a segunda obra, o espa�o � tratado em suas diversas inst�ncias, como n�veis
diferentes do entendimento da espacialidade – espa�o absoluto, relativo e relacional –, como
totalidade em totaliza��o. Como j� mencionamos o espa�o relativo est� condicionado ao
relacional e o absoluto � a mesmo tempo condicionado e condicionante para o espa�o
relacional.
As diferentes concep��es destas obras dialogam quando consideramos as categorias
geogr�ficas de lugar, territ�rio e regi�o de modo correlato as diferentes concep��es de espa�o,
principalmente, a de espa�o relacional e relativo. Em ambos os casos, indicam os diferentes
n�veis de entendimento do Dasein levando em conta certa determina��o real e a inst�ncia em
que s�o estabelecidas as rela��es. Este procedimento se encaminha a estabelecer a categoria
espa�o no seu modo mais gen�rico, universal. N�o do modo considerado por Kant ou Newton
103
para um espa�o absoluto como recept�culo e sim numa concep��o de espa�o em que a
contradi��o � seu fundamento, pois ele � considerado como fundado e fundante para o espa�o
relacional e relativo.
O modo de express�o destas diferentes concep��es de espa�o � a espacialidade, mas
agora como totalidade concreta, a qual nos possibilitou identificar e entender o modo como as
intencionalidades s�o atribu�das aos objetos ou a antipr�xis como um modo de pr�xis.
Percebemos esta espacialidade no lugar porque � nele que se estabelece a vivaz e perp�tua
contradi��o entre a pr�xis e a antipr�xis. Por este conflito podemos conceber o Outro como
um modo da antipr�xis, ou seja, os objetos me enunciam Outro pelas coisas-utens�lios como
uma pr�xis objetivada na mat�ria que n�o � a Minha e que estabelece projetos que n�o s�o os
meus. Estabele�o uma rela��o com o Outro indeterminado ao utilizar determinada ferramenta
para efetivar meus projetos, podendo haver certo consentimento com os projetos do Outro,
auferindo instrumentalidade ao objeto.
A instrumentalidade do objeto s� ocorre por meio da realiza��o das tarefas
corriqueiras, no dia-a-dia, no cotidiano e, � tamb�m na realidade cotidiana que Eu, como
Dasein, apare�o para o Outro no mundo e o Outro para Mim. O Outro, neste ponto da
discuss�o, aparece como aquele que n�o sou eu, outro Dasein, e n�o somente pelas
intencionalidades atribu�das aos objetos. Esta nega��o, diferentemente daquela derivada da
rela��o com exterioridade imediata, � rec�proca e de um processo de dupla subjetiva��o. A do
Outro e a Minha. Percebemos o Outro por sua objetividade, ao mesmo tempo em que enuncia
a sua subjetividade pelos projetos que pode empreender que fogem do meu conhecimento.
Como ser espacializador, que organiza o mundo a sua volta e que possui projetos neste mundo
o qual desconhe�o. � preciso que esta rela��o com o Outro seja uma rela��o de ser para que
me fundamente e que, ao mesmo tempo, fundamente o Outro.
A rela��o entre o Meu ser e o do Outro jamais pode se reduzir a objetividade, sen�o
recair�amos numa rela��o de pura exterioridade, que � solipsismo. Mas, o mundo se realiza
por situa��es cotidianas que estamos com Outros. Estar e ser com outros � pressupor o n�s
como certa experi�ncia particular que se produz sobre o fundamento do ser-para-outro. Trata-
se de uma rela��o rec�proca e perp�tua que estabelece os diferentes modos de cotidianidade e
pelas situa��es singulares que estes homens vivenciam como necessidade de manuten��o da
sua sobreviv�ncia – n�s-objeto – e assinala para certo modo de comportamento singular
perante essas intencionalidades – n�s-sujeito.
O n�s-objeto e o n�s-sujeito s�o compreendidos como uno e m�ltiplo de um mesmo
processo de fundamenta��o do ser porque o surgimento do homem no mundo ocorre com
104
outros homens. Num mundo trabalhado, cuja antipr�xis e as significa��es atribu�das aos
objetos s�o constantemente percebidas como aquelas que n�o s�o as suas e que lhe comunica
e enuncia o seu devir. Ora, perceber a antipr�xis no presente, como um modo de ser do
Dasein, � se referir a poss�veis que desenham uma situa��o vindoura revelando o mundo e os
objetos por sua fun��o e objetivo.
A linguagem pode se constituir do mesmo modo, na medida em que esta remete ao
pensamento e o pensamento � linguagem, como a transcend�ncia de um devir ou um porvir
pela situa��o presente. Destaca-se que a linguagem n�o se restringe a l�ngua, e sim, � um
modo de rela��o entre o significante e o significado. Silva no artigo “Apar�ncia, ser e forma”
afirma que a este tipo de rela��o indica a possibilidade da rec�proca subjetiva��o, ou seja, uma
rela��o de ser em que o reconhecimento do Outro n�o � reificado pelo movimento entre
significante e significado.
Disto, Silva desenvolve os conceitos de comunica��o e informa��o. A informa��o �
exprimir ao Outro seus projetos como n�o sendo os Dele. � se colocar enquanto ser e
consci�ncia de mundo que foge ao conhecimento do Outro. A comunica��o � um modo de
exprimir determinada ideia concreta a partir de certa informa��o.
Comunicar a informa��o �, por isto, ir al�m do ‘ver’. Implica em mudar o significante com o significado. A comunica��o apreendida � a comunica��o da qual se faz a leitura que mobiliza a abstra��o em dire��o a id�ia nova.(SILVA, 1996a, p. 104-105).
As leis da linguagem s�o sustentadas e encarnadas pelo livre projeto concreto de seu
conjunto simb�lico organizado, assim como, o conjunto de t�cnicas que definem as atividades
dos homens. Estas n�o preexistem a um indiv�duo, pois para o homem escolher-se ser faz com
que exista uma organiza��o interna que ele transcende rumo a si mesmo e esta � um dos
elementos de sua humanidade, que � social.
Neste ponto, estamos imersos �mbito da forma para o silogismo desenvolvido por
Silva. Na verdade, pela categoria apar�ncia, a an�lise tem como limite a contradi��o primitiva
que fundamenta o ser-do-homem no mundo tanto para sua exterioridade imediata como em
rela��o ao Outro. A paisagem � um modo de representa��o desta rela��o. A emerg�ncia do
lugar, territ�rio e da regi�o como categorias do conhecimento geogr�fico j� � o �mbito da
forma, do concreto.
A apari��o do Outro como Dasein neste momento da discuss�o n�s remete a
compreend�-lo vinculado � forma ou ao abstrato concreto. � somente quando h� a concre��o
105
do pensamento para o entendimento do conflito entre a pr�xis e a antipr�xis que � poss�vel
abordar o Outro, seja pelas intencionalidades atribu�das aos objetos, ou como, Dasein.
Poder�amos entender que tanto num caso como no outro, � pela territorialidade que
concebemos o Outro. Todavia, o homem surge num mundo em que o Outro � presen�a, assim
como, o meio de suas rela��es. O homem surge num mundo trabalhado e entre outros homens
e considerar este processo de outra maneira � entender que o homem surge num mundo
desumanizado.
Nesta discuss�o o Outro se faz de algum modo presente desde a nega��o para a
exterioridade imediata quando pela nossa localiza��o identificamos a nossa posi��o, s�tio e
situa��o, cujas s� podem ser definidas por e para Outro. A diferen�a � que neste momento da
discuss�o � poss�vel notar o modo como o Outro fundamenta o ser-do-homem.
Esta perspectiva de abordagem, que p�e o ser-do-homem como refer�ncia, �
denominada por Silva (1996b, p. 80) de ontologia anal�tica em que o “discurso � sempre
prospectivo, buscando o imagin�rio no real, que cont�m a subjetividade e a objetividade, em
dire��o � supera��o do horizonte enquanto m�xima consci�ncia poss�vel”. A ontologia
anal�tica � o cerne do silogismo que, por sua vez, � a estrutura l�gica da fenomenologia-
ontol�gica estrutural.
Somos aqui com os outros homens, com as coisas, no mundo, no cotidiano. Ent�o, n�o
h� como n�o considerar o cotidiano. Isto inclui a viv�ncia di�ria, a mem�ria e o imagin�rio
das pessoas em sua rela��o com o lugar e com ele a consci�ncia da situa��o que n�o � alheia
�s diversas percep��es e aos ju�zos de valores. As determina��es do mundo em rela��o aos
homens ganham corpo no �mbito do cotidiano, uma vez que ele lhes � inescap�vel. �
desenvolvendo o pensamento para este conjunto de rela��es manifestadas no cotidiano que
emerge a forma como consci�ncia reflexa do mundo, ou melhor, consci�ncia refletida. � o ato
da abstra��o trabalhado e em forma superior. Eis o reino da teoria e, para pens�-lo, �
necess�rio ter a raz�o como pressuposto e, com esta, a abstra��o. A abstra��o reaparece n�o
mais como nada, mas como ponto de partida para o racioc�nio; como ideia concreta.
Aqui, o objeto deve refletir na consci�ncia como ideia organizada, concreta. Ent�o,
pensar o espa�o defronta-se com a espacialidade. A ideia organizada e concreta pode ser
abordada de acordo com a categoria espa�o, segundo Silva:
Como o tempo e o movimento, o espa�o � fundante do existir e, portanto, do pensar. Mas, essa constata��o � resultado, desde logo de pensar o espa�o. Pens�-lo como dado e pens�-lo como artefato que a mente projeta.[...] O espa�o � o real e o imagin�rio. (SILVA, 1996a, p. 117).
106
Pensar o espa�o � dar concretude � ideia de espa�o. � p�-la em movimento como
elemento fundante e fundado da realidade humana. � captar o movimento da forma enquanto
acumula��o diversa e m�ltipla dos tempos e da rela��o contradit�ria dos fen�menos nas
diversas escalas geogr�ficas. Captar sua l�gica. � no momento que se desenvolve a
consci�ncia da forma que se delineia uma ontologia de novo tipo, como consci�ncia do
espa�o, uma ontologia do espa�o.
Trata-se de um movimento de pensamento que parte do abstrato, ou seja, o nada como
conte�do primeiro da consci�ncia, que se defronta com a ideia concreta para o mundo, em
dire��o a uma ideia abstrata qualitativamente diferente da primeira. Coloca-se em movimento
o pensamento para se entender a relacionalidade dos fen�menos do mundo. Em outras
palavras, o homem se relaciona com sua exterioridade imediata e identifica a espacialidade do
mundo, nesta rela��o com o mundo e com os outros homens, se estabelecem um conjunto de
rela��es que possibilitam o entendimento quanto ao seu modo de organiza��o sob a
denomina��o da categoria espa�o.
Buscar o entendimento das rela��es de rela��es poss�veis dos fen�menos do mundo �
tentar organiz�-lo na ideia de modo concreto, mas tendo a materialidade como pressuposto
deste processo. Como, atualmente, cada vez mais, os objetos t�cnicos tendem a se apresentar
num conjunto coerentemente organizado e a sua instrumentalidade s� se efetiva por este
mesmo conjunto, � necess�rio abordar a realidade humana, tamb�m, por esta estrutura��o.
Pela apar�ncia n�o � poss�vel um entendimento estrutural das din�micas contradit�rias
do mundo, pois por ela nos restringimos ao processo de significa��o que atribu�mos aos
objetos e aos meios, definindo lugares. � somente pela forma como abstrato concreto que h� a
possibilidade de realizar uma interpreta��o da realidade como estruturas de estruturas, em que
a parte � o todo e o todo � a parte. Partindo de uma rela��o contradit�ria entre o ser e sua
exterioridade imediata resguarda-se o car�ter cognitivo da explica��o para, em seguida, se
buscar o entendimento do mundo como estruturas de estruturas, de modo abstrato e material,
prenhe das significa��es que os diferentes sujeitos e coletividades podem lhe atribuir. Eis que
o ato de liberdade s� se faz consciente quando compreendemos a relacionalidade
organizacional do mundo e compreender a sua territorialidade, pois:
N�o s� a consci�ncia humana, mas tamb�m o comportamento, come�am a ser moldados com o objetivo de produzir no m�ximo a percep��o da utilidade. [...] Abstrair �, assim, descoisificar, como ponto de partida o
107
trabalho. Repondo-se o nada, p�e-se novamente a subjetividade. (SILVA, 1996a, p. 112)
Abstrair � ir al�m. O al�m � transcender a operacionaliza��o dos objetos e dos sujeitos
em dire��o a ter si pr�prio como sujeito do processo, que se defronta com a liberdade dos
Outros e com as necessidades do mundo, pois, separando em sujeito e objeto, em pensante e
pensado, o discurso n�o capta os conflitos entre necessidades e possibilidades.
O que se busca � a abstra��o num outro sentido que n�o aqueles da instrumentalidade
das iner�ncias materiais, da mat�ria trabalhada, para evidenciar a relacionalidade das coisas
do mundo e a sua territorialidade. A mat�ria trabalhada deve ser entendida perante um
contexto de mundo para que seja poss�vel aferir as necessidades para as possibilidades de ser,
com certo distanciamento da dureza de sua instrumentalidade, que � sist�mica. Deste modo,
podemos compreender o ser como demiurgo e criatura e n�o como mais um elemento que
constitui a estrutura que do mundo.
2.2. Ontologia do espaÖo em Milton Santos
Na obra fundamental de Santos, “A natureza do espa�o” (1996), � a �nica de suas
obras em que h� refer�ncia � ontologia do espa�o, a qual pode ser entendida como uma
abordagem “de dentro”, uma l�gica interpretativa da realidade que possibilita uma an�lise do
modo de fundamenta��o e constitui��o das intencionalidades atribu�das aos objetos por meio
das categorias anal�ticas do espa�o.
Entendemos que a t�cnica � a principal categoria utilizada para o desenvolvimento da
ontologia do espa�o de Santos, pois “a principal forma de rela��o entre o homem e a natureza,
ou melhor, entre o homem e o meio, � dada pela t�cnica” (SANTOS, 1996, p. 28-29). O
trabalho se realiza pela t�cnica, que � o saber fazer, sua objetiva��o transforma a mat�ria
atribuindo conte�dos aos objetos que, por sua vez, conferem ao meio diferentes fei��es
correspondentes aos diferentes per�odos hist�ricos. Deste modo, o ato humano tende, cada vez
mais, a ser um ato t�cnico que modifica tanto o meio quanto os homens.
A relev�ncia da categoria t�cnica n�o se restringe a obra supracitada de Santos,
entendemos que ela perpassa praticamente as principais obras do autor. H� diferentes
denomina��es ou mesmo ela n�o � abordada de modo direto em algumas de suas obras, mas
fica subentendida pelo uso de conceitos como: pr�xis, objeto, a��o, fixos, fluxos, ato, atores
etc.
108
Santos desenvolve uma proposta te�rico-metodol�gica sistematizada e praticamente
mant�m a estrutura��o l�gica e a perspectiva de abordagem em diversas de suas obras. Por
isto consideramos que a aquilo que Santos denomina de ontologia do espa�o se trata de uma
denomina��o que extravasa “A natureza do espa�o” em dire��o a boa parte de suas obras,
mesmo que certas categorias e conceitos geogr�ficos possuam concep��es e relev�ncias
diferentes conforme a obra considera.
Nesse sentido, pretendemos analis�-las e expor o modo como Santos estrutura
logicamente sua proposi��o te�rica para os estudos geogr�ficos levando em conta suas
principais obras: “Por uma Geografia Nova” (1978), “Espa�o e M�todo” (1985) e
“Metamorfoses do espa�o habitado” (1988) e “A natureza do espa�o”.
2.2.1. Paisagem e espa�o geogr�fico: diferencia��es necess�rias
No desenvolvimento da ontologia do espa�o de Santos h� categorias geogr�ficas
distintas para os diferentes n�veis de entendimento do real. � comum em muitos estudos
geogr�ficos atuais se operacionalizar uma hierarquiza��o categ�rica que parte da paisagem
em dire��o ao espa�o – em que as categorias lugar, regi�o e territ�rio permeiam esse processo
– como n�veis diferentes de entendimento e, at� mesmo, de realidades distintas. O que n�o
ocorre para a propositura desenvolvida por Santos.
Certo fen�meno real n�o se distingue de si pr�prio quando tentamos entender de modo
mais acurado seus elementos constitutivos. Pelo contr�rio, designam uma mesma realidade
com outro n�vel de entendimento o qual obtemos. � por esta linha que Santos ir� diferenciar
as categorias paisagem e espa�o geogr�fico. Baseando-nos nas concep��es de “A natureza do
espa�o” entendemos que Santos considera a paisagem como certo recorte do espa�o
geogr�fico. Se o espa�o geogr�fico � movimento porque � totaliza��o, a paisagem � totalidade
porque � um momento do movimento.
E quando se trata de objetos pr�ticos – m�quinas, ferramentas, objetos de puro consumo etc. –, � nossa a��o presente que lhe d� a apar�ncia de totalidades ao ressuscitar – seja de que maneira for – a pr�xis que tentou totalizar sua in�rcia. [...] Mas essas observa��es mostram que eles s�o produtos e que a totalidade – contrariamente ao que poder�amos acreditar –n�o passa de um princ�pio regulador da totaliza��o (e se reduz, simultaneamente, ao conjunto inerte de suas cria��es provis�rias). [...] Assim, a totaliza��o tem o mesmo estatuto da totalidade: atrav�s das multiplicidades, ela prossegue esse trabalho sint�tico que faz de cada parte uma manifesta��o do conjunto e que refere o conjunto a si mesmo pela media��o das partes. (SARTRE, 2002, p. 165)
109
A totalidade � um momento pelo qual apreendemos a totaliza��o. A totalidade pode
ser um objeto qualquer o qual retemos nossa aten��o para poder analis�-lo – como a forma em
Sartre – e � o uno que � o objeto pode se tornar m�ltiplo quando identificamos seus elementos
constitutivos. A s�ntese das multiplicidades � a totaliza��o como movimento contradit�rio. A
totaliza��o ocorre pela investida do entendimento para mundo, mas que s� pode ser
apreendida como totalidade. A contradi��o entre a totalidade que apreendemos e a totaliza��o
que entendemos � a base da distin��o entre as categorias paisagem e espa�o geogr�fico, pois:
Numa perspectiva l�gica, a paisagem � j� o espa�o humano em perspectiva. A paisagem � hist�ria congelada, mas participa da hist�ria viva. S�o as formas que realizam, no espa�o, as fun��es sociais. Assim, pode-se falar, com toda legitimidade, de um funcionamento da paisagem [...] (SANTOS,2002. p. 106-107).
Nessa mesma obra, a categoria paisagem tamb�m � conceituada como o “conjunto de
elementos naturais e artificiais que fisicamente caracterizam uma �rea.” (SANTOS, 2002, p.
103). O que atribui movimento a paisagem s�o as a��es sociais, da�, se concebe o espa�o
geogr�fico.QUADRO 1
DIFERENCIA��O ENTRE AS CATEGORIAS PAISAGEM EESPA�O GEOGR�FICO NA OBRA “A NATUREZA DO ESPA�O” DE
MILTON SANTOS
PAISAGEM ESPA�O GEOGR�FICO
Conjunto de objetos reais. � sempre um presente, uma constru��o horizontal, uma situa��o �nica.
Caracteriza-se por uma dada distribui��o de formas-objetos, providas
de um conte�do t�cnico espec�fico.
Decorre das a��es sociais para as formas-objetos.
Sistema material e, assim, relativamente imut�vel.
Um sistema de valores, que se transforma permanentemente.
Cada fra��o da paisagem � uma fra��odo espa�o.
� uno e m�ltiplo.
� testemunha da sucess�o dos meios tralhados, um resultado hist�rico
acumulado.
� a s�ntese, sempre provis�ria e sempre renovada, das contradi��es e da dial�tica
social, entre o conte�do social e as formas espaciais.
� totalidade � totaliza��o
Fonte: SANTOS, 2002.
Tentamos diferenciar, de modo geral, as categorias paisagem e espa�o geogr�fico
como pode ser notado no Quadro 1. A diferen�a reside que a categoria paisagem indica certa
110
percep��o do espa�o geogr�fico – totalidade – destitu�do de seu movimento totalizador
enquanto totaliza��o – espa�o geogr�fico. O principal movimento considerado para o espa�o
geogr�fico s�o as a��es sociais, destacando-se, o modo de produ��o hegem�nico.
Contudo, n�o podemos levar em conta somente esta concep��o quanto � categoria
paisagem para Santos se quisermos entender o modo como ele desenvolve sua proposta
te�rica. Tomemos como exemplo como ele aborda a categoria paisagem na obra
“Metamorfoses do Espa�o Habitado”.
[...] tudo aquilo que nossa vis�o alcan�a � a paisagem. Esta pode ser definida como o dom�nio do vis�vel, aquilo que a vista abarca. N�o � formada apenas de volumes, mas tamb�m de cores, movimentos, odores, sons etc. (SANTOS, 1988, p. 61).
Em “A Natureza do Espa�o” h� um privil�gio da forma. A paisagem est� relacionada
�s representa��es sens�rias, destacadamente, a vis�o, para em seguida, pelo empreendimento
do entendimento, ela seja relacionada com a “hist�ria viva” da sociedade, como determinante
e determinada de certas rela��es, caracterizando territ�rios e regi�es. Por outro lado, a
categoria paisagem em “Metamorfoses do Espa�o Habitado”, mesmo partindo de
pressupostos semelhantes da concep��o posta anteriormente, difere do �ltimo por n�o se
restringir somente a um sentido humano porque ela “n�o � formada apenas de volumes, mas
tamb�m de cores, movimentos, odores, sons etc.” (SANTOS, 1988, p. 61).
A paisagem em ambas as concep��es � tratada como um momento do entendimento
para a estrutura��o l�gica da realidade em Geografia. O espa�o geogr�fico, pelo contr�rio, � a
paisagem pensada, � a abstra��o em outro n�vel, porque concreto. A diferen�a essencial entre
estas duas categorias � o modo como a t�cnica � abordada: para o espa�o geogr�fico ela �
considerada como processo social de um conjunto de a��es e objetos; para a paisagem, a
objetiva��o do trabalho na mat�ria, � tomada como resultado.
A paisagem � testemunha da sucess�o dos meios de trabalho, um resultado hist�rico acumulado. O espa�o humano � a s�ntese, sempre provis�ria e sempre renovada, das contradi��es e da dial�tica social. [...] Considerada em si mesma, a paisagem � apenas uma abstra��o, apesar de sua concretude como coisa material. Sua realidade � hist�rica e adv�m de sua associa��o com o espa�o social. [...] O simples fato de existirem como formas, isto �, como paisagem, n�o basta. A forma j� utilizada � coisa diferente, pois seu conte�do � social. Ela se torna espa�o, porque forma-cont�udo. [...] O espa�o � a s�ntese, sempre provis�ria, entre o conte�do social e as formas espaciais. (SANTOS, 2002, p. 107-109)
111
A paisagem � considerada uma forma e o seu conte�do � social, ou melhor, o conte�do
de determinada forma � derivada da rela��o homem-meio e pela objetiva��o do trabalho na
mat�ria. A forma-cont�udo � a processo da contradi��o entre as formas espaciais e o espa�o
social.
Sem d�vida, o espa�o � formado de objetos, mas n�o s�o os objetos que determinam os objetos. � o espa�o que determina os objetos: o espa�o visto como um conjunto de objetos organizados segundo uma l�gica e utilizados (acionados) segundo uma l�gica. Essa l�gica da instala��o das coisas e da realiza��o das a��es se confunde com a l�gica da hist�ria, � qual o espa�o assegura continuidade. � nesse sentido que podemos dizer com Rotenstreich (1985, p. 58) que a pr�pria hist�ria se torna um meio (um environment), e que a s�ntese realizada atrav�s do espa�o n�o implica uma harmonia preestabelecida. Cada vez se produz uma nova s�ntese e se cria uma nova unidade. (SANTOS, 2002, p. 40)
Cada per�odo hist�rico possui um sistema t�cnico hegem�nico que, quando
considerado como universalidade, possibilita aferir a os sistemas t�cnicos singulares e
particulares. Ou seja, a din�mica do espa�o geogr�fico, tomado como universalidade,
determina as formas particulares como, por exemplo, o meio geogr�fico. A hist�ria se torna
meio – milieu – pela t�cnica. O meio � hist�ria porque h� a��es objetivadas na mat�ria, ou
melhor, o trabalho objetivado na mat�ria acaba por expressar um respectivo modo de
produ��o para cada per�odo, pois a pr�xis �, muitas vezes, orientada pela antipr�xis
incorrendo na reprodu��o do modo de produ��o hegem�nico devido � for�a e extens�o de
suas a��es objetivadas na mat�ria.
A pr�pria pr�xis individual dos homens tem como condicionamento a antipr�xis ou a
pr�xis outra objetivada na mat�ria pelo trabalho ou objetividade do modo de produ��o
hegem�nico. Esta pr�xis outra, diferentemente de um ato solit�rio, � organizada e estruturada
em que os objetos s� possuem validade pelo seu conjunto coerente. Os homens surgem nesse
mundo em que sua pr�xis est� condicionada a antipr�xis, a qual indica o seu modo de ser.
Esse � um dos princ�pios que permite entender o espa�o geogr�fico como totaliza��o e a
paisagem como totalidade, porque um objeto tomado para an�lise fora de seu conjunto
coerente e do modo que ele foi re-produzido s� permite o entendimento formal acerca dos
fen�menos reais.
O espa�o geogr�fico � categoria que trata do modo de organiza��o dos objetos, ou
seja, como o modo de produ��o hegem�nico, totaliza��o, determina as totalidades ou os
diferentes meios geogr�ficos e paisagens. Por isso, a categoria paisagem est�, no sistema
l�gico de Santos, essencialmente distante da categoria espa�o. Este ponto de vista �
112
corroborado quando ele afirma que as rela��es entre os objetos n�o � o espa�o geogr�fico.
Prevalece-se as caracter�sticas universais em rela��o �s singulares, o que praticamente coloca
de lado a abordagem em Geografia pela relacionalidade do espa�o.
O espa�o aqui pode ser abordado como absoluto e relativo. Absoluto porque �
considerado em sua universalidade; o modo de produ��o hegem�nico determina as rela��es
para os meios e lugares pelas intencionalidades objetivadas nos objetos. Relativo, porque se
considera as diferentes concentra��es de determinados atributos – Santos considera que o
atual per�odo se pode qualificar os meios pelo seu conte�do t�cnico, cient�fico e
informacional – tendo como par�metro a universalidade que prov�m da an�lise destes espa�os
parciais em rela��o a um espa�o abstrato, por isso, abstrato. A relacionalidade do espa�o s�
poderia ser entendida quando Santos afirma que as a��es dos atores hegem�nicos determinam
as paisagens, meios e lugares pela intencionalidade do conjunto coerente de objetos, mas esta
seria uma relacionalidade condicionada ao espa�o absoluto por suas liga��es conceituais,
abstrato, e n�o pelas significa��es atribu�das pelos homens.
2.2.2. Territ�rio e regi�o
O territ�rio � formado por fra��es funcionais diversas. Sua funcionalidade depende de demandas de v�rios n�veis, desde o local at� o mundial. A articula��o entre as diversas fra��es do territ�rio se opera exatamente atrav�s dos fluxos que s�o criados em fun��es das atividades, da popula��o e da heran�a espacial. [...] Mas � preciso n�o esquecer que a unidade espacial do trabalho �, aqui, o que se convencionou a chamar de regi�o produtiva. Defini-la, pois, vai exigir o reconhecimento das suas rela��es internas e externas mais importantes. Na verdade, ali�s, rela��es internas e rela��es externas n�o s�o independentes. (SANTOS, 1985, p. 96)
Nesta obra, “Espa�o e m�todo”, Santos exp�e que a partir das funcionalidades de
fra��es do territ�rio � poss�vel identificar as demandas de v�rios n�veis e que a rela��o entre
elas ocorre pelos fluxos das atividades, popula��o e heran�a espacial. A heran�a espacial � o
meio transformado pelas atividades humanas e que possuem certos fluxos, distinguindo-se em
din�micas internas – que podem atrair ou repelir outros fluxos – e din�micas externas – fluxos
externos a uma determinada �rea. A regi�o produtiva � constitu�da como totalidade
contradit�ria desses distintos tipos de fluxos. Aqui, a l�gica adotada � partir das fra��es do
espa�o para identificar as universalidades promovidas pelas articula��es dos diferentes tipos
de fluxos singulares e particulares, os quais ser�o repostos como universalidade.
113
Ainda nesta obra, Santos menciona que as intera��es entre as regi�es produtivas s�o
um aspecto relevante para compreens�o de territ�rio e das redes entre cidades. J�, em
“Metamorfoses do espa�o habitado” ele considera que as rela��es de um determinado
territ�rio, sua natureza, se d�o pelas condi��es naturais, t�cnicas e culturais – convic��es
religiosas, cren�as, costumes – para um grupo se fixar.
Na obra “A natureza do espa�o”, Santos compreende o territ�rio a partir da
problematiza��o do tempo, o considerando quando � objetivado pela t�cnica, o qual ele
denomina “evento”. A escala do evento � a escala da a��o em que o tempo, em seus diferentes
ritmos e processos, se efetiva pelas conflituosas rela��es sociais no territ�rio, porque “na
verdade, os eventos mudam as coisas, transformam os objetos, dando-lhes, ali mesmo, onde
est�o, novas caracter�sticas”. 15
As a��es n�o t�m exist�ncia independentemente dos objetos, assim como, os eventos
n�o possuem realidade fora da rela��o com os objetos. Um evento � a causa do outro, �
perp�tua totaliza��o da totalidade. Isto ocorre tanto para os grandes fatores de mudan�a global
como para n�veis mais restritos e epis�dios banais.16 A partir desta concep��o de evento, a
categoria territ�rio pode ser abordada pelas suas intera��es escalares, dada a
indissociabilidade da esfera da a��o e a dos objetos.
Na obra “O Brasil: territ�rio e sociedade no in�cio do s�culo XXI” (2008), de Santos e
Silveira, eles aludem que o territ�rio:
Em si mesmo, n�o constitui uma categoria de an�lise ao considerarmos o espa�o geogr�fico. [...] Quando quisermos definir qualquer peda�o do territ�rio, devemos levar em conta a interdepend�ncia e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a a��o humana, isto � o trabalho e a pol�tica. (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 247)
Nesta obra a categoria de territ�rio � considerada como usado, ou seja, como meio
transformado pelo trabalho. A inst�ncia econ�mica e pol�tica s�o, ao mesmo tempo, fator de
regula��o e de comando da economia, da sociedade e do territ�rio, expliditantdo o conte�do
da divis�o social do trabalho, cuja sua objetiva��o � a divis�o territorial do trabalho. Os
autores trabalham com a ideia de um territ�rio nacional, que � a objetiva��o das inst�ncias
pol�tica, econ�mica e social como totalidade para uma determinada por��o do espa�o.
A categoria territ�rio n�o possui as mesmas concep��es para as mencionadas obras de
Santos. Ora ela � tratada por determinado recorte espacial e ora por um conjunto de
15 Cf. SANTOS, 2002, p. 144-146.16 SANTOS, 2002, p. 163.
114
din�micas. Uma concep��o n�o exclui a outra. De modo geral, Santos considera que o
territ�rio � totalidade que se constitui pela rela��o contradit�ria entre as din�micas internas e
externas para determinada �rea, destacando-se os aspectos pol�ticos e econ�micos.
O territ�rio � arena da oposi��o entre o mercado – que singulariza – com as t�cnicas da produ��o, a organiza��o da produ��o, a “geografia da produ��o” e a sociedade civil – que generaliza – e desse modo envolve, sem distin��o, todas as pessoas. Com a presente democracia de Mercado, o territ�rio e suporte de redes que transportam as verticalidades, isto �, regras e normas ego�stas e utilit�rias (do ponto de vista dos atores hegem�nicos), enquanto as horizontalidades levam em conta a totalidade dos atores e das a��es. (SANTOS, 2002, p. 259)
Em “A natureza do espa�o”, Santos denomina a��es solid�rias entre os homens como
horizontalidades e aquelas hierarquizadas, que s�o os ditames dos atores hegem�nicos, como
verticalidades. As verticalidades poderiam ser relacionadas ao exerc�cio da antipr�xis, que
s�o, muitas vezes, rela��es territorialmente inorg�nicas. Por outro lado, as horizontalidades
podem ser relacionadas � pr�xis, pois � uma rela��o territorialmente org�nica. A contradi��o
entre as horizontalidades e as verticalidades s�o uma das maneiras como se expressa o
territ�rio. A pr�xis e a antipr�xis designam os modos de objetiva��o de certa subjetividade na
mat�ria que indicam os projetos.
Tentaremos ver na perspectiva do pr�tico-inerte o ser social na medida em que ele determina realmente e do interior uma estrutura de in�rcia na pr�xisindividual e depois em uma pr�xis comum; por �ltimo, v�-lo-emos como subst�ncia inorg�nica dos primeiros seres coletivos: nesse caso, estaremos em condi��es de descobrir uma primeira estrutura de classe enquanto ser social e coletivo. (SARTRE, 2002, p. 338)
Sartre menciona o modo como pretende desenvolver o conceito de pr�tico-inerte pela
pr�pria perspectiva do pr�tico-inerte como determina��o da pr�xis individual e coletiva –
antipr�xis – como uma subst�ncia inerte – inorg�nica – atribui organicidade – organiza��o –
aos homens. A classe social para Sartre tem seu fundamento na escassez oriunda da
contradi��o entre a pr�xis e a antipr�xis.
N�o muito distante da concep��o de pr�tico-inerte, as met�foras de horizontalidades e
verticalidades propostas por Santos indicam a rela��o contradit�ria entre as a��es dos atores
hegemonizados e os atores hegem�nicos. Poderia se argumentar que Sartre utiliza o pr�tico-
inerte para identificar como a antipr�xis determina a pr�xis, seja ela coletiva ou individual,
diferentemente de Santos que tenta elucidar a sua determina��o coletiva – atores
115
hegemonizados. Sem d�vida que este argumento � v�lido, Santos pelo desenvolvimento de
sua perspectiva te�rico-metodol�gica aborda o homem por conceitos que apontam um modo
das rela��es entre os homens por suas caracter�sticas universais. A antipr�xis, a��es dos
atores hegem�nicos, � tratada por Santos em sua objetividade e conflito com a pr�xis dos
atores hegemonizados igualmente objetivadas. O homem singular e sua pr�xis ao modo
abordado pela ontologia em Filosofia, do qual tomamos esta �ltima cita��o de Sartre como
exemplo, n�o � uma preocupa��o evidente nas obras de Santos. H� o desenvolvimento de
outro modo de entendimento do real t�o verdadeiro quanto o ontol�gico.
Em suma, dentre as v�rias concep��es para a categoria territ�rio consideramos o
conflito entre pr�xis e antipr�xis e suas diferentes formas de objetiva��o como seu
fundamento para Santos. As din�micas pol�ticas, econ�micas e sociais, para determinado
recorte material ou para certa extens�o, conforme a for�a de suas a��es, s�o os principais
aspectos considerados nas diferentes concep��es para esta categoria.
A categoria regi�o parte de um pressuposto similar a de territ�rio. Considera-se uma
parte do todo e se atribui relev�ncia a determinado aspecto da realidade.
A cada momento hist�rico, pois, o que se convencionou a chamar de regi�o, isto �, um subespa�o do espa�o nacional, aparece como o melhor lugar para a realiza��o de um certo n�mero de atividades. Tais fatores locacionais, repetimos, s�o apenas parcialmente regionais ou locais. [...]A regi�o se definiria como o resultado das possibilidades ligadas a uma certa presen�a de capitais fixos exercendo determinado papel ou determinadas fun��es t�cnicas do seu funcionamento econ�mico, dada pela rede de rela��es. (SANTOS, 1985, p. 90)
Na obra, “Espa�o e m�todo”, Santos menciona que a regi�o � um subespa�o para o
espa�o nacional definido por um conjunto de fixos e fluxos ou um conjunto de objetos e a��es
que determinam sua especificidade em rela��o a outros subespa�os. A principal caracter�stica
utilizada para a sua distin��o s�o os aspectos econ�micos e, por estes, se identificam e se
define o seu modo de rela��o com outros subespa�os. A din�mica das diversas escalas �
considerada para a constitui��o de determinada regi�o.
As regi�es s�o o suporte e a condi��o de rela��es globais que de outra forma n�o se realizam. Agora, exatamente, � que n�o se pode deixar de considerar a regi�o, ainda que a reconhe�amos como um espa�o de conveni�ncia e mesmo que a chamemos por outro nome. [...] Mas o que faz a regi�o n�o � a longevidade do edif�cio, mas a coer�ncia funcional, que a distingue das outras entidades, vizinhas ou n�o. O fato de ter vida curta n�o muda a defini��o do recorte espacial. [...] As condi��es atuais fazem com que as
116
regi�es se transformem continuamente, legando, portanto, uma menor dura��o do edif�cio regional. (SANTOS, 2002, p. 246-247)
Em “A natureza do espa�o”, Santos considera a regi�o sob o mesmo fundamento que
na obra anterior, ou seja, elas se distinguem entre si por suas funcionalidades, sua coer�ncia
produtiva, sua configura��o territorial. Sob uma caracter�stica h� a determina��o dos lugares
conforme a sua funcionalidade para um todo, o espa�o geogr�fico. Considera-se uma
universalidade para distinguir as singularidades e particularidades a fim de se constituir
novamente como universal. Realiza-se uma an�lise sincr�nica da realidade.
Entendemos como o fundamento para a categoria regi�o em Santos a heterogeneidade
e a homogeneidade, seja atribuindo relev�ncia aos aspectos naturais ou econ�micos de
determinada �rea. H� uma invers�o quanto � concep��o para a regi�o em Kant e para aquela
desenvolvida por boa parte dos ge�grafos da denominada Geografia Cl�ssica, que por um
mosaico de subespa�os ou espa�os relativos se constituiria um espa�o absoluto. Santos, toma
um espa�o absoluto para definir espa�os relativos, n�o como um mosaico e sim como
totalidade em totaliza��o.
N�o poderia ser diferente. Santos diferencia as partes para um todo – abstrato –
conforme a configura��o territorial espec�fica para cada subespa�o. A especificidade da
regi�o ocorre pela contradi��o das din�micas externas e internas. A configura��o territorial �
a objetiva��o desta contradi��o e estas podem ser classificadas pelas funcionalidades em
compara��o a outras funcionalidades espec�ficas de outros subespa�os e assim
indefinidamente at� a concep��o de um todo que poder� ser posto como par�metro, o espa�o
geogr�fico.
2.2.3. Os espa�os geogr�ficos
A concatena��o l�gica para a proposi��o te�rico-metodol�gica de ontologia do espa�o
ao modo desenvolvido por Santos para a Geografia trata a categoria espa�o geogr�fico como a
mais ampla ou aquela que possibilita o entendimento dos aspectos universais da rela��o
sociedade-natureza. Ela abarca a paisagem, a regi�o e o territ�rio. O espa�o geogr�fico � o
par�metro universal para as objetiva��es singulares sob os seus mais variados aspectos –
pol�tico, econ�mico, social, cultural etc.
Contudo, se n�o nos restringirmos “A natureza do espa�o” � poss�vel distinguir, no
m�nimo, duas concep��es para a categoria espa�o geogr�fico para Santos. A primeira, diz
117
respeito ao espa�o como um conjunto de fixos e fluxos (SANTOS, 1978; 1988) e a outra, o
espa�o enquanto um conjunto indissoci�vel de sistemas de objetos e sistemas de a��es
(SANTOS, 2002).
A concep��o do espa�o como conjunto de fixos e de fluxos � abordado por Santos nas
suas obras mais antigas e sendo revista, ou melhor, desenvolvida na sua principal obra, “A
natureza do espa�o”, como conjunto indissoci�vel de sistemas de a��es e sistemas de objetos.
Concep��es que n�o s�o excludentes e sim complementares.
Em “metamorfoses do espa�o habitado”, Santos afirma que a configura��o territorial �
definida por o conjunto de objetos existentes, artificiais e naturais, em determinado territ�rio.
O espa�o � a jun��o entre a configura��o territorial, paisagem e sociedade, ou seja, o espa�o �
formado de fixos e fluxos. Aqui o espa�o � concebido pelo princ�pio da forma-conte�do,
congregando a paisagem – forma – as din�micas sociais – conte�do – e a configura��o
territorial � uma representa��o da contradi��o entre forma e conte�do ou entre a heran�a
espacial e as din�micas sociais – processo.
Pelo mesmo princ�pio, em “Espa�o e m�todo”, Santos define as categorias estrutura,
processo, fun��o e forma para o desenvolvimento de um m�todo geogr�fico.
[...] estrutura � uma rede de rela��es, uma s�rie de propor��es entre fluxos e estoques de unidades elementares e de combina��o objetivamente significativas dessas unidades. (SANTOS, 1985)
Enquanto categoria, a estrutura possibilita que se busque interpretar essa realidade de
modo que se considerem as diversas correla��es entre os sistemas t�cnicos, realidades
singulares, com o modo capitalista de produ��o, enquanto realidade universal. A “estrutura
implica, a inter-rela��o de todas as partes de um todo; o modo de organiza��o ou constru��o”
(SANTOS, 1985), tanto, que mesmo aquelas �reas onde n�o se predomina o modo capitalista
de produ��o ela n�o o � isoladamente, podendo ser alvo de processos especulativos e de
explora��o mais sutis.
A an�lise estrutural proposta por Santos enuncia um processo de s�ntese que leva em
conta as diversas correla��es entre os diferentes sistemas t�cnicos, evidenciando as
intencionalidades atribu�das aos objetos que indicam a��es, tamb�m sist�micas, aos homens
em sua rela��o como mundo.
Estrutura, processo, fun��o e forma, s�o categorias que se referem a aspectos distintos
do real, por�m quando associadas e tomadas em conjunto podem propiciar a base de discuss�o
dos fen�menos espaciais como totalidade em totaliza��o.
118
A forma � o aspecto sens�vel de um objeto, o seu arranjo material sens�vel, sen�o a
mera descri��o do fen�meno e de um instante de tempo quando tomado isoladamente; a
fun��o enuncia uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, homem, institui��o ou objeto;
a estrutura implica a inter-rela��o de todas as partes de um todo, o modo de organiza��o ou
constru��o; e, o processo � uma a��o cont�nua, implicando conceito de tempo e mudan�a.
A forma se torna relevante quando a sociedade lhe confere valor social, relacionando a
estrutura social de cada per�odo, na medida em que pode ser entendida como um objeto que
executa determinada fun��o, e ainda, apesar de ser gerida pelo presente o seu passado
continua integrante – na forma e na fun��o.
Para Santos estas categorias devem ser estudadas de modo concomitante para se
interpretar o movimento da sociedade, que desenvolve o espa�o no decorrer do tempo. Ou
seja, a estrutura varia conforme os diferentes per�odos hist�ricos, instituindo uma
heterogeneidade espacial. �reas baseadas em estruturas espec�ficas demandam certas fun��es
e formas e determinam certas configura��es que indicam se est�o melhores preparadas para
inova��es do que outras. Isso permite que se realize a sua temporaliza��o ou uma an�lise
diacr�nica tendo como refer�ncia um determinado sistema t�cnico predominante.
Estrutura, processo, fun��o e forma s�o categorias anal�ticas do espa�o geogr�fico que
possibilitam um modo de abordagem da totalidade em totaliza��o que � o mundo. No limite,
poder�amos afirmar que a categoria espa�o geogr�fico se aproxima, cada vez mais, do
conceito de pr�tico-inerte.
O pr�tico-inerte � uma express�o introduzida por Sartre, para significar as cristaliza��es da experi�ncia passada, do indiv�duo e da sociedade, corporificadas em formas sociais e, tamb�m, em configura��es espaciais e paisagens. Indo al�m do ensinamento de Sartre, podemos dizer que o espa�o, pelas suas formas geogr�ficas materiais, � a express�o mais acabada do pr�tico-inerte. (SANTOS, 1996, p. 317)
Para Santos a categoria espa�o geogr�fico � um express�o mais acabada que o
conceito de pr�tico-inerte desenvolvido por Sartre por esta abordar as formas geogr�ficas
materiais. Entendemos que esta afirma��o se deve ao fato que pelas categorias anal�ticas do
espa�o, quando articuladas, podem expor uma express�o sint�tica das din�micas
contradit�rias das mais variadas escalas geogr�ficas, identificando a partir das formas e
fun��es os processos e estruturas t�cnicas predominantes em determinado per�odo pela an�lise
dos diferentes meios. Por outro lado, mesmo ficando patente certa influ�ncia da proposta de
Sartre para a concep��o de espa�o geogr�fico em Santos, como afirmamos anteriormente,
119
cada um desses pensadores possui preocupa��es distintas e mais do isso, possui uma
perspectiva distinta de interpreta��o do mundo.
Se recusarmos ver o movimento dial�tico original no indiv�duo e em sua empresa de produzir sua vida, objetivar-se, ser� necess�rio renunciar � dial�tica ou transform�-la em lei imanente da Hist�ria. J� se viu estes dois extremos: �s vezes, em Engels, a dial�tica explode, os homens chocam entre si como mol�culas f�sicas, a resultante de todas essas agita��es contr�rias � uma m�dia; s� que um resultado m�dio n�o pode tornar-se, por si s�, aparelho ou processo, registra-se passivamente, n�o se imp�e, enquanto o capital “como poder social alienado, aut�nomo, como objeto e poder capitalista op�e-se � sociedade por interm�dio desse objeto” (Das Kapital, t.III, p. 293); para evitar o resultado m�dio e o fetichismo stalinista das estat�sticas, alguns marxistas n�o comunistas preferiram dissolver o homem concreto nos objetos sint�ticos, estudar as contradi��es e os movimentos dos coletivos como tais: n�o ganharam nada com isso, a finalidade refugia-se nos conceitos que tomam de empr�stimo ou forjam [...] Escapa-se ao determinismo cientificista para cair no idealismo absoluto. (SARTRE, 2002, p. 121)
N�o pretendemos por meio dessa cita��o de Sartre realizar um embate p�stumo entre
dois pensadores, pelo contr�rio, estamos tentando firmar a posi��o de ambos e suas
respectivas perspectivas de interpreta��o do mundo, pois Santos na sua cr�tica ao conceito de
pr�tico-inerte n�o leva em conta este princ�pio. De um lado, Santos dilui o homem concreto
quando o aborda por coletividades, o que n�o � feito por Sartre, pelo contrario, este � um dos
fundamentos de sua “Cr�tica”. De outro, entendemos que Santos operacionaliza sua proposta
te�ricas quando aborda o homem gen�rico como um elemento de estruturas de estruturas, por
mais que este procedimento seja custoso para a ontologia fundamental de Sartre.
Cada um desses pensadores possui objetivos distintos, mas isto n�o determine uma
incoer�ncia, porque o conceito de pr�tico-inerte � tomado por Santos conforme o seu sistema
l�gico. Por ora, n�o n�s posicionaremos acerca de qual perspectiva seguir e sim
encaminharemos essa discuss�o em dire��o as diferentes concep��es para a categoria espa�o
em Santos e para suas considera��es finais. Assim, segundo Santos (2002, p. 64):
Considerar o espa�o como esse conjunto indissoci�vel de sistemas de objetos e sistemas de a��es, assim como estamos propondo, permite, a um s� tempo, trabalhar o resultado, mas a partir de categorias suscept�veis de um tratamento anal�tico que, atrav�s de suas caracter�sticas pr�prias, d� conta da multiplicidade e da diversidade de situa��es e de processos.
Podemos afirmar que o espa�o geogr�fico entendido como o conjunto indissoci�vel de
sistema de objetos e sistema de a��es � a concep��o mais acabada daquelas desenvolvidas por
120
Santos e a qual ele prop�e como objeto de estudos para a Geografia. N�o que as concep��es
de espa�o geogr�fico como fixos e fluxos ou mesmo a relev�ncia dada � categoria
configura��o territorial no seu desenvolvimento te�rico sejam prec�rias perante esta
concep��o, pelo contr�rio, estas as contemplam de modo contradit�rio no seio do
desenvolvimento de um mesmo sistema l�gico.
O conjunto indissoci�vel de sistema de objetos e sistema de a��es contempla de modo
sint�tico o que discutimos at� agora acerca da categoria espa�o geogr�fico para Santos. Ou
seja, a predomin�ncia de determinado sistema t�cnico caracteriza um per�odo e a sua
objetiva��o na mat�ria pelo trabalho caracteriza um meio geogr�fico. Pela identifica��o das
diferentes formas e fun��es torna-se poss�vel o entendimento dos processos e estruturas que
os conceberam, a sua forma de distribui��o e organiza��o e a��es que estes objetos enunciam
aos homens. A coer�ncia de conjunto de objetos que se expressa no meio caracteriza o que
Santos denomina de sistema de objetos e as a��es.
Contudo, Santos vai abordar a categoria espa�o geogr�fico como sin�nimo ao conceito
de meio t�cnico-cient�fico informacional. Devido a um fato muito simples: ele � a objetiva��o
na mat�ria do sistema t�cnico que caracteriza o atual per�odo. Al�m, as concep��es de
psicoesfera e tecnoesfera, pertinentes ao conceito, s�o congruentes, respectivamente, a
concep��o de conjunto indissoci�vel de sistema de a��es e sistema de objetos pertinentes a
categoria, ambos os conjuntos s�o produtos do artif�cio, ou seja, da t�cnica.17
2.2.4. Os meios dos per�odos
O meio t�cnico-cient�fico informacional � a objetiva��o do atual per�odo, o per�odo
t�cnico-cient�fico informacional. A objetiva��o de certo per�odo constitui um meio de
conte�do similar, ou seja, cada per�odo constitui um meio pelo modo hegem�nico de
produ��o que tende a unificar o modo objetiva��o do trabalho na mat�ria. Atualmente, as
a��es hegem�nicas, como antipr�xis, s�o reproduzidas indefinidamente pelas rela��es sociais
de produ��o, seja consciente ou inconscientemente, pela pr�xis dos homens como um meio de
manuten��o de sua pr�pria exist�ncia. Deste modo, Santos ir� denominar e classificar os
diferentes per�odos e meios da hist�ria t�cnica da humanidade em: natural, t�cnico e t�cnico-
cient�fico informacional.
O meio natural pode ser identificado pela fase da hist�ria na qual o homem escolhia
da natureza aquilo que era fundamental ao exerc�cio da vida e valorizava, diferentemente,
17 Cf. SANTOS, 1994, p. 123.
121
estas condi��es naturais, as quais, sem grandes modifica��es, constitu�am a base material de
sua exist�ncia.
O per�odo natural pode ser identificado pela fase da hist�ria na qual o homem escolhia
da natureza aquilo que era fundamental ao exerc�cio da vida e valorizava, diferentemente,
essas condi��es naturais, as quais, sem grandes modifica��es, constitu�am a base material de
sua exist�ncia (SANTOS, 1996, p. 235-236). A� se estabelece um paradoxo, em que “a
natureza se socializa e o homem se naturaliza” (SANTOS, 1988, p. 89), assim como, o
processo de naturaliza��o da Natureza torna-se, cada vez mais, o processo de sua tecnifica��o,
em que o homem produz uma natureza mais adaptada aos seus fins, em que os objetos criados
pelo avan�o das t�cnicas substituem, cada vez mais, as coisas naturais. Contudo, nesse
per�odo os sistemas t�cnicos n�o tinham exist�ncia aut�noma, pois sua simbiose com a
natureza era total e suas motiva��es de uso eram essencialmente locais.
O per�odo t�cnico, que tende a superar o per�odo natural, compreende a fase posterior
� inven��o e ao uso das m�quinas, que atribuem uma nova dimens�o de an�lise do meio, pois
este � provido de objetos que n�o s�o somente culturais, mas tamb�m t�cnicos.
“Desde que a produ��o se tornou social, pode-se falar em meio t�cnico” (SANTOS,
1985, p. 37). A “raz�o comercial” emerge e busca seu firmamento em detrimento da raz�o
pautada nos aspectos naturais e os tempos sociais tendem a se superpor e contrapor os
“tempos” de significa��es naturais. O homem se sente, ent�o, capaz de “enfrentar” a Natureza
em que os objetos n�o s�o mais prolongamentos do corpo, mas prolongamentos do territ�rio,
pr�teses. Utilizando novos materiais e superando as dist�ncias o homem come�a a fabricar um
tempo novo pautado no referencial de um novo tempo.
Os lugares, assim como �reas, regi�es, pa�ses etc. passam a se diferenciarem pela
quantidade e qualidade do meio t�cnico manifestado, ou seja, a capacidade destes de
substitui��o das coisas naturais e dos objetos culturais por objetos t�cnicos. No entanto, este
fen�meno era limitado, pois n�o era em qualquer fra��o do espa�o que os progressos t�cnicos
podiam se instalar, assim como, seu efeito, ou melhor, seu raio de a��o, era igualmente
limitado.
Ao fim do per�odo t�cnico, limiar do per�odo t�cnico-cient�fico18, se inicia o processo
de unifica��o das t�cnicas e, com ele, a ci�ncia tornando-se uma for�a produtiva direta, por
18 Posterior ao per�odo t�cnico h� duas possibilidades interpretativas. A primeira considerar o per�odo t�cnico-cient�fico, que aparece em algumas obras de Milton Santos, ou considerar o per�odo t�cnico-cient�fico informacional, seguindo a periodiza��o trabalhada em sua principal obra, “A Natureza do espa�o”. Contudo, escolher um ou outro � n�o levar em conta o pr�prio processo de desenvolvimento do conceito e da teoria a ele
122
sua vez, precedendo a t�cnica e o conhecimento. Com a predomin�ncia do trabalho intelectual
se acelera o processo de unifica��o do trabalho, ou seja, os indiv�duos para produzirem mais
precisam estar sob um mesmo comando. Al�m, h� tamb�m a concentra��o de bens e de
pessoas, havendo a diferencia��o social do trabalhador do ch�o e o escrit�rio da f�brica, que
acaba por refletir na pr�pria ocupa��o do espa�o, especificamente, do urbano.
O meio t�cnico-cient�fico � compreendido como momento hist�rico no qual a
constru��o ou reconstru��o do espa�o se dar� com um crescente conte�do de ci�ncias e de
t�cnicas, mediado pelo desenvolvimento da tecnologia, o que n�o ocorria no per�odo
precedente. Sua objetiva��o ocorre de forma diferencial, isto �, de forma cont�nua em
algumas �reas cont�nuas e de modo disperso em outras �reas. Entretanto, a tend�ncia � a
conquista r�pida por mais �reas, o que n�o se evidenciava no meio t�cnico, que se desenvolvia
em ritmo mais lento e mais seletivo. Por outro lado, h� as especializa��es do trabalho no
territ�rio, com extrema diferencia��o das produ��es, se tornam mais capitalistas, criando
necessidades de circula��o e aumentando o n�mero de fluxos sobre o territ�rio.
A especializa��o de fun��es propicia uma hierarquiza��o funcional das cidades, o que
formalmente soa como uma “complementaridade” de produ��o regional. A tend�ncia �
generaliza��o do meio t�cnico-cient�fico, tanto na composi��o t�cnica do territ�rio pelos
aportes maci�os de investimentos em infra-estrutura como na composi��o org�nica do
territ�rio, ocorre pela cientifiza��o do trabalho, sendo tal din�mica imposta tanto no meio
rural quanto no meio urbano. Essa especializa��o imp�e e exp�e uma hierarquia dos espa�os
de produ��o que acaba por refletir na ocupa��o, produ��o e transforma��o do meio,
correlacionada. � n�o levar em conta o pr�prio desenvolvimento intelectual do autor. � t�-lo como acabado, resultado, e n�o como processo.Em algumas obras de Santos se nota uma diferencia��o entre o conceito de meio t�cnico-cient�fico e o meio t�cnico-cient�fico informacional, como objetiva��o posterior do per�odo t�cnico. De modo geral, o conceito de meio t�cnico-cient�fico � precedente e difere do per�odo t�cnico-cient�fico informacional por considerar, ao buscar retratar o atual per�odo, o elemento informa��o. Em “A Natureza do Espa�o” est� diferencia��o n�o � vislumbrada (SANTOS, 1996, p. 234), mas, ao relacion�-la com outras obras ela � existente, como: “Espa�o e m�todo”, “Metamorfoses do espa�o habitado”, “Urbaniza��o brasileira”18 etc. Este processo nos incita a ideia que o conceito de meio t�cnico-cient�fico informacional pode ser o desenvolvimento do conceito de meio t�cnico cient�fico. Por ora, a consideramos sob duas perspectivas: a relev�ncia do elemento informa��o ultrapassa os limites da primeira periodiza��o e a pr�pria determina��o cronol�gica dos per�odos se cambiam entre si e/ou ao considerar, enfatizar e incorporar o elemento informa��o como uma caracter�stica relevante do atual per�odo, leva ao desenvolvimento do conceito de meio t�cnico cient�fico.A diferencia��o entre as periodiza��es � vislumbrada ao tomar as obras de Milton Santos como um todo, assim como, pela an�lise do desenvolvimento intelectual do autor. Pelo desenvolvimento deste conceito h� o enriquecimento de sua proposta te�rica, em que se passa a considerar a relev�ncia adquirida pelo elemento informa��o em sua rela��o com a sociedade. Este movimento tamb�m pode ser notado em outras ideias trabalhadas por Milton Santos, como por exemplo: a categoria espa�o � abordada como um conjunto de fixos e fluxos (SANTOS, 1978), posteriormente, como a intera��o entre configura��o territorial e rela��es sociais (SANTOS, 1988) e a �ltima, enquanto um conjunto indissoci�vel de sistemas de objetos e sistemas de a��es (SANTOS, 2002).
123
especialmente do urbano. O conte�do t�cnico-cient�fico do meio permite a produ��o de um
mesmo produto em quantidades maiores e em tempo menor, rompendo os equil�brios
preexistentes e impondo outros.
O per�odo t�cnico-cient�fico informacional � uma proposta de abordagem do atual
per�odo por suas principais caracter�sticas qualitativas. A objetiva��o deste per�odo tende a
sobrepor todos os meios anteriores, principalmente, a partir da Segunda Guerra Mundial.
Caracterizado pelo estreitamento da rela��o entre ci�ncia e t�cnica, em que a ci�ncia
passa a preceder a t�cnica como elemento din�mico do modo capitalista de produ��o, al�m da
informa��o, que ganha relev�ncia na atual conjuntura. Isto possibilita maior rela��o e
conhecimento do mundo por meio das redes de comunica��es, se tornando elementos amplos,
pois tratam o territ�rio como potencialidade, o que propicia a pr�pria no��o de
instantaneidade.
A objetiva��o do per�odo t�cnico-cient�fico informacional � denominada de meio
t�cnico-cient�fico informacional sendo formada, principalmente, pela a��o conjunta de dois
elementos:
A tecnoesfera, resultado da crescente artificializa��o do meio ambiente, sendo a esfera natural cada vez mais substitu�da por uma esfera t�cnica, tanto na cidade como no campo [...] A psicoesfera, resultado de cren�as, desejos, vontades e h�bitos que inspiram comportamentos filos�ficos e pr�ticos, as rela��es interpessoais e a comunh�o com o Universo. (SANTOS, 1994, p. 32)
A objetiva��o da tecnoesfera � paralela � da psicoesfera, por vezes, a psicoesfera
apoia, acompanha e antecede a expans�o do meio t�cnico-cient�fico informacional, tal como,
havendo empresas que criam uma demanda que antecede a oferta. O discurso e a informa��o
podem preceder os objetos t�cnicos para de certo modo facilitar a sua inser��o nos lugares,
que dotados de intencionalidade, podem designar a��es outras aos homens, normalmente
estranhas aos lugares. Numa esp�cie de tentativa de adequa��o comportamental entre a
tecnologia e a base social da t�cnica crivada de valores sociais “as a��es n�o s�o
exclusivamente conforme aos fins, mas conforme o meio, isto �, conforme aos objetos”
(SANTOS, 1994, p. 102), que favorece a mudan�a da escala de valores culturais e da
aliena��o dos homens em sua rela��o com o meio e com outros homens.
A publicidade � o principal elemento difusor do discurso que interessa aos atores
hegem�nicos. Por meio de objetos e a��es se produzem imagens simb�licas que comp�em a
paisagem desde a vida �ntima dos homens at� a de seus trajetos cotidianos. Estas imagens s�o
124
convidativas, seja pela persuas�o ou dissuas�o, podem direcionar o entendimento de mundo
dos homens.
A intensifica��o deste processo est� intimamente ligada com o desenvolvimento das
telecomunica��es, mola mestra neste per�odo, que propicia a expans�o e a veicula��o do
discurso e da informa��o de modo quase que instant�neo para qualquer parte do globo. No
intuito de atingir novas �reas e densificar ainda mais as atingidas h� a tend�ncia de
homogeneiza��o do meio, principalmente, no �mbito da psicoesfera, que se realiza de modo
disperso. Todavia, s�o nos lugares com maior conte�do de ci�ncia, tecnologia e informa��o,
encontrados, principalmente, nos grandes centros urbanos, onde h� a gest�o do territ�rio que
centraliza a dispers�o dos fluxos.
2.2.5. Do meio t�cnico-cient�fico informacional, o lugar
Os lugares mais dotados de conte�do t�cnico-cient�fico informacional s�o mais
“obedientes”, ou melhor, mais racionais �s ordens dos atores hegem�nicos, formando o que
Santos (1994, p. 93) denomina de “verticalidades”, ou seja, pontos no espa�o, separados uns
dos outros, que asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia em uma
determinada l�gica – a l�gica dos atores hegem�nicos – havendo a tend�ncia de fluxos mais
numerosos e qualitativamente diferentes. Por outro lado, h� lugares em que as rela��es s�o
realizadas de modo �ntimo ao territ�rio e decorrem pela interdepend�ncia solid�ria entre os
atores. Estes lugares s�o tidos como irracionais ou “desobedientes” aos ditames dos atores
hegem�nicos, pois s�o dotados de conte�do m�nimo de tecnologia, ci�ncia e informa��o, al�m
das rela��es ocorrem de modo menos r�gido e hierarquizado, ou seja, com rela��es mais
horizontalizadas. A interse��o de verticalidades e horizontalidades propicia que o mundo se
realize no lugar, possibilitando a interdepend�ncia e inter-influ�ncia entre o lugar e o todo.
Nessas condi��es, � a velha materialidade que dissolve o novo tempo e s�o os tempos do lugar que dissolvem o tempo do mundo.Desse modo, a materialidade – objetos e corpos – que acaba por ser, em cada lugar, a �nica garantia. � assim que o lugar acaba por encontrar, em seu pr�prio tecido, uma raison d’�tre, um princ�pio de equil�brio, ainda que relativo e prec�rio, pois nenhum lugar vive em isolamento. (SANTOS, 2002, p. 226)
O lugar, dispondo de certa autonomia, cont�m algumas especificidades que o tornam
singular e ao permitir a coexist�ncia de elementos de per�odos diferentes sintetizam a
125
desenvolvimento da sociedade e determinam que a pretensa homogeneiza��o do meio
geogr�fico n�o se realize, sen�o como objetos de met�foras – simultaneidade, instantaneidade,
universalidade, flexibilidade, globaliza��o etc. Isto ocorre porque nos lugares h� fatores de
resist�ncia ao novo, pois cada lugar � marcado por uma posi��o t�cnica e por componentes de
capital diferentes. Entretanto, no atual per�odo, todos os espa�os s�o alcan�ados por certo
n�mero de moderniza��es, o que, de certo modo, pode desconfigurar a organiza��o anterior
do espa�o.
N�o s�o todos os lugares que s�o capazes de receber moderniza��es, seja devido �s
defasagens que atrelado � resist�ncia ao novo lhe revigora ou � presen�a de elementos j�
modernos. As moderniza��es alcan�am os meios de forma heterog�nea, o que induz �
diferencia��o entre os lugares. Elas v�m acompanhadas por uma especializa��o das fun��es, o
que propicia uma hierarquiza��o funcional pautada no princ�pio da informa��o, pois as �reas
que acolhem as moderniza��es ou seus principais efeitos s�o as mais capazes de acolher
outras moderniza��es. Neste sentido, as cidades, cada vez mais, se tornam diferentes entre si,
mesmo com presen�a de elementos similares elas s�o espec�ficas, porque h� diferentes
maneiras de acolhimento das moderniza��es, assim como, elas podem ser resignificadas no
lugar.
A tecnologia precedida pela ci�ncia, os mecanismos de informa��o, tanto para sua
cria��o como na sua difus�o, o desenvolvimento dos meios transportes e, por consequ�ncia,
das redes vi�rias propiciam com que haja uma conflu�ncia dos lugares, o que lhes atribuem
diferentes valores e afere uma posi��o no “espa�o-mundo”, como racional ou irracional aos
ditames do atual per�odo. As moderniza��es relativas a cada per�odo s�o impostas e
“procedem do centro para periferia”, ou melhor, dos lugares mais racionais para as �reas
menos racionais, a fim de propiciar o desenvolvimento do sistema.
Por enquanto, o Lugar – n�o importa sua dimens�o – �, espontaneamente, a sede da resid�ncia, �s vezes involunt�ria, da sociedade civil, mas � poss�vel pensar em elevar esse movimento a des�gnios mais amplos e escalas mais altas. Para isso � indispens�vel insistir na necessidade de um conhecimento sistem�tico da realidade, mediante o tratamento anal�tico do territ�rio, interrogando-o a prop�sito de sua pr�pria constitui��o no movimento hist�rico atual. (SANTOS, 2002, p. 226)
Cada sistema temporal, na escala mundial, coincide com um per�odo hist�rico e a
sucess�o dos sistemas promove as moderniza��es, em que a dimens�o temporal no estudo da
organiza��o do espa�o ganha relev�ncia e se realiza mundialmente. Deste modo, considerar
126
somente a dimens�o do lugar � se reter a uma abstra��o, pois se deve levar em conta a
din�mica do espa�o geogr�fico para aferi-lo. “A regi�o e o lugar n�o tem exist�ncia pr�pria.
Nada mais s�o do que uma abstra��o, se o considerarmos � parte de sua totalidade.”
(SANTOS, 2002, p. 165).
Guardadas as devidas propor��es para estas categorias, o lugar � a totalidade para a
totaliza��o que � o espa�o geogr�fico. De modo recorrente nas proposi��es desenvolvidas por
Santos, � a totaliza��o que define o que � a totalidade ou � o espa�o geogr�fico que define a
paisagem, o territ�rio, a regi�o e o lugar. Mesmo o lugar sendo espec�fico, porque totalidade,
ele s� tem sentido pela totaliza��o. Realiza-se uma distin��o entre os lugares pelo grau e
resist�ncia de receber as moderniza��es caracter�sticas do atual per�odo t�cnico, os
denominando como racionais ou irracionais. O primeiro se refere a preval�ncia de rela��es
mais “verticalizadas” entre os homens e o segundo as mais “horizontalizadas”.
Aqui reca�mos na discuss�o inicial acerca da contradi��o ente pr�xis e antipr�xis
como fen�menos constitutivos do pr�tico-inerte, ou melhor, sob os termos e a l�gica utilizada
por Santos, a contradi��o entre verticalidades e horizontalidades como elementos
constitutivos indicados pelo meio t�cnico-cient�fico informacional. Diferentemente, dos
elementos que t�nhamos dispon�veis no in�cio da discuss�o aqui � um pouco mais n�tido como
Santos concebe seu sistema l�gico em que a antipr�xis, de certo modo, governa a pr�xis dos
homens em geral. � o espa�o geogr�fico entendido como manifesta��o objetiva e material da
contradi��o entre as a��es dos atores hegem�nicos e dos atores hegemonizados que designar�
a qualidade dos lugares e das pr�prias rela��es humanas que nele ocorrem. A concep��o para
a paisagem, territ�rio e regi�o tamb�m s�o decorrentes desse procedimento.
O espa�o geogr�fico � a refer�ncia constante para o desenvolvimento do sistema
l�gico proposto por Santos, por isso, sua perspectiva de interpreta��o para a Geografia se
revela, ao mesmo tempo, como uma den�ncia e uma tentativa de conscientiza��o dos homens
para as a��es dos atores hegem�nicos com o intento de governar o destino dos pr�prios
homens em prol do lucro e pela aus�ncia do homem concreto como aquele que deve qualificar
a rela��o no mundo.
2.3. Apontamentos
Inicialmente consideramos algumas teorias ontol�gicas e atribu�mos certo relevo
�quelas teorias desenvolvidas por Sartre que, por sua vez, nos serviu como par�metro de
an�lise para as proposi��es te�ricas desenvolvidas por Silva e por Santos. Para as proposi��es
127
te�ricas desenvolvidas por Silva foi necess�rio averiguarmos em algumas de suas influ�ncias
te�ricas elementos que nos permitissem melhor entend�-las. O exerc�cio de remiss�o a
algumas teorias desenvolvidas por Sartre, assim como, o entendimento quanto ao modo como
se estrutura e se desenvolve sua l�gica foi fundamental para compreendermos as proposi��es
te�ricas de Silva. Para as proposi��es te�ricas de Santos este procedimento foi realizado com
menos intensidade devido ao car�ter estruturado de seu discurso. Somente tratamos algumas
de suas influ�ncias, destacando aquelas de Sartre.
Contudo, pela exposi��o das respectivas ontologias do espa�o foi poss�vel identificar e
entender o modo como cada um destes ge�grafos utilizam algumas teorias ontol�gicas para
instrumentalizar seus respectivos discursos por meio de algumas categorias e conceitos
tradicionais da Geografia. A pr�pria exposi��o foi orientada pela hierarquiza��o e
concatena��o l�gica destas categorias e conceitos. Ou melhor, pela identifica��o e
entendimento das principais teorias desenvolvidas e o modo de hierarquiza��o das categorias
e conceitos utilizados por cada de um desses ge�grafos nos permite neste ponto da discuss�o
abordar suas respectivas perspectivas, o modo de estrutura��o e concatena��o l�gica de suas
respectivas proposituras.
Quando consideramos a hierarquiza��o para as categorias e os conceitos geogr�ficos,
assim como, alguns dos aspectos fundamentais que os caracterizam, podemos estabelecer que
h� certas semelhan�as entre as proposi��es te�ricas desses dois ge�grafos, mas h� diferen�as
not�rias quando identificamos suas respectivas perspectivas de pesquisa e o modo de
estrutura��o l�gica para estas categorias e conceitos geogr�ficos. Estas diferen�as se tornam
mais patentes quando a relacionamos com o modo de estrutura��o l�gica e a perspectiva de
pesquisa proposta pela ontologia em Filosofia.
Deste modo, repomos a ontologia em Filosofia como par�metro de an�lise para
buscarmos identificar e entender pela estrutura��o l�gica de cada uma das ontologias do
espa�o quais s�o suas perspectivas de pesquisa e seus objetivos. Ora, mas como � a
hierarquiza��o e as concep��es para as categorias e conceitos geogr�ficos utilizados pelo
respectivos ge�grafos que nos indica o modo de estrutura��o l�gica para cada uma destas
proposituras, � pela correla��o entre estas diferentes l�gicas o caminho que iremos seguir.
Entendemos que ambos os ge�grafos partem da categoria geogr�fica paisagem como
primeiro procedimento de representa��o para o mundo, mas h� diferen�as. Silva em algumas
de suas obras a considera de dois modos distintos, ora como uma primeira representa��o para
o mundo e ora como abstrato concreto, pensado, como sin�nimo de espacialidade. Contudo,
ir� predominar nas obras de Silva a primeira concep��o de paisagem. Santos, considera a
128
paisagem como uma forma de express�o do espa�o geogr�fico destitu�da do seu movimento
totalizador, tratada por si s� ela � uma abstra��o, ou seja, a paisagem � uma primeira forma de
representa��o para o espa�o geogr�fico.
Silva parte da totalidade e dela realiza um recorte epistemol�gico para a Geografia,
subtotalidade. N�o poder�amos afirmar que Santos n�o parta da totalidade para entender o
mundo. Contudo, se Silva toma como refer�ncia a totalidade para o ser-no-mundo, Santos
toma a totaliza��o. � recorrente Santos afirmar que o espa�o geogr�fico � a inst�ncia que
define os lugares, regi�es e territ�rios por meio da contradi��o do movimento totalizador, ou
seja, o movimento social. Silva afirma que o lugar � uma inst�ncia que permite pelo
empreendimento do entendimento estabelecer o que � o espa�o. Assim, a paisagem em Silva
n�o � tomada simplesmente como um abstrato absoluto do mesmo modo que em Santos, pois
por ela � poss�vel tratar acerca dos reflexos dos homens levando em conta certas significa��es
por eles atribu�das.
A categoria espa�o para Silva � considerada em suas distintas concep��es – relacional,
relativo e absoluto – para a constru��o de suas proposi��es te�ricas. A concep��o de espa�o
relacional permite uma abordagem que considere as m�ltiplas rela��es entre os objetos que
n�o possuem quaisquer rela��es inerentes entre si, porque atribu�das pelo ser. Esta concep��o
possui certa relev�ncia no sistema l�gico de Silva. J�, a relacionalidade espacial para Santos �
compreendida pela coer�ncia do conjunto de objetos em que as intencionalidades atribu�das a
eles remetem umas a outras. O espa�o relacional, ou melhor, a relacionalidade entre os
objetos s� pode ser concebido pelo absoluto, pela abstra��o concreta, que � o espa�o
geogr�fico como totaliza��o. Em Silva ele � tratado � maneira da nadifica��o em Sartre, logo,
como uma rela��o fundamental do ser-no-mundo. Como abstra��o absoluta e fen�meno
condicional que possibilita, pelo entendimento, sua concep��o em abstrato concreto,
totaliza��o.
A perspectiva relacional para o espa�o � considerada de diferentes maneiras por cada
um desses ge�grafos e indica diferentes encaminhamentos l�gicos e, por conseguinte, se
atribuem relev�ncias distintas para certas categorias e conceitos no desenvolvimento de suas
respectivas proposi��es te�ricas. Para Silva a categoria lugar � a refer�ncia para o
desenvolvimento l�gico de seu sistema. A organiza��o dos objetos no campo material, como
fruto da contradi��o entre a pr�xis e antipr�xis, se revela aos homens como uma rela��o
necess�ria, como certo condicionamento do seu ser-al�m. A partir deste processo h� o
desenvolvimento de significa��es cujas categorias e conceitos geogr�ficos podem surgir aos
homens como um modo de entendimento do ser-no-mundo. Para Santos a organiza��o de
129
determinado campo material � determinado em outras inst�ncias, ou seja, o espa�o geogr�fico
determina o modo de organiza��o dos objetos no lugar. A rela��o entre pr�xis e antipr�xis
como totalidade do lugar � condicionada previamente pela totaliza��o que indica o espa�o
geogr�fico.
Se, pela proposi��o de Silva � poss�vel se entender o modo como os homens
desenvolvem significa��es pelo pr�tico-inerte e como eles entendem seus elementos
constitutivos, em Santos, pelo entendimento dos elementos constitutivos se tenta entender
como o pr�tico-inerte atribui significa��es aos homens. S�o perspectivas de interpreta��o
distintas. Isto n�o implica que uma seja correta ou � mais verdadeira em detrimento da outra.
Pelo contr�rio, ambas s�o verdadeiras.
O desenvolvimento l�gico das respectivas proposi��es te�ricas desses ge�grafos
evidenciam preocupa��es e objetivos espec�ficos e uma postura para abordagem da realidade.
Poder�amos afirmar que Silva estabelece um discurso que leve em conta o movimento
pensamento dos homens para os estudos geogr�ficos, destacando a viv�ncia dos homens no
lugar e sua rela��o com o mundo. Santos abordar a localiza��o, distribui��o e a organiza��o
dos objetos t�cnicos e seu respectivo conjunto de a��es em rela��o com os homens pela
categoria espa�o geogr�fico.
Mesmo que, preliminarmente, entendemos que as proposi��es te�ricas de Silva e de
Santos sejam erigidas sob perspectivas, objetivos e l�gicas distintas, as categorias territ�rio e
regi�o possuem fundamentos similares para estes dois ge�grafos. De modo geral, a primeira
categoria indica a contradi��o entre a pr�xis e a antipr�xis como um modo de exerc�cio do
poder e a segunda destaca os aspectos homog�neos e heterog�neos oriundos desta
contradi��o. Na propositura de Santos este processo possibilita a determina��o de �reas por
certa especificidade, pela relev�ncia de certos fen�menos para an�lise. Para a propositura de
Silva h� o mesmo fundamento, contudo o territ�rio se revela, antes de tudo, pela pr�xis do
Outro objetivada na mat�ria, assim como, pela presen�a do Outro enquanto Dasein como um
modo de determina��o do ser-al�m, para depois, advir ao discurso como um meio organizado
cuja as determina��es n�o se restringem ao ser-no-mundo singular e suas rela��es.
Indiferente de qualquer uma das proposituras analisadas � patente que tanto para uma
como para outra h� certa interpreta��o, entendimento e perspectiva de an�lise acerca do
mundo e dos homens. Ora, interpretar e entender pressup�e questionar. S� � poss�vel ao
homem questionar porque n�o h� outro ser que questione que n�o seja ao modo do ser-no-
mundo. N�o � o objeto que questiona quem � o homem e sim o homem questiona o que � o
objeto. Se levarmos este pressuposto adiante � necess�rio perguntar: onde est� esse ser em
130
cada uma das proposituras geogr�ficas apresentadas? O onde pode nos apontar qual a posi��o
e a perspectiva de interpreta��o desse ser para cada uma das proposituras.
Poder�amos reenfatizar que na propositura desenvolvida por Santos o ser-no-mundo �
abordado pelo seu car�ter universal sob a forma de categorias e conceitos. Contudo, esta
afirma��o � insuficiente para resolu��o da quest�o, pois quaisquer categorias ou conceitos que
indiquem os homens n�o os abordam por sua concreticidade de ser. Ou seja, n�o se p�e em
quest�o o ser da rela��o ao modo desenvolvido pela ontologia fundamental e, tampouco, o
processo cognitivo que a teoria do conhecimento nos leva a subentender. Popula��o, classe
social, atores etc. se referem a apenas certas universalidades como abstra��o das
singularidades e particularidades do ser-no-mundo por suas rela��es contradit�rias com o
pr�tico-inerte e com outros homens. A popula��o n�o possui consci�ncia e a consci�ncia de
classe n�o � consci�ncia ao modo do Dasein e sim uma teleologia particular fundada na
escassez. Deste modo, a ser-no-mundo permanece ausente da discuss�o desenvolvida por
Santos? Entendemos que n�o.
Pela estrutura��o do sistema l�gico desenvolvido por Santos, destacadamente, em “A
natureza do espa�o”, � a categoria espa�o geogr�fico ou o conceito de meio t�cnico-cient�fico
informacional que pode nos indicar o ser que questiona, porque eles s�o a refer�ncia para o
desenvolvimento da propositura. De que modo? Na medida em que � o espa�o geogr�fico que
determina os aspectos relevantes a serem considerados tanto numa primeira apreens�o da
realidade como, tamb�m, revela o que � o ser-no-mundo pela antipr�xis, ele � o ser da
rela��o. � o espa�o geogr�fico que nos aponta os elementos constitutivos e determinantes da
realidade pelo movimento totalizador da sociedade e n�o o Dasein. Como n�o podemos
questionar nem a sociedade e tampouco o espa�o geogr�fico porque seria absurdo questionar
algo ou “algu�m” abstrato que, por mais que indiquem universalidades dos modos de ser do
Dasein, n�o s�o outra coisa sen�o categorias como um modo de entendimento da realidade.
Contudo, para que haja a categoria � necess�rio um Dasein que a conceba como um ser-no-
mundo para interpretar e entender a realidade, ao mesmo tempo, que desenvolva certa
perspectiva de mundo. O observador ou o pesquisador � o ser que questiona na propositura
desenvolvida por Santos.
O ser que questiona na propositura desenvolvida por Silva pode ser tratado ao menos
sob dois modos. O primeiro, como na propositura de Santos, o pr�prio pesquisador como ser-
no-mundo e o segundo como pesquisado. Ora, mas na propositura de Santos o pesquisado � a
realidade em que o espa�o geogr�fico � considerado o principal objeto de estudo e como tal
n�o podemos question�-lo. Assim, n�o podemos questionar nenhuma categoria ou conceito na
131
propositura de Silva e sim temos que questionar um Dasein o qual aparece no ato de habitar
como um ser em e no mundo.
O lugar, inicialmente, � onde o ser em situa��o se realiza porque habita. A categoria
lugar � abordada como lugar de significa��o da pr�xis e da viv�ncia cotidiana que s� se
revela pela pr�xis do Outro objetivada na mat�ria. � nele onde se estabelece o destino dos
homens por sua rela��o com o pr�tico-inerte. Isto n�o significa que n�o se leve em conta as
din�micas de outras escalas, mas todo o entendimento para o mundo deve ocorrer pelo
homem no mundo.
O pr�tico-inerte deve se apresentar inicialmente aos homens pela falta de ser e pela
escassez fundada na manuten��o da sobreviv�ncia – por exemplo: estou com sede, irei beber
�gua; estou com frio, procurarei abrigo – e n�o governado por uma entidade abstrata. Se n�o
h� �gua ou n�o h� abrigo � o ser-no-mundo que dentro de suas limita��es poder� modificar o
meio ou procurar �gua ou abrigo em outros lugares para estabelecer novas determina��es e
novas possibilidades de ser. � pela contradi��o entre as diferentes viv�ncias nos lugares que o
ser-no-mundo poder� pelo empreendimento do entendimento identific�-los, classific�-los,
relacion�-los, qualific�-los e determin�-los como totalidades em totaliza��o. A categoria
espa�o como totaliza��o deve vir pelo ser-no-mundo como resultado e processo do
entendimento.
N�o poder�amos afirmar que os homens, na sua viv�ncia cotidiana, desenvolvam
necessariamente o entendimento do mundo e de si pr�prio pelas categorias e conceito
geogr�ficos, mas podemos afirmar que elas s�o abordadas na propositura de Silva como um
dos modos de entendimento do ser-no-mundo que permite a conscientiza��o das
determina��es do pr�tico-inerte como uma possibilidade de ser. O ser-no-mundo � o
pesquisado, assim como, os aspectos objetivos e subjetivos da realidade que ele desenvolve e
as categorias e os conceitos geogr�ficos s�o entendidos como modos fundamentais de ser.
De um lado, indicamos na propositura de Silva onde est� o ser que questiona, de
outro, deixamos em aberto qual � o papel do pesquisador quando o ser-no-mundo � o
pesquisado. O pesquisador deve ser do mesmo modo que o ser pesquisado, como ser-no-
mundo que questiona pela sua facticidade de ser. Cabe ao pesquisador analisar a realidade e
desenvolver interpreta��es acerca das determina��es como possibilidades de ser-no-mundo.
A diferen�a da situa��o do pesquisador na propositura desenvolvida por Silva para
aquela de Santos � que para o primeiro quando se busca entender os modos de ser-no-mundo
h� a necessidade que o pesquisador se coloque do mesmo modo que o pesquisado, como ser-
no-mundo. N�o se negligencia ou oculta esta condi��o inescap�vel do ser-do-homem como �
132
feito na proposi��o de Santos. Contudo, entender o modo de fundamenta��o do ser-do-
homem, que indica certa discuss�o a respeito de seu processo cognitivo, n�o foi elencado
como uma problem�tica de pesquisa para Santos. A proposi��o te�rica de Santos n�o d� conta
desta problem�tica, pois n�o a tem como objetivo de pesquisa.
N�o h� d�vida que para quaisquer proposi��es cient�ficas o pesquisador estabelece
certo recorte da realidade sob as categorias e os conceitos pertinentes a determinada ci�ncia
que ele desenvolve e segundo os seus objetivos de pesquisa. Para a propositura de Silva este
recorte � estabelecido pelo conceito de subtotalidade e pelo modo de estrutura��o l�gica das
categorias e conceitos, assim como, em Santos, est� impl�cito esse �ltimo procedimento. Isto
acarreta que o questionamento cient�fico n�o tenha o mesmo teor dos questionamentos do
senso comum, mas ele pode ser uma maneira de operacionaliz�-los para o desenvolvimento
de uma consci�ncia emancipat�ria dos homens imersos no cotidiano. Esta � outra diferen�a
fundamental para as duas proposituras consideradas. Ambos os ge�grafos prop�em o
desenvolvimento de uma consci�ncia emancipat�ria dos homens imersos no cotidiano, mas de
modo distintos. Enquanto Silva intenta resguardar a abordagem do processo cognitivo e as
significa��es que os homens atribuem aos lugares, Santos as dilui em universalidades e as
aborda lateralmente pela antipr�xis.
Na propositura de Silva o homem � posto para pensar, ou melhor, ele � abordado como
o ser que pensa. Na propositura de Santos ele � abordado como ser pensado. Isto incorre que
o desenvolvimento da consci�ncia emancipat�ria � determinado na propositura de Santos. O
caminho da conscientiza��o � posto antecipadamente, em que a categoria espa�o geogr�fico �
a refer�ncia. Na propositura de Silva � o Dasein que deve desenvolver o processo de
entendimento de seu ser-no-mundo. � a partir do lugar que ocorre e permite ao pesquisador
considerar suas percep��es e significa��es e denominar e determinar os elementos
fundamentais pelas categorias e conceitos geogr�ficos como um modo de ser-no-mundo para
o desenvolvimento de certa consci�ncia emancipat�ria.
Cada vez que avan�amos na an�lise se torna mais patente que as abordagens
desenvolvidas por estes ge�grafos possuem perspectivas distintas para o entendimento da
realidade. Cada um deles possui um ponto de vista espec�fico para o entendimento da
realidade, o que implica considerar as condi��es do observador e a escolha de um contexto ou
refer�ncia de onde se parte o senso, a interpreta��o de certa experi�ncia. Podemos identificar
certa perspectiva pelo seu modo de abordagem para os fenom�nos, o que incorre num
desenvolvimento l�gico e metodol�gico.
133
Tentando distinguir estas perspectivas, propomos: a perspectiva posicional e a
perspectiva oniposicional. A rigor, a proposi��o destas distintas perspectivas para o mundo
n�o nos cabe, pois elas foram desenvolvidas por Sartre em “Quest�es de m�todo” para
abordar o seu m�todo regressivo-progressivo. Tomando-as sob outros termos, buscamos
conservar o conte�do da discuss�o que ele propor�.
A perspectiva posicional � o posicionamento pr�vio do espectador, que antecede a
quaisquer procedimentos racionais ou intelectuais. Ela pressup�e que o espectador seja um ser
entre outros seres do mundo, ou seja, o ser que � homem deve ser no meio do mundo, de
modo factual. A facticidade do ser � posicional e se orienta de modo espec�fico para o mundo.
A proemin�ncia desta perspectiva acarreta em considerar os processos mais fundamentais que
precedem quaisquer entendimentos ao modo da ontologia fundamental.
Para a perspectiva oniposicional, a utiliza��o do antepositivo latino omni para o
substantivo posi��o n�o se refere a todas as posi��es poss�veis, mas tamb�m, qualquer
posi��o.19 A perspectiva oniposicional possibilita o desenvolvimento de uma abordagem com
centro de refer�ncias relativos, incita a eliminar a equa��o pessoal que sou e restitui ao mundo
o centro de refer�ncia mundano que devo ser. O mundo � reconstitu�do no terreno da
racionalidade, abstraindo-me do mundo pelo pensamento ou me posicionando abstratamente
em rela��o a um dos termos identificados.
A ado��o de uma ou outra perspectiva para o entendimento da realidade revela o modo
de posicionamento pr�vio do pesquisador para o entendimento do mundo, logo, se pressup�e
desenvolvimentos l�gicos distintos. Pela perspectiva posicional n�o se deve haver
distanciamentos do pesquisador para o pesquisado, ele � parte do pr�prio movimento que
engendra o pesquisado. Ele � estando para o mundo em que ele analisa e n�o um depois do
outro. O ser cognoscitivo n�o deve ser somente o pr�prio pesquisador que procura estabelecer
o que � a realidade em determinado contexto de mundo pelas interpreta��es dos fen�menos e
sim que o pesquisado seja o ser cognoscitivo e o mundo, o qual o pesquisador tenta interpretar
e entender a sua realidade. O centro de refer�ncia para a perspectiva posicional � o ser-no-
mundo e n�o o mundo para o ser-do-homem como ocorre pela perspectiva oniposional.
Deste modo, tentamos desenvolver esta pesquisa em Geografia pela perspectiva
posicional e pela ontologia fundamental, como um saber que antecede a constitui��o dos
saberes espec�ficos. Aqui, enuncia-se, a princ�pio, uma aproxima��o com as proposi��es
te�rico-metodol�gicas desenvolvidas por Silva. Parte-se do homem situado no mundo, como
19 Cf. Dicion�rio Houaiss, 2009.
134
um existente em meio a outros existentes, que estabelece uma rela��o dial�tica com seu
campo material e com outros homens, como fundada e fundante para sua consci�ncia. As
categorias e conceitos geogr�ficos norteiam esse processo como um dos modos de se entender
o ser-no-mundo.
Contudo, n�o negligenciamos a perspectiva oniposicional e sim entendemos que ela
deva surgir no discurso como reveladora da facticidade que sou como ser-no-mundo que
abstrai sua situa��o para entend�-la. A interpreta��o por uma perspectiva posicional n�o �
deslocada para se tornar oniposicional e sim pelo empreendimento do entendimento do ser-
do-homem emerge o ser-no-mundo como pensado. N�o se perde a endo-refer�ncia e nem a
exo-refer�ncia e sim h� o entendimento do ser-no-mundo e do lugar por outras inst�ncias que
o determinam. Neste ponto nos aproximamos das proposi��es de Santos, porque pretendemos
entender a localiza��o, distribui��o e organiza��o do conjunto de sistemas de objetos e pela
identifica��o das a��es que estes ensejam aos homens buscaremos identificar os modos de
aliena��o, fetichiza��o, espolia��o do trabalho pelos meios de produ��o.
N�o se trata da sobreposi��o das proposituras, perspectivas e interpreta��es e sim da
tentativa de reposicionamento delas, em que a propositura de Santos seja um dos modos de
entendimento do ser-no-mundo. O substantivo reposicionamento deve ser levado no seu
sentido mais restrito porque se refere somente � propositura, seja para aquela desenvolvida
por Silva ou por Santos, o pesquisador jamais se destitui da sua facticidade de ser, ele �
estando para o pesquisado. Ent�o n�o h� um reposicionamento e sim a reconsidera��o da
proposi��o te�rica desenvolvida por Santos por uma perspectiva posicional.
O m�todo regressivo-progressivo desenvolvido por Sartre em “Quest�es de m�todo”
orientar� esta empresa como uma tentativa de desenvolver uma interpreta��o em que,
regressivamente, a dial�tica do ser-no-mundo seja reposta, progressivamente, como um
processo da dial�tica da Hist�ria. Busca-se desenvolver ontologicamente uma abordagem
posicional em que a perspectiva oniposicional seja dilu�da como um modo de entendimento
do mundo e dos pr�prios homens de modo qualitativamente diferente quando tomada como
ponto de partida para a an�lise. H� o reposicionamento do pesquisador para o pesquisado,
consequentemente, atribui-se o devido acento aos modos de ser-no-mundo para os estudos
geogr�ficos quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet. Conceitos como o de
ciberespa�o e de cibergeografia ser�o discutidos perante a pertin�ncia te�rico-metodol�gica
deste pressuposto ontol�gico desenvolvido por Sartre.
PPAARRTTEE 22::
AA NNAATTUURREEZZAA DDOO IINNTTEERRNNAAUUTTAA
136
CCAAPP��TTUULLOO 33
DDEESSEENNVVOOLLVVEENNDDOO PPRREESSSSUUPPOOSSTTOOSS
O objeto do existencialismo – pelas lacunas marxistas – � o homem singular no campo social, em sua classe, no meio de objetos coletivos e dos outros homens singulares, � o individuo alienado, reificado, mistificado, tal como fizera a divis�o do trabalho e a explora��o, mas lutando contra a aliena��o por meio de instrumentos falsificados e, a despeito de tudo, ganhando pacientemente terreno. Com efeito, a totaliza��o da dial�tica deve envolver tantos os atos, as paix�es, o trabalho e a necessidade, quanto as categorias econ�micas, deve encontrar o lugar do agente ou do acontecimento no conjunto hist�rico, defini-lo em rela��o � orienta��o do devir e, ao mesmo tempo, determinar exatamente o sentido presente como tal. O m�todo marxista � o resultado, em Marx, de longas an�lises; atualmente, a progress�o sint�tica � perigosa: os marxistas pregui�osos servem-se dela para construir o real a priori. (SARTRE, 2002, p. 103)
Para Sartre o objeto de estudo do existencialismo � o homem singular no campo social
ou o ser social com suas paix�es, ang�stias, aliena��es, espolia��es, mistifica��es,
necessidades, possibilidades etc., os quais podem ser entendidos, regressivamente, como
dial�tica dos homens pela contradi��o entre pr�xis e antipr�xis no meio da exist�ncia
humana. Progressivamente, a dial�tica da Hist�ria, permite entendermos os aspectos
econ�micos, sociais e hist�ricos em que suas categorias econ�micas indicam um dos seus
modos de ser-no-mundo. Por este princ�pio n�o se concebe o real a priori, porque este � o
entendimento que tem como princ�pio a fundamenta��o contradit�ria do ser-no-mundo.
Estas considera��es se referem �s bases do m�todo regressivo-progressivo, o qual
pretendemos desenvolver nesta pesquisa. Enuncia-se a aproxima��o com as proposi��es da
ontologia fundamental e com a perspectiva de interpreta��o do ser-no-mundo ao modo
desenvolvido por Silva, mas de modo algum isso implica num afastamento ou mesmo numa
negligencia para as proposituras desenvolvidas por Santos. Pois, se a totalidade em totaliza��o
que � o homem � desconsiderada por Santos e enfatizada por Silva, a totalidade em
totaliza��o que o meio � amplamente estudada por Santos, principalmente, nas suas din�micas
mais gerais, o qual Silva apenas menciona como uma possibilidade anal�tica.
Entendemos que ambas as proposi��es desenvolvidas por esses ge�grafos deixam
indicativos de campos explorat�rios complementares. Regressivamente, � poss�vel tomar
algumas das proposi��es de Silva para entender a dial�tica dos homens e, progressivamente,
as desenvolvidas por Santos como um modo de entendimento do ser-no-mundo como
dial�tica da Hist�ria. Isto n�o significa que esta empresa seja feita como uma esp�cie de
137
sobreposi��o das respectivas propostas, a dial�tica da Hist�ria � retomada no seio da
ontologia como um modo de entendimento do ser-no-mundo por uma perceptiva posicional
para os estudos geogr�ficos.
Sob termos distintos, �lvio Rodrigues Martins, orientando de doutorado de Silva,
desenvolveu em sua tese de doutorado, “Da geografia � ci�ncia geogr�fica e o discurso
l�gico” (1996), uma abordagem em Geografia que n�o se limitasse a an�lise da dial�tica da
Hist�ria e a progress�o sint�tica. Posteriormente, num texto do ano de 2006, “Geografia e
ontologia: o fundamento geogr�fico do ser”, ele desenvolve com mais acuidade para a
Geografia os pressupostos indicados na sua tese de doutorado. Martins parte do impasse
aristot�lico-kantiano trabalhado por Silva para propor a categoria geografia como fundamento
da realidade em que o ser perpassa o estar, indicando a fundamenta��o do ser-no-mundo em
dire��o ao entendimento do mundo para os homens. O mundo emerge pelo e para o pr�prio
homem no mundo. O entendimento das din�micas do mundo � um dos momentos desta
rela��o e de modo algum ela � colocada a priori. As categorias e conceitos geogr�ficos s�o
considerados instrumentos interpretativos que possibilitam identificar e entender os aspectos
ess�ncias do ser-no-mundo para os estudos geogr�ficos.
Em aspectos gerais a proposta de Martins n�o difere da nossa proposta em
desenvolvimento, mas h� certas diferen�as que devem ser ressaltadas: partimos da
contradi��o primitiva ou a nadifica��o e das estruturas constituintes do Dasein para indicar o
ser-no-mundo, como proposto por Sartre e utilizado por Silva. Martins parte das
considera��es de Heidegger em que h� o Dasein e por sua facticidade de ser ele estabelece
rela��es como sendo no mundo. Esta diferen�a essencial poder� ser notada principalmente
quando consideramos a fundamenta��o do ser-no-mundo pelo Outro. Outro ponto de destaque
� que Martins prop�e a reutiliza��o da categoria geografia e quando as rela��es s�o mediadas
pela Internet ele denominar� de cibergeografia ou a geografia da World Wide Web20. Por ora,
n�o entendemos como necess�rio remetermos a categoria geografia para abordar os modos de
ser-no-mundo e sim que por uma mudan�a de perspectiva e de interpreta��o do pesquisador
seja poss�vel abordar o ser-no-mundo para os estudos geogr�ficos.
Este � o primeiro ponto de discuss�o deste cap�tulo, pelo conceito de ciberespa�o
tentaremos pontuar algumas diferen�as em rela��o ao conceito de cibergeografia que, por sua
vez, nos aproxima quanto ao entendimento da fundamenta��o do ser-no-mundo quando suas
rela��es s�o mediadas pela Internet. Contudo, esta pertin�ncia te�rica passa a ser de certo
20 Esta proposta pode ser notada num artigo publicado no de 2000, “A cibergeografia e o continente das cidades virtuais”.
138
modo questionada quando nos remetemos � categoria geografia como base do conceito de
cibergeografia.
Logo ap�s esta discuss�o inicial pretendemos desenvolver, regressivamente, pela
propositura de Silva, a identifica��o e an�lise da dial�tica dos homens para, progressivamente,
pela dial�tica da Hist�ria, seja posta como um modo do entendimento do ser-no-mundo
quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet. Basearemo-nos na concatena��o l�gica das
principais categorias e conceitos geogr�ficos do modo proposto por Silva em que algumas
daquelas desenvolvidas por Santos s�o retomadas no seio deste processo. A propositura de
Martins vem a contento para estabelecermos um di�logo mais prof�cuo com estas
proposituras.
3.1. CiberespaÖo e cibergeografia: pontuando diferenÖas
Inicialmente, poderia se indagar o que � cibergeografia? Trata-se de uma proposi��o
te�rica desenvolvida por Martins para se abordar a fundamenta��o do ser-no-mundo quando
suas rela��es s�o mediadas pela Internet (MARTINS, 2000, p. 6). Da� pode surgir outra
quest�o: Qual a diferen�a entre o conceito cibergeografia e o t�o usual conceito de
ciberespa�o?
Ciberespa�o se trata de um termo criado e utilizado por William Gibson em seu
romance de fic��o cient�fica Neuromancer (1984) que designa o universo das redes digitais,
descrito como campo de conflitos entre empresas multinacionais como uma nova fronteira
econ�mica e cultural, em que os seus protagonistas s�o capazes de adentrar neste universo.
Uma vers�o mais recente, baseada nesta obra de Gibson, pode ser notada na trilogia Matrix,
em que os protagonistas travam uma batalha num mundo paralelo criado por representa��es
das m�quinas que os governam e fazem dos homens fonte de energia no “mundo real”. Os
protagonistas adentram ao “mundo representado” pela mente, deixando para tr�s, no “mundo
real” e o corpo inerte.
A partir do romance de Gibson, o termo ciberespa�o foi tomado pelos usu�rios e
criadores das redes digitais para denominar a forma de media��o pelas quais realizam certas
tarefas por meio de uma rela��o de interface. Abortada a quimera do conceito, certos
pesquisadores passaram a utiliz�-lo como instrumento te�rico que possibilita a abordagem
quando h� a rela��o por meio dos dispositivos de informa��o, de grava��o e de comunica��o.
Neste sentido, L�vy (1999, p. 85) o define como:
139
Eu defino ciberespa�o como o espa�o de comunica��o aberto pela intercomunica��o mundial dos computadores e das mem�rias dos computadores. Esta defini��o inclui o conjunto dos sistemas de comunica��o eletr�nicos (a� inclu�dos o conjunto de redes hertzianas e de telefonia cl�ssica) na medida em que transmitem informa��es provenientes de fontes digitais ou destinadas � digitaliza��o. Insisto na decodifica��o digital, pois ela condiciona o car�ter pl�stico, flu�do, calcul�vel com precis�o e trat�vel em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informa��o que �, parece-me, a marca distintiva do ciberespa�o.
Para L�vy o ciberespa�o enquanto conceito n�o se restringe as representa��es da
telecomunica��o mediada por computadores, pelo contr�rio, ele amplia sua concep��o quando
estabelece outros equipamentos que possibilitam a interface eletr�nica por meio de
transmiss�es digitalizadas ou que ela vise, pois como uma de suas principais fun��es � o
acesso � dist�ncia aos diversos recursos poss�veis por um computador – mem�ria e
processamento de informa��es – esta tamb�m pode ocorrer por meio de terminais
convenientemente preparados (palm tops, telefone celular digital, notebook, tablets etc.)
quando conjugado aos softwares e as redes que transmitem as informa��es.
A ideia de rela��es de interface est� intimamente ligada ao conceito de ciberespa�o,
principalmente, quando s�o caracterizadas pela telecomunica��o mediada por m�quinas,
sejam elas providas de telas, sistemas ac�sticos ou at� mesmo de movimento – telerob�tica.
Sejam para as rela��es receptivas ou interativas.
Pela defini��o de L�vy � poss�vel constatar que o conceito de ciberespa�o se refere ao
entendimento dos objetos e os modos de rela��es poss�veis por ele numa esp�cie de conjunto
de sistemas de objetos e a��es para a rede de Internet. A sua principal diferen�a em rela��o
“outros espa�os” � o car�ter flu�do e interativo de expressar informa��es simult�neas por meio
de representa��es. Com esta concep��o L�vy “tr�s para o ch�o” a abordagem acerca do
ciberespa�o em rela��o �quelas concep��es que o tratam de modo paralelo ao mundo das
iner�ncias materiais, todavia, no desenvolvimento de sua obra “Cibercultura”, ele deixa de
lado o modo como os homens o utilizam para realiza��o dos seus projetos e o modo como
esta rela��o mediada eletronicamente pode se estabelecer enquanto uma necessidade em
conflito com as possibilidades humanas.
Para se estabelecer como a rela��o mediada pela Internet pode ser considerada como
certa necessidade para a realiza��o da pr�xis dos homens n�o podemos partir da organiza��o
dos objetos que constituem a rede de Internet para o desenvolvimento da an�lise, pois esta
organiza��o n�o pode ser apreendida pelos internautas. A �nica parte da rede que lhe �
apresentada quando se estabelece uma rela��o de Internet � o terminal convenientemente
140
preparado, por exemplo, o computador e seus acess�rios. Por uma abordagem posicional, o
ciberespa�o n�o deve ser a mat�ria que o fundamenta, no caso, o sistema de objetos que
constituem a rede de Internet. O espa�o deve vir ao ser pelo empreendimento do
entendimento. Afirmar que os usu�rios de Internet se relacionam com o ciberespa�o � des-
posicion�-lo como Dasein que ele � em prol de uma concep��o de espa�o pr�via ao seu modo
ser que pode buscar entender.
Se por um lado, h� certos autores que partem de uma concep��o pela dissocia��o entre
mat�ria e ideia e o ciberespa�o � somente a representa��o mediada21, por outro, a concep��o
de L�vy � ampla e indica que al�m das representa��es de interface o ciberespa�o � tamb�m os
objetos que constituem a rede de Internet. Contudo, partir da organiza��o dos objetos que
constituem a rede de Internet n�o nos permite afirmar quem � o homem que utiliza a Internet
pelos seus modos de ser, ou seja, estar�amos partindo de uma perspectiva oniposicional para o
desenvolvimento desta pesquisa. Assim, tomamos o conceito de cibergeografia ao modo
desenvolvido por Martins, mas antes de abord�-lo se faz necess�rio recorrer a sua base, ou
melhor, a categoria que o fundamenta, a geografia.
A geografia � uma categoria desenvolvida por Martins dos quais destacamos dois
momentos: o primeiro, na sua tese de doutorado e num segundo momento, em um artigo
publicado em 2006. Em sua tese de doutorado, Martins abordar a fundamenta��o do ser-no-
mundo, elencando algumas categorias e conceitos geogr�ficos como representa��es
explicativas para o mundo. Ele a divide em quatro partes, ou melhor, quatro geografias. De
modo geral, cada uma delas aponta para o processo cognitivo, que parte da percep��o em
dire��o ao entendimento ser-no-mundo de modo concreto. De modo geral, ele define a
geografia pelo seguinte princ�pio:
Algo que diz que se localizar n�o � algo fortuito. Estar � propriedade das coisas que existem. A referida rela��o entre ser e estar. [...] E existir � ser que passa por estar, ou estar que passa por ser. N�o um depois do outro, mas simultaneamente. Somos o que somos por estar aqui nesse momento. Somos o que somos por possuir uma geograficidade. Eis a geografia do real, como um dado constitutivo deste. (MARTINS, 1996, p. 306-307)
Martins compreende a geografia, “como dado constitutivo da realidade” em que “se
localizar n�o � algo fortuito”, pois “estar � propriedade das coisas que existem” e “existir � ser
que passa por estar, ou estar que passa por ser”. A condi��o de exist�ncia do homem perpassa
a rela��o entre ser e estar ou a dita rela��o homem-meio. Deste modo, a exist�ncia humana,
21 Cf. WERTHEIM, 2001.
141
em seu movimento qualitativo e quantitativo em rela��o ao meio, tamb�m pode ser
considerada uma inst�ncia que se colocada � an�lise em Geografia.
A Geografia � posta a partir da dial�tica estabelecida entre tempo e espa�o, portanto do movimento.Assim, a ci�ncia geogr�fica � um estudo deste movimento. Tomados na perspectiva da espa�o-temporalidade, tem o compromisso com a complexidade. Porque tem em mente a qualidade. A multi-composi��o das determina��es estabelecidas nas rela��es de ser. � a perspectiva da totalidade inscrita na necessidade da an�lise estar em di�logo com a totalidade. Portanto, a leveza do m�todo � uma necessidade. A flu�ncia da arte de pensar. Ou a arte como forma de pensamento. Um arcabou�o l�gico rico em diferen�as, numa troca entre raz�o e entendimento. Na contra-indu��o das formas de entendimento.A ci�ncia geogr�fica � a filosofia da rela��o entre as partes, pois pensa os lugares. Ou seja, a reflex�o do todo. (MARTINS, 1996, p. 307-308)
Martins distingue a ci�ncia geogr�fica da geografia, ou melhor, a Geografia enquanto
ci�ncia que deve estudar a dial�tica entre as din�micas espa�o-temporais e as rela��es entre os
lugares como totalidades em totaliza��o por meio de um m�todo flu�do e a geografia como
categoria que trata da compreens�o do mundo a partir da rela��o entre ser e estar, ou seja, a
partir do Dasein.
No artigo publicado em 2006, Martins desenvolve com mais clareza a rela��o entre a
categoria geografia e a ci�ncia geogr�fica a fim de estabelecer a primeira como fundamento
ontol�gico. Enunciemo-la por partes.
Um aspecto fundamental para que entendemos o significado dessa afirma��o � a necessidade de distinguirmos a ci�ncia geogr�fica de um lado, e, de outro – podemos por ora assim enunciar –, a geografia como um fundamento constituinte e presente na realidade que nos cerca, bem como um fundamento ontol�gico que d� estrutura ao pensamento. [...] a partir da ci�ncia geogr�fica obtemos uma determinada representa��o, em pensamento, da realidade objetiva que nos cerca. Trata-se de um processo de subjetiva��o que percorre procedimentos metodol�gicos. Uma representa��o subjetiva estabelecida mediante uma sistematiza��o l�gica, expressa em uma ou mais linguagens. Isso tudo apontando para os aspectos fenom�nicos da realidade. (MARTINS, 2006, p. 38)
O autor define uma diferencia��o entre a geografia e a ci�ncia geogr�fica na medida
em que a primeira � fundamento da segunda, pois aquilo que o ge�grafo realiza �
identifica��o dos elementos geogr�ficos ou dos aspectos geogr�ficos da realidade. A an�lise
empreendida aponta para a geografia do real e n�o para a ci�ncia geogr�fica. Em outras
142
palavras, ele afirma que a ci�ncia se estrutura pelo empreendimento do entendimento para
certa realidade, mas n�o sendo ela pr�pria a realidade que o cientista analisa.
Esse ‘objeto’ que possui geograficidade emerge da co-exist�ncia e da alteridade do homem em rela��o ao meio, da sociedade ante a natureza. E a geograficidade � dada em duplo sentido. Dois sentidos que s�o complementares um ao outro, simultaneamente e n�o um ap�s o outro. Observamos isso quando na apropria��o feita por homem-sociedade, no ato de subjetivar o meio/a natureza, no ato prim�rio da compreens�o efetuada pela ‘descri��o’. Observa-se a� o fundamento etimol�gico da palavra ‘geografia’. (MARTINS, 2006, p. 39)
E, ele define a categoria geografia a desenvolvendo a partir do ato de descri��o:
A descri��o fala, portanto, da exist�ncia do que v� – a materialidade do mundo, os entes em geral – pelas categorias b�sicas da exist�ncia, espa�o, tempo, rela��o e movimento. Pela descri��o emerge a consci�ncia uma primeira geografia. A constata��o da exist�ncia imediata do mundo � dada pela consci�ncia dessa primeira geografia. � neste sentido que podemos ter a geografia como categoria da exist�ncia. Esta categoria � constitu�da por espa�o, tempo, rela��o e movimento, estabelecidos a partir da enti(dade) gen�rica do mundo que � a mat�ria, e por sua express�o subjetiva, a id�ia. A mat�ria apresenta-se aqui na unidade processual presente entre homem-meio e na rela��o entre subjetivo/objetivo. Dentro dessa din�mica entre subjetivo/objetivo o conte�do geogr�fico ganhar� forma a partir das no��es de absoluto e relativo, cont�nuo e descont�nuo. (MARTINS, 2006, p. 40)
A descri��o demanda o processo cognitivo em que as coisas s�o identificadas por sua
localiza��o, distribui��o, movimento e rela��o. A partir destes princ�pios emerge uma
primeira geografia que, pelo empreendimento do entendimento, possibilita a identifica��o das
rela��es de rela��es, sucess�es, distribui��es e organiza��es e pelos diferentes graus de
an�lise do real – universal, singular e particular – se enuncia a concretude do mundo e da
pr�pria rela��o. A categoria geografia, constitu�da por espa�o, tempo, rela��o e movimento �
oriunda da identifica��o dos aspectos geogr�ficos que possibilita se abordar a ordem das
coisas que co-existem em suas diferentes formas, em suas m�ltiplas co-determina��es e em
diferentes escalas, tanto no �mbito objetivo quanto no subjetivo.
De modo muito similar ao proposto por Martins, Eric Dardel, no in�cio da d�cada de
1950, prop�e a categoria geografia, que segundo Besse:
A geografia n�o � primordialmente uma ci�ncia, mesmo que se prolongue em um saber. Ela � uma experi�ncia, melhor: um choque sens�vel, um reencontro de Ser que retine no homem como uma evoca��o inesquec�vel de seu destino, e lhe d� seu colorido. (BESSE, 2011, p. 114)
143
Besse afirma que Dardel considera a geografia como dado constitutivo da realidade,
como uma experi�ncia do ser-no-mundo que indica seu destino, justamente, porque para
empreender quaisquer projetos � necess�rio ser e estar num mundo. Seguindo, Besse afirma
que:
Anteriormente � ci�ncia h� uma presen�a do terrestre que � o ser-no-mundo: “Entre o Homem e a Terra permanece e continua uma esp�cie de cumplicidade no ser” (DARDEL, 2011, p. 6). Essa cumplicidade � vivida mais que exprimida, ela rege discretamente nossas condutas e nossos pensamentos, dando-lhes a sua medida. [...] O saber geogr�fico tem por objetivo elucidar essa presen�a imediata da Terra, em suas diversas modalidades. (BESSE, 2011, p. 131)
Os projetos do ser-no-mundo revelam uma rela��o un�voca com a Terra, uma esp�cie
de cumplicidade. O projeto como futuro s� pode ocorrer pelo empreendimento de certa pr�xis
no presente, que aponta para o vivido. Projetar � antes de tudo levar em conta essa totalidade
de ser que � o homem e para Dardel a Geografia tem como objetivo entender os modos de
ser-no-mundo.
Em suma, guardadas as devidas propor��es a categoria geografia, tanto ao modo
proposto por Dardel como por Martins, � entendida como dado constitutivo da realidade.
Refere-se � certa experi�ncia de ser-no-mundo, o qual deve ser objeto de estudo da ci�ncia
geogr�fica. Em verdade, a ci�ncia geogr�fica para estes autores possui seu fundamento na
realidade objetiva, que � geogr�fica.
N�o questionamos a perspectiva e a interpreta��o, assim como, o objetivo para a
pesquisa em Geografia destes dois ge�grafos, pois concordamos com eles. Contudo,
questionamos a pertin�ncia te�rica para a categoria geografia. Martins estabelece de modo
muito claro que um dos aspectos essenciais da geografia, ou melhor, da geograficidade � a
localiza��o. Dardel n�o foge muito a este princ�pio, pois a situa��o do ser-no-mundo de certa
maneira define seu destino. Ambos consideram o privil�gio �ntico-ontol�gico para o
desenvolvimento da interpreta��o e identificam e determinam certo fundamento pelo ser-no-
mundo como essencial � geografia e, por conseguinte, o fundamento da ci�ncia geogr�fica.
Sem d�vida que localiza��o, s�tio, situa��o, habitat etc. s�o alguns dos aspectos fundamentais
do ser-no-mundo e que possuem certa relev�ncia para os estudos geogr�ficos, pois definem
certa geograficidade de ser. Todavia, como fica, por exemplo, a historicidade, sociabilidade,
biologicidade? N�o se tratam de aspectos fundamentais do ser-no-mundo t�o relevantes como
144
a geograficidade? Ou, qual a consequ�ncia de abordamos estes aspectos fundamentais para o
ser-no-mundo a partir da geograficidade?
Se abordarmos estes aspectos fundamentais de ser-no-mundo a partir da
geograficidade ser� como certo entendimento e suas caracter�sticas fundamentais perdem
sentido. Por outro lado, se os considerarmos como aspectos fundamentais de ser-no-mundo,
em que o geogr�fico � apenas um deles, eles n�o devem ser retomados no desenvolvimento de
certo sistema l�gico a partir da geograficidade como certo entendimento do real e sim como
aspectos essenciais e existenciais do ser-no-mundo.
Entendemos que a manuten��o do privil�gio �ntico-ontol�gico � fundamental para o
desenvolvimento de estudos geogr�ficos por uma perspectiva posicional, assim como, da
totalidade em totaliza��o que � o Dasein e o mundo. Todavia, condicionar quaisquer aspectos
fundamentais do ser-no-mundo aos geogr�ficos � operar certa destotaliza��o da totalidade de
ser. N�o estamos afirmando que cabe ao ge�grafo estudar os diferentes �mbitos do
conhecimento, como uma esp�cie de enciclopedista, mas, tamb�m, n�o cabe ao ge�grafo
determinar certo aspecto fundamental do ser-no-mundo e condicionar quaisquer outros
fundamentos ao geogr�fico.
Privilegiando e conservando a totalidade em totaliza��o que � o Dasein e o mundo
deixamos em aberto a possibilidade de di�logo dos estudos geogr�ficos com quaisquer outros
campos do conhecimento pelos fundamentos ontol�gicos que os caracterizam e n�o por uma
esp�cie de reintegra��o de certos conhecimentos em conformidade com as necessidades
indicadas pela pesquisa. Entendemos que o fundamento da ci�ncia geogr�fica � justamente
aquilo que foi colocado por Silva, Martins e Dardel, mas sem a necessidade de denomin�-lo,
porque, neste caso, a denomina��o se trata de uma destotaliza��o apressada.
Entendemos que certos conceitos e categorias pertinentes � ci�ncia geogr�fica s�o
abordados por Martins, Dardel e Silva considerando seus fundamentos ontol�gicos, os quais
caracterizam a ci�ncia geogr�fica e tamb�m apontam a perspectiva definida pelo pesquisador
e os aspectos essenciais considerados para a pesquisa. N�o h� a necessidade de se estabelecer
uma geografia para que se atribua relevo aos aspectos ontol�gicos numa pesquisa geogr�fica,
pois entendemos que a ci�ncia geogr�fica deve ser considerada como certo conhecimento
particular do ser-no-mundo. O pesquisador ge�grafo � uma esp�cie de mediador da realidade
objetiva que procura investigar e da ci�ncia parcial que desenvolve.
[...] a express�o “particularidade” pode querer dizer muitas coisas. Ela designa tanto o que impressiona, o que salta � vista, o que se destaca (em
145
sentido positivo e negativo), como o que � espec�fico; ela � usada, notadamente na filosofia, como sin�nimo de “determinado”, etc. esta oscila��o do significado ling��stico n�o � casual, tampouco ele indica um amorfismo fugidio; ele diz respeito apenas ao car�ter sobretudo posicional da particularidade, isto �, ao fato do que ela, com rela��o ao singular, representa uma universalidade relativa, e, com rela��o ao universal, uma singularidade relativa. Como sempre, tamb�m aqui esta relatividade posicional n�o deve ser concebida como algo est�tico, mas sim como processo. A pr�pria convers�o, por nos assinalada, deste “termo m�dio” em um dos extremos j� indica esse car�ter processual. (LUK�CS, 1968, p. 116-117)
Conceitos e categorias s�o algumas das determina��es poss�veis para se tentar
entender a realidade. � certa destotaliza��o do Dasein e do mundo, que s�o totalidades. As
categorias e conceitos geogr�ficos s�o t�o mais espec�ficos do que as filos�ficas, justamente
porque estas remetem a alguns aspectos fundamentais do ser-no-mundo. Mas, o fato de n�o
condicionar quaisquer aspectos fundamentais aos geogr�ficos permite que possamos no
desenvolver do sistema l�gico abord�-los por seus fundamentos. Isto incorre que
consideremos a perspectiva posicional do ge�grafo, como ser-no-mundo, para abordar a
realidade de maneira particular, ora como uma universalidade relativa para o singular e ora
como uma singularidade relativa para o universal.
N�o h� d�vida que boa parte das ci�ncias particulares determinam por meio de certas
categorias e conceitos alguns aspectos essenciais da realidade tendo como par�metro certo
fundamento do ser-no-mundo, mas esta determina��o deve deixar em aberto um campo
explorat�rio para outros modos de conhecimento fundamentos. Eis que tomamos a totalidade
como ponto de partida e como perspectiva para pesquisa, tanto para a totalidade que � o
mundo como para a totalidade que � o Dasein. � o pesquisador que opera a determina��o ou
recorte da realidade pelos aspectos fundamentais � sua pesquisa e pela ci�ncia particular que
desenvolve. Ao contr�rio, destituir�amos do pesquisador o ser-no-mundo que e ele �.
Antes de retomarmos nosso tema de pesquisa atribu�mos dois par�metros para an�lise:
primeiro, o pesquisador deve ser considerado como certo ser-no-mundo que desenvolve certo
entendimento particular, normalmente, em conformidade com a ci�ncia que trabalha e seus
objetivos de pesquisa; segundo, o pesquisado, no nosso caso, o internauta e o meio de suas
rela��es s�o apenas um dos modos do ser-no-mundo contempor�neo. N�o somente como
figura de linguagem e sim porque o internauta � certa destotaliza��o da totalidade que � o
homem do cotidiano, assim como, da totalidade que � o meio ou o campo material de suas
rela��es.
146
Neste sentido, voltando nossa aten��o ao pesquisado, tomemos como base para
discuss�o alguns pontos de um artigo desenvolvido por Martins, “A cibergeografia e o
continente das cidades virtuais”, publicado em 2000, em que ele exp�e aspectos introdut�rios
da cibergeografia como um novo modo de rela��o do homem com um novo aspecto do meio,
que s�o as informa��es e as representa��es de interface.
Algo que em sua inten��o n�o se imp�e, mas que convida ou permite o ato volunt�rio, al�m de permitir a coexist�ncia infinita de valores. Uma realidade sem fronteiras, que se materializa nas rela��es, que pelos recursos t�cnicos sup�e uma espacialidade na m�dia. Eis o ciberespa�o, que mostrar� a n�s uma cibergeografia, ou seja, geografia da Word Wide Web. Um mundo constitu�do de ciberlugares, aquilo que na linguagem informacional denomina-se site. Um universo de coexist�ncias que se multiplica em infinitas rela��es, vale dizer em ciberrela��es denominadas links. Assim, a rela��o homem/meio mediada por este ato comunicativo pode ser tomada como uma rela��o homem/cibergeografia. (MARTINS, 2006, p. 6) (grifo nosso)
A geografia para Martins � compreendida como dado constitutivo da realidade e a
cibergeografia ou a geografia da Word Wide Web emerge da rela��o homem-meio quando
mediada por esse ato comunicativo que � a Internet22. Os objetos que constituem a rede de
Internet possibilitam a suposi��o de sua espacialidade na m�dia, ou melhor, a hiperm�dia
como um dos recursos t�cnicos enuncia a cibergeografia como um modo de rela��o do
homem com determinado meio. Os ciberlugares s�o correlatos aos sites e as ciberrela��es aos
links. Isto permite que Martins afirme que h� uma rela��o homem-cibergeografia.
Trata-se de uma rela��o de novo tipo, pois a rela��o do homem com determinado
campo material ganha novos atributos devido as intencionalidades objetivadas na mat�ria. Isto
permite que a comunica��o n�o seja necessariamente presencial e simult�nea entre os homens
e dos homens para determinado meio. As representa��es do real ganham certa notoriedade
para esta rela��o e a fundamenta��o do ser-no-mundo deve ser reconsiderada. Os ciberlugares
e as ciberrela��es s�o denomina��es que Martins utiliza para enunciar que o modo de
relacionamento por meio da associa��o com certas categorias geogr�ficas.
O conceito de cibergeografia desenvolvido por Martins se refere ao entendimento das
rela��es homem-meio quando mediado pela Internet. Ela � enunciada pelo ciberespa�o, ou
seja, os objetos que constituem a rede de Internet possibilitam um modo de rela��o para o
mundo que difere essencialmente de uma rela��o n�o mediada. Mas, como o ciberespa�o
pode enunciar uma cibergeografia? Se levarmos esta assertiva de Martins a cabo, de um lado,
22 Cf. MARTINS, 2000, p. 6-7.
147
temos que considerar que o ciberespa�o – como um espa�o pensado para as rela��es de
Internet, porque se trata de um sistema coerente de objetos t�cnicos – fundamentar� a
cibergeografia. Por outro lado, poderia se tratar de um mergulho no ciberespa�o como mundo
paralelo em rela��o com aquele das iner�ncias materiais, se idealizando um ser sine l�cus que
vivencia este mundo.
Cada uma dessas perspectivas indica um deslocamento do Dasein. Afirmar que o
ciberespa�o – do modo considerado por Martins – enunciar� a cibergeografia �, no limite,
considerar que a cibergeografia s� � poss�vel pelo entendimento pr�vio do modo de
estrutura��o dos objetos que constituem e possibilitam as rela��es pela Internet – ciberespa�o.
Neste caso, o conhecido passa a preceder o conhecer no desenvolvimento do discurso e n�o �
poss�vel entender a fundamenta��o ontol�gica do Dasein porque o ciberespa�o � considerado
a priori, ou melhor, a fundamenta��o do ser � designada pelas intencionalidades atribu�das
aos objetos. Isto n�o implica que a organiza��o dos objetos e suas respectivas
intencionalidades devam ser negligenciadas para a an�lise da fundamenta��o ontol�gica do
ser e sim que � necess�rio situar o homem como ele �, ou seja, ao modo do Dasein.
A outra interpreta��o decorrente das assertivas de Martins procede da imers�o do
homem no ciberespa�o enunciando uma realidade sem fronteiras com a constitui��o de um
mundo com ciberlugares e ciberrela��es que indicam a rela��o homem-cibergeografia. �
interessante notar como Martins tenta correlacionar algumas categorias geogr�ficas aos
elementos do processo cognitivo quando a rela��o homem-meio � mediada eletronicamente, e
a certos termos utilizados pelos internautas. Contudo, entendemos que ele incorre num erro
comum. Estas correla��es est�o amparadas numa dissocia��o entre mente e corpo, entre
ess�ncia e ente ou mesmo entre ser e exist�ncia. Um mundo com ciber-lugares e ciber-
rela��es seria distinto do mundo das rela��es e dos lugares? A qualifica��o destas rela��es
espec�ficas pelo prefixo ciber aponta um mundo outro que � distante das iner�ncias materiais?
Mas, como fica o ciberespa�o por esta perspectiva?
Desloca-se o ser e o representado passa a ser a refer�ncia da rela��o, ou seja, � o
objeto que define os lugares e as rela��es. Sem d�vida que isto � verdadeiro, mas n�o
completamente. � o ser-no-mundo quem define os lugares e as rela��es pelo conflito com
determinado campo material. A contradi��o � o fundamento de quaisquer rela��es. Conceber
um mundo outro seria necess�rio que o ser deixasse de ser-aqui e se dispusesse do ente que �
para realizar uma esp�cie de viagem on�rica digital em que a mente vagueia e o corpo inerte
fica.
148
Neste sentido, o conceito de cibergeografia por mais que indique o desenvolvimento
de uma perspectiva posicional, negligencia-se uma caracter�stica fundamental do Dasein, que
� necess�rio estar para ser, ou melhor, sou estando e estou sendo. Considerar certa imers�o na
cibergeografia p�e em cheque esta caracter�stica fundamental do Dasein, a sua exist�ncia no
mundo.
Contrariamente, para a categoria geografia, Martins coloca sua preocupa��o quanto �
dissocia��o entre ser e estar, assim como, para a supera��o do impasse aristot�lico-kantiano,
mas ele n�o atenta para o modo como desenvolve a o conceito de cibergeografia. Pela
categoria geografia � poss�vel entendermos a fundamenta��o do ser-no-mundo pelo
desenvolvimento de uma abordagem posicional, ao modo do Dasein, mas para o conceito de
cibergeografia � reverberado a dicotomia entre ser e estar na medida em que se trata uma
esp�cie de imers�o no “mundo virtual”.
Como o conceito de cibergeografia possui sua matriz te�rica na categoria geografia se
torna ainda mais patente certa incoer�ncia te�rico-metodol�gica, pois como seria poss�vel os
homens se relacionarem com a cibergeografia na medida em que ela deve indicar um modo de
rela��o dos homens? Eclipsa-se a situa��o em que o ser est� para que ele seja fundado em
alhures?
Seja considerando a rela��o homem-cibergegorafia ou a imers�o do homem no
ciberespa�o, essas assertivas de Martins s�o incoerentes com a sua proposi��o para a
categoria geografia, ainda mais, quando se leva em conta a fundamenta��o ontol�gica. �
necess�rio situar o homem ao modo do Dasein sem quaisquer concep��es a priori para se
consiga entender um dos seus modos de ser-no-mundo. Todavia, tomamos do pr�prio Martins
um indicativo para solucionar este impasse.
A mat�ria apresenta-se aqui na unidade processual presente entre homem-meio e na rela��o entre subjetivo/objetivo. [...] Um ser-a�, um ser-no-mundo, um ser projetado no mundo. Um ser de um ente, O homem e sua rela��o com o meio. “Meio” que � sua alteridade, que � sua media��o para aforma��o da identidade e da diferen�a, o universo da intera��o que estimular� sua escolha individual. [...] O habitat, nesse sentido, � o espa�o de vida, o espa�o vivido pelo indiv�duo, a realiza��o imediata da exist�ncia, � a rela��o imediata do homem com o meio, o ser-a� em sua mais imediata Geografia, � sua Localiza��o. O Lugar do ente em seu ser-a�. (MARTINS, 2006, p. 40-48)
Martins menciona que pela rela��o fundamental do Dasein para determinado meio � a
alteridade. � no meio onde se objetiva os projetos dos homens e onde se constitui seu habitat.
149
Eis a condi��o inescap�vel para o ser-no-mundo, ser para o meio. Meio, que � fundado e
fundante para o Dasein no mundo.
Entendemos que esta assertiva de Martins � similar �quela desenvolvida por Silva para
a contradi��o primitiva. H� a subjetiva��o de determinada objetividade que poder� ser
objetivado na mat�ria – pr�xis – como uma possibilidade de ser-no-mundo. Como toda
possibilidade de ser � para a necessidade de certo meio – antipr�xis –, a s�ntese deste processo
enuncia o habitat que, por sua vez, indica o s�tio, a situa��o e a posi��o como um modo de ser
no mundo, o que pressup�e a localiza��o. Silva define o meio como uno-m�ltiplo, pois a
partir da rela��o do homem para o meio, pelo empreendimento do entendimento, se identifica
e � poss�vel analisar os seus aspectos f�sicos, hist�ricos, culturais etc. Martins, na mesma
dire��o, afirma que os aspectos constituintes do meio devem ser correlacionados com as
din�micas da rela��o sociedade-natureza. A rela��o homem-meio � fundamentada e fundante
da rela��o sociedade-natureza como totalidade em totaliza��o, do mesmo modo como �
enunciado por Silva.
A diferen�a reside que o Dasein para Silva � tomado conforme a proposi��o de Sartre
e n�o de Heidegger, como � feito por Martins. Isto incorre que haja diferen�as essenciais no
desenvolvimento dessas proposituras. Sartre, diferentemente de Heidegger, considera a
contradi��o primitiva da consci�ncia para determinado campo material pelas estruturas
constituintes do Dasein – Para-si, Em-si e o Para-outro. Isso permite que Silva ao tom�-lo
como refer�ncia considere o Outro em seus estudos geogr�ficos como fundante e fundado
pelo ser-no-mundo. Na propositura de Martins n�o comparece a discuss�o quanto �s
estruturas constitutivas do Dasein, assim como, a contradi��o primitiva. No limite, uma
abordagem ontol�gica que n�o considere esta contradi��o fundamental do Outro incorre no
desenvolvimento de certo tipo de solipsismo quando se aborda o Outro e o ser-Para-outro –
como discutido no cap�tulo anterior.
Dessa feita, retomamos a propositura de Silva considerando previamente a contradi��o
fundamental da consci�ncia para certo campo material ou a nadifica��o e, utilizando algumas
considera��es de Martins acerca do conceito de meio, para indicar algumas diferen�as
essenciais entre o conceito de meio e a categoria espa�o.
3.2. Desenvolvendo pressupostos teÑrico-metodolÑgicos
3.2.1. A natureza do meio e o espa�o
150
A diferen�a essencial para o que � o meio e para o que � o espa�o aponta para a
distin��o entre a rela��o fundamental do ser-do-homem para certo campo material e aquilo
que � pensado desta rela��o pela organiza��o dos seus elementos constituintes. Trat�-los
como sin�nimos � insatisfat�rio, pois quando nos referimos ao modo de organiza��o dos
elementos constituintes para certo fen�meno real n�o � o mesmo que se referir a objetividade
e a materialidade do fen�meno para certo ser-no-mundo.
Primeiramente, pretendemos nos aproximar de uma concep��o de meio pela discuss�o
acerca da rela��o contradit�ria da consci�ncia para certo campo material, pois o espa�o como
uma categoria que aponta a abstra��o concreta s� pode vir pelo entendimento desta rela��o. O
fundamento do espa�o est� na rela��o contradit�ria e fundamental do Dasein para certo
campo material, o qual pressup�e a subjetiva��o de determinada objetividade que, por sua
vez, pode determinar certo objeto para a consci�ncia e subjetiv�-lo.
Analisando mais cuidadosamente, podemos estabelecer que certa objetividade indica a
mat�ria e certa subjetividade indica a ideia. Mat�ria e ideia s�o elementos fundamentais e
indissoci�veis para conhecimento do real tanto quanto o objetivo e o subjetivo. Em verdade,
se tratam de pares contradit�rios e indissoci�veis, cuja dissocia��o s� pode ser empreendida
pelo ser. A mat�ria se manifesta pela sua forma objetiva que � apropriada subjetivamente pelo
ser enquanto objeto para sua consci�ncia – objetividade –, constituindo-se como ideia. A
forma da mat�ria, a coisa determinada pela consci�ncia, por torna-se ideia, � tamb�m
subjetividade. A ideia aparece como coisa j� conhecida.
Nesse sentido, � um “objeto de pensamento” propriamente dito: um instrumento de conhecimento e, ao mesmo tempo, um conhecimento, n�o um conhecimento pr�tico e uma constata��o imediata. Temos a� a diferen�a de grau, n�o de natureza. (grifo do autor) (LEFEBVRE, 1975, p. 112)
Se, tal objeto do conhecimento ou a coisa determinada pela consci�ncia permanece
isolado pelo pensamento, como ideia que se afasta das iner�ncias materiais, imobilizando o
pensamento, este pode se tornar uma abstra��o formal. Conquanto, este mesmo objeto pode
ser alvo de investidas do pensamento que penetre mais profundamente no real para se
entender os diferentes elementos e rela��es que o constitui. Aqui se trata de uma abstra��o
concreta.
O abstrato e o concreto s�o aspectos contradit�rios do conhecimento e da mesma
natureza daqueles oriundos do processo de contradi��o primitiva entre o subjetivo e o objetivo
e entre mat�ria e ideia, s� que em graus diferentes. O concreto � um empreendimento racional
151
que se manifesta como categoria e que trata o empreendimento do entendimento para
estabelecer as m�ltiplas rela��es entre os fen�menos da totalidade que � mundo. A abstra��o
aponta tanto para o objeto do conhecimento no seu aspecto formal como tamb�m pode ser o
conhecido e o pensado, por isto concreto.
A quest�o come�a a ser esclarecer quando se observa que o verdadeiro concreto n�o reside no sens�vel, no imediato. O sens�vel �, num certo sentido, a primeira abstra��o. [...] O conhecimento mediato � abstrativo. � preciso passar pelas etapas intermedi�rias a fim de ir da ignor�ncia ao conhecimento. E o intermedi�rio, o meio, nada mais � que nosso poder de abstra��o. Mas o conte�do concreto do abstrato – sua verdade relativa – s� aparece e � restabelecido numa etapa subseq�ente, num grau superior. Assim a verdade do abstrato reside no concreto. Para a raz�o dial�tica, o verdadeiro � o concreto; e o abstrato n�o pode ser mais que um grau de penetra��o desse concreto; um momento do movimento, uma etapa, um meio para captar, analisar e determinar o concreto. (LEFEBVRE, 1975, p. 111-115)
A rela��o da consci�ncia para certo campo material � a primeira forma de abstra��o. O
concreto n�o est� no sens�vel, no imediato, e sim, a partir desta rela��o fundamental que �
poss�vel o conhecimento dos fen�menos reais. O abstrato � formado por cada etapa do
processo de entendimento, quando se intenta identificar e estabelecer as rela��es que
fundamentam determinado fen�meno, que � o concreto. O concreto � uma abstra��o em grau
superior, a mais ampla das abstra��es e que possui como natureza a rela��o da consci�ncia
para certo campo material, porque o movimento de pensamento se trata da perp�tua retomada
desta rela��o fundamental.
O concreto � a abstra��o de dada objetividade. O concreto � posto para a consci�ncia e
estabelecido por ela como a m�ltipla rela��o dos fen�menos que o constituem e se
manifestam materialmente de modo uno. Obtemos o concreto pela an�lise do modo
constitutivo dos fen�menos para identificar e estabelecer rela��es coerentes entre si,
sintetizando a an�lise.
Martins (1996, p. 248-250) baseado na “Fenomenologia” de Hegel, define e denomina
os diferentes graus do entendimento para os estudos em Geografia. A rela��o entre a
consci�ncia e certo campo material se trata de um “isto” que est� “aqui” para determinado ser.
A rela��o entre o “isto” e “aquilo”, o “aqui” e “ali”, o “antes” e “depois” � um dos aspectos
fundamentais da consci�ncia para certo campo material como alteridade que indica o
movimento do pensamento. Por este movimento se estabelece as rela��es entre os diferentes
objetos e seus diferentes momentos, superando a imediaticidade emp�rica em dire��o a uma
152
media��o empreendida pelo pensamento que ir� definir outro grau do imediato. Entramos no
terreno do entendimento com as suas primeiras interven��es.
A partir desta ruptura da unidade do imediato estabelece-se a an�lise que buscar� pelo
mediato as partes constitutivas do imediato. Enunciam-se as primeiras propriedades dos
objetos, possibilitando selecion�-los, relacion�-los e classific�-los. Contudo, sob nossos
termos, esse procedimento s� � poss�vel pela pr�xis, pois � por ela que se revela o objeto por
sua instrumentalidade, antipr�xis.
Semelhante as considera��es de Martins e Lefebvre, Sartre, em “O ser e o nada”,
considera que o objeto do conhecimento � a forma e pelo empreendimento do entendimento
esta poder� ser entendida como concreto. A diferen�a reside que Sartre identifica que al�m da
forma h� o fundo. Enquanto pelas considera��es de Lefebvre e de Martins, este �ltimo
baseado em Hegel, o objeto do conhecimento ou a forma � enunciada pela determina��o do
ser, seguindo o princ�pio de Spinoza que toda determina��o � um nega��o. Sartre entende
que a forma � apenas um elemento da fundamenta��o do Dasein para certo campo material. O
fundo � que enuncia a forma e a forma enuncia o fundo pela determina��o do ser. A forma � a
enuncia��o do objeto pela determina��o da consci�ncia e o fundo “recorta” a forma
determinada, � a indetermina��o objetiva em certo campo material, que dele emerge a forma
como um ente entre entes no mundo.
Diferentemente da alteridade que � fundamentada na distin��o, a contradi��o
fundamental decorre da nega��o da consci�ncia para certo campo material. � considerando
este processo que Sartre estabelece forma e fundo ou o ser e o nada como fundamento das
estruturas do Dasein. Notadamente, neste caso, se estabelece o Para-si pela suprassun��o da
forma, h� o ser-Em-si. De certa forma h� um fundo em que a consci�ncia pode perceber outra
forma. Eis o Dasein como Em-si-Para-si e a forma e o fundo como certo campo material para
a consci�ncia. O perp�tuo desvanecer entre forma e fundo enuncia o movimento do real, cuja
distin��o entre as formas determinadas e para o fundo determinado � abordado dialeticamente.
Geraldino, se baseando nas considera��es para a din�mica entre forma e fundo
proposta por Sartre exp�e outra perspectiva que podemos levar em conta para esta discuss�o.
Ontologicamente o meio se apresenta como um conceito relativo ao ser que o faz seu ser seu meio. Melhor dizendo, o meio depende de um ser para ser. N�o existe meio em si.” Por ser relativo a um ser, o conceito torna-se, porconseguinte negativo. Meio � tudo aquilo que n�o � um determinado ser. Tudo que n�o � aquela pedra � o meio em que a pedra se encontra. Trazendo para n�s, o meio � tudo que n�o sou eu. Sendo negativo e relativo a um ser o
153
meio ter� caracter�sticas derivativas do ser a qual ambienta. (grifo do autor) (GERALDINO, 2009, p. 13)
Geraldino entende que o meio � aquilo que o ser-do-homem n�o �, ou seja, um ente
que � externo ao ser que � o homem. Para o meio existir, � necess�rio um ser que o
fundamente e por ele � tamb�m fundado e que o constitua como exterioridade imediata para
consci�ncia. No exemplo utilizado pelo autor fica clara qual � a sua concep��o para o
conceito de meio: “tudo que n�o � aquela pedra � o meio em que a pedra se encontra”
(GERALDINO, 2009, p. 13). Em outras palavras, na medida em que a pedra se revela
enquanto forma material para consci�ncia, o fundo o qual a pedra se encontra � o meio. Ele
considera que o meio � fundo. Todos os objetos para a consci�ncia na sua indiferencia��o de
ser, porque n�o s�o determinados, � meio.
Sua concep��o do que � o meio � distinta daquelas que tentamos expor at� aqui. Se,
por um lado, Geraldino parte da contradi��o fundamental entre a consci�ncia e certo campo
material para identificar e analisar o fundamento ontol�gico para o meio, de outro lado, ele
considera que tudo aquilo que n�o foi determinado pela consci�ncia como meio. Tanto
Martins como Silva colocam que � pela determina��o de certo objeto no campo material que �
poss�vel que o meio seja o fundamento para o entendimento do mundo. Para que o pr�prio
fundo seja meio � necess�rio o desvanecimento perp�tuo entre forma e fundo, porque o fundo
� algo indiferenciado para consci�ncia. � pela determina��o de certo objeto para a consci�ncia
– forma – que possibilitar� a empresa do entendimento e n�o o inverso.
Como a proposi��o te�rica acerca da forma e do fundo desenvolvida por Sartre �
diferente daquelas desenvolvidas por Hegel e por Heidegger em que s� h� a forma como
objeto determinado pela consci�ncia, entendemos que Geraldino leva este pressuposto de
Sartre ao limite, considerando que somente o fundo enuncia o que � o meio. Pela proposi��o
de Geraldino o entendimento se torna um fato imposs�vel, pois o entendimento do mundo
indica a contradi��o em que a consci�ncia se funda e � fundada. Quando a consci�ncia �
destitu�da de quaisquer determina��es – forma – ela vagueia no imponder�vel.
Pela proposi��o de Geraldino tamb�m se torna imposs�vel considerar as concep��es
hist�ricas para o conceito de meio em Geografia. Por exemplo, La Blache, em sua obra
“Princ�pios de Geografia Humana”, evidencia a correla��o entre o meio f�sico, biol�gico e a
sociedade e denomina este complexo de meio geogr�fico.
O homem descobre a �ntima solidariedade que une as coisas e os seres. O homem faz parte deste encadeamento; e nas suas rela��es com o que o
154
rodeia, ele �, ao mesmo tempo, activo e passivo, sem que seja f�cil determinar, na maior parte dos casos, at� que ponto ser� uma ou outra coisa. [...] no ponto de vista geogr�fico, o facto de coabita��o, quer dizer, o uso em comum de certo espa�o, � o fundamento de tudo. (LA BLACHE, 1954, p. 155-156)
A organicidade que une os objetos e os homens � um dos fundamentos do meio
geogr�fico e permite que o homem tome consci�ncia deste processo enquanto elemento ativo
e passivo. Ou seja, La Blache identificara sob outros termos que o meio est� carregado de
intencionalidades que agem e podem influenciar as a��es dos homens. A determina��o dos
aspectos f�sicos, biol�gicos e sociais � para a consci�ncia e como tal permite com que La
Blache enuncie o habitat como um dos fundamentos do g�nero de vida. N�o � pelo
imponder�vel que � proferido o meio e sim por determinados aspectos de certo campo
material.
Demangeon (1963, p. 12), seguindo a proposta de La Blache, afirma que o meio
geogr�fico deve ser o objeto de estudo da Geografia Humana:
La Geograf�a Humana es el estudio de las agrupaciones humanas en sus relaciones con medio geogr�fico. La expresi�n de medio geogr�fico es m�s comprensiva que la de medio f�sico; abarca no solamente las influencias naturales que pueden ejercerse, sino tambi�n una influencia, que contribuye a formar el medio geogr�fico, el contorno entero, la influencia del mismo hombre. Muy al principio de su existencia, la humanidad ha sido ciertamente la esclava, la subordinada de la naturaleza. Pero este hombre nudus et inermis no tardo en transformarse, gracias a su inteligencia y a su iniciativa […] (grifo nosso)
Quando Demangeon prop�e que o meio deve ser um objeto de estudo para a Geografia
Humana ele exp�e que � necess�rio que os estudos geogr�ficos busquem abordar o modo
como os homens se relacionam com o meio e como ele pode influenciar as a��es dos homens,
destacando a transforma��o do meio natural pelas a��es humanas.23 Est� impl�cito na
proposi��o de Demangeon que a an�lise permite a identifica��o de certo objeto para o
conhecimento, o qual n�o ocorre para um objeto isolado no campo material e sim para um
conjunto de objetos e fen�menos que quando relacionados enunciam um objeto de estudo para
a Geografia, o meio geogr�fico.
23 Esta preocupa��o de Demangeon em delimitar a �rea de abrang�ncia dos estudos em Geografia Humana � paralela firma��o dos estudos de Fisiologia social e Antropologia na Fran�a, se baseando em algumas considera��es de Lucien Febvre, ele afirma que devemos nos restringir ao entendimento desta rela��o sen�o recairia em zonas proibidas para a Geografia Humana. (DEMANGEON, 1963, p. 11)
155
Demangeon e tampouco La Blache identificam ou mesmo se preocupam em entender
o fundamento ontol�gico para o meio, mas, em linhas gerais, eles indicam que n�o podemos
abordar o meio considerando um �nico objeto para a consci�ncia, ou melhor, por um �nico
objeto de conhecimento n�o � poss�vel estabelecer o que � o meio. O meio se trata de um
complexo decorrente de um conjunto de rela��es estabelecida por um ser – neste caso, o
pr�prio pesquisador – para os objetos e os fen�menos reais. � pela determina��o de certo
objeto ou forma para consci�ncia que � poss�vel o conhecimento. Geraldino isola o ser para
um �nico objeto na contradi��o primitiva o que n�o nos possibilita obter pela an�lise o que � o
meio e sim, no limite, o que � o objeto. Mas, um objeto isolado e fora as iner�ncias do mundo
� um grau muito incipiente do concreto.
Consideramos que a contradi��o fundamental deva ser entendida a partir da rela��o
entre forma e fundo ao modo proposto por Sartre, pois de outro modo n�o poderemos no
decorrer da an�lise recuperar a rela��o que o Dasein estabelece para os objetos e fen�menos
no mundo pela pr�xis e tampouco a rela��o entre os pr�prios homens. Uma nega��o solit�ria
entre um homem e um objeto n�o o coloca como ser-no-mundo, entre os objetos e entre os
homens. A contradi��o solit�ria � o solipsismo na sua forma mais primitiva, pois desenvolver
uma an�lise cuja objetividade do ser-do-homem � eclipsada �, no limite, retirar do ser a sua
exist�ncia.
Deste modo, concordamos com Silva quando ele se baseia na nadifica��o e
identificando a forma e o fundo como elementos distintos, por�m indissoci�veis, para
contradi��o fundamental. Isto leva que ele considere que cada aspecto do meio, seja natural
e/ou hist�rico, � para consci�ncia uma forma para um fundo indiferenciado. O meio
geogr�fico � o uno-m�ltiplo que congrega os aspectos naturais – f�sicos, clim�ticos,
biol�gicos etc. –, e, os hist�ricos – os diferentes modos de apropria��o do meio no decorrer
dos diferentes per�odos hist�ricos, que incorre em diferentes formas de significa��o.
Para Silva este empreendimento s� pode ser realizado com o Dasein em situa��o e
pela pr�xis em contradi��o com a antipr�xis que designa o habitat. Eis uma das formas de
apropria��o do meio pelo homem que incorre em diferentes modos de significa��o e que
permite periodizar os diferentes meios pela objetiva��o da t�cnica pelo trabalho.
Especificamente, quanto � periodiza��o do meio, entendemos que as proposi��es
te�ricas desenvolvidas por Santos podem colaborar para esta discuss�o. Ele caracterizar� e
denominar� a hist�ria humana conforme os sistemas t�cnicos desenvolvidos e sua respectiva
objetiva��o no meio como uma esp�cie de atualiza��o do conceito de meio geogr�fico
156
desenvolvido por alguns ge�grafos franceses cl�ssicos, especificamente, atribuindo relevo a
categoria t�cnica para se entender sua objetiva��o e temporaliza��o no meio.24
Esta atualiza��o tamb�m exprime uma mudan�a de abordagem, ou melhor, de
perspectiva para os estudos em Geografia. De modo geral, os ge�grafos franceses cl�ssicos
desenvolviam uma perspectiva de an�lise dos fen�menos reais atribuindo relevo � rela��o
homem-meio. Santos, passa a correlacionar esta perspectiva �quela que atribui relevo a
rela��o sociedade-natureza. Trata-se de uma esp�cie de totaliza��o – rela��o sociedade-
natureza – para certa totalidade – rela��o homem-meio – nos estudos em Geografia. Santos
n�o toma o lugar ou a regi�o de modo isolado como fizeram alguns destes ge�grafos cl�ssicos
e sim como express�es da totaliza��o que � o mundo pela dial�tica da Hist�ria.
O conceito de meio t�cnico-cient�fico informacional desenvolvido por Santos vai
possibilitar a identifica��o e o entendimento do modo como as intencionalidades objetivadas
no meio e como estas “proferem” informa��es que podem orientar o cotidiano dos homens.
Contudo, este conceito de meio n�o nos permite identificar e entender como as informa��es
s�o comunicadas pelos homens.
Ora, de um lado, como as informa��es s�o processos e produtos sociais e a sociedade
pressup�e homens, quem os s�o quando se tem o espa�o geogr�fico como refer�ncia nos
estudos em Geografia? Por outro lado, indagar como � comunicada certa informa��o � por em
discuss�o uma rela��o fundamental de como certa objetividade � subjetivada para ser
objetivada novamente por certo homem, ou seja, se coloca em destaque a fundamenta��o do
ser-no-mundo e, consequentemente, o pr�prio conceito de homem.
Como mencionado anteriormente, entendemos que n�o � poss�vel realizar este tipo de
an�lise pela abordagem desenvolvida por Santos, pois ele dilui a singularidade da rela��o
homem-meio na rela��o sociedade-natureza e os homens s�o abordados por meio de conceitos
gen�ricos – destacando seus aspectos universais – ou somente pelas intencionalidades
atribu�das aos objetos.
Deste modo, tomemos algumas considera��es de Luk�cs (1979, p. 125) para podermos
avan�ar nesta discuss�o:
Sabemos que o movimento ontol�gico objetivo no sentido de sociabilidades cada vez mais explicitas no ser social � composto por a��es humanas; ainda que as decis�es singulares entre alternativas n�o levem, no desenvolvimento da totalidade, aos resultados visados pelos indiv�duos, o resultado final desse conjunto n�o pode ser inteiramente independente desses atos singulares.
24 Cf. MOREIRA, 2005, p. 99.
157
Essa rela��o deve ser formulada com muita cautela: e isso porque a rela��o din�mica entre os atos singulares fundados sobre alternativas e o movimento de conjunto se apresenta de modo bastante variado ao longo da hist�ria, ou seja, � diferente nas diversas forma��es e, em particular, nas diversas etapas de desenvolvimento e transi��o.
Os homens s�o uma express�o da sociedade e a sociedade s� o � devido a sua
express�o em cada homem. As escolhas e os projetos dos homens nem sempre cumprem os
objetivos por eles propostos no mundo, mas com isso n�o se deve entender que o universal
esteja de modo independente do singular. Pelo contr�rio, s�o os fen�menos singulares e
particulares que caracterizam e atribuem cor ao universal.
Diluir a singularidade da rela��o homem-meio na universalidade da rela��o sociedade-
natureza � deixar de lado a fundamenta��o do ser-no-mundo, implicando que o entendimento
acerca de como h� a comunica��o de certa informa��o seja um procedimento imposs�vel.
Comunicar certa informa��o sugere que levemos em conta que a subjetiva��o de certa
objetividade poder� ser objetivada por certo homem. Contudo, para a proposi��o de Santos se
aborda o homem por meio de conceitos gen�ricos e/ou pelas suas intencionalidades
objetivadas na mat�ria, o que permite certa coer�ncia l�gica ao mesmo tempo em que fica de
lado a fundamenta��o do ser-no-mundo.
Entendemos que esses s�o alguns dos pressupostos que levam Santos a considerar que
a objetiva��o do atual per�odo t�cnico, meio t�cnico-cient�fico informacional, como sin�nimo
de espa�o geogr�fico. O que n�o poderia ser de outro modo, pois para que sejam
essencialmente distintos � necess�rio levar em conta a fundamenta��o do ser-no-mundo.
Contudo, entendemos que a diferen�a � essencial para a categoria espa�o, j� que o conceito de
meio designa um aspecto existencial.
Existir � estar em rela��o com as coisas do mundo. A categoria espa�o � fruto do
empreendimento do entendimento, o constituindo como rela��o relacional das mais variadas
escalas geogr�ficas, enquanto, o conceito de meio � uma das formas que o campo material �
para a consci�ncia. A diferen�a � de car�ter ontol�gico e n�o, estritamente, l�gico. O espa�o �
uma representa��o sint�tica e concreta, na forma de categoria. O meio como conceito dever
ser um dado te�rico-pr�tico. Confundir espa�o e meio � n�o discernir entre ser e estar,
exist�ncia e ess�ncia, imediato e mediato, ou mesmo, conceito e categoria, para o
entendimento dos fundamentos ontol�gicos nos estudos geogr�ficos.
Para as proposi��es te�rico-metodol�gicas desenvolvidas por Silva a categoria espa�o
� o conhecimento derivado da rela��o fundamental, do processo de nadifica��o, para se que se
158
busque estabelecer o concreto para consci�ncia como rela��es de rela��es entre os
fen�menos.
Perceber o espa�o � dar-se conta do opaco, do transparente, do transl�cido, do contorno, dos �ngulos, da dimens�o, da dist�ncia, do tamanho, do cont�nuo, do limitado, do obst�culo, da aus�ncia de obst�culos, etc. No entanto, pensar o espa�o defronta-se com a espacialidade, do qual tudo o que se disse � apar�ncia. Mas a espacialidade n�o o � apenas dos objetos. H� o espa�o do corpo e seus prolongamentos. H� tamb�m o espa�o da mente. Como o tempo e o movimento, o espa�o � fundante do existir e, portanto, do pensar. [...] Mas, essa constata��o � resultado, desde logo, do pensar o espa�o. Pens�-lo como dado e pens�-lo como artefato que a mente projeta. (SILVA, 1996a, p. 117)
A espacialidade � a forma objetiva que o espa�o se apresenta para a consci�ncia como
uma das manifesta��es do concreto. Trata-se da apar�ncia pensada, fruto das investidas do
entendimento do ser-no-mundo. Uma desagrega��o agregada, que enuncia a especificidade do
projeto empreendido pelo ser e o modo como entendeu o conjunto de rela��es de rela��es
contraditoriamente indissoci�veis que constituem determinado objeto. Concebe-se o concreto
como uma express�o objetiva e subjetiva da realidade, assim como, a categoria forma, do
silogismo desenvolvido por Silva, que tamb�m pode ser entendida como espa�o.
A manifesta��o objetiva do espa�o � a espacialidade, pois segundo Silva (1997a, p. 5)
“posso dizer que os vazios e os corpos s�o a manifesta��o da exist�ncia do espa�o, do qual s�
percebo a espacialidade como um de seus atributos”. Tanto para a apar�ncia como para a
forma, o que percebemos � a espacialidade, sendo o espa�o uma forma representativa,
abstrata, do concreto.
� negando a exterioridade que a consci�ncia realiza a espacializa��o. N�o sendo o
espa�o captado pelos sentidos humanos e sim a maneira pela qual os seres ou as coisas podem
se revelar ao ser pela qual a rela��o vem ao mundo. Nem forma nem fundo se referem ao
espa�o na medida em que s�o objetos postos a consci�ncia que excitam os sentidos e o espa�o
n�o o �. O espa�o � uma das dimens�es e modos da exist�ncia de algo, n�o o pr�prio algo.
Podemos entender que a m�tua correspond�ncia entre os objetos � estabelecida pelas
intencionalidades que lhe foram atribu�das pela objetiva��o do trabalho na mat�ria que, por
sua vez, s� � evidenciada quando tentamos entend�-las. A identifica��o da instrumentalidade
dos objetos pela pr�xis se trata do reconhecimento e do entendimento de uma a��o objetivada
em determinada mat�ria pelo trabalho e do devir mediado por ele, num conjunto objetos com
determinado �mbito de significados. A coer�ncia do conjunto de objetos pode estabelecer
159
necessidades, porque s�o intencionais, que podem orientar o cotidiano dos homens e modo
como se relacionam com o mundo.
O entendimento da coer�ncia de conjunto de objetos s� pode ser realizado no �mbito
metaf�sico, pois pela “f�sica” nos restringimos a descri��es e associa��es aparentes. � ao
identificar e estabelecer um conjunto de objetos pelo seu modo de produ��o, as
intencionalidades a eles atribu�das e as a��es que estes designam aos homens que nos permite
enunciar o entendimento deste fen�meno de modo estrutural.
A categoria forma, assim como, a categoria espa�o, na propositura de Silva � uma
modo estruturante do pensamento como entendimento das din�micas reais que aponta para o
mundo das iner�ncias materiais, mesmo admitindo que seu desenvolvimento n�o seja
exclusivamente neste n�vel.
O espa�o como categoria � uma representa��o fundamental do pensamento, conquanto
n�o se restringindo a ela na medida em que o espa�o � entendido como conjunto de rela��es
relacional e � fundante da exist�ncia. A espacialidade � um dos modos da express�o do
espa�o, como fruto do entendimento, que a consci�ncia se lan�a para capt�-lo em determinado
momento, podendo identificar novos elementos para a compreens�o do real.
A espacialidade se trata de uma express�o objetiva do concreto que, pela sua pr�pria
apreens�o, remete ao espa�o. Entendemos que � neste sentido que Silva, em um de seus
rascunhos25, afirma que a paisagem � “ponto de partida e ponto de chegada” para os estudos
em Geografia. Um modo da paisagem seria aquela derivada da rela��o do homem com seu
campo material e a outra com esta pensada, como consci�ncia espacial.
A categoria paisagem segundo esta concep��o de Silva possui dois momentos
essencialmente distintos: em uma � ela abordada enquanto apar�ncia e o outro enquanto
forma; ou, uma ela � como abstrato absoluto e outro como abstrato concreto; ou, em uma ela
remete a exist�ncia e em outro � ess�ncia etc. De modo geral, Silva considera a paisagem
como um modo de representa��o de certa objetividade em que num primeiro momento ela
remete ao meio e o outro ao espa�o.
Ferraz (2002) utiliza um pressuposto similar quando determina o abstrato absoluto
como imagem e o abstrato concreto como paisagem.
O ge�grafo, portanto, parte do que se est� vendo enquanto imagem paisag�stica, caminha, via seu arsenal te�rico e emp�rico, para os elementos aparentemente n�o detectados ao n�vel do olhar, mas que permitem melhor
25 Tomamos contato com esse rascunho de Silva por meio do Prof. Eliseu Sav�rio Sposito e disponibilizamos uma c�pia na forma de anexo.
160
contextualizar e logicizar � compreens�o do visto e observado, por conseguinte, seu olhar retorna � paisagem que, embora seja a mesma, j� n�o � mais a mesma, pois agora encontra-se enriquecida por este olhar al�m do empiricamente captado pela retina dos olhos, do meramente identificado pela vis�o em si.A paisagem geogr�fica, portanto, � uma imagem que estabelece uma intera��o necess�ria e constante entre o olhar e a capacidade humana de pensar sobre o que est� vendo, buscando entender, criticar e recriar ao que enxerga. (FERRAZ, p. 7)
Considerar que h� uma diferen�a essencial entre a imagem e a paisagem n�o � o
mesmo que considerar que haja duas paisagens. A paisagem, como aponta Ferraz, � fruto do
empreendimento do entendimento, por isto categoria. A imagem � um primeiro modo de
apreens�o do real, por isto conceito. Poder�amos indagar se Ferraz n�o confunde a paisagem
com a categoria lugar, territ�rio ou espa�o. Contudo, recha�amos este questionamento, pois
entendemos que ele desenvolve uma proposi��o que aborde as diferen�as formas de
representa��es art�sticas para a Geografia, em que as categorias lugar, territ�rio e espa�o n�o
possuem relev�ncia para o sistema l�gico.
No rumo que encaminhamos esta pesquisa poder�amos considerar duas paisagens para
o desenvolvimento do sistema l�gico, pois Silva considera o empreendimento do
entendimento do abstrato absoluto ao abstrato concreto. Movimento similar que ele tamb�m
considera da paisagem ao espa�o. A consci�ncia de espa�o, espacialidade, � a segunda
paisagem como categoria e a representa��o do meio � a primeira paisagem como conceito.
Contudo, devemos considerar que a cada movimento do pensamento em dire��o ao
concreto h� uma representa��o acerca do real, o que a possibilita termos um n�mero de
paisagens indefinidas e n�o somente duas. Assim, ter�amos: a paisagem do meio, a paisagem
do lugar, a paisagem do territ�rio, a paisagem da regi�o, a paisagem do espa�o etc. Mas,
devemos considerar que cada uma dessas categorias e conceitos – meio, lugar, territ�rio,
regi�o e espa�o – n�o s�o outra coisa do que um modo de representa��o do pensamento para
certo conjunto de fen�menos determinados e n�o h� a necessidade de reenfatiz�-las, o que �
redund�ncia.
Entendemos que a paisagem deve ser considera como uma categoria em Geografia e
como tal ela � determinada e determinante pelo e para o pensamento justamente por se referir
a certo conjunto de fen�menos reais para o entendimento. Ela n�o deve ser considerada de
modo d�bio. A consci�ncia espacial, a qual se refere Silva, que � a segunda paisagem �
melhor abordada, como ele mesmo sugere em algumas de suas obras, sob o conceito de
161
espacialidade. Assim, trataremos a paisagem como um modo de representa��o para certo
meio pelas rela��es do ser-no-mundo.
A consci�ncia espacial � pressuposto fundamental da ontologia do espa�o
desenvolvida por Silva. O espa�o � considerado como categoria do pensamento e
essencialmente diferente do conceito de meio porque � pelo empreendimento do entendimento
do ser-no-mundo que emerge o espa�o. Aqui se rep�e o silogismo – apar�ncia, ser e forma –
em que � atribu�do ao termo mediador, ser, sua devida relev�ncia ao evidenciar o processo
cognitivo que se desenvolve do abstrato absoluto ao abstrato concreto.
A proposta te�rico-metodol�gica desenvolvida por Silva � convenientemente coerente
com os pressupostos ontol�gicos ao modo desenvolvido pela Filosofia, contudo, pela
discuss�o ontol�gica filos�fica h� somente a ontologia do ser e n�o do espa�o. Deste modo,
concordamos com Martins quando ele afirma que:
O principal equ�voco observado est� em confundir as dimens�es e formas da exist�ncia de algo, com esse pr�prio algo. [...] Confundir exist�ncia com ess�ncia, ou mesmo categoria com conceito, � n�o discernir entre estar/ter e ser. Ainda que sejam aspectos indissol�veis, e mutuamente determinantes, n�o podemos confundi-los na defini��o �ntica do ente, nem na defini��o ontol�gica do ser. A exist�ncia � a dimens�o do estar-a� do ser, sua estrutura relacional e simbi�tica com a sua alteridade, ou seja, os outros entes, e � a fonte din�mica da muta��o e redefini��o do ser. � o ser-a�, o Dasein de Heidegger. O ser � o que da� deriva como algo posto enquanto ess�ncia, uma s�ntese particular derivada da exist�ncia. Portanto, quando atribu�mos ao espa�o a condi��o de ser, estamos na verdade definindo aquilo que o espa�o n�o �. Ele � na verdade categoria, e como tal elemento constituinte da exist�ncia de um ente e n�o o pr�prio ser.Espa�o s� poder� ser ess�ncia enquanto ente ideal, ou seja, como algo diante da Id�ia que necessita ser definido. Fora isso, ante os entes materiais ele � categoria, propriedade fundamental de tudo que Existe.(grifo nosso) (MARTINS, 2006, p. 35)
Martins diferencia a dimens�o �ntica e a ontol�gica baseado nas considera��es de
Heidegger. A primeira indica os entes, a exist�ncia e o estar; a segunda, o ser e a ess�ncia.
Estes s�o aspectos indissoci�veis da realidade na medida em que o ser deriva sua ess�ncia da
s�ntese particular que � a sua exist�ncia. Deste modo, ao afirmarmos que h� uma ontologia do
espa�o � atribuir a ele aquilo que ele n�o �, ser. Se consider�ssemos o espa�o enquanto ser da
rela��o, quem seria o ente? O homem seria o ente do espa�o? Por esta concep��o n�o
destituir�amos o homem de sua consci�ncia para o mundo? De quem seria a consci�ncia que
estabelece o que o espa�o �? A do pesquisador?
162
Concordamos com Martins quando ele afirma que atribuir ao espa�o a qualidade de
ser � atribuir aos homens a qualidade de entes entre entes. O homem � e s� o � como ser
consciente para o mundo. Caso contr�rio, estamos lidando com uma teoria a qual considera os
homens como entes inertes a merc� das determina��es do meio atribu�das pelos atores
hegem�nicos as quais o pesquisador engajado, como ser consciente, as elucidam. O espa�o
deve ser tratado como uma categoria da exist�ncia.
Tomado como uma das categorias da exist�ncia, o espa�o surge-nos como categoria da ordem. Aquilo que permite verificar as localiza��es relativas dos entes entre si, e por sua vez sua distribui��o, no conjunto de suas correla��es, coabita��es e, por decorr�ncia, suas codetermina��es. Trata-se da categoria que nos remete � ordem das rela��es das coisas que co-existem. O entendimento dessa ordem equivale em pensamento a um sistema l�gico determinado e coerente com essa l�gica. H�, portanto, umarela��o entre l�gica e espa�o. [...] ao afirmarmos a improced�ncia de termos uma ontologia do espa�o, rep�e-se a pergunta: como fica ent�o a quest�o ontol�gica e a Geografia? (grifo nosso) (MARTINS, 2006, p. 37)
O espa�o � categoria que trata o modo de organiza��o dos entes em geral, sendo esta
sua propriedade fundamental. O homem e tampouco o mundo s�o seus pr�prios fundamentos.
Um se fundamenta e � fundado pelo outro por meio de rela��es. Afirmar que o espa�o possua
como fundamento certa organiza��o estrutural � atribuir ao espa�o �quilo que ele n�o �, pois
quem define os modos de estrutura��o dos objetos no mundo s�o os homens.
Tanto Santos quanto Silva denominam suas respectivas proposituras para a Geografia
como ontologia do espa�o, mas isso n�o significa que ambos ge�grafos a abordem de modo
similar, como discutimos at� aqui. Ambos os ge�grafos identificam e entendem a natureza do
espa�o ou os seus principais aspectos quanto � organiza��o dos objetos e das a��es para a
realidade nos estudos em Geografia pela categoria espa�o, conquanto, sob perspectivas
diferentes. Santos, aborda a ontologia do espa�o como uma “vis�o de dentro” cujo “olhar”
permitir� definir o espa�o como objeto de estudo para a Geografia pelo modo de organiza��o
dos objetos e das a��es que estes indicam sob a forma de estruturas. Por esta perspectiva o
pesquisador � o ser cognoscitivo que a elucida. Silva, por sua vez, desenvolve uma “vis�o de
dentro” que aponta que o pesquisado � o ser-no-mundo, como ser cognoscitivo, para o lugar e
n�o como um ente entre entes.
Entendemos que essa cr�tica de Martins recai de modo mais amplo para a propositura
desenvolvida por Santos na medida em que ele n�o considera a fundamenta��o do ser-no-
mundo. Quanto � ontologia do espa�o proposta por Silva, entendemos que a denomina��o n�o
seja coerente com a perspectiva de interpreta��o da realidade que ele desenvolve, pois ela est�
163
de acordo com a ontologia fundamental. N�o h� ontologia do espa�o e sim ontologia do ser,
no caso, do ser-no-mundo.
Em suma, a denomina��o de ontologia do espa�o, tanto para a proposi��o te�rica de
Silva como para a de Santos, s�o incoerentes quando tomamos como par�metro a ontologia ao
modo desenvolvido pela Filosofia. Mas, devemos nos atentar n�o somente as denomina��es,
porque se Santos n�o desenvolve metodologicamente os procedimentos concernentes �
ontologia fundamental, Silva os desenvolve. Esta � a diferen�a essencial a ser considerada,
pois da metaf�sica � ontologia em Filosofia h� claramente uma preocupa��o quanto ao
entendimento dos modos de ser do homem. O espa�o n�o pode ser considerado o ser da
rela��o para o mundo, pois este n�o � um dos seus atributos.
3.2.2. Do lugar para o territ�rio e a regi�o
Pela discuss�o que desenvolvemos para as diferen�as entre o conceito de meio e a
categoria espa�o resguardamos o movimento do abstrato absoluto ao abstrato concreto e
algumas concep��es desenvolvidas por Silva, das quais destacamos: a contradi��o
fundamental e a rela��o entre forma e fundo, a qual permite entender o ser-do-homem sob a
forma de Dasein no mundo. O homem � em situa��o para um campo material e, tamb�m, para
outros homens, pois para estar no mundo � necess�rio considerar este ente que � o ser. Assim,
consideramos o ser-do-homem sob seus aspectos objetivos e subjetivos que est� no mundo e
para o campo material que � fundado e fundante.
Contudo, neste ponto da discuss�o pretendemos abordar n�o as diferen�as entre o
meio e o espa�o e sim como � poss�vel o espa�o como abstrato concreto, pois para indic�-lo �
necess�rio ir al�m do entendimento da contradi��o fundamental e da fundamenta��o do ser-
no-mundo. H� certos procedimentos, ou melhor, � necess�rio identificar e entender alguns dos
aspectos fundamentais que caracterizam a din�mica a ser abordada para o espa�o geogr�fico.
� nesse sentido que pretendemos abordar as categorias lugar, territ�rio e regi�o.
Tendo a contradi��o fundamental como par�metro, podemos afirmar que um dos
modos de fundamenta��o do meio para o homem ocorre pela antipr�xis, assim como, ela �
uma das maneiras de apari��o do Outro ao Dasein, o que pressup�e determinada t�cnica
objetivada na mat�ria. O homem surge no mundo em que a mat�ria j� � trabalhada e h� um
conjunto coerente de t�cnicas. A situa��o em que o homem surge no mundo � social.
A pr�xis e o habitat n�o se tratam somente de orienta��es singulares dos homens e
sim, tamb�m, de orienta��es particulares e universais porque s�o sociais. H� formas
164
espec�ficas de apropria��o e transforma��o da mat�ria pelos homens porque nem todas as
intencionalidades atribu�das aos objetos s�o consentidas para a realiza��o dos seus projetos,
mas, por outro lado, elas n�o s�o completamente denegadas. Isto possibilita que
identifiquemos certas semelhan�as entre os projetos dos homens que, quando objetivados,
indicam um modo de apropria��o e de transforma��o da mat�ria para certo grupo de homens.
A singularidade da rela��o homem-meio n�o � dilu�da na coletividade, pelo contr�rio,
e por ela que � poss�vel identificar os seus aspectos gen�ricos. Entendemos que este seja um
dos pressupostos para a identifica��o e determina��o dos lugares e regi�es nos estudos
realizados pelos ge�grafos cl�ssicos. O habitat como um modo particular de apropria��o e
transforma��o do meio, assim como, a identifica��o e an�lise das diferentes formas de
significa��o que os homens atribuem aos lugares, como fora posto por Sorre sob outros
termos26.
Silva coloca que habitar certo meio � faz�-lo o lugar das viv�ncias cotidianas que
implica estar e ser em determinado s�tio e posi��o em rela��o a outros s�tios e a outros
homens em situa��o, ou melhor, pela identifica��o de outros homens em situa��o,
pressupomos seu s�tio e sua posi��o assim como a nossa. Considerar estas caracter�sticas �
entender o lugar n�o somente pelo presente, mas, tamb�m, pelo passado, pois esses
fen�menos s�o objetividade.
Os aspectos hist�ricos do meio emergem para o entendimento n�o somente como
formas do campo material e sim, tamb�m, como determinada objetividade que tem seu
fundamento no trabalho morto e possibilita o entendimento dos diferentes modos de
apropria��o e transforma��o do meio pelos homens, conforme o per�odo hist�rico e o
desenvolvimento das t�cnicas. Assim, o lugar como uma express�o da espacialidade
possibilita a sua an�lise sincr�nica e diacr�nica.
Um dos modos de apropria��o e de transforma��o do meio pelo homem ocorre pelo
habitat e � pela pr�pria pr�xis que se revela a antipr�xis como uma forma de express�o do
territ�rio. O territ�rio vem ao ser pelo conflito entre suas possibilidades de ser-no-mundo e as
necessidades no mundo. Silva prop�e que as din�micas territoriais sejam estudadas pelas
categorias de forma��o, estrutura, caracter�sticas, processos e fun��es, transforma��es e
significados.
Cada um desses conceitos remetem a determinado fen�meno que n�o pode ser
explicado somente pelo �mbito do lugar. Eis a regi�o como categoria posterior ao territ�rio na
26 Sorre coloca que cabe a Geografia analisar a influ�ncia do meio na forma��o da psicologia do grupo.
165
propositura desenvolvida por Silva. Mas, para ele estas categorias n�o s�o tomadas como para
os ge�grafos cl�ssicos, pois � necess�rio considerar a universalidade e a particularidade de
certa singularidade, ou seja, � necess�rio ir al�m das din�micas do lugar. A regi�o � territ�rio
j� organizado e com um modo de vida definido.
Entendemos que algumas das proposi��es desenvolvidas por Santos possibilitam uma
an�lise mais acurada no pr�prio seio da proposta te�rico-metodol�gica de Silva, notadamente,
quando ele prop�e o conceito configura��o territorial. Santos ir� propor que as regi�es sejam
distinguidas pela coer�ncia dos processos produtivos. A especificidade da regi�o ocorre pela
contradi��o das din�micas externas e internas. A configura��o territorial � a objetiva��o desta
contradi��o e podem ser classificadas por suas funcionalidades em compara��o as
funcionalidades espec�ficas de outras regi�es.
O conceito de configura��o territorial se refere ao conjunto de objetos existentes,
artificiais e naturais, em determinada regi�o. Ele � uma representa��o para a contradi��o entre
forma e conte�do ou entre o trabalho morto e as din�micas sociais contempor�neas. Para seu
entendimento, Santos coloca que se deve levar em conta as categorias estrutura, processo,
fun��o e forma para se entender esta din�mica.
Entendemos que uma das diferen�as para a an�lise dos territ�rios e das regi�es para
Santos e Silva � que enquanto o primeiro as estabelecem pela coer�ncia do processo
produtivo, o segundo, tamb�m, indica que podemos resguardar os processos de significa��es
que os homens atribuem aos lugares e, por seguinte, pode-se caracterizar certas regi�es. Silva
utiliza as categorias de forma��o, estrutura, caracter�sticas, processos e fun��es,
transforma��es e significados enquanto Santos utiliza estrutura, processo, fun��o e forma. A
diferen�a est� que Silva considera o significado como uma categoria essencial para se
entender as din�micas territoriais e regionais. As significa��es apontam o modo como os
homens atribuem valores aos lugares pelo conflito da pr�xis com a antipr�xis e, quando
destacamos seus aspectos gen�ricos, � poss�vel levar em conta para os estudos geogr�ficos
certos aspectos culturais para a concep��o das categorias territ�rio e regi�o.
Santos considera a psicoesfera ou conjunto indissoci�vel de sistemas de a��es pelas
intencionalidades atribu�das aos objetos que podem orientar o cotidiano dos homens, pois, a
pr�xis � orientada pelas t�cnicas que, por sua coer�ncia de conjunto, podem designar um
conjunto coerente de a��es ao homens.
A localiza��o, a distribui��o e a organiza��o dos objetos enunciam estruturas que se
objetivam de modo desigual nos lugares como formas. H� lugares com maior e outros com
menor conte�do do per�odo t�cnico-cient�fico informacional, pressupondo certas rela��es
166
entre os homens e entre os lugares. Para Santos, os homens e lugares s�o tomados no seu
sentido gen�rico, pois o espa�o geogr�fico � o par�metro para a an�lise.
Silva, por outro lado, pondera que para o entendimento das significa��es deve se levar
em conta dois aspectos: a informa��o e a comunica��o. A informa��o � certa subjetividade
objetivada que pressup�e um modo de comunica��o, seja pelos objetos ou pelos homens. A
informa��o objetivada na mat�ria enuncia as intencionalidades dos objetos pela pr�xis, pois se
mostram como antipr�xis. Comunicar certa informa��o � antes de tudo subjetivar certa
objetividade e rep�-la objetivamente no mundo. Isto implica considerar que o homem
subjetive certa objetividade de uma mat�ria trabalhada e pode objetiv�-la pela sua pr�xis
reproduzindo ou n�o certa antipr�xis. Reproduzir certa pr�xis objetivada na mat�ria, que n�o
a do pr�prio homem, �, no atual per�odo, reproduzir as rela��es sociais de produ��o.
Comunicar certa informa��o, na proposi��o desenvolvida por Silva, decorre que
tenhamos que considerar o pr�prio ser-no-mundo, pois � ele quem efetiva este processo. Deste
modo, a aliena��o ganha novo sentido, pois devemos consider�-la em seus momentos
distintos.
No mundo da aliena��o, o agente hist�rico nunca se reconhece inteiramente em seu ato. Isso n�o significa que os historiadores devam reconhec�-lo a� enquanto ele � realmente um homem alienado. Seja de que maneira for, a aliena��o est� na base e no topo; e o agente nunca empreende nada que n�o seja nega��o da aliena��o e reca�da em um mundo alienado. No entanto, h� uma diferen�a entre a aliena��o do resultado objetivado e a aliena��o de partida. � passagem de uma para outra que define a pessoa. (SARTRE, 2002, p. 82)
Sartre coloca que h� uma diferen�a entre a aliena��o de partida e aquela do resultado
objetivado. A primeira se refere � subjetiva��o de certa objetividade e a segunda � objetiva��o
de certa subjetividade. A diferen�a � essencial e isso define o homem alienado. No mundo
cuja mat�ria �, na maioria dos casos, uma express�o do trabalho morto ou de investidas
especulativas, a aliena��o n�o decorre somente das intencionalidades atribu�das aos objetos e
sim do grau que os homens v�o reproduzir as intencionalidades inerentes aos objetivos como
devir para o mundo. A consci�ncia dos homens quanto � aliena��o de sua pr�xis s� pode ser
definida pela subjetividade objetivada na mat�ria pelo trabalho neste segundo momento, como
objetiva��o pensada, e n�o pela antipr�xis na sua forma gen�rica.
A antipr�xis pode ser considerada somente pela sua forma gen�rica, que indica o
modo produ��o hegem�nico, assim como, uma pr�xis outra fruto das din�micas org�nicas dos
homens com o lugar. A antipr�xis ao mesmo tempo em que � orienta��o da pr�xis cotidiana e
167
pode reproduzir as a��es dos atores hegem�nicos ela � um meio de sociabilidade no pr�prio
seio da antipr�xis. A pr�xis cotidiana n�o � distinta da antipr�xis e sim contradit�ria, a
diferen�a est� que n�o s�o todos os homens que reproduzem os objetivos das
intencionalidades hegem�nicas e tampouco a fazem de modo automatizado. Toda objetiva��o
humana ocorre tendo em vista um devir e para aferi-la � necess�rio levar em conta o grau de
consci�ncia dos homens e como ela foi objetivada e a resist�ncia cultural �s intencionalidades
estranhas. � o projeto do ser-no-mundo que devemos levar em conta e n�o somente o projeto
do mundo para ser. A contradi��o entre estas inst�ncias de an�lise pode nos revelar certo ser
social em quest�o.
Santos considera a informa��o, principalmente, como recurso, ou melhor, como um
conte�do, juntamente com o aspecto t�cnico e cient�fico, que permitem qualificar certa forma
quanto ao atual modo de produ��o dos objetos em rela��o aos per�odos precedentes e quanto a
sua concentra��o nos lugares. A concentra��o do conte�do t�cnico-cient�fico e informacional
possibilita a distin��o dos lugares como mais ou menos aptos e obedientes aos ditames do
atual per�odo, tecnoesfera. Pelo conceito de psicoesfera ou o conjunto indissoci�vel de
sistemas de a��es ele abordar�, de certo modo, o �mbito das significa��es ensejadas pela
tecnoesfera ou pelo conjunto indissoci�vel de sistemas de objetos. Contudo, ele considera
para an�lise apenas uma parte da rela��o para o entendimento da rela��o homem-meio no
atual per�odo, pois se � ver�dico que as intencionalidades atribu�das aos objetos e sua
coer�ncia de conjunto objetivada no meio podem orientar o cotidiano dos homens, � tamb�m
� necess�rio entender como os homens a reproduzem e para quais objetivos.
As a��es pertinentes e consentidas � reprodu��o do atual modo de produ��o s�o
denominadas, por Santos, como verticalidades e aquelas a��es de resist�ncia e que possuem
certa organicidade entre os homens e dos homens para o lugar � denominada de
horizontalidades. Estas, por sua vez, s�o apenas o indicativo de resist�ncia, pois Santos n�o
leva em conta como as significa��es s�o desenvolvidas e reproduzidas pelo conflito entre
possibilidades e as necessidades para os homens. Ele aborda os homens por meio de uma
entidade gen�rica e menciona que o modo de rela��o entre eles � solid�ria, porque partilham
de um destino comum.
A pr�pria solidariedade entre os homens � estabelecida por Santos pela identifica��o e
determina��o de certo destino comum para os homens, ou melhor, para grupo, que �
designada pelas intencionalidades atribu�das aos objetos em que se tem como par�metro o
modo de produ��o hegem�nico. A resist�ncia se trata de uma denega��o de certo grupo para
os ditames do atual per�odo em que o destino comum n�o � estabelecido pelas contradi��es
168
dos homens para certa necessidade que indica a constitui��o do grupo e sim � pela
identifica��o e determina��o de certa necessidade se estabelece o destino e o grupo. O homem
singular � dilu�do e entendido pelo destino do grupo. O par�metro para o desenvolvimento
desta an�lise s�o as intencionalidades atribu�das aos objetos e n�o a contradi��o entre
possibilidades e necessidades empreendidas pelos homens.
As considera��es realizadas por Silva para a comunica��o da informa��o colocam de
antem�o que para que haja quaisquer antipr�xis a serem reproduzidas � necess�rio haja a
pr�xis como atitude reveladora e de supera��o da antipr�xis. � o ser-no-mundo que realiza
este procedimento e � a contradi��o entre necessidades e possibilidades para os homens o
fundamento das entidades abstratas consideradas pelo destino comum, n�o ao contr�rio. Sem
d�vida que para consideramos a especificidade do grupo e suas reivindica��es s� � poss�vel
quando n�o os tomamos isoladamente e quando o entendemos perante uma necessidade
comum no mundo, mas tom�-los antecipadamente na abordagem como uma entidade gen�rica
� n�o levar em conta o pr�prio fundamento das reivindica��es.
Deste modo, resguardamos a concep��o quanto �s categorias de lugar, territ�rio e
regi�o ao modo desenvolvido por Silva e buscamos em algumas teorias de Sartre certos
elementos que as operacionalizam. Todavia, para a categoria territ�rio e regi�o tentamos
utilizar, correlativamente, a concep��o de configura��o territorial em dire��o � concep��o de
espa�o geogr�fico ao modo desenvolvido por Santos para o entendimento acerca dos modos
como se estruturam a antipr�xis.
De um lado, consideramos o Dasein e a contradi��o fundamental como totalidade e o
ser-no-mundo e seu processo de fundamenta��o em que � poss�vel se definir por seu modo de
apropria��o do meio, ou seja, o habitat, a sua situa��o e posi��o. Por outro lado, o ser-no-
mundo surge num mundo trabalhado e com outros homens e as significa��es que
desenvolvem para o meio de sua exist�ncia � desenvolvido pelo conflito entre as necessidades
e as possibilidades de ser no mundo. O lugar � a categoria que se refere onde ocorrem estas
rela��es contraditoriamente significativas, cuja uma de suas representa��es � a paisagem. O
territ�rio � a categoria que aborda o conflito entre as necessidades e possibilidades da rela��o
do homem com certo meio e pode modificar as pr�prias significa��es e representa��es dos
lugares.
� quando entendemos as din�micas do lugar al�m do lugar que poss�vel identificar
como o meio de exist�ncia dos homens � organizado de modo estrutural em que um objeto
remete ao outro e estes ao conjunto coerente de objetos. O conceito de configura��o territorial
vem a contento para podermos identificar e entender o modo como se organizam esta
169
estrutura, assim como, os diferentes graus de aliena��o dos homens quando se relacionam
pela Internet.
O pr�prio entendimento do lugar como meio de significa��es e representa��es s� pode
ocorrer pelo meio e pelo conflito entre a pr�xis e antipr�xis, em que o conceito de
configura��o territorial nos possibilita analis�-los nas suas mais diferentes escalas.
Abordamos a configura��o territorial e o conjunto de sistema de a��es e de objetos
como certo entendimento do mundo pelos homens que indica a totaliza��o do mundo. Trata-
se de um entendimento que pode orientar a pr�xis como possibilidade de ser-no-mundo no ato
de identifica��o e supera��o da necessidade que � a antipr�xis, notadamente, quando suas
rela��es s�o mediadas pela Internet.
170
CCAAPP��TTUULLOO 44
OONNTTOOLLOOGGIIAA DDOO IINNTTEERRNNAAUUTTAA
Uma reuni�o para a tomada de decis�es na �gora grega, o debate de um tema entre os
estudantes em uma sala de aula e uma mensagem deixada na geladeira s�o alguns dos modos
como os homens podem se comunicar. As duas primeiras se tratam de rela��es sincr�nicas
diretas, porque se tratam de rela��es face-a-face. Certo Dasein se comunica frente-a-frente
com outro Dasein no mundo. A rela��o � simult�nea. O segundo modo se trata de uma
rela��o ass�ncrona, ou seja, a efetiva��o da comunica��o � feita por meio da utiliza��o de uma
linguagem comum aos homens que se comunicam, pois n�o h� a presen�a do Dasein em sua
facticidade ser no ato comunicativo. A comunica��o se caracteriza por temporalidades
distintas.
Atualmente, podemos estabelecer rela��es com outros homens que est�o distantes de
n�s, ou seja, n�o h� o Dasein em presen�a pela sua facticidade de ser ao outro Dasein que
para estabelecermos a comunica��o. Contudo, esta rela��o � simult�nea, mesmo que
ocorrendo � dist�ncia. Trata-se de uma rela��o sincr�nica indireta27 como, por exemplo, as
videoconfer�ncias.
As rela��es sincr�nicas indiretas ou de interface s�o cada vez mais comuns no nosso
cotidiano. N�o que se deixaram de utilizar as demais, elas coexistem, mas as rela��es
sincr�nicas indiretas s�o qualitativamente distintas das outras. Assistir um programa de TV
“ao vivo” � uma rela��o sincr�nica indireta, mas quando assistimos a um programa ou
reportagem cuja temporalidade � distinta daquela que vivenciamos, trata-se de uma rela��o
assincr�nica. Estas rela��es podem ser somente receptivas, como os sistemas de televis�o e
r�dio anal�gico ainda em atividade no Brasil, ou interativas, que pressup�em um feedback
entre os usu�rios ou entre o usu�rio e a m�quina(s), como chats, jogos on-line e off-line,
sistemas operacionais de computadores, Internet e alguns sistemas de televis�o digital.
Boa parte das rela��es sincr�nicas indiretas e interativas est� amparada na utiliza��o
da rede de Internet, tanto para aquelas realizadas por meio de dispositivos port�teis, como os
telefones celulares, como para aquelas realizadas por meio de computadores com o uso de
aplicativos para certa socializa��o, como o MSN, por exemplo. Restringindo-nos � an�lise das
videoconfer�ncias por MSN podemos identificar que estas s� se poss�veis por causa do
27 Cf. MITCHEL, Willian. 2002.
171
desenvolvimento de certas tecnologias de telecomunica��o, as quais s�o denominadas de
protocolos de servi�o.
O protocolo de servi�o mais utilizado na Internet � HTTP (Hypertext Transfer
Protocol Secure) sob o r�tulo www (World Wide Web), com o uso de hiperm�dia28. O
protocolo HTTP � um protocolo de servi�o utilizado para sistemas de informa��o de
hiperm�dia distribu�dos e colaborativos, seu uso para a obten��o de recursos interligados
levou ao estabelecimento da www. Mas, este n�o � o �nico protocolo de comunica��o usado
na Internet, dentre in�meros destacamos: SMTP (Simple Mail Transfer Protocol), padr�o para
envio de e-mails por meio da Internet; FTP (File Transfer Protocol), utilizado para transferir
arquivos de forma bastante r�pida e vers�til; RTP (Real Time Protocol) � um protocolo de
redes utilizado em aplica��es de tempo real como, por exemplo, entrega de dados de �udio e
v�deo. (Cyclades, 1996, p. 20)
Deste modo, uma videoconfer�ncia realizada pelo MSN utiliza no m�nimo tr�s
protocolos de servi�os, o de texto, o de �udio e o de v�deo. S�o no m�nimo tr�s protocolos
operando simultaneamente para que haja a efetiva��o de uma rela��o de interface sincr�nica
indireta, submetido ao protocolo HTTP, que por sua vez, � o que caracteriza a hiperm�dia.
� necess�rio destacar que utiliza��o de imagens e v�deos � um elemento recente nos
aplicativos de Internet, os quais possibilitam a interface sincr�nica indireta. As interfaces
gr�ficas com a utiliza��o de imagens para os aplicativos de Internet tiveram sua
implementa��o e utiliza��o em larga escala vinculada a cria��o, implementa��o e utiliza��o
do protocolo HTTP, das informa��es em hiperm�dia, do desenvolvimento de hardwares e da
rede de telecomunica��o – especificamente, o aumento da velocidade para transfer�ncias de
28 A hiperm�dia � a principal representa��o comput�vel utilizada atualmente. Ela se trata de uma denomina��o gen�rica para sistemas de representa��o de informa��es em que diversos de seus elementos podem ser articulados de diferentes modos, de acordo com as diferentes perspectivas dos internautas. Por meio de links, a hiperm�dia oferece mecanismos para se procurar as liga��es conceituais entre se��es de assuntos relacionados. � comum se determinar a hiperm�dia como o resultado da integra��o do hipertexto com multim�dia distinguindo, portanto, as duas tecnologias. O hipertexto � uma forma de organiza��o do texto, da escrita e da leitura, em que n�o h� uma ordem �nica que determine a sequencia em que o documento dever� ser acessado, enquanto a hiperm�dia oferece novas possibilidades de acesso e grandes e complexas fontes de informa��es incluindo gr�ficos, anima��es, e, frequentemente, sons e imagens. O termo hiperm�dia possui uma maior abrang�ncia com rela��o �s maneiras de expressar informa��es, podendo ser considerado uma reavalia��o do termo hipertexto em consequ�ncia da evolu��o tecnol�gica.Por se tratar de um modo de organiza��o de informa��es com variados tipos de recursos representativos, o desenvolvimento de um aplicativo de hiperm�dia necessita de uma equipe com v�rios especialistas, desde analistas de sistemas e programadores, designers, roteiristas, redatores, artistas gr�ficos e especialistas em comunica��o e outros profissionais acerca do qual a aplica��o versar, pois para a concep��o de determinado s�tio eletr�nico exige uma s�rie de elementos de programa��o e design, como por exemplo, a escolha da linguagem de programa��o mais adequada – JAVA, C++, Visual Basic, etc. – e o estudo da semiologia das cores e formas que ser�o expressas na interface. Trata-se de um processo produtivo especializado e orientado para cumprir fun��esespec�ficas.
172
dados. At� ent�o, as transfer�ncias de dados e rela��es sincr�nicas indiretas estavam baseadas
nos antigos protocolos de servi�os que se restringiam aos textos.
� por meio desses e outros tantos protocolos de servi�os que � poss�vel que ocorram as
rela��es de interface por meio de aplicativos da Internet como um novo modo de rela��o
social e de conhecimento do ser-no-mundo. O desenvolvimento das informa��es em
hiperm�dia, atrelado ao desenvolvimento dos hardwares em geral, � um dos elementos que
caracterizam este novo modo de intera��o social que utiliza diversos recursos representativos
por meio de um �nico aplicativo.
A hiperm�dia � um dos modos como este sistema de telecomunica��o se apresenta aos
internautas29, congregando o uso de imagens, textos, tabelas e gr�ficos representados de forma
organizada para possibilitar a dinamiza��o das tarefas cotidianas dos homens. A organiza��o
das informa��es de hiperm�dia ocorre na forma de estruturas de estruturas e as fun��es a elas
atribu�das designam um conjunto de a��es expressas objetivamente que s� se caracterizam
enquanto instrumento quando os internautas desenvolvem a linguagem estrutural que a
caracteriza. Solicita-se determinado tipo de usu�rio para utiliza��o do objeto t�cnico para que,
ao mesmo tempo, este objeto seja sol�cito ao projeto do usu�rio. Muda-se tanto o objeto como
os seus usu�rios e a forma desta rela��o � estrutural.
A hiperm�dia e o modo de estrutura��o de suas informa��es podem ser considerados
como certa totalidade da rede de Internet, pois � por meio de sua manipula��o que certos
29 Dentre as diversas nomenclaturas correntes para denominar os homens que realizam seus projetos mediados pela rede de Internet optamos pela express�o internauta para indicar um dos modos de ser do Dasein no mundo. A defini��o ocorreu por denegarmos certas nomenclaturas que possuem o antepositivo latino ciber – como supracitado, significa piloto, dirigente, condutor etc. Cibernauta seria certo homem que � piloto ou condutor quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet. Isto � verdadeiro, mas n�o podemos negligenciar que a sua pr�xis tamb�m � dirigida e governada pela antipr�xis para efetiva��o da rela��o mediada. Ele conduz e � conduzido. O pospositivo latino nauta remete a marinheiro, marujo, certo homem que conduz uma embarca��o. (Houaiss, 2010). O substantivo ciber-nauta � formado pela justaposi��o de express�es latinas similares, o que indica a redund�ncia do termo – do tipo: o condutor que conduz, o velejador que veleja. Sem d�vida que atualmente o antepositivo ciber remete a quaisquer rela��es mediadas eletronicamente, o que lhe atribui novos significados, mas optamos por um substantivo que n�o prima pela ambig�idade e sim pela especificidade.O internauta � aquele homem que “navega” pela Internet como um modo de ser-no-mundo para buscar efetivar seus projetos. O prepositivo latino inter significa “no interior de dois; entre; no espa�o de” e ele � formado pela preposi��o e prefixo latino in “em, a, sobre; superposi��o; aproxima��o; introdu��o; transforma��o etc.” justaposto a sufixo latino ter, de teros, que serve “para designar um dos termos de uma alternativa”. (Houaiss, 2010).� justamente nos termos que comp�em o prepositivo latino in-ter que podemos evidenciar como pela alteridade entre dois elementos distintos h� pela fundamenta��o contradit�ria de ambos. Um est� para o outro ao mesmo tempo em que s�o pelo outro. Este substantivo vem a contento do conceito de ser-no-mundo como proposto por Heidegger, em que o interpositivo no indica a rela��o contradit�ria entre dois elementos que se fundamentam reciprocamente. Contudo, o prepositivo inter tamb�m indica o substantivo Internet e quando justaposto ao pospositivo nauta, significa aquele homem que navega na Internet. O entendemos sob estes termos, em que o navegar � uma met�fora para a pr�xis dos homens que s� se revela pela antipr�xis dos objetos quando possui suas rela��es mediadas pela Internet.
173
internautas podem entender a totaliza��o que � a rede. Em verdade, a hiperm�dia � como a
totaliza��o que � a rede de Internet � apresentada e percebida pelo internauta como totalidade.
Como a organiza��o das informa��es de hiperm�dia � estrutural e esta exige que os
internautas adorem atitudes que seguem sua forma de organiza��o, pode haver o conflito entre
as possibilidades de ser dos internautas para as necessidades desta rede de telecomunica��o.
O entendimento desta rela��o mediada eletronicamente ocorre pela contradi��o entre a pr�xis
dos internautas e a antipr�xis das intencionalidades atribu�das a rede de Internet.
Neste sentido, no segundo t�pico deste cap�tulo pretendemos discutir e desenvolver
alguns dos pressupostos ontol�gicos para os estudos em Geografia, principalmente, ao modo
proposto por Silva, quando as rela��es s�o mediadas pela Internet. Destaca-se o conceito de
meio e de homem, como ser-no-mundo, e as categorias de paisagem e de lugar para esta
discuss�o inicial. Em seguida, pelo empreendimento do entendimento, emerge a categoria
territ�rio como aquela que indica fundamentalmente a pr�xis do Outro ou a antipr�xis desta
rela��o. O certo consentimento e denega��o do projeto de ser-no-mundo para a antipr�xis �
um dos modos que se estabelece esta rela��o social mediada eletronicamente e que permite
que emirja para o entendimento o modo de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia e as
a��es ensejadas por este sistema de telecomunica��o aos homens que, por sua vez, remetem a
pr�pria estrutura de objetos que o comp�e.
No �ltimo t�pico, pelas categorias regi�o e espa�o geogr�fico, procuraremos
identificar as principiais fun��es e o modo de organiza��o da rede de Internet. Ponderamos
que este entendimento � apenas um dos poss�veis para a totalidade em totaliza��o que � a rede
Internet, pois certo internauta poderia, por exemplo, entend�-la quanto ao design de
hiperm�dia, desenvolvimento de softwares ou de hardwares. Utilizaremos apenas uma destas
possibilidades interpretativas, destacadamente aquela que vem a contento nesta pesquisa em
Geografia e que nos permite o entendimento quando as fun��es dos principais objetos e seu
modo de estrutura��o para rede de Internet, assim como, indicar suas respectivas localiza��es
e o seu modo de distribui��o nas diferentes regi�es brasileiras.
Para descrever o modo de constitui��o, localiza��o, distribui��o e a forma que os
objetos que constituem a rede de Internet se manifestam no mundo e em algumas regi�es
brasileiras utilizaremos o modelo ISO/OSI (Internacional Organization for
Standardization/Open System Interconnect). Este modelo foi desenvolvido pela ci�ncia que
orienta o modo de organiza��o dos objetos que constituem a rede de Internet. Contudo, �
necess�rio ter claro que o entendimento da totaliza��o que � a rede de Internet s� � poss�vel
174
por sua totalidade, apreendida e entendida dialeticamente pelo �mbito do lugar e pela rela��o
homem-meio.
Deste modo, seja pela perspectiva da rela��o homem-meio ou da sociedade-natureza
esta discuss�o s� possui sentido quando a rede de Internet alcan�a certo n�mero de pessoas,
modificando de algum modo as rela��es humanas preexistentes. Ora, como nem sempre as
rela��es humanas foram medidas eletronicamente, � necess�rio apontar, mesmo que em linhas
gerais, o processo que permitiu sua populariza��o. Assim, por uma breve descri��o hist�rica
do processo de constitui��o da rede de Internet no mundo e no Brasil discutiremos no
primeiro t�pico deste cap�tulo como este novo modo de comunica��o se populariza.
4.1. Breve histÑrico da rede de Internet
Desenvolvida a partir de um projeto de uma ag�ncia estadunidense chamada ARPA
(Advanced Research and Projects Agency), a Internet surge como desenvolvimento de uma
rede de computadores que ligavam quatro centros de pesquisas universit�rios, denominada
ARPANET. Por este processo, em meados da d�cada de 1970, se desenvolveu aquilo que
ainda � a base da Internet atual, ou seja, o protocolo TCP/IP (Transmission Control
Protocol/Internet Protocol), o qual � o endere�o de um determinado computador conectado a
rede, o que permite ao internauta a trasnfer�ncia de dados.
Na d�cada de 1980 a ARPANET aumenta sua rede de computadores para possibilitar a
conex�o de outros centros de pesquisas que n�o foram contemplados no in�cio do projeto,
conectando-se aos computadores da NSF (National Science Fundation) e de organiza��es
privadas como a IBM, MERIT e MCI, que passam, tamb�m, a financiar o desenvolvimento da
rede.
Em 1990 o backbone – tronco da rede – desenvolvido pela ARPANET � desativado e
em seu lugar � instalado o backbone DRI (Defense Research Internet). Entre 1991 e 1992 a
ANS (Advanced Network and Services) desenvolveu um novo backbone que passou a ser o
principal da rede de Internet estadunidense. Concomitantemente, na Europa se desenvolvia
um backbone que conectava institui��es de pesquisa de alguns pa�ses europeus, denominada
EBONE.
No Brasil, a Internet come�a a ser implantada para fins acad�micos no ano de 1988,
destacadamente, nos Estados de S�o Paulo e do Rio de Janeiro. Tratou-se de uma iniciativa
conjunta da FAPESP (Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo), da UFF
(Universidade Federal Fluminense) e da LNCC (Laborat�rio Nacional de Computa��o
175
Cient�fica). Esta rede era destinada ao acesso �s institui��es educacionais, funda��es de
pesquisa, entidades sem fins lucrativos e �rg�os governamentais.
No ano seguinte, com a cria��o da Rede Nacional de Pesquisa (RNP) pelo Minist�rio
da Ci�ncia e Tecnologia foi criado um backbone que interconectava as principais capitais
brasileiras por meio de POPs (Point on Presence) e ligados a estes pontos foram constru�dos
outros backbones regionais.
Em 1993, nos Estados Unidos, a Internet deixa de ser uma rede destinada
exclusivamente � comunidade acad�mica e passa a ser explorada comercialmente, tanto na
constru��o de backbones privados como para a oferta de servi�os. No Brasil este processo
ocorreu em 1995 com a abertura de uma portaria conjunta do Minist�rio das Comunica��es e
do Minist�rio da Ci�ncia e Tecnologia, permitindo a cria��o de provedores de acesso privado
e liberando a opera��o comercial da Internet no Brasil.
No Brasil o processo de abertura foi gradual. No final de 1994 a Embratel permite o
acesso � Internet por meio de linhas discadas – rede telef�nica convencional – e em abril de
2005 por meio de acessos dedicados de banda larga via RENPAC (Rede Nacional de
Comunica��o de Dados por Comuta��o de Pacotes)30. No ano de 2005 tamb�m foi
desenvolvido pela RNP o aumento da velocidade de seu backbone e o n�mero de POPs com o
objetivo de suportar o tr�fego das futuras redes conectadas.
A difus�o da Internet como meio de telecomunica��o de uso p�blico e comercial est�
baseada na reutiliza��o das estruturas das redes telef�nicas, as quais, no caso brasileiro,
abrangiam quase todas as regi�es do pa�s, mas concentrada nas principais regi�es
metropolitanas brasileiras, onde est� boa parte da popula��o.
Atualmente, o Brasil conta com aproximadamente 82 milh�es de usu�rios de
Internet31, dos quais est�o em boa parte nas capitais das Unidades Federativas e suas
respectivas regi�es metropolitanas. Contudo, a consolida��o da Internet como meio de
telecomunica��o se populariza quando ela se torna mais barata e acess�vel ao usu�rio final,
mesmo que hoje demande grandes investimentos para a implementa��o de sua infraestrutura,
pois eles v�o al�m daqueles utilizados de modo correlato ao sistema de telefonia fixa.
4.2. O meio do lugar para as relaÖÄes de Internet
30 Cf. CYCLADES. 1996, p. 14.31 Cf. Internet World Stats, 2012.
176
Os 82 milh�es de usu�rios de Internet indicam que pouco mais de 40% da popula��o
brasileira possui acesso � rede por meio um PC (Personal Computer). Ficam de fora destes
n�meros os acessos � Internet por meio de telefones celular, tablets, palmtops etc. Por um
lado, poder�amos considerar que se al�m dos internautas que utilizam o PC h� aqueles que a
utilizam por meio de terminais m�veis, assim, o n�mero de 82 milh�es de internautas
aumentaria. Por outro lado, podemos levantar a hip�tese que do total do n�mero de
internautas brasileiros que acessam e utilizam a Internet por meio de um PC s�o de certo
modo os mesmo que acessam e utilizam a rede por meio outros tipos de terminais m�veis. Ou
seja, poder�amos ponderar este n�mero excedente aos 82 milh�es de internautas brasileiros.
N�o possu�mos levantamentos de dados para as situa��es que mencionamos
anteriormente, mas com certa seguran�a podemos afirmar que a segunda situa��o � mais
coerente, pois para que os internautas possam utilizar a rede de Internet � necess�ria �
concentra��o de um conjunto de objetos t�cnicos, a oferta e a demanda para o servi�o de
Internet, assim como, para os terminais que possibilitam acessar a rede. Deste modo, a
infraestrutura da rede de Internet deve estar concentrada nas principais regi�es metropolitanas
brasileiras e cidades m�dias e � nestes mesmos locais onde est�o boa parte da popula��o
brasileira.
Deste modo, a localiza��o do internauta n�o pode ser indiferente � localiza��o e
organiza��o dos objetos que constituem a rede de Internet. Quando determinado internauta
utiliza a Internet est� em quest�o todo um conjunto de objetos t�cnicos coerentemente
organizados e localizados para que se efetive a comunica��o. N�o � necess�rio que os
internautas detenham o entendimento do modo de estrutura��o dos objetos que constituem a
rede para depois utiliz�-la. � utilizando-a que ele pode obter este entendimento, se necess�rio.
Aqui retomamos a perspectiva pela rela��o homem-meio, pois certo internauta
necessariamente deve se relacionar com certo objeto que lhe permita o acesso � Internet para
poder utiliz�-la. Mas, a pr�pria utiliza��o da rede de Internet ocorre por meio de um objeto
que designa a utiliza��o desta rede de telecomunica��o. Entendemos que a rede � a totaliza��o
para a totalidade que � a rela��o fundamental entre certo internauta e certo objeto, pois ela
precede ao entendimento que o internauta possa vir a ter acerca da rede de Internet e sua
estrutura��o.
Trata-se de entendermos o modo como as rela��es quando medidas por esse novo ato
comunicativo fundamentam o ser-do-homem ao mesmo tempo em que � fundado por ele. Esta
empreitada teve seu in�cio com a tentativa de desenvolvimento do silogismo apar�ncia, ser e
forma, ao modo proposto por Silva, na nossa disserta��o de mestrado. Naquele momento
177
tentamos sintetiz�-la sob a forma de num texto publicado no ano de 2010, por�m redigido no
ano de 2008, intitulado “Internet, ser e espa�o: pressupostos de ontologia-fenomenol�gica
estrutural”.
Pressup�nhamos a Internet correlata � apar�ncia, o que se mostrou equivocado, pois,
por mais que parte daquele estudo se tratasse de uma aplica��o e de uma tentativa de
compreens�o cr�tica da proposta te�rica desenvolvida por Silva, a Internet como um conjunto
coerente de aplicativos – softwares – n�o pode ser um elemento imediato para a consci�ncia
na medida em que � necess�rio um empreendimento do entendimento para conceb�-la como
instrumento. N�o coloc�vamos para discuss�o a rela��o de nega��o fundamental de certo
Dasein para certo campo material e sim part�amos do conhecido.
Num outro momento, seguindo esta mesma linha de racioc�nio, tentamos correlacionar
o conceito de hiperm�dia ao termo apar�ncia do silogismo. Mostrava-se superficialmente
coerente, na medida em que, a hiperm�dia � uma forma de representa��o computacional a qual
o internauta se relaciona e possibilita o seu acesso � rede. Contudo, se o internauta n�o
necessariamente precisa ter o conhecimento do conjunto de objetos que estruturam a rede,
sem d�vida, necessita deter o m�nimo conhecimento da forma de navega��o sob as estruturas
de hiperm�dia para poder utiliz�-la. Eis outra incoer�ncia.
Deste modo, deixamos de lado um pensamento predominantemente dedutivo, que
buscava de quaisquer maneiras adequar este fen�meno real ao silogismo de Silva e passamos
a consider�-lo por uma perspectiva mais ampla, ou seja, considerando os aspectos mais
elementares dessa rela��o: o ponto de vista dos internautas. Por esta perspectiva, o que �
necess�rio e percebido pelo internauta para que ocorram quaisquer rela��es mediadas pela
Internet � um computador e seus objetos perif�ricos – mouse, teclado, monitor – e certos
softwares – conjunto de aplicativos sob a forma de estrutura de hiperm�dia que se inter-
relacionam, ou seja, que foram estruturados sob uma linguagem computacional similar.
A exterioridade imediata � estabelecida para o internauta, inicialmente, sob as mesmas
caracter�sticas daquelas do campo material. O computador est� em determinado meio e � mais
um elemento da paisagem, quando, pela rela��o entre forma e fundo, a consci�ncia o concebe
como forma para realiza��o de seus projetos. O meio em geral se desvanece em prol da forma
que � o pr�prio computador e as suas formas representativas.
Aquilo que � objeto para consci�ncia � o computador, nos seus aspectos
exclusivamente materiais. Como uma coisa que se revelar� como objeto pela pr�xis e pela
busca de entendimento da linguagem permitir� sua manipula��o, antipr�xis. � necess�rio
lig�-lo para emergir na tela um conjunto de s�mbolos que pressup�e um aprendizado anterior
178
para sua manipula��o. N�o estamos nos referindo a ser alfabetizado para manipul�-lo, pelo
contr�rio, hoje boa parte dos aplicativos computacionais exige apenas um reconhecimento de
s�mbolos e signos expressos por meio de figuras e a concord�ncia com uma sequ�ncia
preestabelecida para se poder manipular quaisquer aplicativos de hiperm�dia.
O reconhecimento de outras linguagens, que n�o a computacional, pode indicar maior
destreza para seu uso. Por outro lado, o entendimento destas diversas linguagens pode ser um
empecilho para realiza��o de tarefas mediadas pelo computador na medida em que entender e
desenvolver certa linguagem � reproduzir sua l�gica que pode ser, de certo modo,
incompat�vel com a linguagem computacional. � necess�rio entender a l�gica espec�fica
segundo a qual se estruturam as informa��es em hiperm�dia para poder manipul�-la.
A emerg�ncia de certa imagem na tela revela um conjunto de s�mbolos e signos que,
inicialmente, n�o possuem quaisquer rela��es entre si. Ao determos a aten��o a um deles, a
pr�pria representa��o que � esse s�mbolo expressado na tela ou mesmo um som, �
subjetivada. A rela��o com outras formas representativas � estabelecida pelo “antes” e
“depois” do “isto” e “aquilo” expresso. Neste momento, � poss�vel realizar identifica��es,
sele��es e classifica��es das representa��es, o que se aproximaria muito do conceito de meio.
Mas, aqui o meio � campo material para o Dasein em que o computador e seus perif�ricos s�o
apenas alguns de seus elementos. A objetividade das representa��es expressas no computador
enseja uma pr�xis ao manipularmos alguns de seus aplicativos, ao mesmo tempo, revela o que
� o computador, ou seja, a sua instrumentalidade como antipr�xis.
Entendemos a objetividade como “oposto ao subjetivo, no sentido individual. V�lido
para todos os esp�ritos e n�o para este ou aquele indiv�duo.” (LALANDE, 1999, p. 750). A
objetividade � uma forma da realidade coexistente a um sujeito e sua apreens�o �
independente de qualquer conhecimento ou ideia, justamente porque a subjetividade pertence
ao pensamento humano em oposi��o ao mundo f�sico, objetivo.
A mat�ria, por sua vez, do ponto de vista da Filosofia, � a maior de todas as
abstra��es, est� em oposi��o ao esp�rito e sempre atrelada � forma de sua mat�ria. Ou seja, a
mat�ria do modo abordado pela Filosofia difere do modo da F�sica, pois para a segunda o
pr�prio objeto ou coisa � mat�ria, ou seja, a forma da mat�ria � a mat�ria. Pelo modo de
abordagem da primeira, a mat�ria � contradit�ria � ideia e a objetividade � subjetividade,
todas s�o partes e momentos de um mesmo processo que se realiza somente pela rela��o dos
homens com a exterioridade imediata. A objetividade consiste em tornar objeto a consci�ncia
determinado fen�meno do real que pressup�e a mat�ria como um dos seus atributos, que se
179
manifestar� para a consci�ncia como forma para certo fen�meno, numa contradi��o � ideia
que pode possibilitar o entendimento.
Em outras palavras, temos: o software se manifesta ao internauta como s�mbolos e
signos sob a forma de estrutura de hiperm�dia, com caracter�sticas estritamente objetivas, e os
hardwares, que comp�em o sistema, s�o objetivos e materiais. A materialidade dos
hardwares � o que possibilita quaisquer rela��es de interface, ou seja, para que o software
exer�a sua operacionalidade � imprescind�vel a exist�ncia da m�quina. Os softwares n�o
deixam de ser uma esp�cie de invent�rio objetivo e informativo quanto aos diferentes modos
da instrumentalidade que o computador pode exercer. A alteridade com a ideia se desenvolve
pela materialidade do hardware que, ao mesmo tempo, possibilita a subjetiva��o de certa
objetiva��o.
A identifica��o do “isto” e “aquilo” e do “aqui” e “ali”, tanto para o meio, que
constrange o Dasein, como para as representa��es objetivas computacionais, � o primeiro
contato da consci�ncia para o objeto. A representa��o derivada desta rela��o � uma simples
constata��o da coexist�ncia de coisas, para Douglas Santos (2007, p. 5) este processo
consistiria numa paisagem, como segue:
Paisagem � a express�o que usamos para identificar o primeiro contato que o sujeito tem com um ambiente, isto �, com as maneiras pelas quais seus sentidos se apropriam das sensa��es, mas, ainda, elas n�o possuem sentido pr�prio. �, em outras palavras, o contato com a apar�ncia dos lugares.
A paisagem para o autor se trata da primeira representa��o de certa materialidade,
sem, ainda, possuir sentido para o sujeito. Em linhas gerais, concordamos com ele para essa
defini��o, mas com algumas ressalvas. Pois, o que seriam as sensa��es? Uma esp�cie de
termo m�dio entre a objetividade e subjetividade? Trata-se de denominar o aquilo que n�o
tem denomina��o? Sinto algo e este algo n�o � o que senti e sim fruto de uma media��o de
algo que n�o � nem objetivo e nem subjetivo? E como represento algo do mundo como ideia
sem auferir um valor de ju�zo? Estou s� no mundo?
No limite, considerar que a paisagem seja uma forma de representa��o que n�o possui
nenhum sentido para o sujeito � considerar que o ser-do-homem surge num mundo sem
valora��es empreendidas por outros homens aos objetos. O homem surge no mundo em que
os objetos o assediam e pelas intencionalidades atribu�das a eles, que cont�m aspectos
ideol�gicos, a pr�pria rela��o aponta o desenvolvimento de valores de ju�zos para o mundo,
seja pelo consentimento ou pela denega��o. � necess�rio considerar que os homens surgem
180
num mundo cuja mat�ria � trabalhada e surge com e para outros homens o que pressup�e um
conjunto de h�bitos, valores, costumes etc.
Sartre afirma que surgir num mundo em que a mat�ria j� � trabalhada, entre outros
homens e no cotidiano, � ter a aliena��o de partida como uma condi��o inescap�vel, pois h� a
necessidade de ser socialmente. Entendemos que este seja um dos pressupostos para a
categoria paisagem, mas, sem d�vida, esta representa��o, para certo meio, que indica valores
de ju�zos, carece de entendimento e de maiores significados para o ser da rela��o.
O internauta necessita identificar e desenvolver a leitura dos signos que surgem na tela
para estabelecer certa rela��o. Muitas das significa��es utilizadas nos aplicativos de
hiperm�dia remetem � cotidianidade dos homens como elementos facilitadores para
navega��o na Internet, pois, em muitos casos, eles s�o apreendidos pelos homens antes de
quaisquer rela��es telecomunicativas. Isto n�o significa que haja certo entendimento para esta
rela��o pelas diferentes concep��es que o internauta venha a ter dos signos expressos e sim se
trata de um procedimento abdutivo – que pretendemos abordar mais adiante. Tampouco,
entendemos que haja duas ou mais paisagens, sendo: uma ou mais paisagens para as
representa��es objetivas expressas pelo computador e outra para aquela que indica o campo
material para o Dasein. Entendemos como paisagem t�o e somente a representa��o
significativa do Dasein para o campo material de sua exist�ncia e as representa��es objetivas
s�o um dos elementos da paisagem para o Dasein, ou seja, tratam-se de representa��es de
determinado meio ou at� mesmo de certo lugar no mundo em que eu n�o estou, ao modo do
hic et nunc, como Dasein.32
A efetiva��o da rela��o de Internet ocorre pela materialidade dos instrumentos postos
para o internauta e quando se remete � aten��o para as representa��es eletr�nicas revela-se a
objetividade como mediada. No seu sentido mais amplo, como uma representa��o do mundo
de modo objetivo, carrega em seu cerne elementos ideol�gicos porque � representada por
Algu�m que n�o sou eu, podendo orientar o modo de “ver” e de “ouvir” do internauta que, por
sua vez, modifica essencialmente o modo de fundamenta��o do ser-no-mundo.
N�o ter claro a distin��o destes termos pode levar � confus�o entre aquilo que � o
objetivo e o material para que se estabele�am as rela��es medidas por este novo ato
32 Poderia se indagar que outras formas de representa��o indicam paisagens assim como, as representa��es eletr�nicas, como por exemplo: as pict�ricas, as descri��es, os romances, m�sicas etc. Sem d�vida estas representa��es n�o deixam de ser um modo representativo ou uma maneira de reproduzir indeterminadamente certo meio que se configurou numa paisagem para Algu�m, mas esta n�o � para o Dasein da rela��o mediada. Esta representa��o n�o ocorre ao modo do hic et nunc, que pressup�e a particularidade espa�o-temporal da concep��o. Ademais, as representa��es eletr�nicas cerceiam os sentidos quando predomina uma forma sens�vel para sua capta��o e tal procedimento � partir da destotaliza��o da totalidade que � o do homem para reconstitu�-lo numa esp�cie de mosaico de representa��es sens�veis. O que � inconceb�vel.
181
comunicativo. Isso leva muitas pessoas a afirmarem a exist�ncia de um espa�o virtual que
incorre na dissolu��o das dist�ncias e da pr�pria materialidade, al�m dos desvarios que
consideram a internet uma esp�cie de mundo paralelo e a exist�ncia de uma vida virtual. Cabe
posicionar os termos, inclusive o pr�prio homem para esta rela��o. O ser � aqui. Eis uma
condi��o irremedi�vel da exist�ncia humana. � no mundo, coexistindo a outros seres e entes
que o homem �. A representa��o objetiva n�o exclui de qualquer modo a mat�ria que a
motiva, pelo contr�rio, � indissoci�vel dessa. � por meio da manipula��o das representa��es
objetivas que possibilita aos homens realizar suas tarefas cotidianas e se relacionar com o
mundo de um novo modo. Novo, porque a materialidade que constitui a rede de Internet pode,
de certo modo, ser eclipsada pelo internauta em prol de uma rela��o objetiva.
A diferen�a substancial reside no fato que a contradi��o para a ideia est� numa mesma
mat�ria, o hardware, para um conjunto diferente de objetividades que s�o expressas por ele
sob a possibilidade da instrumentalidade. O computador � um objeto multifuncional, com
predomin�ncia das representa��es objetivas para sua manipula��o. Contudo, � necess�rio ser-
aqui para manipul�-lo, ou seja, estar e ser no mundo.
O conceito de ser-no-mundo n�o se restringe somente a um complexo de rela��es de
localiza��es determinadas e indeterminadas, objetiva e subjetivamente; ele � entendido como
n�cleo de identidade em rela��o a certo meio como espa�o-tempo vivido, que indica o
entendimento do ser-no-mundo, conforme Silva (1996a, p. 114):
A id�ia penetrou a hist�ria e dela retornou como id�ia. Mas, inicialmente como abstra��o – que libera o sonho e a fantasia –, depois, como concretude, como sensa��o – que acorrenta os p�s no mundo da reifica��o. Como ultrapassar a petrifica��o do dado transcorrido?Fazer isso � penetrar no mist�rio da Hist�ria. Mas, n�o s� a hist�ria do acontecimento, mas a hist�ria do lugar. Ent�o, a hist�ria do lugar confunde-se com o lugar da hist�ria, na experi�ncia que se tornou dado transcorrido.Mas, a mem�ria alerta para o presente da imagem. As determina��es e indetermina��es do passado tornam-se motiva��es do presente. E o presente aglutina o passado e o futuro na viv�ncia de fluxo vivido.
E,
Importa avan�ar em dire��o ao desconhecido.O desconhecido � a despetrifica��o do espa�o-tempo vivido.H� de recuperar a vis�o da apar�ncia, que detona o ser e com ele a forma.Ora, recuperar a vis�o da apar�ncia � o “ver” carregado de subjetividade.O espa�o-tempo vivido �, assim, apenas uma media��o. H� que ultrapassar seu significado emp�rico, para a id�ia repor-se como id�ia, ou seja, como abstra��o. (grifo nosso) (SILVA, 1996a, p. 114)
182
Dividimos uma mesma passagem em duas partes a fim de melhor explor�-las, pois,
por estas assertivas realizadas por Silva, elas n�o s� nos possibilitam identificar o lugar como
o espa�o-tempo vivido pelo ser-no-mundo, mas a sua pr�pria supera��o em dire��o ao
entendimento do mundo de modo concreto.
Inicialmente, levando em conta as considera��es de Silva a partir das identifica��es
das formas coexistentes em determinado meio � poss�vel, pela contradi��o primitiva, atribuir
significados para cada uma delas denominando-as para, em seguida, organiz�-las no
pensamento conforme o modo de sele��o e classifica��o empreendido por um ser. Estas
denomina��es s�o realizadas pela rela��o da consci�ncia para certo objeto e incorrem numa
diferencia��o que, por sua vez, remete a um “antes” e um “depois” de certa experi�ncia como
vivida e, portanto, as formas podem ser associadas de modo simples, assim como o seu
conjunto. Contudo, denominar n�o � um procedimento restrito a um sujeito, se refere a um
conjunto de significados constru�dos socialmente para que seja poss�vel a permuta entre os
diferentes sujeitos. A permuta se realiza pela contradi��o entre o significante e o significado
estabelecido mediante a uma rela��o de ser e ao n�s-sujeito e ao n�s-objeto em que a ideia
abstrata se confronta com a ideia concreta em forma��o. Na medida em que tais
denomina��es s�o reconhecidas socialmente tornam-se uma indica��o dos lugares onde se
realizam certas experi�ncias. Estabelece-se um top�nimo.
O top�nimo constru�do por uma coletividade e/ou sociedade se trata da representa��o
locacional das suas respectivas mem�rias para o ato executado, assim como para seus
projetos. O seu conjunto aponta um sistema de refer�ncia geogr�fica. � pela capacidade
humana de identificar e denominar os lugares que se torna poss�vel a cria��o das
representa��es dos lugares nas suas mais variadas formas – escrita, oral e visual que se
manifestam por meio de f�bulas, contos, romances, pinturas, filmes etc.
� descrevendo o lugar e sua hist�ria e que este � para determinado homem o lugar da
hist�ria. A hist�ria homem se relaciona de modo �ntimo com a hist�ria do lugar e a Hist�ria
dos homens no mundo. E o homem, como Dasein, presente a certo meio, tem no espa�o-
tempo vivido, no conflito entre as necessidades e as possibilidades pret�ritas, a motiva��o do
presente que, por sua vez, � a s�ntese do passado que fora e do futuro como projeto na
viv�ncia do fluxo vivo do presente.
Os lugares passam a ter significado para determinado homem ou coletividade n�o
somente pela localiza��o e denomina��o, mas pela rela��o contradit�ria na forma de
identidade com certo meio em que as pr�prias significa��es tiveram como significantes estes
183
homens e que os produzem como demiurgos e criaturas de uma mesma hist�ria. Quando
pensamos em diferentes lugares estamos associando localiza��es a experi�ncias bem
definidas, ou seja, a localiza��o da experi�ncia de um fen�meno em sua rela��o com os
demais.
N�o poder�amos deixar de supor que a rela��es mediadas pela Internet n�o estejam de
acordo com estas premissas, pois o homem para um computador est� num lugar, que designa
certo meio. Contudo, as representa��es poss�veis pelo computador, enunciam lugares aos
homens, mas elas, representa��es, lugares? Ou melhor, o lugar representado se trata de um
lugar para o internauta? O s�tio eletr�nico seria um lugar?
Entendemos que uma indaga��o pode levar a outra, pois se considerarmos que o s�tio
eletr�nico se trata de um lugar, assim como, o representado eletronicamente � um lugar. No
pr�prio lugar de exist�ncia do Dasein o representado como lugar � um dos elementos do
lugar. Por um lado, o lugar representado pela media��o eletr�nica s� pode ser representado
por Algu�m que est� alhures. Por outro, o lugar s� pode ser concebido a partir da exist�ncia do
ser em rela��o a determinado meio, presente e part�cipe aos constrangimentos das iner�ncias
materiais que caracterizam a hist�ria do lugar e, consequentemente, a hist�ria do ser.
Pela primeira assertiva � poss�vel conjecturar que pelas formas representadas pelo
computador, em seu conjunto coerente, comp�e-se uma p�gina eletr�nica que, por sua vez,
constitui um s�tio eletr�nico que, por sua vez, pode se tratar de um lugar. Neste caso, a p�gina
eletr�nica entendida como lugar seria um lugar sem localiza��o, sine l�cus, pois a pr�pria
representa��o seria uma localiza��o-deslocalizada, deslocando o internauta, enquanto
ess�ncia destitu�da de exist�ncia, para alhures. Como isso?
O meio com suas iner�ncias materiais � suprassumido em prol da representa��o
objetiva. A consci�ncia tem como �nico foco a representa��o. Imerge-se nela para se
identificar o “isto” e “aquilo”, o “aqui” e “agora” e o “antes” e o “depois”, realizando sele��es
e classifica��es das formas coexistentes para ent�o associ�-las aos seus respectivos conte�dos,
identificando a operacionalidade do s�tio eletr�nico por meio de suas p�ginas eletr�nicas. A
p�gina e o s�tio eletr�nico s�o representa��es que se correlacionam conforme a utiliza��o dos
s�mbolos e signos pelo internauta. A representa��o de determinado lugar pela forma
representativa, que � a p�gina eletr�nica, � apenas um dos elementos de informa��o que a
constituem, seja como foto, v�deo ou mesmo som. O lugar representado aponta certo lugar
que pode ser identificado pela sua hist�ria, suas din�micas espec�ficas e, inclusive, por suas
coordenadas geogr�ficas, mas de modo distante.
184
Tomemos uma proposi��o de Ren� Descartes, notadamente, o cogito ergo sum33, para
buscar desenvolver esta asser��o. Fil�sofo religioso, Descartes buscou, pelo desenvolvimento
de suas teorias, atender determinadas quest�es relativas � sua �poca, contudo n�o
negligenciava um di�logo com os preceitos crist�os e dividiu a realidade em duas categorias:
res extensa e res cogitans. A primeira se refere � extens�o material e a segunda ao imaterial –
como os pensamentos, sentimentos e as experi�ncias religiosas.
Por mais que algumas ci�ncias “duras” possuam como fundamento a busca pelo
entendimento das din�micas que caracterizam o res extensa, Descartes fundava a realidade
n�o no mundo f�sico e sim no imaterial, no pensamento, como expressado pela sua
supracitada formula��o. Estes s�o uns dos princ�pios que fundam a dualidade entre o corpo e
a alma que, posteriormente, algumas ci�ncias modernas, principalmente ap�s a revolu��o
cient�fica, buscam eliminar por meio de uma abordagem da realidade estritamente fisicalista.
O que nos interessa, dentre essas considera��es, � a dissocia��o entre alma e corpo ou sujeito
e objeto ainda muito presente no desenvolvimento dos mais variados estudos nas Ci�ncias
Humanas, o que � acentuado quando as rela��es s�o mediadas eletronicamente.
Num determinado sentido, revelamos com o ciberespa�o uma esp�cie de espa�o eletr�nico da mente. Quando “vou” ao ciberespa�o, meu corpo permanece em repouso na minha cadeira, mas algum aspecto de mim “viaja” para outra esfera. N�o quero sugerir com isso que deixo meu corpo para tr�s. Pessoalmente, n�o acredito que mente e corpo passam se separar – seja durante a vida ou ap�s a morte. O que estou sugerindo � que, quando estou interagindo no ciberespa�o minha “posi��o” n�o pode ser mais fixada puramente por coordenadas no espa�o f�sico. Estas s�o certamente partes da hist�ria, mas n�o da hist�ria inteira – se � que alguma vez os s�o. Quando estou on-line a quest�o de “onde” estou n�o pode ser plenamente respondida em termos f�sicos. Aqui, de alguma maneira, h� um cercadinho em que o exclu�do “Eu” cartesiano pode brincar – uma esp�cie de res cogitanstecnol�gica. (WERTHEIM, 2001, p. 30)
A autora sugere que ao usu�rio, navegar pela Internet no��es espaciais representadas
pelas express�es “onde” e “posi��o” sofrem significativas altera��es na medida em que n�o �
poss�vel identificar tal ou qual ponto em que � estabelecida essa rela��o ao modo de
coordenadas f�sicas. E ela conclui afirmando que o espa�o eletr�nico da mente � um
cercadinho – lugar? – em que o “Eu” cartesiano pode brincar. Um ponto a ser considerado, �
que a autora afirma n�o desenvolver a dissocia��o entre corpo e mente. Averiguemos.
33 Em latim, “penso logo estou”.
185
Com certeza o “onde” quando estou on-line n�o pode ser respondido em termos
estritamente f�sicos pela utiliza��o de coordenadas que indique a “posi��o” do internauta que
estabelece a rela��o. Poder�amos contra-argumentar esta asser��o quando utilizamos
determinados softwares que indicam a posi��o do usu�rio por meio de coordenadas
geogr�ficas pela localiza��o do TCP/IP. Mas esta quest�o deve ser respondida em outros
termos, levando em conta uma rela��o fundamental, ou seja, a minha posi��o n�o pode ser
determinada para o Outro e sim para o Para-si. Em outras palavras, Eu sei onde estou, estou
diante de um computador e suas representa��es, que � um elemento do meio, da paisagem e
do lugar para Mim. Eu para o Outro sou um ser conjectural em alhures, assim como o Outro
para Mim.
Trata-se de posicionar os termos da rela��o e n�o confundi-los. Mesmo considerando
que o “corpo fica” enquanto a “mente viaja”, por uma rela��o estritamente caracter�stica do
Para-si em que o “Eu” cartesiano brinca enquanto o corpo aguarda ansiosamente seu retorno,
� considerar sob um novo r�tulo a dualidade entre corpo e mente. O corpo reage aos est�mulos
das representa��es objetivas enquanto h� o movimento do pensamento. O corpo n�o � um
elemento inerte nesta rela��o. Trat�-lo como tal �, no limite, reificar o ser-do-homem.
Nada parece mais simples do que manusear um teclado e clicar um mouse. Essa � imagem que se costuma ter do internauta: algu�m, que, imobilizado, absorvido virtualmente � tela at� as raias da hipnose, aperta reiteradamente o mouse para produzir efeitos na tela. Contudo, n�o h� nada mais enganoso do que esta imagem. Por tr�s da a��o de manusear e clicar, h� muitas complica��es. [...] Assim, quando as pontas dos dedos tocam o teclado e o mouse, sistemas musculares muito sutis est�o em a��o. Se recordarmos a classifica��o gibsoniana dos sistemas que envolvem os m�sculos, classifica��o esta baseada na a��o propositada, que � muito justamente o tipo de a��o que rege o toque no mouse, veremos operando nesse toque, em primeiro lugar, a��o do sistema postural, visando ao equil�brio do corpo n�o apenas em rela��o a sua orienta��o com o ch�o no ambiente f�sico em que o usu�rio se encontra, mas tamb�m em rela��o aos objetos que se encontram na tela. Esta operando ainda o sistema investigativo de orienta��o com seus ajustamentos de cabe�a, olhos e m�os. Mesmo estando com o corpo parado o sistema de locomo��o esta em opera��o, buscando as posi��es mais favor�veis � percep��o dos ambientes do ciberespa�o. Por isso mesmo, busca-se a aproxima��o da informa��o visual por meio de zoom, desvia-se de uma informa��o para outra etc. para isso o sistema performativo deve estar acionado, como, de fato, est�, pois � um sistema que depende inteiramente das m�os. (SANTAELLA, 2004, p. 145-149)
Concordamos com o processo descrito por Santaella, pois mesmo quando retemos
nossa aten��o na tela n�o deixamos de perceber o que ocorre ao nosso redor. O sistema
postural mant�m o homem em contato constante com o meio, o qual propicia o equil�brio do
186
corpo e possibilita que os outros sistemas perceptivos operem. A intera��o com certas
representa��es mediadas eletronicamente n�o denota a estagna��o do corpo, pelo contr�rio, �
pelo movimento do corpo e seus diversos sistemas perceptivos empreendidos de modo
un�voco para a realiza��o de certa tarefa que � poss�vel manipular as representa��es
eletr�nicas e navegar na Internet.
N�o h� dissocia��o entre corpo e mente e tampouco h� o espa�o eletr�nico da mente.
H� representa��es eletr�nicas as quais retemos nossa aten��o para poder manipul�-las
segundo nosso projeto e em conformidade com a necessidade da antipr�xis da hiperm�dia. No
atual per�odo a dissocia��o entre corpo e mente emerge sob novo r�tulo devido, em muito, as
rela��es medidas pela Internet. Como por exemplo, a met�fora que o filme Matrix ajudou a
disseminar: o corpo plugado � deixado para tr�s como um peso morto enquanto a mente viaja
liberta dos constrangimentos da carne e do meio.
As p�ginas e os s�tios eletr�nicos podem conter imagens que representam lugares para
Algu�m, os quais os internautas podem tomar contato pela Internet. O internauta � um dos
modos do Dasein que est� em certo lugar e � no mundo. O s�tio eletr�nico n�o � um lugar,
mas se trata de um dos elementos representados de certo lugar por outro Dasein. O ser
vivencia certo espa�o-tempo em que a mais forte de suas manifesta��es � a materialidade.
A representa��o do lugar talvez tenha sentido quando fora vivenciado pelo Dasein
como ser fact�vel naquele lugar em que ele n�o est� em presen�a. Reconhecer por uma
representa��o certo lugar o qual vivenciei designa uma s�rie de rela��es significativas e
org�nicas estabelecidas com o meio. Reconhe�o o lugar nos seus aspectos singulares, em que
a particularidade e a universalidade s�o repostas pela singularidade vivida. Caso contr�rio, o
reconhecimento de um lugar onde nunca estive s� pode ocorrer quando baseado nos seus
aspectos universais, em que os ju�zos de valores s�o fruto t�o e somente de consenso social.
Por exemplo, a representa��o de uma praia pode nos indicar a ideia de aconchego, de belo, de
prazeroso etc. e por sua representa��o, a possibilidade de estar veranista quando a
apreendermos. Trata-se da ideia difundida e socialmente aceita de praia que media esta
significa��o e n�o a rela��o singular que tive com o lugar representado. � uma esp�cie de
fulgura distorcida de certo lugar, pois � necess�rio vivenciar o lugar para s�-lo.
Em suma, a representa��o de certo lugar � o modo como Algu�m lhe a-presenta,
convidando-o para estar presente para..., mas n�o sendo para... Se, sugere que seja para uma
representa��o e se esteja em rela��o com dado meio em que uma m�quina media a rela��o.
Todavia, o internauta � e est� para o meio e para o lugar em que se realizam as representa��es
de alhures.
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Pelos pressupostos existencialistas, amplamente utilizados por Silva, reiteramos nessa
discuss�o que � necess�rio estar para ser, ou melhor, o homem � estando sendo e a exist�ncia
do ser para determinado meio � fundamental para que haja o lugar. O ser n�o � estando em
alhures que sua consci�ncia projeta e tampouco pelas proje��es para sua consci�ncia. O
Dasein n�o se des-substancializa. N�o h� de um lado a ess�ncia e do outro a exist�ncia. A
separa��o ess�ncia e exist�ncia ou, em outros termos, a separa��o sujeito e objeto n�o pode
ser levada adiante tanto para as rela��es mediadas eletronicamente como para aquelas pelo
Dasein em presen�a. O homem deve ser considerado como o pr�prio objeto de seu sujeito,
como coloca Tom�s de Aquino, mas, para n�s e de modo invertido, o ente do ser, em que um
dos entes no mundo � o pr�prio homem enquanto facticidade de ser.
Estas separa��es dicot�micas s�o t�o ing�nuas quanto aquela entre mente e corpo, pois
� necess�rio a facticidade de ser para que as representa��es eletr�nicas emirjam ao internauta
por sua pr�xis. N�o � poss�vel se navegar na Internet pelo “poder” da mente, � necess�rio o
corpo, o computador e seus perif�ricos em sua materialidade para que cada ato do internauta
corresponda a uma representa��o eletr�nica. O ato ou a pr�xis � a objetiva��o do seu
pensamento na mat�ria, mas a materialidade do computador pode ser suprassumida em prol
das suas representa��es objetivas, que nada mais s�o do que um invent�rio funcional e
informacional.
A diferen�a substancial � que o computador s� pode revelar sua instrumentalidade
quando se manipula determinado software que, por sua vez, possui fun��es espec�ficas – por
exemplo: editores de textos, de planilhas, de ilustra��es e gr�ficos, gerenciadores de
mensagens, executadores de �udio e v�deo etc. O computador sem ser carregado por um
software n�o possui instrumentalidade nenhuma, � este que o qualifica. Enquanto, o martelo
serve para martelar e o serrote para serrar, denotando certa fun��o espec�fica para o objeto, o
computador � um objeto multifuncional quando carregado por diferentes softwares.
O conflito entre a pr�xis e a antipr�xis dessa rela��o s�o m�ltiplos, justamente porque
as instrumentalidades poss�veis pelo computador s�o m�ltiplas. O pr�tico-inerte s� se revela
para internauta quando se reconhece as intencionalidades atribu�das ao objeto pela
manipula��o de determinado aplicativo de Internet. � neste sentido, que o usu�rio pode
imergir nas representa��es eletr�nicas para, ent�o, poder identificar como cada forma
representada pode possuir uma fun��o ou quando um conjunto de formas representadas que
comp�em determinada p�gina eletr�nica possui certa instrumentalidade, assim como, o
pr�prio s�tio. Basta o usu�rio entender a l�gica estabelecida pelas representa��es para poder
utiliz�-lo.
188
O modo de estrutura��o das informa��es de hiperm�dia ir� definir o modo de
navega��o do usu�rio, ou seja, � necess�rio que o usu�rio interprete certa l�gica estabelecida
pelo conjunto de representa��es de certa p�gina eletr�nica para que possa exercer a
instrumentalidade do computador conforme seus projetos. Realiza-se uma esp�cie de simbiose
entre os projetos de Algu�m, identificado pela objetividade das representa��es, com aqueles
que os usu�rios empreendem. Ou melhor, para que os projetos dos usu�rios sejam executados
� necess�rio conduzi-los conforme os projetos de Outrem. O cerceamento dos projetos dos
internautas muitas vezes n�o � entendido como tal e sim como realiza��o do Meu projeto por
meio de certo objeto.
4.3. Pelo lugar, as territorialidades
A rela��o un�voca entre as intencionalidades materializadas nos objetos e a��es porvir
� o que caracteriza o pr�tico-inerte. Para as rela��es de Internet, a antipr�xis se apresenta aos
internautas pela materialidade do computador e seus perif�ricos e na objetividade da
hiperm�dia estruturada, como uma esp�cie de “janela” para utiliza��o do sistema; a pr�xis se
revela pelos projetos dos internautas quando mediados por esse sistema de telecomunica��o.
A pr�pria m�quina remete � linguagem por ela utilizada e designa aos internautas o modo
como deve se estabelecer a rela��o para que seus projetos sejam, mesmo que parcialmente,
executados.
O objeto enuncia o tipo de usu�rio que se deve ser para que haja a sua utiliza��o, uma
indica��o que n�o � aleat�ria e sim espec�fica. Trata-se de uma enuncia��o de determinada
pr�xis pela antipr�xis objetivada no objeto que sugerem aos homens os atos porvir, tanto o
seu modo como a sua ordem. � o ato que se transforma em fato e coloca os caminhos a serem
seguidos. Tomemos algumas considera��es de Marx (apud Luk�cs, 1979, p. 68) para esta
discuss�o:
Em primeiro lugar, o objeto n�o � um objeto geral, mas um objeto determinado, que deve ser consumido de determinada maneira, esta, por sua vez, mediada pela pr�pria produ��o. A fome � fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come com faca e garfo, � uma fome muito distinta da que devora carne crua, com unhas e dentes. A produ��o n�o produz, pois, unicamente o objeto de consumo, mas tamb�m o modo de consumir, ou seja, n�o s� objetiva, mas tamb�m subjetivamente. (grifo nosso)
189
Marx menciona que determinado objeto exige que seu consumo seja realizado de
determinado modo, o qual � uma media��o da pr�pria produ��o. A produ��o, em seu sentido
gen�rico, pressup�e que quaisquer atos por meio de quaisquer objetos os reproduzam de
determinada maneira e por esse ato modifica-se o ser e o objeto. Reproduz a antipr�xis pela
pr�xis dos homens na medida em que pela produ��o se estabeleceu o modo de consumo do
objeto que entra em contato com o ser sob a forma de fun��es espec�ficas.
Pela instrumentalidade � que se estabelece a rela��o entre o ser e os objetos. � na
identifica��o de suas fun��es e pelo seu uso que os objetos ganham “corpo” social. Os
homens reconhecem nos objetos outra pr�xis que n�o a sua, ora como for�a contr�ria e ora
n�o, para se estabelecer uma rela��o rec�proca entre duas pr�xis. Que � o fundamento do uso
do objeto e de sua instrumentalidade.
� o objeto material que, por sua media��o, coloca em evid�ncia a reciprocidade. Ainda assim, ela n�o � vivida como tal: aquele que recebe, se aceita receber, apreende o dom, ao mesmo tempo, como testemunho de n�o hostilidade e como obriga��o para si mesmo de tratar os rec�m-chegados como hospedes. [...] Nesse sentido, a reciprocidade � uma estrutura permanente de cada objeto: definidos, de antem�o, como coisas pela pr�xiscoletiva, superamos nosso ser produzindo-nos como homens entre os homens e deixamo-nos integrar por cada um na medida em que cada um deve ser integrado em nosso projeto. (grifo do autor) (SARTRE, 2002, p. 220-222)
� necess�rio que o ato que ir� atribuir certa instrumentalidade aos objetos seja
conforme as a��es primeiras que o conceberam, para que os projetos e as a��es d�spares se
coadunem sob uma mesma l�gica. O entendimento da l�gica de funcionamento de
determinado objeto � o que possibilita seu manuseio especializado para cumprir fins
espec�ficos e coloca o homem como ser social. Integramo-nos a outros projetos e eles aos
nossos, pois o objeto � uma express�o “passiva” da pr�xis orientada pela sociedade.
De modo muito similar, Santos trata das intencionalidades atribu�das aos objetos
afirmando que “os objetos t�m um discurso, que vem de sua estrutura interna e revela sua
funcionalidade. � o discurso do uso, mas tamb�m, o da sedu��o.” (SANTOS, 1994, p. 103).
Poder�amos entender que a estrutura interna, � qual se refere Santos, � o conjunto de sistemas
de a��es e objetos que se expressam aos homens na forma de determinado objeto enquanto
totalidade em totaliza��o. Pelo seu pr�prio modo de produ��o, o objeto revela as
intencionalidades a ele atribu�das que enunciam seu uso ou a forma de sua instrumentalidade
e carrega elementos ideol�gicos que se p�em na permuta.
190
O uso da Internet � um modo de rela��o que n�o escapa a essas premissas, pois o que
confere o car�ter de sistema a esse meio de telecomunica��o � o ato de determinado internauta
quando ele solicita certas aplica��es por meio da hiperm�dia. Para solicit�-las � necess�rio que
o internauta detenha um entendimento m�nimo do um conjunto articulado de representa��es
simb�licas que caracteriza a hiperm�dia, como certo tipo de linguagem.
A forma de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia � pr�via e intencional, o
modo como o internauta ir� navegar j� fora definido, ou seja, pela identifica��o das m�ltiplas
determina��es atribu�das pelo modo de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia � que os
internautas realizam a permuta de informa��es e se comunicam por esse sistema de
telecomunica��o em concord�ncia com certa estrutura estabelecida.
A estrutura��o das informa��es em hiperm�dia, assim como, a estrutura que � o
pr�prio computador e seus perif�ricos, s�o algumas das estruturas apresentadas aos
internautas para este sistema de telecomunica��o que � a Internet. A totaliza��o que � este
sistema de telecomunica��o � fundada e fundante da totalidade apresentada aos internautas e
designa que sua pr�xis seja conforme a antipr�xis. O objeto assinala a maneira singular como
deve ser consumido pelos homens, contraditoriamente, esse processo estabelece um perfil
particular e, at� mesmo, universal de ser-no-mundo. O internauta, nada mais �, que um dos
modos de ser-no-mundo em que � condicionado e condicionante das rela��es quando
mediadas pela Internet.
A capacidade de manipula��o dos internautas para certos aplicativos de Internet � uma
das maneiras que podemos aferir o quanto a antipr�xis pode indicar a pretensa
universaliza��o das a��es dos homens. Deste modo, atentemos a alguns dados colhidos por
uma pesquisa realizada pelo “N�cleo de Informa��o e Coordena��o do Ponto br”,
especificamente, por um de seus �rg�os, o “Centro de Estudo sobre as Tecnologias da
Informa��o e da Comunica��o”.
191
TABELA 1
HABILIDADES RELACIONADAS AO USO DA INTERNET NO BRASIL, 2009
Percentual (%)em rela��o ao total da popula��o
Busca na
Internet
Enviare-mails
com arquivos anexados
Enviar mensagens em chats
Fazer liga��es
telef�nicaspela
Internet
Compartilhar arquivos
Criar uma
p�gina na
Internet
Baixar e instalar
softwares
Nenhuma das
mencionadas
TOTAL BRASIL 41 27 19 5 11 11 12 57
�REAURBANA 45 30 21 6 13 12 14 53
RURAL 19 8 7 1 3 4 3 80
REGI�ES DO PA�S
SUDESTE 47 33 23 7 14 14 17 51
NORDESTE 32 18 14 3 7 6 5 67
SUL 44 29 19 6 12 11 12 53
NORTE 32 18 13 3 9 11 6 66
CENTRO-OESTE 42 29 20 7 15 11 15 53
SEXOMasculino 42 27 20 6 13 12 15 56
Feminino 40 26 18 5 10 10 10 58
GRAU DE INSTRU��O
Analfabeto/Educa��o
infantil8 3 2 - 1 1 1 91
Fundamental 37 18 15 3 8 9 7 60
M�dio 65 43 31 8 18 18 18 32
Superior 90 79 51 19 34 27 43 8
FAIXA ET�RIA
De 10 a 15 anos 58 27 22 3 11 12 9 36
De 16 a 24 anos 72 52 41 9 25 22 23 25
De 25 a 34 anos 55 39 27 9 18 15 19 43
De 35 a 44 anos 31 21 12 4 7 8 10 67
De 45 a 59 anos 18 11 5 3 3 4 5 81
De 60 anos ou mais 5 3 1 1 1 1 1 94
Fonte: Cetic.br
Pelos dados da Cetic.br � poss�vel constatar que h� uma amplitude consider�vel para a
manipula��o e desenvolvimento de habilidades relacionadas aos aplicativos para o uso da
Internet pelos os internautas residentes nas �reas urbanas em detrimento daqueles das �reas
rurais. Desses, s�o os internautas da Regi�o Sudeste o que mais se destacam pela manipula��o
dos aplicativos em geral.
Parte desse fen�meno pode ser explicado pela concentra��o dos objetos que
estruturam a rede de Internet nos principais centros urbanos do pa�s, assim como, boa parte da
192
estrutura para este sistema de telecomunica��o est� na Regi�o Sudeste, notadamente, no
Estado de S�o Paulo, o que possibilita acesso facilitado � rede.
Quanto maior o n�vel de instru��o, maior � a possibilidade manipula��o mais acurada
dos aplicativos de Internet. Por outro lado, percebemos que os internautas com idade entre 10
e 24 anos s�o os que melhor sabem manipular os aplicativos de Internet. Isso pode ser
relacionado com os dados precedentes, pois parte desses internautas s�o aqueles que
frequentam os n�veis fundamental, m�dio e superior de escolariza��o.
Constatamos dois fatos a partir dos dados. O primeiro, quanto maior o grau de
instru��o de certo internauta maior � o n�mero de linguagens e de l�gicas que eles conseguem
interpretar, o que pode facilitar a manipula��o dos aplicativos de Internet e a compreens�o
quanto � l�gica de funcionamento do sistema. Segundo, de modo geral, como s�o os
internautas da menor faixa et�ria que melhor manipulam os aplicativos de Internet, supomos
que al�m das linguagens e das l�gicas que podem ser aprendidas a partir dos meios
institucionalizados de ensino-aprendizagem, o fato da pr�pria linguagem computacional e sua
l�gica de funcionamento est� mais difundida do que outrora possibilita um meio de permuta
social t�o comum como tantos outros utilizados. Estabelece-se um processo de
“naturaliza��o” da t�cnica e de suas a��es como elemento necess�rio para a sociabilidade.
Por outro lado, aqueles usu�rios da faixa et�ria mais elevada s�o os possuem maior
dificuldade para a manipula��o dos aplicativos, o que poderia denotar que as linguagens e
l�gicas por eles aprendidas podem ser um elemento de resist�ncia a uma nova linguagem e a
uma nova l�gica ou que algumas exig�ncias sociais n�o impelem essas pessoas do mesmo
modo que as outras da faixa et�ria menor.
Pela an�lise dos dados da Cetic.br somente conseguimos estabelecer aproxima��es
gen�ricas e contradit�rias quanto ao desenvolvimento das habilidades de manipula��o dos
aplicativos de Internet e sua respectiva l�gica de funcionamento. Entendemos que muitas
dessas aproxima��es devem ser melhor estudadas para que a pesquisa tenha maior acuidade
para ser utilizada para fins sociais. Mas, o que nos preocupa � o fato de que h� uma grande
amplitude quando levados em conta os dados segundo as faixas et�rias que podem levar que
se estabele�am simples constata��es, como ora fazemos: quanto maior a idade de certo
indiv�duo maior a dificuldade de se manipular a linguagem de computa��o. O que � uma
correla��o temer�ria.
Pelas pesquisas de campo que realizamos nos anos de 2010 e 2012 conseguimos
colher alguns dados que podem colaborar para esta discuss�o. A pesquisa de campo foi
realizada em duas lan houses na cidade de Presidente Prudente, a primeira no m�s de
193
fevereiro de 2010 e a segunda no m�s de fevereiro de 2012. A primeira lan house, Dragon,
onde aplicamos o question�rio e a pesquisa participativa, se encontra localizada no Centro da
cidade – especificamente, na Rua Rui Barbosa, 61 – e a segunda, Inter house, num bairro
perif�rico, Jardim Eldorado – especificamente, na Avenida Paulo Marcondes, 355.
Pela an�lise sistem�tica que antecedeu a aplica��o da pesquisa, constamos que na
segunda lan house h� maior presen�a de jovens, dos quais muitos n�o possuem computador e
acesso � Internet em suas resid�ncias, est�o desempregados, n�o conclu�ram o Ensino M�dio
e, em geral, residem numa �rea do bairro menos assistida de infraestrutura. Na primeira lan
house h� uma maior presen�a de adultos, sendo boa parte, de profissionais que desenvolvem
suas atividades na �rea central da cidade – majoritariamente de car�ter comercial – e
estudantes que se deslocam at� ela para afazeres em geral. Foram, no total, entrevistados 22
usu�rios, sendo 11 em cada lan house, em dias alternados, que n�o compreendiam nem
v�spera de feriados, feriados ou finais de semana.
Tomamos como indicativos para a realiza��o dessa pesquisa aquela realizada por
Santaella (2004, p. 55-72), com 45 internautas, que visava identificar certo perfil capaz de
delinear os tra�os definidores do modo de interpretativo do internauta e entender o modo
como os homens se relacionam com as representa��es de Internet. O perfil do internauta
identificado por Santaella � caracterizado pela proemin�ncia de certos procedimentos da raz�o
no ato de navegar. A abdu��o e indu��o s�o procedimentos da raz�o que caracterizam,
quando proeminentes, os internautas mais leigos. O primeiro tem rea��es aleat�rias para certa
ocasi�o – procedimento de tentativa e erro – e o segundo, pelas tentativas bem sucedidas
busca aplic�-las a quaisquer situa��es. O que os diferenciam dos internautas avan�ados ou
previdentes, que s�o aqueles que reagem conforme as situa��es que lhe s�o apresentadas,
porque fora vivenciada e entendida.34
Os objetivos apontados por Santaella para essa pesquisa s�o similares aos nossos, ou
melhor, tomamos sua pesquisa etnogr�fica como refer�ncia para aferi��o emp�rica da nossa
pesquisa por meio da aplica��o de um question�rio fechado35 e uma entrevista participativa
que prop�nhamos certas problem�ticas a determinados usu�rios, em conformidade com seu
n�vel de compreens�o dessa linguagem. As problem�ticas que propusemos pretendiam se
adequar ao n�vel de conhecimento do entrevistado, o qual oferecia par�metros ao
entrevistador, por meio das respostas colhidas do question�rio fechado.
34 Cf. SANTAELLA, 2004, p. 117.35 Modelo do question�rio em forma de anexo.
194
O question�rio fechado consta com: pseud�nimo, sexo, idade, grau de escolaridade,
profiss�o, se possui computador, frequ�ncia de uso do computador, frequ�ncia de uso da
Internet e que tipo de uso se faz dela. Em seguida, para cada entrevistado foi proposta uma
tarefa de navega��o, ou seja, a resolu��o de um problema relacionado � “localiza��o”,
“deslocamento” e objetividade do imergir nas representa��es, adequado ao n�vel de
dificuldade previsto para a escala que o usu�rio se enquadra – leigos, intermedi�rios e
avan�ados. Se um determinado usu�rio demonstrar facilidade para a resolu��o do problema a
ele atribu�do, era lhe proposto outro problema na escala subsequente de acordo com seus
h�bitos de navega��o na Internet.
A partir da coleta, tabula��o e an�lise dos dados constatamos a satura��o amostral para
o modo proeminente de navega��o dos internautas entrevistados, corroborando com os dados
dos 45 internautas entrevistados por Santaella.
O fechamento amostral por satura��o te�rica � operacionalmente definido como a suspens�o de inclus�o de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avalia��o do pesquisador, uma certa redund�ncia ou repeti��o, n�o sendo considerado relevante persistir na coleta de dados. Noutras palavras, as informa��es fornecidas pelos novos participantes da pesquisa pouco acrescentariam ao material j� obtido, n�o mais contribuindo significativamente para o aperfei�oamento da reflex�o te�rica fundamentada nos dados que est�o sendo coletados. (FONTANELLA et. al., 2008, p. 17)
A satura��o amostral para essa pesquisa participativa ocorreu a partir dos 11 primeiros
entrevistados, pois j� hav�amos constatado certo perfil para o modo de navega��o do
internauta. Os outros 11 internautas entrevistados s� vierem a enfatizar o perfil determinado
quando levamos em conta a proemin�ncia de certos procedimentos da raz�o para a navega��o
na Internet, em acordo com aqueles trabalhados por Santaella.
195
TABELA 2
DADOS GERAIS DOS ENTREVISTADOS EM PESQUISA DE CAMPO
Pseud�nimo Idade Grau de escolaridade
Possui computador
na resid�ncia
Tempo aproximado de
utiliza��o de computador
Possui acesso a
Internet na resid�ncia
Freq��ncia m�dia deutiliza��o
da Internet
Avalia��o do entrevistador
Internauta 1 49 Ensino M�dio/T�cnico Sim 13 anos N�o 1 vez por
semana Usu�rio leigo
Internauta 2 8Ensino
Fundamental incompleto
Sim 2 anos Sim Di�rio Usu�rio intermedi�rio
Internauta 3 42 Ensino M�dio/T�cnico Sim 16 anos Sim 3 vezes por
semana Usu�rio leigo
Internauta 4 30 Ensino Superior completo Sim 10 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 5 33 Ensino M�dio/T�cnico Sim 3 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 6 22 Ensino Superior incompleto Sim 15 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 7 29 Ensino Superior completo Sim 10 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 8 48 Ensino Superior completo Sim 14 anos N�o Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 9 21 Ensino Superior incompleto Sim 12 anos N�o Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 10 25 Ensino Superior completo Sim 13 anos Sim 3 vezes por
semanaUsu�rio
avan�ado
Internauta 11 22 Ensino Superior incompleto Sim 12 anos N�o Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 12 19 Ensino M�dio incompleto N�o 2 anos N�o Di�rio Usu�rio leigo
Internauta 13 18 Ensino M�dio incompleto N�o 5 anos N�o 3 vezes por
semanaUsu�rio
intermedi�rio
Internauta 14 22 Ensino M�dio incompleto Sim 10 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 15 46 Ensino M�dio completo Sim 3 anos Sim Di�rio Usu�rio leigo
Internauta 16 19 Ensino M�dio incompleto N�o 3 anos N�o 2 vezes por
m�s Usu�rio leigo
Internauta 17 30 Ensino Superior incompleto Sim 15 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 18 31Ensino
Fundamental incompleto
Sim 7 anos Sim Di�rio Usu�rio avan�ado
Internauta 19 37 Ensino Superior completo Sim 20 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 20 41 Ensino M�dio completo N�o 15 anos N�o Di�rio Usu�rio
intermedi�rio
Internauta 21 18 Ensino superior incompleto Sim 6 anos Sim Di�rio Usu�rio
avan�ado
Internauta 22 30 Ensino superior completo Sim 5 anos Sim Di�rio Usu�rio
intermedi�rio
Fonte: Trabalho de campo, 2010-2012.
Aplica��o e organiza��o: Antonio Bernardes
196
Desse modo, destacaremos somente alguns internautas entrevistados, notadamente,
aqueles mais significativos para esta pesquisa, para podermos analisar o seu modo de
navega��o e interpreta��o quando suas rela��es s�o mediadas pela Internet.
O Internauta 1 trata-se de um usu�rio de Internet com Ensino M�dio/T�cnico em
Contabilidade, mas, frisou que exerce a profiss�o de torneiro mec�nico, utilizando a Internet
para realizar pesquisas de car�ter geral, consultar s�tios eletr�nicos de empresas, realizar
or�amentos de materiais relativos ao exerc�cio de sua profiss�o e pesquisas de s�tios
eletr�nicos que tenham conte�do informativo acerca de autom�veis. O Google36 � o principal
s�tio eletr�nico utilizado pelo internauta.
Para a primeira problem�tica sugerimos ao entrevistado que ele acessasse o s�tio
eletr�nico que mais utiliza, o qual encontrou muitas dificuldades de manipula��o da
linguagem de hiperm�dia por se mostrar inseguro e oscilando com o ponteiro do mouse entre
os diferentes s�mbolos de modo aleat�rio. Acessou diversas ferramentas do navegador de
Internet, mas que n�o tinham quaisquer rela��es com o ato de navegar. Por fim, o usu�rio
desistiu da tarefa.
Para a segunda problem�tica, o entrevistador acessou o Google para o entrevistado por
este se mostrar irritado e constrangido pelo fato de n�o conseguir realizar a tarefa proposta e
por nos afirmar que sempre quando utiliza a Internet o Google � a home page. Assim,
solicitamos que acessasse quaisquer s�tios eletr�nicos que contenha informa��es relativas a
autom�veis. Mesmo com tal aux�lio o entrevistado se mostrava pouco confort�vel na medida
em que tentava digitar sem se sequer perceber que os toques que ele realizava no teclado n�o
estavam correspondendo a nenhum tipo de representa��o na tela. Quando ele percebeu,
selecionou a caixa de busca e acessou um dos primeiros s�tios eletr�nicos que lhe foram
sugeridos pelo Google para carros antigos, o Mercado Livre.
Para a terceira problem�tica, solicitamos que o entrevistado acessasse o s�tio eletr�nico
do provedor UOL, um dos mais acessados do Brasil. Ap�s in�meras tentativas frustradas, o
entrevistado digitou “UOL” na barra do navegador e como este possui um buscador acoplado,
apresentou-lhe o resultado para a pesquisa solicitada.
Identificamos esse entrevistado como um leigo quanto � manipula��o das informa��es
de hiperm�dia, pois n�o reconhecia os s�mbolos necess�rios para navegar e suas respectivas
fun��es, mas, principalmente, n�o entendia a l�gica de navega��o para realizar seus projetos
pela Internet, predominando o procedimento abdutivo para navega��o.
36 Conforme pesquisa realizada pelo Ibope/Nielsen, para o m�s de agosto de 2009, o Google, incluindo seu aplicativo de busca na Internet, � o s�tio eletr�nico mais acessado no Brasil.
197
Dentre os entrevistados constatamos somente um caso representativo de usu�rio
intermedi�rio, ou seja, que se caracteriza pela proemin�ncia da indu��o no ato de navegar.
Trata-se do Internauta 2, um usu�rio de Internet com 8 anos de idade, 4� ano do
Ensino Fundamental, que a utiliza para estabelecer relacionamentos em geral e para jogos on-
line, tanto que, tomamos contato com este usu�rio acompanhado do pai e do irm�o que
procuravam se divertir por meio de jogos em rede. Os principais s�tios eletr�nicos acessados
por este usu�rio s�o: Orkut, MSN, Many games, Dragon faible e Click jogos.
A primeira problem�tica estabelecida para o entrevistado foi acessar o s�tio eletr�nico
que mais utiliza. Ele utilizou a barra de busca do navegador para acessar um s�tio eletr�nico
com conte�do de jogos. A primeira tentativa foi pelo s�tio eletr�nico Dragon faible e mesmo
com a busca autom�tica do navegador o procedimento n�o foi realizado devido a erros
ortogr�ficos. Na segunda tentativa ele opta pelo s�tio Many games, o qual insere o endere�o
completo na barra de busca do navegador e acaba acessando diretamente a home page do
respectivo s�tio.
Para a problem�tica dois, solicitamos que o entrevistado acessasse quaisquer s�tios
eletr�nicos que abordassem conte�dos de jogos que n�o sejam os virtuais. Ele utilizou a barra
de busca do navegador e digitou “www.esportes.com.br” e o pr�prio navegador ofereceu uma
s�rie de op��es e ele optou por uma p�gina do provedor “Terra” com informa��es dos
campeonatos estaduais do ano de 2009.
Para a �ltima problem�tica solicitamos que ele acessasse quaisquer s�tios com
conte�do de culin�ria. Ele digitou “www.restaurante.com.br” e o navegador ofereceu uma
s�rie de op��es, das quais ele acessou a primeira.
Das problem�ticas sugeridas a esse internauta todas foram realizadas com certa
seguran�a e sem hesita��es. Ele relacionava certas experi�ncias cotidianas com as
problem�ticas sugeridas e repetia as tentativas bem sucedidas para quaisquer problem�ticas, o
que denota a proemin�ncia da indu��o no ato de navegar. Mesmo que esse internauta detenha
certos procedimentos dedutivos, como a utiliza��o da barra de busca do navegador e o
entendimento do uso de dom�nios, entendemos que pelo fato de ele n�o ser “completamente”
alfabetizado e tampouco possuir o conhecimento de outras linguagens que possibilitariam
manipular essa ferramenta com mais acuidade, ele manipula os aplicativos de Internet de
modo bastante h�bil de acordo com os seus projetos de ser.
O projeto deste usu�rio � caracter�stico � sua idade e as necessidades de socializa��o
de sua situa��o, ou seja, a utiliza��o da Internet pode se restringir ao entretenimento pelos
s�tios eletr�nicos de jogos e a socializa��o por meio de aplicativos como o MSN e s�tios como
198
o Orkut. Tal perspectiva � corroborada por uma pesquisa contratada pela Revista Valor
Econ�mico, em que o Ibope/Nielsen realizou um levantamento acerca das crian�as e seu
respectivo uso da Internet no Brasil, considerando apenas aquelas com idade entre 2 e 11
anos. Constatou-se que o Orkut � uma das redes sociais mais populares da Internet, sendo
10% das visitas realizadas por crian�as e que de cada dez internautas que utilizam o
Messenger (MSN), uma tem at� 11 anos de idade37.
De modo geral, os dois entrevistados souberam manipular minimamente os aplicativos
de Internet conforme os seus projetos de ser, o que nos leva ponderar os dados oferecidos pelo
Cetic.br na medida em que n�o � somente a manipula��o de certa fun��o espec�fica poss�vel
pela Internet que nos permite qualificar um internauta e os projetos de ser do internauta em
contradi��o com o modo de navega��o conforme indicado pela estrutura��o das informa��es
em hiperm�dia. � o projeto de ser do internauta que enuncia quais s�o as possibilidades de
permuta e de inser��o social por meio deste meio de comunica��o e n�o o pr�prio objeto. Sem
d�vida, se n�o houver o acesso ao objeto n�o h� a rela��o, mas se n�o houver o projeto pelo
objeto, o pr�prio car�ter da rela��o deve ser resignificada.
No limite, afirmar que h� a exclus�o digital seria considerar que todos os homens t�m
necessidade de rela��o por meio de determinado objeto, de modo similar ao apontado por
Castells38, quando afirma que o homem exclu�do � aquele que n�o possui as possibilidades de
rela��o em determinado contexto social. N�o descartamos esta possibilidade, mas frisamos
que al�m do pr�prio objeto t�cnico e as suas possibilidades de rela��o devemos considerar o
modo como os homens se relacionam com os objetos e em que medida cumprem ou indicam
possibilidades de cumprir seus projetos. N�o estamos afirmando que as pessoas n�o devam ter
a acesso aos objetos e �s rela��es poss�veis por eles e sim que mensurar os homens pelos
objetos � reific�-los. Devemos “olhar” para os objetos, tamb�m, segundo os projetos dos
homens e n�o somente pelas necessidades dos objetos.
Dos internautas que ora entrevistamos, aquele que era leigo possu�a acesso di�rio ao
computador e a Internet, mas n�o possu�a o entendimento para manipula��o da linguagem
computacional. Da�, constatamos, preliminarmente, que o entendimento de outras linguagens
e l�gicas, que n�o as comput�veis, podem auxiliar no entendimento para manipula��o dos
aplicativos de Internet, mas n�o o determina – por exemplo: a crian�a de 8 anos que
entrevistamos. E, o que podemos, � realizar uma correla��o entre o grau de instru��o, renda,
acesso ao objeto t�cnico e sua infraestrutura b�sica, faixa et�ria etc. com o modo de
37 Cf. M�dias sociais. 2010.38 Cf. CASTELLS, 1996.
199
entendimento dos internautas quando suas rela��es s�o mediadas eletronicamente e n�o
colocar o objeto e suas fun��es como determinante para o entendimento do processo.
Atribu�mos relevo nesta pesquisa ao processo de entendimento do homem a respeito
da l�gica de funcionamento dos aplicativos de Internet, porque � a partir das representa��es
apresentadas pelas informa��es em hiperm�dia que podemos identificar as intencionalidades
atribu�das ao objeto como reveladora de sua l�gica e da territorialidade que enseja para os
homens. E, como:
S� conseguimos observar detalhadamente aquilo que possui um significado para n�s [...] Assim, o conhecimento � um processo que se realiza como uma via de m�o dupla: na medida em que buscamos aprofundar o significado do que j� conhecemos, novos elementos se apresentam. (MELLO et. al., 1999, apud FERRAZ, 2001, p. 44).
� por meio das representa��es cotidianas e aquelas da Internet que os internautas
navegam e as relacionam com uma infinidade representa��es para que possam identificar as
intencionalidades – territorialidades – ali expressas. Isto possibilita ao internauta identificar
certa l�gica quando interage com e por meio desta media��o eletr�nica, pois pela intera��o a
cada nova intencionalidade identificada outras mais se apresentam e se relacionam com as
primeiras, formando um conjunto que pode ser objeto de significados e entendimentos para os
internautas. A cada acesso � Internet h� a possibilidade de maior entendimento quando a seu
modo de funcionamento e para seus s�mbolos e seus significados.
Quando identificadas certas intencionalidades pode ser revelar parte da l�gica de
funcionamento quanto ao modo de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia e h� a
emerg�ncia de aspectos mais significantes aos internautas do que pelas navega��es anteriores.
� uma imagem revigorada pelo pr�prio ato humano em dire��o ao conhecimento. A imagem
deixa de ter um sentido meramente contemplativo e est� permeada de significados oriunda de
uma rela��o homem-meio, pelo conflito entre as necessidades e as possibilidades dessa
rela��o. Mas, para que o projeto do internauta seja executado � irremedi�vel que este esteja
em conformidade com o projeto de Outro, a antipr�xis, como um porvir que n�o � s� seu, pois
� tamb�m do Outro.
Cabe submeter o seu projeto as intencionalidades expressas pela representa��o ao
modo da estrutura l�gica das informa��es de hiperm�dia, reproduzindo esta pr�pria l�gica e
fazendo-a uma rotina. Fazer da pr�xis conforme a antipr�xis trata-se, nesse caso, de um
cerceamento necess�rio para que haja um porvir e um devir como um modo de sociabilidade
pela rela��o mediada eletronicamente. Quanto mais se vivenciam as representa��es
200
eletr�nicas mais elementos podem surgir para serem explorados em outros graus de
entendimento e, cada vez mais, conforme a sua forma de funcionamento.
Podemos enunciar que este processo ocorre de dois modos concomitantes: quanto
mais familiares s�o as representa��es de Internet para certo usu�rio, mais facilitada � a
navega��o e maior a previs�o de seus atos. Habituar-se ao modo de navega��o na Internet �
atribuir os procedimentos dedutivos como proeminentes deste processo para uma navega��o
previdente que corresponda ao modo de estrutura��o das informa��es de hiperm�dia.
Para Santaella (2004, p. 115-127), a proemin�ncia dedutiva no ato de navegar pelas
representa��es da Internet � o que caracteriza determinado internauta como experiente ou
como ela mesma afirma, se trata de um “navegador previdente” ou “experto”.
Fica imediatamente evidente que o usu�rio experto � aquele que navega sob o dom�nio das infer�ncias dedutivas. Por ter internalizado as regras do jogo da navega��o, sua mente esta sob o dom�nio de h�bitos ou associa��es que fazem com que estas regras gerais suscitem rea��es correspondentes, quer dizer, a execu��o de procedimentos navegacionais condizentes com as regras. [...] Navegar para ele � um ato de cumplicidade com os programas cujos segredos j� est�o decifrados. Entretanto, t�o logo o internauta se defronte com uma informa��o inesperada, a rotina dos passos dedutivos � quebrada e, mesmo para o navegador previdente, a err�ncia volta a entrar em a��o, seguida pela busca de pistas.
De acordo com Santaella, entendemos que a proemin�ncia da dedu��o para o ato de
navegar na Internet � se adequar as regras de navega��o, ou seja, navegar conforme a forma
de estrutura��o das informa��es de hiperm�dia. O internauta cria uma esp�cie de mapa de
navega��o em que seus atos passam a ser cada vez mais previdentes e coniventes ao modo de
estrutura��o das informa��es de hiperm�dia, pois h� certo entendimento das necessidades e
das possibilidades da rela��o mediada eletronicamente. Mas, como a autora frisa, “t�o logo o
internauta se defronte com uma informa��o inesperada, a rotina dos passos dedutivos �
quebrada”. Basta o internauta encontrar formas representativas que desconhe�a que as
infer�ncias dedutivas se esvanecem em benef�cio das infer�ncias abdutivas e/ou indutivas.
O modo de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia se apresenta de modos
distintos segundo os n�veis de entendimento dos internautas para essa rela��o. Desde o
usu�rio leigo ao previdente o modo de estrutura��o das informa��es de hiperm�dia para certo
s�tio eletr�nico pode ser o mesmo, mas n�o � o mesmo o modo como o internauta o entende.
A forma que foi estruturada a informa��o em hiperm�dia designa o modo de navegar do
internauta, mas ela n�o aparece somente ao internauta previdente e sim, tamb�m, ao leigo.
Trata-se de um processo de entendimento que perpassa certo internauta nos seus diferentes
201
n�veis. Quanto mais o internauta procura entender a forma de estrutura��o das informa��es
em hiperm�dia, novas representa��es e intencionalidades ele poder� perceber.
Distinguiremos o modo de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia em tr�s formas
para melhor entendermos como elas podem orientar o modo de navega��o do internauta, em
linear, em �rvore e em rede. Buscaremos descrev�-las baseando-nos nas contribui��es de
Nunes (2009), Carvalho (2002) e Le�o (1999), mas salientamos que, para cada uma das
formas de estrutura��o das informa��es, h� grande gama de varia��es poss�veis dentro de seu
pr�prio escopo.
A estrutura linear guia o internauta por meio de um processo de tomada de decis�es.
Para tanto, � necess�rio fornecer ao usu�rio um claro senso de progresso ou posi��o dentro da
cadeia de hiperlinks. No desenvolvimento de programa��o esta estrutura � indicada para
tarefas de cunho processual, como por exemplo, a instala��o de um aplicativo no computador.
Dificilmente um s�tio eletr�nico comercial ou pessoal ter� suas informa��es
estruturadas de forma linear. Mesmo uma galeria virtual que objetiva mais a contempla��o do
que a intera��o dos internautas ir� possuir uma ou mais p�ginas eletr�nicas em que seus
respectivos documentos ser�o alocados. O uso da estrutura em �rvore � o mais usual para a
constru��o de um s�tio eletr�nico e a estrutura linear pode ser apenas parcela dos galhos da
�rvore.
Pela estrutura��o das informa��es em forma de �rvore as p�ginas eletr�nicas s�o
hierarquizadas, provendo ao internauta um conjunto de hiperlinks semi-expl�citos que
fornecem o conhecimento da estrutura das informa��es e o acesso mais r�pido a certo
subconjunto da hiperm�dia. Neste tipo de estrutura��o o destino final � especificado pelo
programador.
Figura 1 - Estruturas de hiperm�dia
202
Grande parte dos s�tios eletr�nicos comerciais e pessoais, aplicativos e at� mesmo
alguns sistemas operacionais, como o MS Windows39, utilizam esta estrutura de informa��o e
de navega��o que parte do conte�do geral em dire��o ao particular. Num s�tio eletr�nico,
normalmente, se parte de uma p�gina eletr�nica inicial, que disp�e determinado n�mero de
hiperlinks, para outras p�ginas a ela corelacionadas. Estas por sua vez, dever�o possuir um
n�mero de hiperlinks para outras p�ginas eletr�nicas com informa��o cada vez mais
espec�fica e assim, sucessivamente. A cada n�vel, o n�mero de p�ginas vai se ampliando de
acordo com a segmenta��o do conte�do. Este modelo tamb�m � nomeado de �rvore invertida,
pois quanto maior o n�mero de p�ginas eletr�nicas entre a ramifica��o e a raiz, mais
espec�fico ser� o conte�do.
A estrutura em �rvore permite organizar o s�tio eletr�nico dentro de uma hierarquia de
conte�do e mesmo que o internauta possa tomar conhecimento de novos conte�dos a cada
hiperlink novo explorado a pr�pria estrutura de informa��o dificilmente proporcionar� a
experi�ncia labir�ntica da rede de Internet, j� que os outros pontos do mesmo s�tio eletr�nico
s�o previs�veis.
A estrutura em rede se estende sob tr�s diferentes aspectos, partindo da ideia da
estrutura em �rvore invertida: inicialmente, ela cresce na vertical, por meio dos diferentes
n�veis; se multiplica horizontalmente, com as ramifica��es de cada n�vel; e, estabelece
liga��es cruzadas entre os v�rios pontos dos mais diferentes n�veis do s�tio eletr�nico.
A estrutura em rede se caracteriza pela grande quantidade de hiperlinks cruzados numa
mesma p�gina eletr�nica que possibilita aos internautas realizarem “saltos” para o topo da
p�gina ou para p�ginas eletr�nicas acima ou abaixo na hierarquia. O programador do s�tio
eletr�nico pode proporcionar ao internauta a experi�ncia labir�ntica t�pica da Internet, com
seus conte�dos de certo modo imprevis�veis e uma multiplicidade de “caminhos” poss�veis.40
A constru��o de determinado s�tio eletr�nico sob a estrutura em rede pode congregar a
estrutura linear e em �rvore para algumas de suas p�ginas e o acesso aos diferentes n�veis do
s�tio n�o perpassa o acesso de uma determinada p�gina eletr�nica como pr�-requisito. Esta �
39 Como exemplo, � poss�vel em boa parte das vers�es existentes do MS Windows realizar o seguinte procedimento para visualizar o seu modo de estruturar as informa��es, como segue: acesse pelo menu “Iniciar” a op��o “Programas” e em seguida “Acess�rios” e selecione o aplicativo “Prompt de Comando”. Numa “janela” negra que aparecer� digite por duas vezes < cd.. > e tecle Enter, em seguida digite < tree > e tecle Enter. Assim, � poss�vel perceber que o principal modo de estruturar as informa��es est� sob a forma de �rvore.40 Numa tentativa de mensura��o das possibilidades de liga��es entre as p�ginas eletr�nicas, ter�amos: por exemplo, em um aplicativo onde todas as p�ginas eletr�nicas est�o interligadas, o n�mero de liga��es (L) � igual ao n�mero de p�ginas (NP) multiplicado pelo n�mero de p�ginas -1, conforme aponta UniFeI (2009): L = NP * (NP - 1). Isso significa que para um s�tio eletr�nico com 10 p�ginas, existir�o 90 liga��es e para um com 100 p�ginas existir�o 9.900 liga��es poss�veis entre as suas respectivas p�ginas eletr�nicas.
203
uma estrutura mais flex�vel e din�mica, pois n�o � necessariamente hierarquizada e os
hiperlinks que direcionam o internauta a outras p�ginas eletr�nicas podem ser considerados
como os n�s da rede. Conquanto, seu uso � mais restrito, pois podem confundir os internautas
a estabelecerem trajetos de navega��o.
Dentre as formas de estrutura��o das informa��es em hiperm�dia a mais usual e a
recomendada pela W3C (World Wide Web Consortium) � aquela em �rvore hierarquizada
(W3Schools, 2009).41 A sua recomenda��o para se estruturar as informa��es na forma de
�rvore hier�rquica � no intuito de facilitar a navega��o dos internautas, pois seus conte�dos
partem do geral ao espec�fico, o que torna as conex�es entre as p�ginas eletr�nicas mais
previs�veis e facilita a forma��o de um mapa mental do s�tio eletr�nico.
A estrutura��o da informa��o em hiperm�dia sob a forma de �rvore hierarquizada
designa que a navega��o dos usu�rios de Internet se desenvolva dos conte�dos mais gerais
aos mais espec�ficos. Ora, o procedimento da raz�o que se desenvolve do geral ao espec�fico �
a dedu��o e este � um dos aspectos proeminentes do internauta previdente. Para ilustrar esse
processo tomamos como exemplo o modo de navega��o do Internauta 7. Trata-se de um
usu�rio com 29 anos, curso superior em Ci�ncias da Computa��o, que utiliza a Internet para
pesquisa, atividades profissionais e acad�micas, entretenimento, relacionamentos, not�cias,
compras etc. Os principais s�tios acessados por ele s�o: Google, Sun, Dlink, 4 Linux, Java,
Nvidia, MSN, Gmail, Yahoo, Orkut etc.
Para a primeira problem�tica solicitamos que ele acessasse o s�tio eletr�nico que mais
utiliza. Ele acessou o Google. Para a segunda problem�tica solicitamos que ele acessasse
quaisquer s�tios de busca na Internet que n�o fosse o Google. O internauta acessou o provedor
Yahoo e utilizou seu buscador. Estas duas tarefas foram realizadas de modo muito r�pido e
com a utiliza��o de procedimentos incomuns daqueles que notamos para os outros
entrevistados nesta pesquisa, como: a utiliza��o de c�digos para a gera��o de s�mbolos –
como, por exemplo, a \ (barra invertida) – para redigir o endere�o eletr�nico completo na
barra de busca, assim como, justificando o motivo de digitar “HTTP”, por este diferir do
“FTP”, por exemplo.
Para a terceira problem�tica solicitamos que o internauta acessasse quaisquer s�tios
eletr�nicos que contivessem informa��es acerca do Ornitorrinco, sem a utiliza��o de
quaisquer tipos de buscador. Ele utilizando a barra de navega��o digita
41 A W3C � uma associa��o que congrega as principais empresas de inform�tica do mundo e que normatiza e define padr�es para constru��o de s�tios eletr�nicos no mundo. Desde a disposi��o das e texto, figuras, tabelas sequencia de digita��o em caixa de texto, at� a forma como deve ser organizada as informa��es em hiperm�dia.
204
“htpp://www.australia.com.br”, depois, “htpp://www.mamiferos.com.br”,
“htpp://www.onitorinco.com”. Houve um problema na conex�o de Internet, que foi resolvido
por ele sem maiores constrangimentos e seguiu sua busca acessando o s�tio eletr�nico da
UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), realizando buscas internas no s�tio,
download de artigos e procedimentos de busca de palavras por p�ginas pelo aplicativo
“localizar” no navegador. Percebendo que a grafia na primeira busca estava incorreta,
corrigiu-a e digitou na barra de navega��o “htpp://www.ornitorrinco.com”. Dado o insucesso
da pesquisa continuou a empreitada com uma s�rie de abas abertas e oscilando entre elas para
realiza��o da pesquisa. Acessou o sistema de bibliotecas da UNICAMP e realizou uma s�rie
de downloads de textos que continham a palavra “ornitorrinco”. Ainda, sem sucesso na busca,
se recordou de um s�tio eletr�nico que continha conte�dos em gerais e acessou o Wikipedia,
realizou a pesquisa acerca do ornitorrinco e finalizou a tarefa.
Especificamente, para o Internauta 7, foi poss�vel notar a seguran�a no ato de navegar
e pleno dom�nio de suas a��es em conformidade com a tarefa proposta. Em nenhum momento
houve hesita��o com as dificuldades encontradas na pesquisa e procedimentos que variassem
entre a indu��o e abdu��o. Houve procedimentos dedutivos durante a realiza��o da tarefa,
notada, principalmente, pelo dom�nio da linguagem computacional, pela utiliza��o de
aplicativos de busca, procedimentos de busca simult�neos, resolu��o de problemas e a
identifica��o das necessidades pelas possibilidades de realiza��o da tarefa de modo muito
claro.
Diferentemente, constatamos para os outros usu�rios que qualificamos como
avan�ados que quando s�o postos certos problemas que fogem do modo de navega��o e/ou de
conte�dos habituais a eles, h� certa dificuldade, oscilando entre a indu��o e a abdu��o para
resolverem as problem�ticas e t�o logo a solucionam voltam a utilizar o procedimento
dedutivo. Para o Internauta 7 h� a proemin�ncia da dedu��o no ato de navegar em
conformidade com o modo de estrutura��o das informa��es de hiperm�dia, como mencionado
por Santaella.
De modo geral, concordamos com Santaella quando ela afirma que a dedu��o � o
procedimento da raz�o proeminente aos usu�rios previdentes, ainda mais quando
consideramos que boa parte dos s�tios eletr�nicos possui suas informa��es estruturadas na
forma de �rvore hierarquizada. A previd�ncia do internauta para o ato de navegar na Internet �
uma forma correspondente e, de certo modo, um consentimento para as intencionalidades
atribu�das ao objeto. Por outro lado, � por certo consentimento que h� a sociabilidade por
meio desse objeto, como por exemplo, o acesso e uso das redes sociais, seja para simples
205
trocas de informa��es pessoais nos s�tios eletr�nicos de relacionamento – como, por exemplo:
o Orkut e o Facebook – ou para coopera��o no desenvolvimento de tecnologias e pesquisa
e/ou para difundir as causas de certos movimentos sociais espec�ficos – como os s�tios
eletr�nicos do Greenpeace e do Movimento Zapatista, por exemplo. Mas de que modo o
desenvolvimento de uma linguagem estrutural e da proemin�ncia da dedu��o para os
internautas podem interferir na maneira como eles se relacionam e entendem o mundo?
Para tentarmos responder essa quest�o � necess�rio considerar a indu��o e a dedu��o
de modo mais amplo do que consideramos at� aqui para a an�lise das rela��es mediadas
eletronicamente. � necess�rio entendermos a indu��o e a dedu��o como procedimentos da
raz�o.
A l�gica rigorosa ou dedutiva, na medida em que tem um conte�do, sup�e a distin��o entre o essencial e o acidental. Tomada concretamente, no plano da compreens�o, � uma l�gica da ess�ncia. Sup�e a exist�ncia de grupos com qualidades relativamente est�veis: de g�neros e de esp�cies. Constitui assim objetos de pensamento, os conceitos, obtidos por abstra��o, deixando de lado o acidental, generalizando atrav�s de uma indu��o as qualidades consideradas como essenciais. [...] A indu��o simplesmente, penetra mais profundamente no conte�do; e o faz, em particular, quando se leva em conta o car�ter mut�vel, momentaneamente, provis�rio, relativo, de toda lei e de todo momento do universo. (grifo do autor) (LEFEBVRE, 1975, p. 129-130)
Pela dedu��o nos restringimos ao formal, que se apresentar� enquanto resultado da
generaliza��o dos elementos de determinado fen�meno e do seu respectivo processo
conforme a relev�ncia atribu�da pelo sujeito e conforme seus fins. A indu��o, como salienta
Lefebvre, penetra mais profundamente no conte�do e leva em conta o processo e as
articula��es que cada parte possui entre elas e com o todo. Mas, para ter em vista o todo �
necess�rio partir da indu��o para se deduzir certos elementos e retornar pela indu��o as partes
e seus elementos concretos e o modo de sua articula��o. A dedu��o neste processo �
qualitativamente diferente da primeira, ao considerar os elementos e os processos em sua
concretude e contradi��o.
Retomando nosso tema de pesquisa, podemos entender que pela indu��o os internautas
podem relacionar os diferentes conte�dos das representa��es eletr�nicas pelo seu projeto de
ser em acordo com a antipr�xis atribu�da ao objeto. Trata-se de um movimento contradit�rio
porque ao mesmo tempo em que as intencionalidades dos objetos cerceiam, elas permitem o
projeto. A proemin�ncia da dedu��o para opera��o desse instrumento de telecomunica��o
ocorre pelo seu uso na viv�ncia cotidiana, pelo h�bito, como um modo ser-no-mundo, cuja
antipr�xis � cada vez mais determinante no projeto de ser do internauta.
206
Diferente da abdu��o, que seriam infer�ncias dedutivas sem maior entendimento das
rela��es poss�veis e determinadas pelas informa��es em hiperm�dia, a dedu��o � um modo de
entendimento da totaliza��o dessa totalidade sist�mica em que a estrutura��o das informa��es
de hiperm�dia indica a proemin�ncia deste procedimento da raz�o. Se, por um lado, a
proemin�ncia da dedu��o permite maior acuidade para a manipula��o das informa��es em
hiperm�dia, por outro, levando em conta n�o somente a rela��o medida, mas o modo da
rela��o homem-meio como ser-no-mundo fact�vel, a indu��o da leitura dedutiva de mundo
pode estampar uma l�gica r�gida que esfuma�a certos elementos fundamentais que a
caracterizam, al�m de poder fundar nos internautas um “ambiente” mediador da ideologia que
lhe fora atribu�da.
� preciso atribuir relevo ao conflito latente entre as pr�xis e as antipr�xis para a
rela��o mediada eletronicamente para se entender a forma sist�mica que � essa totalidade e
em que medida o projeto do Outro pode fazer-se como nosso numa esp�cie de devir comum.
Pela proemin�ncia da dedu��o no processo de entendimento do homem para o mundo,
a contradi��o que qualifica as rela��es dos homens com os objetos � o acess�rio da
instrumentalidade e do consumo da rela��o que esse objeto pode oferecer, sendo que deveria
ser o fundamento de todo discurso que busque compreend�-lo. Santos (1994; 1996) evidencia
este processo quando afirma que pelos objetos h� a tend�ncia de homogeneiza��o das t�cnicas
e das a��es que ensejam. Pela tend�ncia de unicidade das t�cnicas � que se delineia um
projeto comum aos homens. As intencionalidades do pr�tico-inerte, na tentativa de
univocidade com as a��es porvir, estabelecem um projeto comum aos homens em geral ao
gosto dos atores hegem�nicos.
Indu��o e dedu��o s�o procedimentos da raz�o trivialmente utilizados pelos homens e
a proemin�ncia de um deles no processo de entendimento dos fen�menos do mundo pode
acarretar distor��es interpretativas que podem incorrer em diferentes modos de aliena��o da
realidade. Alienar-se, para o nosso tema de pesquisa, � n�o entender a modo sist�mico que se
estabelece as rela��es mediadas pela Internet e as tens�es de poder que a caracterizam e que
v�o designar projetos estranhos ao nosso. Sartre (2002, p. 118) prop�e novo sentido para a
aliena��o, nas seguintes palavras:
Os duplos, triplos sistemas de fins que s�o utilizados pelos outros condicionam de forma t�o rigorosa nossa atividade quanto nossos pr�prios fins. [...] � verdade que, em uma sociedade inteiramente alienada em que o “capital aparece cada vez mais como um poder social do qual o capitalista � funcion�rio” (MARX, Das Kapital, III, t.I, p. 293), os fins manifestos podem dissimular a necessidade profunda de uma evolu��o ou de
207
um mecanismo montado. [...] Melhor ainda, as no��es de aliena��o e mistifica��o s� adquirem sentido precisamente na medida em que roubam os fins e os desqualificam. (grifo nosso)
Em linhas gerais, a aliena��o em Sartre � quando um projeto de outrem condiciona
nossa atividade e o fim que ela remete pode modificar o resultado que almejamos. Os
sistemas de fins � um conjunto coerentemente articulado de projetos que de modo rigoroso
condiciona nossos projetos ao gosto dos atores hegem�nicos e do modo capitalista de
produ��o. Este segundo tipo de condicionamento revela por sua estrutura um tipo de
necessidade que escapa ao homem, uma necessidade “montada”, como coloca Sartre.
Alienado, o ser social e hist�rico n�o reconhece seu ato como subjetividade objetivada
na mat�ria, ou seja, o seu projeto. O projeto como uma media��o entre dois momentos da
objetividade que possui na subjetividade e no Dasein o elemento que o concebe e o
empreende pelo trabalho. � a passagem entre a aliena��o como resultado e a aliena��o na
partida que qualifica o Dasein como alienado ou n�o. A aliena��o na partida pode ser
superada pelos homens por meio do entendimento do mundo, ou seja, evidenciando a forma
de estrutura��o da rede de Internet e as tens�es de poder existentes que a caracteriza.
Evidenciando o conflito entre pr�xis e antipr�xis pode haver a supera��o dos homens
para a racionalidade indicada pelas intencionalidades atribu�das aos objetos para que eles
possam propor no seu seio novos projetos que denegam os fins que lhe foram propostos, por
exemplo: a articula��o de grupos de internautas que compartilham m�sicas, filmes, livros,
documentos, softwares etc. pela Internet de certo modo n�o atendem as exig�ncias das
grandes empresas, as quais, em boa parte, fomentam e exploram a rede. O interessante � notar
que a contra-racionalidade – pr�xis – adv�m no seio da racionalidade – antipr�xis – de modo
contradit�rio. Neste caso, a aliena��o do resultado n�o possui identidade com a aliena��o da
partida, ou seja, o projeto do Outro se fez como nosso ao manipularmos o instrumento e o
objetivamos, mesmo que parcialmente, como nosso projeto para poder utilizar a Internet.
Contudo, a objetiva��o do projeto n�o foi somente conforme a antipr�xis, pois em seu seio a
pr�xis dos internautas subvertem a racionalidade da pr�xis daqueles que det�m o poder da
rede – antipr�xis – pelo entendimento de algumas de suas formas constitutivas.
Por outro lado, quando a aliena��o do resultado possui identidade com a aliena��o da
partida:
A aliena��o � mais profunda. � parte de n�s mesmos que nos foge, n�o lhe escapamos. O objeto (a alma, a sombra, o produto do nosso trabalho transformado em objetos) vinga-se. Tudo aquilo de que somos desposados
208
permanece ligado a n�s, mas de modo negativo, isto �, assedia-nos. [...] Ora, h� uma parte de n�s mesmos pela qual n�s, vivos, somos coletivamente assediados: � a for�a de trabalho que, depois de vendida, atrav�s de todo o ciclo social da mercadoria, volta para nos desapossar do sentido do pr�prio trabalho; � a for�a de trabalho que – por meio de uma opera��o social, e n�o diab�lica – se transformou em objeto materializado com o fruto do trabalho.(BAUDRILLARD, 2006, p. 203-204)
Baudrillard afirma que o trabalho alienado e objetivado na mat�ria retorna aos
pr�prios homens para lhes assediar. A for�a de trabalho vendida entra no ciclo da mercadoria
e retorna aos pr�prios homens enquanto mercadoria para o consumo, produto fruto de seu
trabalho, s� que estranho, pois sem significa��o com o trabalho que empreendera.
Desenvolvendo esta ideia de Baudrillard, poder�amos ponderar que outro modo de ass�dio dos
objetos fruto do trabalho alienado, fen�meno t�o caracter�stico do modo de produ��o
capitalista, ocorre pela divis�o do trabalho e a sua express�o material. Os homens cada vez
menos s�o detentores de seus pr�prios projetos e s�o impelidos, cada vez mais, a se
relacionarem com um determinado meio que os qualificam e s�o qualificados pelos objetos
que eles possuem.
Estar e ser em determinado meio geogr�fico, em determinado lugar, �, de certo modo,
enunciar quem se �, n�o somente pelos objetos que se possui, mas tamb�m pela pr�pria
possibilidade de rela��o social que estes podem oferecer. N�o h� somente um consumo do
objeto h�, principalmente, o consumo da rela��o social por meio daquele objeto, seja em
pot�ncia ou efetivamente.
V�-se que o que � consumido nunca s�o os objetos e sim a pr�pria rela��o –a um s� tempo significada e ausente, inclu�da e exclu�da – � a id�ia de rela��o que se consome na s�rie de objetos que se deixa vis�vel. [...] Hoje em dia todos os desejos, os projetos, as exig�ncias, todas as paix�es e todas as rela��es abstratizam-se (e se materializam) em signos e objetos para serem compradas e consumidas. (BAUDRILLLARD, 2006, p. 207)
N�o se consome somente a rela��o por meio de determinado objeto, tamb�m, se
consome os desejos, os projetos e as exig�ncias que foram atribu�das aos objetos. Consumir o
projeto e toda a sua carga ideol�gica, tanto como ponto de partida como resultado de uma
rela��o, � ser alienado.
Para as rela��es mediadas pela Internet, a aliena��o pode ocorrer n�o somente pela
proemin�ncia da dedu��o no ato de navegar e o velar das intencionalidades atribu�das aos
objetos que a constituem e designam projetos estranhos aos internautas, mas tamb�m pelo
consumo da rela��o que indica pelas intencionalidades dos objetos. Por meio de um aplicativo
209
de relacionamentos, como os Chats ou Bate-papos virtuais, se consome a rela��o poss�vel
pela Internet e a idealidade de uma rela��o interpessoal como devir ou a m�quina que
possibilita esta rela��o? De outro modo, por quaisquer s�tios eletr�nicos s�o consumidas as
informa��es expressas para determinado fen�meno ou o fen�meno a qual se refere �s
informa��es?
Tanto para uma como para outra indaga��o entendemos que se consome a rela��o
poss�vel e ideal e n�o aquela imediata que se estabelece entre o homem e a m�quina.
Consome-se, principalmente, o mediato e o mediado pela m�quina por meio de um conjunto
de informa��es estruturadas e n�o o imediato com seus aspectos materiais.42 Este �ltimo,
como objeto de consumo, pode velar as intencionalidades e o modo como os homens se
relacionam com o mundo por meio deste novo ato comunicativo, al�m de ocasionar um
afastamento das rela��es com lastro material. Virilio (1995, p. 13; 28) denomina este
fen�meno como a crise da no��o de dimens�o e do sens�vel:
Se o espa�o � aquilo que impede que tudo esteja no mesmo lugar, esse confinamento brusco faz com que tudo, absolutamente tudo, retorne a esse lugar, a esta localiza��o sem localiza��o. [...] Assim como os acontecimentos retransmitidos ao vivo, os locais tornam-se intercambi�veis a vontade. [...] a crise de um espa�o substancial (continuo e homog�neo) em beneficio da relatividade de um espa�o acidental cat�dico (descont�nuo eheterog�neo), em que as partes, os pixels, adquirem uma import�ncia fundamental, como fora para algumas ci�ncias os pontos (insens�vel) que constituam a reta (sens�vel).
Ele constata que a crise da no��o de dimens�o � acarretada pelo privil�gio dado ao
“espa�o” representativo da interface em detrimento do “espa�o” substancial, sens�vel e
material. A consolida��o das rela��es de interface promove o benef�cio das representa��es
dos diversos fen�menos que ocorrem no mundo, conquanto, onera as representa��es com
lastro material e a no��o de dimens�o pela pretensa aboli��o da no��o de dist�ncia e de
tempo. A no��o que ganha relevo quando as rela��es s�o mediadas eletronicamente, sen�o a
�nica, � a de velocidade.
A proemin�ncia de representa��es dos fen�menos no processo de entendimento do
ser-no-mundo pode engendrar um desequil�brio perigoso entre aquilo que � imediato e o que �
mediato. Tomar um pelo outro ou mesmo misturar intricamente ambos os modos de
representa��o do mundo pode acarretar n�o s� num afastamento das rela��es com fundamento
42 Os conceitos de mediato e imediato est�o conforme aponta Lefebvre (1975, p. 107): “A sensa��o � o imediato, o aqui e agora, em estado bruto. [...] um conhecimento superior – um teorema de geometria, por exemplo – s� pode ser descoberto e compreendido atrav�s de opera��es complicadas. Trata-se de um conhecimento mediato.”
210
material, mas, tamb�m, numa esp�cie de forma��o de ju�zos de valores h�bridos,
contradit�rios com aqueles produzidos pela sociedade de modo material e hist�rico. Sem
d�vida que os ju�zos de valores veiculados na Internet tamb�m possuem fundamento nas
rela��es sociais, mas � necess�rio frisar que por meio deste meio de telecomunica��o pode se
configurar um ambiente mais prof�cuo para veicula��o de ideologias do que aquele dos
objetos com iner�ncia material, pois a dedu��o como procedimento da raz�o proeminente para
a navega��o na Internet pode dissimular diferentes formas de aliena��o para os homens.
Um exemplo utilizado por Walter Benjamin (1994, p. 1987) quando ele discute a
reprodu��o das obras de arte por meio das t�cnicas, abordando as diferen�as entre as
representa��es do real para o m�gico e o cirurgi�o e para o pintor e o cinegrafista, pode
ilustrar as diferen�as qualitativas que expomos entre as representa��es mediatas e imediatas.
A resposta pode ser facilitada por uma constru��o auxiliar, baseada na figura do cirurgi�o. O cirurgi�o est� no p�lo oposto ao do m�gico. O comportamento do m�gico, que deposita as m�os sobre um doente para cur�-lo, � distinto do comportamento do cirurgi�o, que realiza uma interven��o em seu corpo. O m�gico preserva a dist�ncia natural entre ele e o paciente, ou antes, ele diminui um pouco, gra�as � sua m�o estendida, e a aumenta muito, gra�as a sua autoridade. O contr�rio ocorre com o cirurgi�o. Ele diminuiu muito sua dist�ncia em rela��o ao paciente, ao penetrar em seu organismo, e a aumenta pouco, devido � cautela que sua m�o se move entre os �rg�os. Em suma, diferentemente do m�gico (do que restam alguns tra�os no pr�tico), o cirurgi�o renuncia, no momento decisivo, a relacionar-se com seu paciente de homem a homem e inv�s disso interv�m nele, pela opera��o. O m�gico e o cirurgi�o est�o entre si como o pintor e o cinegrafista. O pintor observa em seu trabalho uma dist�ncia natural entre a realidade dada e ele pr�prio, ao passo que o cinegrafista penetra profundamente nas v�sceras dessa realidade. As imagens que cada um produz s�o, por isso, essencialmente diferentes. A imagem do pintor � total, a do operador � composta de in�meros fragmentos, que se recomp�em segundo novas leis.
Numa tentativa de aproximar a discuss�o de Benjamim com o tema abordado
entendemos que o m�gico e o cinegrafista podem corresponder aos homens que atribuem
relevo as rela��es mediadas e mediatas e o cirurgi�o e o pintor aos homens que d�o
proemin�ncia as rela��es sem media��es por m�quinas, por isto imediata. Para o primeiro
grupo, a rela��o � ao modo pr�ximo-distante, sem o aqui e o agora, sem situa��o concreta,
sem o estar e ser no lugar e as significa��es hist�ricas. Cria-se uma esp�cie de alteridade
fugaz para os internautas que escapam repentinamente pelas imagens que “andam”
rapidamente e n�o d�o tempo para associa��es mais profundas, a n�o serem aquelas que
correspondem a sua estrutura de navega��o. � pela mat�ria e pela objetiva��o do trabalho que
a historicidade fomenta as significa��es que lhe foram atribu�das e � pelo meio geogr�fico,
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enquanto inst�ncia material, que o homem est� em situa��o no mundo e por sua rela��o
perp�tua e rec�proca com este meio lhe atribui significa��es que o caracterizaram como lugar.
Em outras palavras, todo meio geogr�fico possui iner�ncia material e a sua hist�ria
particular, que se apresenta aos homens como historicidade, totalidade do processo hist�rico,
que � totaliza��o. Congrega um conjunto de significados que pode desenvolver uma
contradi��o, sem necessariamente ter identidade, com quem a contempla. Por uma rela��o
mediada e mediata a representa��o do real, como destacado por Benjamin, “� composta de
in�meros fragmentos, que se recomp�em segundo novas leis”. Fragmentos que podem estar
cimentados por elementos ideol�gicos e projetos que fogem do entendimento de determinado
homem que estabelece a rela��o mediada eletronicamente.
� dif�cil negligenciar que o homem que estabelece uma rela��o mediada por meio da
Internet n�o esteja em situa��o. Ele est�, mas, de modo similar boa parte das vezes, com uma
tela a sua frente, ou at�, num lugar comum. Consome-se o fen�meno representado de modo
mediato, ao mesmo tempo, em que se afasta da singularidade e da particularidade que
caracteriza essa rela��o. Entrega-se ao Outro o trabalho de dizer o que � o lugar e o mundo
por meio de representa��es, com o peso que as significa��es e a historicidade que esse lugar
poderia vir a estabelecer numa rela��o imediata. A fundamenta��o do Dasein ocorre no lugar,
com suas iner�ncias materiais, e, se afastar disto � atribuir a algu�m esse papel, com toda
carga ideol�gica que lhe convier.
Afasta-se das rela��es com lastro material, sejam com o meio geogr�fico ou com
outros homens � descaracterizar o princ�pio da contradi��o que fundamenta o ser-no-mundo.
Se, � pela rela��o contradit�ria da mat�ria com a ideia que se desenvolve o entendimento e o
conhecimento dos homens para o mundo e � pelas diferentes formas materiais que h� as
diferentes contradi��es, ao nos relacionarmos com aquilo que � muito similar as express�es
do nosso pensamento, a abstra��o ganha relevo e podemos passar a coisificar certos
fen�menos.
Sobre essa quest�o Marx avan�a mais em sua pol�mica. N�o se limita a indicar como as rela��es e as conex�es s�o partes integrantes ontol�gicas do ser social, mas demonstra tamb�m que a inelutabilidade de experiment�-los como reais, de enfrentar seu car�ter fatual da vida pr�tica, termina necessariamente e como freq��ncia por transform�-los em coisidades no n�vel do pensamento. (LUK�CS, 1979, p. 49)
Afastar-se das iner�ncias materiais da vida pr�tica e da cotidianidade pode levar �
reifica��o dos fen�menos e das rela��es que fundamentam o Dasein como ser social. A
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abstra��o, com suas nuan�as mais dedutivas, ganham relevo no processo de entendimento do
mundo e do pr�prio homem como ser social. As especificidades da rela��o homem-meio
podem se esfuma�ar no colorido da tela e o homem pode come�ar a fazer-se como presen�a-
aus�ncia nos lugares e para outros homens, que tamb�m podem possuir as mesmas
caracter�sticas para si, de presentes-ausentes. A contradi��o, como diferen�a radical, �
realizada pela tela, pelo computador e pelas informa��es que s�o veiculadas por eles. A
reciprocidade entre os homens e entre os homens e os lugares passam a ser mediados e
mediatos. N�o h� d�vida que este homem que pode adquirir um grande conjunto de
informa��es do mundo em rela��o aquele que vive na cotidianidade das iner�ncias materiais,
mas qual � a qualidade destas informa��es?
A qualidade das informa��es veiculadas pela Internet est� sempre para o homem que a
interpreta pelo entendimento acerca dos limiares das necessidades e possibilidades de uso da
Internet como instrumento. Contradit�ria a presen�a do Dasein por sua facticidade de ser h�
as representa��es dos lugares, do pr�prio Dasein e de Outros que pode resignificar a pr�pria
presen�a. N�o estamos nos referindo aqui t�o e somente ao afastamento do campo material
pelo homem e suas respectivas significa��es para o meio e lugar de sua exist�ncia e sim
devemos tamb�m levar em conta, que este afastamento � operado de modo mais vigoroso
quando a rela��o se estabelece para o Outro.
Para as rela��es empreendidas no campo material entre Eu e o Outro � denominada
por Silva como intersubjetiva, porque se realiza mediada por linguagens como comunica��o
da informa��o. Podemos pressupor que haja o exacerbamento da intersubjetividade quando as
rela��es s�o mediadas eletronicamente, na medida em que se restringe a reprodu��o da
escrita, fala e a representa��es visuais por meio de s�mbolos e sinais, al�m, � claro, da pr�pria
linguagem computacional sem a presen�a do Outro pela sua facticidade de ser para Mim.
Sartre, por outro lado, afirma que � imposs�vel haver a intersubjetividade, pois a quest�o da
contradi��o ontol�gica n�o nos revela a possibilidade de uma rela��o sujeito-sujeito, o que
nos leva a reconhecer um sujeito que mant�m sempre uma rela��o inescap�vel com o objeto
que � sua facticidade do ser. Ou melhor, reconhecemos o Outro tamb�m como uma exist�ncia
de ser.
Poder�amos questionar este pressuposto sartreano a partir da constata��o de que para
as rela��es mediadas pela Internet a presen�a do Outro n�o se faz objetiva e tampouco
material, ela � conjectural, a rela��o ocorre por meio do uso de uma determinada linguagem.
Certa comunica��o � objetivada na tela ou por sons, a qual se apresentar� ao Outro como
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informa��o objetivada e a comunica��o desta informa��o por Outro perpassar� o mesmo
processo de subjetiva��o e objetiva��o.
Para essas rela��es n�o h� a linguagem do corpo, a expressividade do corpo do Outro,
como a constata��o de um existente entre outros, e sim o empreendimento estritamente
objetivo de diversas linguagens para efetiva��o de certo projeto de ser do internauta. Contudo,
para o campo material de exist�ncia dos homens sentir o Outro � sentir a si mesmo n�o
somente pela identifica��o de certa informa��o comunicada e sim � necess�rio estar para o
Outro, assim como, estamos para Ele como um ser existente entre outros no mundo.
Por mais que as rela��es mediadas eletronicamente sejam caracterizadas pela
proemin�ncia da subjetividade, sendo objetividade expressa pela linguagem, que � a
subjetividade objetivada por Outro que ser� subjetivada a partir de uma objetividade para
Mim – isso quando nos restringimos, por exemplo, ao uso de certa l�ngua, porque h� para a
rela��o mediada eletronicamente o entendimento do modo de estrutura��o das informa��es
em hiperm�dia como certa antipr�xis como um modo de realiza��o da pr�xis que, no caso, � o
meio de objetiva��o da comunica��o –, o privil�gio �ntico-ontol�gico do Dasein n�o pode ser
negligenciado ou tratado lateralmente por rela��es intersubjetivas. A comunica��o de certa
informa��o coloca de antem�o um Dasein que a empreende e como para a rela��o medida
eletronicamente a informa��o se manifesta ao outro ser-no-mundo pela objetividade da
linguagem isso n�o indica que a sua facticidade de ser foi esva�da e sim que por ser-no-
mundo � poss�vel a linguagem para a comunica��o da informa��o.
O estar ou a exist�ncia de ser conota a localiza��o e o Dasein em situa��o numa
rela��o objetiva e material, as quais, para as rela��es de Internet, apenas a conjecturamos
como um modo de ser-no-mundo. Se n�o destitu�mos o Dasein de sua facticidade, o que seria
equivocado, n�o podemos negar o fato que para a efetiva��o de uma rela��o entre homens,
cuja suas respectivas facticidades s�o conjecturais porque mediadas eletronicamente, n�o
estabele�am novas significa��es do ser-no-mundo.
Quando as rela��es do ser-no-mundo s�o mediadas pela Internet podemos entend�-las
considerando certa resignifica��o para os conceitos de perigo – quando Minha
transcend�ncia � negada e sou estritamente objeto para o Outro – havendo a indica��o do
sentimento de medo, pois estou em situa��o enquanto facticidade de ser em meio a projetos
que escapam ao entendimento. Sartre (1997, p. 344) afirma que estes sentimentos s�o
fundamentais para a exist�ncia e podem ser entendidos pela dor ou mesmo, no limite, pela
morte que, nada mais �, do que reconhecer a sua exist�ncia pelo corpo como ser-no-mundo.
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Ent�o, indagamos: qual o sentido do perigo e do medo quando certa rela��o � mediada
eletronicamente?
Primeiramente, o Outro para Mim � conjectural, assim como, Eu, para o Outro. Somos
uma esp�cie de presen�a-aus�ncia quando nos relacionamos pela Internet. A facticidade do
ser � de certo modo esvanecida em benef�cio de uma objetiva��o de certa subjetividade que �
a linguagem expressa por meio de representa��es. Determinados sentimentos e no��es podem
ser resignificados e reinterpretados, tais como o de perigo e o medo. Ambos os sentimentos
s�o estabelecidos por Sartre para as rela��es em certo campo material pela facticidade de ser e
s�o fundamentalmente existenciais como atitudes para o Outro, pois s�o estabelecidos a partir
do conflito do ser em situa��o para o Outro, ou seja, � necess�rio Dasein outro no mundo.
Para as rela��es medidas eletronicamente o Dasein deixa de estar em situa��o para o Outro de
modo efetivo, porque � conjectural. O ser-Para-outro � uma caricatura representativa de seus
projetos exibidos pela rela��o mediada eletronicamente.
Os sentimentos de perigo e medo t�m como fundamento a facticidade de ser-no-
mundo e quando ela � de certo modo desvanecida para o Outro, porque a rela��o �
estritamente estabelecida por representa��es, o perigo – sentimento fundamental – � apenas
uma indica��o distante do medo – sentimento derivado – porque n�o h� a possibilidade
presente do Outro me fazer objeto dos seus projetos no mundo pela Minha facticidade de ser.
Em outras palavras, a facticidade do Dasein remete ao corpo e como ele � apenas
conjecturado, o Outro n�o possui meios de me fazer senti-lo por seu corpo, pela dor ou
deleite. O medo como uma esp�cie de proje��o do ser-no-mundo pela refer�ncia de perigo
passa ser limitado porque n�o estou presente ao Outro.
Para as rela��es mediadas eletronicamente os sentimentos de perigo e medo s�o
apenas indica��es do vivido porque carecem de efetividade para o Outro quando se trata de
Mim e para Mim quando trato do Outro. O vivido para cada um destes seres-no-mundo �
meio e o lugar onde se estabelece a rela��o mediada, em que n�o h� a presen�a do outro
Dasein, sen�o de modo conjectural pela representa��o. Este processo pode levar a
manifesta��es e atitudes mais agudas para com o Outro, tanto para deleite ou para asco, j� que
a presen�a do Outro � baseada na dist�ncia, assim como a Minha para ele. Entendemos que os
sentimentos de perigo e de medo s�o de certo modo resignificados, pois apontam a exist�ncia
do Outro de longe, tanto que para constatar este fen�meno, basta acessarmos quaisquer salas
de bate-papo eletr�nicas.
H� dois conjuntos de atitudes para com Outro derivado dos sentimentos de medo e
perigo quando estes s�o tratados por Sartre como sentimentos fundamentais da exist�ncia. O
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primeiro conjunto consiste no amor, na linguagem e no masoquismo e o segundo na
indiferen�a, no sadismo e no �dio. Nenhum dos dois grupos de atitudes � primordial, pois se
referem a certo tipo de reconhecimento e identifica��o com Outro. De modo geral, para o
primeiro grupo, o Eu sublima seu ser para poder se captar enquanto objeto no Outro e, pelo
segundo, o Eu sublima sua exist�ncia para poder se captar enquanto ser no Outro. S� que a
pr�pria ess�ncia remete � exist�ncia, assim como, a exist�ncia � ess�ncia. Eis a origem do
fracasso destas atitudes.
Posicionando os termos, a exist�ncia do ser para uma rela��o mediada eletronicamente
se expressa como linguagem objetivada. Ent�o, como podemos conferir o primeiro grupo de
atitudes para a rela��o mediada? Como o ser pode suprimir sua subjetividade para se por
enquanto objeto para Outro se a pr�pria manifesta��o objetiva dele necessita da linguagem?
Por outro lado, a ess�ncia do ser para uma rela��o mediada coincide com a linguagem
objetivada. Tanto a exist�ncia como a ess�ncia do ser s�o manifestadas para o Outro na forma
de linguagens e representa��es. Trata-se de um ser sem facticidade para Outro, ou melhor,
esta � apenas conjeturada pela utiliza��o de linguagens. Mesmo deste modo, como seria a
indiferen�a estabelecida por este tipo de rela��o? Seria tratar o Outro como objeto de
empreitadas cuja sua fun��o � satisfazer Meu desejo? Como ser s�dico para Outro e este
masoquista para Mim se eu n�o tenho meios materiais de coloc�-lo como objetos entre
objetos no mundo para? E, o �dio?
Considerar estes conjuntos de atitudes de modo conjunto e como um processo pode ser
indicativo de resolu��o na medida em que poder�amos realizar a correspond�ncia entre amor e
�dio, linguagem e indiferen�a e sadismo e masoquismo. Por exemplo, quando as rela��es s�o
mediadas eletronicamente, o amor, a linguagem e o sadismo se estabeleceriam quando certo
homem estabelece como devir uma exposi��o gratuita e com tentativa de gra�a de sua
facticidade para contempla��o alheia – por meio de s�tios eletr�nicos como: Orkut, MSN,
Facebook etc. Colocar-se-ia como objeto entre objetos no mundo em acordo com os projetos
de Outros, sublimando sua subjetividade para o Outro. Contudo, se sua objetividade �
denegada, pode se estabelecer o �dio baseado na indiferen�a e no masoquismo.
Esta assertiva vem a contento se n�o fosse pelo fato que a facticidade do Outro �
representativa e � por estar em situa��o que o Dasein pode manipular uma m�quina para
buscar represent�-la para Outro, que a concebe como representa��o representada e como ser-
Para-si. Sartre estabelece este conjunto de atitudes para as rela��es em certo campo material
em que h� o ser-no-mundo por sua facticidade ser para o Outro. Seria um erro tentarmos
conferi-las para as rela��es mediadas eletronicamente porque, como frisado, a facticidade do
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ser-no-mundo � conjetural e representada. No m�ximo, poder�amos constatar, assim como, o
fizemos para o perigo e para o medo, que estes conjuntos de atitudes para o Outro s�o apenas
indica��es do vivido pelo Dasein sem efetividade para as rela��es mediadas eletronicamente.
De todo modo, entendemos que no limite, as rela��es medidas eletronicamente podem
levar a reifica��o dos homens, pelo fato da facticidade do Outro ser conjecturada, assim
como, a Minha para o Outro. O ser-no-mundo pode se desvanecer em prol da forma��o de um
ser-objeto enquanto uma fulgura do ser. Fulgura, porque de trata de uma caricatura, do
representado. Neste caso, o termo caricatura n�o � somente a representa��o daquilo que penso
que sou como ser-no-mundo, mas tamb�m posso representar aquilo que desejo ser, como ser-
al�m no mundo. Referimos-nos aos avatares poss�veis de serem desenvolvidos por aplicativos
eletr�nicos, a manipula��o de imagens para apresentar ao Outro ou mesmo a cria��o de perfis
falsos – fake profile – em s�tios eletr�nicos de socializa��o. Contudo, para denegar quaisquer
representa��es basta um click no mouse.
Deste modo, poder�amos constatar que h� linguagens e comportamentos espec�ficos
para as rela��es mediadas eletronicamente, pressupondo uma esp�cie de moral espec�fica.
Mas, n�o podemos esquecer que as representa��es e linguagens eletr�nicas possuem como
fundamento aquelas de car�ter objetivo e material. H� o desenvolvimento de ju�zos de valores
e referenciais espa�o-temporais h�bridos que, em alguns casos, podem ter pesos diferenciados
para um dos lados, ou seja, para as rela��es mediadas eletronicamente ou aquelas para certo
campo material – face-a-face. Ent�o, podemos afirmar que a rela��o com o Outro, distante de
encerrar o debate, prop�e abertamente a ideia de aceitar que o Outro � uma consci�ncia
ineg�vel e por isto sempre tende a se postar conflituosamente numa rela��o, seja ela mediada
eletronicamente ou n�o.
A supera��o dos dois conjuntos de atitudes derivados dos sentimentos fundamentais
de perigo e medo ocorre para Sartre pela possibilidade de uma unifica��o do Eu com o Outro
a partir da ideia de um n�s-sujeito e um n�s-objeto. Averiguemos. O n�s-objeto se caracteriza
pela exist�ncia de um terceiro para certa rela��o. Mas, para as rela��es mediadas
eletronicamente Eu sou conjectural assim como o Outro. O que ou quem seria este terceiro? O
terceiro o qual nos referimos n�o � necessariamente Algu�m fact�vel para ambos os
internautas. Perguntar o que � o terceiro � praticamente se referir a m�quina que media a
rela��o e sua linguagem representativa como um terceiro, o que nos parece equivocado. Mas,
pela m�quina, � poss�vel constatar a antipr�xis como um modo de ser-no-mundo a qual nos
indica Outro que atribuiu intencionalidades aos objetos que mediam a rela��o.
217
Ora, como discutimos anteriormente, um dos modos de apari��o do Outro � pela
pr�xis objetivada na mat�ria e como no atual per�odo as t�cnicas tendem a uma unicidade e
ensejam a��es un�vocas aos homens � a antipr�xis que pode nos apontar o Outro indefinido,
ou melhor, Algu�m que determina a minha situa��o e a do Outro. O objeto indica o ser-no-
mundo e este indica o objeto, o qual, pela antipr�xis comum a ambos os sujeitos estabelecem
um modo de ser-no-mundo como n�s-sujeito na medida em que partilhamos um mesmo
projeto. Por exemplo, numa sala de bate-papo boa parte das pessoas possui como projeto
fundamental estabelecer algum tipo de rela��o social, que � um dos fundamentos do n�s-
sujeito.
Mas, para que haja o n�s-sujeito n�o se deve estar para Algu�m, para caracterizamos
enquanto N�s? Ou, a pr�pria rela��o contradit�ria entre os internautas define o N�s? Algu�m
que presencia a rela��o mediada eletronicamente por um dos lados que ela ocorre constata a
exist�ncia do Outro e de Outro conjectural que se expressa por meio de representa��es. Seria
esse o fundamento da rela��o, sempre h� Outro prov�vel? Reenfatizamos o que foi dito. A
antipr�xis � um modo de apari��o do Outro como indica��o do devir que caracteriza o n�s-
sujeito e o n�s-objeto � apontado pela situa��o em que o Dasein se encontra para Outro para
se estabelecer a rela��o mediada.
Retornamos as territorialidades a partir da antipr�xis objetivada como uma pr�xis de
Algu�m, mas diferentemente de quando ela se apresentava somente a um Dasein no mundo
aqui a antipr�xis � a t�cnica a qual possibilita que ocorra a rela��o mediada eletronicamente
entre Eu e o Outro e nos estabelece um projeto em comum. Neste ponto da discuss�o, a
imers�o nas representa��es mediadas se trata de um procedimento derivado do
empreendimento do entendimento para cada Dasein da rela��o em que a sua pr�xis mesmo
que orientada pela estrutura��o das informa��es de hiperm�dia deve ser consciente. � uma
identifica��o previdente do porvir que procura mensurar o devir conforme seus projetos, cujo
conflito se acirra na medida em que o projeto de ser pode se tornar mais exigente e a
antipr�xis mais cerceadora.
Entendemos que quando a antipr�xis � altamente cerceadora aos projetos de ser pode
ocorrer que certos internautas busquem subvert�-la – aqui no sentido mais amplo de
subvers�o, ou seja, de realizar transforma��es profundas –, seja para a racionalidade do
sistema revelada pela antipr�xis ou para as pr�prias limita��es objetivas apresentadas pelos
objetos para a efetiva��o dos projetos. Para ilustrar esta assertiva usaremos dois exemplos: o
primeiro mais singelo e corriqueiro, em que numa rela��o entre duas pessoas a quais se
conheceram e estabelecem rela��es somente mediadas pela Internet resolvem se encontrar
218
pessoalmente. Poder�amos pressupor que o encontro pessoal ocorra porque ambos queiram
estreitar rela��es, sem d�vida que sim, mas n�o podemos descartar que este estreitamento de
la�os afetivos ocorrer� com os dois como seres em situa��o e no mundo, porque pela rela��o
mediada suas presen�as como totalidade de ser s�o apenas conjeturais. O Outro � presen�a-
aus�ncia para cada ser envolvido nesta rela��o e o encontro pessoal por� ambos como Dasein
no mundo pelas suas respectivas facticidades de ser. A necessidade de sentir o Outro e se
sentir pelo Outro subverte as rela��es mediadas por representa��es – quando colocamos as
representa��es como par�metro para a rela��o – para estabelec�-la sob novos par�metros.
Muda-se o fundamento para o n�s-sujeito e o n�s-objeto porque a rela��o n�o � mais mediada
eletronicamente.
O outro exemplo se refere ao desenvolvimento de certos softwares de
compartilhamento de arquivos que, num primeiro momento, ocorreram para acelerar a
velocidade de transfer�ncias e, num segundo momento, devido a impedimentos legais que
foram sendo estabelecidos, principalmente, pelo Governo estadunidense – nos referimos,
respectivamente, a softwares como: Napster43, Kazaa, Emule, Torrent etc. O
compartilhamento de dados era realizado por uma tecnologia denominada peer-to-peer
(ponto-a-ponto) em que se descentralizou a rede do servidor local. Cada computador na rede
se comportava como uma esp�cie de servidor e os internautas podiam comutar seus arquivos.
� no seio da pr�pria antipr�xis que h� a pr�xis subversiva e consciente como uma
esp�cie de cis�o com a racionalidade atribu�da ao sistema de objetos. Neste caso, as
determina��es estruturais da rede levaram certos internautas a se afastar das rela��es
mediadas do modo como lhe � apresentada para se dirigir aos modos de sua concep��o, assim
como, a concep��o dos objetos e da antipr�xis que eles ensejam para que seus projetos
possam ser efetivados e desenvolveram um software que mudou a concep��o vigente de rede.
Considerando estes exemplos constatamos que a totalidade que � apresentada no
campo material ao internauta pode ser destotalizada quando h� certo cerceamento de seus
projetos em dire��o a constitu�-la como totaliza��o. Para o primeiro exemplo, o encontro
pessoal como projeto de ser pode ser a solu��o, j� para o segundo exemplo � mais not�rio que
h� a destotaliza��o da totalidade em dire��o ao entendimento da totaliza��o, o que, em
43 Essa tecnologia foi desenvolvida em 1979 por quatro estudantes da Universidade de Duke na Carolina do Norte, Estados Unidos, para troca de mensagens entre eles, pois eles n�o possu�am acesso a ARPANET – rede de computadores destinada as Universidades de elite no final dos anos da d�cada de1970 e in�cio de 1980 – e se popularizou com a cria��o de softwares de compartilhamento de dados pela Internet no final da d�cada de 1990, com o Napster. O Napster foi desenvolvido por Shawn Fanning, ainda quando estudante, para compartilhar, principalmente, m�sicas em formato MP3, pelo desenvolvimento da tecnologia peer-to-perr, protagonizando, assim, a primeira grande a��o judicial da ind�stria fonogr�fica para as redes de compartilhamento de dados na Internet.
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verdade, ocorre desde o primeiro momento em que o internauta leigo tenta fazer da Internet
um instrumento de realiza��o dos seus projetos. Ou seja, estamos abordando o processo de
entendimento de certo internauta para o modo de estrutura��o da rede de Internet, que ao
analisar a totalidade que lhe � apresentada tenta subvert�-la conforme seus projetos.
Para ambos os exemplos h� o empreendimento do entendimento dos internautas para
superar uma necessidade patente para efetiva��o dos seus projetos. A diferen�a reside que o
segundo exemplo vem a contento para a nossa pesquisa como empreendimento do
entendimento do internauta acerca dos modos constitutivos da rede de Internet. Assim, cabe
tomarmos as contribui��es de outra perspectiva de abordagem geogr�fica a qual possibilite o
entendimento quanto ao modo de localiza��o, distribui��o e organiza��o dos objetos que
estruturam a rede Internet, caracterizando as intencionalidades atribu�das aos objetos e o
modo como se constituem em certas territorialidades que extravasam a totalidade do modo
que � apresentada ao internauta.
4.4. EspaÖo e espacialidades para a rede de Internet
A perspectiva de abordagem geogr�fica a qual possibilita o entendimento quanto ao
modo de localiza��o, distribui��o e organiza��o dos objetos que estruturam a rede Internet �
apenas uma dos modos poss�veis de entendimento para as rela��es mediadas eletronicamente.
Poder�amos encaminh�-la para outros tantos modos de interpreta��o, como por exemplo: uma
discuss�o a respeito do design de softwares ou mesmo o desenvolvimento de hardwares.
Cada uma destas discuss�es apontaria para um �mbito espec�fico de entendimento e, por
conseguinte, possui um conhecimento sistematizado e institucionalizado para sua an�lise e
desenvolvimento – por exemplo: ci�ncias da computa��o, engenharia da computa��o, ci�ncias
da informa��o, sistemas de informa��o, desenvolvimento de sistemas etc.
Poder�amos tentar constatar com os internautas, destacadamente, como os previdentes
entendem o modo de estrutura��o dos principais objetos t�cnicos que comp�em a rede de
Internet como totaliza��o para certa totalidade. Por um lado, poder�amos incorrer numa
loquacidade de temas que levaram o internauta previdente a entender as formas de
estrutura��o da rede. De algum modo, este procedimento indicaria o modo de estrutura��o da
rede de Internet em conformidade com a bibliografia especializada, pois � pelo conhecimento
especializado e sistematizado que � desenvolvida a rede.
O entendimento do internauta deve corresponder de certo modo ao conhecimento
cientifico para o modo de estrutura��o da rede de Internet, pois, atualmente, a ci�ncia precede
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a t�cnica como elemento din�mico do modo capitalista de produ��o e o pr�prio exerc�cio
consciente da pr�xis dos internautas perpassa, tamb�m, o conhecimento cient�fico.
Deste modo, utilizaremos algumas contribui��es das ci�ncias especializadas no
desenvolvimento de redes de telecomunica��o em conson�ncia com as discuss�es geogr�ficas
para podermos discutir quanto � localiza��o, distribui��o e organiza��o dos objetos que
estruturam a rede de Internet. Isto n�o implica que o ser-no-mundo � posto de lado na
discuss�o e sim que esta discuss�o � um dos modos de entendimento do ser-no-mundo, neste
ponto, como abstrato concreto.
Partiremos do modelo ISO/OSI para entendermos o modo de estrutura��o da rede de
Internet. Este modelo tem como objetivo desenvolver padr�es de conectividade para interligar
sistemas de computadores, indicando o conjunto de objetos e as interela��es necess�rias entre
eles para que ocorra a rela��o de interface. O modelo destaca tanto os objetos como as suas
fun��es espec�ficas, dividindo o sistema em sete camadas.
Tabela 3: Modelo ISO/OSI
Camada 1 F�sicaCamada 2 EnlaceCamada 3 RedeCamada 4 TransporteCamada 5 Sess�oCamada 6 Apresenta��oCamada 7 Aplica��o
Fonte: CYCLADES, 1996, p. 41.
Baseando-nos em Cyclades (1996, p. 41-42) e Teleco (2010), temos para cada camada
do sistema:
Camada f�sica: compreende as especifica��es do hardware utilizado na rede
(aspectos mec�nicos, el�tricos e f�sicos);
Camada de enlace: respons�vel pelo acesso l�gico ao meio f�sico da rede, com
a transmiss�o e reconhecimento de erros;
Camada de rede: estabelece a conex�o l�gica entre dois pontos, cuidando do
tr�fego e distribui��o dos dados da rede;
221
Camada de transporte: controla a transfer�ncia de dados e transmiss�es, como
os protocolos TCP/IP;
Camada de sess�o: reconhece os n�s da rede e configura a tabela de
endere�amento entre fonte e destino;
Camada de apresenta��o: transfere informa��es de um software de aplica��o
da camada de sess�o pra um sistema operacional, por exemplo, MS Windows;
Camada de aplica��o: � apresentada ao usu�rio final na forma de aplicativos –
correio eletr�nico, aplicativos de busca, transfer�ncias de dados etc. – que solicita os servi�os
as camadas inferiores.
Num primeiro momento, � pela primeira camada, aquela que se manifesta no meio
como campo material, que dever�amos reter nossa aten��o para verificarmos a distribui��o e
organiza��o de alguns dos objetos que estruturam a rede de Internet. Todavia, como a camada
f�sica perpassa todos os objetos que comp�em a rede, cabe averiguarmos os principais
aspectos das camadas subjacentes pela carga de funcionalidade atribu�da aos objetos, o que
torna poss�vel entender a sua din�mica sist�mica e a forma representativa que se manifestar�
ao internauta.
De acordo com a divis�o sugerida no modelo ISO/OSI cada camada se refere a
fun��es espec�ficas de certos objetos para a rede de Internet e em todas as camadas se
pressup�e a exist�ncia de cabos ou a utiliza��o de ondas eletromagn�ticas para a transmiss�o
de dados. Deste modo, por meio da Figura 2, indicaremos os principais objetos e suas
respectivas funcionalidades levando em conta cada camada proposta pelo modelo ISO/OSI.
222
Por meio da Figura 2, representamos uma infraestrutura b�sica para a rede de Internet,
em dois blocos. O primeiro se trata de uma rede em que h� a liga��o de v�rios sistemas
aut�nomos e os principais objetos que o comp�em, a segunda, uma representa��o do sistema
aut�nomo isolado.
Para o sistema aut�nomo representado na Figura 2, que � correlacionado ao backbone
Internet, temos o PASI (Provedor de Acesso a Internet) ou, em ingl�s, ISP (Internet Service
Provider) que prov� conex�o � Internet aos internautas utilizando normalmente a rede
telef�nica para acesso discado. S�o oferecidas tamb�m conex�es de banda larga como o
ADSL (Assymmetric Digital Subscriber Line), via TV � Cabo ou por meio da rede de
telefonia m�vel celular. As conex�es dos internautas � Internet ocorrem pelo POP (Point in
Presence) mais pr�ximo. Os pontos de presen�a est�o conectados �s instala��es centrais do
PASI onde est�o localizados o servidor de e-mails e o servidor Web, al�m das conex�es ao
Backbone Internet. Todos eles est�o na camada de rede e enlace.
Para facilitar o acesso dos internautas aos servidores de Internet foram estabelecidos
endere�os em forma de texto, dom�nios. Os servidores de DNS (Domain Name System)
estabele�am a liga��o entre a camada de transporte e de sess�o, tendo como principal fun��o
mapear os endere�os de dom�nios TCP/IP. Por exemplo, ao consultar uma p�gina na Internet
como google.com.br n�o � necess�rio o internauta digitar o endere�o de IP desta p�gina
Figura 2: Infraestrutura b�sica para a rede de Internet
Fonte: Teleco, 2010.
223
eletr�nica, que � 209.85.195.14744. A primeira coisa que o navegador web do internauta faz �
solicitar a um servidor de DNS, na rede qual o endere�o de IP est� hospedado sob este
dom�nio, o acesso ao s�tio eletr�nico. O dom�nio desse s�tio eletr�nico � com, destinados as
institui��es comerciais, mas h� aqueles destinados institui��es militares (mil), educacionais
(edu), governamentais (gov) etc.
O endere�o de IP permite apenas a localiza��o de um computador conectado � rede de
Internet, desde os usuais PCs (Personal Computer) aos mainframes utilizados pelos
servidores. Para a execu��o do servi�o solicitado � necess�rio, tamb�m, o port – porta de
entrada de dados de determinado computador – e o TCP – para a sele��o de um dos
protocolos de comunica��o. S�o estes tr�s elementos articulados – IP, port e TCP –, que est�o
na camada de apresenta��o e aplica��o, permitem a transfer�ncias de dados entre os
computadores para a rede de Internet por meio do servidor DNS.
Ap�s solicitar ao servidor DNS o acesso a um s�tio eletr�nico � enviado um protocolo
TCP ao servidor Web, que obt�m o endere�o IP do solicitante e estabelece uma conex�o em
n�vel de transporte, usando o protocolo TCP. Estabelecida a conex�o, o browser do internauta
envia o pedido, normalmente na forma HTTP, que � respondido pelo servidor Web. Caso a
p�gina eletr�nica solicitada contenha recursos anexos, como imagens, s�o estabelecidas
conex�es em paralelo para sua obten��o.
Um sistema aut�nomo � uma rede ou conjunto de redes que est� sob uma �nica gest�o
e que podem ser conectados com outros sistemas aut�nomos por meio de um PTT (Ponto de
Transfer�ncia de Tr�fego) ou, em ingl�s, NAP (Network Acess Point). Uma das fun��es dos
PTTs � gerir e rotear os dados entre os sistemas aut�nomos conectados. O Backbone Internet
� formado por v�rios backbones ou sistemas aut�nomos. Os backbones s�o a espinha dorsal
da rede Internet, uma linha-tronco com m�ltiplos cabos de fibra �tica combinados para
aumentar a sua capacidade de transmiss�o de dados.
O entendimento quando ao modo de estrutura��o da rede de Internet n�o � aleat�ria e
sim � organizada segundo a especificidade funcional de cada objeto para o sistema. Indica
uma racionalidade precedente a instaura��o da rede. Como, atualmente, os principais
backbones com alta capacidade e velocidade de transmiss�o de dados est�o sob dom�nio de
algumas grandes empresas e holdings � ineg�vel o apelo da racionalidade capitalista para a
presta��o deste servi�o de comunica��o.
44 Para descobrir o endere�o de IP de quaisquer p�ginas eletr�nicas basta realizar o seguinte procedimento: Menu Iniciar; op��o “Programas”; op��o “Acess�rios”; selecione o “Prompt de Comando” e digite: ping para o s�tio eletr�nico desejado, por exemplo: www.google.com.br
224
� levando em conta a racionalidade capitalista e o modo de estrutura��o da rede que
entendemos que a categoria espa�o emerge para essa discuss�o como uma abstra��o concreta
para a totalidade apresentada ao internauta, que agora � totaliza��o. � o �mbito da forma,
como mencionado por Silva, em que a reflex�o pode governar a pr�xis como um modo ser-
no-mundo tendo consci�ncia da antipr�xis. N�o poderia ser de outro modo, sen�o n�o
poder�amos entender como certas a��es dos internautas levam a questionar a racionalidade
capitalista instaurada no seio da Internet ou mesmo mudar a concep��o quanto a modo de
estrutura��o da rede.
Retomando o exemplo para o desenvolvimento dos softwares para compartilhamento
de arquivos � poss�vel entendermos que isso ocorreu porque a estrutura de rede da �poca s�
possibilitava transfer�ncias de dados de modo muito lento. No seio dessa determina��o se
desenvolveu as transfer�ncias peer-to-peer (ponto-a-ponto) em que os arquivos eram
transferidos por diversos internautas conectados a rede ao inv�s de estarem em um �nico
servidor. Utilizando-se de uma mesma estrutura de rede se desenvolveu um software que
modificou o modo de se transferir dados pela rede e a pr�pria concep��o de rede, pois os
servidores deixaram de ser os elementos centrais para os internautas.
Estes softwares passaram a serem utilizados para transfer�ncias de dados
indiferentemente aos diretos autorais, o que levou a execu��o de v�rios processos jur�dicos,
principalmente, pelo Governo estadunidense e pelas empresas privadas que sentiram
prejudicadas. Quando estes softwares de compartilhamento de arquivos deixaram de ser
veiculados na Internet foi desenvolvido s�tios eletr�nicos que propiciavam que qualquer
internauta cadastrado poderia possibilitar a outros internautas seus arquivos “pendurados” ou
“upados” para download – por exemplo: Megauploud, Rapidshare, Depositfiles etc.
Atualmente, os propriet�rios destes s�tios eletr�nicos est�o sofrendo a��es judiciais e h� a
vota��o no Congresso estadunidense de duas leis antipirataria para a Internet – a SOPA (Stop
Online Piracy Act) e a PIPA (Protect IP Act).
As a��es governamentais e a vota��o das leis antipirataria no Congresso estadunidense
desencadearam uma s�rie de protestos pelo mundo, culminando com ataques a s�tios
eletr�nicos governamentais, de grandes empresas de m�dias e de quaisquer entidades que se
mostrassem a favor das leis. Os principais ataques foram atribu�dos a um grupo de hackers –
formado por internautas de diversos pa�ses – denominado Anonymous.
N�o � poss�vel concebermos que a invas�o de um hacker em s�tios eletr�nicos como o
do FBI (Federal Bureau Investigation) seja operada por um internauta leigo. Sem d�vida que
foi operado por um internauta previdente que n�o s� possui conhecimento quando ao modo de
225
estrutura��o das informa��es em hiperm�dia e sim entende como � o funcionamento da rede
de Internet, ou seja, como a rede � estruturada e quais s�o as determina��es e possibilidades
de subvers�o da racionalidade imposta. Do mesmo modo que o desenvolvimento dos
softwares para compartilhamento de dados ponto-a-ponto n�o se deve a um internauta leigo.
O compartilhamento ponto-a-ponto descentraliza a rede para um servidor e estabelece que
cada computador conectado na rede seja uma esp�cie de servidor.
Estes internautas previdentes que mencionamos possuem um conhecimento
especializado quanto o modo de estrutura��o das informa��es de hiperm�dia e quanto �
funcionalidade dos principais objetos que constituem a rede e, o mais importante, de que
modo � estabelecida a interela��o entre os objetos t�cnicos. Porque neste caso n�o basta ter o
entendimento de certas linguagens de programa��o de softwares – evidenciando a forma de
estrutura��o das informa��es – e sim � necess�rio entender como por um software se pode
mudar a estrutura material que fundamenta a rede – hardware. Isto implica num entendimento
que perpassa boa parte das camadas propostas pelo modelo ISO/OSI e as determina��es a
seus projetos de ser.
Esta discuss�o poderia se encerar por aqui, pois entendemos que j� est� posto como o
internauta previdente n�o apreende a totalidade que lhe � apresentada pelo computador do
mesmo modo como o internauta leigo ou intermedi�rio, porque esta totalidade para ele possui
liga��es conceituais, s�o frutos de rela��es de rela��es, se trata de uma abstra��o concreta, � a
totalidade pela totaliza��o. Em outros termos, aquilo que era paisagem agora � espacialidade
para o internauta. Contudo, se encerr�ssemos a an�lise por aqui deixar�amos de lado a
localiza��o e distribui��o dos principais objetos que estruturam a rede de Internet na medida
em que s� conseguimos at� agora evidenciar o seu modo de organiza��o.
Para este momento da an�lise, concordamos com Santos quando ele afirma que o
espa�o de certo modo determina o lugar, porque se pelo empreendimento do entendimento do
Dasein em dire��o a constituir a totalidade pela totaliza��o, ou melhor, constituir a paisagem
em espacialidade pelo movimento totalizador, que � o espa�o, conseguimos abordar alguns
elementos constitutivos para as rela��es de Internet, agora o espa�o deve ser a refer�ncia da
an�lise enquanto abstrato concreto. Pois, se buscamos regressivamente explorar a
profundidade do vivido para as rela��es de Internet, ao mesmo tempo, em que, cada vez mais,
nos aproxim�vamos quanto ao entendimento do movimento totalizador, agora se torna
poss�vel abordar progressivamente alguns elementos acerca das din�micas do movimento
totalizador que determinam a rede.
226
Abordar o movimento totalizador ou o espa�o geogr�fico como espacialidade para o
ser-no-mundo s� pode ocorrer nesse momento da an�lise em que a totaliza��o n�o �
precedente a totalidade. N�o se concebe o que � o espa�o geogr�fico para depois determinar
os lugares. � pelo lugar que h� o espa�o geogr�fico como totaliza��o de certa totalidade.
Deste modo, a propositura de Santos � tomada de um novo modo, como fruto do
empreendimento do entendimento do ser-no-mundo que indica as rela��es de rela��es para os
objetos e suas respectivas funcionalidades em que a categoria espa�o geogr�fico � o abstrato
concreto.
A imers�o do internauta previdente pode nos revelar os elementos e as rela��es
constitutivas essenciais da rede de Internet, destacando, o modo de organiza��o dos objetos.
Ora, mas a organiza��o dos objetos e suas respectivas funcionalidades designam para certa
racionalidade que governa a rede como uma antipr�xis cerceadora dos projetos dos
internautas. Revela-se outro �mbito para an�lise que extravasa a rela��o mediada, pois a a
racionalidade gestora da rede � mesma que tenta gerir a cotidianidade dos homens, a l�gica do
modo capitalista de produ��o.
A racionalidade capitalista n�o pode ser justificada pelo �mbito que � a rede de
Internet, pois consideramos at� aqui somente os lugares e em que se � poss�vel estabelecer as
rela��es medidas eletronicamente. Contudo, como nem todos os lugares s�o dotados de
infraestrutura de Internet e quando possuem, eles n�o ocorrem com a mesma qualidade de
conex�o. � necess�rio ter claro que racionalidade que concebe a rede de Internet precede o
uso do internauta, por isso al�m da organiza��o interna h� a organiza��o territorial para a rede
de Internet.
� neste �mbito de an�lise que ora imergiremos para identificar os modos como �
distribu�do o conjunto de sistemas de objetos que possibilitam aos internautas o uso da rede.
Poderia se indagar se o internauta toma consci�ncia para a localiza��o e distribui��o dos
objetos que lhe possibilitam o acesso � rede ou mesmo dos lugares que n�o possuem o acesso
devido � car�ncia de infraestrutura. N�o � poss�vel afirmar com exatid�o que sim ou n�o,
porque obter ou n�o esse entendimento se trata de uma op��o do internauta, mas sem d�vida
que um internauta previdente sempre pode mensurar a qualidade de conex�o � Internet que
lhe est� dispon�vel nos lugares para efetivar seus projetos. Ao busc�-lo, ele poder� diferenciar
os lugares pela qualidade de conex�o � Internet.
O que pretendemos fazer � levar esta problem�tica no limite em que seja justific�vel
porque h� lugares com maior possibilidade de conex�o � Internet em detrimentos de outros e
porque h� lugares, ou mesmo regi�es, que n�o disp�em de acesso � Internet. Uns dos modos
227
de mensurar a capacidade de transmiss�o de dados que determinados internautas disp�em �
identificando a quantidade de assinantes de banda larga em determinada �rea. Por este dado
podemos inferir que esta �rea ter� maior concentra��o de servidores, cabos com alta
velocidade de transmiss�o e backbones de alta velocidade.
Tabela 4: Pa�ses com maior quantidade de assinantes de banda larga (2007)
Pa�sAssinantes de banda
larga
Rela��o de assinantes de banda larga com a popula��o absoluta
E.U.A 66.213.257 21.9 %China 48.500.000 3.7 %Jap�o 27.152.349 21.1 %
Alemanha 17.472.000 21.2 %Cor�ia do Sul 14.042.728 27.4 %Reino Unido 13.957.111 23.1 %
Fran�a 13.677.000 22.3 %It�lia 9.427.300 15.8 %
Canad� 7.675.533 23.7 %Espanha 7.505.456 16.7 %Brasil 6.417.000 3.4 %
Holanda 5.388.000 32.8 %Taiwan 4.505.800 19.6 %
Austr�lia 3.939.288 18.8 %M�xico 3.728.150 3.5 %Turquia 3.632.700 4.8 %R�ssia 2.900.000 2.0 %Pol�nia 2.640.000 6.9 %�ndia 2.520.000 0.2 %
Su�cia 2.478.003 27.2 %
Fonte: http://www.Internetworldstats.com/dsl.htm
Como podemos notar pela leitura da tabela 4, boa parte dos pa�ses com grande
quantidade de assinantes de banda larga � constitu�da por aqueles considerados
economicamente desenvolvidos, destacando-se o Brasil, que se situa em 11� lugar, com
aproximadamente 6.417.000 assinantes. Contudo, no Brasil, apenas 3,4% de sua popula��o
absoluta tem acesso � Internet de banda larga. Isto indica que poucos brasileiros possuem
acesso a este tipo de servi�o, mesmo que este n�mero possua expressividade mundial.
Ao considerarmos os diferentes modos de acesso � Internet, n�o nos restringindo
apenas � banda larga – por exemplo, por meio de acesso discado, sem fio, via r�dio etc. –, �
poss�vel perceber que pa�ses considerados de economia emergente possuem uma grande
quantidade de internautas, por�m, abrangendo uma faixa estreita de sua popula��o absoluta,
como demonstrado na tabela 5.
228
S�o os pa�ses de economia desenvolvida e aqueles de economia emergente que
possuem a maior quantidade de internautas no mundo; os primeiros possuem maior
quantidade de assinantes de banda larga em rela��o aos segundos, o que denota uma
distribui��o desigual dos objetos e das rela��es poss�veis deles com os habitantes de um pa�s.
Por meio de uma representa��o cartogr�fica, podemos aproximar ainda mais os dados
trabalhados com o tema abordado.
Tabela 5: Os 10 pa�ses com maior quantidade de usu�rios de Internet (2011)
Pa�s Usu�rios de Internet
Rela��o de usu�rios de Internet com a popula��o absoluta
China 485.000.000 36.3 %E.U.A 245.000.000 78.2 %�ndia 100.000.000 8.4 %Jap�o 99.182.000 78.4 %Brasil 75.982.000 37.4 %
Alemanha 65.125.000 79.9 %R�ssia 59.700.000 43.0 %
Reino Unido 51.442.100 82.0 %Fran�a 45.262.000 69.5 %Nig�ria 43.982.200 36.3 %
Fonte: http://www.Internetworldstats.com/top20.htm
Mapa 1: Densidade de usu�rios de Internet no mundo, 2011
229
Os espa�os opacos – met�fora utilizada por Santos para definir os lugares menos
dotados de certos conte�dos t�cnicos – para a rede de Internet no mundo est�o,
principalmente, no continente africano, em alguns pa�ses do sul da �sia e norte da Oceania.
No Brasil, este fen�meno pode ser evidenciado pela concentra��o dos backbones de uso
comercial e aqueles destinados � pesquisa, como � o caso da RNP (Rede Nacional de Ensino e
Pesquisa)45 nas �reas de maior desenvolvimento econ�mico, como a Regi�o Sudeste e o
Distrito Federal, com ramifica��es de menor velocidade para boa parte das capitais
brasileiras, como pode ser visto no mapa 2.
45 A RNP exp�e, em seu s�tio eletr�nico <http://www.rnp. br/backbone>, a rede de Internet denominada “Rede Ip�” que se destina � permuta cient�fica entre as diversas institui��es de ensino e pesquisa do Brasil, assim como as redes com destina��o comercial. Neste s�tio eletr�nico, pelo link <http://www.rnp. br/ceo/trafego/panorama.php>, � poss�vel visualizar o fluxo de dados em tempo real dos principais backbones no Brasil.
Mapa 2: Distribui��o dos backbones e fluxo de dados no Brasil,
230
DWDM (Dense Wavelenght Division Multiplexing), SDH (Synchronous Digital
Hierarchy) e PDH (Plesiochronous Division Hierarchy) s�o diferentes tipos de tecnologias de
transporte de dados digitais, ou seja, � a forma pela qual os pacotes de dados, que cont�m as
informa��es, s�o enviados numa determinada rede. A primeira e a segunda tecnologia
possuem maior capacidade de transmiss�o, s�o mais velozes e mais usuais em rela��o � PDH,
tecnologia obsoleta e mais lenta para transmiss�o de dados.
As cidades de S�o Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Distrito Federal contam
com a tecnologia DWDM, com velocidade de transmiss�o de dados muito superior a outros
pontos da rede nacional – por volta de 10 Gbps ou 10.240 Mbps. Do mesmo modo, as capitais
dos Estados da Regi�o Sul e Nordeste tamb�m se utilizam da tecnologia DWDM, todavia com
velocidade quatro vezes menor do que o primeiro grupo de estados brasileiros mencionados –
2,5 Gbps. As demais regi�es utilizam tecnologias inferiores � DWDM, o que acarreta menor
velocidade e menor densidade das informa��es veiculadas – variando de 16 a 1706 vezes
menor.
Pelo mapa 2, que representa o fluxo e a velocidade dispon�vel para o transporte de
dados da rede RNP, destinada aos centros de pesquisas e universidades brasileiras. � poss�vel
identificar pelo mapa 2 que a parte da rede com maior velocidade de transmiss�o e mais
moderna est� concentrada na Regi�o Sul e Sudeste do Brasil. Pelo pr�prio processo hist�rico
de constitui��o destas Regi�es, como centros econ�mico e financeiro e Bras�lia como capital
pol�tica da Uni�o Federativa, pode justificar, num primeiro momento, a concentra��o deste
servi�o por haver a concentra��o das Institui��es de Ensino Superior, Cursos de P�s-
Gradua��o e de centro de pesquisas. A oferta e qualidade do servi�o de acesso � Internet
colaboram com o desenvolvimento acad�mico de uma grande quantidade de estudantes e
pesquisadores, notadamente nos Estados de S�o Paulo e Rio de Janeiro46.
A identifica��o do modo de distribui��o dos objetos pode caracterizar aquilo que
Santos coloca como a ci�ncia precedendo a t�cnica para o desenvolvimento do modo
capitalista de produ��o47, em que h� a reprodu��o das rela��es sociais de produ��o. Ou seja,
algumas das cidades destas regi�es mencionadas, pelo processo hist�rico de concentra��o
produtiva e centraliza��o econ�mica e financeira, concentram, tamb�m, o aporte t�cnico e o
desenvolvimento tecnol�gico por meios de centros de pesquisas e s�o as mais dotadas da
infraestrutura necess�ria para a instala��o dos objetos que comp�em a rede de Internet. Isto
acarreta na reprodu��o das desigualdades sociais e espaciais quando levamos em conta
46 IBGE. 2007, p. 148.47 Cf. SANTOS, 2002.
231
somente a distribui��o e organiza��o da rede de Internet no Brasil. Outros dados relevantes: a
Regi�o Sudeste concentra 58% dos servidores e cabeamentos de alta velocidade da rede
secund�ria derivada dos backbones, tanto para aqueles privados como os p�blicos, que � o
caso da RNP, e sendo 12% no munic�pio de S�o Paulo e 8% no Estado do Rio de Janeiro.48
Por qualquer vi�s que busquemos abordar o processo de concentra��o da
infraestrutura de Internet nas Regi�es Sul e Sudeste do Brasil nos remeteremos ao pr�prio
processo de hist�rico de concentra��o das atividades econ�micas e financeiras. Mesmo
considerando que atualmente a infraestrutura de Internet seja cada vez mais capilarizada e os
objetos que estruturam este sistema tende a uma distribui��o pelas diversas regi�es
brasileiras, a Regi�es Sul e Sudeste possuem as conex�es de maiores velocidades, o que
denota n�o somente a intensidade de sua din�mica interna e sim, tamb�m, um processo de
centraliza��o das atividades econ�micas e financeiras no Brasil. Pela met�fora utilizada por
Santos podemos considerar estas regi�es como luminosas porque s�o gestoras de territ�rios.
A instala��o concentrada da infraestrutura de Internet no Brasil foi realizada,
inicialmente, por �rg�os estatais das respectivas Unidades Federativas, por�m, pouco tempo
depois, com a emerg�ncia da RNP – implantada pelo Governo Federal – estas estruturas
continuam sendo desenvolvidas de maneira concentrada, como � hoje. Talvez, uma maneira
de sen�o descentralizar, mas ao menos indicar perspectivas de desconcentra��o desta
infraestrutura pode estar na proposta do Governo Federal em utilizar o excedente das redes de
Internet de certas entidades estatais para acesso p�blico por um baixo custo – abordaremos a
esta proposta de governo mais adiante.
Se an�lise da distribui��o dos objetos que estruturam a rede RNP sugere um processo
de concentra��o, a an�lise dos backbones privados, principalmente aqueles de uso comercial e
os provedores de acesso � Internet pode possibilitar novos indicativos. Os principais
provedores privados de backbones no Brasil s�o: Impsat/Global Crossing, LA Nautilus,
TVA/Ajato e Comsat; e, as principais empresas prestadoras de servi�o de Internet que
proveem seu acesso s�o: Embratel, Oi/Brt, Eletronet, Telef�nica e GVT.
Notadamente, a Embratel, possui o maior backbone nacional e da Am�rica Latina,
tanto em termos de abrang�ncia como em capacidade de circuitos de transmiss�o de dados,
nacional e internacionalmente. Isto se deve em muito ao processo de privatiza��o realizado
nos governos presididos por FHC (Fernando Henrique Cardoso). Umas das ideias centrais
para a privatiza��o das companhias estatais de telecomunica��es eram estimular a
48 Cf. GOMES, 2008.
232
participa��o de capitais privados no seu desenvolvimento. Na pr�tica, a reforma do sistema
realizada no Governo FHC se caracterizou pela fragmenta��o do Sistema Telebr�s, o qual
formava o sistema empresas regionais e estaduais, entre elas: a Telesp, Telerj, Telebras�lia,
al�m da operadora de longa dist�ncia Embratel. Surge da� uma nova estrutura de mercado,
com profundas altera��es nas rela��es entre matriz e filial e com a introdu��o de novas
tecnologias.
Como era de se esperar, o leil�o da Telebr�s correspondeu �s expectativas do governo no que se refere � organiza��o, rapidez nas negocia��es e, principalmente, pelos R$ 22 bilh�es arrecadados (uma vez que o pre�o m�nimo – depreciado - havia sido estabelecido em R$ 13 bilh�es). A supera��o desse valor foi atribu�da ao grande n�mero de participantes do leil�o em decorr�ncia das expectativas de um crescimento do mercado que contava com uma demanda fortemente reprimida, sobretudo a partir dos anos 1980. As europ�ias Telef�nica de Espa�a e Telecom It�lia foram as grandes vencedoras do leil�o, adquirindo as companhias mais valorizadas. (MONTEIRO, 2008, p. 50)
Criada em 1998, a Embratel foi uma das holdings que resultou da cis�o do Sistema
Telebr�s para o processo de privatiza��o. A empresa foi comprada pela MCI Internacional, e
em meados de 2004, a Telmex (Tel�fonos de M�xico) adquiriu o seu controle. Hoje a Telmex
� acionista maioritaria da Embratel – com mais de 98% – , Claro e Net.
Quanto a Telef�nica, a empresa come�ou a atuar no Brasil quando adquiriu parte da
CRT (Companhia Riograndense de Telecomunica��es) em 1995. A CRT n�o fazia parte da
Telebr�s, pois era de compet�ncia estadual. Em 1998 a Telef�nica comprou a CRT e passou a
operar na regi�o Sudeste e Nordeste do Brasil, tendo como principais aquisi��es: a estatal
paulista TELESP, a Tele Sudeste Celular (Rio de Janeiro e Esp�rito Santo) e a Tele Leste
Celular (Bahia e Sergipe). Atualmente, a Telef�nica de Espa�a � detentora das a��es da Vivo
e TVA/Ajato.
A atual Oi Participa��es, antiga Telemar, via o Banco Opportunity, adquiriu no
mesmo leil�o em que participou a Telef�nica de Espa�a as fra��es da Tele Norte Leste,
Telemig Celular, Tele Norte Celular. A Brasil Telecom adquiriu neste leil�o a Tele Centro
Sul. No ano de 2009 a ent�o Telemar se funde a Brasil Telecom e passa a ser segunda maior
fornecedora de conex�o a provedores de Internet do Brasil – seu backbone oferece servi�o a
com 31,3% dos provedores nacionais, a Embratel possui 41, 2%.Do mercado, a Telef�nica
possui 12,3% e a GVT 3%.49
49 Cf. Teleco. 2010.
233
A Oi/Brt, ap�s a compra da Brasil Telecom pela Telemar, diferentemente de suas
principais concorrentes, possui para o ano de 2011 uma estrutura acion�ria descentralizada: os
grupos Andrade Gutierrez e La Fonte possuem cada um, 19,33% das a��es. A Funda��o
Atl�ntico, fundo de pens�o dos funcion�rios da Oi, 11,50%. O BNDESPar, setor financeiro do
BNDES, possui 31,38% das a��es; a PREVI, fundo de pens�o dos funcion�rios do Banco do
Brasil, com 12,94%; a PETROS, fundo de pens�o dos funcion�rios da Petrobras, com 2,73%;
e a FUNCEF, fundo de pens�o dos funcion�rios da Caixa Econ�mica Federal, com 2,79% das
a��es. (Oi, 2011). No ano de 2011 a Oi S.A. passou a ser controlada pela Oi Participa��es
S.A., que, por sua vez, � controlada pela Solpart Participa��es S.A., que det�m 51% do capital
votante e 18,78% do capital total. Os acionistas da Solpart s�o: Invitel S.A., cujo capital social
� detido por Investidores Institucionais, CVC International, PREVI, Funda��o 14 e
Opportunity Fund.
Atualmente, mais de 50% das a��es da Oi/Brt est�o sob controle dos fundos de pens�o
estatais quando consideramos as fra��es acion�rias investidas de forma direta e indireta. Este
cen�rio estabelece uma perspectiva diferente para o setor de telecomunica��es, em que as
concorrentes diretas da Oi Participa��es possuem a sua composi��o acion�ria praticamente
restrita as suas respectivas institui��es privadas. Processo que coloca uma proposta sen�o
antag�nica, mas no m�nimo diferente em rela��o aos princ�pios neoliberais adotado pelo
governo FHC para o conturbado processo de privatiza��o das ent�o empresas estatais de
telecomunica��es.
Por ora, � muito cedo para realizar uma avalia��o desta nova perspectiva de
governan�a, mas � poss�vel notar que a ascend�ncia da Oi/Brt, com o aux�lio do Governo
Federal, modificou um pouco o cen�rio oligopolista das empresas de telecomunica��es no
Brasil, que se restringia principalmente aos servi�os prestados pela Embratel e pela
Telef�nica. Outro indicativo de mudan�a de postura pol�tica � o do PNBL (Plano Nacional de
Banda Larga) lan�ado no Governo Lula. Ele consiste massificar o acesso � infraestrutura da
rede de Internet e ampliar a concorr�ncia na presta��o desses servi�os junto aos provedores de
Internet no Brasil, reduzindo em at� o 70% o pre�o da banda larga. O projeto prev� a
utiliza��o do excedente de determinados backbones, principalmente, o da Eletronet e de
outras redes estatais, como: Eletronorte (Regi�o Norte), da Copel Telecom (Paran�), Infovias
(Minas Gerais), redes metropolitanas como as Redecomep da RNP, al�m das redes de outras
estatais tamb�m detentoras de cabos �ticos pr�prios, tais como Chesf, Furnas, Eletrosul e
Petrobr�s. (BRASIL, p. 92-94, 2010)
234
O projeto feito no Governo Lula pretendia utilizar a extensa rede da Eletronet, com
mais de 16.000 km em fibra �tica, que integra seu sistema de transmiss�o de dados com as
redes de transmiss�o de energia el�trica. A Eletronet possui como principais acionistas a
Eletrobr�s, controladora das empresas de transmiss�o de energia el�trica do Brasil, e a norte-
americana AES Corporation.
A ideia de aumentar a infraestrutura da rede de Internet tamb�m se atrela a maior
distribui��o dos objetos que estruturam a rede no territ�rio nacional, a amplia��o da
concorr�ncia na presta��o deste servi�o, a diminui��o dos custos e o aumento do n�mero de
acessos de internautas � rede. O PNBL indica um processo de desconcentra��o das redes de
Internet no Brasil, ao mesmo tempo em que, possibilitar� o aumento do n�mero de internautas
e de um mercado em potencial. A emerg�ncia de novos mercados poderia apontar para um
processo de descentraliza��o das atividades comerciais realizadas pela Internet? Num
primeiro momento entendemos que n�o. Mesmo que o com�rcio pela rede de Internet n�o
pressup�e que o comerciante esteja pr�ximo ao seu cliente, a desconcentra��o da
infraestrutura de Internet pode indicar ao menos certa reorganiza��o desta rede no Brasil.
Servidores, POPs e PTTs ter�o de serem instalados em locais onde at� ent�o a infraestrutura �
prec�ria, o que pode incitar ao desenvolvimento de atividades regionais ligadas a Internet.
Pelo PNBL a Regi�o Norte seria beneficiada pela utiliza��o da rede da Eletronorte e da RNP,
a Regi�o Nordeste pela rede da Eletronet e da Chesf e a Regi�o Centro-oeste pela rede de
Furnas.
Um dos argumentos utilizados pelo Governo Lula para a implementa��o do PNBL
consiste na melhor distribui��o da infraestrutura de Internet pelo Brasil e na descentraliza��o
da presta��o deste servi�o para evitar que ocorram problemas como, por exemplo, o “apag�o”
na rede em meados de 2008, quando uma falha na rede da Telef�nica “derrubou” boa parte
dos provedores de acesso � Internet no Estado de S�o Paulo, levando que alguns servi�os
essenciais a sociedade n�o pudessem ser realizados. A desconcentra��o da infraestrutura
promove que haja maior concorr�ncia entre as prestadoras e descentralize a presta��o do
servi�o. Hoje apenas 4 empresas det�m boa parte da infraestrutura necess�ria para o acesso �
Internet no Brasil, sendo : Embratel, Eletronet, Oi/Brt e GVT50.
50 N�o consideramos os PTTs da Telef�nica Data Holding do Brasil S.A. por a empresa n�o disponibilizar as suas localiza��es, mesmo depois de in�meros pedidos tanto a empresa como as entidades competentes. Conquanto, mesmo que a sua expressividade esteja no Estado de S�o Paulo, a presta��o do seu servi�o se restringe em torno de 12% dos provedores de acesso a Internet no Brasil, como supracitado.
235
Embratel, Eletronet, Oi/Brt e GVT possuem seus pr�prios backbones e como estes s�o
constitu�dos pela liga��o entre os PTTs sob uma mesma gest�o, cuja fun��o � rotear a
transmiss�o de dados do backbone para redes menores, os POPs reenviam os sinal das redes
menores aos os provedores de acesso � Internet, para que estes possam prestar o servi�o aos
seus usu�rios locais.
A Embratel e a Oi/Brt possuem, cada uma, 23 PTTs instalados nas principais capitais
das Unidades Federativas brasileiras e das 30 cidades mais populosas todas s�o cobertas pelo
sistema Embratel e destas 29 pela Oi/Brt. O Diferencial entre ambas ocorre devido a Embratel
possuir, hoje, mais de 550 POPs e 38 PTTs distribu�dos pelo Brasil, dos quais 8 est�o no
Mapa 3: Distribui��o dos PTTs no Brasil, 2010 (Eletrobr�s, Embratel, GVT e Oi/Brt)
236
Estado de S�o Paulo. Levando em conta as 4 principais empresas � poss�vel notar que seus
PTTs est�o concentrados nas Regi�es Sul e Sudeste, parte da Regi�o Centro Oeste e no leste
da Regi�o Nordeste. A concentra��o ocorre, principalmente, nos principais centros urbanos
do Brasil. Um exemplo not�rio � a Regi�o Nordeste, em que os PTTs das operadoras de
concentram pr�ximo � faixa litor�nea, onde est�o boa parte das capitais destes Estados. Os
backbones seguem uma linha que de prov�m da Regi�o Sudeste e pela faixa litor�nea segue
at� S�o Luiz no Maranh�o.
Se a presta��o deste tipo de servi�o est� concentrado nas Regi�es Sul e Sudeste, boa
parte das p�ginas eletr�nicas de dom�nios .br necessariamente tamb�m est�o, e mais, boa
parte est�o hospedas em provedores Web e a ligadas a provedores de dom�nios que se
localizam no Estado de S�o Paulo.
Mapa 4: Quantidade de dom�nios de Internet no Brasil por UF, 2009
237
Santos afirma que no per�odo t�cnico-cient�fico informacional os objetos tendem,
cada vez mais, a ocorrerem em sistemas. Em que um objeto leva ao outro e sua coer�ncia s�
ocorre por meio da din�mica do conjunto.51 Ou seja, a organiza��o dos PTTs pelas
prestadoras de acesso � Internet no Brasil levam que os demais objetos do mesmo sistema
tamb�m estejam organizados e, por sua vez, concentrados, nas regi�es de maior interesse dos
atores hegem�nicos. Se pela organiza��o dos objetos da rede de Internet notamos certa
dispers�o pelo Brasil, quando o abordamos pelo ser aspecto qualitativo, a velocidade e a
integridade de tr�nsito dos dados, a concentra��o al�m de se tornar mais evidente tamb�m se
torna mais aguda. S�o a Regi�o Sul e Sudeste do Brasil as mais dotadas de recursos para a
presta��o deste servi�o, o que a refor�a como gestora do territ�rio nacional, notadamente, o
Estado de S�o Paulo.
Se tomarmos uma pesquisa realizada pela Cetic.br (Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informa��o e da Comunica��o)52 talvez seja poss�vel relacionar como a
concentra��o da infraestrutura de Internet no Brasil pode se refletir em outra escala
geogr�fica.
Tabela 6: Propor��o de domic�lios com acesso a Internet no Brasil, 2008
Com computador (%)
Com acesso a Internet (%)
Com banda larga (%)
Regi�o
Sudeste 34 26 53Nordeste 14 9 59
Sul 33 23 69Norte 18 9 50
Centro-oeste 32 23 79
Renda familiar
At� R$ 415 2 1 -R$ 416-830 11 5 47R$ 831-1245 27 17 48
R$ 1246-2075 46 35 61R$ 2076-4150 69 59 66
R$ 4151 ou mais 86 83 70
Fonte: Cetic.br, 2010.
51 Cf. SANTOS, 1994.52 O Cetic.br � um setor do CGI (Comit� Gestor da Internet no Brasil), respons�vel pela produ��o de indicadores e estat�sticas sobre a disponibilidade e uso da Internet no Brasil.
238
Pela tabela 6 se nota que as Regi�es Sudeste, Sul e Centro-oeste, possuem cada uma,
um pouco mais de 30% da popula��o que possui ao menos um computador pessoal em seu
domic�lio e destes, de 23 a 26% utilizam a Internet. Nas Regi�es Norte e Nordeste esta
propor��o vai ser, respectivamente, 14 e 18% dos domic�lios que possuem computador
pessoal e destes, 9% utilizam a Internet. Destaca-se a amplitude destes dados entre as tr�s
primeiras regi�es em rela��o �s duas �ltimas regi�es, todavia isto n�o nos permite afirmar que
isto se deve estritamente a falta da infraestrutura necess�ria para utiliza��o da Internet pela
popula��o, pois a propor��o de domic�lios que possuem computadores tamb�m � pequena.
Tampouco, podemos considerar de forma indiferente os dados das tr�s primeiras regi�es, pois
para a Regi�o Centro-oeste, por exemplo, foi poss�vel notar pela an�lise dos mapas que os
Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul possuem uma infraestrutura prec�ria,
diferentemente de Goi�s e Bras�lia, como tamb�m no interior de boa parte dos Estados das
Regi�es Sul e Sudeste. Outro fato relevante � que grande parte da infraestrutura de Internet
est�o concentradas nas capitais das respectivas Unidades Federativas, assim como, sua
popula��o.
Pelos dados proporcionais e relativos que apresentamos s� foi poss�vel reenfatizar uma
desigualdade social hist�rica entre as macro-regi�es brasileiras e afirmar que quanto maior a
renda familiar maior � a possibilidade de certo domic�lio conter ao menos um computador
pessoal com acesso � Internet de Banda larga. Dedutivamente podemos concluir que se h�o
pa�ses e regi�es que n�o disp�em da infraestrutura de acesso � Internet, porque os objetos que
comp�em a rede s�o distribu�dos no mundo de modo seletivo, este fen�meno tamb�m se
manifestar� nos lugares. Para Castells (1996, p. 98) este fen�meno consiste numa forma de
exclus�o social:
Exclus�o social � o processo pelo qual determinados grupos e indiv�duos s�o sistematicamente impedidos de acesso a posi��es que lhes permitiriam uma exist�ncia aut�noma dentro dos padr�es sociais determinados por institui��es e valores inseridos em um dado contexto. (grifo nosso)
No per�odo t�cnico-cient�fico informacional, como Santos denomina o atual per�odo,
a ideologia da velocidade e o poder da informa��o ganham contornos expressivos e os
espa�os pouco dotados do conte�do t�cnico-cient�fico informacional acabam por se tornar
opacos aos ditames do atual per�odo, ficando � margem do processo de desenvolvimento
tecnol�gico e de investimentos de capital. Para o nosso caso, a exclus�o social ocorre na
medida em que o acesso � Internet � um meio de comunica��o de certo modo necess�rio para
239
estabelecer determinadas rela��es sociais, quando este acesso � restrito a algumas pessoas,
outras est�o exclu�das do contexto-mundo. Processo que atinge os territ�rios de forma que,
sob algumas condi��es, pa�ses, regi�es, cidades e bairros inteiros s�o exclu�dos, relegando a
maioria de sua popula��o � exclus�o j� indicada.
A localiza��o e distribui��o dos objetos que estruturam a rede de Internet aponta certa
exclus�o espacial, cujo um dos movimentos totalizadores � a exclus�o social. A primeira � no
sentido de que pela rela��o entre os diferentes lugares e regi�es, tendo certa especificidade
como par�metro, podemos identificar as �reas mais dotadas de infraestrutura que possibilitam
o acesso � Internet. Trata-se de um entendimento do Dasein no mundo e n�o de uma
constata��o a partir de subespa�os sobrepostos.
Abordar a exclus�o social e espacial para a rede de Internet sob estes termos deflagra,
cada vez mais, a constitui��o de uma perspectiva de an�lise oniposicional, mas aqui ela �
fruto do empreendimento do entendimento do ser-no-mundo, em situa��o, constitu�da
posicionalmente. Assim como, abordar a exclus�o social tendo como par�metro a exclus�o
espacial � n�o levar em conta os projetos de ser por meio da rela��o mediada eletronicamente.
Pontuamos esta discuss�o anteriormente e aqui ela � reposta sob outra perspectiva de an�lise,
em que se necess�rio considera tanto os projetos de ser como a racionalidade capitalista que
distribui e organiza o sistema de objetos da rede de Internet conforme os fins dos atores
hegem�nicos. � necess�rio ter a infraestrutura de acesso � Internet para haver os projetos de
ser-no-mundo, mas n�o conseguir�amos entender a natureza do internauta sen�o pelo
exerc�cio contradit�rio por sua pr�xis no mundo.
240
CCOONNSSIIDDEERRAA����EESS
N�o fazemos como finais as considera��es para esta pesquisa e sim prospectiva e
cr�tica, pois ao entreg�-la para o mundo como projeto subverter� a ess�ncia de seu
desenvolvimento. Ela est� sob o crivo do Outro, por isto inacabada. Nesse sentido, a cr�tica
n�o decorre somente de uma formalidade acad�mica, cuja proposta � considerarmos a
pesquisa como inacabada para que ela esteja aberta �s discuss�es e sim, tamb�m, do fato que
o entendimento do ser-no-mundo e seus projetos s�o t�o cambiantes tanto quanto a realidade.
O pensamento � movimento porque o mundo est� em movimento e o mundo � movimento
porque est� no pensamento em movimento. O projeto � uma esp�cie de movimento cambiante
em dire��o ao futuro pelo ser presente com base no passado.
Ao que nos cabe, iniciamos a subvers�o da ess�ncia desta pesquisa pela cr�tica, pois
perturbar a sua ordem ou o seu modo de estrutura��o pode nos oferecer novos elementos para
uma discuss�o futura. Entendemos que a cr�tica pode ser realizada ao menos sob duas
perspectivas. Para a primeira h� a proemin�ncia da perspectiva do pesquisador. Considera-se
a pesquisa em si mesma e se busca identificar algumas inconsist�ncias e/ou lacunas te�ricas.
A segunda se atribui relev�ncia � perspectiva do pesquisado, em que a tentativa de
aplicabilidade da pesquisa indicar� algumas de suas determina��es e possibilidades. Ora, mas
o pr�prio pesquisador � um ser-no-mundo com as mesmas caracter�sticas que o pesquisado e
estas perspectivas se complementam, porque nem dever�amos consider�-las de modo
dissociado, pois a cr�tica s� pode ser empreendida com certa seguran�a quando ao menos
conjeturamos certa aplicabilidade para a pesquisa.
O desenvolvimento de boa parte das pesquisas cient�ficas decorre da cr�tica derivada
da aferi��o por sua aplicabilidade, a qual permite identificar as suas possibilidades e
determina��es. Aqui n�o nos referimos � aplicabilidade no sentido da falseabilidade proposta
por certas doutrinas filos�ficas e sim que devemos reverter para os homens o modo como
certos fen�menos sociais foram entendidos cientificamente para que eles possam ser
instrumentos intelectuais para a cr�tica de sua cotidianidade e a partir disto inferir sua
aplicabilidade.
Como todo instrumento determina de certo modo a pr�xis dos homens n�o podemos
considerar que, por mais que a teoria seja um instrumento de car�ter intelectual, n�o indique
ao menos certa pr�xis aos homens. Seria incorrer num idealismo infantil afirmar o inverso.
241
Contudo, quando tratamos o conhecimento cient�fico particular como certo instrumento n�o
significa que necessariamente determinamos os projetos poss�veis por ele e mais, a teoria n�o
� como um martelo. A princ�pio o martelo serve para martelar, est� determinado objetiva e
materialmente. A princ�pio, pretendemos desenvolver uma teoria a qual possamos levar em
conta os diferentes modos de ser-no-mundo e que o homem singular possa tom�-la ao seu
modo de ser e que seu entendimento emirja pelas mesmas caracter�sticas.
A determina��o objetiva e material dos objetos pode designar uma aliena��o de
partida porque atualmente o mundo � trabalhado, mas n�o a aliena��o do resultado objetivado
pelo ser. A teoria pode agir justamente no elemento que media esta rela��o, ou seja, no ser-
no-mundo e nas suas diferentes formas de objetiva��o. Transformando a aliena��o do
resultado objetivado, se transforma o meio de rela��es dos homens. Contudo, isto n�o exclui o
fato do mundo ser trabalhado socialmente cujas intencionalidades podem indicar a aliena��o
de partida.
As proposi��es te�ricas possuem seu campo de a��o mais f�rtil no ser singular em
rela��o com o mundo, o que indica uma infinidade de perspectivas que poderiam ser
trabalhadas. Por um lado, n�o podemos caminhar na imponderabilidade das perspectivas
singulares dos homens sen�o podemos recair numa esp�cie de loquacidade sobre o mundo.
Por outro lado, atribuir antecipadamente certo modo de conhecimento particular do mundo
para o ser � destitu�-lo daquilo que o caracteriza, ou seja, do seu entendimento enquanto
possibilidade.
Desenvolver um sistema l�gico aberto em que os modos de ser-no-mundo, assim
como, o seu entendimento, significa��es e sentimentos sejam tomados em sua vivacidade �
uma possibilidade de n�o os determinarmos ao mesmo tempo em que n�o negligenciamos a
pr�pria estrutura da ci�ncia que desenvolvemos. Quando n�o for poss�vel abordar os
sentimentos e as significa��es dos homens por certa teoria, que ao menos deixemos em aberto
o sistema l�gico para que quando for utilizado por certo homem como um instrumento
intelectual n�o coloque de lado a sua humanidade.
Ora, mas como � poss�vel abordarmos o entendimento, as significa��es e os
sentimentos do ser-no-mundo por certo sistema l�gico sem os determinar? Eis algo
imposs�vel, pois o ser determina o mundo pelo seu modo de entendimento e este �
determinado por sua perspectiva para o mundo. O pesquisador n�o � diferente, pois ele � um
ser-no-mundo que determina a realidade conforme os seus objetivos. Buscamos desenvolver
esta pesquisa a partir de caracter�sticas gerais e abertas as especula��es dos homens por seus
242
atributos fundamentais para que n�o deix�ssemos de lado na discuss�o os sentimentos, as
significa��es e os modos de entendimento dos homens.
Tomamos a totalidade singular que � o homem e o mundo para a totaliza��o que � a
sociedade e determinamos contraditoriamente este modo particular de ser-no-mundo que � o
internauta para indicar certas universalidades. O conhecer n�o foi precedido do conhecimento
quando tomamos como refer�ncia o ser-no-mundo. O processo cognitivo deste modo
particular de ser-no-mundo que � o internauta foi posto em quest�o para que ele nos indicasse
apenas um modo de entendimento do mundo pela Geografia.
Quando o pesquisado passa a possuir as mesmas caracter�sticas que o pesquisador, ou
seja, se tratam de seres cognitivos que questionam o mundo e a si pr�prios se torna imposs�vel
n�o considerar as singularidades dos homens. A perspectiva oniposicional cai por terra, assim
como, certas determina��es arbitr�rias baseadas em dedutivismos. Por outro lado, os homens
surgem num mundo cada vez mais organizado e cheio de intencionalidades que podem
orientar os seus modos de ser-no-mundo. A Internet � apenas uma dessas manifesta��es e �
justamente a partir das necessidades atribu�das aos objetos que orientam os modos
particulares de ser-no-mundo que tentamos identificar certas particularidades e
universalidades para esta rela��o mediada eletronicamente.
Considerar somente as necessidades para definir os modos de ser-no-mundo � incorrer
num erro porque se leva em conta o projeto comum veiculado pelas intencionalidades dos
objetos t�cnicos como determinada, assim como, a aliena��o do resultado objetivado. �
necess�rio considerar as possibilidades humanas de subvers�o das necessidades como uma
possibilidade de ser-no-mundo. � o conflito entre as necessidades e possibilidades que pode
nos apontar quem � esse pesquisado, quem � esse internauta, o que � esse mundo para o
internauta e como ele o entendeu.
Colocamos em evid�ncia a fundamenta��o do ser-no-mundo e seu processo cognitivo.
Nesta pesquisa, os abordamos inicialmente pelo conhecimento filos�fico buscando expor e
debater as formas contradit�rias da ontologia, ou seja, como metaf�sica, gnosiologia e teoria
do conhecimento. Pela Geografia, tomamos estas discuss�es como base e tentamos
desenvolver a perspectiva de pesquisa proposta por Silva em que a perspectiva de Santos
fosse considerada como um modo de entendimento do ser-no-mundo. O m�todo regressivo-
progressivo de Sartre norteou esta empreitada.
Pelo m�todo regressivo-progressivo determinamos e denominamos duas perspectivas
de interpreta��o do pesquisador para o mundo: a oniposicional e a posicional. Pela
perspectiva posicional tentamos deixar o sistema l�gico em aberto para que ele pudesse ser
243
especulado pelos homens conforme os seus projetos de ser. Como? Resguardamos o processo
cognitivo para a interpreta��o para que as especula��es das hist�rias dos homens se
relacionassem contraditoriamente com a hist�ria da sociedade conforme os par�metros de
determinada ci�ncia particular, no caso, a Geografia.
Em acordo com algumas proposi��es te�ricas de Silva, consideramos certas categorias
e conceitos geogr�ficos como diferentes entendimentos ou graus de entendimento do ser-no-
mundo. Quanto mais caminh�vamos em dire��o ao abstrato concreto pela utiliza��o das
categorias geogr�ficas, mais se tornava poss�vel uma associa��o te�rico-metodol�gica com
algumas proposituras de Santos.
Em verdade, o procedimento que realizamos n�o difere muito de outros tantos que
visam estabelecer par�metros para a conscientiza��o do ser-no-mundo como uma esp�cie de
autonomia do pensar. N�o nos referimos �s discuss�es ontol�gicas que utilizamos e que
possuem esta caracter�stica e sim aqueles estudos cient�ficos que resguardam o processo
cognitivo para a discuss�o e que seus conceitos e categorias orientam a interpreta��o.
Podemos utilizar como exemplo algumas das discuss�es desenvolvidas por Paulo Freire,
como segue.
O educador democr�tico n�o pode negar-se o dever de, na sua pr�tica docente, refor�ar a capacidade, sua insubmiss�o. Uma de suas tarefas primordiais � trabalhar com os educandos a rigorosidade met�dica com que devem se “aproximar” dos objetos cognosc�veis. E esta rigorosidade met�dica n�o tem nada a ver com o discurso “banc�rio” meramente transferidor do perfil do objeto ou do conte�do. � exatamente neste sentido que ensinar n�o se esgota ao “tratamento” do objeto ou do conte�do, superficialmente feito, mas se alonga � produ��o das condi��es em que aprender criticamente � poss�vel. (FREIRE, 1996, p. 26)
E,
A supera��o e n�o a ruptura se d� na medida em que a curiosidade ing�nua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contr�rio, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se ent�o, permito-me repetir, curiosidade epistemol�gica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproxima��o ao objeto, conota seus achados de maior exatid�o. Na verdade, a curiosidade ing�nua que, desarmada, est� associada ao saber do senso comum, � a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognosc�vel, se torna curiosidade epistemol�gica (...) Os cientistas e os fil�sofos superam, por�m, a ingenuidade da curiosidade do campon�s e se tornam epistemologicamente curiosos. (FREIRE, 1996, p. 31)
244
Freire assinala que o educando, mais especificamente ainda, o educando/trabalhador
campon�s, o qual � um modo de o ser-no-mundo, possui a chamada curiosidade ing�nua
acerca de determinado fen�meno e, pela criticiza��o, h� a mudan�a da qualidade de sua
curiosidade para epistemol�gica. N�o por rupturas e sim pela supera��o.
A curiosidade ing�nua resulta do conhecimento de certa pr�tica cotidiana, de senso
comum. Trata-se daquela curiosidade cuja realidade � da cotidianidade do educando e que
entende, muitas vezes, como “natural”, sem problematiza��es mais aprofundadas. Quando
problematizada, n�o h� maiores preocupa��es com o conte�do social que a fomenta.
Por outro lado, o educador, como afirma Freire, deve, por meio da ci�ncia que
desenvolve, transformar as primeiras d�vidas e observa��es que caracterizam o senso comum
numa avalia��o mais rica de problematiza��o. � a� que a curiosidade ing�nua pode se tornar
curiosidade epistemol�gica. Nesse sentido, Freire estabelece que � necess�rio considerar os
conhecimentos do educando para poder relacion�-los com o respectivo processo de ensino-
aprendizagem de certa disciplina no contexto da sala de aula.
Desenvolvemos esta discuss�o acerca de algumas proposi��es te�ricas de Freire para o
Ensino de Geografia em EJA (Educa��o de Jovens e Adultos) num artigo redigido em 2008 e
publicado em 201053. Naquele momento entend�amos que Freire hierarquizava as duas formas
de curiosidade em benef�cio da epist�mica. A curiosidade ing�nua seria uma esp�cie de
conhecimento n�o sistematizado e a curiosidade epistemol�gica seria sistematizada porque
pretende se aprofundar no entendimento dos objetos cognosc�veis.
Buscando adequar os termos da an�lise realizada no artigo para esta pesquisa,
entendemos h� a proemin�ncia da perspectiva oniposicional para o educador porque cabe a
ele conduzir ou menos indicar para os educandos os modos de supera��o da curiosidade
ing�nua � epistemol�gica. O educador � uma esp�cie de mediador com qualitativos e
conhecimentos distintos dos educandos.
O Freire sugere que o educador leve em conta as viv�ncias dos educandos e o
conhecimento de senso comum para que seja poss�vel a sua criticiza��o e sistematiza��o.
Cabe aos educandos associar a sua curiosidade ing�nua � epistemol�gica ou mesmo superar o
primeiro. Mesmo que o educador realize este procedimento, o seu par�metro � o
conhecimento cient�fico e n�o o de senso comum.
Por mais que hoje discordamos da caracter�stica de desenvolvimento linear do
pensamento como foi proposto por Freire e que a denominada curiosidade ing�nua seja algo
53 FERRAZ, C. B. O.; MONTAGNOLI, R. L.; BERNARDES, A. 2010.
245
que deve ser tomado apenas como um referencial a ser superado, entendemos que ele
estabelece algumas quest�es fundamentais. Freire considera que o “conhecimento” ing�nuo e
a viv�ncia cotidiana � um fato fundamental para o processo de ensino-aprendizagem e que �
poss�vel uma interpreta��o do mundo que leve em conta as diversas esferas do saber.
Ainda para o artigo supracitado relacionamos com algumas discuss�es Freire e o
Ensino de Geografia, a influ�ncia te�rico-metodol�gica de algumas proposituras de Santos
para o desenvolvimento dos PCNs (Par�metros Curriculares Nacional). Os PCNs sugerem que
o Ensino em Geografia esteja baseado na utiliza��o de suas principais categorias e conceitos
no intuito de desenvolver compet�ncias e habilidades intelectuais e atitudinais nos educandos.
Os PCNs se apropriam e se desenvolvem pela utiliza��o das categorias de paisagem, territ�rio
e espa�o de Santos. Isto n�o significa que n�o sejam utilizadas outras categorias e conceitos
desenvolvidos por outros ge�grafos, mas para Santos se restringem a estas.54
Naquele momento questionamos a associa��o das proposituras de Freire com as de
Santos, porque o primeiro privilegia o desenvolvimento do pensamento por meio de
supera��es e o segundo nem ao menos leva em conta as viv�ncias e o conhecimento dos
homens pelo cotidiano. Ora, a luz do presente, podemos indagar se a categoria paisagem em
Santos n�o � de uma f�cil associa��o com a denominada curiosidade ing�nua de Freire em
dire��o � categoria espa�o de Santos ou � curiosidade epistemol�gica de Freire. Sem d�vida
que esta associa��o � pertinente ao considerarmos que a paisagem � apar�ncia e carece de
maiores explica��es para a din�mica do real, cuja s� � poss�vel pelo espa�o geogr�fico. Por
outro lado, por mais que entendemos haja a proemin�ncia da perspectiva oniposiconal nas
proposituras de Freire ele aborda o processo cognitivo do educando e suas supera��es e em
Santos o ser cognitivo � o pr�prio pesquisador.
Deste modo, concordamos com Freire quanto ele afirma que o conhecimento cient�fico
deve interagir com os conhecimentos cotidianos e tanto quanto estes devem interagir com os
conhecimentos cient�ficos. Contudo, entendemos que os conhecimentos derivado das
experi�ncias cotidianas n�o se fundamentam somente numa curiosidade ing�nua e sim s�o
complexos discursivos que necessitam de interpreta��es diversas.
Assim, o discurso cient�fico deve estar aberto para estabelecer contatos com outras
linguagens produtoras de conhecimento, por exemplo: a Arte n�o pode ser considerada
somente como entretenimento ou adorno e sim como fonte complexa e contradit�ria de
referenciais do mundo; a Filosofia n�o � a fonte de verdade �nica da metaf�sica essencial das
54 Cf. FERRAZ, C. B. O.; MONTAGNOLI, R. L.; BERNARDES, A. 2010. p. 86-93.
246
ideias e sim o discurso que viabiliza par�metros mais gerais de leitura e de entendimento para
pensarmos os fen�menos. Nesse sentido:
Na intera��o entre essas linguagens e referenciais � que a diversidade do mundo, que se manifesta em cada lugar e situa��o, toma contornos mais pr�ximos de entendimento. Nesse sentido que o trabalho de Geografia em sala de aula permite vir a tona as diversas experi�ncias que os educandos exercitam nos v�rios lugares em que efetivam a rotina de suas exist�ncias. Quando eles assim entendem a Geografia de suas vidas os conceitos e categorias centrais das an�lises geogr�ficas passam a tomar outros significados, ou seja, passam a se manifestarem como referenciais mais pertinentes de sentidos te�rico e pr�tico para os indiv�duos em sala de aula.(FERRAZ et all, 2010, p. 101)
As ci�ncias particulares devem ser consideradas como uma das formas de
entendimento dos conhecimentos derivados das experi�ncias cotidianas, ou seja, dos modos
de ser-no-mundo. As categorias e conceitos geogr�ficos s� podem ser possuidores de sentidos
aos homens imersos no cotidiano quanto eles de algum modo permitem que se abordem as
suas viv�ncias cotidianas. Deste modo, o processo de ensino-aprendizagem n�o pode colocar
a ci�ncia como par�metro a priori e sim que a cotidianidade a seja, pois ela � o fundamento
das ci�ncias particulares, da filosofia, da arte, da religi�o e das outras formas de conhecimento
em geral.
Tomar como par�metro a realidade objetiva e a reprodu��o da cotidianidade pelos
homens n�o significa a nega��o do conhecimento cient�fico, pelo contr�rio. O conhecimento
cient�fico indica um modo de entendimento da realidade objetiva, dentre eles a Geografia.
Nesse sentido, a Geografia poderia ser considerada como propora Silva, uma esp�cie de
ideologia do cotidiano. Ora, mas esta denomina��o n�o cabe somente a Geografia e sim as
demais ci�ncias, a Filosofia, a Arte, as religi�es etc.
Em suma, por este breve excurso a respeito de algumas proposi��es de Freire para a
Educa��o, destacamos o processo de ensino-aprendizagem como um modo de conscientiza��o
dos homens que visa que lhes atribuir certa autonomia de pensamento. Pressup�e-se que a
criticidade � inerente � autonomia de pensamento, mas, n�o necessariamente, ela deve ter
certa ci�ncia particular como par�metro de “esclarecimento” e sim a pr�pria realidade, pois
cercear o ser a uma perspectiva e/ou a uma ideologia para o mundo � t�o arbitr�rio quanto �s
orienta��es dos projetos de ser pela coer�ncia dos conjuntos de objetos.
N�o descartamos que a proposta te�rica que desenvolvemos seja um sistema l�gico
que determina os modos de entendimento do ser-no-mundo. Tentamos deixar o sistema l�gico
aberto �s especula��es tanto no seu in�cio como no seu fim. Trata-se de uma abertura relativa,
247
mas que pode contemplar os diferentes modos de entendimento dos homens para o mundo. O
desenvolvimento inicial no sistema l�gico tem como pressupostos algumas discuss�es
filos�ficas, notadamente, aquelas ontol�gicas, devido a sua viabilidade de interpreta��o e de
entendimento da realidade por aspectos mais gerais. Ou seja, se considera a realidade pelos
seus aspectos objetivos e subjetivos como uma totalidade em totaliza��o tanto para o ser
como para o mundo.
Tendo como par�metro o privil�gio �ntico-ontol�gico ao modo proposto por
Heidegger e a fundamenta��o do ser-no-mundo como proposto por Sartre, tentamos
determinar o conhecimento do ser singular por seus aspectos fundamentais, deixando o
sistema l�gico em aberto a suas especula��es tanto de car�ter sentimental como intelectual.
Assim, certas categorias e conceitos filos�ficos se confundiram com os geogr�ficos, ao
mesmo tempo, em que nos permitia identificar seus fundamentos. Quando nos referimos ao
fundamento das categorias e dos conceitos geogr�ficos nos referimos a sua concretude, por
isto, abstrata e geral, contudo, fundamental.
Privilegiamos a diferen�a de ordem ontol�gica e l�gica entre o conceito de meio e a
categoria espa�o, assim como, a categoria territ�rio. As diferen�as entre as duas primeiras
ocorre devido ao esfor�o de resguardar o processo cognitivo do ser-no-mundo. A rela��o
contradit�ria entre o homem o meio designa a fundamenta��o do Dasein, enquanto o espa�o
indica a objetividade desta contradi��o fundamental s� que � o pensado, o concreto, que
indica as din�micas sociais. O territ�rio indica o conflito entre pr�xis e antipr�xis, ou seja, o
modo como o Dasein se faz ser-no-mundo, porque o mundo s� pode ser ao Dasein pela
pr�xis.
Como a pr�xis do Dasein � sobre um mundo humanizado, organizado, cujas
intencionalidades podem designar os seus modos de ser, tomamos a partir da perspectiva de
Silva aquelas de Santos quanto a certas territorialidades e quanto ao espa�o geogr�fico. Neste
momento a an�lise poderia se verter para quaisquer modos de entendimento que n�o aquele
quanto ao modo de estrutura��o dos objetos para a rede de Internet. H� infinitas
possibilidades interpretativas que n�o esta, mas optamos por ela justamente para expor como
seria poss�vel realizar um discurso que levasse em conta a hist�ria social contraditoriamente a
hist�ria dos homens para os estudos geogr�ficos.
Neste �nterim, acabamos por n�o aprofundar as discuss�es quanto �s categorias de
paisagem e de lugar e quanto ao conceito de corpo para esta pesquisa. Principalmente, quando
entendemos que esta pesquisa ao atribuir relevo ao processo de ensino-aprendizagem do ser-
248
no-mundo possui certa pertin�ncia para verifica��o de sua aplicabilidade no Ensino em
Geografia e:
[...] para o desenvolvimento da pr�tica docente, quando se entende que os educandos, com seus conhecimentos e no��es definidoras de sua corporeidade individual/coletiva, contribuem na an�lise e ampliam o sentido de s�ntese poss�vel dos conte�dos trabalhados. O que permite construir e reconstruir algumas das categorias e conceitos da Geografia, aplicando-os na leitura do lugar em que vivem, refletindo sobre esse meio, relacionando e comparando as diversas dimens�es do espa�o ali presentificadas. (FERRAZ et all, 2010, p. 101)
� pelas significa��es ao meio que os homens o fazem lugar de sua exist�ncia, cujo um
dos modos de sua realiza��o � pelo corpo. O entendimento quanto a sua corporeidade e
quanto ao meio como manifesta��o objetiva de car�ter individual e social � o que pode
permitir aos homens a atribui��o de significados. O processo de significa��o � um dos modos
pelos quais as concep��es quanto �s categorias e aos conceitos podem ser revigorados.
Nesta pesquisa abordamos a corporeidade do Dasein pela contradi��o entre ess�ncia e
exist�ncia que faz s�-lo, ou melhor, que o faz habitar o mundo e mundo habit�-lo e que lhe
possibilita a pr�xis como uma maneira de objetivar sua subjetividade enquanto projeto de ser.
Trata-se de rela��o contradit�ria e fundamental para o mundo. Contudo, n�o nos atentamos
que a pr�pria pr�xis � um modo de entendimento do ser-no-mundo. Trata-se de uma
comunica��o para o Outro e para o mundo que implica numa rela��o entre significa��o e
significado. Nesse sentido, Furlan e Bocchi (2003, p. 448) afirmam que Merleau-Ponty tratar�
o gesto corporal, o ato ou a pr�xis como uma forma de express�o poss�vel de ser
compreendida como a fala, como segue:
Tem-se, ent�o, que o corpo visado enquanto fen�meno e n�o enquanto coisa � portador de uma capacidade singular de apreender o sentido de outra conduta, seja o sentido do gesto ou da fala do outro; e a palavra tamb�m � um gesto e uma forma de conduta. Merleau-Ponty diz que eu s� consigo compreender a intencionalidade do outro – e sua atitude para comigo –porque atrav�s do meu corpo posso torn�-la minha. [...] O corpo � a express�o de uma conduta e, ao mesmo tempo, criador de seu sentido a partir de uma inten��o que se esbo�a e reclama a sua complementa��o. Antes da express�o h� apenas uma aus�ncia determinada que o gesto ou a linguagem procura preencher e completar. (Furlan; Bocchi, 2003, p. 449)
A apreens�o do gesto ou da fala do Outro s� � poss�vel pelo corpo. A subjetividade de
certo Dasein � expressada pelo corpo como uma maneira de indicar objetivamente os seus
projetos de ser. Compartilha-se o projeto de ser com mundo e sua apreens�o pode ser
249
percebida por Outro enquanto certa totalidade de ser-no-mundo. Contudo, o Outro se apropria
dele ao seu modo e sua express�o por Outro tamb�m ser� sob estas mesmas caracter�sticas,
mas contendo, neste caso contraditoriamente a pr�xis primeira, assim como, aqueles de ordem
social.
A pr�xis longe de ser somente uma express�o do trabalho � tamb�m uma express�o
imediata dos sentimentos do ser-no-mundo. Conforme Furlan e Bocchi (2003, p. 448):
Merleau-Ponty, por sua vez, recorre � express�o emocional dos gestos para encontrar a� os primeiros ind�cios da linguagem como um fen�meno aut�ntico, mas evitando o risco do reducionismo como ocorre na concep��o naturalista, pois tanto a fala como o gesto s�o fen�menos espec�ficos e contingentes em rela��o a organiza��o corporal. Ou seja, “aproximando a linguagem das express�es emocionais, n�o se compromete aquilo que ela tem de espec�fico, se � verdade que j� a emo��o (...) � contingente em rela��o aos dispositivos mec�nicos contidos em nosso corpo...” (Merleau-Ponty, 1945/1994, p. 256).
A pr�xis � express�o objetiva da totalidade em totaliza��o que � o ser-no-mundo pelo
seu corpo, pela sua facticidade de ser. Cada ato, cada gesto humano se realiza pelo corpo na
vivaz contradi��o de sua individualidade coletiva ou de sua coletividade individual e da sua
raz�o sentimentalizada ou dos seus sentimentos racionalizados. O pr�prio corpo humano, por
suas estruturas fisiol�gicas, determina os modos de express�o, mas n�o completamente.
Certos sentimentos entendidos sob denomina��es similares podem ser vivenciados de maneira
distinta e at� mesmo ser contrastante por homens de culturas diferentes. Deste modo, o
Dasein n�o � ser social somente pela reprodu��o da pr�xis ou da antipr�xis conforme os seus
projetos de ser e sim tamb�m pela maneira como expressa seus sentimentos, em
conformidade com certa cultura e situa��o.
De um lado, abordamos o internauta nesta pesquisa pela sua facticidade de ser em que
� necess�rio a sua presen�a em determinado local para que haja a rela��o de interface.
Consideramos os internautas por seus aspectos fisiol�gicos destacando os sentidos humanos,
os sistemas musculares, postural, investigativo e performativo que o p�e no mundo e n�o em
alhures quando a rela��o � mediada eletronicamente. Por outro lado, deixamos de considerar
para a discuss�o como os internautas apreendem e reproduzem os gestos como certa pr�xis
que os possibilitam manipular o computador para que se efetive a rela��o de interface e como
expressam seus sentimentos pela mesma pr�xis que objetivar� seus projetos de ser no meio.
Em verdade consideramos alguns sentimentos para os internautas, como por exemplo,
o perigo e o medo. Contudo, estes sentimentos s�o de certo ser-no-mundo para o Outro e n�o
250
para o meio ou campo material de suas rela��es. Deste modo, parece que realizamos uma
destotaliza��o pr�via para a totalidade em totaliza��o que � este modo de ser-no-mundo. Pelo
contr�rio, simplesmente n�o atentamos que por uma mesma pr�xis os internautas efetivam o
seus projetos de ser, o modo como apreendem e reproduzem certos gestos e objetivam seus
sentimentos.
Quando transpomos estas considera��es filos�ficas acerca do corpo, dos gestos e os
modos como os homens expressam seus sentimentos para a Geografia podemos notar que ela
incorre diretamente no modo como abordamos as categorias lugar e paisagem nesta pesquisa.
Ainda mais quando temos como refer�ncias as discuss�es desenvolvidas pelos ge�grafos da
denominada Geografia Humanista.55
Em linhas gerais, levantamos ao menos duas defini��es quanto � categoria lugar pela
interpreta��o humanista em Geografia para que possamos encaminhar esta discuss�o.
Primeiramente, recorremos a defini��o de Tuan, notadamente, aquela que � desenvolvida
quando ele relaciona o tempo e a experi�ncia com lugar, como segue:
1) Se o tempo for concebido como fluxo ou movimento, ent�o o lugar � pausa. De acordo com este enfoque, o tempo humano est� marcado por etapas, assim como o movimento do homem no espa�o est� marcado por pausas. Do mesmo modo como o tempo pode ser representado por uma flecha, uma �rbita circular ou caminho de um p�ndulo oscilante, assim tamb�m os movimentos do espa�o; e cada representa��o tem seu conjunto caracter�stico de pausas ou lugares. 2) Se bem que se leva tempo para se sentir afei��o por um lugar, a qualidade e a intensidade da experi�ncia � mais importante do que a simples dura��o. 3) Estar arraigado em um lugar � uma experi�ncia diferente da de ter e cultivar um “sentido de lugar”. [...] O esfor�o para evocar um sentimento pelo lugar e pelo passado frequentemente � deliberado e consciente. At� onde o esfor�o � consciente, � a mente que trabalha, e a mente – se lhe permitirmos exercer seu dom�nio imperial –anular� o passado, transformando tudo em conhecimento presente. (TUAN, 1983, p. 218-219).
No mesmo sentido, para Relph (1979, p. 17-18):
Os lugares que conhecemos e gostamos s�o todos lugares �nicos e suasparticularidades s�o determinadas por suas paisagens e espa�os individuais e por nosso cuidado e responsabilidade, ou ainda, pelo nosso desgosto, por eles. Se conhecemos lugares com afei��o profunda e geneal�gica, ou como pontos de parada numa passagem atrav�s do mundo, eles s�o colocados � parte porque significam algo para n�s e s�o os centros a partir dos quais
55 A Geografia Humanista possui como uma das principais categorias trabalhadas a de lugar e a de paisagem. Estas categorias s�o desenvolvidas segundo um referencial te�rico-metodol�gico similar ao que trabalhamos, ou seja, as discuss�es ontol�gicas em Filosofia, assim como, a Fenomenologia.
251
olhamos, metaforicamente pelo menos, atrav�s dos espa�os e para as paisagens.
A categoria lugar, tanto na defini��o de Tuan como na Relph, � abordada como certo
meio-vivido o qual o homem atribui significados. Em outras palavras, se trata de meio que foi
objeto da pr�xis em que uma de suas caracter�sticas significativas ocorre pela objetiva��o dos
seus projetos de ser e pela express�o de seus sentimentos.
Tuan considera o lugar como pausa, ou seja, o desenvolvimento de certa afei��o
atribui sentido ao lugar que � caracterizado pela intensidade e qualidade de uma rela��o
significativa. O passado do lugar � anulado porque ele faz presente no movimento de
recordar. Relph considera de modo similar a Tuan o car�ter temporal da rela��o significativa
com o lugar e pondera que assim ele se torna refer�ncia para as percep��es de outros meios e
paisagens.
O lugar � a principal categoria trabalhada na Geografia Humanista e por estes dois
ge�grafos que mencionamos e a categoria paisagem, de modo geral � entendida como “um
documento a ser lido, resultante de um patamar moral, intelectual e est�tico pelo homem num
dado momento do processo civilizat�rio” (ENGLISH; MAYFIELD, apud Ribeiro, 2007, p.
30). Ou seja, a paisagem � considerada para a an�lise geogr�fica por sua simbologia ao se
valorizar o car�ter subjetivo do conhecimento dos homens. Retomando a supracitada assertiva
de Relph � poss�vel entrever que a paisagem � considerada a partir de um conjunto de valores
erigidos no lugar.
No desenvolvimento desta pesquisa n�o consideramos as categorias lugar e paisagem
de um modo t�o amplo quanto para Tuan e Relph. Apenas indicamos que seria imposs�vel a
representa��o eletr�nica ser um lugar porque o lugar � onde o Dasein est� situado e habita.
Habitar no sentido proposto por Heidegger, de fazer do meio o lugar de sua exist�ncia.
Todavia, n�o levamos em conta que a realiza��o da exist�ncia humana tamb�m ocorre por
rela��es significativas e pela objetiva��o dos sentimentos. Restringimos a rela��o entre
significado e significante as simbologias utilizadas pelas representa��es eletr�nicas, as quais
podem evidenciar aos internautas as intencionalidades atribu�das aos objetos.
Quanto � categoria paisagem a abordamos sob a mesma l�gica utilizada para a
categoria lugar, ou seja, como forma de percep��o para meio, mas que � operada pela
presen�a dos valores de ju�zo. No sistema l�gico que desenvolvemos a categoria paisagem
antecede a de lugar e quando consideramos as rela��es mediadas pela Internet entendemos
252
que suas representa��es n�o s�o paisagens e sim elementos da paisagem para o meio em que o
ser-no-mundo � e est�.
Deste modo, entendemos que as concep��es de lugar e paisagem, que ora
desenvolvemos para esta pesquisa devem ser revistas e melhores definidas com o
aprofundamento te�rico-metodol�gico para que seja poss�vel verificar com mais acuidade a
aplicabilidade desta pesquisa para o processo de ensino-aprendizagem em Geografia.
Por um lado, as contribui��es de Tuan e Relph v�m a contento de nossa problem�tica
de estudo e para nossa proposta de aplicabilidade. Por elas iniciamos a subvers�o do sistema
l�gico adotado para o desenvolvimento desta pesquisa, o que nos permite, de antem�o,
levantarmos algumas problem�ticas: 1 - como consideramos que os conceitos e categorias
geogr�ficos apontam diferentes graus de entendimento do ser-no-mundo, logo o que definir�
certa hierarquiza��o l�gica � grau de concretude. Assim, a paisagem precede o lugar ou o
lugar precede a paisagem para o desenvolvimento do sistema l�gico? 2 - At� que ponto �
necess�rio desenvolver certa hierarquiza��o l�gica das categorias e conceitos? 3 - O que
consideramos como categorias e conceitos devem ser tratados de modo indiferente da
perspectiva de interpreta��o adotada – posicional ou oniposicional56?
Por outro lado, quando nos referimos � verifica��o de aplicabilidade para esta
pesquisa, em que o Ensino em Geografia � um campo muito f�rtil para aferi-la, n�o nos
referimos somente a proposta te�rica que buscamos desenvolver e sim, tamb�m, a
possibilidade de utiliza��o da Internet como recurso did�tico para o processo de ensino-
56 N�o nos atentamos no decorrer da pesquisa a peculiaridades l�gicas dentro do sistema para as categorias e aos conceitos em geral, principalmente, quando os abordamos segundo perspectivas distintas – posicional e oniposicional. Como isto? Levantamos uma hip�tese, a ser verificada, que segundo a proemin�ncia de certa perspectiva do pesquisador para o pesquisado h� diferen�as para aquilo que se considera enquanto conceito e categoria. Pressupomos que por uma perspectiva oniposicional apenas o espa�o seria categoria, enquanto, paisagem, lugar, territ�rio e regi�o seriam conceitos. Por qu�? Porque, por este paradigma, o que importa � buscar entender o mundo pelos objetos como uma forma organizada de estruturas, no qual os homens s�o entendidos pelas intencionalidades atribu�das aos objetos e como elementos da estrutura. Eis que a categoria espa�o � o concreto na sua forma mais abstrata que indica os aspectos fundamentais para os conceitos de paisagem, lugar, territ�rio e regi�o. O pesquisador se coloca como uma esp�cie de ser ausente para o mundo, no intuito de entender as m�ltiplas caracter�sticas do mundo que ele analisa. Pela perspectiva posicional, os conceitos emergem apenas como elementos que s�o contradit�rios a sua consci�ncia, como uma esp�cie de alteridade, ademais s�o categorias. Estas �ltimas s�o frutos do empreendimento do entendimento na �nsia de saber quem se � no mundo, pois entender o mundo �, antes de tudo, buscar se entender. Paisagem, lugar, territ�rio, regi�o e espa�o s�o categorias geogr�ficas derivadas do empreendimento do entendimento do ser-no-mundo. Por esta perspectiva, homem e meio s�o alguns dos principais conceitos geogr�ficos.Tanto para perspectiva oniposicional como para perspectiva posicional as categorias indicam as ess�ncias, o serdo fen�meno, e, os conceitos indicam as exist�ncias, o estar dos fen�menos. Elas s�o definidas tendo em vista o m�todo e a doutrina utilizada para o desenvolvimento da pesquisa, assim como, principalmente, a perspectiva de mundo desenvolvida, que � uma forte indica��o da postura do pesquisador, como ser-no-mundo. Deste modo, pressupomos, privilegiando certa coer�ncia l�gica, que devemos considerar a paisagem, o lugar, o territ�rio, a regi�o e o espa�o como categorias ou conceitos dependendo da perspectiva interpreta��o trabalhada.
253
aprendizagem ou mesmo de pensarmos os limites e possibilidades do EaD (Educa��o �
Dist�ncia). Afinal, nesta pesquisa utilizamos para a verifica��o emp�rica os internautas de
algumas lan houses na cidade de Presidente Prudente, os quais podem ser considerados como
um p�blico residual quando temos em vista que a Internet se torna, cada vez mais, um
instrumento difundido entre os homens dos diferentes extratos socioecon�micos.
Ora, poderia se indagar se a difus�o da Internet realmente alcan�a um n�mero
significativo de homens indiferentemente as suas condi��es socioecon�micas. Com certeza
que n�o. O poder aquisitivo regula em muito as possibilidades dos homens de fazer da
Internet um instrumento de uso cotidiano, mas � ineg�vel que vivenciamos um per�odo que �
poss�vel acessar a Internet por meio de tantos outros dispositivos que n�o por meio de um PC
– por exemplo: tablets, telefones celulares, televisores digitais etc. – que a possibilidade de
sua utiliza��o � muito maior do que outrora. Cabe verificarmos essas novas possibilidades de
acesso � Internet e em que medida a sua utiliza��o por meio dos diferentes dispositivos podem
ou n�o acarretar em diferentes modos de fundamenta��o do ser-no-mundo. Afinal, quando
certo homem, ao mesmo tempo, se desloca e utiliza a Internet trata-se de uma fundamenta��o
diferente daquela quando ele utiliza a Internet em sua casa? Os lugares possuem que tipo de
significa��o para certo homem quando ele est� em deslocamento e utiliza a Internet?
Estas indaga��es s�o o ep�logo para esta pesquisa e como tais, contradit�rias ao seu
final.
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AAPP��NNDDIICCEE
261
MODELO DO QUESTION�RIO APLICADO NA PESQUISA DE CAMPO
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAFACULDADE DE CI�NCIAS E TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE P�S-GRADUA��O EM GEOGRAFIA
Das perspectivas ontol�gicas � natureza do internauta:contribui��es � epistemologia em Geografia
Pesquisa n�vel Doutorado fomentada pela Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo (FAPESP) �Antonio Henrique Bernardes, sob orienta��o do Professor Dr. Eliseu Sav�rio Sposito.
PESQUISA PARTICIPATIVA
Local de aplica��o:........................................................................................................................Endere�o:..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Dados gerais
Nome:............................................................................................................................................Idade:.................... Sexo: masculino femininoGrau de escolaridade:.....................................................................
Dados Espec�ficos
H� quanto tempo usa um computador? .......................................................................................................................................................
Tem computador em casa? sim n�o
Usa a Internet? sim n�o
H� quanto tempo? .............................................................
Qual a freq��ncia de uso da Internet? ............................................................................
Que tipo de uso faz da Internet? ..............................................................................................................................................................................................................................................................................................................
262
Quais os sites que mais visita? ..............................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Problem�ticas
Problema 1: ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Problema 2: ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Problema 3: ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
_______________________________________________
Avalia��o: .....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Observa��es: .....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Presidente Prudente, .........., ......................................, de 20.....
AANNEEXXOO
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C�PIA DO RASCUNHO FEITA PELO PROF. DR. ARMANDO CORR�A DA SILVA