Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
i
Antroponímia na Língua Olunhaneka
Reflexão Sociolinguística e Proposta de Harmonização Gráfica
Dissertação de Mestrado em Terminologia e Gestão da Informação de
Especialidade
Jaime Nahenda Cinco Reis
Abril, 2017
ii
Dissertação apresentada para o cumprimento dos requisitos indispensáveis à
obtenção do grau de Mestre em Terminologia e Gestão da Informação de Especialidade,
realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Maria Teresa Rijo da
Fonseca Lino.
iii
DECLARAÇÕES
Declaro que esta Dissertação é o resultado da minha investigação pessoal e
independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente
mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.
O candidato
Lisboa, Março de 2017
Declaro que esta Dissertação se encontra em condições de ser apreciada pelo júri
a designar.
A orientadora
Lisboa, Março de 2017
iv
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, à minha esposa, aos meus irmãos, especialmente às minhas
princesinhas (filhas), bem como aos amigos que cooperaram, directa e indirectamente,
na elaboração desta pesquisa.
v
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo gostaria de referir que este projecto de formação só foi possível
chegar ao fim, graças a Deus e também aos contributos de muitas pessoas e instituições.
Tentaremos referir algumas pessoas e instituições que mais directamente contribuíram
para a concretização deste trabalho.
Agradeço a Deus, como não podia deixar de ser, pelo dom da vida, pela saúde e
pelas inúmeras outras bênçãos que me deu e me dará todos os dias, enquanto eu viver.
À Professora Doutora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino pela orientação deste
trabalho de dissertação, pelo seu profissionalismo com que nos transmitia todo o
conhecimento de que necessitávamos e sobretudo pela paciência e carinho com que nos
tratou durante a condução deste processo.
À Professora Rute Costa, aproveito para expressar os meus agradecimentos e
também a minha profunda admiração pelo rigor e objectividade como nos transmitiu e
consegui absorver, em pouco tempo, os conteúdos acerca, não só, da Terminologia e sua
metodologia, mas também sobre o conhecimento da área de Linguística.
À Dra. Paula Henriques, agradeço-lhe profundamente pela sua confiança em
apostar na minha integração no projecto. Agradeço-lhe também de forma especial pela
sua determinação pois, apesar das dificuldades de vária ordem nunca vacilou, mas pelo
contrário incentivou-nos sempre a prosseguir.
À Direcção Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia do Namibe, por me
ter autorizado integrar no projecto, com destaque para o Dr. Francisco Pacheco,
responsável máximo deste órgão.
Ao Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo de Angola e ao Sector de
Bolsas dos Estudantes em Lisboa vai o nosso reconhecimento.
Finalmente e, de forma especial, os meus sinceros agradecimentos à Esperança,
minha esposa, e às minhas filhas, pelo carinho e compreensão que sempre souberam
demonstrar durante a minha ausência do lar, por razões de formação.
vi
RESUMO
SITUAÇÃO ANTROPONÍMICA NA LÍNGUA OLUNHANEKA
REFLEXÃO SOCIOLINGUÍSTICA E PROPOSTA DE HARMONIZAÇÃO GRÁFICA
Com o presente estudo pretendemos contribuir para a reflexão da actual situação
antroponímica angolana, fundamentalmente no que se refere à abordagem sociocultural
e linguística do léxico antroponímico das nossas comunidades etnolinguísticas
angolanas e, de forma especial, da comunidade dos Ovanhaneka na província do
Namibe.
Nestas comunidades verifica-se um certo afastamento do léxico antroponímico
bantu associado a vários factores e, por consequência desse fenómeno, vai sendo pouco
a pouco afastado, confirmando-se, por isso, uma crise da perda do valor cultural e
identitário subjacentes aos significados dos antropónimos de origem bantu, mas também
dos seus padrões fonéticos e gráficos.
O desconhecimento dos sistemas fonético e ortográfico das línguas bantu torna-
se muito evidente, na forma como são graficamente representados alguns destes
antropónimos, geralmente segundo o sistema fonético e gráfico do português.
Para este estudo recorremos a teoria e a metodologia específica no domínio da
Antroponímia e da Lexicologia. Recorremos também a certos procedimentos baseados
na pesquisa de campo, como entrevistas aos “mais velhos” ou “sekulu” da comunidade.
Procedemos também à pesquisa documental que consistiu na recolha de alguns
documentos oficiais (Cédulas Pessoal, Bilhete de Identidade, Assentos de nascimentos,
etc.), onde encontrámos exemplos evidentes de variação gráfica de alguns antropónimos
da língua Olunhaneka.
Palavras – chaves: Lexicologia; Onomástica; Antroponímia; Língua Olunhaneka
e Harmonização gráfica.
vii
ABSTRACT
ANTHROPONYMY IN THE OLUNHANEKA LANGUAGE
SOCIO-LINGUISTIC REFLECTION AND PROPOSAL FOR GRAPHIC HARMONIZATION
The present study aims to contribute to reflecting on the current situation of
anthroponyms in Angola, more specifically as regards the socio-cultural and linguistic
approach to anthroponyms in Angolan ethnolinguistic communities, and particularly in
the Ovanhaneka community in the Namibe province.
In these communities, we have witnessed a certain deviation of Bantu
anthroponyms from their origin, which can be tied to several factors. This phenomenon
has clearly confirmed a crisis of loss of the cultural and defining values that underlie the
meanings of Bantu anthroponyms, while also eroding their phonetic and graphic
patterns.
The unawareness of the phonetic and orthographic systems of Bantu languages
is very clear in the way some of these anthroponyms are represented, generally
following the phonetic and graphic systems of the Portuguese language.
For this study we employed specific theories and methodologies from the fields
of Anthroponymy and Lexicology. We also resorted to a series of field research
procedures, such as interviewing the elders, i.e. ‘sekulu’, of the community. We also
performed a document research, which consisted in the collection of a series of official
documents (e.g., birth certificates, identity cards, birth records, etc.), where we found
obvious examples of the graphic variation of some Olunhaneka anthroponyms.
Keywords: Lexicology; Onomastics; Anthroponymy; Olunhaneka language;
Graphic standardization.
viii
ÍNDICE
DEDICATÓRIA ............................................................................................................ iv
AGRADECIMENTOS..................................................................................................... v
0. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1
0.1. MOTIVAÇÃO PARA O TRABALHO DE PESQUISA ........................................ 3
0.2. OBJECTIVOS DO TRABALHO ........................................................................ 4
CAPÍTULO I .................................................................................................................. 5
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: LEXICOLOGIA E ONOMÁSTICA ................................ 5
1.1. LEXICOLOGIA E ONOMÁSTICA .................................................................... 5
1.1.1. LÉXICO E VOCABULÁRIO ..................................................................................... 7
1.1.2. RELAÇÃO DA LEXICOLOGIA COM A ONOMÁSTICA ...................................... 7
1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS NOMES PRÓPRIOS ......................................................... 9
1.3. FUNÇÃO DOS ANTROPÓNIMOS ...................................................................... 10
1.4. ANTROPONÍMIA E SOCIEDADE ...................................................................... 12
1.4.1. ANTROPONÍMIA E RELIGIÃO ............................................................................. 14
1.4.2. INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO .................................................................... 16
1.4.3. RELAÇÃO DOS MEDIA COM A ANTROPONÍMIA ........................................... 16
CAPÍTULO II ............................................................................................................... 18
SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DE ANGOLA .......................................................... 18
2.1. COMPOSIÇÃO ETNOLINGUÍSTICA DE ANGOLA ............................................ 18
2.2. SURGIMENTO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM ANGOLA ................................ 22
2.2.1. ESTATUTO DO PORTUGUÊS E DAS LÍNGUAS BANTU EM ANGOLA ......... 23
2.3. CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA E HISTÓRICA DA PROVÍNCIA DO NAMIBE
................................................................................................................................ 25
2.3.1. CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E ANTROPOLÓGICAS DA PROVÍNCIA ........ 27
2.3.2. COMPOSIÇÃO ETNOLINGUÍSTICA DA PROVÍNCIA ...................................... 27
2.3.2.1. OS POVOS PRÉ – BANTU ................................................................................... 28
2.3.2.2. OS POVOS BANTU .............................................................................................. 29
2.4. CLASSIFICAÇÃO DO GRUPO OVANHANEKA-NKHUMBI ............................... 33
2.4.1. CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS DOS OVANHANEKA ..................... 34
2.4.2. DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS OVANHANEKA ...................................... 35
2.5. MOTIVAÇÕES NA ATRIBUIÇÃO DOS ANTROPÓNIMOS ................................. 36
ix
2.6. PARTICULARIDADES FONÉTICAS E FONOLÓGICAS DA LÍNGUA
OLUNHANEKA ....................................................................................................... 38
2.6.1. SONS VOCÁLICOS ................................................................................................. 38
2.6.2. SONS CONSONÂNTICOS ...................................................................................... 39
2.6.3. SÍLABA: ESTRUTURA SILÁBICA ....................................................................... 41
CAPÍTULO III ............................................................................................................. 43
PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS ................................................................................. 43
3.1. CONSTITUIÇÃO DO CORPUS ........................................................................... 44
3.1.1. CORPUS ORAL ....................................................................................................... 44
3.1.2. CORPUS ESCRITO .................................................................................................. 44
3.2. ANÁLISE E TRATAMENTO DE DADOS ............................................................ 45
3.2.1. CARACTERÍSTICAS SEMÂNTICAS DOS ANTROPÓNIMOS .......................... 45
3.2.2. CARACTERÍSTICAS FONÉTICAS........................................................................ 48
3.2.3. CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS .............................................................. 50
3.3. BASE DE DADOS DE ANTROPÓNIMOS DA LÍNGUA OLUNHANEKA ............. 52
3.3.1. BASE DE DADOS DE ANTROPÓNIMOS ............................................................. 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 61
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 64
LIVROS, REVISTAS E TESES .................................................................................. 64
DICIONÁRIOS E GRAMÁTICAS .............................................................................. 66
DOCUMENTOS OFICIAIS ....................................................................................... 67
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................... 68
LISTA DE TABELAS ............................................................................................... 68
ANEXOS ..................................................................................................................... 69
1
0. INTRODUÇÃO
O presente trabalho de pesquisa tem como objecto a “ ANTROPONÍMIA NA LÍNGUA
OLUNHANEKA - REFLEXÃO SOCIOLINGUÍSTICA E PROPOSTA DE HARMONIZAÇÃO GRÁFICA – e
está enquadrado no âmbito do estudo da Lexicologia, Lexicografia e Antroponímia.
Pretendemos, com este estudo, contribuir para a reflexão sociolinguística da situação
antroponímica angolana e, particularmente a da Província do Namibe.
Proporcionar a cada pessoa um nome próprio, concebido para individualizá-lo e
fazer referência à sua linhagem familiar ou grupo étnico, é um dos fenómenos
socioculturais entre os povos bantu. Pelo que os antropónimos, sobretudo os de origem
bantu, constituem-se em elementos de identidade do indivíduo em relação a sua família
e à comunidade etnolinguística a que pertence. Nesses nomes estão, geralmente,
subjacentes elementos da vida cultural e social dessa comunidade.
A antroponímia constitui-se, por isso, num rico acervo de cultura porque por
meio dela se pode reflectir, ainda que de forma implícita, nas vivências do homem,
enquanto indivíduo, e na sua relação com o grupo étnico em que se encontra inserido.
Com o presente trabalho procuramos dar conta de um problema que tem a ver
com a constante perda do valor sociocultural e identitário presente nos significados dos
antropónimos das línguas bantu. A maioria de famílias angolanas, principalmente a
juventude, pouco ou quase nada sabe desse acervo cultural antroponímico. Pelo que
procuramos entender, neste estudo, a razão de ser desta situação, além de ser também
nosso interesse a reflexão em alguns aspectos de natureza linguística, especialmente os
relacionados com a variação gráfica de alguns antropónimos de origem bantu que, aliás,
constitui o nosso principal foco.
A perda de valores relativos à antroponímia bantu no seio das comunidades
linguísticas angolanas está associada à tendência crescente para uma maior adopção da
antroponímia ocidental, devido às influências da moda televisiva, cinematográfica,
revistas, etc.
2
Tal procedimento tem causado um outro problema de natureza linguística, ou
seja, o da variação gráfica ou incoerências gráficas com que geralmente são
representados alguns antropónimos, sobretudo os de origem bantu. Essas incoerências
são geralmente verificadas na alternância gráfica com que aqueles antropónimos são
escritos, até mesmo em documentos oficiais, especialmente no que se refere ao uso de
alguns morfemas e sequências vocálicas e consonânticas.
Neste trabalho, procurámos reflectir especialmente nos significados, simbólicos
ou etimológicos, que os antropónimos daquela província representam para a cultura
local e nacional; reflectir também acerca das possíveis motivações que influenciam o
acto de atribuir nomes às pessoas; identificar e explicar as diferentes formas de
representação gráfica de alguns antropónimos das línguas bantu, especialmente da
língua Olunhaneka, e determinar a extensão dos efeitos de factores sociolinguísticos
resultantes da coabitação destas com o português no mesmo espaço geolinguístico.
Em suma, propusemo-nos a reflectir acerca do valor sociocultural da
antroponímia da comunidade linguística dos Ovanhaneka e reflectir na relação que a
Antroponímia estabelece com a Lexicologia, cuja informação foi obtida com base em
alguns procedimentos metodológicos, necessários à identificação, análise e tratamento
de fenómenos linguísticos inerentes aos aspectos morfossemânticos e fonéticos de
alguns antropónimos na língua em estudo.
O resultado deste estudo contribuirá, por um lado, aos esforços do Estado
angolano, relativamente à revalorização da cultura nacional Bantu. Por outro lado, a
proposta de harmonização gráfica de alguns antropónimos, especialmente os de origem
bantu, através de uma base de dados antroponímicos, poderá ser utilizada pelos
funcionários da Administração Pública, sobretudo os vinculados nos postos de Registo
Civil e Cartórios Notariais, com vista à ajudá-los a melhorar, de alguma forma, a
qualidade1 dos seus serviços.
1 «Grau de satisfação de requisitos (3.1.2.) dados por um conjunto de características (3.5.1) intrínsecas» (NORMA ISO, 9000/2005). Para Raquel Silva (2014) «é um conceito operacional cada vez mais enraizado nas políticas de cultura das empresas e organizações que promovem ciclos integrados e sistemáticos de revisão e melhoria dos seus sistemas de produção, com vista ao aumento da qualidade dos seus produtos ou serviços […]» (SILVA, R. 2014:51)
3
Além das considerações teóricas, baseadas em consulta de bibliografia, para a
compreensão da situação sociocultural, geográfica e histórica dos grupos étnicos do
sudoeste da Angola, particularmente os localizados na Província do Namibe, recorremos
também aos métodos e procedimentos de transmissão oral como as entrevistas com
anciãos das comunidades e professores, baseadas em diálogos de carácter informal
acerca dos significados de alguns nomes próprios pertencentes à comunidade dos
Ovanhaneka. Procedemos também à recolha, em algumas instituições, de alguns
documentos (listas nominais, assentos de nascimento, cópias de bilhetes de identidade,
cédulas pessoais), para a análise de aspectos ortográficos.
A dissertação está constituída por três capítulos, além da Introdução, das
Considerações finais, da Bibliografia e dos Anexos: Fundamentação Teórica;
Caracterização Sociolinguística da Província do Namibe; Princípios Metodológicos do
trabalho e análise de dados.
0.1. MOTIVAÇÃO PARA O TRABALHO DE PESQUISA
A razão para a escolha do tema deve-se ao facto de verificar-se uma certa
preterição dos antropónimos das línguas bantu pelas famílias angolanas, especialmente
pela juventude que, muitas vezes, prefere adoptar nomes próprios de origem ocidental.
No exercício das minhas funções tenho verificado, enquanto professor, que
alguns alunos, sobretudo os mais novos portadores de nomes bantu, revelam uma forte
aversão quando são tratados pelos seus nomes de origem bantu, devido a reações de
buling entre colegas, o que acentua ainda mais a sua antipatia pelos tais nomes.
Esta pesquisa está consubstanciada na tentativa de buscar informação acerca dos
significados de nomes próprios das línguas de Angola, especialmente os de origem
bantu, para a sua revalorização, e na análise de fenómenos linguísticos associados à
variação ortográfica destes antropónimos. Deste processo de análise resultou uma
proposta de harmonização gráfica de alguns antropónimos, organizados numa base de
dados a ser utilizada pelos funcionários da Administração Pública, especialmente dos
Cartórios notariais, das Conservatórias e dos Postos de Identificação, para a melhoria da
4
qualidade de serviço prestado pelos funcionários destes órgãos da Administração
Pública.
Por outro lado desejamos que a divulgação do resultado desta pesquisa possa
também fornecer subsídios para os futuros pesquisadores dessa matéria antroponímica,
permitindo contrabalançar, de modo aberto e crítico, a cultura globalizante,
massificadora e, muitas vezes, “sem dono” num país (Angola) que se pretende reafirmar
através de uma cultura própria, embora inserida, como é evidente, num contexto global.
0.2. OBJECTIVOS DO TRABALHO
Para este estudo preconizámos os seguintes objectivos:
- Efectuar o levantamento e o registo sistemático dos antropónimos recolhidos;
- Reflectir na importância do valor sociocultural contido nos significados dos
antropónimos bantu.
- Identificar nos corpora, sobretudo em alguns documentos oficiais de
identificação, fenómenos de variação gráfica de alguns antropónimos da língua
Olunhaneka.
- Propor a harmonização gráfica, numa base de dados de antropónimos, dos
casos de variação gráfica de antropónimos daquela língua que apresentam maior grau de
complexidade ortográfica.
- Organizar, nesta base de dados, a informação, não só, de natureza semântica
dos antropónimos, mas também dados relacionados com as seguintes categorias: nome
próprio, variantes gráficas, proposta de harmonização gráfica deste nome e a respectiva
transcrição fonética.
5
CAPÍTULO I
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: LEXICOLOGIA E ONOMÁSTICA
Apesar de ser pouca, a literatura acerca da antroponímia, menos ainda a
relacionada com a antroponímia bantu, não podemos, de forma alguma, ignorar a
importante obra, Antroponímia Portuguesa de José Leite Vasconcelos (1928), em cuja
reflexão se afigurou determinante para este capítulo, sobretudo no que se refere à
componente teórica acerca da Onomástica.
Não estando muito afastada da realidade antroponímica angolana, foi também
útil, para esta secção do trabalho, a abordagem introdutória acerca do valor sociocultural
dos antropónimos em Antroponímia da Guiné Portuguesa de António Carreira e
Fernando Quintino (1964) e também Demetrio Castro (2014) em Antroponímia e
Sociedade, sobretudo algumas questões relacionadas com determinados factores que
podem influenciar a antroponímia de uma dada língua.
Em Angola, é consideravelmente escassa a bibliografia acerca do assunto, pode-
se referir apenas à obra de João Major Serrote (2015) acerca da antroponímia da língua
Kimbundu na província de Malanje.
1.1. LEXICOLOGIA E ONOMÁSTICA
Estando a antroponímia inserida no âmbito da Lexicologia e, para aprofundar a
nossa reflexão acerca da relação entre as duas disciplinas, e compreendermos alguns
conceitos de base acerca da Lexicologia, léxico e vocabulário, foram dignas de
referência, obras como “Estudos de Lexicologia do Português” e “Léxico e Gramática”
(Mário Vilela, 1994 e 1995), respectivamente. Fez-se também referência a alguns
artigos como “Importância de uma Lexicologia Contrastiva” (Maria Teresa Lino,1979)
e “Neologia, Terminologia e Lexicultura, a Língua Portuguesa em Situação de
Contacto de Línguas” (Maria Teresa Lino et al 2010).
6
À ciência linguística que se ocupa da descrição do léxico nos seus aspectos de
forma e de conteúdo, enquanto meio de representação do mundo extralinguístico, dá-se
o nome de Lexicologia. O léxico constitui-se, por isso, no objecto de estudo da
Lexicologia.
Enquanto ramo da linguística, a Lexicologia descreve as palavras da língua,
explicando, de forma mais adequada possível, a estrutura morfológica do léxico comum
de uma determinada língua ou do léxico do sujeito falante em função específica, como é
o caso do léxico – antroponímico ou toponímico.
Portanto, a Onomástica encarrega-se de estudar nomes próprios que referem
entidades particulares do mundo, como sejam pessoas, lugares, etc. Ou seja, estuda uma
parte do léxico de uma língua, o léxico antroponímico ou toponímico, os quais podem
configurar uma realidade extralinguística (social, cultural ou circunstancial). A outra
parte do léxico, o léxico geral, refere-se a entidades enquanto constituintes de uma
determinada classe e, por isso, pertencem à classe dos substantivos ou nomes comuns.
Nessa linha de pensamento, Maria Teresa Lino afirmou, num seminário em
Lexicologia e Lexicografia que, «o léxico de qualquer língua é uma grande reserva de
cultura de uma comunidade. Mas o léxico pode ser entendido também como um índice,
um glossário, um vocabulário ou um dicionário sucinto, monolingue ou bilingue,
relativo à língua corrente, a uma ciência ou técnica ou a um outro domínio
especializado, a um autor ou a uma determinada época» (14.01.2016).
Referindo-se ainda ao léxico, a professora acima referida define-o como sendo
«um sistema de virtualidades de que cada indivíduo domina apenas um subconjunto que
constitui o seu vocabulário» (LINO, 1979:15).
O património lexical de uma língua constitui um arquivo que armazena e
acumula as aquisições culturais representativas de uma sociedade, que reflectem
percepções e experiências de um povo em várias gerações. Em paralelo com esta ideia,
Mário Vilela (1995:10) considera ser o léxico «o conjunto das unidades léxicas (as
palavras que configuram imediatamente a realidade extralinguística) […]».
7
1.1.1. LÉXICO E VOCABULÁRIO
O léxico de qualquer língua corresponde, como já foi referido anteriormente, ao
conjunto de vocábulos dessa língua que, geralmente se encontram reunidos num
dicionário. É geral, quando corresponde ao conjunto de palavras de uma determinada
comunidade linguística e individual, quando corresponde à parte do léxico geral.
O léxico geral tem a ver com a totalidade das palavras de que dispõe uma
comunidade linguística numa determinada época e o individual é parte do léxico geral,
correspondente ao vocabulário e que, pouco a pouco, o sujeito falante vai integrando no
seu conhecimento linguístico.
O vocabulário é, de acordo com Teresa Lino (1979:13) «um conjunto dos
vocábulos, as unidades do discurso». Ou seja, o vocabulário é uma actualização do
léxico; pode também corresponder à parte do léxico individual que é empregue em
situação de discurso pelo sujeito falante. Por isso, o vocabulário actualiza e concretiza o
léxico que é abstracto.
Para Mário Vilela (1995:13), «o vocabulário é uma subdivisão do léxico, como
por exemplo, o léxico do autor, o léxico de um texto, o léxico de uma escola, de uma
área do saber, etc.». Nesse sentido, o léxico individual inclui um vocabulário activo,
aquele que o sujeito falante necessita de utilizar em situação de comunicação, e um
vocabulário passivo, aquele que mesmo não sendo utilizado, o sujeito falante
reconhece-o em situação de comunicação. No entanto, a antroponímia de uma
determinada região ou comunidade linguística constitui-se numa parte do léxico dessa
região ou comunidade.
1.1.2. RELAÇÃO DA LEXICOLOGIA COM A ONOMÁSTICA
Por vezes, os locutores de uma comunidade linguística deixam de utilizar certas
unidades lexicais do léxico geral no seu uso geral da língua, e utilizam-nos com um
valor onomástico. Pelo que tais unidades lexicais passam, por isso, a fazer parte do
léxico-toponímico ou léxico-antroponímico. Este último constitui-se numa das matérias
de abordagem da Onomástica que é nosso objecto de estudo.
8
Os nomes próprios são o objecto de estudo da Onomástica. Para Raposo e
Barcelar do Nascimento (2013:1004), a Onomástica é «a disciplina da linguística que
estuda os nomes próprios canónicos (do ponto de vista da sua morfologia, origem e
motivação)». Ou seja, o léxico onomástico constitui-se num conjunto de unidades
linguísticas com as quais se pode fazer referência a entidades específicas do mundo,
como sejam pessoas, lugares, etc.
Sendo a Onomástica um domínio que trata de entidades línguísticas, ou seja, de
vocábulos com o valor onomástico, integra-se à Lexicologia, caracterizando-se como
ramo da ciência da linguagem que possui duas áreas de estudo: a Antroponímia e a
Toponímia.
A primeira, estuda os nomes de pessoas (nomes próprios individuais, nomes de
parentes ou sobrenomes, alcunhas e apelidos)2. A segunda, a Toponímia, integra-se na
Onomástica como disciplina que tem como objecto de estudo, o léxico toponímico, ou
seja, nomes de lugares. Ambas as áreas constituem-se de elementos linguísticos que
conservam, não só, uma função denominativa, mas também referencial, e permitem
conhecer a realidade social e cultural de uma determinada comunidade linguística.
Relativamente à sua etimologia, a Onomástica é um termo originalmente
extraído de uma palavra grega que deriva de “chamar” e que passou a significar “que
serve para dar nome”. Mais tarde passou a significar “designação de nomes próprios”,
‘maneira de denominar”.
Portanto, a Onomástica estabelece uma estreita relação com a Lexicologia,
sendo que o objecto de estudo daquela, ou seja, o léxico antroponímico e o léxico
toponímico, constituem-se numa parte específica do léxico geral de uma língua,
analisável no âmbito da Lexicologia.
2Para J. Leite Vasconcelos, nome próprio é «nome completo ou conjunto formado pela designação individual propriamente dita, acompanhada de outra ou outras designações que de ordinário se lhe juntam». Sobrenome «um patronímico, nome de pessoa, expressão religiosa ou outra, que se junta imediatamente ao nome individual, com o qual como que forma corpo». E define a alcunha «[…] uma designação acrescentada ao nome normal do indivíduo, por outros, que neste observam certa particularidade ou certa qualidade física ou moral digna de nota, ordinariamente jocosa ou insultuosa, mas também séria». (VASCONCELOS, J. L., 1928:11)
9
A Antroponímia constitui-se, tal como já nos referimos anteriormente, num dos
ramos da Onomástica que se encarrega de estudar nomes próprios de pessoas, nomes
parentais ou sobrenomes e os apelidos, explicando a sua origem, a razão do seu
emprego, a sua evolução, bem como a variação que esses nomes sofrem, tendo em conta
os factores sociais, geográficos, cronológicos e os diversos costumes.
1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS NOMES PRÓPRIOS
Os nomes próprios ou substantivos próprios, objectos de estudo da Onomástica,
classificam-se em função do tipo de entidades ou seres a que são aplicados. De acordo
com esse pressuposto, Paiva Raposo e Maria Barcelar do Nascimento (2013:1004)
classificam-nos da seguinte maneira:
- Antropónimos «os nomes atribuídos às pessoas, também chamados nomes de
pessoas».
-Topónimos «os nomes de lugares, nomeadamente os atribuídos a aglomerados
de dimensões variadas, criados pelos seres humanos e onde estes vivem em comunidade
[…]»
- Nomes próprios de entidades de outras categorias ontológicas «os nomes
próprios que não são antropónimos nem topónimos e dividem-se em vários grupos,
consoante a categoria ontológica das entidades representadas».
José Leite Vasconcelos classifica a Onomatologia, disciplina dos nomes
próprios, da seguinte maneira:
Toponímia - ramo que estuda os nomes de lugares. Para aquele autor,
inclui-se nesse estudo, nomes de rios, lagos, etc., e outros produtos da natureza como
árvores, penedos, que dão frequentemente nomes a sítios.
Antroponímia - estudo dos nomes de pessoas.
Panteonímia - (nomes de toda a espécie) estudo de vários outros nomes
próprios, isto é, de astros, de animais, de ventos, de seres sobrenaturais e de coisas.
10
Neste trabalho de dissertação, cingir-nos-emos à Antroponímia, por ser a secção
da Onomástica em que se insere o nosso objecto de estudo, ou seja, acerca da
antroponímia, especialmente a da Província do Namibe.
1.3. FUNÇÃO DOS ANTROPÓNIMOS
Atribuir um nome próprio a uma pessoa é uma tarefa séria. A partir desse
momento, garante-se à pessoa a sua existência como ser humano único que inicia a
construção da sua própria identidade. Por isso, não deve ser feito de modo aleatório. Os
pais ou aquele que atribui o nome têm uma série de intencionalidades que vão desde
aquilo que esses pais desejam simbolizar ou quem desejam homenagear etc., tendo em
conta os significados profundos do nome, ligados até mesmo à sua vida sentimental.
Pelo que, este acto pode perpassar todo um ritual consciente e simbólico que representa
sempre algo muito especial para quem nomeia.
O acto de denominar os seres constitui-se também numa matéria teológica.
Desde a criação do mundo houve a necessidade de se atribuir um nome ao homem e às
coisas que Deus acabava de criar. Pelo que no capítulo dois, versículos dezanove a vinte
do livro de Génesis diz-se que Deus, depois de ter criado todos os animais que existem,
levou-os ao homem para ver como este os chamaria. O objetivo de Deus era que todos
os seres criados fossem conhecidos e distinguidos pelos nomes que o homem lhes daria.
Portanto, o homem denominou todos os animais que Deus criara e lhe
apresentara, conforme se pode conferir no Génesis, livro da Sagrada Escritura, no
capítulo e versículos acima citados:
«Da terra formou, pois, o Senhor Deus todos os animais do campo e todas
as aves do céu, e os trouxe ao homem, para ver como lhes chamaria; e tudo
o que o homem chamou a todo ser vivo, isso foi o seu nome. Assim o
homem deu nomes a todos os animais domésticos, às aves do céu e a todos
os animais do campo […]» (GÉNESIS 2: 19-20).
11
O facto é que antes disso, o próprio Deus denominou o homem “Adão”, nome
derivado de “Adam” que, na língua hebraica, significa “homem criado a partir da terra”.
Adão por sua vez denominou sua mulher “Eva”, nome também derivado do hebraico
“hav.váh” que significa "mãe de todos os seres vivos", conforme consta do capítulo três,
versículo vinte de Génesis, livro da Bíblia Sagrada já referido.
A partir desse momento o homem revelou, por meio da linguagem, a posse
intelectual da sua espécie, ao denominar os outros seres criados pelos correspondentes
nomes.
Além da função denominativa dos antropónimos que conferem singularidade aos
portadores, também apresentam, em situação de comunicação, funções de vocativo3
referencial4, porque se pode, por meio de um nome próprio, fazer referência ao seu
portador, presente ou ausente em ambiente discursivo.
Pelo que, embora se discuta a existência de nomes próprios semanticamente
arbitrários, ou seja, vazios do ponto de vista do significado, o facto é que nestes podem
estar subjacente a filosofia de vida da pessoa ou da comunidade portadora, e por via dos
mesmos aludir-se a uma determinada informação da realidade social e política.
No contexto literário, por exemplo, podemos, por via dos antropónimos, indicar
o assunto relacionado com uma época literária determinada, sobretudo no caso de certos
nomes mitológicos, literários ou heterónimos ou ainda históricos, devido à sua carga
metafórica, às suas associações positivas ou negativas.
Não obstante as opiniões apresentadas relativamente ao assunto, a verdade é que
o nome próprio pode conferir poder e prestígio aos indivíduos portadores, além de ser
um factor de identificação da comunidade linguística a que esses indivíduos pertencem.
3 «Na função vocativa, os nomes próprios são usados pelo falante para se dirigir ao ouvinte, para chamar por ele, atrair a sua atenção, avisá-lo de uma determinada situação, etc. […]» (RAPOSO, P. e NASCIMENTO, M., 2013:1016) 4 «[…] nesta função, os nomes próprios, no singular, referem uma entidade particular num determinado contexto situacional ou discursivo, entidade essa identificada pelo falante através do seu nome, e que este assume que o ouvinte está igualmente em condições de identificar, também através do nome» (RAPOSO, P. e NASCIMENTO, M., 2013:1013)
12
Relativamente a alguns nomes próprios como Deus, Rabelais, Paris, etc.,
Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov (1982: 300-301) afirmam que «os gramáticos
entendem que o facto de o referente de um nome próprio ser normalmente único,
conclui-se, por vezes, que o nome próprio é um simples rótulo colocado a uma coisa,
que tem um referente, mas não sentido […]». Por isso estes autores concluem ser
“anormal” empregar um nome próprio, se não se pensar que esse nome diz alguma coisa
ao interlocutor, ou seja, se esse interlocutor não tem alguns conhecimentos sobre o
portador desse nome. Porém, referindo-se ao sentido dos nomes próprios, aqueles
autores afirmam:
«Podemos considerar o sentido de um nome próprio, para uma determinada
colectividade, um conjunto de conhecimentos relativos ao portador desse
nome, conhecimentos que qualquer membro da colectividade deve possuir
pelo menos em parte […]» (DUCROT e TODOROV,1982: 300-301).
Portanto, a escolha de um antropónimo para um indivíduo recém-nascido é pois
uma expressão da sua identidade e do seu povo. Caso contrário, bastaria, por exemplo,
identificar um indivíduo apenas pelas suas características físicas ou sociais, pelo seu
número de contribuinte ou de conta bancária, pelo lugar em que nasceu, etc.
1.4. ANTROPONÍMIA E SOCIEDADE
A prática de dar nomes às pessoas e torná-las conhecidas no seio familiar e de
uma determinada comunidade linguística tem sido, e ainda continua a ser, um ritual
através do qual o indivíduo portador recebe uma identidade própria que permite situá-lo
geográfica e culturalmente.
Carreira e Quintino (1964:26) referem, na sua obra Antroponímia da Guiné
Portuguesa, que «a antroponímia é na sua essência um fenómeno social ou mais
propriamente um fenómeno sociocultural». Pelo que o estudo da Antroponímia
constitui-se num veículo que permite evidenciar as mais variadas características da vida
social e cultural de uma determinada comunidade linguística em que pertence o
indivíduo portador, e perpetuar características do ambiente físico e da linhagem
13
familiar. Às vezes, o nome próprio é utilizado como meio de afirmação do indivíduo,
como expressão da sua identidade pessoal ou ideológica.
O etnógrafo José Leite Vasconcelos realça a importância da antroponímia nos
seguintes termos:
«[…] os indivíduos que constituem o género humano entender-se-iam
dificilmente entre si ou teriam de, a cada passo, recorrer a perífrases
incómodas, se não houvessem adoptado uma designação especial para cada
um, que o distinguisse dos restantes […]» (VASCONCELOS, J. L.,
1928:1).
Os antropónimos de uma comunidade estão associados à cultura dos grupos
humanos que habitaram ou habitam determinado espaço geográfico, ao seu modo de
vida e operação durante toda a história da humanidade. Dessa forma, a história contida
num determinado nome próprio funciona como testemunho vivo da vida sociocultural
desta comunidade etnolinguística.
Por isso o autor acima citado refere-se à origem dos nomes próprios, observando
que «os nomes pessoais nascem, em regra, de expressões da língua comum, isto é, de
palavras simples de derivados e de compostos, ou de frases: e referem-se em seus
primórdios, conforme às línguas, às coisas e aos fenómenos da natureza, ao tempo
(como duração), à geografia, a qualidades físicas e morais dos indivíduos, a
circunstâncias, necessidades e ocupações da vida ordinária, à religião ou à magia, a
guerra, a domínio (em todo o sentido), a estados sociais, etc.» (VASCONCELOS, J. L.,
1928:23)
Assim, alguns nomes ou substantivos comuns que denominam diferentes
objectos e elementos da flora e da fauna, podem ser levados à categoria de nomes
próprios, topónimos ou antropónimos, utilizados pelas famílias ou pelas comunidades,
para designar um indivíduo determinado.
14
1.4.1. ANTROPONÍMIA E RELIGIÃO
Além dos nomes próprios que resultam de influências etnográficas, históricas ou
políticas e de contextos literários, há ainda outros antropónimos que, por razões de
influência ou convicção religiosa, são extraídos da Bíblia Sagrada.
Nesse sentido, a religião Cristã, sobretudo a igreja Católica, exerceu e continua a
exercer também grande influência na antroponímia das comunidades, não só, em
Portugal, mas também noutras paragens do mundo da lusofonia como em Angola,
devido ao processo dos descobrimentos e das conquistas ultramarinas onde chagaram os
portugueses.
Nessas regiões ultramarinas eram aplicados aos indígenas, nomes dos
descobridores, o dia ou a época do descobrimento ou nomes de um governante numa
determinada circunscrição.
Devido à política civilizadora, indígenas convertidos dos seus hábitos e,
sobretudo da sua cultura pelos missionários, recebiam, por altura do baptismo, novos
nomes litúrgicos que simbolizavam a sua conversão completa à vida Cristã. Esses
nomes, tomados pelos pais e padrinhos para as crianças, foram-se estabilizando,
passando de pais aos filhos, de geração a geração.
Portanto, aquela religião constituiu-se numa grande fonte de aquisição de novos
antropónimos. Os povos ou famílias já cristianizados, geralmente adoptam nomes
religiosos como Abraão, Ana, Anjos, Baptista, Eva, Espírito Santo, Francisco, Isaías,
Isabel, João, José, Lucas, Maria, Moisés, Paulo, Pedro, Teresa, etc., pela importância
social e espiritual que esses nomes representam na vida dos referidos portadores.
Em Angola, por exemplo, alguns desses nomes bíblicos têm sofrido
transformação na sua estrutura gráfica. Assim, o génio criativo das famílias e a procura
de exclusividade leva-as à recriação de neologismos antroponímicos, a partir dos nomes
próprios já existentes, utilizando os processos de formação como derivação, truncação5,
5«Processo que consiste na criação de um novo termo a partir do apagamento de parte da palavra que lhe deu origem» (CUNHA e CINTRA, 2014:148).
15
reduplicação6 e amálgama
7. Assim surgem novas unidades antroponímicas, usuais hoje
em dia em ambientes familiares e não só, e enriquecem o léxico antroponímico:
a) Derivação: Evanilda, Isabelinha, Paulinho, Josemar, Cristiano, etc.
b) Truncação: Cisco (de Franscisco), Isa, Bela ( de Isabel), Jó (de Jacó e José),
Zé (de José), etc.
c) Reduplicação: Jojó (de Job), Zezé (de José).
d) Amálgama: Marieth (de Maria + Arieth).
Atribuir nomes religiosos é um costume antigo entre as sociedades religiosas em
todas a parte do mundo. Por exemplo já, entre os cristãos romanos, se recomendava
atribuir nomes próprios de Santos, no ritual de baptismo, como uma forma de
purificação do recém-baptizado. É o que se pode confirmar nas palavras de Demetrio
Castro, a respeito deste acto:
«De modo más explícito el Rirual Romano, en vigor desde 1614, recomenda
que el ministro cuide que los nombres que se imponham no sean obscenos,
fabulosos o ridículos ni de dioses vanos o de paganos; antes bien, hasta
donde pueda, de los santos para que com su ejemplo los fieles se inclinem a
vivir devotamente y protegidos por su patrocinio» (CASTRO, D., 2014: 29).
A conclusão a que se pode chegar é que a adopção de nomes bíblicos representa,
para determinadas famílias sobretudo cristãs, uma forma de expressar ou manifestar a
sua devoção e o seu vínculo com a religião Cristã, uma clara demonstração da sua
diferença com outras famílias ou grupos gentios8.
6A reduplicação é um processo de formação de novos antropónimos familiares, a partir de atrofiamento de outros mais extensos. 7«As amálgamas (também conhecidas como mots-valise ou blends) são unidades lexicais constituídas com partes de outras palavras, que se juntam, formando uma palavra gráfica» (CORREIA, M.,2012:57). 8Na tradição judaica a palavra referia-se às pessoas que não eram judias, ou seja, ao povo que no era descendente de Abraão, Isaque e Jacó, considerado, por Deus, como uma nação santa.
16
1.4.2. INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO
A globalização assume, hoje, uma posição relevante nas ralações sociais
políticas e culturais entre os povos, devido ao intenso desenvolvimento tecnológico,
responsável também pelo fenómeno de adopção de nomes próprios no seio das famílias.
Porém o consumo irracional da nova realidade globalizadora tem como base,
uma economia de mercado livre e tem provocado alterações substanciais na vida das
comunidades, isto é, na matriz da sua essência cultural, influenciando o seu modo de
ser, agir e pensar, no desempenho dos seus rituais, no seu estilo indumentar e até na
escolha de antropónimos e topónimos.
Esta mesma globalização, caracterizada por uma uniformização dos usos e de
costumes tendentes a uma universalidade comportamental e até cultural, arrasta famílias
e comunidades a um consumo, muitas vezes, marcado pela superficialidade das coisas.
Pelo que a escolha dos antropónimos não escapa à erosão desses valores
globalizadores que, por razões de ordem fundamentalmente metafórica, associadas aos
sonhos idealizados a partir de um mundo de fantasias oferecidas através de novelas e de
cinemas, levam as famílias à adopção de nomes de certos personagens da moda e da
arte.
1.4.3. RELAÇÃO DOS MEDIA COM A ANTROPONÍMIA
Através dos processos dos media direcionados a todas as camadas da sociedade,
a televisão em especial apresenta um papel de destaque devido ao seu raio de acção.
Expõe conteúdos que viram moda e que servem de modelos, sem as necessárias
reflexões sobre o seu conteúdo pelos consumidores. A sua influência cria, para a
maioria de telespectadores, um mundo ilusório de ídolos e de heróis. Demetrio Castro
(2014) refere-se às influências dos media, nos seguintes termos:
«O Dicionário da Língua Portuguesa “Aurélio Seculo XXI” (1999) define-o «aquele que professava o paganismo; idólatra; que segue o paganismo; idólatra […]»
17
«[…] la dinâmica en virtud de la cual se amplían y diversifican los
repertórios de nombres personales en las sociedades occidentales modernas,
determinando diferencias apreciables entre unas generaciones y otras, y en
los tempos más recientes suscitando contrastes muy marcados entre las
mismas en ciertos países, se relaciona grosso modo com los processos
generales de modernización e, igualmente, com los mecanismos que dictam
los comportamentos personales y sociales de aceptación e irradiación de
modas». (CASTRO, D., 2014: 135).
Portanto podemos depreender, desta afirmação que os consumismos de
conteúdos transmitidos sobretudo pelos meios de comunicação de massas como a
televisão, o cinema, a rádio, o desporto, etc., constituem-se num veículo da
transculturação, até mesmo, da realidade antroponímica.
18
CAPÍTULO II
SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DE ANGOLA
Não obstante ser a essência deste trabalho, o estudo acerca da antroponímia da
Província do Namibe, com destaque para os antropónimos dos Ovanhaneka, sobretudo
no que se refere à análise do valor sociocultural contido nos significados da maioria
daqueles antropónimos, assim como à análise de alguns aspectos linguísticos a eles
inerentes, entendemos ser também necessário referirmo-nos a alguns aspectos da
realidade extralinguística.
Pelo que, neste capítulo, procurámos apresentar, de forma geral, uma
caracterização geográfica e histórica dos diferentes grupos etnolinguísticos existentes
em Angola. Apresentámos também, nesta secção, o estatuto social do português e das
línguas bantu faladas no país; caracterizamos histórica e geograficamente a Província do
Namibe; referimo-nos à composição etnolinguística e à caracterização sociocultural da
antroponímia das comunidades etnolinguísticas.
2.1. COMPOSIÇÃO ETNOLINGUÍSTICA DE ANGOLA
As línguas originalmente faladas em Angola, bem assim como em alguns países
africanos, são as dos povos africanos residentes na região subsariana. Convém referir
que a população angolana é maioritariamente de origem Bantu, apesar de existir
também, no país, alguns grupos étnicos minoritários não bantu. Em conformidade com
Mário Vilela (1995), relativamente ao mosaico etnolinguístico de Angola, pode ler-se o
seguinte:
«A população angolana actual é o resultado do cruzamento de vários povos
que, entre os séculos XIII e XIX, ocupam Angola e cujas línguas nacionais,
também chamadas variedades regionais, são essencialmente as seguintes:
Umbundu, Kimbundu, Kikongo, Tchokwe, Ngangela, Nhaneka – Humbe,
Ambó, Herero, Hottentot – Bushmanu, Vatus e Xindonga». (VILELA,
1995: 46)
19
O maior grupo étnico bantu é o dos Ovimbundu o qual se concentra,
maioritariamente, no centro - sul do país, ou seja, no Planalto Central e em algumas
áreas adjacentes, especialmente na faixa do litoral. A sua língua, Umbundu é falada no
Bié, Huambo e Benguela e em zonas vizinhas.
Os Ovimbundu constituem, hoje, um pouco mais da terça parte da população
angolana e a sua língua, Umbundu, é, por conseguinte, a segunda língua bantu mais
falada no país, a seguir ao português.
Devido à guerra civil que se desencadeou em Angola nas três últimas décadas,
muitos membros dessa etnia fugiram das suas zonas, fundamentalmente aqueles que
habitavam o espaço rural, e refugiaram-se para os espaços urbanos, habitando nas
capitais provinciais como Benguela, Lubango e Namibe. A grande maioria instalou-se
em Luanda e a sua língua, a Umbundu, difundiu-se por outras regiões do país onde não
era falado antes.
Em termos de importância numérica, o segundo grupo étnico corresponde ao dos
Ambundu que representam cerca da quarta parte da população. A sua língua,
Kimbundu, é maioritariamente falada na zona centro - norte, no eixo Luanda e Kwanza
Sul, além da província de Malanje. O Kimbundu é uma língua bantu com grande
relevância, por ser a língua tradicional da capital e pela sua representatividade na
literatura angolana.
Ainda no norte de Angola, nas províncias do Uíge, Zaire e parte do Kwanza –
Norte, concentra-se a maior parte dos Bakongo. A sua língua Kikongo ou “kikoongo”
era a do antigo Reino do Kongo e tem diversos dialectos, tal como também os há nas
línguas Umbundu e Kimbundu.
Os Tchokwe estão presentes numa boa parte do leste de Angola, desde a Lunda
Norte ao Moxico e até mesmo ao Bié. Enquanto na parte norte daquela região
constituem, juntamente com os lunda, a população exclusiva, a sua presença mais a sul
é, cada vez mais, dispersa e mistura-se com a língua, habitualmente designada pelo
termo Ngangela.
Os povos designados como Ovangangela têm como língua a “Ngangela" que
apresenta actualmente o estatuto de língua autóctone e para alguns, considerada
20
nacional. É, na verdade, a língua de apenas uma população residente a leste e sul de
Menongue e noutras partes do país, embora em número muito reduzido.
Um outro conjunto de povos é, desde os tempos coloniais, classificado
Ovanyaneka que não constituem uma etnia abrangente, nem pela sua identidade social,
nem por uma língua comum. Este grupo encontrava-se inicialmente estabelecido nos
territórios do curso médio do Cunene. Carlos Alberto Medeiros (1976:108) afirma que
«foram estas as populações que os portugueses encontraram fixadas nas Terras Altas da
Huíla, antes de se iniciar a colonização desta área».
Diferente é o caso dos Ovambo que são um grande grupo étnico existente,
principalmente, na Namíbia, mas em parte significativa também na província do
Kunene, no sul de Angola. A sua língua é o Oshivambo, a língua africana mais
importante da Namíbia. Em Angola esta língua é, geralmente, falada na forma dos
dialectos, próprios dos diferentes subgrupos. O subgrupo de maior destaque é aqui o dos
Ovakwanyama.
No sudoeste de Angola existem pequenos povos aparentados aos do grupo
Ovahelelo principalmente os Vakuvale "Mucubais", os Himba e os NDimba. Existem
também, no sul de Angola, grupos residuais dos Vakankala “Khoisan” e Vátwa
(Ovakwando), descendentes de povos não bantu que falam as suas línguas específicas,
hotentote (khoy) e Kankala, respectivamente.
21
Quanto aos grupos etnolinguísticos de Angola e suas respectivas línguas, o
quadro abaixo reflecte apenas o grupo bantu:
Nº NOMES DOS GRUPOS ÉTNICOS NOMES DAS LÍNGUAS OBS:
1 Ovimbundu Umbundu
2 Ambundu Kimbundu
3 Tuchokwe Tchokwe
4 Bakongo Kikongo
5 Vangangela Ngangela
6 Ovanhaneka Olunhaneka
7 Ovahelelo Oshihelelo
8 Ovakwanhama Oshikwanhama
Tabela 1 Grupos etnolinguísticos bantu e suas respectivas línguas
O país conta ainda com outros grupos, nomeadamente grupos etnolinguísticos
não bantu, tal como se descreve no quadro seguinte:
Nº NOMES DOS GRUPOS
NÃO BANTU
NOMES DAS LÍNGUAS OBS:
1 Hotentote ou Khoisan (Vakwankala,
Vasekele ou “Bosquímane”)
Hotentote (khoi)
2 Vátwa ou “kuroka” – Ovakwando ou
Ovakwepe
Kankala (San)
Tabela 2 - Grupos etnolinguísticos não bantu com as respectivas línguas
22
2.2. SURGIMENTO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM ANGOLA
O português é um idioma que chegou à Angola no início da civilização
portuguesa, em 1482, graças à parceria entre os portugueses e o reino do Congo. O
programa de civilização visava difundir a língua, a cultura e a religião nos territórios
descobertos pelos portugueses.
A língua portuguesa constituiu-se mais tarde num elemento determinante,
porque serviu como um grande catalisador para a propagação da cultura, incluindo a
religião ocidental, mais especificamente o Cristianismo, em substituição do animismo
que constituía a principal religião dos angolanos.
Porém convém referir também que a difusão do português em todo o território
nacional foi uma estratégia importante no processo de civilização das comunidades
angolanas indígenas. Durante o processo aplicaram-se, em Angola, medidas de
proibição no uso das chamadas línguas regionais dos povos indígenas.
Assim, entre 1764 a 1772, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho,
governador português em Angola na época, determinou que os brancos ensinassem aos
seus filhos a língua portuguesa e também aos negros. Posteriormente em 1921, o
General Norton de Matos, também governador de Angola, ordenou, através do Decreto
Nº 77, a extinção das línguas regionais, exigindo a sua substituição pelo português, tal
como se pode conferir no pequeno extracto abaixo daquele decreto:
«É proibido o emprego das línguas indígenas ou qualquer outra, à excepção
do português, por escrito ou por panfleto, jornal, na catequese das missões,
nas escolas e em todos os contactos com populações […]» (NORTON,
Matos, 1953: 103 - 104).
Deste modo, impunha-se o prestígio da língua portuguesa sobre as restantes
línguas angolanas, pois estas eram reprimidas. O facto é que, nessa altura, o português
não se tornou numa língua materna para a maioria de angolanos até, pelo menos, a
independência do país, apesar de todos os mecanismos utilizados para a sua difusão.
23
Foi sobretudo com o desencadeamento da guerra civil, iniciada no período pós -
independência que este idioma, o português, se expandiu e, rapidamente, os angolanos o
adoptaram como língua de contacto nas suas relações entre povos de regiões e línguas
bantu diferentes e que, devido à guerra, passaram a concentrar-se mais nos espaços
urbanos. Pelo que, por meio do português estabeleceu-se um patamar de comunicação e
compreensão em que todos angolanos se pudessem inserir.
Portanto o êxodo das populações do espaço rural para as cidades capitais como
Luanda, Benguela, Lubango, Sumbe, Namibe, etc., devido à instabilidade política e
social, rapidamente impulsionou a expansão do português que, por necessidade de
comunicação, foi e, diga-se em boa verdade, continua a ser a língua fundamental de
contacto da vida social e cultural para os diferentes grupos etnolinguísticos que
encontraram refúgio nestas cidades. Tendo em conta aquela situação sociopolítica, Ivo
Castro já acreditava numa mudança sociolinguística do país. Assim, referiu-se à
importância social do português, nos seguintes termos:
«Nessa situação, torna-se necessária uma língua veicular que não seja a
língua nacional de cada um mas, por exclusão de partes, o português.
Adoptado como veicular pelos adultos, é aprendido pelas crianças como
língua primeira, o que a médio prazo poderá alterar bastante a distribuição
das línguas no país e conferir ao português um papel central» (CASTRO, I.,
2005:37).
2.2.1. ESTATUTO DO PORTUGUÊS E DAS LÍNGUAS BANTU EM
ANGOLA
Com a independência de Angola, em 1975, o futuro confirmou a língua
portuguesa como aquela por via da qual se conseguiu consolidar a unidade e a
reconciliação nacional, num país caracterizado por uma situação sociocultural e
linguística complexa, ou seja, país com várias culturas e línguas e que isto por si só se
poderia constituir num factor de divisão.
24
Annette e Radefeldt (2015:17) atestam que «além do português, fala-se em
território angolano cerca de 100 línguas africanas, que se podem agrupar em onze
famílias linguísticas maiores. Do ponto de vista tipológico, estas línguas pertencem, por
um lado, às línguas bantu e, por outro, às línguas Khoisan».
Apesar de algumas dessas línguas bantu, especialmente a Umbundu e a
Kimbundu, serem faladas nas grandes cidades como Huambo, Benguela, Lubango,
Luanda, Malange, Sumbe etc., o que de certo modo lhes confere um certo grau de
veicularidade, porém em Angola é o português que continua a servir de meio de
comunicação mais privilegiado e mais importante entre povos de culturas e línguas
diferentes.
Portanto o português é a língua mais espalhada no território angolano e goza,
por isso, de um estatuto exclusivo de oficialidade. Pelo que a actual situação linguística
do país é de bilinguismo e plurilinguismo. Mário Vilela justifica essa situação
sociolinguística da maioria dos angolanos, utilizando a seguinte terminologia:
«Por força do nomadismo desses povos, de migrações e emigrações,
invasões e guerras, comércio ou acontecimentos culturais como
colonizações, casamentos, festas, etc., a situação linguística normal em
Angola é a de bilinguismo ou mesmo plurilinguismo». (VILELA,
1995:47).
Assim, a coabitação da língua portuguesa com as línguas bantu no mesmo
espaço geográfico trouxe um novo contexto sociolinguístico ao país que abaixo se
descreve:
- Monolinguismo - situação linguística em que os falantes na sua comunicação
dentro de uma determinada comunidade linguística, utilizam uma língua, não obstante a
existência de diferentes níveis dessa língua. Essa situação ocorre fundamentalmente no
seio da maioria da juventude que não domina qualquer outra língua africana falada em
Angola.
- Bilinguismo - situação em que os sujeitos falantes apresentam capacidade para
se exprimirem com competência em duas línguas das quais uma africana e o português.
25
Ocorre, geralmente entre falantes adultos que, na maior parte das vezes, tem o português
como língua segunda.
- Plurilinguísmo - situação em que os sujeitos falantes apresentam capacidades
para se exprimir em várias línguas: uma ou várias línguas africanas, o português e a
língua/s estrangeira/s.
De acordo com a política linguística de Angola, país em situação linguística de
mono bi e plurilinguismo, o português é considerado uma língua veicular, por ser o
idioma utilizado em relações sociais, políticas e culturais pelas diferentes comunidades
etnolinguísticas.
Portanto o português passou a gozar desse estatuto de oficialidade cujo processo
de adopção foi comum a todos os países da Africa lusófona. O ensino, nesses países, é
feito em língua portuguesa e, por isso, língua de escolaridade, e concorre para a
tendência, cada vez mais crescente, de utilização da mesma em situação da vida
cultural, económica e religiosa das comunidades étnicas angolanas e, logo a seguir a
esta, as línguas regionais de origem bantu, embora estas, em proporções muito
reduzidas.
Nesse sentido, concordamos com Annete Endruschat e Jurgen Schmidt –
Radefeldt (2015:213) ao afirmarem que «a política de línguas tem um papel de relevo
sobretudo em países multilingues com línguas concorrentes. Nos países africanos
lusófonos, foi seguida, depois da independência, uma política de línguas exoglóssica,
orientada pelo português padrão europeu, que elevou a língua da antiga potência
colonial a língua oficial».
2.3. CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA E HISTÓRICA DA PROVÍNCIA
DO NAMIBE
Namibe é uma das dezoito províncias de Angola, país que se situa na região
Austral do continente africano cuja extensão territorial é de 1.246.700 km². Esse país
está limitado a Norte pela República do Congo e a República Democrática do Congo, a
26
Leste pela Zâmbia, a Sul pela República da Namíbia e a Oeste pelo Oceano Atlântico. O
país está administrativamente dividido em dezoito províncias.
Namibe, uma das províncias desse país, encontra-se localizada no extremo
sudoeste de Angola, sendo limitada a norte pela província de Benguela, a sul pela
República da Namíbia, a Leste pela província da Huíla e limitada a Oeste pelo Oceano
Atlântico.
Aquela Província situa-se entre os paralelos 13˚ 30 minutos e 17˚ 15 minutos de
latitude Sul e 11˚ 45 minutos e 13˚ 30 minutos de longitude Este.
Possui uma extensão territorial de 57.091 km² e está administrativamente
dividida em cinco (5) municípios: Bibala, Kamukuio, Tômbwa, Virei e Moçâmedes,
nova designação da cidade capital da Província que, até Junho de 2016, se chamava pelo
mesmo nome da Província.
A actual baía de Moçâmedes, capital da Província do Namibe, era designada
pelos portugueses por Angra do Negro. Foi certamente visitada por Diogo Cão em
1485, altura em que colocou o padrão no Cabo Negro, assim como o fizeram vários
navegadores cujos nomes encontram-se devidamente registados na Falésia, perto do
Porto Comercial.
A mudança dessa designação, de Angra do Negro para Moçâmedes, deu-se em
honra ao antigo governador daquela circunscrição, Barão do Mossâmedes. Carlos
Alberto Medeiros (1976) afirma na sua obra:
«A viagem por mar, dirigida pelo tenente-coronel Pinheiro Furtado, fez-se
com partida de Benguela em Agosto de 1785; nesse mesmo mês foi
alcançada a ampla baía já conhecida por Angra do Negro e que a partir
dessa altura, passou a designar-se Moçâmedes, em homenagem ao então
governador de Angola» (MEDEIROS, C. A.,1976:114).
Embora exista muitas opiniões, relativamente à história da região do Namibe, o
facto é que há vestígios históricos que ainda se encontram muito vivos nessa região os
27
quais ilustram bem a existência de seres humanos há milhares de anos. O seu
povoamento iniciou-se por volta de 1839 nas localidades da Aguada, Boa Esperança
Giraúl e Macala, porque as condições climáticas permitiam a habitabilidade das
populações. Porém só em 1849 se deu início à exploração organizada das riquezas da
região, com a chegada dos primeiros colonos brasileiros. Deve-se realçar o facto de que,
nessa altura, já havia homens descendentes dos primeiros povos que habitaram a região,
os Bushmanes, cujos usos e costumes ainda se encontram intactos.
2.3.1. CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E ANTROPOLÓGICAS DA
PROVÍNCIA
A ocupação humana na Província do Namibe é remota. As pinturas e gravuras
rupestres descobertas no município do Virei, bem como as grutas da Makahama e Hai
na localidade do Caraculo, constituem-se em provas da presença humana, pelo menos,
desde o paleolítico.
A Ficha Técnica do Instituto Nacional do Património Cultural (2014:8), sobre a
escrita dos ancestrais do deserto e as dez estações de Arte Rupestre da região de
Caraculo localizada no município de Moçâmedes, constitui-se também numa expressão
e testemunho importante, acerca da existência de povos, naquela província, antes do
início da civilização portuguesa: «a escrita dos ancestrais do deserto é um catálogo
ilustrativo dos testemunhos deixados em abrigos e nas rochas do sítio Tchitundu-Hulu
pelos povos do deserto que a milhares de anos marcaram a sua presença no local através
da arte».
2.3.2. COMPOSIÇÃO ETNOLINGUÍSTICA DA PROVÍNCIA
Tal como noutras regiões do sul de Angola, a Província do Namibe é constituída
por povos não bantu e, maioritariamente, de povos pertencentes à família bantu. Por
razões associadas sobretudo à história da humanidade e à situação sociopolítica, esses
28
povos emigraram para a esta região do Namibe onde se instalaram, com o objectivo de
encontrar as melhores condições de vida.
Por isso encontram-se naquela região, pequenos grupos de povos não bantu que,
de acordo com dados da história, teriam sido os primeiros habitantes daquela região.
Pode comprovar-se a partir de dados antropológicos, históricos, culturais e linguísticos,
a existência, no sul de Angola e também noutras regiões a sul do equador, de grupos de
caçadores pigmeus e recolectores residuais, os “Khoisan” e o subgrupo Vátwa,
descendentes de povos não bantu e que falam as suas línguas específicas, hotentote
(khoy) e Kankala, respectivamente. Assim, os povos habitantes da Província do Namibe
podem ser agrupados da seguinte maneira:
2.3.2.1. OS POVOS PRÉ – BANTU
Os Khoisan correspondem, de acordo com a história, o grupo humano pré-bantu
mais antigo que habitou o território angolano. Esses povos (bosquíman e hotentote) têm
características antropológicas próprias, relativamente aos outros povos africanos: a pele
é de cor castanha avermelhada ou amarelada, os olhos oblíquos, o nariz chato e a
estatura média.
Quanto às características linguísticas, possuem uma língua monossilábica,
caracterizada, especialmente por numerosos sons “clics” ou estalinhos palatais. Há
estudos que afirmam serem oriundos do sul de África.
Os Vátwa constituem o grupo pré-bantu mais antigo da região do Namibe. Para
Redinha (1974:27), o grupo «vive na faixa semi-desértica do deserto de Moçâmedes,
entre o mar e os contrafortes da Serra da Chela».
As tradições orais afirmam que a sua existência é anterior à chegada dos bantu.
As suas origens são ignoradas, e teriam suportado uma pesada dependência dos
Hotentotes de quem adoptaram a língua, antes da sua submissão aos kuvale. O grupo é
constituído por kwepe e kwisi também designados no seu conjunto de pré-bantu, pelo
facto de a sua presença ser considerada anterior à chegada dos Bantu. É caracterizado
pela pastorícia e a caça de animais selvagens que constituem o seu principal meio de
subsistência.
29
2.3.2.2. OS POVOS BANTU
A par dos pré-bantu, antigos habitantes da província já referidos, temos que
referir que a região foi também povoada por outras etnias do grupo bantu9 que, devido
às correntes migratórias, fixaram-se no território do Namibe.
Segundo José Redinha (2009:30), «os Bantu angolanos repartem-se em grandes
grupos etnolinguísticos, os quais por sua vez, se subdividem em cerca duma centena de
subgrupos» que constituem os diversos subgrupos étnicos.
Após o fim da civilização portuguesa, houve um êxodo de grande parte desses
povos (bantu) que passou a viver em vilas e cidades das diversas partes do país,
incluindo na Província do Namibe, devido a factores sociopolíticos como a guerra civil
e o comércio. Essa situação levou-os a abandonar, de certa forma, o seu modo de vida
tradicional e cultural, tendo adoptado outros hábitos. De facto registam-se, no modus
vivendi, alterações substanciais, ou seja, alterações marcadas por uma uniformização
dos usos e dos costumes tendentes a uma ocidentalização comportamental e cultual.
Podemos afirmar que a região do Namibe apresenta uma matriz sociocultural e
linguística diversificada, resultante do contacto de valores ocidentais e tradições
associadas a grupos bantu e não bantu.
Portanto encontram-se, na Província do Namibe, além de grupos não bantu,
outros da família bantu como Ovakuvale, Ovanhaneka, Ovimbundu, Ovimbali, e
elementos de outros grupos étnicos do norte e leste do país, embora pouco
representativos em termos numéricos.
OVIMBUNDU
Os Ovimbundu constituem-se, tal como já referido no início deste capítulo, no
grupo étnolinguístico mais representativo do país. Devido à situação sociopolítica do
país, deu-se a emigração massiva desse povo para outras regiões, incluindo para a
região do Namibe.
9«Têm sido definidos, simplificadamente, como um grupo de povos que se serve de qualquer forma da raíz ntu, para qualificar as pessoas humanas. Essa raíz, com o prefixo do plural ba, forma o conjunto ba-ntu, e daí as formas Bantu» (REDINHA, J., 2009:28)
30
Apesar de tradicionalmente praticarem a agricultura, foi a sua habilidade em
actividades comerciais que permitiu a sua rápida dispersão por quase todo o território
nacional. Constitui o grupo étnico maioritário cuja língua, Umbundu, é, por isso, falada
em quase todo o território.
OVAKUVALE
Ovakuvale ou “mucubais” fazem parte dos povos bantu ligados ao grupo
etnolinguístico dos Ovahelelo, localizados fundamentalmente na extensão territorial do
município do Virei, onde se situa a sede do seu reino denominado “Mbala kuvale”.
Traduzido na língua portuguesa significa “capital do reino Kuvale ou capital dos
Kuvale”. Ruy Duarte (2001) afirma que «os Kuvale são Herero, portanto, encravados na
aridez e na areia, “residuais” e sobreviventes de uma guerra total. São Herero em
Angola, tal como o são os Ndombe, a Norte, os Hakahona e os Dimba, a Leste, os
Himba, a Sul».
Trata-se de um subgrupo étnico que se distribui, fundamentalmente, a sul de
Angola entre as Províncias da Huíla e do Namibe. Nos últimos dias regista-se uma certa
movimentação de certos elementos deste subgrupo para as grandes cidades do centro e
norte do país como Benguela, Sumbe, Luanda, etc., a fim de desenvolverem pequenas
actividades comerciais ambulatórias de seus produtos, sobretudo do chamado “óleo
mupeke”, que é usado pelas senhoras para o tratamento do seu cabelo.
Na Província do Namibe, encontram-se localizados nas comunas do Munhino e
Caetou, no município da Bibala. Habitam também nas localidades da Lucira, Tchingo, e
Mamwe, no município do Kamukuio e nas comunas do Bentiaba e Caraculo, no
município de Moçâmedes, capital daquela Província.
São grandes criadores de gado bovino, caprino e ovino que constitui, não só, a
verdadeira base do seu sustento, mas também a sua principal riqueza, símbolo de seu
maior prestígio social. Por essa razão, a sua principal gastronomia é baseada no
consumo de carne e de leite “maíne” que é extraído principalmente de vacas. Um dos
derivados desse leite, o “ngundi”, é utilizado para o tempero de alimentos como feijão,
lombi, etc., além de ser também aplicado no seu corpo como um creme. Por razões de
31
escassez de água na região, esse povo estabelece-se ciclicamente em determinadas áreas
da região desértica do Namibe e não só, procurando pastos para o seu gado.
Tal situação de nomadismo devido às movimentações regulares de
transumância em busca de pastos, levou-os a emigrarem para outras regiões como
Onkokwa, na província do Kunene, para Chiange e Chibia, na Província da Huíla.
Um dos principais elementos de identidade cultural deste subgrupo é, sem
dúvidas, a sua língua “Otchikuvale”. A par desta, podemos mencionar também a sua
indumentária, constituída geralmente de panos com que encobrem parte do seu corpo, as
suas danças, o “Lundongo e Muhela” as quais fazem parte das suas manifestações
culturais. A extracção de quatro dentes incisivos no maxilar inferior e o aguçamento dos
outros dois do maxilar superior constitui também uma das suas características culturais
particulares. Os homens são ensinados, em cerimónia de iniciação da juventude, a fazer
uso de instrumentos de defesa como lanças, porrinhos e catanas, etc., preparando-os
para a autodefesa e a defesa da família contra ataques inimigos e para enfrentar
quaisquer dificuldades durante a procura de meios de subsistência.
Quanto à vida conjugal, os Kuvale conservam um modelo de casamento
endogâmico, admitindo-se também casos de poligamia.
No que se refere à antroponímia dos Kuvale, este subgrupo destaca-se dos outros
grupos étnicos, por conservarem, pensamos nós, uma forte tradição antroponímica, ou
seja, sem qualquer influência de nomes próprios de outras culturas nem por via do
casamento, aliás devido ao tipo de casamento que praticam e que já referimos no
parágrafo anterior, nem por qualquer outra razão aparente.
Ruy Duarte afirma (2001), a propósito da resistência desse povo diante das
formas de aculturação «a sua representação de uma vida que merece ser vivida parece
ter sido menos influenciada no passado e no presente pelas propostas do sistema invasor
e inovador, e as suas necessidades nunca chegaram a pautar-se por aquelas que esse
novo sistema instaura, insinua e muitas vezes impõe».
32
Geralmente a maioria dos integrantes deste subgrupo possui apenas um nome
próprio, associado a sua cultura, conforme se pode ver em alguns exemplos de nomes10
extraídos das fichas de militância de alguns dos elementos daquela etnia, militantes do
MPLA no município do Virei.
O poder familiar é determinado pela linhagem patriarcal mas, apesar disso,
reserva-se o valor da linhagem matriarcal que lhe deu origem. Pelo que, de acordo com
o testemunho de um ancião daquela etnia, a atribuição do nome ao filho cabe ao pai.
Porém este acto é possível desde que este entregue um boi à família da sua esposa, por
altura do casamento. O não cumprimento desse ritual pressupõe a perda do direito de
atribuição do nome ao filho, passando o mesmo acto e o poder sobre os filhos, para a
sua esposa.
OVIMBALI
Existe também, na região do Namibe, um grupo de elementos chamados
Ovimbali ou “Quimbares” na sua forma mais aportuguesada. Resultam do cruzamento
de povos de Cabinda, da ilha de Luanda, do Kwanza-sul e de outras áreas de Angola.
São filhos de antigos trabalhadores de fazendas e de pescarias das zonas costeiras da
parte sul de Angola, mais propriamente dos municípios de Moçâmedes e Tômbwa.
Encontram-se, na sua maioria, integrados em estruturas produtivas urbanas associadas à
pesca, operações de actividades industriais, além de outros que estão vinculados em
instituições da vida pública.
Apesar de não se reconhecer propriamente como um grupo étnico, o mesmo
possui características muito particulares, sobretudo no seu falar, o Olumbali,
caracterizado por um hibridismo entre o português e algumas línguas de alguns povos
bantu, sobretudo da região do norte do país.
Carlos Estermann (1983:336) define-os como sendo «descendentes de antigos
serviçais que vieram em grande parte de Novo Redondo e da Quiçama».
10«Katchingi; Mukambwale; Nkatukawa; Mbalovola; Mbaliputa; Mbetchikama; Mwatchoka; Mukatchikumbi; Mwetupakatcho; Nakaunda; Tchilongo; Mungandjo; Mbapindukapo, Mbakatchoka, etc.».
33
O mesmo autor afirma que «de lá trouxeram a língua e certos costumes como
este que consiste em dar de preferência aos filhos os nomes dos dias11
em que nasceram.
Os nomes que se querem exprimir tiveram, como é natural, de adaptar-se às leis
fonéticas das línguas nativas. Uma das mais importantes é a seguinte: não há consoante
que não seja seguida de uma vogal. Outras particularidades consistem em não fazer
distinção entre o l e o r e admitir, às vezes, como equivalentes o d e o l».
OVANHANEKA – NKHUMBI
O grupo dos Ovanhaneka – Nkhumbi encontra-se originariamente estabelecido
nos territórios do curso médio do Cunene, que constitui o seu principal domínio. A
designação Nhaneka12
– Nkhumbi é utilizada para se referir a um conjunto de subgrupos
étnicos que vivem da agricultura e da pastorícia porém com o predomínio desta última
actividade, à semelhança dos seus vizinhos Ambo e Herero. Encontra-se nas regiões do
sudoeste de Angola, mas inicialmente localizado ao longo do rio Kunene.
2.4. CLASSIFICAÇÃO DO GRUPO OVANHANEKA-NKHUMBI
Em conformidade com as declarações de Carlos Estermann (1957:228)
«podemos distinguir dois dialectos principais: nhaneca e humbe, incluindo neste último,
além do Nkhumbi, o handa, o quipungo e Quilengues-humbe. O idioma dos Quilengues
– Musós pode agregar-se tanto a um como a outro, pois inclui particularidades de ambos
[…]».
Portanto, para este autor «o grupo Nhaneka - Nkhumbi é composto por
subgrupos étnicos que faz um total de dez».
11«Nasikunda; Kaquarta; Kaquinda; Kasesa; Sapalo e Lumingu ou Nalumingo» (ESTERMANN,1983:33) 12«O povo Nyaneka – Nkhumbi representa 5% da população angolana. Está distribuído pelas províncias da Huíla, Kunene, Namibe e Benguela” (TYIPA, A., 2002:7). De acordo com o Dicionário HOUAISS (2001), nhaneka é “uma língua da família banta, falada em Angola».
34
- Os Nhaneka (Ovanhaneka) que se decompõem em Mwilas (Ovamwila); e
Gambos -Ovangambwe;
- Os Humbe (Ovankhumbi) que se decompõem em Dongoena (Ovandongona);
Ehinga (Ovahinga); Cuâncua (Onkhwankhwa); Handa da Mupa (E-handa); Handa do
Quipungo (Ova-handa); Quipungo (Ovatchipungu); Quilengues-Humbes (Ovatchilenge-
humbi); Quilengues-Muso (Ovatchilenge-musó).
2.4.1. CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS DOS OVANHANEKA
Neste trabalho incidiremos a nossa abordagem acerca dos Ovanhaneka, um dos
subgrupos que, apesar de não ser uma etnia abrangente, nem pela sua identidade social
nem por uma língua comum, se comparado com o grupo dos Ovimbundu, mas constitui-
se num grupo mais representativo a nível da região do sudoeste de Angola.
Além da sua Língua, a Olunhaneka, com as suas diferentes variantes, conforme os
subgrupos que a constituem, existem outros elementos culturais que são comuns. Essa
variante é inicialmente falada no planalto da Chela e bacia Oeste do Kunene pelos
povos Ovanhaneka, Ovatchipungu, Ovamwila e Ovangambwe.
Para este grupo a pastorícia ou a criação de gado bovino, caprino e ovino, bem
como a agricultura destinada à auto-subsistência constituem, do modo geral, a sua
principal característica.
Quanto à gastronomia, os Ovanhaneka alimentam-se da carne de vaca, de
cabra e do seu leite “mahine” acompanhado de funge, sobretudo de uma das variedades
de cereais, o massango, embora também usem outros cereais como a massambala e o
milho.
A sua indumentária é muito variada. Tradicionalmente vestem-se de
panos e com missangas no pescoço, no pulso e, muitas vezes, nas pernas.
35
Relativamente às manifestações culturais, este povo evidencia-se pela
realização dos ritos de puberdade ou festas de iniciação, nomeadamente o Efuko ou
“Efiko13
” para as raparigas e “ekwendje14
” para os rapazes.
No que se refere às danças, realiza-se Mbulunganga, Kaundjangela,
Vikopikopi, Nkhili, entre outras. Umas realizam-se com objectivos de diversão mas
outras com objectivos de reviver e conservar as almas dos seus antepassados.
2.4.2. DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS OVANHANEKA
Antes do início do período da civilização portuguesa, a região da Huíla era
habitada pelos Ovanhaneka que emigraram para esta região, vindos dos seus territórios
situados no curso médio do Cunene.
Carlos Estermann (1957:21) afirma que «os nhanekas ocupam a área do
concelho do Lubango, nos postos sede, Huíla, Humpata e Hoque, sendo este na maior
parte povoado por Handas.
Acredita-se que alguns elementos deste grupo que se fixaram na parte ocidental
da Chela e no seu sopé terão partido dali, em direcção ao actual município da Bibala.
Actualmente os povos que constituem essa etnia encontram-se localizados um
pouco por todo o país, fundamentalmente em algumas regiões do sudoeste, estando
distribuídos nos municípios do Lubango, da Humpata, da Chibia e Gambos na província
da Huíla e nos municípios da Bibala, Kamukuio e do Virei, na província do Namibe.
13 De acordo com a explicação dos mais velhos ou “sekulu”, é «uma cerimónia cultural praticada no seio dos Ovanhaneka e, por meio da qual, se declara a passagem de uma rapariga, da adolescência para a vida adulta. Um testemunho público de que essa rapariga está apta para contrair matrimónio». 14Os mesmos “sekulu” afirmam ser uma «cerimónia de circuncisão que se exige aos rapazes a mutilação da sua … como uma questão de higiene e marca da sua virilidade e futura aptidão sexual».
36
2.5. MOTIVAÇÕES NA ATRIBUIÇÃO DOS ANTROPÓNIMOS
No que se refere à antroponímia, existem várias motivações: a profissão ou
ocupação exercidas pelo primeiro portador do nome; o lugar onde este nasceu ou em
que viveu; a sua semelhança com algum aspecto físico de um animal ou alguma
característica do seu comportamento; o apelido provindo de uma alcunha, além da
motivação religiosa já referida, etc.
Portanto, a situação antroponímica actual das comunidades angolanas é o
resultado do cruzamento de vários factores: históricos, sociais, culturais e políticas.
Historicamente parece-nos importante referir que a civilização portuguesa, em
Angola, permitiu desencadear um processo de aculturação, consubstanciada na
assimilação rápida da cultura europeia, incluindo a antroponímica e a toponímica, em
detrimento da cultura nacional considerada, na época, como sendo atrasada.
Como resultado dessa estratégia, as comunidades etnolinguísticas angolanas
foram política e culturalmente influenciadas; os resultados foram evidentes, não só, na
mudança de estruturas sociais, económicas e culturais dessas comunidades, mas
também na sua estrutura linguística, fundamentalmente no que se refere à estrutura
léxico-antroponímica.
Agnela Barros, referindo-se a alguns efeitos causados pela civilização
portuguesa em Angola, descreve o país da seguinte maneira:
«O encontro Euro/África, caracterizou-se pela subjugação e diminuição da
autoestima dos africanos, principalmente, provocou o abalo profundo das
estruturas tradicionais integradoras e desencadeou uma crise a vários níveis,
entre os quais o sociolinguístico, com reflexos nos tempos hodiernos, em
que se verifica o desencontro permanente dos africanos com eles próprios».
(BARROS, A., 2002:36).
Desde a independência de Angola, em 1975, até ao início da década de noventa,
o país adoptou um sistema político Socialista, cuja ideologia trouxe ao país mudanças
sociais e culturais. Tais mudanças influenciaram também no surgimento de uma nova
37
realidade antroponímica e toponímica, associadas a individualidades notáveis dos países
socialistas como a Cuba e a Rússia que cooperaram com o país, fundamentalmente nos
domínios da vida militar, da diplomacia, da saúde e da educação.
Assim surgiram, a partir dessa altura, nomes próprios e alcunhas de cooperantes
estrangeiros como Yuri, Fidel, Castro, etc., em missão diplomática e militar no país,
além dos nomes de alguns heróis angolanos como Simyone, Agostinho, Neto, Santos,
Nzinga, Ekuikui, etc., os quais se notabilizaram, graças ao seu espírito de entrega aos
interesses sociopolíticos e económicos da nação.
Impregnados por uma visão cultural animista, a comunidade dos Ovanhaneka
acredita, assim como outras comunidades bantu, que atribuir às crianças, nomes de
parentes já falecidos e que tenham sido influentes no seio da comunidade, quer pela sua
bravura quer pelo seu carácter trabalhador, é uma questão de homenagem ao falecido e
de bênção que pode recair sobre a vida do recém-nascido, ou seja, do novo portador do
nome.
A sua crença leva-as também a atribuir a seus filhos, nomes como
“Tyapukulwa15
” (comam – na!) e “Tchilunlum16
” (fantasma) que, de acordo com a sua
visão, podem trazer sorte à vida do indivíduo portador ou repelirem espíritos malignos.
O facto é que muitos desses nomes têm causado problemas de estigmatização
aos referidos portadores, principalmente para os mais novos em contexto escolar,
devido à alusão que fazem a certos elementos com características desagradáveis.
Tal situação lesa a dignidade do cidadão portador, contrariando o que está
consagrado por lei17
. Embora alguns antropónimos das nossas comunidades apresentem
15«É frequente o nome Tyapukulwa, cujo significado pede duas linhas de explicação. Uma mulher tinha perdido dois ou mais filhos, um atrás do outro. Nasceu mais um. Os parentes e amigos já não se importam com ir felicitá-la, pois julgam eles que este vai ter a sorte dos outros (okupuluka)». (ESTERMANN, C., 1957:54) 16 O nome tem sido atribuído nas comunidades dos Ovanhaneka e Ovimbundu, como uma invocação, para proteger a criança portadora do referido nome, de espíritos malignos. 17 A lei nº 10/85 de 19 de Outubro publicada no Diário da República estabelece, no ponto nº 4, que «os nomes próprios, em outras línguas, serão admitidos na sua forma originária ou adaptada» Relativamente ao seu significado, essa mesma lei estabelece no artigo 2º que «os funcionários das conservatórias só rejeitarão nomes que forem inadequados à luz da dignidade e seriedade humanas».
38
e conservem valores socioculturais importantes que reflectem sua filosofia de vida, é
necessário que sejam cuidadosamente escolhidos e sejam atribuídos aqueles que, de
facto, não atentem contra a dignidade e o bem-estar do cidadão portador.
2.6. PARTICULARIDADES FONÉTICAS E FONOLÓGICAS DA LÍNGUA
OLUNHANEKA
Os sons vocálicos do português são classificados, de acordo com a forma de
articulação. São orais, os seguintes: [a], [ɐ], [ɨ]; [ε], [e], [i]; [ɔ], [o], [u] e nasais, os sons:
[ã], [ẽ], [ĩ], [õ], [ũ].
Os sons semivocálicos são: [ј], [w] ou [ǰ], [ẅ] e os consonânticos são: [p], [b], [t],
[d], [k], [g], [f], [v], [s], [z], [ʃ], [ʒ], [m], [n], [ŋ], [l], [ł], [ʎ], [r], [R].
Relativamente ao sistema vocálico, Ernesto d´Andrade (2007: 73) diz que «quase
todas as línguas bantu de Angola e Moçambique têm um sistema de cinco vogais, /a, e,
i, o, u/. Em muitos casos também há [ε] e [ɔ], embora como variantes de /e/ e /o/,
respectivamente».
Estas vogais em contacto com uma consoante nasal m ou n resultam sempre em
vogais nasais (am, an, em, en, im, in, om, on, um, un) que, além de existir em
português, também são produzidos nas línguas bantu como Olunhaneka e Umbundu.
Nestas línguas, os mesmos sons podem ser graficamente representados, sobrepondo o til
às vogais orais, para efeitos de nasalação.
Portanto em todos os dialectos da língua Olunhaneka existem características
fonéticas comuns, das quais destacámos as seguintes:
2.6.1. SONS VOCÁLICOS
A língua Olunhaneka, assim como outras bantu, utiliza cinco vogais, conforme
sejam orais ou nasais. As vogais são a, e, i, o, u, que se produzem tal como em
39
português. Porém as vogais (a, e, o) são sempre abertas, podendo a penúltima ser
também, às vezes, semifechada, quando seguida das consoantes m ou n.
2.6.1.1. SEQUÊNCIAS VOCÁLICAS
O i e u seguidos das vogais “a, e, i, o, u” e, formando com elas ditongos ou
sílabas, passam a semivogais. Ou seja, da sequência do i com as vogais referidas acima,
resulta os ditongos18
:
ya, ye, yi, yo, yu.
A sequência do u com as vogais a, e, i, o, u, formando com elas ditongos ou
sílabas, passa a semivogais:
wa, we, wi, wo wu.
2.6.2. SONS CONSONÂNTICOS
Tal como na maioria das línguas bantu, na Olunhaneka também não há, por
exemplo, as consoantes oclusivas sonoras [b, d, g] como em português, a menos que
estas sejam sempre precedidas das consoantes [m ou n], resultando, por conseguinte, em
consoantes pré-nasaladas [mb, nd, ng].
Naquela língua, existe também o grupo consonantal dj19
porém é sempre
precedido da nasal n, o que resulta em ndj que forma, com uma vogal, uma sílaba.
A consoante [g] nunca tem valor de j na língua Olunhaneka, como acontece em
português, mesmo que apareça antes das vogais e ou i. Alguns falantes desta língua
substituem-na pela fricativa [z].
18«O encontro de uma vogal + uma semivogal, ou de uma semivogal + uma vogal recebe o nome de ditongo». (CUNHA e CINTRA, 2014: 60) 19 «No português popular do rio de Janeiro e de algumas zonas próximas. (CUNHA e CINTRA (1986:31)
40
Na língua Olunhaneka o grafema K substitui o grafema c e o dígrafo qu que, com
as vogais a, o, u, representam sons silábicos em português. Naquela língua, esses sons
silábicos conseguem-se, juntando àquela consoante, as vogais a, e, i, o, u.
As consoantes m e n são puras, quando seguidas de vogais, formando com elas
uma sílaba. Porém, na língua Olunhaneka e na maior parte das outras línguas bantu,
constituem-se em marcas de nasalidade, sempre que precederem outras consoantes
oclusivas [b, d, g], resultando em mb, nd e ng, conforme já foi referido anteriormente.
Referindo-se à marca da nasalação de certos sons consonânticos daquela língua,
a Olunhaneka, Carlos Estermann (1957:228) afirma que «as correspondentes consoantes
p, t, k, quando precedidas das consoantes m e n, marcas de nasalidade, são sempre
seguidas de aspiração». Deste processo resulta as sequências «mph, nth, nkh».
O grafema h é também utilizado, a par do que foi referido anteriormente, para
produzir sons vocálicos aspirados, quando são colocados em posição intervocálica.
Exemplo: Mahapi, omahendjele, etc.
Nesta língua, assim como na língua Umbundu, não há a consoante vibrante [r].
Pelo que, alguns falantes destas línguas tentam substitui-la pela consoante lateral [l],
sobretudo ao pronunciar palavras do português, inseridas no léxico daquelas línguas.
O grafema s representa sempre, mesmo em contexto intervocálico, o mesmo som
consonântico forte [s], que é representado com os símbolos ç ou ss em português.
O grafema x é muito pouco utilizado. Representa, por exemplo, na língua dos
Ovakwanhama, a consoante palatal não vozeada [ʃ], geralmente representada pelo
dígrafo (sh).
Glides ou semivogais [i] e [u] são graficamente representados nas línguas bantu
pelos símbolos (y e w), respectivamente.
41
2.6.2.1. SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS
Os encontros consonânticos podem ser representados por dois grafemas
consonânticos, geralmente designados dígrafos20
. Na língua Olunhaneka, assim como
também ocorre em algumas línguas bantu como a Umbundu, existem sons
representados por mais de dois grafemas.
Por exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra (1986:31) afirmam o uso do som
fricativo não vozeado [tʃ] no «português de extensas zonas do Norte de Portugal e de
áreas não delimitadas de Mato Grosso e regiões convizinhas no Brasil». Nestas regiões,
o som é representado pela sequência consonântica ch, tal como se representam os sons
de alguns antropónimos e não só da língua Olunhaneka e de outras da família bantu.
O mesmo som também existe nas línguas bantu e tem sido graficamente
representado, nestas línguas, variavelmente pelas sequências tyi, ch, ci e tch.
Embora o Instituto de Línguas Nacional recomende, através da resolução 3/87 de
23 de Maio, a representação gráfica do som usando a sequência tyi, porém a prática
confirmou ser frequentemente representado pelas sequências ch e tch e raramente pelas
sequências tyi ou ci.
A mesma resolução recomenda representar o som palatal [ŋ], usando a sequência
nyi. Porém a prática demonstrou o uso frequente da sequência nh.
2.6.3. SÍLABA: ESTRUTURA SILÁBICA
Em português, tal como noutras línguas Indo-europeias, uma sílaba21
pode ser
constituída pelo núcleo (uma vogal ou ditongo), pelo ataque simples22
ou ramificado
20«Grupos de letras que simbolizam apenas um som». (CUNHA e CINTRA, 2014:65) 21 «A cada vogal ou grupo de sons pronunciados numa só expiração damos o nome de sílaba» (CUNHA e CINTRA, 2014:66). 22 Em português, é ramificado o ataque «no caso de dominar duas posições de esqueleto correspondentes a duas consoantes e ataque não ramificado, no caso de dominar uma posição de esqueleto associada a uma consoante» (MARIA, M. Mateus, et al, 2005:248).
42
(consoante/s que antecede ou antecedem o núcleo) e pela coda23
(consoante que se
segue ao núcleo). Pelo que, assim como noutras línguas do mundo, em português são
comuns as seguintes estruturas silábicas: CV, V, VC e CVC.
Embora as línguas da família bantu possam também apresentar os mesmos
constituintes silábicos como nas línguas Indo-europeias, a verdade é que naquelas, os
constituintes terminais da sílaba são sempre segmentos vocálicos.
A estrutura silábica das línguas bantu é, por isso, constituída pelo ataque (uma
duas ou três) e o núcleo (vogal), conforme se pode ver nos esquemas silábicos da
palavra “Tchivandja”, um antropónimo da língua Olunhaneka:
Tchi va ndja
Ataque Núcleo Ataque Núcleo Ataque Núcleo
(Tch) (i) (v) (a) (ndj) (a)
No esquema podemos ver que as três sílabas terminam todas por vogais, que
constituem o seu núcleo. À esquerda do núcleo de cada sílaba temos as consoantes que
constituem o ataque. Por isso, corroboramos com Ernesto d´Andrade (2007:88) ao
afirmar que «a maior parte das línguas bantu não tem sílabas com coda, isto é, só têm
sílabas do tipo {CV, V}, em que V pode ser uma vogal longa».
23 «A coda domina as consoantes que ocorrem à directa do núcleo» (MARIA, M. Mateus, et al, 2005:258).
43
CAPÍTULO III
PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, pretendemos descrever, de forma mais ou menos sistemática e
objectiva, os princípios metodológicos necessários à realização deste estudo.
A abordagem sobre a Antroponímia requer, como sabemos, uma estreita relação
com alguns dados antropológicos, os quais se afiguram indispensáveis para a aquisição
de informação associada, sobretudo ao significado sociocultural dos antropónimos que
constituem objecto de análise deste trabalho.
Tendo em conta a complexidade do nosso objecto de estudo (antroponímia na
língua Olunhaneka) e, considerando ser de natureza descritiva a abordagem deste
objecto, utilizámos a metodologia de corpora cujos procedimentos se basearam na
pesquisa de campo e na pesquisa documental.
A análise e a respectiva síntese da pesquisa bibliográfica permitiram-nos
adquirir algum conhecimento geral dos conceitos de base acerca da antroponímia. Por
seu turno, a pesquisa de campo afigurou-se ser uma estratégia importante para uma
melhor compreensão da realidade antroponímica interna da Província do Namibe, mais
especificamente a da língua Olunhaneka.
Neste capítulo descrevemos as técnicas e os princípios metodológicos aplicados
para a recolha de dados, orais e escritos, os quais constituem o corpus deste estudo.
De acordo com tal procedimento, o da constituição do corpus, Rute Costa
(2001:16) afirma que «na base da constituição destes conjuntos de dados linguísticos
estão critérios de selecção sistematizados que facultam a legítima atribuição do estatuto
de corpus a tais conjuntos de dados».
Portanto, para aquela autora, o corpus «[…] é um lugar de observação que permite
a descrição de actualizações da língua organizadas em enunciados, discursos ou textos».
(COSTA, R., 2001:16)
44
3.1. CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
3.1.1. CORPUS ORAL
Para a realização deste trabalho recorreu-se a um corpus oral, cuja fonte contactada
foi a autoridade tradicional do Município do Kamukuio, com destaque para o senhor
Mupinga, secretário do regedor daquele município, e para um grupo de sobas da mesma
circunscrição. As entrevistas baseadas em diálogos informais com aquelas autoridades,
afiguraram-se indispensáveis à aquisição da informação.
Assim, aquela autoridade informou-nos acerca da importância da antroponímia da
língua Olunhaneka para a comunidade, sobretudo no que se refere a certos costumes
relacionados com o acto de atribuir nomes aos membros da comunidade. De seguida,
descreveu alguns antropónimos bantu e explicou os respectivos significados,
etimológicos e simbólicos, conforme se pode conferir em alguns exemplos de
antropónimos que constam na tabela em Word desta dissertação.
3.1.2. CORPUS ESCRITO
Para este trabalho procedeu-se também à pesquisa documental, consubstanciada
na análise da bibliografia sobre antroponímia, tendo sido desenvolvidas as seguintes
tarefas:
- Consulta a livros impressos, realizada nas bibliotecas do ISCED -Instituto
Superior de Ciências da Educação do Lubango, localizada a sul de Angola e ISCTE –
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa -, em Lisboa, com destaque para
as obras “Etnias e Culturas de Angola” de José Redinha e “Etnografia do Sudoeste de
Angola” do Pe. Carlos Estermann, respectivamente, as quais nos permitiram fazer uma
resenha acerca da caracterização geográfica e cultural dos grupos etnolinguísticos bantu
e não bantu localizados, sobretudo no sudoeste da Angola, com destaque para a
Província do Namibe;
- Consulta da obra de referência de José Leite de Vasconcelos acerca da
“Antroponímia Portuguesa” como suporte teórico dos conceitos de base deste estudo;
45
- Recolha e análise de documentos oficiais a partir da Administração Municipal
de Moçâmedes, para efeito de caracterização sociolinguística da Província do Namibe;
- Recolha de listas nominais em algumas instituições de ensino do Ensino
Secundário, “Emílio Ngongo” e “Nº 34 K” dos Municípios de Moçâmedes e do
Kamukuio respectivamente, como matéria para a identificação de eventuais fenómenos
linguísticos, isto é, casos relacionados com as diferentes formas de representação
gráfica de alguns antropónimos das línguas bantu, especialmente a Olunhaneka;
- Finalmente foi contactada a Delegação Provincial da Justiça e a Loja dos
Registos do Município de Moçâmedes, para a recolha de documentos como Legislação
acerca de Registos e Notariados e decretos-Leis como “Normas para Actos de Registo
Civíl”, especialmente que referem a indicação do nome ao registando, bem como a
composição do referido nome.
3.2. ANÁLISE E TRATAMENTO DE DADOS
Nesta secção realizámos, com base na análise do corpus transcrito, a descrição dos
significados, culturais ou simbólicos, dos antropónimos recolhidos, além da descrição
das suas características fonéticas e morfossemânticas, como mais abaixo se descreve.
3.2.1. CARACTERÍSTICAS SEMÂNTICAS DOS ANTROPÓNIMOS
Ao contrário do que eventualmente ocorre nas comunidades ocidentais, a
imposição dos antropónimos entre os Ovanhaneka é feita tendo em conta as suas
particularidades semânticas que, normalmente se referem aos eventos ou circunstâncias
ocorridos na altura do nascimento do indivíduo portador, além de outros aspectos da
vida sociocultural desta comunidade etnolinguística.
De acordo com o testemunho apresentado pelas autoridades tradicionais e outras
pessoas da comunidade contactadas, agrupámos os antropónimos, considerando os
seguintes padrões de significação:
46
3.2.1.1. NOMES RELACIONADOS COM ELEMENTOS SOCIOCULTURAIS
Mumbanda [ ]: nome próprio derivado do nome comum “ombanda” que,
na cultura dos Ovanhaneka, se atribui a uma criança nascida de uma
segunda ou terceira esposa.
Pefiko [ ] nome próprio derivado do nome comum “efiko”. Significa
“festa de puberdade feminina”. Entre os Ovanhaneka, o nome é atribuído a
uma criança nascida em ocasião do “efiko”, ou seja, durante a festa da
puberdade.
Nkhole [ ] significa “panela de barro” em português, etc.
3.2.1.2. NOMES ATRIBUÍDOS POR HOMENAGEM
Sekulo [ ] nome próprio que significa “mais velho” em português. É
geralmente dado a uma criança, xará de uma autoridade tradicional.
Mukongo [ ] nome próprio que significa em português “caçador”. O nome
é dado a uma criança cujo xará é ou foi um grande caçador.
3.2.1.3. NOMES RESERVADOS A GÉMEOS
Ndenge [ ] – significa “mais novo” em português. Nome que, entre os
Ovanhaneka, é atribuído à primeira a nascer das gémeas.
Kataleko [ ] – significa “vai lá ver” em português. Nome masculino ou
feminino atribuído ao que nasce primeiro dos gémeos.
Fito [ ] – nome que se dá à criança que nasce a seguir aos gémeos.
47
3.2.1.4. NOMES RESERVADOS A CIRCUNSTÂNCIAS (TEMPO E LUGAR
E OUTRAS)
Nandjila [ ] nome próprio que se atribui a uma criança que nasce pelo
caminho.
Tchipito [ ] significa “festa” em português. Dá-se esse nome a uma
criança nascida em circunstâncias de festa (casamento, baptismo, etc.)
Tchimutambo [ ] o nome é dado a uma criança que nasce em
ambiente de óbito pela morte de um parente, etc.
3.2.1.5. NOMES RELACIONADOS COM FENÓMENOS DA NATUREZA
Mutenha [ ] nome dado a uma criança que tenha nascido pela tarde.
O mesmo serve para aquelas que nascem em circunstâncias de
estiagem ou seca;
Wolumba [ ] nome que se atribui a uma criança nascida na véspera de
chuva;
Mbula [ ] nome que se atribui à criança que nasce em circunstância de
muita chuva, etc.
3.2.1.6. NOMES RELACIONADOS COM FLORA E FAUNA
Muholo [ ] nome próprio que deriva do nome comum ”muholo” e que
significa uma espécie de árvore.
Muhepe [ ] nome próprio que significa em português “mata fechada”.
Atribui-se o nome à criança nascida numa mata.
Mahuku [ ] traduzido para o português “fruta silvestre” com que se
temperam os alimentos, etc.
48
3.2.2. CARACTERÍSTICAS FONÉTICAS
Relativamente à descrição das particularidades fonéticas, centrámo-nos em
observar alguns grafemas com que são representados alguns antropónimos da língua
Olunhaneka.
Verificámos, em alguns documentos oficiais de identificação e não só, casos
evidentes de variação na representação gráfica de certos antropónimos cujas estruturas
fonéticas incluem, entre outros, os seguintes sons: ditongos, dígrafos, e alguns sons
consonânticos, conforme se descreve em alguns exemplos das alíneas que mais abaixo
se seguem. Pelo que, no que se refere às características fonéticas, procurámos dar conta,
em alguns dos antropónimos recolhidos, dos seguintes casos:
a) Frequente utilização do i e u como grafemas para representar os sons
semivocálicos em alguns antropónimos, tal como acontece em português.
Exemplo: *Baieta – Mbayeta; * Tchicolomuenho – Tchikolomwenho.
b) Observámos variação das sequências ch e tch com os quais se representa
frequentemente o som fricativo surdo [tʃ] de alguns antropónimos da língua Olunhaneka
e da língua Umbundu, apenas para citar alguns exemplos.
Exemplo: *Chimuti – Tchimuti; *Chivela – Tchivela
c) Verificámos que, em alguns antropónimos, o grupo consonantal [dj] foi
substituído pelo fricativo [ʒ], graficamente representado pelos grafemas (j ou g),
conforme os casos.
Exemplo: Munjanga – Mundjanga.
d) Verificámos também, em sílabas de alguns antropónimos, a ausência da
marca da nasalidade m ou n que normalmente precede as consoantes oclusivas [b], [d] e
[g].
Exemplo: *Bimbi – Mbimbi; *Dengue – Ndenge.
49
e) Notámos ainda a ausência, em alguns antropónimos, dessa mesma marca de
nasalação, antes de K, P e T que, na língua Olunhaneka, são geralmente seguidos de h,
para representar sons aspirados.
Exemplo: *Peio – Mpheyo; *Kole – Nkhole; *Tovi – Nthovi.
f) A substituição constante do grafema K pelos c e qu, para representar a
consoante oclusiva [k], tal como se pode ver nos antropónimos abaixo:
Exemplo: *Caita – Kaíta; *Tchipoque – Tchipoke.
g) Uso da consoante geminada ss para representar o som [S], conforme se
representa em português, em contexto intervocálico.
Exemplo: *Tchapesseka – Tchapeseka.
Portanto, a partir destes exemplos, observa-se também o fenómeno de redução
na estrutura silábica de alguns antropónimos, sobretudo naqueles que apresentam, na
sua estrutura, sílabas constituídas por um ataque ramificado.
O esquema abaixo é uma ilustração dos elementos constituintes da segunda
sílaba do antropónimo “Mundjanga”:
(- ndja-)
Ataque Núcleo
(ndj) (a)
No antropónimo em referência nota-se que a segunda sílaba (-ndja-) está
constituída pelo ataque ramificado (ndj) pré-nasalizado. Porém, neste e noutros
antropónimos em que o ataque é constituído por mais de uma consoante, podem ocorrer
frequentemente fenómenos de supressão de alguns segmentos (consonânticos) situados
50
à esquerda da vogal que constituem com esta uma sílaba. Desse fenómeno resulta a
redução do ataque, de ramificado para um ataque simples, tal como se encontra
demonstrado em certos antropónimos da alínea (c) dos exemplos anteriores e noutros
que constam das fichas antroponímicas localizadas abaixo.
Este fenómeno concorre com um outro, o da ausência da marca da nasalidade
que, na língua Olunhaneka, geralmente precede algumas consoantes para efeitos de
nasalação, conforme já foi também referido anteriormente.
Embora não possamos aferir com precisão a razão da redução quer do ataque,
quer da supressão, em certos contextos, da marca da nasalidade ou da consoante de
aspiração em muitos dos antropónimos daquela língua, entendemos que tal fenómeno
ocorre em casos como os referidos nas alíneas anteriores, provavelmente devido às
interferências do sistema fonético do português nas línguas bantu e por
desconhecimento do sistema fonético destas.
3.2.3. CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS
Do testemunho dado pelos mais velhos ao descrever os significados dos
antropónimos da língua Olunhaneka, percebemos que, em regra, esses antropónimos
provêm do léxico comum, sobretudo de palavras, de expressões, de frases e de
provérbios que referem as vivências socioculturais das comunidades. Outros são
epítetos que designam qualidades físicas ou morais dos membros da comunidade.
Por isso, tal como em português, nas línguas bantu também é possível formar, a
partir de uma mesma matriz lexical, novos vocábulos com valor onomástico, sobretudo
antroponímico, utilizando os processos de derivação ou composição.
Assim, constatámos que alguns antropónimos desta língua são formados por
derivação, sobretudo por acréscimo de certos afixos24
aos radicais. Geralmente
participam da formação de novos antropónimos, os prefixos (ma-, na-, ka-, tchi-),
24 «Nas línguas bantu, a estrutura morfológica dos nomes consiste no radical precedido do prefixo de classe a que o nome pertence. Quando o nome não é primitivo, isto é, deriva de outro ou de um verbo, para além do prefixo há, muitas vezes, modificações da vogal final». (D´ANDRADE, E., 2007:111)
51
apenas para citar alguns. Eis alguns exemplos de antropónimos formados por estes
processos:
3.2.3.1. ANTROPÓNIMOS FORMADOS POR DERIVAÇÃO
Nangula – nome próprio derivado do radical “ngula” ao qual
se acrescentou o prefixo (Na-). Tem relação com o substantivo
comum “ongula” que significa “manhã” em português;
Nangombe – nome próprio derivado do radical “ngombe” ao
qual se acrescentou também o afixo (Na-). Tem relação com o
substantivo comum “ongombe” que significa “boi” em
português;
Mbula – nome próprio derivado do substantivo comum
“ombula” pela redução do prefixo (o-) deste substantivo
comum e que significa “chuva” em português.
3.2.3.2. ANTROPÓNIMOS FORMADOS POR COMPOSIÇÃO
Lyeniveni – nome próprio composto por justaposição do
verbo imperativo mais o pronome possessivo, respectivamente:
(lyeni + veni). Traduzido em português “comam o que é
vosso”. Significa uma invocação aos deuses para que os
feiticeiros não possam matar a feitiço, a criança recém-nascida;
Hinambendi – nome próprio que, traduzido em português,
quer dizer “não tenho culpa”. Dá-se o nome a uma criança cuja
mãe a concebeu com pouca idade. É composto por um verbo e
um substantivo comum, respectivamente: hina + mbendi);
Hinaounhe – nome próprio que traduzido em português
significa “não tenho raiva”. Atribui-se o nome a uma criança
cujos progenitores se encontram desavindos. É composto por
um verbo mais um substantivo comum, respectivamente: (hina
+ ounhe).
52
3.3. BASE DE DADOS DE ANTROPÓNIMOS DA LÍNGUA OLUNHANEKA
Após o tratamento da descrição morfossemântica e fonética dos antropónimos,
procedemos à selecção e à inserção em fichas antroponímicas, organizadas no Software
Excel.
No entanto, dada a dificuldade de leitura, resolvemos efectuar uma apresentação
na tabela que se segue, em formato word.
Antropónimos da língua Olunhaneka
Nº Nome
Sex
o
Etimologia Definição do
significado Grafia
Varian-
tes
gráficas
Variante
gráfica
escolhida
Trans-
crição
fonética
1
Hamba
M
Do
substantivo
comum
“ohamba”
"reino". Na cultura
dos Ovanhaneka
atribui-se o nome à
criança que nasce na
linhagem dos sobas.
Hamba Amba/
Hamba Hamba [hamba]
2
Hitali M/F
Do verbo
transitivo
“okutala”
"veja!". O nome é
uma advertência
para os malfeitores
que, na ocasião de
visitar a criança
recém-nascida, não
lhe façam mal, mas
simplesmente
observem-na.
Hitali Itali/Hitali Hitali [hitali]
3
Hulya M/F
Do verbo
transitivo
“okulya”
"estiagem". O
nome atribui-se a
uma criança nascida
nessa circunstância
da qual resulta o
fenómeno da fome.
Hulya Ulia/Hulya Hulya [hulia]
4
Kahali M/F
Do
substantivo
comum
abstrato
“ohali”
"sofrimento". O
nome atribui-se a
uma criança que
nasce doente ou em
situação de fome.
Kahali Cahali/
Kahali Kahali [kahali]
5
Kaike M/F
Do verbo
transitivo
“okuika”
"vá fechar". Na
cultura dos
Ovanhaneka, o
nome é atribuído à
última criança a
nascer. Também é
aplicado ao último a
ser circuncidado.
Kaike Caique/
Kaike Kaike [kaikε]
53
6
Kandjala M
Diminutivo do
substantivo
comum
“ondjala”
"fome". Na cultura
dos Ovanhaneka
atribui-se o nome a
uma criança que
nasce em
circunstância de
fome.
Kandjala Canjala/
Kandjala Kandjala [kandʒala]
7
Kalitoko M
Do adjectivo
“elitoko”
"pessoa vaidosa".
Na cultura dos
Ovanhaneka o nome
é um epíteto
atribuído a uma
criança em
homenagem a um
membro da sua
família com essa
qualidade.
Kalitoko Calitoco/
Kalitoko Kalitoko [kalitɔkɔ]
8
Kalukilwe M/F Do verbo
“okuluka”
"aquele que não foi
atribuído um nome".
Na cultura dos
Ovanhaneka dá-se
este nome a uma
criança, cujo pai
morre logo que ela
nasce.
Kaluki-
lwe
Caluquilue/
Kalukilwe Kalukilwe [kalukilwε]
9
Kambwale M
Diminutivo do
substantivo
comum
“mbwale”
"irmão mais velho ".
O nome é,
normalmente
atribuído a uma
criança em
homenagem ao seu
xará.
Kambwa
le
Cambwale/
Kambwale Kambwale [kambwalε]
10
Katito M/F
Diminutivo
derivado do
radical do
adjectivo
“tito”
"pequenino". O
nome é atribuído a
uma criança que
nasce muito
pequena ou também
por uma questão de
homenagem a um
membro da família.
Katito Catito/Katit
o Katito [katitɔ]
11
Kavemundi M/F Do verbo
"não o conhecem".
Na cultura dos
Ovanhaneka atribui-
se o nome a uma
criança, cujo pai
morre antes de
nascer.
Kave-
mundi
Cavemundi/
Kavemundi
Kavemund
i [kavεmundi]
12
Lyeniveni M/F
Verbo
justaposto
derivado do
verbo
“okulya” mais
o possessivo
O nome quer dizer
metaforicamente
“comam o que é
vosso!” É atribuído
a uma criança como
forma de protegê-la
Lyenive-
ni
Lieniveni/
Lyeniveni Lyeniveni [lyεniveni]
54
“veni” contra os feiticeiros
ou maus espíritos.
13
MBambi M
Do
substantivo
comum
“ombambi”
"cabra do mato".
Este nome tem sido
atribuído a uma
criança, em
homenagem a um
grande caçador,
especialmente
daquele animal.
MBambi Bambi/
MBambi MBambi [mbambi]
14
MBwale M
Do
substantivo
comum
“ombwale”
"cabra do mato".
Na cultura dos
Ovanhaneka o nome
é atribuído a uma
criança em
homenagem ao mais
velho da família ou
do clã.
MBwale Buale/
MBwale MBwale [mbwalƐ]
15
MPhandi M Deriva de um
provérbio
"a vaca má só se
consegue ordenhar,
dando-lhe cacetadas
aos chifres". Na
cultura dos
Ovanhaneka o nome
é, normalmente
atribuído a uma
criança em
homenagem.
MPhandi Pandi/
MPhandi MPhandi [mphandi]
16
Muhona M
Do verbo
transitivo
“okumona”
“possuir riqueza”.
Refere-se à pessoa
rica, portadora de
muitos bois". Na
cultura dos
Ovanhaneka dá-se
este nome a uma
criança em
homenagem àquele
indivíduo da
família.
Muhona Muona/
Muhona Muhona [muhɔna]
17
Mumbanda M/F
Do
substantivo
comum
“ombanda”
Na cultura dos
Ovanhaneka
significa "terreno de
cultivo fixado a
beira do rio. O
nome atribui-se a
uma criança nascida
de uma segunda ou
terceira esposa.
Mumban
da
Mubanda/
Mumbanda Mumbanda [mumbanda]
55
18
Mutenha M/F
Do
substantivo
“omutenha”
"sol". Na cultura
dos Ovanhaneka o
nome refere-se à
estiagem e dá-se
este nome a uma
criança que nasce
em época de fome.
Mutenha Mutenya/
Mutenha Mutenha [mutεŋa]
19
NGundji M
Do
substantivo
comum
“ongundji”
"pilar". Na cultura
dos Ovanhaneka o
nome é atribuído a
uma criança cujo
xará é o pilar da
família, devido a
sua influência.
NGundji Gunji/
NGundji NGundji [ngundʒi]
20
Pefiko F
Do
substantivo
comum
“efiko”
"festa da
puberdade". Na
cultura dos
Ovanhaneka o nome
é atribuído a uma
criança que nasce
no decorrer dessa
festa.
Pefiko Pefico/
Pefiko Pefiko [pεfikɔ]
21
Sekulu M
Do adjectivo
“sekulu”
"ancião". Atribui-se
em homenagem a
um ancião. Na
cultura dos
Ovanhaneka a
atribuição deste
nome à criança é
uma forma de
protegê-la de
espíritos malignos.
Sekulu
Seculo/
Sekulo/
Sekulu
Sekulu [sεkulu]
22
Soma M
Do
substantivo
“osoma”
"autoridade
tradicional, soba". O
nome é atribuído a
uma criança em
homenagem a um
membro da família
alguém que exerce
ou exerceu tal
cargo.
Soma Soma Soma [sɔma]
23
Tchapona M
Do verbo
intransitivo
“okupona”
"algo que piorou"
Nessa comunidade o
nome é dado a uma
criança concebida e
que nasce em
condições difíceis.
Tchapon
a
Chapona/
Tyapona/
Tchapona
Tchapona [tʃapɔna]
24
Tchihetekela M/F
Do radical do
verbo
transitivo
"experimentá-lo".
Na cultura dos
Ovanhaneka dá-se
este nome a uma
Tchihete
kela
Tyihetekela/
Tchiheteke-
la/
Chietequela
Tchiheteke
-la [tʃihεtεkεla]
56
“-hetekela”
criança que nasce
como resultado de
várias tentativas
feitas pela mãe para
a sua concepção.
25
Tchiliwa M
Forma passiva
derivado do
verbo “okulia”
"comido ou que é
comível". Na
cultura dos
Ovanhaneka dá-se
este nome a uma
criança como um
apelo aos feiticeiros
para poupá-la da
morte.
Tchiliwa
Chiliua/
Tyiliwa/
Tchiliwa
Tchiliwa [tʃiliwa]
26
Tchimoneka M/F
Do verbo
intransitivo
“okumoneka”
"aquilo que
aparece". Na cultura
dos Ovanhaneka dá-
se este nome a uma
criança cujo
nascimento demora
um pouco além do
período normal.
Tchimon
eka
Chimoneca/
Tyimoneka/
Tchimoneka
Tchimonek
a [tʃimɔnεka]
27
Tchipito M
Do
substantivo
comum
“otchipito”
"festa, por exemplo
de casamento". Os
Ovanhaneka
atribuem este nome
a uma criança que
nasce em ambiente
festivo.
Tchipito
Chipito/
Tyipito/
Tchipito
Tchipito [tʃipitɔ]
28
Tchitenha M
Do
substantivo
comum
“omutenha”
"seca ou estiagem".
Na cultura dos
Ovanhaneka dá-se
este nome a uma
criança que nasce
em circunstância de
fome.
Tchitenh
a
Chitenha/
Tyitenya/
Tchitenha
Tchitenha [tʃitεŋa]
29
Tchivandja M
Do verbo
transitivo
“okuvandja”
"procure-o ou olhe-
o" A segunda
acepção é uma
ordem aos
feiticeiros para não
fazer mal a criança
portadora do nome.
Tchivand
ja
Chivanja/
Tyivandja/
Tchivandja
Tchivandja [tʃivandʒa]
30
Tchiyolefa M/F Do verbo
“okuyolefa”
"aquilo que
provoca alegria". O
nome é atribuído a
um filho ou filha,
cujo nascimento foi
muito esperado.
Tchiyole
fa
Chiolefa/
Tyiyolefa/
Tchiyolefa
Tchiyolefa [tʃiyolεfa]
Tabela 3 -Antropónimos com significados e transcrição fonética
57
3.3.1. BASE DE DADOS DE ANTROPÓNIMOS
Ilustração 1- Ficha antroponímica nº 1
58
Ilustração 2 -Ficha Antroponímica nº2
59
Ilustração 3 - Ficha Antroponímica nº3
60
Ilustração 4 - Ficha Antroponímica nº4
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Antroponímia bantu e, especialmente a dos Ovanhaneka, pressupõe antes uma
reflexão acerca dos factores históricos e culturais dessa comunidade etnolinguística,
além dos factores sociolinguísticos que resultam do contacto entre as línguas.
Constatámos, nos documentos recolhidos, em anexo neste trabalho, que o nome
completo que compõe os antropónimos da língua Olunhaneka é variavelmente
constituído entre três a quatro vocábulos:
Nome próprio – europeu ou bantu. O primeiro geralmente surge devido à
influência da religião na vida daquela comunidade, sobretudo o Cristianismo. Outras
vezes são nomes de personagens famosas ligadas a actividades artísticas, desportivas e
cinematográficas que, por razões emotivas e metafóricas, passam a ser opção nas
diferentes famílias das comunidades etnolinguísticas angolanas, sobretudo situadas nas
cidades, devido à influência do fenómeno da globalização.
Apelido do pai – geralmente de origem bantu. De acordo com a análise
feita neste estudo, concluímos que os antropónimos da língua Olunhaneka provêm, em
regra, do léxico geral desta língua, ou seja, de palavras, de expressões, de frases e de
provérbios do dia-a-dia, nos quais estão subjacentes fundamentalmente a experiência e a
filosofia de vida da comunidade, tal como se pode ver nos exemplos do ponto 3.2.1.
Apelido da mãe – também de origem bantu, embora haja poucos casos,
devido ao sistema patrilinear que ainda se encontra vivo na mentalidade de algumas
famílias daquelas comunidades.
Quanto à análise dos aspectos linguísticos, verificámos variação gráfica em
alguns antropónimos, representados, em muitos casos, com base em padrões do sistema
ortográfico português, tal como se pode ver em 3.2.2. Pensamos que a coabitação do
português, as línguas estrangeiras como o inglês e as línguas bantu no mesmo espaço
fez com que os padrões da estrutura fonética e ortográfica daquelas, tenham influências
62
no sistema fonético e no modo de representação gráfica de alguns antropónimos da
língua Olunhaneka.
Com base nesta análise e, apenas para realçar alguns exemplos deste ponto, é, de
certo modo, alto o grau de variação gráfica, sobretudo dos antropónimos que incluem,
na sua estrutura fonética, o som fricativo [tʃi]. Pelo que, nos documentos analisados,
este som é, variavelmente, representado pelos dígrafos ch, tch ou por ci. Em nenhum
nome encontrámos o som representado pela sequência Tyi.
Pelo que, apesar da resolução 3/87 de 23 de Maio, acerca da harmonização
gráfica das línguas bantu, do Instituto de Línguas Nacionais recomendar o uso das
sequências tyi e nyi, pensamos que estas não se encontram em clara harmonia com os
sons [tʃi] e [ŋ] que respectivamente, representam. Essa situação cria, como é evidente,
certas dificuldades quando se leem antropónimos que apresentam, na sua estrutura
gráfica, aquelas sequências gráficas.
Embora a maioria das línguas bantu sejam escritas com base no sistema
alfabético latino, a verdade é que muitos angolanos, falantes ou não das línguas bantu,
representam o som [tʃi] de alguns antropónimos e de outras unidades lexicais bantu,
com os dígrafos (ch e tch). Talvez seja, pensamos nós, devido à analogia que se pode
fazer com determinados sons do português e da língua estrangeira, como o inglês. O
facto de as línguas bantu, o português e o inglês coabitarem no mesmo espaço
geográfico e sobretudo estas últimas fazerem parte do plano curricular académico, pode
ter uma certa influência neste fenómeno de variação gráfica de alguns antropónimos.
Entretanto, a ocorrência desta variação gráfica até em documentos oficiais de
identificação como Boletins de Nascimento, Cédulas Pessoais, Bilhetes de Identidade,
etc., leva-nos a concluir que, embora seja um problema frequente no seio de pessoas
com pouco nível de escolaridade, também é um facto entre pessoas cultas e
profissionais dos Serviços Notariais e Registos Civis.
Pensamos que o desconhecimento do sistema fonético das línguas bantu e da sua
antroponímia, resultantes de factores já tratados no segundo capítulo, constituem-se
numa das principais causas dos problemas de variação gráfica de muitos desses
63
antropónimos. A propósito deste assunto, de variação gráfica, Ernesto d´Andrade
(2007:140) afirma que «a grafia das línguas africanas levanta os mesmos problemas que
a grafia de qualquer outra língua. Não se pode saber ler ou escrever uma língua da qual
não se conhecem as correspondências entre os grafemas e os sons, ou segmentos
fonológicos, que estão associados […]».
Perante essa situação de variação, afigura-se necessário propor a harmonização
gráfica dos antropónimos, sobretudo de origem bantu, cujo sistema fonético necessita,
como é óbvio, de uma sistematização e divulgação para o seu uso e preservação, pelas
comunidades etnolinguísticas angolanas. Este trabalho demonstrou, de alguma forma,
que o património antroponímico do nosso povo está presente em diferentes línguas
bantu faladas no país. Para tal é necessário que este acervo antroponímico seja
recolhido, estudado, preservado e divulgado, para o conhecimento das novas gerações.
Portanto, este trabalho é uma tentativa de trazer ao de cima uma reflexão da
actual realidade antroponímica bantu das comunidades angolanas. O resultado deste
estudo poderá resolver um problema social e servir de incentivo aos futuros
pesquisadores que vão, com certeza, aprofundar o assunto acerca da antroponímia,
especialmente a das línguas bantu existentes em Angola.
64
BIBLIOGRAFIA
LIVROS, REVISTAS E TESES
BARROS, Agnela – A Situação do Português em Angola: in Uma Política de
Língua para o Português. Lisboa, Instituto de Linguística Teórica e Computacional,
2002.
CABRÉ, Teresa – La Terminologia, els mètodes, les applications, Barcelona,
Empúries; versão espanhola (1993) La Terminologia. Teoría, metodologia,
applications, Barcelona, Empúries, 1992.
CARREIRA, António e QUINTINO, Fernando – Antroponímia da Guiné
Portuguesa - Lisboa, Memórias da Junta de Investigações do Ultramar, 1964.
CASTRO, Ivo - Introdução à História do Português – Lisboa, Edições Colibri,
2006.
CHICUNA, Alexandre Mavungo – Portuguesismos nas Línguas Bantu - Lisboa,
Edições Colibri, 2015.
DEMETRIO, Castro – Antroponimia y Sociedad, Universidade Pública de
Navarra, 2014; ISBN 978-84-9769-288-5.
DICK, M. V. P. do Amaral – Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de
estudos, 2ª Edição, S. Paulo, Serviços de Artes gráficas da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas/USP, 1990.
DUARTE, Ruy – Os Kuvale na história, nas guerras e nas crises – Luanda,
Editorial Nzila, 2001.
ENDRUSCHAT, Annette; RADEFELDT, Jurgen Schmidt - Introdução Básica à
Linguística do Português – Lisboa, Edições Colibri, 1ª ed., 2015; ISBN 978-989-689-
488-7.
GUILBERT, L. – La Créativité lexicale - Paris, Larousse, 1975.
65
LINO, Maria Teresa Rijo da Fonseca – A componente morfológica no Banco de
Neologismos do Português Contemporâneo – in Actas do Congresso de Linguística e
Filologia Românicas, Santiago de Compostela, 1989.
LINO, Maria Teresa Rijo da Fonseca – “Terminologia da Lexicologia e
Lexicografia” - in Dicionário de Termos Linguísticos – Lisboa, Universidade Nova de
Lisboa; Associação de Linguística Portuguesa. ILTEC, 1991.
LINO, Maria Teresa Rijo da Fonseca – Mots et Lexiculture, Hommage à Robert
Galisson - Paris, Champion, 2003.
LINO, Teresa Rijo da Fonseca Maria; MEDINA, Daniel; GRÓS, Ana Pita e
CHICUNA, Alexandre – Neologia, Terminologia e Lexicultura. A Língua Portuguesa
em Situação de Contacto de Línguas - Revista de Filologia Linguística Portuguesa.
Nº12 (2), 2010.
LUSAKALALU, Pedro – Línguas e Unidades Glossonímicas – Luanda,
Editorial Nzila, 2005.
MATOS, Norton – A Nação Una. Organização Política e Administrativa dos
Territórios do Ultramar Português - Lisboa: Paulino Ferreira, Filhos, Lda., 1953.
NGUNGA, Armindo – Introdução à Linguística Bantu – Maputo, Imprensa
Universitária, Fundação Universitária, 2004.
REDINHA, José – Etnias e Culturas de Angola – Coimbra: Associação das
Universidades de Língua Portuguesa, 2009. ISBN 978-989-8271-00-6.
REY, Alain – “La Sémantique”, Langue Française, 4, Larousse, Paris, 1977.
SANTOS, J. Almeida – As Classes Morfológicas nas Línguas Bantu – Lisboa,
Nova Lisboa, 1962.
SERROTE, J. Major – Antroponímia da Língua Kimbundu em Malanje –
Dissertação (Mestrado). Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 2015.
SILVA, Alves Raquel – Gestão de Terminologia pela Qualidade – Tese
(Doutoramento). Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 2014.
66
TYIPA, Abraão – Método de Aprendizagem da Língua Nacional Nyaneka-
Humbi e Português – Lubango (Angola), Comissão Arquidiocesana de Cultura, 2002.
VASCONCELLOS, J. Leite – Antroponímia Portuguesa. Tratado Comparativo
da Origem, significação, classificação dos nomes próprios, sobrenomes e apelidos -
Lisboa: Imprensa Nacional, 1928.
DICIONÁRIOS E GRAMÁTICAS
COSTE, D.; GALLISSON, R. – Dicionário de Didáctica das Línguas – Coimbra,
Livraria Almedina, 1983.
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de
Lisboa – Lisboa, Editorial Verbo, 2001.
Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa - Lisboa, Temas e Debates, 2005.
Dicionário Universal de Língua Portuguesa – Novos Vocábulos, Antropónimos,
Topónimos e Estrangeirismos – Lisboa, Texto Editora, 2001.
DUCROT e TODOROV – Dicionário das Ciências da Linguagem - 6ª Edição,
Lisboa, Dom Quixote, 1982.
MATEUS, Maria Helena Mira; FALE, Isabel e FREITAS, Maria João – Fonética
e Fonologia do Português – Lisboa, Universidade Aberta, 2005. ISBN: 972-674-452-0
RAPOSO, E. B. Paiva e NASCIMENTO, M. F. Bacelar – Nomes Próprios – in
Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2013.
VILELA, Mário – Estudos de Lexicologia do Português – Coimbra, Livraria
Almedina, 1994.
VILELA, Mário - Estruturas Lexicais do Português – Coimbra, Livraria
Almedina, 1995.
67
DOCUMENTOS OFICIAIS
Diário da República I Série nº 84. Decreto Lei nº 10/85, de 19 de Outubro, 1985.
Legislação de Registos e Notariado, 1ª edição – Porto: Plural Editores, 2010.
Ministério da Cultura - Ficha Técnica (Tchitundu-Hulu). A Escrita dos Ancestrais
do deserto e as 10 estações de Arte Rupestre da Região de Caraculo - Angola, Instituto
Nacional do Património Cultural, 2014.
68
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1- Ficha antroponímica nº 1 ........................................................................................ 57
Ilustração 2 -Ficha Antroponímica nº2 ....................................................................................... 58
Ilustração 3 - Ficha Antroponímica nº3 ...................................................................................... 59
Ilustração 4 - Ficha Antroponímica nº4 ...................................................................................... 60
Ilustração 5 - Documento 1 ......................................................................................................... 69
Ilustração 6 - Documento 2 ......................................................................................................... 70
Ilustração 7 - Documento 3 ......................................................................................................... 71
Ilustração 8 – Documento 4 ........................................................................................................ 72
Ilustração 9 – Documento 5 ........................................................................................................ 73
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Grupos etnolinguísticos bantu e suas respectivas línguas ............................................ 21
Tabela 2 - Grupos etnolinguísticos não bantu com as respectivas línguas .................................. 21
Tabela 3 -Antropónimos com significados e transcrição fonética .............................................. 56
69
ANEXOS
Ilustração 5 - Documento 1
70
Ilustração 6 - Documento 2
71
Ilustração 7 - Documento 3
72
MAPA DE ANGOLA
Ilustração 8 – Documento 4
73
MAPA DA PROVÍNCIA DO NAMIBE
Ilustração 9 – Documento 5