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1 Programa de Pós-Graduação em Jornalismo – POSJOR/UFSC | PROJETO DE PESQUISA Pesquisador: GISLENE DA SILVA Título: Aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural da notícia Período de execução: 2016-2018 Linha de Pesquisa: Jornalismo, Cultura e Sociedade Grupo de Pesquisa: Crítica de Mídia e Práticas Culturais (Linha Crítica de mídia noticiosa) Financiamento: CNPq / Bolsista PQ2 Aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural da notícia RESUMO: Nos estudos sobre crítica de mídia há o mesmo movimento pendular historicamente observado em outras instâncias de apreciação de produção cultural, qual seja, aquele entre teorias abrangentes sobre a mídia e análises particulares de produtos midiáticos. No ambiente desta tensão, pesquisadores brasileiros do campo da Comunicação percebem certa precariedade no que se refere a teorias e procedimentos da crítica de mídia, especialmente de crítica do jornalismo. A partir desse entendimento, esta pesquisa propõe o estudo de aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural da notícia. A investigação se configura como parte de um projeto maior vinculado ao Grupo de Pesquisa Crítica de Mídia e Práticas Culturais (interinstitucional UFSC/USP), que tem interesse em critérios e modalidades de crítica de mídia, sob a inspiração de como se constituíram as críticas de cinema e de literatura, mais consolidadas. O propósito primeiro é o de tratar a crítica de mídia como campo próprio de pesquisa e ensino. Na perspectiva metodológica desta pesquisa, as análises particulares se localizam em práticas de críticas veiculadas nos meios de comunicação e as teorias abrangentes são procuradas na pesquisa acadêmica sobre a problemática. Na perspectiva epistemológica, a observação está justamente em como se dá a relação entre críticas de objetos midiáticos particulares e teorias abrangentes. Interessa, assim, tanto as críticas de notícias que circulam pela própria mídia como as críticas acadêmicas à cobertura jornalística; ambas as interpretações amparadas em estudos da crítica de mídia e da cultura midiática. Palavras-Chave: Crítica de mídia. Crítica de notícia. Cobertura Jornalística. Cultura.

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Programa de Pós-Graduação em Jornalismo – POSJOR/UFSC | PROJETO DE PESQUISA

Pesquisador: GISLENE DA SILVA Título: Aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural da notícia Período de execução: 2016-2018 Linha de Pesquisa: Jornalismo, Cultura e Sociedade

Grupo de Pesquisa: Crítica de Mídia e Práticas Culturais (Linha Crítica de mídia noticiosa)

Financiamento: CNPq / Bolsista PQ2

Aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural da notícia

RESUMO: Nos estudos sobre crítica de mídia há o mesmo movimento pendular historicamente observado em outras instâncias de apreciação de produção cultural, qual seja, aquele entre teorias abrangentes sobre a mídia e análises particulares de produtos midiáticos. No ambiente desta tensão, pesquisadores brasileiros do campo da Comunicação percebem certa precariedade no que se refere a teorias e procedimentos da crítica de mídia, especialmente de crítica do jornalismo. A partir desse entendimento, esta pesquisa propõe o estudo de aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural da notícia. A investigação se configura como parte de um projeto maior vinculado ao Grupo de Pesquisa Crítica de Mídia e Práticas Culturais (interinstitucional UFSC/USP), que tem interesse em critérios e modalidades de crítica de mídia, sob a inspiração de como se constituíram as críticas de cinema e de literatura, mais consolidadas. O propósito primeiro é o de tratar a crítica de mídia como campo próprio de pesquisa e ensino. Na perspectiva metodológica desta pesquisa, as análises particulares se localizam em práticas de críticas veiculadas nos meios de comunicação e as teorias abrangentes são procuradas na pesquisa acadêmica sobre a problemática. Na perspectiva epistemológica, a observação está justamente em como se dá a relação entre críticas de objetos midiáticos particulares e teorias abrangentes. Interessa, assim, tanto as críticas de notícias que circulam pela própria mídia como as críticas acadêmicas à cobertura jornalística; ambas as interpretações amparadas em estudos da crítica de mídia e da cultura midiática. Palavras-Chave: Crítica de mídia. Crítica de notícia. Cobertura Jornalística. Cultura.

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SUMÁRIO

1. Introdução: problemática e justificativas 07

2. Fundamentação teórica e objeto de estudo 11

2.1. Crítica de mídia e perspectivas do pensamento crítico 11 2.2. Crítica de notícias 16

3. Objetivos da pesquisa 24

4. Procedimentos metodológicos 25

5. Plano de Atividades e Metas 26

6. Cronograma 27

7. Bibliografia Preliminar (incluídas as Referências) 28

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1. Introdução: problemática e justificativas

Nos estudos sobre crítica de mídia há o mesmo movimento pendular

historicamente observado em outras instâncias de apreciação de produção cultural,

qual seja, aquele entre teorias abrangentes sobre a mídia e análises particulares de

produtos midiáticos. Percebe-se na pesquisa brasileira do campo da Comunicação certa

precariedade no que se refere a teorias e procedimentos da crítica de mídia,

especialmente de crítica do jornalismo. Em se tratando do universo da mídia brasileira,

a televisão tem sido a que mais provoca crítica (acadêmica, jornalística e popular-social).

Estas podem ser sobre seus produtos e processos de produção, sobre recepção e

interação social, em especial em relação aos seus programas de ficção, com destaque

para as telenovelas – e são raras as críticas e os estudos sobre como elaborar a crítica

de telejornais, de programas de humor, de esporte, de auditório, de talk shows ou de

reality shows. No caso dos telejornais, assim como das demais mídias noticiosas (rádio,

impressa, internet), embora muito presentes na academia como objeto de investigação

em geral, poucas vezes têm merecido reflexão sobre quais teorias e métodos orientam

a pesquisa crítica de imprensa, assim como em quais bases se dão as críticas presentes

nas próprias práticas midiáticas.

Se a atividade crítica, enquanto método que busca examinar as práticas

midiáticas pressupõe valores e critérios, é necessário que tanto os conceitos usados em

suas análises, bem como a práxis para a qual se voltam, reconheçam os objetos

empíricos analisados como sintomas de uma determinada época histórica, colocando-

os em crise. É nesse intuito que se pode afirmar que a atividade crítica é um lugar de

fala que depende do lugar de quem vê, determinando o que pode ou não ser visto e,

ainda, para quem se dirige essa fala.

Haveria de saída três aspectos fundamentais para o estudo sistemático da crítica

de mídia. O primeiro deles diz respeito à demarcação daquilo que pode ser alocado sob

essa rubrica; o segundo indaga os modos de sua realização e difusão; e o terceiro visa

delimitar os objetos específicos sobre os quais a crítica de mídia pode se debruçar a

partir de escolhas teórico-metodológicas. Dentre os lugares estabelecidos para essa

prática crítica, o jornalismo se destaca, assim como a pesquisa acadêmica, no exercício

de constante observação e controle sobre os conteúdos e gêneros apresentados.

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No caso da crítica de mídia, os juízos de valor elencados emanam das mesmas

esferas que conformam os objetos analisados. A qualificação e a circulação a partir desse

lugar são, portanto, um desafio para a crítica, associando juízos de valor positivos ou

negativos aos objetos a fim de interferir em seus modos de recepção. Se a efetivação da

atividade crítica depende de um repertório compartilhado e da referência a cânones

previamente estabelecidos, o desafio para delinear um solo comum em que possamos

analisar criticamente as mídias exige que olhemos caminhos já consolidados em outras

tradições teóricas, como a filosofia e a arte. A observação das implicações políticas,

sociais, culturais e econômicas para além da materialidade dos objetos estudados

também se apresenta como premissa necessária à crítica de mídia, estabelecendo redes

intertextuais entre tais objetos.

Criticar, em termos gerais, significa desenhar os limites que colocam o objeto em

crise, expandindo-o para além de suas relações textuais mais intrínsecas. Entendemos

que, ao mesmo tempo, são estas mesmas vinculações que delineiam sua inserção

discursiva e sua circulação nas mídias, o que assinala um ponto de virada em relação à

crítica de arte tradicional. Sem incorrer em hierarquizações que recoloquem no debate

a divisão entre alta e baixa cultura, ou entre a cultura popular, massiva ou erudita, é no

campo da cultura midiática que se insere este debate.

Ressalta-se, portanto, uma demarcação entre a crítica que surge na

modernidade para pensar padrões de julgamento frente a objetos nascentes – ou seja,

para explicar aos “leigos” uma nova arte não facilmente assimilável – e a crítica

contemporânea, especialmente aquela voltada para as mídias, da qual cada um de nós

toma parte em diferentes posições, indagando sobre a falência ou a atualidade da

crítica. Didi-Huberman reverba essas inquietações:

Precisamos doravante reconhecer esse movimento dialético em toda sua dimensão “crítica”, isto é, ao mesmo tempo em sua dimensão de crise e de sintoma – como o turbilhão que agita o curso do rio –, e em sua dimensão de análise crítica, de reflexividade negativa, de intimação – como o turbilhão que revela e acusa a estrutura, o leito mesmo do rio (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 171).

Seja como crise, seja como sintoma, é inquestionável a relevância de se pensar

o lugar da crítica hoje, atravessada por injunções tecnológicas e por uma cultura

midiática irradiada no tecido social. Encontrar aberturas críticas em torno de produtos

ordinários, porque da vida comum, como é caso do jornalismo, não significa evocar o

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papel da crítica tradicional para a cultura midiática. Se compartilhamos, em diferentes

medidas, a cultura midiática, dela participando e nela interferindo, pode-se afirmar que

a crítica de mídia, ao contrário de outras, deve ser feita a partir dela mesma, e não com

critérios e valores externos.

É a partir desses pressupostos e contextos, que a pesquisa proposta neste

projeto elege como intenção primeira aprofundar o estudo sobre crítica de mídia

noticiosa, ao qual venho me dedicando nos últimos três anos. São vinculadas a este

estudo (1) a oferta experimental no ano de 2012 da disciplina optativa Crítica de mídia

ministrada por mim no Curso de Graduação em Jornalismo na Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC); (2) a publicação do artigo Para pensar a crítica de mídias em 2013

(Silva, G.; Soares, R. L.); (3) a criação do Grupo de Pesquisa Crítica de mídia e práticas

culturais (interinstitucional UFSC/USP) em dezembro de 2013 no diretório do CNPq; (4)

a orientação da dissertação Critérios de crítica de mídia noticiosa: uma investigação a

partir da polêmica do livro didático, de Wania Célia Bittencourt, concluída em setembro

de 2014 (POSJOR/UFSC) e (5) a apresentação do trabalho Lugares da crítica na cultura

midiática em evento científico (Compós 2015).

A investigação se configura como parte de um projeto maior vinculado ao já

citado Grupo de Pesquisa Crítica de mídia e práticas culturais (grupo interinstitucional

UFSC/USP), que tem interesse em critérios e modalidades de crítica de mídia, sob a

inspiração de como se constituíram as críticas de cinema e de literatura, mais

consolidadas. De grande abrangência empírica, estes estudos observam, na Linha de

Pesquisa Crítica de mídia noticiosa, a compreensão do jornalismo como produto e

produtor de cultura e da prática noticiosa como experiência cultural. Além de tratar de

grande variedade e volume de objetos observáveis, empíricos, esta tarefa de pesquisa é

também de longo prazo, com grande vocação para desdobramentos, especialmente

quando são considerados, no caso das pesquisas de pós-graduação sobre jornalismo, o

interesse difuso em analisar coberturas jornalísticas e o número de mestrandos e

doutorandos aí envolvidos. Dentro deste quadro complexo, há uma lacuna de pesquisa

sobre que tipo de crítica de mídia está posta nas inúmeras teses e dissertações

concluídas que analisam coberturas jornalísticas, e quais teorias as orientam nesta

crítica, implícita ou explicitamente. Este projeto se dedica também ao estudo de

critérios e modalidades de crítica de notícia e à cobertura jornalística, feitas por

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especialistas ou não, que circulam de modo geral pelas várias mídias, incluindo espaços

das redes sociais.

Na conjugação dessas possibilidades e demandas, pode-se estudar a crítica de

mídia em diferentes instâncias ou modalidades:

(a) na percepção de parâmetros, do “como fazer para criticar”, observando a

operacionalização do ofício do crítico e, no caso do jornalismo, com atenção para

implicações éticas e estéticas da cobertura dos acontecimentos noticiados;

(b) no estudo das críticas de mídia que circulam pela própria mídia, seja crítica dos

especialistas ou crítica de modo geral, incluindo o espaço das redes sociais;

(c) na crítica de mídia como um gênero textual;

(d) em interações sociais de crítica, nas quais receptores criticam de maneira dispersa e

informal materiais veiculados e também revelam em suas críticas imagens sociais que

têm da imprensa e dos jornalistas, reafirmando ou questionando fundamentos da

divulgação de notícias;

(e) no estudo das “teorias da crítica noticiosa”, teorizando sobre os modos de “como

fazer para criticar” e de “como criticam os que criticam”, seja com foco nas práticas de

críticos na mídia, seja nas pesquisas acadêmicas;

(f) nos modos e perfis de leitores/receptores de crítica de mídia noticiosa;

(g) e, no que diz respeito à especificidade do jornalismo, a crítica de mídia noticiosa

como recurso didático-pedagógico para o ensino e formação de profissionais.

Dentro dessa problemática, a investigação ora apresentada delimita sua ação e

interesse justamente em duas dessas modalidades, a segunda (b) e a quinta (e): críticas

de mídia que circulam pela própria mídia e “teorias da crítica noticiosa” com base em

pesquisas acadêmicas na pós-graduação. O propósito maior que orienta este estudo é o

de tratar a crítica de mídia noticiosa como campo próprio de pesquisa e ensino.

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2. Fundamentação teórica e o objeto de estudo

2.1 Crítica de mídia e perspectivas do pensamento crítico

Herdeiro do media criticism em sua vertente norte-americana, desde seu início

o pensamento crítico sobre os meios de comunicação constituiu-se a partir de diferentes

perspectivas. Na vertente europeia – na qual se incluem as correntes desenvolvidas no

Brasil –, ele organizou-se em torno da teoria crítica advinda da Escola de Frankfurt; na

vertente americana, voltou-se para a avaliação ou monitoramento do desempenho dos

meios tendo como referência valores socialmente estabelecidos. Nas palavras de

Freitas, duas tendências se apresentam ao tomarmos esse campo de pesquisa:

Na perspectiva da “teoria crítica”, partindo do marxismo, a discussão se dá em torno das questões do poder e da dominação, da propriedade dos meios e da luta de classes; ao passo que, na perspectiva do media criticism, os estudos objetivam a análise dos media tendo como padrão referencial a concordância com as ideias e anseios que determinada sociedade se propõe, com estatutos éticos os quais os regimes de governo deverão observar, com ideais profissionais que orientam as práticas (FREITAS, 1991, p. 88).

Sob o viés da teoria crítica frankfurtiana, podemos reconhecer, alargando sua

abrangência, veículos da imprensa alternativa ou da mídia independente, estudos sobre

a qualidade da produção midiática, iniciativas para o letramento, ou media literacy, e

aquelas visando estabelecer uma leitura crítica das mídias. De modo análogo, ao

observarmos o alcance do media criticism encontramos forte presença na crítica ao

jornalismo, especialmente o impresso, como também o televisivo e, mais recentemente,

o digital, por meio de colunas publicadas nos próprios jornais, presença de ombudsmen

e criação de observatórios de mídia, responsáveis pelo acompanhamento sistemático

da produção e desempenho dos meios. É nesse cenário multifacetado e poroso que

vemos também a produção acadêmica sobre crítica de mídia disposta em duas direções:

na realização efetiva de análises críticas sobre formas e conteúdos midiáticos; ou em

pesquisas dedicadas ao estudo das críticas produzidas na/pelas mídias.

Nesse panorama, uma ausência se manifesta: o estabelecimento de um lugar

para a crítica de mídia que estabeleça a ligação entre as práticas midiáticas e as análises

sobre seu impacto social. Tal liame fazia-se essencial para a consecução, pelo menos até

os anos 1980, de duas importantes funções do media criticism: o acompanhamento dos

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meios e a comunicação com o receptor, colaborando “para a melhoria dos padrões

éticos, culturais e profissionais desse desempenho e estendendo-se aos destinatários

dos meios contribuindo para a formação de públicos seletivos, articulados e dotados da

capacidade de discernimento e de julgamento” (FREITAS, 1991, p. 89).

Essa concepção, ainda segundo Freitas, estabelece que a crítica pressupõe uma

dada representação da sociedade, realizando a análise dos meios a partir desta

representação, ou seja: de certo modo, o que vemos em circulação nas mídias faz parte

de uma cultura estabelecida que é devolvida à sociedade como uma auto-imagem que

nela se perpetua, reafirmando seus valores fundantes: “Os padrões estabelecidos são

relacionais, isto é, baseiam-se em valores. É justamente o acordo sobre esses valores

que tornam os padrões válidos e universais. A integração da crítica ao sistema verifica-

se exatamente através da função de supervisionar ou controlar a efetivação desses

padrões” (FREITAS, 1991, p. 91).

Atualizando o problema a respeito do potencial conservador ou transformador

da crítica, Rancière indaga sobre a possibilidade de ruptura pressuposta na atividade

artística. Ao tratar das relações entre política e estética, o autor nos apresenta dois

modelos, retomados aqui de modo sintético: o pedagógico, direcionado para a

formação do público a partir de bases pré-estabelecidas (entre elas, o funcionalismo ou

a teoria crítica, muitas vezes focadas no conteúdo dos objetos analisados); e o

transformador, interessado na partilha do sensível por meio da busca pela emancipação

e pelo reconhecimento do espectador (baseado na ausência de uma origem ou uma

finalidade, e desencadeando processos de identificação). Para o autor, o papel da arte

seria o de criar ficções alternativas em relação àquelas tidas como consensuais: “As

práticas da arte não são instrumentos que forneçam formas de consciência ou energias

mobilizadoras em proveito de uma política que lhes seja exterior, mas tampouco saem

de si mesmas para se tornarem formas de ação política coletiva. Contribuem para

desenhar uma paisagem nova do visível, do dizível e do factível” (RANCIÈRE, 2012, p.

75).

A intervenção da arte nas relações sociais não seria automaticamente

alcançada, mas oferece, nesse caso, a possibilidade de interferir na partilha do sensível,

forjando “contra o consenso outras formas de ‘senso comum’, formas de um senso

comum polêmico” (RANCIÈRE, 2012, p. 75). A partir dessas reflexões, afirmamos que a

potência crítica não estaria apenas no próprio objeto (não é interna), mas também fora

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dele (no contexto e na recepção). Ou seja, não haveria um modo único de apresentação

da realidade ou algo que precisa ser desvelado, mas a reconfiguração do sensível sob

outros modos de percepção e significação: “A inteligência coletiva da emancipação não

é a compreensão de um processo global de sujeição. É a coletivização das capacidades

investidas nessas cenas de dissenso” (RANCIÈRE, 2012, p. 49). Diferentemente da

proposição engendrada pelo media criticism, que pressupõe menor conhecimento do

público em relação aos especialistas, se estendermos as considerações acima

apresentadas para as práticas midiáticas, podemos notar uma dinâmica de

retroalimentação entre produtores/autores e receptores/espectadores que interfere e

modifica os produtos e processos nelas presentes.

Como podemos ver, diversas correntes de pensamento fornecem aportes, de

modo mais ou menos direto, para nos guiar nessa investigação, já que cada visada

analítica pressupõe uma perspectiva filosófica e uma experiência histórica. É assim que

vemos desdobrarem-se possibilidades críticas a partir de estudos de autoria; estudos

culturais; estudos de gênero; estudos de recepção; dialogismo; análise de discurso;

gêneros discursivos; retórica; hermenêutica; mitologia; história; sociologia;

estruturalismo; etnografia; tecnologias. Nos anos 1990, ao tratarem da crítica televisiva,

Vande Berg e Wenner realizam um empreendimento original para os estudos de mídia:

reconhecendo o amadurecimento das análises sobre televisão, os autores apresentam

os caminhos teóricos nos quais esse meio é estudado, por meio de diversas abordagens

e aplicações. Antes, ainda na década de 1970, Newcomb (1976) publicara uma

importante obra sobre crítica de televisão e, nos anos 2000, Davin e Jackson (2008),

entre outros, atualizaram a temática com novas análises críticas.

Mais do que apresentar estudos de caso sobre programas televisivos de

gêneros variados, de maior ou menor reconhecimento (seja em termos de qualidade,

audiência ou inovação) – e que poderiam ser substituídos por outros, mais atuais –,

Vande Berg e Wenner sublinham duas questões: primeiramente, demonstram a

variedade de vieses crítico-teóricos e interpretações possíveis para os estudos de

televisão; em segundo lugar, salientam a singularidade de tais estudos em relação ao

lugar de fala assumido por cada um dos pesquisadores, que trazem para as análises

assunções e percepções enquanto telespectadores que experienciam maneiras distintas

de ver televisão. Ao empreender essa dupla articulação, o livro nos mostra ao menos

três aspectos fundamentais para a crítica de mídia hoje, seja ela televisiva,

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cinematográfica, musical, jornalística, radiofônica, digital: não há possibilidade de se ter

um consenso sobre os modos de se fazer a crítica de mídia; não é possível realizá-la sem

levar em conta suas condições de produção e recepção; não se pode também fazer a

crítica sem olhar objetos concretos/empíricos (produtos, processos e discursos)

efetivamente em circulação nas mídias.

A atividade crítica seria, portanto, eminentemente plural, construída a partir de

diferentes lugares visando relacionar produtores, obras e públicos “em modos próprios

de discernimento, pondo em ação variada gama de métodos analíticos e de

procedimentos explicativos ou compreensivos” (NUNES, 2007, p. 61-62). Estamos

falando nos grandes paradigmas que orientam os modos de se fazer crítica cultural, que

podem também orientar a crítica de mídia, quando tomamos aquelas questões cruciais:

quem está autorizado a fazer a crítica, qual sua finalidade, os juízos e valores nela

implicados, a formação de público, entre outras. No momento, para além dessas,

queremos enfatizar uma indagação sobre as diferentes maneiras de se praticar a crítica

de mídia, que apontam para duas tendências no modo de abordar o objeto criticado: a

de teorias abrangentes sobre a mídia e a de análises particulares de produtos midiáticos.

Em artigo anteriormente publicado, Silva e Soares (2013) discutem que a crítica

de mídia deveria, conforme percepção de Braga, “abandonar juízos totalizantes sobre

os meios de comunicação, endereçando-os aos produtos midiáticos” (BRAGA, 2006, p.

17). O que Braga sugere é irmos da análise generalizada para aquela mais específica,

recortando das mídias produtos singulares, a fim de reconhecer o repertório ali

articulado. De modo semelhante, Machado segue na direção de análises particulares,

assinalando, no caso da televisão, para a constituição de um “acervo heterogêneo de

trabalhos audiovisuais” que deve ser abordado a partir de uma “perspectiva valorativa”

inscrita na materialidade de seus programas (MACHADO, 2008, p. 24). A afirmação de

Braga, aqui retomada, fornece um caminho para tal empreendimento: “Quanto mais

desenvolvidos sejam os dispositivos críticos, mais provavelmente eles se voltam para

uma análise de produtos específicos (e menos para análises do meio em sua

generalidade)” (BRAGA, 2006, p. 61).

O argumento em defesa é que, ao olhar para o particular, os critérios

orientadores do “como fazer a crítica” tornam-se mais visíveis e palpáveis. De acordo

com Braga, “fazer perguntas mais específicas sobre produtos singulares é o que viabiliza

perceber estruturações diferenciadas, fazer julgamentos mais finos sobre qualidade e

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mais relacionados a critérios expressos (uma vez que ‘qualidade’ não é um valor

absoluto ou definível na ausência de referências sociais)” (BRAGA, 2006, p. 53). Para o

desenvolvimento do processo de crítica de mídia, ele observa que, mesmo diante das

dificuldades em se alcançar “gêneros e dispositivos críticos estáveis”, há que se investir

na necessidade de se estudar ângulos mais promissores de análise e trabalhá-los em

termos de sistematização aberta, percepção explícita de seus enfoques, objetivos e

resultados concretos tanto para o conhecimento do objeto midiático como para a

capacidade interpretativa dos receptores (BRAGA, 2006, p. 274).

O que temos, então, é uma espécie de disputa entre perspectivas de se fazer

crítica de mídia: uma que opta por análises de particulares e outra que busca análises

mais gerais, de totalidades. Esta tensão foi tratada por França em evento científico

recente. No texto a pesquisadora discute o caráter cíclico das abordagens críticas da

comunicação nos últimos quarenta anos no Brasil, reafirmando a importância do resgate

de olhares mais abrangentes, capazes de interpretar as práticas comunicativas na sua

relação com a manutenção e a mudança social. Lembra que nos anos 1970 e 1980, as

teorias denunciavam a mercantilização da cultura, o esvaziamento do simbólico, as

disputas por hegemonia na interpretação da realidade. “Os 20 anos seguintes foram

marcados por certo abandono do viés crítico, em favor de abordagens mais pontuais,

do tratamento de aspectos mais recortados do processo e do produto comunicativo.”

(FRANÇA, 2013).

Amparada nas reflexões recentes de Boltanski (2009), França sugere acolher a

síntese realizada pelo sociólogo francês quando, depois de longa trajetória em direção

a práticas específicas, ele se volta para a mútua dependência e a complementaridade

entre a “crítica” e a “metacrítica”, pondo em destaque os limites da sociologia

pragmática da crítica, uma vez que se perde nela a noção de totalidade – e sem essa

perspectiva abrangente não se conseguiria passar da crítica fragmentada e particular

dos atores a uma visada crítica global da sociedade. França vem reclamar por uma

permanente visada crítica nos estudos comunicacionais, “uma perspectiva que, atenta

ao específico e ao singular, não se feche em objetos e raciocínios autossuficientes, e

possa sempre reenviar esses objetos ao contexto maior no qual eles existem, atuam,

condicionam e sofrem condicionamentos” (FRANÇA, 2013). Sua preocupação não é

solitária entre os pesquisadores brasileiros. Também Braga conclui, ao final, pela

necessidade de “uma construção conceitual do trabalho crítico-interpretativo, baseada

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em referências aos principais processos e perspectivas vigentes do ‘fazer crítica’ sobre

mídia” (BRAGA, 2006, p. 67), que seria uma construção conceitual elaborada para

ampliação e diversificação do escopo da crítica, em função de seus objetivos sociais.

2.2 Crítica de notícias

Ao problematizar a produção de notícias, Stuart Hall a situa como parte de um

“processo complexo que se inicia numa escolha e selecção sistemática de

acontecimentos e tópicos de acordo com um conjunto de categorias socialmente

construídas” (HALL, 1999, p.224). E explicita:

Este processo – a identificação e a contextualização – é um dos mais importantes, através dos quais os acontecimentos são “tornados significativos” pelos media. Um acontecimento só faz sentido se se puder colocar num âmbito de conhecidas identificações sociais e culturais. Se os jornalistas não dispusessem – mesmo de forma rotineira – de tais “mapas” culturais do mundo social, não poderiam “dar sentido” aos acontecimentos invulgares, inesperados e imprevisíveis que constituem o conteúdo básico do que é “noticiável” (HALL at al, 1999, p.226).

Em consonância com esse entendimento, esta pesquisa se dedica ao estudo de

aportes teóricos e técnicos para uma crítica cultural de notícias, partindo justamente do

pressuposto de que o discurso midiático é uma prática cultural. Em sendo assim, a crítica

das mídias se configuraria, portanto, como uma crítica cultural. Tratando de jornalismo,

James Carey (1974) declara categórico, depois de apontar limitações de outros modos

de críticas (conselhos de responsabilidade social, de leitores, ombudsman etc.), que a

crítica de imprensa é essencialmente a crítica da linguagem da imprensa, análoga à

crítica literária ou à crítica de qualquer objeto cultural, definida como

uma avaliação da adequação dos métodos que os homens usam para observar o mundo, a linguagem que eles usam para descrever o mundo, e o tipo de mundo que esses métodos e linguagem implicam. Esta crítica exige, portanto, cuidadosa atenção do público em relação aos métodos, procedimentos e técnicas de investigação jornalística e de linguagem da reportagem jornalística (CAREY, 1974, p. 244)1.

1 “An assessment of the adequacy of the methods men use to observe the world, the language they use to describe the world, and the kind of world that such methods and language imply is in existence. It requires therefore close public attention to the methods, procedures and techniques of journalistic investigation and the language of journalistic reporting.”

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Carey considera que todas as instituições da sociedade moderna devem ser

objetos de crítica, e destaca, com ironia, a veemente resistência do jornalismo em ser

criticado. Ele sustenta o argumento de que a imprensa talvez seja a última de nossas

instituições importantes ainda por ser criticada (CAREY, 1974, p. 238)2. E pergunta: “Por

que as pessoas não exercem a crítica do jornalismo como fazem com educação,

literatura, cinema, arquitetura, religião?”. Considera que “o que existe de crítica do

jornalismo é, ao contrário da literatura, episódico, de qualidade geralmente inferior e

sem fundamento em uma tradição”3 (idem, 1974, p. 236). Ainda em seu juízo, “a

imprensa é atacada e frequentemente vilipendiada, mas não é objeto de análise crítica

fundamentada – nem em público, e raramente dentro das universidades e da própria

imprensa” (idem, 1974, p. 227)4.

Nas sessões de orientação da dissertação Critérios de crítica de mídia noticiosa:

uma investigação a partir da polêmica do livro didático de Wania Bittencourt

(BITTENCOURT, W. 2014), no POSJOR/UFSC, e em artigo produzido em coautoria com a

orientanda e enviado para publicação5, repassamos iniciativas de crítica de mídia

noticiosa no Brasil, práticas geralmente influenciadas por experiências desenvolvidas

nos Estados Unidos, tais como a criação de cargos como o ombudsman e a instituição

de observatórios de imprensa. Mas para Alberto Dines, o pioneiro da atividade crítica

sobre o jornalismo no Brasil seria Lima Barreto, que “ousou ridicularizar não apenas as

panelinhas literárias que se abrigavam nas redações dos grandes jornais, como também

o jogo do poder” (DINES, 1982, p.150). Tal crítica seria capaz de mostrar que o

jornalismo, como instituição, “jamais foi uma ferramenta a serviço da sociedade”,

estando sempre “adaptada aos escopos de uma competição política que visava apenas

à alternância de grupos e não de ideias no comando do processo decisório” (DINES,

1982, p.150). Posteriormente, jornalistas como Godin da Fonseca, Otávio Malta e Paulo

Francis, entre as décadas de 1940 e 1960, teriam se dedicado a observar e comentar o

trabalho da imprensa. O primeiro exerceu a função de crítico em diferentes jornais,

2 Todas as citações referentes ao texto de Carey são apresentadas em tradução própria. 3 “Why are people not draw to the criticism of journalism as they are to education, literature, film, architecture, religion? What criticism of journalism exists is, unlike literature, episodic, of generally inferior quality, and without foundation in a tradition.” 4 “The press is attacked and often vilified, but it is not subject to sustained critical analysis -- not in public and rarely within universities or the press itself.” 5 BITTENCOURT, W.; SILVA, G. Apontamentos históricos sobre crítica de mídia noticiosa no Brasil. (enviado para publicação em periódico).

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entre eles O Mundo, enquanto Malta e Francis atuaram no Última Hora, de Samuel

Wainer. Nenhum deles, no entanto, teria criticado a imprensa como instituição. Estes,

segundo Dines, teriam desmascarado “jornais, jornalistas ou desempenhos jornalísticos

que em sua ótica estavam errados. Mas não feriam a estrutura nem o processo como

um todo porque, cada um deles em sua respectiva trincheira era fruto da mesma árvore”

(DINES, 1982, p.150).

Na avaliação de José Marques de Melo (1986), seria o próprio jornalista Alberto

Dines o pioneiro no media criticism brasileiro, por meio da coluna Jornal dos Jornais,

publicada aos domingos na Folha de S. Paulo, entre os anos de 1975 e 1977. Dines

acabara de retornar dos Estados Unidos após um período como professor-visitante na

Columbia University, em Nova York, no ano acadêmico de 1974-1975, quando foi

chamado pelo diretor do jornal, Otávio Frias, para se tornar colaborador da empresa,

atuando como “chefe da sucursal do Rio de Janeiro e também para escrever um artigo

político diário. Aceitou o desafio (…) e disse que queria fazer uma coluna de crítica de

imprensa (…) No domingo seguinte à conversa, foi publicada pela primeira vez a coluna”

(LOURES, 2008, p.162-163). O conteúdo era composto de “observações e percepções do

nosso cotidiano jornalístico cuja riqueza circunstancial as torna fragmentos

indispensáveis à compreensão dos fenômenos que ocorreram naqueles tempos de

autoritarismo” (MELO, M. 1986, p.13). Dines comentava não apenas a atuação do

próprio jornal em que trabalhava, mas de toda a mídia, levando em conta o contexto

político e social da época. Em função das pressões da ditadura militar, a coluna foi

encerrada por decisão dos proprietários dos jornais em 1977.

Ainda segundo Marques de Melo, embora o Jornal dos Jornais seja um marco dos

primórdios do media criticism brasileiro, o próprio Dines, anteriormente, já havia se

dedicado a criticar a imprensa brasileira. “Em visita ao World Press Institute (vinculado

à Universidade de Columbia - EUA), Dines encantou-se com o boletim do The New York

Times: “Vencedores e Pecadores”, que fazia a crítica interna ao jornal”. A partir da

experiência, em 1965, ele e o jornalista Fernando Gabeira, que trabalhavam no Jornal

do Brasil, “resolveram lançar uma publicação que fosse um fórum de críticas à mídia,

em 1965” (LOURES, 2008, p.161), uma espécie de revista que circulava internamente ao

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jornal, conhecida como Cadernos de Jornalismo e Editoração6. De acordo com

Jawsnicker (2008, p.153), ao todo foram publicadas 49 edições, com periodicidade

irregular.

Paralelamente, outras atividades começaram a surgir no país: em 1972 nasceram

os Cadernos de Comunicação Proal, da Editora e Comunicação Proal, de Manoel Carlos

da Conceição Chaparro, Francisco Gaudêncio Torquato do Rêgo e Carlos Eduardo Lins

da Silva, uma publicação sobre a mídia que circulava no meio acadêmico; em 1977, o

Jornal da Cesta, coluna publicada no jornal alternativo Pasquim, e o livro O papel do

jornal, também de Dines (LOURES, 2008).

O conjunto destas experiências, ainda que isoladas e pouco duradouras,

ajudaram a construir o que é conhecido como media criticism no Brasil. Dines, em artigo

publicado nos anais da Intercom, em 1982, enfatiza o caráter rebelde da atividade.

Segundo o jornalista, o crítico de mídia precisa se reconhecer como “um maldito, um

renunciante, abrindo mão de um lugar ao sol no establishment” (idem, 1982, p.151). E

defende que “o media criticism, como de resto toda a função crítica levada às últimas

consequências, é necessariamente subversivo” (idem, 1982, p.152). Para que o media

criticism exista “é indispensável que seja vocalizado sem constrangimentos, à margem

do status quo e, não, esmagado dentro dele.” (DINES, 1982, p.151). E sugere que a crítica

abasteça a imprensa alternativa, nas quais as pressões internas não interfeririam na

avaliação do jornalismo.

Na opinião de Dines, aqueles que consideram séria a atividade de crítico

deveriam “acrescentar uma contribuição pessoal no exame de obras ou atuações” ou

“procurar fazer dissecações sobre os usos, costumes e das ideias em voga” (DINES, 1982,

p.148). Ele lança algumas noções sobre um modo de operação do crítico de mídia.

Contudo, sua preocupação, naquele momento histórico, tomava a crítica de mídia como

uma resistência aos grandes veículos de comunicação, que monopolizavam o cenário da

mídia no Brasil, país em busca de um processo de redemocratização. Por isso, mais do

que apresentar um modo para se fazer a crítica, o autor defendia sua importância,

explicando a sua função no meio midiático e os possíveis resultados da sua resistência,

qual seja, sua marginilização.

6 De acordo com Jawnicker (2008), “a publicação circulou com três nomes: nas seis primeiras edições saiu como Cadernos de Jornalismo. Em seguida, como Cadernos de Jornalismo e Editoração e, finalmente, como Cadernos de Jornalismo e Comunicação.” Na citação em questão, mantivemos a escolha da autora.

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Quase 15 anos após da publicação do artigo, o jornalista encabeça uma das

iniciativas mais conhecidas e persistentes de crítica no Brasil, o site Observatório da

Imprensa (OI). Lançado em 1996, com o lema “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo

jeito”, o projeto surgiu dentro do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo

(Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atualmente é mantido pelo

Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), organização social sem fins

lucrativos voltada para atividades de formação, treinamento, reciclagem e consultoria.

A inspiração veio do Observatório de Imprensa de Lisboa, de Portugal. Autodefine-se

como um “fórum permanente onde os usuários da mídia (…) organizados em

associações desvinculadas do estabelecimento jornalístico, poderão manifestar-se e

participar ativamente num processo no qual, até há pouco, desempenhavam o papel de

agentes passivos.”7. Em 1998, ganhou uma versão televisiva; no rádio, estreou em 2005.

Pesquisas na área de Comunicação recorrentemente levantam a importância do

OI no cenário de crítica de mídia brasileira. Loures (2008, p.165-166) descreve o site

como “a experiência de crítica de mídia que alcançou até o momento maior visibilidade

na sociedade brasileira”, podendo ser conhecido como o “pioneiro na prática

sistemática do media criticism”. Ao analisar mais detidamente o caso do Observatório

da Imprensa, Braga (2006, p.115) constata que a crítica publicada no site se “afasta

decididamente da possibilidade de “distanciamento crítico” ou de análise estritamente

“profissional”, digamos técnica, baseadas nas “boas regras” do bem apurar e do bem

redigir”. Ou seja, eles não observam detalhadamente ou descrevem como o jornalismo

atua, mas impõem um padrão de exigências sobre como deveria atuar. Braga (2006,

p.131) conclui que o OI tenta “esclarecer (as posições defendidas) e obter a adesão para

esse [o seu] ponto de vista”. Em decorrência desta característica de militância, este

observatório funcionaria, na análise de Afonso Albuquerque et al (2001), mais como um

agente, catalisando opiniões que se assemelhem à posição que pretende defender do

que uma arena aberta ao debate sobre a mídia.

[o lugar da edição] permite ao Observatório da Imprensa não apenas destacar o seu próprio discurso, como também hierarquizar os demais, atribuindo-lhes maior ou menor pertinência. Em decorrência disso, o Observatório, não obstante ser um espaço polifônico, se apresenta como um espaço muito menos plural do que nos parecia ser em princípio (ALBUQUERQUE et al, 2001, p.10)

26 Informações disponíveis no site Observatório da Imprensa, em www.observatorio.com.br.

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Esses poucos apontamentos históricos sinalizam para o complexo debate sobre

quem deve ou pode fazer a crítica de mídia noticiosa. Embora diga que a crítica à

imprensa não deva ser exclusiva de jornais e jornalistas profissionais (CAREY, 1974, p.

239), Carey dá peso para “o incentivo de uma tradição ativa e crítica e um corpo

importante de críticos profissionais” (idem, 1974, p. 240)8. No esforço de pensar além

da defesa da necessidade da crítica aos meios de comunicação, Ciro Marcondes Filho

percebe um vazio de sugestões de como a crítica deve proceder e pergunta “quem pode

fazer a crítica?”, “que critérios (valores) deve utilizar?”, “com que intencionalidade a

crítica resgata seu sentido na sociedade atual?” (MARCONDES FILHO, 2002, p. 22).

Temos aqui apontadas pelo autor questões centrais nessa discussão: (1) da autoridade,

direito e liberdade para criticar; (2) dos parâmetros de como se operar a valoração da

qualidade do objeto que está sob apreciação; e (3) da finalidade última de qualquer

crítica, que deseja, extrapolando o esforço de compreensão, promover alguma ação de

transformação do mundo ao redor.

Porém, mais do que alargar e detalhar esta problemática – em torno de quem

deve/pode fazer a crítica, qual sua finalidade, juízos e valores implicados, formação de

público etc. – importa aqui situar a problema em território mais delimitado, observando

quais as perspectivas da crítica praticada. O que se percebe é que nos estudos sobre

crítica de mídia há o mesmo movimento pendular historicamente observado em outras

instâncias de produção cultural, aquele entre teorias abrangentes sobre a mídia e

análises particulares de produtos midiáticos. Em artigo publicado ano passado (SILVA,

G.; SOARES, R. L., 2013), essa questão começou a ser trabalhada pelas autoras líderes

do Grupo de Pesquisa Crítica de Mídia e Práticas Culturais. Nesse estudo discutiu-se que

crítica de mídia deveria, conforme percepção de José Luiz Braga, “ser mais modesta,

reaproximar-se da crítica artística e literária, e abandonar juízos totalizantes sobre os

meios de comunicação, endereçando-os aos produtos midiáticos” (BRAGA, 2006, p. 17).

O autor avalia que

uma parte significativa da crítica acadêmica é feita antes para confortar perspectivas abrangentes sobre a mídia ou sobre determinados meios do que para ampliar o conhecimento sobre produtos e processos específicos. Quando os específicos são referidos,

8 “The proper response is not a retreat behind slogans and defensive postures but encouragement of an active and critical tradition and an important body of professional’s critics.”

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tendem a aparecer como ilustração de posições abstratas, mais do que como objeto para descobertas concretas (BRAGA, 2006, p. 48).

O que Braga sugere é irmos da análise generalizada para a específica. Pensa que,

com os conhecimentos já desenvolvidos sobre os meios de comunicação, hoje já é

possível e desejável “fazer perguntas mais específicas sobre produtos singulares (e sobre

sua diversidade organizacional e de objetivos)” (idem, 2006, p. 53). Também Arlindo

Machado segue na direção de análises particulares, partindo de sua constatação de que

a televisão brasileira já tem acumulado “um repertório suficientemente denso e amplo

para que se possa incluí-la sem esforço entre os fenômenos culturais mais importantes

de nosso tempo” (MACHADO, 2008, p. 21). Os estudos sobre televisão, segundo

Machado, ainda estão limitados ao acompanhamento de sua programação como um

fluxo exibido por meio de um sistema de difusão abrangente, em vez de se voltarem

para “o conjunto dos trabalhos audiovisuais que a televisão efetivamente produz e a

que os espectadores efetivamente assistem” (idem, 2008, p. 24), conjunto este

constitutivo do repertório televisual, genericamente organizado em programas. Desse

modo, a televisão não é mera tecnologia de transmissão, empreendimento

mercadológico, sistema de controle político-social, sustentáculo do regime econômico

ou máquina de moldar o imaginário (idem, 2008, p. 24), mas, ao contrário, constitui-se

como um acervo heterogêneo de trabalhos audiovisuais que deve ser abordado a partir

de uma “perspectiva valorativa” inscrita na materialidade de seus programas. Braga dá

um passo mais demarcado: “quanto mais desenvolvidos sejam os dispositivos críticos,

mais provavelmente eles se voltam para uma análise de produtos específicos (e menos

para análises do meio em sua generalidade)” (BRAGA, 2006, p. 61).

O argumento em defesa aqui é que, ao olhar para o particular, os critérios

orientadores do ‘como fazer a crítica’ tornam-se mais visíveis e palpáveis. De acordo

com Braga, “fazer perguntas mais específicas sobre produtos singulares é o que viabiliza

perceber estruturações diferenciadas, fazer julgamentos mais finos sobre qualidade e

mais relacionados a critérios expressos (uma vez que ‘qualidade’ não é um valor

absoluto ou definível na ausência de referências sociais)” (BRAGA, 2006, p. 53). Para o

desenvolvimento do processo de crítica de mídias, ele observa que, mesmo diante das

dificuldades em se alcançar “gêneros e dispositivos críticos estáveis”, há que se investir

na necessidade de se estudar ângulos mais promissores de análise e trabalhá-los em

termos de sistematização aberta, percepção explícita de seus enfoques, objetivos e

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resultados concretos tanto para o conhecimento do objeto midiático como para a

capacidade interpretativa dos receptores (idem, 2006, p. 274).

O que temos, então, é uma espécie de disputa entre perspectivas de se fazer

crítica de mídia: uma que opta por análises de particulares e outra que busca análises

mais gerais, de totalidades. É bem este o problema tratado por Vera R. V. França em

evento científico recente. No texto a pesquisadora discute o caráter cíclico das

abordagens críticas da comunicação nos últimos 40 anos no Brasil, reafirmando a

importância do resgate de olhares mais abrangentes, capazes de interpretar as práticas

comunicativas na sua relação com a manutenção e a mudança social. Lembra que nos

anos 70, 80, as teorias denunciavam a mercantilização da cultura, o esvaziamento do

simbólico, as disputas por hegemonia na interpretação da realidade. “Os 20 anos

seguintes foram marcados por certo abandono do viés crítico, em favor de abordagens

mais pontuais, do tratamento de aspectos mais recortados do processo e do produto

comunicativo.” (FRANÇA, V.R.F., 2013). Amparada nas reflexões recentes de Luc

Boltanski9, França sugere acolher a síntese realizada pelo sociólogo francês quando,

depois de longa trajetória em direção a práticas específicas, ele se volta para a mútua

dependência e a complementaridade entre a “crítica” e a “metacrítica”, apontando os

limites da sociologia pragmática da crítica, uma vez que se perde nela a noção de

totalidade – e sem essa perspectiva abrangente não se conseguiria passar da crítica

fragmentada e particular dos atores a uma visada crítica global da sociedade. França

vem reclamar uma permanente visada crítica nos estudos comunicacionais, “uma

perspectiva que, atenta ao específico e ao singular, não se feche em objetos e raciocínios

auto-suficientes, e possa sempre reenviar esses objetos ao contexto maior no qual eles

existem, atuam, condicionam e sofrem condicionamentos” (idem, 2013). Sua

preocupação não é solitária entre os pesquisadores brasileiros. Também Braga conclui,

ao final, pela necessidade de “uma construção conceitual do trabalho crítico-

interpretativo, baseada em referências aos principais processos e perspectivas vigentes

do ‘fazer crítica’ sobre mídia” (BRAGA, 2006, p. 67), que seria uma construção conceitual

voltada para ampliação e diversificação do escopo da crítica, em função de seus

objetivos sociais.

9 BOLTANSKI, L. De la critique. Précis de sociologie de l’émancipation. Paris: Gallimard, 2009.

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Diante deste debate interno ao campo da Comunicação, torna-se interessante

observar como o problema de alcance teórico ou, se preferirmos, de interpretação, se

dá em outros campos. No contexto da crítica literária, Benedito Nunes pergunta: “Como

se faz a crítica?”, por meio de quais “conceitos” e “critérios”? (NUNES, 2007, p. 61-62).

Tal tarefa encontra, segundo Nunes, apoio direto e indireto nas várias correntes

filosóficas em vigência, pois, como afirma, não há crítica sem perspectiva filosófica. Nem

tampouco está ela isolada da experiência histórica. A maneira de se fazer a crítica seria

plural, por diferentes vias de acesso à obra – no caso, ao produto midiático –, “em

modos próprios de discernimento, pondo em ação variada gama de métodos analíticos

e de procedimentos explicativos ou compreensivos”. Estamos falando nos grandes

paradigmas que orientam os modos de se fazer crítica cultural, que bem servem à crítica

de mídia. A ideia de fundo que orienta esse debate é, sem dúvida, a questão sobre a

finalidade da crítica (se transformadora, instrumental, inútil). Na conclusão de seu livro

Teoria da literatura: uma introdução, Terry Eagleton declara não ter ainda respondido à

pergunta mais importante: “Qual a finalidade da teoria literária?”. Sua opinião é a de

que a teoria literária tem uma relevância muito particular para o sistema político: “Ela

contribui, conscientemente ou não, para manter ou reforçar seus pressupostos”

(EAGLETON, 2006, p. 296) – ao que devemos acrescentar: também para derrubar e

trazer outros novos.

Muitos e diversos desafios se colocam para esta tarefa de pesquisa sobre crítica

de mídia no Brasil. Não menos numerosos os desafios quando se investiga a crítica de

mídia noticiosa. De uma perspectiva ampla, o que este projeto de pesquisa pretende

contribuir para diminuição do “vazio de sugestões de como a crítica deve proceder” e

“de como ela já vem se procedendo”, com enfoque na especificidade de aportes teóricos

e técnicos para uma crítica cultural da notícia. De uma perspectiva localizada, a do

objeto de estudo, este projeto propõe a pesquisa de aportes teóricos e técnicos para

uma crítica cultural da notícia.

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3. Objetivos da pesquisa

Observar nos principais veículos da imprensa brasileira práticas de crítica de

mídia, buscando por aportes teóricos e técnicos, com ênfase na crítica de

materiais jornalísticos específicos e observância de implicações éticas e

estéticas dos acontecimentos noticiados.

Rastrear alguns modos de como a pesquisa acadêmica faz a crítica de mídia,

para notações sobre técnicas, métodos e teorias, com foco na crítica de

cobertura jornalística específica ou do jornalismo como instituição.

Colocar em tensão, a partir do estudo dos materiais elencados nos objetivos

anteriores, análises particulares de produtos jornalísticos e teorias

abrangentes sobre a crítica de mídia noticiosa.

Trabalhar uma síntese sobre a crítica da notícia como crítica cultural.

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4. Procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos se amparam em estudos da crítica de mídia e

da cultura midiática, com interesse em critérios e modalidades de crítica de mídia, e

também em sinais de afinidades e diferenças na comparação com aspectos da crítica de

cinema e de literatura. Na perspectiva metodológica da pesquisa ora apresentada, as

análises particulares se localizam em práticas de críticas veiculadas nos meios de

comunicação e as teorias abrangentes são procuradas na pesquisa acadêmica sobre a

problemática. Na perspectiva epistemológica, a observação está justamente em como

se dá a relação entre críticas de objetos midiáticos particulares e teorias abrangentes.

Interessa, assim, tanto as críticas de notícias que circulam pela própria mídia como as

críticas acadêmicas à cobertura jornalística; ambas as interpretações amparadas em

estudos da crítica de mídia e da cultura midiática.

Para dar conta de responder aos objetivos propostos, a operação teórico-

metodológica e epistemológica sobre a crítica de notícias se organizará em três

movimentos:

(1) análise de práticas de crítica de mídia buscando por aportes teóricos e técnicos,

com recorte nas críticas de notícias que circulam pela própria mídia.

(2) análise de modos pelos quais a pesquisa acadêmica faz a crítica de mídia, para

notações sobre métodos e teorias, com foco na crítica de cobertura jornalística

específica ou do jornalismo como instituição.

(3) Contraposição/diálogo, a partir dos materiais observados, entre análises

particulares de produtos jornalísticos e teorias abrangentes sobre a crítica de

mídia noticiosa.

O trabalho será feito com exemplares de práticas de crítica publicadas na mídia

e exemplares de críticas acadêmicas, visando a identificação de procedimentos/

recursos/ técnicas/ métodos/ teorias, fazendo observação de marcadores, num

tratamento qualitativo – não se pretende composição de corpus. Esses dois movimentos

se conjugam para (a) fornecer bases da interpretação da tensão provável entre análises

particulares de produtos jornalísticos e teorias abrangentes sobre a mídia noticiosa e,

com isso, (b) fundamentar melhor a crítica da notícia compreendida como uma das

críticas culturais na contemporaneidade, dado que o jornalismo deve ser tomado,

concomitantemente, como produto cultural e produtor de cultura.

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5. Resultados esperados

1. Participação em eventos científicos, com divulgação de resultados parciais da

pesquisa.

2. Produção de artigos científicos para publicação em periódicos ou livros, durante a

pesquisa e após sua finalização.

3. Fortalecimento da Linha de Pesquisa “Jornalismo, Cultura e Sociedade” do

POSJOR/UFSC e do Grupo de Pesquisa “Crítica de Mídia e Práticas Culturais” (no

Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).

4. Incorporação da experiência de pesquisa e das conclusões do estudo no trabalho de

formação de doutorandos e mestrandos por mim orientados no POSJOR/UFSC, na

disciplina de “Metodologia da Pesquisa em Jornalismo”, ministrada por mim na Pós-

Graduação, e no trabalho com graduandos em projetos de Iniciação Científica /PIBIC.

5. Aperfeiçoamento da disciplina optativa “Crítica de Mídia Noticiosa”, por mim

oferecida no Curso de Graduação em Jornalismo da UFSC.

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6. Cronograma 2016

► Aprimoramento da problemática da pesquisa ► Pesquisa bibliográfica: referenciais teóricos sobre crítica de mídia ► Pesquisa bibliográfica: referenciais teóricos sobre crítica de mídia noticiosa ► Pesquisa bibliográfica: problematização da crítica de notícia como crítica cultural ► Construção metodológica: identificação de procedimentos/ recursos/ técnicas/ métodos/ teorias, fazendo observação de marcadores, com tratamento qualitativo (aplicação de exercício piloto). ► Coleta de dados: seleção de críticas de notícias, de coberturas de imprensa e de instituições jornalísticas que circulam pela própria mídia (preferencialmente em e sobre veículos de jornalismo impresso) ► Descrição e análise desse material, fazendo observações de aportes teóricos e técnicos prerencialmente em crítica de notícias e de coberturas específicas (objetos midiáticos particulares)

2017

► Pesquisa bibliográfica: referenciais teóricos sobre crítica de mídia ► Pesquisa bibliográfica: referenciais teóricos sobre crítica de mídia noticiosa ► Notações sobre métodos e teorias nos modos de a pesquisa acadêmica fazer a crítica de mídia, com foco na crítica de notícias específicas, coberturas jornalísticas particulares e do jornalismo como instituição (preferencialmente de notícias e coberturas particulares) ► Análise desse material buscando por aportes teóricos e técnicos da crítica noticiosa ► Divulgação de resultados parciais em eventos científicos

► Produção e publicação de textos acadêmicos para periódicos da área ou na forma de livros ou capítulos de livros

2018

► Ampliação dos materiais observáveis, se for necessário ► Articulação de análises particulares de produtos jornalísticos e teorias abrangentes sobre a mídia noticiosa ► Sínteses da compreensão da crítica da notícia como crítica cultural ► Elaboração do Relatório Técnico-científico ► Divulgação de resultados consolidados em eventos científicos ► Produção e publicação de textos acadêmicos em periódicos da área ou na forma de livros ou capítulos de livros

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7. Bibliografia Preliminar (incluídas as Referências)

ABRAMO, P. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. ALBUQUERQUE, A.; LADEIRA, J. D. M.; SILVA, M. A. R. Mediacriticism à brasileira: o Observatório da Imprensa. GT Estudos de Jornalismo, X Reunião Anual da Compós, Brasília, 2001. BITTENCOURT, W. C.. Critérios de crítica de mídia noticiosa: uma investigação a partir da polêmica do livro didático (dissertação). POSJOR/UFSC, 2014. BOLTANSKY L. De la critique. Précis de sociologie de l’émancipation. Paris: Gallimard, 2009. BORNHEIM, G.. As dimensões da crítica. In: MARTINS, M. H.. Rumos da crítica. 2. ed. São Paulo: Editora Senac, 2007. p. 33-45. BRAGA, J. L.. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006. CANDIDO, A.. O socialismo é uma doutrina triunfante. Jornal Brasil de Fato (entrevista). São Paulo, SP. Edição 435, jun.-jul. 2011. CAREY, J.. Journalism and criticism: The case of an undeveloped profession. The Review of Politics, 36, 1974, p.227-249. CAREY, J.. Scholarship, Research and Journalism: an interview to David McKnight. Australian Journalism Review 22(2) 2000. CHRISTOFOLETTI, R.. Dez impasses para uma efetiva crítica da mídia no Brasil. Anais do 26. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belo Horizonte-MG, setembro de 2003. São Paulo: Intercom, 2003. [cd-rom] CHRISTOFOLETTI, R.; DAMAS, Susana Herrera. Media watchers: a profile of press criticism in Latin America. Brazilian Journalism Research, Brasília, v. 2, n. 2, p.11-28, jun. 2006. DAVIN, S. & JACKSON, R. (ed.). Television and criticism. Bristol: Intellect Books, 2008. DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998. DINES, A.. Mediacriticism: Um espaço mal-dito. In: SILVA, C. E. L. da. Comunicação, hegemonia e contra-informação. São Paulo: Editora Cortez, 1982. p. 147-154.

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